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CONSELHOS GESTORES DE POLÍTICAS PÚBLICAS: os desafios na sociedade

contemporânea

Sabrina Maia Marques Gomes1

Resumo: Este artigo tem como objetivo refletir os desafios Conselhos Gestores de Políticas Públicas na sociedade contemporânea. Os conselhos apresentam-se como campo de múltiplas possibilidades de intervenção profissional e ao mesmo tempo são de instâncias de controle social, heterogêneos e de correlações de forças numa sociedade capitalista. Ainda sim, são espaços de forte relevância para construção de um projeto de democratização das políticas. Ressalta-se o potencial político da intervenção dos assistentes sociais neste espaço, além da crítica ao projeto hegemônico vigente, tendo como referencial teórico principal o pensamento de Gramsci.

Palavras-chaves: Assistentes sociais, Conselho Gestor de Políticas Públicas, Conselhos Europeus. Abstract:

The aim of this article is to reflect the challenges of

Management Counseling of Public Policy in today‟s

society. The council given is presented with a variety of

possibilities for professional intervention and at the same

time is a product of social control, of joined strengths in a

capitalist society. And still, are highly relevant spaces to

building a project with democratic policies. We emphasize

the political potential of the intervention of social workers,

as well as criticize the current hegemonic project, having

as a main theoretical reference the author Gramsci.

Keywords: Social workers, Management Counseling in

Public Policy, product of social control.

1 INTRODUÇÃO

1Graduada em Serviço Social pela Universidade Estadual do Ceará-UECE, especialista em

Políticas Públicas, Direitos Sociais e Serviço Social, discente do Mestrado Acadêmico de Serviço Social, Trabalho e Questão Social –UECE/2016. Servidora Pública da Secretaria Municipal do Trabalho e Assistência Social de Aquiraz/CE.

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O debate sobre os Conselhos Gestores de Políticas Públicas-CGPP vem

ganhando uma dimensão significativa desde as últimas décadas do século XX até o

presente momento, século XXI, especialmente na área da política pública de

assistência social. Suas experiências têm sido tema de muitos debates, críticas,

ponderações e estudos, principalmente tem instigado à categoria dos assistentes

sociais, pois os conselhos constituíram ao longo dos últimos anos, espaços sócio-

ocupacionais para esta categoria. Muito se tem produzido no campo acadêmico,

mas é necessário aprofundar essa questão frente ao processo de desmantelamento

das políticas sociais, resultado do projeto neoliberal que defende cada vez mais um

Estado mínimo e a retração aguda dos direitos sociais arduamente conquistados, que

“[...] atacam os mecanismos de resistência dos trabalhadores e investem na

deslegitimação das narrativas daqueles que reivindicam seus direitos” (BIDARRA,

2006, p. 56).

As reflexões aqui abordadas continuam provocando profundamente a

todos que atuam direta ou indiretamente nos diversos espaços de participação

democrática (como fóruns, conferências, conselhos, etc), na busca de contribuir para

democratização do Estado e da sociedade brasileira, bem como aproximar o debate

dos diversos segmentos, principalmente os usuários das políticas, da formulação das

políticas sociais existentes no Brasil. E mais do que nunca a palavra de ordem é evitar

qualquer tipo de retrocesso no campo democrático, pois as forças da ordem neoliberal

e de grupos políticos conservadores tentam calar as diversas vozes dos grupos que se

propõem a questionar ou enfrentar o modelo econômico, político e social vigente.

Para apreensão da temática em questão, abordaremos o tema em três

pontos: o primeiro ponto propõe caracterizar três experiências históricas de conselhos

e sua importância enquanto instâncias de participação da classe trabalhadora. O

segundo ponto é traçar alguns elementos significativos para compreender a realidade

dos Conselhos Gestores de Políticas Públicas na atualidade e o terceiro e último ponto

é discutir a participação do assistente social nestes espaços de controle social e

participação e os desafios em questão.

