resumo da obra - o futuro da democracia – uma defesa das regras do jogo

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Resumo da obra “O futuro da democracia – uma defesa das regras do jogo” (1986), de Norberto Bobbio Introdução “O futuro da democracia” é dividida em 7 (sete) partes ou capítulos, sendo que cada capítulo representa uma aula/seminário iniciadas em Maio de 1984, nomeadamente: (1) O futuro da democracia; (2) Democracia representativa e democracia directa; (3) Os vínculos da democracia; (4) A democracia e o poder invisível; (5) Liberalismo velho e novo; (6) Contrato e contratualismo no debate actual; e (7) Governo dos homens ou governo das leis.  Em síntese, na sua obra Bobbio (  segundo as suas próprias palavras) apresenta sinteticamente as transfigurações da democracia sob o formato de “promessas não cumpridas” ou de comparação entre a democracia ideal  tal como criada por seus pais instituidores e a democracia real  em que, com maior ou menor participação, devemos viver diariamente.  Capítulo 1: O futuro da democracia  Neste capítulo introdutor, Bobbi o começa por admitir a impossibilida de de ver o futuro que, para ele, deriva igualmente do facto de que cada um dos homens desenha no  futuro as próprias pretensões e excitações, enquanto a história avança o seu trajecto alheio às nossas preocupações, um trajecto na sua concepção, composto por milhões e milhões de minúsculas acção humanas que ninguém, mesmo o mais potente, nunca esteve em circunstâncias de apreender numa visão de conjunto que não tenha sido demasiadamente sintético, e logo, pouco evidente. Por isto que, conclui, as previsões feitas pelos grandes mestres do pensamento sobre o curso do mundo acabaram por se revelar, no final das contas, quase sempre falhadas. Por fim, Bobbio esclarece o objectivo/propósito do seu trabalho, o de fazer algumas observações sobre o estado da época dos regimes democráticos. O autor apresenta igualmente uma definição mínima de democracia, que na verdade é constituída pelos seguintes elementos, designadamen te:   Atribuição a um elevado número de cidadãos do direito de participar directa ou indirectamente da tomada de decisões colectivas;   A existência de regras de procedimento como a da maioria (ou, no limite, da unanimidade ); e  É preciso que aqueles que são chamados a decidir ou a eleger os que deverão decidir sejam colocados diante de alternativas reais e postos em condição de poder seleccionar entre uma e outra.  É necessário, assevera Bobbio, para que se realize a última condição, que aos chamados a decidir sejam garantidos os assim denominados direitos de liberdade, de opinião, de expressão das próprias opiniões, de reunião, de associação, etc. Consequentemente,

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  • Resumo da obra O futuro da democracia uma defesa das regras do jogo (1986), de Norberto Bobbio

    Introduo

    O futuro da democracia dividida em 7 (sete) partes ou captulos, sendo que cada

    captulo representa uma aula/seminrio iniciadas em Maio de 1984, nomeadamente: (1)

    O futuro da democracia; (2) Democracia representativa e democracia directa; (3) Os

    vnculos da democracia; (4) A democracia e o poder invisvel; (5) Liberalismo velho e

    novo; (6) Contrato e contratualismo no debate actual; e (7) Governo dos homens ou

    governo das leis.

    Em sntese, na sua obra Bobbio (segundo as suas prprias palavras) apresenta

    sinteticamente as transfiguraes da democracia sob o formato de promessas no

    cumpridas ou de comparao entre a democracia ideal tal como criada por seus pais

    instituidores e a democracia real em que, com maior ou menor participao, devemos

    viver diariamente.

    Captulo 1: O futuro da democracia

    Neste captulo introdutor, Bobbio comea por admitir a impossibilidade de ver o

    futuro que, para ele,deriva igualmente do facto de que cada um dos homens desenha no

    futuro as prprias pretenses e excitaes, enquanto a histria avana o seu trajecto

    alheio s nossas preocupaes, um trajecto na sua concepo, composto por milhes e

    milhes de minsculas aco humanas que ningum, mesmo o mais potente, nunca

    esteve em circunstncias de apreender numa viso de conjunto que no tenha sido

    demasiadamente sinttico, e logo, pouco evidente. Por isto que, conclui, as previses

    feitas pelos grandes mestres do pensamento sobre o curso do mundo acabaram por se

    revelar, no final das contas, quase sempre falhadas. Por fim, Bobbio esclarece o

    objectivo/propsito do seu trabalho, o de fazer algumas observaes sobre o estado da

    poca dos regimes democrticos.

