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228 Estilos clin., São Paulo, v. 17, n. 2, jul./dez. 2012, 228-241. RESUMO A psicanálise de crianças, ao lon- go de sua história, deparou-se com entraves clínicos que possibilita- ram o criar/recriar intervenções analíticas. Em consonância com essas transformações, o presente trabalho pretende apresentar as reflexões de um grupo de estu- dos/pesquisas, a respeito de uma modalidade clínica com crianças, que prima pela inves- tigação do lugar/relação dos pais no setting a Interven- ção Psicanalítica Conjunta Pais-Filhos. Fundamentados pelo pensamento teórico/clínico de Winnicott, estruturou-se três aspectos de observação da dinâ- mica familiar: O Infantil; A Comunicação; O Brincar. Es- tes favorecem a percepção de ele- mentos no manejo clínico, pro- movendo o desvelar de sentidos para a integração das experiên- cias emocionais de cada integran- te do grupo familiar. Descritores: psicanálise de crianças; intervenção psicanalí- tica conjunta pais-filhos; Win- nicott. Dossiê A Membro filiado do Instituto da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP) e do Centro de Estudos e Eventos Psicanalíticos de Uberlândia (CEEPU), Uberlândia, MG, Brasil. Centro de Estudos e Eventos Psicanalíticos de Uberlândia (CEEPU), Uberlândia, MG, Brasil. Centro de Estudos e Eventos Psicanalíticos de Uberlândia (CEEPU), Uberlândia, MG, Brasil. INTERVENÇÃO PSICANALÍTICA CONJUNTA PAIS- FILHOS: FUNDAMENTOS TEÓRICO/CLÍNICOS Helga S. Machado Quagliatto Marines de Fátima Cunha Ludmilla de Sousa Chaves psicanálise de crianças, ao longo de sua história, tem se deparado com entraves clínicos sig- nificativos, que possibilitaram o criar e o recriar de condutas analíticas, percorrendo uma trajetória que vai desde a constatação da possibilidade de anali- sar crianças – na medida em que o sofrimento e a dor psíquica das mesmas foram legitimados e os

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228 Estilos clin., São Paulo, v. 17, n. 2, jul./dez. 2012, 228-241.

RESUMO

A psicanálise de crianças, ao lon-

go de sua história, deparou-se com

entraves clínicos que possibilita-

ram o criar/recriar intervenções

analíticas. Em consonância com

essas transformações, o presente

trabalho pretende apresentar as

reflexões de um grupo de estu-

dos/pesquisas, a respeito de

uma modalidade clínica com

crianças, que prima pela inves-

tigação do lugar/relação dos

pais no setting – a Interven-

ção Psicanalítica Conjunta

Pais-Filhos. Fundamentados

pelo pensamento teórico/clínico

de Winnicott, estruturou-se três

aspectos de observação da dinâ-

mica familiar: O Infantil; A

Comunicação; O Brincar. Es-

tes favorecem a percepção de ele-

mentos no manejo clínico, pro-

movendo o desvelar de sentidos

para a integração das experiên-

cias emocionais de cada integran-

te do grupo familiar.

Descritores: psicanálise de

crianças; intervenção psicanalí-

tica conjunta pais-filhos; Win-

nicott.

Dossiê

A

Membro filiado do Instituto da Sociedade Brasileira

de Psicanálise de São Paulo (SBPSP) e do Centro de

Estudos e Eventos Psicanalíticos de Uberlândia (CEEPU),

Uberlândia, MG, Brasil.

Centro de Estudos e Eventos Psicanalíticos de Uberlândia

(CEEPU), Uberlândia, MG, Brasil.

Centro de Estudos e Eventos Psicanalíticos de Uberlândia

(CEEPU), Uberlândia, MG, Brasil.

