resumo e análise de o uraguai, para a professora michele

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1 O RESUMO E ANÁLISE DE O URAGUAI Angela Aparecida Frigo Souza* Frederico dias freire * Gleiciana Almeida Frazão* Shirley Carvalho* Paulo Henrique Vieira do Nascimento* GAMA, Basílio. O Uraguai . 4 ed. Rio de Janeiro: Editora Record, 2003. O Uraguai é uma obra escrita por Basílio da Gama em 1769, escritor pertencente à escola literária conhecida como “Arcadismo”. O autor nasceu em 1741, na Vila de São José Del- Rei, hoje Tiradentes. Estudou em uma escola jesuítica e foi noviço na Companhia de Jesus. Com a expulsão dos jesuítas das terras portuguesas, em 1759, Basílio permaneceu algum tempo no Rio de Janeiro, viajando depois para Itália e para Portugal, onde foi preso sobre a suspeita de ser partidário dos jesuítas. Teve a sua sorte mudada por ter escrito um Epitalâmio em homenagem às núpcias da filha do poderoso Marques de Pombal, de quem se tornou protegido e recebeu o cargo de Secretário do Reino, tornando-se assim, um defensor da política pombalina. Porém o seu maior feito deve se a sua contribuição para com a literatura, em especial a sua obra- prima O Uraguai, poema épico arcádico que é o objeto do presente trabalho. Antes de abordar de fato a obra, faz-se 1 ***** Acadêmicos do 4° período noturno do curso de Letras, do Instituto Superior de Educação da Faculdade Alfredo Nasser, no semestre letivo 2012/2.

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Page 1: Resumo e Análise de o Uraguai, para a professora Michele

1O RESUMO E ANÁLISE DE O URAGUAI

Angela Aparecida Frigo Souza* Frederico dias freire *

Gleiciana Almeida Frazão* Shirley Carvalho*

Paulo Henrique Vieira do Nascimento*

GAMA, Basílio. O Uraguai. 4 ed. Rio de Janeiro: Editora Record, 2003.

O Uraguai é uma obra escrita por Basílio da Gama em 1769, escritor pertencente à

escola literária conhecida como “Arcadismo”. O autor nasceu em 1741, na Vila de São José

Del-Rei, hoje Tiradentes. Estudou em uma escola jesuítica e foi noviço na Companhia de

Jesus. Com a expulsão dos jesuítas das terras portuguesas, em 1759, Basílio permaneceu

algum tempo no Rio de Janeiro, viajando depois para Itália e para Portugal, onde foi preso

sobre a suspeita de ser partidário dos jesuítas. Teve a sua sorte mudada por ter escrito um

Epitalâmio em homenagem às núpcias da filha do poderoso Marques de Pombal, de quem se

tornou protegido e recebeu o cargo de Secretário do Reino, tornando-se assim, um defensor da

política pombalina. Porém o seu maior feito deve se a sua contribuição para com a literatura,

em especial a sua obra-prima O Uraguai, poema épico arcádico que é o objeto do presente

trabalho. Antes de abordar de fato a obra, faz-se necessário uma breve apreciação do contexto

histórico, ou seja, da atmosfera circunstancial onde o Arcadismo se encontrava, de suas

características e propostas.

No Arcadismo ou Neoclassicismo, percebe-se o resgate de elementos da cultura

Greco-Romana, além de uma nítida oposição ao rebuscamento da escrita barroca. Nessa nova

fase não existe mais espaço para os conflitos entre a igreja e a burguesia, pois a razão e a linha

de pensamento positivista são os novos parâmetros pregados pelos pensadores Iluministas.

Nesse contexto, a produção literária é voltada para a vida campestre, a linguagem assume uma

expressão simples e despojada, a mitologia pagã é retomada e os poetas adotam pseudônimos

pastoris para melhor expressar esse ambiente bucólico. O Uraguai, apesar de ser uma obra

arcádica, por ter sido escrita no final do século XVIII, possui traços que a aproximam do

Romantismo, como a defesa do nativo, o índio, como o verdadeiro herói nacional.

1***** Acadêmicos do 4° período noturno do curso de Letras, do Instituto Superior de Educação da Faculdade Alfredo Nasser, no semestre letivo 2012/2.