    O autor apresenta igualmente uma definio mnima de democracia, que na verdade

    constituda pelos seguintes elementos, designadamente:

    Atribuio a um elevado nmero de cidados do direito de participar directa ou indirectamente da tomada de decises colectivas;

    A existncia de regras de procedimento como a da maioria (ou, no limite, da unanimidade); e

    preciso que aqueles que so chamados a decidir ou a eleger os que devero

    decidir sejam colocados diante de alternativas reais e postos em condio de poder seleccionar entre uma e outra.

    necessrio, assevera Bobbio, para que se realize a ltima condio, que aos chamados

    a decidir sejam garantidos os assim denominados direitos de liberdade, de opinio, de

    expresso das prprias opinies, de reunio, de associao, etc. Consequentemente,

  • disto segue que o estado liberal o pressuposto no s histrico mas jurdico do estado

    democrtico. Quer dizer, pouco plausvel que um estado no liberal possa atestar um

    correcto exerccio da democracia, e de outra parte pouco provvel que um estado no

    democrtico seja apto de defender as liberdades elementares.

    Adiante, Bobbio explica que a democracia nasceu de uma concepo individualista da

    sociedade, ou seja, da ideia para a qual diferentemente concepo orgnica,

    influente na idade antiga e na idade mdia, segundo a qual o todo precede as partes a

    sociedade, qualquer forma de sociedade, e particularmente a sociedade poltica, um

    resultado artificial da deliberao das pessoas.~

    Bobbio apresenta, por fim, seis (6) promessas no cumpridas da democracia,

    nomeadamente: (a) o nascimento da sociedade pluralista; (b) a revanche dos interesses;

    (c) o espao limitado; (d) a derrota do poder oligrquico nada ameaa mais matar a

    democracia que o excesso de democracia; (e) a eliminao do poder invisvel; e (f) a

    educao para a cidadania.

    As promessas no foram executadas por motivo de obstculos que no estavam

    prenunciados ou que emergiram em consequncia das transformaes da sociedade

    civil. Esses obstculos so:

    O aumento dos problemas polticos que requerem competncias tcnicas;

    O ininterrupto engrandecimento do aparato burocrtico, de um aparato de poder

    sistemtico hierarquicamente do vrtice base, e logo absolutamente adverso ao

    processo de poder democrtico; e

    O rendimento do sistema democrtico como um todo.

    Quanto ao futuro da democracia, a concluso de Bobbio no pessimista: o futuro da

    democracia no catico.

    Captulo 2: Democracia representativa e democracia directa

    Bobbio parte da premissa de Jean Jacques Rousseau, quando afirmou que a soberania

    no pode ser representada. O autor chama ateno para o equvoco sobre a diferena

    entre democracia representativa e estado parlamentar.

    Bobbio apresenta o conceito de democracia representativa, que significa genericamente

    que as decises colectivas as decises que dizem respeito sociedade inteira so

    tomadas no directamente por aqueles que dela fazem parte, mas por pessoas eleitas

    para este intuito. Assim sendo, o estado parlamentar uma aplicao particular, embora

    relevante do ponto de vista histrico, do princpio da representao, grosso modo,

    aquele estado no qual representativo o rgo central ao qual chegam as reclamaes e

    do qual partem as resolues colectivas indispensveis, sendo este rgo central o

    parlamento. Em suma, o autor quer dizer que, do mesmo modo que nem todo estado

    representativo um estado parlamentar, o estado parlamentar pode muito bem no ser

    uma democracia representativa.

  • Feitas as anlises, para que exista democracia directa no sentido prprio da palavra (no

    sentido em que directo quer dizer que o indivduo participa ele mesmo nas deliberaes

    que lhe dizem respeito) preciso que entre os indivduos votantes e a deciso que lhes

    diz respeito no exista nenhum representante. De qualquer modo, se a representao por

    mandato no propriamente a democracia directa, uma estrada interposta entre a

    democracia representativa e a democracia directa.

    Com um preceito sumrio, pode-se afirmar que num sistema de democracia absoluto, as

    duas figuras de democracia so ambas imprescindveis, mas no so consideradas em si

    mesmas, satisfatrias.