INTERVENÇÃOPSICANALÍTICA

CONJUNTA PAIS-FILHOS: FUNDAMENTOS

TEÓRICO/CLÍNICOS

Helga S. Machado Quagliatto

Marines de Fátima Cunha

Ludmilla de Sousa Chaves

psicanálise de crianças, ao longo de suahistória, tem se deparado com entraves clínicos sig-nificativos, que possibilitaram o criar e o recriar decondutas analíticas, percorrendo uma trajetória quevai desde a constatação da possibilidade de anali-sar crianças – na medida em que o sofrimento e ador psíquica das mesmas foram legitimados e os

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sintomas compreendidos como uma aliança entre a pulsionalida-de e as adaptações ao meio em que elas vivem – à construções/evoluções teóricas sobre a subjetividade em seus espaçosintrapsíquicos, interpsíquicos, transgeracionais e transubjetivos –socioculturais.

O percurso inicia-se na orientação aos pais sem a presença dacriança no setting (Freud, 1909/1980) seguindo para a sistematiza-ção de uma técnica individual de análise com crianças e consequen-tes contribuições sobre estados primitivos da mente – Klein ( 1932/1997); Bion (1957/1991); Bick (1964); Winnicott (1971/1984) –indicando um processo de transformação baseado, fundamental-mente, em aspectos concomitantes e indissociados, como a com-preensão e ênfase das escolas psicanalíticas sobre a formação dasubjetividade e os impasses clínicos advindos das experiências ana-líticas com crianças.

Como decorrência dessas transformações, evidencia-se um ter-ceiro elemento: a problematização do binômio pais-filhos e sua in-fluência no setting analítico.

Em consonância a essas transformações e desdobramentos,iniciou-se, em 2006, um grupo de estudos e pesquisas vinculado aoCEEPU (Centro de Estudos e Eventos Psicanalíticos de Uberlân-dia), cuja referência de trabalho é investigar, a partir da experiênciaclínica, modalidades de análise de crianças, assim como, o lugar e arelação dos pais no setting. Fomos buscar subsídios teóricos/técni-cos que elucidassem a pluralidade de sentidos da trama subjetiva dacriança e de seu grupo familiar, sua história, seus elos e suas repre-sentações inconscientes, articuladas a condição inerente da contem-poraneidade, sem deixar de considerar os elementos brutos, irre-presentáveis.

Sendo assim, o grupo vem desenvolvendo novas possibilida-des de intervenção fundamentadas no Método Psicanalítico e nasdemandas contemporâneas, que possuem como característica prin-cipal o acelerado processo de mudanças, no qual os arranjos/confi-gurações familiares e conjugais são cada vez mais variados e as liga-ções afetivas tendem a ser pouco duradouras, conferindo àsformações vinculares a marca da instabilidade, terceirização de cui-dados e isolamento.

Encontramos nos trabalhos de Caron (2000); Mélega (2002);Silva (2003); Almeida et al. (2007); Paravidini (2008); dentre outros,propostas de estruturação de novas modalidades clínicas a fim de

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ampliar a posição psicanalítica frenteao infantil, na medida em que a crian-ça passa a ser recebida, em diferentescontextos terapêuticos, junto com ospais e/ou cuidadores.

Nesse processar, este grupo deestudos e pesquisa, se deparou com aconcepção teórica de Winnicott so-bre o Amadurecimento Pessoal, ten-do a concebido como uma sementegerminadora no solo de nossas in-quietações, pela sua perspectiva ecompreensão de que o ser humanopara existir precisa do cuidado e dodesvelo de outro ser, que viabiliza oseu potencial inato:

O bebê nasce com tendências herdadas queo impulsionam impetuosamente para um pro-cesso de crescimento. Isso inclui a tendênciaem direção a integração da personalidade, emdireção a totalidade da personalidade em cor-po e mente, e em direção ao relacionamentoobjetal, que gradualmente se torna uma ques-tão de relação interpessoal, à medida que acriança começa a crescer e a notar a existên-cia de outras pessoas [...] Esses processos decrescimento, no entanto, não podem ocorrersem um ambiente facilitador, especialmenteno início, quando há uma condição de de-pendência quase absoluta. O ambientefacilitador requer uma qualidade humana, enão uma perfeição mecânica, de tal modo quea expressão “mãe satisfatória” me pareceatender as necessidades de uma descriçãodaquilo que a criança precisa, se os proces-sos de crescimento herdados se tornaremuma realidade no desenvolvimento dessacriança específica (Winnicott, 1968/1999b).