2 OS CONSELHOS EUROPEUS E CONSELHOS GESTORES DE POLÍTICAS

PÚBLICAS: SUBSÍDIOS PARA O DEBATE

Pensando nas transformações e nos desdobramentos que vêm se

processando na sociedade contemporânea, século XXI, tanto na sociedade política

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como na sociedade civil, façamos um novo recorte da temática, a partir de algumas

experiências conselhista para compreender o papel dos Conselhos de Políticas

Públicas assume na sociedade e seus desdobramentos.

Primeiramente, queremos fazer uma breve recuperação de três grandes

experiências conselhista que marcaram a história, ambas na Europa no século XIX.

Experiências que tiveram grande expressividade, sendo estas a Comuna de Paris

(França em 1871), os Sovietes da Rússia (1905-1917) e os Conselhos de Fábrica

da Itália (1919-1921). Os referidos conselhos, no nosso ponto de vista, vivenciaram

momentos extraordinários de participação popular, inaugurou uma novidade histórica,

“a autogestão da coisa pública pelos demandatários” (GONH, 2001), de manifestações

concretas da participação direta do povo na tomada de decisões na esfera pública,

indicando um movimento nacional e internacional de luta da classe trabalhadora.

Ressaltamos ainda uma dimensão muito mais ampla desses momentos históricos,

segundo Marx e Engels (2014, p. 33) a “história de todas as sociedades existentes até

hoje, é a história das lutas de classes”.

“Que é a Comuna, essa esfinge que tanto atormenta os espíritos

burgueses?” Pergunta Marx (1999, p. 84), no documento do Manifesto do Conselho

Geral da Associação Internacional tios trabalhadores sobre a Guerra Civil na França

de 1871. A Comuna de Paris na França foi uma das manifestações da luta de classes

mais simbólica, radical e de uma importância histórica significativa. Ela ocorreu entre

os dias 18 de março até maio 1871, que teve como marco inicial o fuzilamento de dois

generais em Montmartre e o término no massacre sangrento dos trabalhadores. A

experiência da Comuna, segundo Viana (2011) foi à primeira tentativa de revolução

proletária na história do capitalismo e os seus principais aspectos foram à abolição do

Estado, o seu caráter revolucionário e autogestionário. De acordo com o autor, a

Comuna “expressou a supremacia da política proletária sobre a política burguesa,

embora essa ainda tivesse elementos presentes no decorrer do processo” (VIANA,

2011, p.64).

Ao ser proclamado em 28 de março de 1971, a Comuna de Paris 2

provocou profunda mudanças na França em todos os sentidos. Destacamos os

principais resultados desse processo, cita Engels: o Comitê Central da Guarda

Nacional renunciou e assim foi abolida a escandalosa „polícia de costumes‟[grifo do

autor], foi decretada a isenção dos pagamentos de aluguéis de moradias, bem como

2

A França passava por uma forte crise econômica e política, as condições da classe trabalhadora eram deploráveis, como do restante do povo. Todo um contexto favoreceu para um movimento de insurreição popular, derrubando o governo republicano em Paris.

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foi definido o teto máximo do salário dos funcionários da comuna, foi decretada a

separação da Igreja e do Estado e a supressão de todas as subvenções do Estado

para fins religiosos, declarando propriedade nacional todos os bens da Igreja. Mesmo

com a forte repressão, a Comuna de Paris decretou que fosse feito um recenseamento

estatístico de todas as fábricas fechadas pelos patrões e que os trabalhadores

elaborassem planos para o reinicio das atividades, organizados em associações

cooperativas e que futuramente fosse projetado uma federação de todas essas

associações. Outro marco foi à extinção do trabalho noturno dos padeiros, supressão

das agências de emprego, das casas de penhor e a demolição da Capela Expiatória

(ENGELS, 1999, p.15-16). Outro elemento significativo e extremamente desafiador foi