    Captulo 3: Os vnculos da democracia

    Este captulo consagrado ao estudo dos eventuais novos sujeitos e para os

    eventuais novos instrumentos de interveno, e acima de tudo, para as regras do

    jogo com as quais se desenrola a luta poltica num determinado contexto histrico. Aps

    uma elaborada abordagem, Bobbio conclui que permanecendo-se nos termos das regras

    do jogo, as vias permissveis de sada so as que so, e os passos indispensveis para

    concretiz-las so calculveis, quase, compulsivos. Sair das regras do jogo, posto que

    seja acessvel, e que no , mostra-se como algo que no seja apetecvel, pois uma vez

    fendida a principal destas regras, a das eleies peridicas, no se sabe onde tudo

    cessar.

    Captulo 4: A democracia e o poder invisvel

    Nesta parte, Bobbio apresenta as dificuldades objectivas em que se encontra uma

    correcta aplicao do mtodo democrtico, exactamente nas sociedades em que

    continua a crescer a exigncia de democracia.

    O objectivo das suas observaes no o de fazer uma anlise histrica das vrias

    formas de poder invisvel, mas o de confrontar com a realidade o ideal da democracia

    como governo do poder visvel.

    Fazendo uma abordagem sobre o governo do poder pblico em pblico, Bobbio

    considera que o princpio de que todas as deliberaes e mais em geral os actos dos

    dirigentes devam ser sabidos pelo povo sempre foi considerado um dos eixos do regime

    democrtico, definido como o governo directo do povo ou controlado pelo povo.

    Mais ainda, considera o tema da descentralizao compreendida como revalorizao do

    relevo poltico da periferia com respeito ao centro. Interpreta o utopia do governo local

    como um ideal inspirado no princpio segundo o qual o poder tanto mais visvel

    quanto mais prximo est.

    Contrariamente, argumenta, onde o supremo poder oculto, tende a ser oculto tambm

    o contra-poder. A histria de todo regime autocrtico e a histria da conjura so duas

    histrias equidistantes que se referem uma outra. Onde existe o poder secreto existe

    tambm, quase como seu produto natural, o antipoderigualmente secreto ou sob a forma

  • de conluio, compls, conspiraes, golpes de estado, tramados nos corredores do

    palcio imperial, ou sob a forma de rebelies, tumultos ou insurreies arranjadas em

    lugares intransitveis e inacessveis, remotas dos contemplares dos residentes do

    palcio, assim como o prncipe age o mais longe possvel dos olhares do vulgo. Ento, o

    poder desptico no apenas encobre para no fazer saber quem e onde est, mas

    propende tambm a esconder seus reais intentos no instante em que suas decises

    devem tornar-se pblicas.

    O confronto entre o modelo ideal do poder visvel e a realidade das coisas deve ser

    conduzido tendo presente a tendncia que toda forma de dominao tem de se subtrair

    ao olhar dos dominados escondendo-se e escondendo, atravs do segredo e do disfarce.

    Bobbio conclui que a tendncia no mais ruma ao mximo controlo do poder por parte

    dos cidados, mas ao contrrio, rumo ao mximo controlo dos sbitos por parte de

    quem detm o poder.

    Captulo 5: O Liberalismo velho e novo

    Discute o liberalismo a partir da reedio da obra clssica do liberalismo como On

    Liberty, de John Stuart Mill. Segundo Bobbio, o liberalismo um movimento de ideias

    que passa atravs de diversos autores diferentes entre si, com Locke, Montesquieu,

    Kant, Adam Smith, Humboldt, Constant, John Stuart Mill, Tocqueville. O liberalismo ,

    como teoria econmica, factor da economia de mercado; como teoria poltica, factor

    do estado que governa o menos possvel ou, como se diz hoje, do estado mnimo (isto ,

    reduzido ao mnimo necessrio).

    Entretanto, o liberalismo econmico e o poltico so independentes porque a teoria dos

    limites do poder do estado no se refere apenas interveno na esfera econmica, mas

    se estende esfera espiritual ou tico-religiosa.