Na concepção de Winnicott(1966/1999a), a família constitui umgrupo, cujo funcionamento se relacio-

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na com a estrutura da personalidadedo indivíduo. Ela é o primeiro agru-pamento e o mais próximo dentro daunidade da personalidade da criança,seguida pelos grupos escolares e pelasociedade. Para ele, o que deve serpercebido para o entendimento dosaspectos infantis/primitivos, do adul-to ou da criança, são os estados dedesenvolvimento e crescimento dapessoa desde a sua concepção e suarelação com o meio ambiente, após onascimento: “Não seria possível en-tender a atitude dos pais relativa aosseus filhos sem considerar o signifi-cado de cada criança em termos defantasia consciente e inconsciente dospais...” (Winnicott, 1965/2005, p. 63).

A partir de meados da década de60, este pensador já questionava osprocedimentos diagnósticos: “Qual éa pessoa doente neste caso? Ainda queseja a criança, às vezes é outra pessoaque causou e está mantendo a per-turbação, ou então pode ser que oproblema seja um fator social” (Win-nicott, 1966/1999a, p. 124).

E também se ocupava em pen-sar na eficiência do manejo clínico,imprimindo relevância às primeirasConsultas Terapêuticas com crianças, nosentido de avaliar e intervir no con-flito inconsciente no tempo possívele disponível de contato, antes de qual-quer escolha terapêutica de longocurso (Winnicott, 1971/1984).

Com essa premissa, Winnicottampliou e lançou as bases para novasperspectivas de trabalho em Psicaná-

lise preconizando não haver necessi-dade de uma escolha técnica a priori,mas sim, que o analista se posicionelivremente para adotar o procedimen-to que julgar importante ao caso:

O princípio básico é o fornecimento de umsetting humano e, embora o terapeuta fiquelivre para ser ele próprio, que ele não distorçao curso dos acontecimentos por fazer ou nãofazer coisas por causa de sua própria ansie-dade ou culpa, ou sua própria necessidade dealcançar sucesso (Winnicott, 1965/1994, p.247).

Na busca de sintonia com essasreflexões, assimilamos de Brafman(1999) o trabalho de inclusão da fa-mília e/ou cuidadores nas primeirashoras de observação com a criançaque motivou a consulta, como umdesenvolvimento daquelas ConsultasTerapêuticas.

Ao se avaliar as possibilidades deuma dada criança ser submetida àanálise, Winnicott (1966/1999a) tam-bém argumenta que não se deve pen-sar apenas no diagnóstico do distúr-bio e na disponibilidade do analista.Deve-se considerar também a capa-cidade que a família pode ter de tole-rar o distúrbio ao longo do períododurante o qual os efeitos da análiseainda não se fazem ver.

Para tolerar o distúrbio de umfilho ou delinear se o significado des-se sintoma é reacional a impasses decomunicação do grupo familiar emque a função materna e/ou paternapossa estar desconfigurada às neces-sidades daquela criança, são necessá-

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rias um tempo de elaboração dos pais em um ambiente facilitador queevidencie e acolha as experiências emocionais.

Intervenção psicanalítica conjunta pais-filhos

Em nossa prática clínica ao sermos procurados para atendi-mento de uma criança até a latência apresentamos uma proposta deavaliação conjunta (com o grupo em que a criança vive: pais, ir-mãos, responsáveis) da situação perturbadora que motivou a procu-ra por um analista. O termo em conjunto refere-se à experiênciaemocional, visto que o ser humano precisa desta para integrar-se.Todos os estados do ser precisam ser experenciados: caso contrá-rio, esses estados permanecem não integrados.

