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388 O ARQUIVO HISTÓRICO MUNICIPAL DE VIAMÃO: PARTICULARIDADES DE UM INTÉRPRETE DO TEMPO GIANE DE SIQUEIRA PRETO GOMES. Universidade Luterana do Brasil/Canoas/Rs. [email protected]. [email protected]. Resumo O presente artigo tem como objetivo questionar e problematizar a situação atual do Arquivo Histórico Municipal de Viamão, bem como conscientizar a comunidade local de sua fundamental importância como protagonista na (re) construção e (re)interpretação da história do município. Pretende-se também, com esse estudo, elaborar um plano de Educação Patrimonial a partir de transcrições paleográficas feitas em um livro de registro encontrado nesse mesmo arquivo, visando à preservação, divulgação e, principalmente, a democratização do Arquivo Histórico Municipal, uma vez que ele possui documentos raros e de extrema relevância histórica, referentes às subjetividades de Viamão ao longo dos anos, que são dignos de estudos aprofundados, mas que, infelizmente, por motivos diversos de ordem política e econômica, encontram-se em estado de deterioração. Palavras-chave: Arquivo Histórico, Viamão, Educação Patrimonial. Abstract This article aims to question and discuss the current situation of the Municipal Historical Archive of Viamão and educating the local community of its fundamental importance as the protagonist in (re) construction, revisitation and reinterpreting the history of the city. The intention is also develop with this study a plan of heritage education from paleographical transcriptions made in a register book found in this same file, aimed at the preservation, communication, dissemination, and especially the democratization of the Municipal Historical Archive, since it has rare documents and of utmost historical relevance regarding subjectivities of Viamão over the years, and they are worthy of detailed studies, but unfortunately, for various reasons of political and economic order, it is in deterioration state. Key-words: Historical Archive, Viamão, Heritage Education.

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Page 1: Resumo Abstract - XI Encontro Estadual de História · Secretaria Municipal de Cultura localizava-se no prédio conhecido como Casa Rural, hoje Secretaria Municipal de Educação,

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O ARQUIVO HISTÓRICO MUNICIPAL DE VIAMÃO: PARTICULARIDADES DE UM INTÉRPRETE DO TEMPO

Giane de Siqueira Preto GomeS.

Universidade Luterana do Brasil/Canoas/[email protected].

[email protected].

Resumo

O presente artigo tem como objetivo questionar e problematizar a situação atual do Arquivo Histórico Municipal de Viamão, bem como conscientizar a comunidade local de sua fundamental importância como protagonista na (re)construção e (re)interpretação da história do município. Pretende-se também, com esse estudo, elaborar um plano de Educação Patrimonial a partir de transcrições paleográficas feitas em um livro de registro encontrado nesse mesmo arquivo, visando à preservação, divulgação e, principalmente, a democratização do Arquivo Histórico Municipal, uma vez que ele possui documentos raros e de extrema relevância histórica, referentes às subjetividades de Viamão ao longo dos anos, que são dignos de estudos aprofundados, mas que, infelizmente, por motivos diversos de ordem política e econômica, encontram-se em estado de deterioração.

Palavras-chave: Arquivo Histórico, Viamão, Educação Patrimonial.

Abstract

This article aims to question and discuss the current situation of the Municipal Historical Archive of Viamão and educating the local community of its fundamental importance as the protagonist in (re) construction, revisitation and reinterpreting the history of the city. The intention is also develop with this study a plan of heritage education from paleographical transcriptions made in a register book found in this same file, aimed at the preservation, communication, dissemination, and especially the democratization of the Municipal Historical Archive, since it has rare documents and of utmost historical relevance regarding subjectivities of Viamão over the years, and they are worthy of detailed studies, but unfortunately, for various reasons of political and economic order, it is in deterioration state.

Key-words: Historical Archive, Viamão, Heritage Education.

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A comunidade é a melhor guardiã do patrimônio. [...] Só se protege o que se ama, só se ama o que se conhece.