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Trata-se de uma poesia épica, centrada no tema do descobrimento e colonização dos

países da América Latina, porém, diferente do molde Camoniano, sua estrutura é composta

por versos decassílabos brancos, sem rima, além de apresentar apenas cinco cantos ajustados

em uma única e longa estrofe. Essas características o afastam da forma rígida clássica das

epopeias. No Canto I da obra já é possível perceber a diferença na estrutura tradicional desse

tipo de gênero, pois se sabe que a epopeia é composta pelas seguintes partes: proposição,

invocação, dedicatória, narrativa e epílogo. No entanto, em O Uraguai, o desdobrar da obra

inicia-se com a reunião das tropas portuguesas e espanholas comandadas pelo General Gomes

Freire de Andrade, o autor de imediato se concentra em apresentar o campo de batalha

coberto de destroços e de cadáveres.

Fumam ainda nas desertas praiasLagos de sangue tépidos e impurosEm que ondeiam cadáveres despidos,Pasto de corvos. Dura ainda nos valesO rouco som da irada artilheria.MUSA, honremos o Herói que o povo rudeSubjugou do Uraguai, e no seu sangueDos decretos reais lavou a afronta.(GAMA, Basílio. O Uraguai. 4 ed. Rio de Janeiro: Editora Record, 2003.)

Em síntese, o Canto I pode ser resumido na última frase do parágrafo anterior, é fácil

perceber a falta da presença da invocação no início da estrofe, traço marcante das epopeias

clássicas, essa característica, juntamente com a proposição, somente serão apresentadas a

partir do sexto verso. Fato que torna a obra uma inovação. No sexto verso, nota-se a evocação

das musas, que se originam da Arcádia Romana, o poeta pede para que elas voltem a sua

atenção para o conflito que acontece na América. Ainda nesse Canto, a natureza é retratada de

maneira densa e ágil, se aproximando muito mais do paisagismo Romântico que da veneração

Arcádica, já é um prelúdio de uma relação mais direta dos sentidos com o ambiente.

Ainda nesse Canto, encontramos a dedicatória, que foi dada ao ministro da marinha

Mendonça Furtado, irmão do Marques de Pombal. Dos versos 21 ao 139, encontramos a

narração, outra característica estilística da epopéia. Nessa primeira parte, não se pode deixar

de citar a crítica à cegueira da guerra e da conduta dos jesuítas, que para o eu lírico é são

principais responsáveis pela a matança dos nativos.

No Canto II, é mostrada a partida do exército luso-castelhano e a soltura dos índios

aprisionados. Encontra-se também o relato do encontro entre os caciques Cepê e Cacambo e o

comandante português, Gomes Freire de Andrade, à margem do rio Uruguai. O acordo é

impossível porque os jesuítas portugueses se negavam a aceitar a nacionalidade espanhola.

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Ocorre então o combate entre os índios e as tropas luso-espanholas. Os índios lutavam

valentemente, mas foram vencidos pelas armas de fogo dos europeus. Cepê morre no conflito,

Cacambo comanda a retidada. Traz à baila a narrativa da batalha travada entre índios e

conquistadores brancos, cabendo à vitória aos portugueses e espanhóis. O canto é marcado

pelos diálogos entre os brancos e os índios. No confronto entre Cacambo e o general

português, vemos as teses divergentes. O cacique propõe, com discurso estadista, a retirada

dos portugueses, que nada ganhariam com a posse da região, carente de riquezas,

desinteressante, pois, para a Metrópole lusa. Dentre as particularidades desse canto, podem-se

destacar a dependência dos índios em relação aos religiosos, os jesuítas.

“Nós os índios, não temos outro rei mais do que os padres.”, nesse trecho é evidente a

submissão dos índios aos jesuítas, que para o autor, foram os principais culpados pelo

massacre desses nativos. Ainda nesse canto, o comandante português, Gomes Freire de

Andrade, tenta convencer os índios que o rei não os escravizará, que os concederá a mesma

liberdade que os cidadãos portugueses desfrutam. (ZILBERMAN, 1995, p. 139)

“O rei é vosso pai: quer-vos felizes. Sois livres, como eu sou; e sereis livres, não sendo

aqui, em outra parte.” (GAMA, Basílio, 2003); o fragmento confirma a iniciativa de persuasão

do comandante português, onde é observado a predominância da linha de pensamento

setecentista, isto é, onde o bem privado, o dos padres jesuítas, que não constituíam um Estado,

deveria ceder ao bem público, no caso o das grandes nações européias. Como já é sabido, o

diálogo de paz não obtém sucesso, o conflito é inevitável. Vale-se ressaltar a influência da

política “Pombalina” como regente e difusora dos pensamentos Iluministas do século XVIII,

onde é valorizada a racionalidade até mesmo do homem selvagem, como pode ser observado

nos argumentos de Cacambo, porém a razão mais valorizada é a do europeu, em especial a do

português colonizador, imperialista.