Na proposta de Intervenção Psicanalítica Conjunta Pais-Filhos(IPCPF), a atenção recai não só no funcionamento mental e o de-senvolvimento emocional da criança que motivou a consulta, mastambém a interação entre os membros do grupo familiar, na medi-da em que se concebe que cada participante desperta e reage a fato-res inconscientes dos seus pares e que os pais só conseguem ajudarseus filhos, se não se identificarem com os conflitos inconscientesdos mesmos. Se ocorrer dos pais interpretarem, inconscientemen-te, o conflito da criança como reflexo de suas próprias angústias,perdem a capacidade de ajudá-la e exacerbam o conflito. Forma-seum ciclo vicioso (Brafman, 1999).

Os encontros podem durar em torno de seis a doze sessões,com uma hora de duração cada, permitindo uma flexibilidade queatenda as necessidades de compreensão da dinâmica familiar e deseus componentes.

Prepara-se a sala com brinquedos e material de desenho nãoconfigurado, para configurar o inconsciente e favorecer a condiçãodos pais observarem a si, aos filhos e as interações do grupo, naexperiência emocional com um analista que possa ter uma posturaque propicie um ambiente, físico e emocional, de proximidade, pon-tuando as angústias evidenciadas, a fim de favorecer elaboraçõesafetivas, cognitivas e simbólicas.

Neste ponto o trabalho incide:

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a) Sobre o INFANTIL, ou seja, so-bre os modelos infantis que não so-freram suficientes elaborações paracada membro do grupo familiar ecomo ocorre a repercussão do infan-til no grupo.

Observa-se, neste contexto, ten-do como referencial os estágios deamadurecimento propostos por Win-nicott (1945/2000a): graus de depen-dência; estados de integração, não-integração e desintegração; as tarefasno processo de integração; o objeto,a relação e o uso do objeto; as fanta-sias inconscientes e as defesas.

Segundo Winnicott (1947/2000b), há uma grande diferença en-tre pessoas, em qualquer idade, quetiveram experiências iniciais satisfató-rias e aqueles cujas experiências ini-ciais foram, sucessivamente, deficien-tes ou distorcidas. Pois, neste segundocaso, é o analista a primeira pessoa afornecer certas coisas essenciais nomeio ambiente, o que traz uma im-portância vital para detalhes técnicosda prática analítica destes casos, ma-nejo este que pode ser evidenciadonesta proposta de AIPCPF.

b) Sobre a COMUNICAÇÃO dogrupo familiar para integrar a expe-riência emocional.

Dependendo do momento nodesenvolvimento emocional e das ta-refas que cada membro do grupo fa-miliar está envolvido, são diferentesas formas de comunicação. A comu-

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nicação está intimamente relaciona-da à forma como o objeto é percebi-do, ou seja, à medida que o objetodeixa de ser subjetivamente percebi-do, experienciando a transicionalida-de, para ser objetivamente percebido,na qual a criança gradualmente deixapara trás a área da onipotência comouma experiência de vida, altera-se aforma da comunicação. Na primeirasituação – em que o objeto é subjeti-vo – é desnecessário que a comuni-cação com a criança seja explícita, jána segunda – objeto objetivamentepercebido – a comunicação torna-seou explícita ou confusa (Winnicott,1963/1983b).

Essas variações também são vi-vidas no convívio do grupo familiarcom o analista que, compreende arelação transferencial, nesta modali-dade de trabalho, como uma oportu-nidade para alcançar algo na busca desentido para aquela experiência emo-cional (Winnicott, 1955-56/2000c).

c) sobre o BRINCAR: as expressõeslúdicas e gráficas das crianças na in-terlocução com o discurso e senso dehumor parental, bem como, a lingua-gem pré-verbal são indícios de saúdeemocional: “É no brincar, e talvez ape-nas no brincar, que a criança ou adul-to fruem sua liberdade de criação”,afirma Winnicott (1971/1975, p. 79).