à forma organizativa da Comuna, bem definida por Marx (1999, p. 89-90):

A Comuna era constituída pelos conselheiros municipais eleitos através do sufrágio universal nos diversos distritos de Paris. Eram responsabilizáveis e substituíveis a qualquer momento. A maioria deles era composta naturalmente por trabalhadores ou por reconhecidos representantes da classe operária. A Comuna não era para ser uma corporação parlamentar, mas trabalhadora, executiva e legislativa ao mesmo tempo. (...) Não só a administração municipal, mas também toda a iniciativa até então exercida pelo Estado, foi colocada nas mãos da Comuna.

Portanto, o significado político da Comuna de Paris é tão exaltado por

diversos estudiosos das questões revolucionários, Marx (1999, p.95) vai dizer: “Eis o

seu verdadeiro segredo: a Comuna era essencialmente, um governo da classe

operária, fruto da luta da classe produtora contra a apropriadora, a forma política afinal

descoberta, para levar a cabo a emancipação econômica do trabalho”. Desta forma,

suas propostas eram desafiadoras e revolucionárias, a Comuna “aspirava à

expropriação dos expropriados”, pretendia abolir a propriedade privada (base de toda

civilização), constrói uma “base de instituições realmente democráticas” (MARX, 1999,

p.97).

Mesmo que a Comuna de Paris tenha sido derrotada, esta experiência

provocou mudanças profundas na história da luta de classes e mostra que “o poder

emana do povo, para o povo”, por isto foi tão temida e fortemente esmagada pela

burguesia, que receava a força do povo, principalmente dos operários. Entretanto,

seus princípios permaneceram vivos e serviu de base inspiradora para classe

trabalhadora numa escala global, para que a mesma conquistasse o seu espaço no

interior do projeto societário burguês. O horizonte era a criação de uma nova

“sociedade sob premissas que asseguravam a emancipação não somente política,

mas humana” (HELLMAM, 2005).

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No curso da história, outra experiência surge influenciada pela Comuna de

Paris, são estes os Sovietes. Os sovietes nasciam durante a primeira revolução russa

de 19053, considerada como a primeira tentativa de revolução proletária do século 20.

O seu significado político era imenso, que deu bases para Revolução Russa de 1917.

Os sovietes, ou seja, os conselhos operários representavam segundo

Leonetti, o embrião, as raízes do poder proletário que penetravam na „representação

da fábrica‟, se trata do “novo caráter da democracia proletária, socialista, é

representado justamente por esse seu nascimento nos lugares de produção, como

democracia de produtores” (1981, p.24). O autor vai dizer ainda que diante do “Estado

dos cidadãos”, este criação da burguesia, levanta-se o “Estado do Trabalho”, espaço

do fábrica e do campo, um novo território surge, nova unidade (1981, p. 25).

É importante deixar bem claro que, neste período a „democracia burguesa

e parlamentarista‟ é vista como a „velha democracia‟ e que a classe trabalhadora é

mantida distante do poder estatal, da máquina estatal. Os sovietes representavam o

contrário, representavam uma via pela qual as massas trabalhadoras se aproximavam

dessa máquina. Desta forma, o poder dos sovietes é propriamente a ditadura do

proletariado (LEONETTI, 1981).

O Domingo Sangrento serviu como detonador de um processo mais amplo de revoltas, manifestações e greves e conseguiu aglutinar mais setores da sociedade contra o regime czarista. É neste contexto que surge a terceira fase das lutas operárias, a fase revolucionária (VIANA, 2010, p.49-50)

Neste contexto, nasce o primeiro soviete em 1905 na Rússia após a greve

ocorrida em 12 de maio de 1905, esta teve a participação de mais de 40 mil operários.