    Deste ponto de vista, diz Bobbio, o estado liberal tambm um estado laico, quer dizer,

    um estado que no se reconhece com uma destinada confisso religiosa (nem com uma

    determinada concepo filosfico-poltica, como, por exemplo, o marxismo-leninismo),

    e isto mesmo quando se considere que um estado pode ser laico, isto , agnstico em

    matria religiosa e filosfica, apesar de ser intervencionista em matria econmica.

    Enfim, o duplo processo de formao do estado liberal pode ser descrito, de um lado,

    como emancipao do poder poltico do poder religioso (estado laico) e, de outro, como

    emancipao do poder econmico do poder poltico (estado do livre mercado). Atravs

    do primeiro processo de emancipao, o estado deixa de ser o brao secular da igreja;

    atravs do segundo, torna-se o brao secular da burguesia mercantil e empresarial. O

    estado liberal o estado que permitiu a perda do monoplio do poder ideolgico,

    atravs da concesso dos direitos civis, entre os quais sobretudo do direito liberdade

    religiosa e de opinio poltica, e a perda do monoplio do poder econmico, atravs da

    concesso da liberdade econmica.

    Adiante, Bobbio assume que o estado mnimo insurge-se contra o estado paternalista

    dos prncipes reformadores; o estado mnimo hoje reproposto contra o estado

  • assistencial, do qual se deplora que reduza o livre cidado a sbito protegido; numa

    palavra, reproposto contra as novas formas de paternalismo.

    Questionando-se sobre a compatibilidade do liberalismo e democracia, o autor assume

    que os indicadores/observaes mostram no ser mais totalmente compatveis, uma vez

    que a democracia foi levada s extremas consequncias da democracia de massa, ou

    melhor, dos partidos de massa, cujo resultado o estado assistencial.

    Na ltima parte do captulo, Bobbio debrua-se sobre um novo contrato social. Este

    novo contratualismo moderno descende da cada de uma concepo holstica ou

    orgnica da sociedade (o todo superior s partes), nasce da ideia de que o ponto de

    partida de todo programa social de libertao o sujeito singular com suas paixes (a

    serem dirigidas ou domadas), com seus interesses (a serem regulados e

    coordenados), com suas necessidades (a serem satisfeitas ou reprimidas).

    A suposio de que parte o contratualismo moderno o estado de natureza, um estado

    no qual existem apenas sujeitos separados mas dispostos a se agrupar em sociedade para

    defender a prpria vida e a prpria liberdade. Partindo desta hiptese, a sociedade

    poltica torna-se um subterfgio, um projecto a ser edificado e reedificado

    constantemente, um projecto nunca definitivo, a ser submetido ininterrupta

    verificao.

    A contemporaneidade do tema contratualista subordina-se tambm ao facto de que as

    sociedades polirquicas, como so aquelas em que vivemos, simultaneamente

    capitalistas e democrticas, so sociedades nas quais grande parte das deliberaes

    colectivas tomada atravs de transaces que terminam em pactos; so sociedades, em

    suma, nas quais o contrato social no mais uma hiptese racional, mas uma ferramenta

    de governo continuamente praticada.

    Captulo 6: Contrato e contratualismo no debate actual

    Este captulo destaca o neocontratualismo. Para Bobbio, a teoria do estado recente est

    toda concentrada na lei como essencial fonte de estandardizao das relaes de

    coexistncia, em contraposio figura do contrato, cuja fora regular est subordinada

    da lei, se explcita apenas nos limites de validade estabelecidos pela lei e, alm do

    mais reaparece, sob a forma de direito pactcio, nos casos em que a soberania do estado

    singular se choca com a idntica soberania dos demais estados.

    Numa sociedade democrtica, diz ele, as foras polticas so os partidos ordenados

    preparados acima de tudo para perseguir os votos, para procurar obter o maior nmero

    possvel deles. So os partidos que solicitam e obtm o consenso. Deles depende a

    maior ou menor legitimao do sistema poltico como um todo.

    Este consenso atravs do voto uma prestao positiva e, uma prestao positiva

    solicita geralmente uma contraprestao. Prestao e contraprestao so os elementos

    dos contratos bilaterais. Nestes acordos, a prestao da parte dos eleitores o voto, a

  • contraprestao da parte do eleito uma vantagem (sob a forma de um bem ou de um

    servio) ou a iseno de uma desvantagem.