Aloísio Magalhães

Introdução

A cidade de Viamão possui uma relevância histórica e social muito grande, embora pouco valorizada, por vezes ignorada e, até mesmo, desconhecida por grande parte de sua população. Esse fator contribui de forma negativa para um sentimento de distanciamento e falta de identidade coletiva dessa mesma população, quando o correto, ao contrário, seria o sentimento de pertencimento como sujeito histórico e social.

Por ser uma cidade muito vasta territorialmente e possuir uma população de 239.384 habitantes, de acordo com o Censo 2010, Viamão ainda carece demasiadamente de incentivos públicos e privados que visem à interação sociocultural entre a comunidade. Por isso mesmo, o município necessita constantemente de iniciativas que estimulem a pesquisa científica, o debate acadêmico, a produção e difusão artística e cultural, além de ações educativas que contribuam para a preservação, democratização, divulgação e reconhecimento do patrimônio histórico e cultural da cidade como formador da identidade social, da memória coletiva e, principalmente, da cidadania.

Este artigo está dividido em três eixos de acordo com o tema proposto, para um melhor entendimento do que foi estudado ao longo da pesquisa. O primeiro faz um breve resumo a respeito da história de Viamão, entre passado e presente e suas características principais. O segundo aborda a situação atual do Arquivo Histórico de Viamão, os documentos nele existentes, sua importância histórica e as consequências que a má conservação e preservação destes podem trazer às pesquisas futuras. E o último elabora um plano de educação patrimonial para o Arquivo Histórico de Viamão que vise continuamente à democratização, divulgação e preservação deste arquivo, de maneira que a comunidade local se reconheça e se identifique como sujeito ativamente construtor da história.

Busca-se, com este trabalho, problematizar e conscientizar a população viamonense como um todo, da importância sociocultural de um Arquivo Histórico Municipal, neste caso o de Viamão, como intérprete do tempo e único guardião das manifestações humanas ao longo dos anos, bem como abrir novas possibilidades de estudos e pesquisas referentes às particularidades e subjetividades históricas que o município vastamente possui.

O Arquivo Histórico Municipal: Um patrimônio em construção permanente

O Arquivo Histórico Municipal de Viamão está vinculado à Secretaria Municipal de Cultura, mais especificamente ao Departamento de Memória do município. Possui um acervo documental riquíssimo e de importância histórica e social muito grande, visto que os documentos existentes neste arquivo representam a herança cultural viamonense de uma época pouco ou quase nada estudada e, por isso mesmo, dignos de atenção especial por parte do poder público, principalmente, do poder privado e da própria comunidade local como um todo, que precisa exercer sua ação modificadora sobre o meio em que vive, conhecer seu passado e revisitá-lo constantemente, conhecer seus bens culturais, patrimonializados ou não, reconhecer sua importância, e se identificar com eles. Segundo Mário Chagas (2002, p.17):

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O patrimônio cultural se constitui a partir da atribuição de valores, funções e significados aos elementos que o compõe. O reconhecimento de que o patrimônio cultural não é um dado, mas uma construção que resulta de um processo de atribuição de significados e sentidos, permite avançar em direção à sua dimensão política, econômica e social; permite compreendê-lo como espaço de disputa e luta, como campo discursivo sujeito aos mais diferentes usos e submetidos aos mais diferentes interesses.

Porém não só em Viamão, mas em diversas cidades do Brasil, um número muito considerável de pessoas ignora, ou mesmo desconhece, a relevância social e o caráter inclusivo, promotor da autoestima e da diversidade étnico-cultural, que um arquivo histórico possui. Por conta disso, o que se vê na maioria das cidades brasileiras, é a perda parcial de fontes documentais (iconográfica, textual, oral, digital, arqueológica) em função da falta de recursos financeiros, da falta de profissionais qualificados, do descarte – em alguns casos obrigatório – que muitas instituições realizam por falta de espaço físico e dos precários métodos de conservação e preservação que, ao contrário do que muitos pensam, devem ser atividades contínuas e dinâmicas, associadas à organização física e intelectual do acervo, e não somente empilhar documentos em grandes prateleiras, com catalogação superficial.