Constitui-se um conselho “gestado pela classe operária em seu processo de luta”,

além de soldados e intelectuais revolucionários, portanto formas modernas de

organização. A partir desse momento, novos sovietes foram formados na Rússia, a

exemplo do Soviete de Petersburg que se converteu no centro do movimento

revolucionário do proletariado da capital, embora este movimento não fosse restrito a

capital, também surgiram conselhos nas províncias, bem como surgiram os primeiros

conselhos de camponeses e soldados (VIANA, p.2010).

3 Segundo Viana a “sociedade russa em 1905 era predominantemente pré- capitalista, marcada

por uma enorme classe camponesa e por uma aristocracia czarista dominante. A classe operária começou a surgir no final do século 19 e no início do século 20 já existiam algumas cidades com alto grau de industrialização. O movimento operário nascente deveria enfrentar simultaneamente um regime ditatorial e a exploração capitalista. (2010, p.44).

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Por fim, os sovietes surgiram a partir de uma realidade concreta, de uma

situação de crise do Estado, representaram uma resposta por parte da organização da

classe operária frente à crise do sistema capitalista, fez parte de uma memória

histórica “da luta de setores oprimidos por sua emancipação econômica, política,

social e cultural.” (GOHN, 2001, p 66-67).

Outra experiência de grande relevância foi vivenciada na Itália, os

conselhos operários italianos, principalmente os conselhos de fábrica, sofriam o

entusiasmo da Revolução Russa e a influência da Comuna de Paris. Toda teorização

dos Conselhos de Fábrica vai ser amplamente elaborada por Antônio Gramsci, teórico

marxista e militante do Partido Socialista Italiano (PSI) e sua proposta através do

L‟Ordine Nuovo “é elaborar uma teoria e a prática da revolução soviética (ou

conselhista) na Itália” (COUTINHO, 1981). Desta forma, Gramsci busca estudar a

realidade italiana e descobrir se existe alguma possibilidade, mesmo que embrionária,

de “fundamentos de uma organização operária semelhante aos sovietes”. O embrião

assim foi identificado, as Comissões Internas de Fábrica que haviam se formado na

Itália, especialmente em Turin desde 1906.

As Comissões Internas eram formadas por trabalhadores com a finalidade

de defender os direitos e os interesses do mesmo no interior das fábricas. A proposta

de Gramsci é que estas comissões deveriam ser superadas e assim se tornar germes

de uma nova democracia operária, “superando sua condição de mercadoria e

consequentemente subordinação ao capital, na medida em que assume em suas

mãos o controle do processo produtivo” (1981, p.10). Desta forma, as Comissões se

organizem, façam alterações internas e assim tornem-se Conselhos de Fábrica.

Embora sofresse forte crítica dos seus amigos, dos dirigentes sindicais

reformistas e do próprio PSI, Grasmci recebeu um amplo apoio das bases operárias.

Em 1919 cerca de 50 000 operários de Turin organizaram-se em conselhos conforme

os moldes do L‟Ordine Nuovo. Ouve uma ocupação das principais fábricas em 1920,

porém o movimento acabou sendo derrotado, em decorrência do abandono das

lideranças sindicais e do PSI (COUTINHO, 1981).

Nessa conjuntura, o Conselho de fábrica era concebido como o modelo de

Estado proletário. “Todos os problemas que são inerentes à organização desse Estado

são inerentes à organização do Conselho” (COUTINHO, 1981, p. 42). Neste Estado

proletário acaba o “conceito de cidadão”, sendo substituído pelo “conceito de

companheiro”, assim se desenvolve o sentimento de solidariedade. Assim, “[...] o

Conselho proporciona a unidade da classe trabalhadora, dá às massas uma coesão e

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uma forma que são da mesma natureza da coesão e da forma que a massa assume

na organização geral da sociedade” (idem, 1981, p. 42). O caráter positivo dos

Conselhos defendido por Gramsci encerra também uma crítica às instituições sindicais

da época e ao Partido, dizia ele que a organização proletária (como expressão total

massa operária e camponesa) estava reduzida ao trabalho dos escritórios centrais da

Confederação do Trabalho. Para o autor estas instituições são necessárias no

processo revolucionário, mas não superam o Estado burguês.