No Canto III, o general português acampa às margens de um rio. Do outro lado,

Cacambo descansa e sonha com o espírito de Cepé, este o incita a incendiar o acampamento

inimigo. Cacambo atravessa o rio e provoca o incêndio, depois, regressa para a sede. Surge

Lindóia. A mando de Balda, prendem Cacambo e matam-no envenenado. Baldo é o vilão e

não mede esforços para tornar seu filho Baldetta cacique, no lugar de Cacambo. Observa-se

aqui mais uma forte crítica aos jesuítas. Tanajura propicia visões a Lindóia. A índia “vê” o

terremoto de Lisboa, a reconstrução da cidade pelo Marquês de Pombal e a expulsão dos

jesuítas. Nessa parte da obra, encontramos a valorização da mitologia indígena, onde a

feiticeira faz uso de ritos que farão o futuro se revelar para Lindóia; além de criticar

severamente a figura do jesuíta. O que também chama a atenção é a métrica utilizada no

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Canto, os versos utilizados são brancos, obedecem às regras métricas de versificação ou

acentuação, mas não possuem rimas, como podemos ver ao observar um de seus trechos:

Lá, como é uso do país, roçandoDois lenhos entre si, desperta a chama,Que já se ateia nas ligeiras palhas,E velozmente se propaga. Ao ventoDeixa Cacambo o resto e foge a tempo(GAMA, Basílio. O Uraguai)

Nessa parte da obra, percebe-se o ápice da leviandade jesuíta. Balda é a caricatura

maldosa e vil que representa toda sua ordem. A reconstrução de Lisboa é realizada pelo

Marques de Pombal, figura escancaradamente e tendenciosamente defendida pelo poeta

Basílio. Essa postura serve como mais um fator que aproxima a sua obra do épico de Camões,

pois se sabe que o livro Os Lusíadas fora dedicado ao D. Sebastião, na época, rei de Portugal

e protetor de Camões, assim como Pombal era protetor de Basílio. Então, nada mais natural a

quase mitificação de Pombal em O Uraguai, lembrando que o livro não foi dedicado ao

marquês, mas sim ao irmão do mesmo.

Resumindo-se o Canto IV, constata-se que Andrade, após salvar as tropas do incêndio,

marcha em direção aos Sete Povos das Missões. Sobe uma alta montanha e de lá contempla a

beleza da região. Enquanto isso, padre Balde dá início aos festejos do casamento de Baldetta

com Lindóia, com um desfile militar. Lindóia foge da aldeia, penetrando na parte mais remota

do antigo bosque, lá seu irmão, Caitutu, encontra a entre jasmins e rosas, Lindóia junto a uma

pedra que lhe servia de lápide e um fúnebre ciprestre que lhe cobria com uma sombra

melancólica. Caitutu, ao tomar a irmã nos braços, descobre os sinais do veneno, ela já havia

sido picada; percebe o quanto era bela a morte no rosto. Quando Balda descobre o suicídio,

proíbe que ela seja velada e sepultada, sequer permite que se chore e manda deixar o seu

corpo exposto às feras. Logo após, busca vingança contra a feiticeira Tanajura, condenando à

morte. Neste momento, entra na Missão um índio dando o alarme da chegada dos inimigos.

Tedeo sugere reunir as tropas em outra cidade dos Sete Povos e Balda dá a ordem de retirada,

ordenando a queimada de tudo, a começar pela choupana de Tanajura. Quando as tropas

chegam à missão, percebem que já era tarde demais, e Andrade vê tudo em cinzas. Não

restava um único edifício em pé, Andrade, indignado com o que vê, chora. Entram no grande

templo e observam que as imagens sagradas foram destruídas e, na abóbada, contemplam uma

grande pintura. O narrador termina o canto invocando o “gênio” da inculta América para

inspirá-lo a continuar a história.