Somado a tudo isso, verifica-se também a falta de democratização, divulgação e/ou comunicação das informações contidas nos arquivos o que, por si só, já é um agravante comprometedor, e que acaba passando a imagem do arquivo como sendo, tão somente, um depósito de papéis velhos; isso inevitavelmente cria um distanciamento identitário entre a comunidade e o arquivo, impedindo que o mesmo seja reconhecido como patrimônio documental, a ser preservado de forma coletiva. Segundo Heloísa Liberalli Bellotto (2002, p. 170):

Historicamente, os arquivos fazem-se presentes na vida das sociedades, desde as mais primitivas e antigas até as contemporâneas. [...] Nos grandes impérios da Antiguidade, os arquivos eram tidos como arsenais de poder, significando para as populações repositórios dos seus deveres e dos direitos das autoridades, que assim legitimavam seus abusos de autoritarismo. As populações européias da Idade Média e da Idade Moderna, assim como as dos continentes submetidos à colonização, sabiam reconhecer que os acervos arquivísticos amealhados pelas autoridades reais, militares, religiosas, civis, notariais etc., eram como que ferramentas dos governos usadas em detrimento das aspirações populares. A Revolução Americana e a Revolução Francesa foram decisivas para a compreensão, o estabelecimento e a vigência dos direitos do homem à liberdade, igualdade e fraternidade. Ainda que o mundo não se tornasse desde então, repentinamente, um “paraíso” de direitos iguais para todos, tem-se, o final do século XVIII como o momento-chave para a questão do direito à igualdade social.

“Se a imagem pública dos arquivos é negativa, isto é, significa um patrimônio de papéis velhos sem qualquer utilidade prática – mesmo que isso não seja real – não se pode pedir maior empenho de fora para dentro” (apud Lopes, 2002, p. 178). Para isso, é necessário que se criem mecanismos eficazes e indistintos, para a elucidação popular no direito à cultura, à memória coletiva, ao passado e a todos os segmentos sociais que possam contribuir para sua qualidade de vida e fruição cultural, possibilitando assim o esclarecimento da ideia de patrimônio cultural e arquivo histórico e do dever da população em sua preservação permanente. Como afirma Heloísa Liberalli Bellotto (2002, p. 167ss):

A interligação entre o documento de arquivo e sociedade passa pela relação entre arquivos e governos, entre arquivos e patrimônio cultural/pesquisa histórica e entre arquivos e cidadania. [...] Os documentos de arquivos são, tanto quanto os livros, os manuscritos, as obras de artes plásticas, de arte literária ou musical, assim como os objetos museológicos e o patrimônio arquitetônico, recursos culturais. Fazem parte do patrimônio cultural de uma comunidade, nação ou povo.

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Ou ainda, como afirma o importante teórico da arquivística Schellenberg (apud Bellotto, 2002, p. 169), “os arquivos refletem a origem e crescimento de um governo e são a principal fonte de informação de todas as suas atividades”.

Assim sendo, com base no entendimento de que um Arquivo Histórico, com sua densidade de informação e representação de mundo multifacetada, pode ser considerado como um intérprete do tempo e um guardião não só da memória, mas dos direitos, deveres e privilégios de toda uma sociedade, pode-se afirmar que ele possui uma significância identitária, inclusiva, sensibilizadora e cidadã, muito mais relevante do que o próprio museu; daí o comprometimento popular juntamente com os demais setores civis da sociedade, por ser tão fundamental para que este patrimônio se perpetue e sirva de referência às gerações futuras.