O verdadeiro processo da revolução proletária não pode ser identificado com o desenvolvimento e a ação das organizações revolucionárias de tipo voluntária e contratual, como são o Partido Político e os Sindicatos profissionais; organizações nascidas no campo da democracia burguesa, nascidas no campo da liberdade política, como afirmação e como desenvolvimento da liberdade política. (GRAMSCI, 1981, p. 92).

Sob este ponto de vista, na visão de Gramsci, o processo revolucionário é

exercido no campo da produção, na fábrica. Na tentativa do movimento operário

fundar seu Estado, “o nascimento dos Conselhos de Fábrica representa um grandioso

acontecimento histórico, representa um início de uma nova era na história do gênero

humano [...]” (GRAMSCI, 1981, p. 94).

Observando a natureza destas três experiências conselhista europeias,

podemos afirmar a dimensão que ganha o movimento operário, sua força, seus ideais,

sua participação e lutas no processo histórico na sociedade capitalista, mostram que a

emancipação só é possível, “através da materialização de ações participativas nos

atos individuais e coletivos, legitimadores de que os homens fazem a história e não

apenas a sofrem.” (HELLMANN, 2005, p.3).

Os Conselhos Gestores de Políticas Públicas-CGPP, objeto de reflexão e

análise deste trabalho teve como marco legal a Constituição Federal de 1988.

Institucionalmente, os conselhos vinculam-se a concepção de controle democrático da

Carta Magna, com fortes desdobramentos e inovações no campo democrático. Neste

período, segundo Bidarra constata-se “[...] a demanda participacionista que animava

as manifestações das forças sociais progressistas comprometidas com a (re)

institucionalização da democracia, mesmo no contexto do regime de ditatorial” (2006,

p. 42).

É necessário, antes de tudo, levar em considerando à tradição política

centralizadora do Estado Brasileiro, uma vez que a experiência democrática brasileira

sempre foi frágil quando consideramos o peso que a história reservou para esta nação.

Entre os de 1930 a 1964 e o período de 1964 a 1985, que foram anos sob a tutela

militar, a vida nacional passou por períodos sombrios, um pesadelo que deixou

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profundas marcas. O processo de transição democrática se deu forma lenta e não

significou a tomada do poder pelo povo, mas sim pela iniciativa dos próprios militares.

(NOGUEIRA, 2004).

Os conselhos nasceram no Brasil a partir de um novo momento histórico

de reconfiguração do Estado e da sua relação com a sociedade civil, ou seja, a sua

criação está diretamente ligada ao processo de luta por uma democracia participativa,

pela busca pela inserção dos novos sujeitos políticos e fruto de muitas aspirações por

uma nova ordem democrática. Segundo Gohn (2001, p.70) existem três tipos de

conselhos no Brasil, basicamente, são os criados pelo Poder executivo, os populares e

os institucionais.

As primeiras experiências no Brasil foram os Conselheiros Comunitários,

criados por volta dos anos de 1970 com a finalidade de atuar junto à Administração

Pública Municipal, os conselhos populares em meados dos anos 1970 (GOHN, 2006).

O segundo tipo, criados em meados dos anos 70 e início dos anos 1980, contaram

com a participação das organizações da sociedade civil ou dos movimentos populares

foram o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) os Conselhos Populares de

Campinas e o de Saúde da Zona Leste de São Paulo. Desta forma o momento foi

extremamente importante, assim Maria G. Gohn apresenta a perspectiva do

surgimento dos conselhos.