O analista, desta forma, observana IPCPF o fazer e a condição dobrincar, em um tempo e em um espa-ço e não o seu conteúdo. E também,

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a maneira que a(s) criança(s) e seus pais se envolvem e se concen-tram na brincadeira. A criatividade deste ato pode permitir umaseqüência de relacionamentos e desenvolvimentos entre a realida-de psíquica pessoal e os seus objetos (subjetivos – transicionais –objetivamente percebidos) para uma realidade concreta ou com-partilhada.

O manejo clínico

Frente a estas considerações, relataremos uma primeira ses-são de AIPCPF para explicitar as interações observadas em seusdetalhes relacionais:

Alberto é filho único e tem 2 anos e 2 meses. A mãe é 20 anos mais nova que o paie este relata que demorou muito para ter filhos, vendo em Alberto a possibilidadede continuidade de sua geração e dos negócios.

No entanto, estão preocupados, porque o filho não conseguebrincar com outras crianças de sua idade: chora e se isola. Não su-porta barulhos e detecta os mesmos a distância, reagindo com irri-tabilidade. O seu brinquedo favorito é passar o dedo nas rodas doscarrinhos ou rolar uma bola no chão.

O pai chega ao consultório com Alberto no colo e ao colocá-lono chão, a criança se dirige imediatamente aos brinquedos demons-trando interesse e curiosidade. Os pais se sentam e ele explora osmateriais. Pega a caixa de massa de modelar e tenta abri-la. Insistemuito, mas não consegue. Os pais não reagem e Alberto continuatentando sem pedir ajuda. A analista pontua: “parece estar difícil abriresta caixinha!” A mãe diz: “é mesmo!” A analista prossegue: “por queserá que está tão difícil?” A mãe diz: “Uhê! É dura, né meu filho?”. Albertotenta de várias formas e chega a suar. A analista diz: “parece umatarefa difícil para mãos tão pequenas, mas Alberto não pediu ajuda para opapai e a mamãe... e o papai e a mamãe o que podem fazer?”. A mãe diz: “amamãe vai abrir para você.” Alberto sorri. São doze bastões coloridosde massa de modelar. Ele pega o azul e olha para a mãe. Ela diz:“que cor é essa?” Ele responde: “Azul.” Sucessivamente, todas as co-res são nomeadas. É impressionante como as respostas são preci-sas, incluindo gradações de cores. Porém, Alberto não brinca de

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modelar e é observado que ele nãoconhece a função da massinha. A mãepede a Alberto que nomeie algumascores em inglês e ele responde corre-tamente. O pai olha para a analista,que o sente orgulhoso com as respos-tas do filho. A analista pergunta: “OAlberto já aprendeu cores, mas e brincar demassinha?” A mãe diz que ele não temmassinha em casa.

Alberto se dirige a mesa e pegauma embalagem contendo animaisdomésticos e selvagens. A mãe pedepara ele vir guardar as massinhas. Acriança responde a solicitação da mãee tenta colocá-las na caixa. A mãe in-siste que seja feito de forma organi-zada. O menino tenta. A mãe diz quedetesta criança desorganizada. A ana-lista questiona: “mas ele tem que apren-der sozinho?” O pai se levanta e ajudao filho a guardar. Alberto termina atarefa e depois, despeja os animais nochão. A mãe, prontamente, perguntao nome de cada um dos bichos e ascores. A criança responde algumascoisas e vai para a porta tentando abri-la. O pai comenta que ele sempre querir embora dos lugares e que nuncabrinca com ninguém. A analista diz:“talvez seja muito chato apenas brincar denomear cores. Será que existe outro jeito debrincar?” Após uma pausa, o pai fala:“olha, tem lego!” A criança se volta parao pai e começa a manusear as peças.Esforça-se muito para encaixar umana outra, mas não obtém sucesso. Ficairritado, bate as peças no chão. A mãeboceja. Depois de considerável tem-po de trabalho, o menino, já suado,