Nesse sentido, se a preservação de um bem – material ou imaterial – só se dá através da identificação, conscientização e participação ativa da comunidade, e, no receio de que na falta desses elementos, a deterioração, a degradação e a perda desse patrimônio documental, além de prejudicar pesquisas futuras, traga um empobrecimento cultural irreversível à população viamonense, somado à falta de autoestima, à desvalorização da memória social, da diversidade e da cultura do outro, que eu, como moradora de Viamão e historiadora, ao conhecer o Arquivo Histórico Municipal da cidade e me deparar com a realidade melancólica de seu acervo documental e seu espaço físico, assim como a falta de ações educativas que contribuam para a sua preservação e valorização, me senti na obrigação de fazer algo enquanto ainda é possível; deixei de lado meu objeto de pesquisa inicial e, em total concordância com minha orientadora, passei a estudar as particularidades existentes, mas desconhecidas, do Arquivo Histórico Municipal de Viamão.

As imagens abaixo servirão para demonstrar os motivos pelos quais me interessei profundamente em problematizar a situação atual do Arquivo Histórico Municipal de Viamão e por que ele necessita, urgentemente, de um plano de educação patrimonial.

Figura 1 - Localização do Arquivo Histórico Municipal de Viamão, Secretaria Municipal da Cultura. Foto da autora, 2011.

Diferentemente das demais secretarias que compõem a administração municipal de Viamão e que se encontram, em sua maioria, localizadas no centro da cidade, a Secretaria Municipal de Cultura encontra-se nas imediações do Lago Tarumã, em um ginásio construído pela própria prefeitura e que também abriga a Secretaria de Esportes. Até o ano de 2006 a

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Secretaria Municipal de Cultura localizava-se no prédio conhecido como Casa Rural, hoje Secretaria Municipal de Educação, juntamente da Biblioteca Pública Municipal, também no centro de Viamão, tendo sido deslocada para o seu atual prédio em função, dentre outros motivos, pela falta de espaço físico.

Apesar de possuir amplo espaço físico, contando inclusive com um mini auditório (ou sala de cinema) e um mezanino que funciona como um museu, esse ginásio, além de estar afastado do centro da cidade, em uma zona residencial um tanto desértica e pouco iluminada, o que já dificulta seu acesso e contribui para um número muito restrito de visitações, possui estrutura que não atende como deveria às necessidades primordiais para se abrigar um departamento de memória e, mais especificamente, um arquivo histórico, tanto no que diz respeito à questão climática (luz, calor, umidade, climatização) e biológica (proliferação de fungos, ácaros e bactérias), como na própria questão da fiação elétrica, circulação de pessoas, higienização e de recursos midiáticos e multimeios de comunicação que facilitem o diálogo entre a Secretaria e suas repartições, o Departamento de memória, o Museu e Arquivo Histórico Municipal com a população local.

Além dos problemas citados acima, os quais a Secretaria Municipal de Cultura enfrenta cotidianamente, no feriado de Corpus Christi de 2011, um incêndio, oriundo de um curto-circuito por problemas na fiação elétrica do prédio, contribuiu para que a precariedade de recursos da secretaria aumentasse e dificultasse, ainda mais, a interação entre o arquivo e a sociedade. A então sala onde se localizava o Departamento de Memória e o Arquivo Histórico foi quase que totalmente consumida pelo fogo. Por muito pouco, não se perdeu parte da história viamonense dos séculos XIX e XX e, mesmo assim, por motivos que desconheço, o fato não obteve uma única nota sequer de divulgação na imprensa local; logo, se os documentos do arquivo realmente fossem consumidos pelo fogo, o que traria uma perda irreparável e insubstituível para a história viamonense e para pesquisas futuras, ninguém até o momento estaria sabendo.

Em função disso o Arquivo Histórico teve que ser improvisado em uma nova sala (e permanece nela atualmente, pois a que sofreu o incêndio ainda não foi reorganizada).

Como podemos perceber na figura abaixo, a nova sala também apresenta problemas estruturais, dentre eles o fato de o forro estar com uma de suas camadas em falta, tendo sido substituído por um pedaço de papelão. O próprio material usado como forro no teto é considerado inapropriado para este tipo de ambiente; feito de um derivado de isopor, mostra-se frágil a qualquer impacto mais forte.