A discussão sobre os conselhos populares, nos anos 80, tinha como núcleo central à questão da participação popular. Reivindicada pela sociedade civil ao longo das décadas de lutas contra o regime militar, havia vários entendimentos sobre o seu significado. O termo recorrente era Participação Popular, e a categoria central é a das classes populares, que remete à de “povo” – figura genérica, carente de estatuto teórico, bastante criticada na literatura das ciências sociais. A participação popular foi definida, naquele período, como esforços organizados para aumentar o controle sobre os recursos e as instituições que controlam a vida em sociedade (2006, p.6).

O terceiro tipo, podemos citar os conselhos institucionalizados, a exemplo

os Conselhos Gestores de políticas públicas, criados nos anos 1990. É importante

destacar que os conselhos gestores e as conferências4 são espaços de controle social,

de natureza participativa e decentralizado [dimensão incorporada pós Constituição de

1988], embrionariamente foram criados de forma paritária, com a seguinte

4 “As Conferências são espaços institucionais de deliberação das diretrizes gerais de uma

determinada política pública. São espaços mais amplos que os conselhos, envolvendo outros sujeitos políticos que não estejam necessariamente nos conselhos, por isso, têm também caráter de mobilização social” (MORONI; PINHEIRO, 2009, p.34). As conferências ocorrem periodicamente, tanto no âmbito municipal, estadual e nacional e contam com participação paritária da sociedade civil organizada e do governo.

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constituição: por representantes do poder estatal e por organizações da sociedade civil

(Organizações da sociedade civil, Associações, Institutos, etc). Em suma, as principais

atribuições dos CGPP são: fiscalização da execução da política e de seu

financiamento, instância de deliberação, avaliam os planos de ação na esfera local,

estadual e federal, normatizam e disciplinam os temas em debate no conselho,

estabelecem critérios para o repasse de recursos financeiros, etc.

Por fim, sua atuação é dentro dos limites das leis que os criaram e sua

operacionalizam de forma plena tem encontrado inúmeros obstáculos. Segundo Gohn

(2001, p. 85) os conselhos, além do papel de mediador da relação sociedade/Estado,

são “instrumentos de expressão, representação e participação da população.” Logo,

“são dotados de potencial de transformação política.”

Os conselhos de políticas e de direitos apresentam-se como novos

mecanismos de participação popular, também como campo de múltiplas possibilidades

de intervenção profissional e de organização política. Nos últimos anos, com a forte

pressão popular e da classe trabalhadora nas diversas políticas sociais, alguns

conselhos passaram a garantir, legalmente, a participação dos usuários dos serviços e

trabalhadores da área.

A inserção dos assistentes sociais no controle social das políticas públicas

tem sido uma realidade concreta. Os profissionais têm atuado de diversas formas, seja

na função de conselheiro, de secretário executivo ou de assessoria. Neste bojo,

salientamos que estes espaços, enquanto instâncias deliberativas e suas decisões

têm que ser compactuadas entre os segmentos que o constituem, apresentam muitos

dilemas que precisam ser identificados pelos profissionais.

Pensar o trabalho profissional dos assistentes sociais nestas instâncias supõe uma dupla dimensão: analisar o controle democrático no contexto macro-societário que vem alterando as politicas sociais com retração dos direitos sociais e as respostas técnico-profissionais e ético-politicas dos agentes profissionais. (BRAVO, 2009, p.2)

Além dessa dupla dimensão exposta por Bravo, os profissionais precisam

perceber que os conselhos enquanto campos de consensos e de disputas de dois

projetos antagônicos no seio da sociedade, ou melhor, espaços que carregam

contradições e contrariedades. Salientamos que a sociedade civil, no sentido

gramsciano, comporta tanto os interesses da classe burguesa, como os interesses das

classes subalternas. Segundo Bidarra (2006, p.43), os conselhos gestores podem ser,

“ao mesmo tempo arenas para representação e para as disputas entre propostas

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totalmente diferenciadas, mas também podem ser foros para a preservação do tipo de

gestão política que melhor corresponda aos interesses dos governantes.”