desiste e pega um carrinho. O paipergunta a marca do carro. Ele res-ponde: “Fusca”. O pai inicia uma sé-rie de perguntas sobre as marcas doscarros dos familiares. O menino épreciso nas respostas, porém vira ocarrinho de cabeça para baixo e co-meça a passar os dedinhos nas rodas.A mãe diz: “É assim que ele fica e aí nin-guém quer brincar com ele!” A analistapergunta: “Então como brinca de carri-nho?” Os pais se olham. Depois de umtempo, o pai pega outro carrinho eempurra para o filho. O menino olhapara o pai que pede a ele para man-dar de volta. O menino responde eos dois começam a brincar. No inter-curso deste início de comunicaçãolúdica entre pai e filho, a analista se-gue comentando as evoluções doscarrinhos e da dupla. Ao final da ses-são, o menino não quer ir embora.

Este primeiro encontro permi-te, simultaneamente, observar aspec-tos de submissão e obediência dacriança frente às solicitações dos pais,bem como seus recursos expressosem sua vitalidade e curiosidade fren-te ao novo, proporcionando interven-ções na dinâmica familiar.

É possível perceber ao vivo, ouseja, na experiência emocional que ospais apresentam dificuldades em com-preender as necessidades do filho,hipervalorizando a aprendizagemconceitual e a independência preco-ce. Os seus aspectos narcísicos impe-dem a comunicação com a criança,que se recolhe e não solicita a pre-sença afetiva dos mesmos. Neste con-

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texto, a criança apenas responde aoobjeto, sem estabelecer relações. Osbrinquedos não servem para brincare se apropriar da experiência.

Assim, a função do analista con-figura-se como um intérprete das ex-periências emocionais, pela sua pre-sença empática, favorecendo umaqualidade na comunicação e possibi-litando um campo de intersecção afe-tiva entre pais e filho, que se abre paraa construção de um espaço potencial, pormeio do brincar.

Prepara-se, nesta modalidade detrabalho, um campo para o amadure-cimento do material, visto que a In-terpretação fora deste amadurecimen-to pode ser sentida como doutrinaçãoe produzir submissão, como nos en-sina Winnicott (1960/1983a).

Alternativas terapêuticas

As alternativas terapêuticas des-ta modalidade técnica incluem inúme-ras variáveis a serem analisadas paraas indicações posteriores a este perío-do. Vale ressaltar que um dos propó-sitos é que o próprio grupo, com asintervenções do analista, conclua pelaindicação ou não de análise individualpara um ou mais membros do grupofamiliar. Portanto, o trabalho favore-ce a compreensão emocional da fa-mília sobre a indicação de análise in-dividual e a permanência, no caso dacriança, no trabalho analítico propria-mente dito.

No caso de indicação para análi-se individual de mais de um membrodo grupo familiar é importante dis-cutir quem permanece com o analis-ta que realizou o trabalho conjunto.A preferência é da criança mais novada família.

Salientamos que, com criançasem sua primeira infância ou com qua-dro de autismo, psicose infantil ouseus correlatos, o trabalho requer, porum período significativo, a presençados pais visto que, há uma unidadeque ainda não pode se independer.

Podem ocorrer situações em queao final do trabalho de AIPCPF, nãohaja indicação para análise individual.Os pais puderam assumir novamen-te, de maneira eficiente, a funçãomaterna e paterna, dados os recursosde integração da experiência emocio-nal encontrados pelo grupo.

Considerações finais

Sendo a Ciência Psicanalíticacorrelata à vida, ela permite amplia-ções e transformações de suas teoriase técnicas, a fim de expandir a com-preensão tanto da subjetividade hu-mana como da contemporaneidade,em suas interfaces, sem que assim sealtere o seu método.

Dentre essas evoluções e ampa-rados pelas contribuições teóricas etécnicas de D. W. Winnicott, acredi-tamos que a IPCPF, possibilita a cria-ção de um espaço em que seja possí-

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vel ao grupo familiar vivenciar ecompreender, protegido pelo settinganalítico, situações conflituosas e apartir delas, ser capaz de desvelar sen-tidos e significados para a integraçãodas experiências emocionais.