    A diferena entre a relao que se instaura entre eleitos e eleitores e a relao que se

    instaura entre um e outro grupo poltico revela-se tambm nas duas diversas

    capacidades que o bom poltico deve ter: na conduta da primeira, bem mais a do

    empresrio; na da segunda, bem mais a do negociador. As qualidades do bom

    empresrio so necessrias ao secretrio-geral do partido, as do negociador ao

    presidente do conselho de ministros.

    Ainda sobre o neocontratualismo, o autor aponta que uma das razes do

    desaparecimento das teorias contratualistas, entre o fim do Setecentos e o fim do

    Oitocentos, derivou da ideia de que o estado fosse uma coisa elevada demais para poder

    ser explicado como o produto artificial de um acordo entre indivduos. Exactamente

    porque a teoria do contrato social se apoia sobre argumentos racionais e est ligada ao

    nascimento da democracia (mesmo se nem todas as teorias contratualistas so

    democrticas), o seu desaparecimento jamais chegou a ser total.

    No entanto, quando hoje se fala de neocontratualismo com referncia s teorias do

    contrato social, deve ficar bem claro, avana Bobbio, que uma coisa o problema de

    uma refundao da sociedade base do modelo contratualista, outra coisa o tema do

    estilhaamento do poder central em tantos poderes difusos e geralmente antagnicos,

    com o consequente nascimento dos assim chamados governos parciais e das relaes

    naturalmente de tipo contratual entre uns e outros.

    Em geral, o neocontratualismo, isto , a proposta de um novo pacto social, global e no

    parcial, de pacificao geral e de fundao de um novo ordenamento social, uma

    verdadeira nova aliana, nasce exactamente da constatao da debilidade crnica de

    que d provas o poder pblico nas sociedades econmica e politicamente mais

    desenvolvidas, ou ento para usar uma palavra corrente da

    crescente ingovernabilidade das sociedades complexas, remata.

    Captulo 7: Governo dos homens ou governo das leis

    Neste ltimo captulo, Bobbio procura responder a questo qual o melhor governo, o

    das leis ou o dos homens? Ou posto de outra maneira, Bom governo aquele em que os

    governantes so bons porque governam respeitando as leis ou aquele em que existem

    boas leis porque os governantes so sbios?

    Primeiramente, Bobbio apresenta o primado da lei, que est fundado sobre o

    pressuposto de que os governantes sejam maus, no sentido de que tendem a usar o poder

    em benefcio prprio. Vice-versa, o primado do homem est fundado sobre o

    pressuposto do bom governante, cujo tipo ideal, entre os antigos, era o grande

    legislador.

    Entretanto, a resposta questo diz por muito tempo predominante no curso dos

    sculos, foi em favor da superioridade do governo das leis, que acabou por ser

    geralmente negativo e bastante discutido.

  • Os critrios com os quais o bom governo foi distinguido do mau governo so sobretudo

    dois: o governo para o bem comum distinguido do governo para o prprio bem; o

    governo segundo leis estabelecidas sejam elas as leis naturais ou divinas, ou as

    normas de costume ou as leis positivas postas pelos predecessores e tornadas hbitos do

    pas distinguido do governo arbitrrio, cujas decises so tomadas de vez em vez, fora

    de qualquer regra pr-constituda. Disto derivam duas figuras distintas mas no

    dissemelhantes de governante odioso: o tirano que usa o poder para satisfazer os

    prprios desejos ilcitos, de que fala Plato no livro IX da Repblica; e o senhor que

    estabelece leis para si mesmo, ou seja, o autocrata no sentido etimolgico da palavra.

    A concluso em que se depreende o autor, alis, no que tange a sua preferncia, vai

    para o governo das leis, no para o governo dos homens. Segundo Bobbio, o governo

    das leis celebra actualmente o prprio sucesso na democracia. E o que a democracia se

    no um conjunto de regras (as chamadas regras do jogo) para a soluo dos conflitos

    sem derramamento de sangue? E em que consiste o bom governo democrtico se no,

    acima de tudo, no rigoroso respeito a estas regras? Tomando partido, o autor no tem

    dvidas sobre a resposta estas questes. E exactamente porque no tem dvidas,

    conclui serenamente que a democracia o governo das leis por excelncia.

    Referncia

    Bobbio, Norberto (1986), O futuro da democracia; uma defesa das regras do jogo. Paz

    e Terra: Rio de Janeiro.