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Nesse Canto, é encontrado o mais famoso acontecimento da obra, e talvez, da escola

literária do Arcadismo. Trata-se da morte de Lindóia, uma passagem bela, pela riqueza de

detalhes, no entanto fúnebre e melancólica. Nota-se nesse trecho uma característica que será

desenvolvida no Romantismo, ou seja, é uma antecipação de uma típica heroína romântica,

que prefere a morte à renegação do amor puro e verdadeiro. O seu adormecimento na caverna,

a serpente que se enrola no seu corpo, o bosque, a escuridão e a fonte murmurante são

autênticas prelúdios do mal do século, segunda fase romântica. Os jasmins e as rosas fazem

parte do cenário preparado para a sua morte.

[...] Um frio susto corre pelas veias De Caititu, que deixa os seus no campo; E a irmã por entre as sombras do arvoredo Busca co’a vista, e teme de encontrá-la. Entram enfim na mais remota e interna Parte de antigo bosque, escuro e negro, Onde ao pé de uma lapa cavernosa Cobre uma rouca fonte, que murmura, Curva latada e jasmins e rosas. Este lugar delicioso e triste, Cansada de viver, tinha escolhido. Para morrer a mísera Lindóia.(GAMA, Basílio. O Uraguai)

A heroína Lindóia é apresentada como realização literária. No seu episódio, o poeta

extrapola o mundo narrado com adoção de uma perspectiva de fora, transformando o histórico

no maravilhoso indígena. Essa transformação faz com que o episódio da morte de Lindóia se

aproxime de um poema narrativo romântico, sem se afastar integralmente do poema de feição

clássica. A morte tranqüila e voluntária de Lindóia, entre flores e jasmins, além de apresentar

características a serem desenvolvidas no romantismo, é uma prova de sua grande fidelidade a

Cacambo na recusa de se casar com o índio antagonista Baldeta, o qual esperava obter desta

união a autoridade de chefe que tinha Cacambo. O sofrimento amoroso da heroína, causado,

num primeiro momento, pelo afastamento do ser amado, e, depois, pela sua morte, tem

também traços de antecipação romântica. Esses traços se estendem também à sua reação

diante das situações, quando busca consolo na natureza, preferindo espaços condizentes com

o seu estado de espírito ou de alguma forma relacionados com a sua história.

Na construção da personagem Lindóia, pode-se alguns traços românticos: sua

idealização e o seu sofrimento amoroso. Esse tipo de construção poderá ser encontrado na

escola romântica, em José de Alencar, nos desenhos de personagens índias com

individualidade e humanidade mais profunda, porém com atributos não muito distantes, sendo

a nobreza, a bravura, o sentimento amoroso, algumas das características essenciais.

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O Canto V começa com a descrição da abóbada do templo onde estavam expostas as

pinturas das grandes conquistas dos jesuítas e, também, uma alegoria da Companhia de Jesus

que era retratada como uma entidade que submetia vilas, cidades, províncias e reinos a suas

leis. Nas cenas observadas pelo autor, foi possível perceber diversos crimes e perseguições

aos indos, o poeta dá por encerrada a sua tarefa. Vale ressaltar o relato sobre a influência da

Companhia de Jesus em outras terras, como no oriente: “[...] vestida em larga roupa flutuante

que distinguem barbáricos lavores, respira no ar chinês o mole fasto. De asiática pompa; e

grave e lenta permite aos bonzos, apesar de Roma, do seu legislador indigno culto.”. (GAMA,

Basílio. O Uraguai)

Nesse Canto percebe-se ainda certa simpatia do colonizador com o nativo, o índio. A

obra é encerrada dando a impressão que o índio será protegido, que a promessa de igualdade

será cumprida, infelizmente não foi isso que a história nos revelou. O índio foi sim uma

vítima de ambas as forças, tanto jesuítas como lusitanas. É irônico que a parte mais bela da

obra seja atribuída logo a morte de Lindóia, a índia apaixonada e ingênua. Não se pode

encerrar a análise sem citar a utilização de maiúsculas alegorizantes, como se pode perceber

em vários trechos da obra. O Uraguai de fato trata-se de uma grande obra, tanto pelos seus

aspectos Arcádicos como por seus traços excêntricos, ou seja, manipulações que fogem da

linha clássica e anunciam o surgimento do Romantismo.

REFERÊNCIAS

Comentários sobre “O Uraguai”, de Basílio da Gama. Disponível em:

<http://www.literaturaemfoco.com/?p=1127>. Acesso em 18de novembro de 2012.

ZILBERMAN, Regina. O Uraguai: moderno e americano. In: MALLARD, L. et al. História

da Literatura Ensaios. 2 ed. São Paulo: Editora da Unicamp, 1995.

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