E é exatamente por se constituirem um encontro afetivo/transferen-cial entre o analista e o grupo fami-liar, que esta modalidade clínica exi-ge uma formação e condiçãoespecífica do analista, por colocá-loem contato direto com angústias pri-mitivas individuais e coletivas, deman-dando assim, a criação de um ambien-te facilitador lúdico e criativo, quefavoreça uma sustentabilidade emo-cional.

Finalizamos nossas reflexõescom uma recomendação cuidadosa deWinnicott sobre a formação analíticapara aqueles que pretendem levar acabo o trabalho de Consultas Terapêu-ticas:

(...) sou de opinião de que, a fim de preparar-se para efetuar este trabalho, o terapeuta devetornar-se inteiramente familiarizado com atécnica psicanalítica clássica e levar até o“amargo” fim um certo número de análisesconduzidas com base em sessões diárias,continuadas através de anos. Só desta ma-neira é que o analista aprende o que tem queser aprendido dos pacientes e só desta ma-neira é que ele domina a técnica de reter in-terpretações que têm validade, sem impor-tância imediata ou urgente (Winnicott, 1975/1994, p. 244).

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JOINT INTERVENTION PARENT-CHILD PSYCHOANALYTIC:THEORETICAL/CLINICAL FUNDAMENTALS

ABSTRACT

The children psychoanalysis, through its history, has faced clinical barriers that made the create/recreate of analytical conducts possible, making a trajectory that goes from the finding ofchildren analysis possibility to systematization of analytical techniques. Consistent to thesetransformations, this study intends to show the reflections of a studying / researching group,with regard to a clinical mode with children, which emphasizes the investigation of place /relation to parents in the setting – The joint Psychoanalytical – Intervention of Parents-Children( IPCPF ). Reasoned on the theoretical / clinical thought of Winnicott, it was possible tostructure three aspects of family dynamics observation: The Childish, The Communication,The Play. These favor the perception of elements in the clinic handling, promoting the unveilingof senses and meanings to the integration of emotional experiences of each member of thefamily group resulting in therapeutic alternatives beyond to AIPCPF, which can include directionsto individual analysis.

Index terms: children psychoanalysis; the joint psychoanalytical intervention of parents-children; Winnicott .

INTERVENCIÓN CONJUNTA DE PADRES Y NIÑOS PSICOANALÍTICA:FUNDAMENTOS TEÓRICO/CLÍNICOS

RESUMEN

El psicoanálisis de niños, a lo largo de su historia, se enfrenta a obstáculos que han permitidoa los médicos crear o recrear procedimientos de análisis, haciendo uma trayectória que va desdeEl descrubimiento de um examen de los niños a La sistematización de lãs técnicas analíticas.De acuerdo com estos câmbios, este artículo analiza lãs reflexiones de um grupo de estúdios y susencuestas, sobre uma modalidad clínica com niños, que tiene que ver com la investigación dellugar o de la relación entre los padres em el establecimiento – Intervención Conjunta Psicoana-lítica de Padres-Niños (IPCPF). Motivos por el pensamiento teórico-clínicos de Winnicott,estructurado três aspectos de la observación de la dinâmica familiar: la niñez; la comunicación;los juegos. Estos fomentan La percepcón de los elementos de La gestón clínica, La promoción deLa revelación de significados para La integración de lãs experiência emocionales de cada miembroDel grupo familiar, dando lugar a opciones terapêuticas más allá de IPCPF, que podrán incluirindicaciones para el examen(s) individual(s).

Palabras clave: psicoanálisis de niños; intervención psicoanalítica conjunta de los padres eninõs; Winnicott.

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REFERÊNCIAS

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[email protected]. Amazonas, 2245

38405-302 – Uberlândia – MG – Brasil.

[email protected]. Batalhão Mauá, 1482

38440-210 – Araguari – MG – Brasil.

[email protected] Bernardo Cupertino, 1212

38400-444 – Uberlândia – MG – Brasil.

Recebido em março/2011.Aceito em agosto/2011.

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