Conforme foi o exposto, podemos dizer que existem possibilidades de

resistência ao modelo econômico e político vigente, mas não é uma é uma tarefa fácil.

Os assistentes sociais, enquanto parte da classe trabalhadora, possuem uma tarefa

difícil nas mãos. Nos conselhos, a inserção e o trabalho desses profissionais podem

contribuir para o fortalecimento dessas instâncias enquanto espaços plurais,

participativos e democráticos, podem contribuir pra organização política dos

trabalhadores no tocantes as demandas que se coloca no dia a dia das instituições e

das políticas públicas, a categoria pode contribuir para formação dessa nova cultura.

Contudo, não se podem ignorar os desafios no cenário contemporâneo, tanto para o

controle social nas políticas públicas como para o exercício profissional, num contexto

de precarização das condições de trabalho, das transformações que o mundo do

trabalho vem vivenciando com na era do neoliberalismo.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao fazer uma retrospectiva histórica dos Conselhos Europeus e confrontá-

los com a atual experiência de Conselhos Gestores de Políticas Públicas permite

traçar as diferenças básicas de propostas de atuação, mais ainda mostrar o raio de

ação dos CGPP e seus limites. Mesmo que estes movimentos tenham sido derrotados,

significaram e ainda significam as maiores expressões de luta por uma nova ordem

societária, com a extinção do Estado burguês capitalista e a construção do Estado

socialista. O posicionamento destes conselhos era ir além do espaço local, de lutas

pessoais e profissionais e atividades burocráticas no Estado capitalista. Suas práticas

de autogestão da classe operária eram de questionamento da ordem burguesa, de

preparação para uma democracia operária.

Por outro lado, os conselhos de políticas públicas e de direitos sociais,

mesmo que sejam frutos concretos dos diferentes movimentos organizados no interior

da sociedade civil, ainda sim, percebe-se que suas ações ocorrem conforme o

ordenamento jurídico vigente, dentro de uma perspectiva reducionista da luta popular,

desconectada com a totalidade, com ações muitas vezes burocráticas no cotidiano,

sem questionar a ordem hegemônica vigente, sob as regras construídas no interior da

sociedade burguesa.

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Uma questão a se pensar: existe espaço nos CGPP para resistências?

Acreditamos que sim, podem ser espaços de resistências, de participação democrática

e popular, de debate sobre as questões públicas, de luta por mais direitos e garantia

da manutenção dos direitos já alcançados, mas sua proposta de ação não supera o

Estado burguês, repousa na ideia do homem enquanto „cidadão‟, numa democracia

frágil que prevalecem os interesses da classe dominante e do Estado burguês.

Por estes motivos acima, não podem erradicar a ordem social vigente. Os

CGPP expõem algumas lutas, mas entendemos que são expressões de luta muito

maior, que perpassa a dimensão do trabalho na nossa sociedade, de superar o

conceito do cidadão e dar lugar ao homem, enquanto ser social, que o fruto de todos

os problemas ora vividos têm sua gênese na forma como a ordem capitalista age na

sociedade e toma conta de todas as dimensões da vida humana, reduzindo tudo a

mera necessidade de reprodução do capital, ou seja, tudo é “mercadoria”, tudo é

negócio. As necessidades humanas jamais serão completamente atendidas nesta

perspectiva.

Temos visto, na contemporaneidade, uma crescente atuação dos

assistentes sociais nestas instituições e assim é extremamente oportuna a

participação dos diversos segmentos neste processo, pois se trata de um movimento

de avaliação das condições concretas do controle social e da participação nos CGPP.

Todos esses elementos se colocam como desafiadores, principalmente para o Serviço

Social, enquanto profissão que atua direta ou indiretamente na elaboração, gestão e

execução de políticas sociais. Com todos os limites que existem, os conselhos são

canais para participação popular, que tem relevância política e podem ser espaços de

demandas e lutas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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