Figura 2 - Atual sala do Departamento de Memória no Arquivo Histórico Municipal. Foto da autora, 2011.

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Ainda que a grande maioria dos livros de registro esteja embalada em papel pardo, que lhes oferecem alguma proteção, o ideal, na falta da embalagem adequada (papel neutro, papel algodão, algodão cru, papel japonês ou mesmo TNT), seria a limpeza diária ou troca semanal dessas embalagens, impedindo, assim, que a poeira, umidade e fungos se acumulassem. No próprio espaço da sala onde se encontra o arquivo não pode haver circulação constante de pessoas e, muito menos, sem o equipamento necessário e fundamental para o manuseio com os documentos (jalecos, máscara facial, luvas cirúrgicas ou de algodão), pois é sabido que tanto o suor quanto a saliva são verdadeiros venenos, altamente prejudiciais à sobrevivência de papéis.

Ocorre também, equivocadamente, o empilhamento sistemático de alguns livros de registros sem que haja uma ordenação adequada por peso e tamanho entre esses documentos, e isso, com o passar do tempo, também se torna nocivo à integridade física e intelectual do arquivo.

As próximas imagens demonstram o profundo estado de deterioração que alguns livros de registros se encontram; o reflexo fidedigno da inevitável passagem do tempo, mas, também, da desinformação continuada, em virtude da troca de funcionários a cada nova eleição, do desinteresse preservacionista, da falta de profissionais qualificados ou, ao menos, com conhecimentos mínimos na área de arquivos e, principalmente, da falta de uma política educacional conjunta que reconheça este arquivo como um importante patrimônio cultural de Viamão, tendo em vista que, de acordo com Valeska Garbinatto (2000, p. 40):

O patrimônio é uma construção social coletiva, pertence à todos e todos os cidadãos devem ter o direito e o dever de preservá-lo, como possibilidade de resgate de sua identidade social (dentro de sua comunidade de origem) e individual (frente a frente consigo mesmo no espelho de sua alma.

Figura 3- Livros de registros referentes ao caixa da prefeitura nas primeiras décadas do século XX. Foto da autora, 2011.

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Figura 4 - Livros de registros empilhados sem a devida ordenação por tamanho e peso. Foto da autora, 2011.

Com base no que foi mostrado é possível evidenciar o quão precária é a situação atual do Arquivo Histórico Municipal de Viamão e o quanto ele necessita urgentemente de recursos financeiros, humanos e materiais para o seu bom funcionamento, sua preservação e, principalmente, para exercer com dignidade a primordial função inerente a um arquivo: o de servir à sociedade, assim como os hospitais e as escolas, porém, com o papel de legitimá-la através da cidadania e da igualdade social.

É imprescindível, portanto, que o poder público mantenha um diálogo com as escolas e com a comunidade local, a fim de realizar um planejamento de gestão eficaz que contemple uma ação educativa renovadora e inclusiva, que atenda às necessidades escolares somado à qualificação e ao aperfeiçoamento profissional dos trabalhadores de arquivos, pois, como afirma Vera Barroso (2002, p. 202):

Atuarem orientados pela clareza da função social da memória e da história. Para isso, impõe-se que os trabalhadores de arquivos detenham, para além de uma sólida competência técnica, uma formação e consciência históricas, dadas, senão na academia (o que seria desejável e necessário), por leituras, debates e estudos que solidifiquem a postura desses profissionais como guardiães da memória.

Para se ter uma ideia da diversidade histórica e da dimensão dos conteúdos existentes nos livros de registros do Arquivo Histórico Municipal de Viamão, após um levantamento de dados detalhado dentro do que foi possível ter acesso, fez-se uma breve tabela no intuito de demonstrar alguns dos muitos assuntos contidos nesses livros, suas possibilidades de estudos e o quanto eles ainda podem ser utilizados, inclusive em sala de aula, como conteúdo curricular, estabelecendo um elo entre a revisitação do passado e a compreensão do presente.

A tabela abaixo serve como referência aos tipos de conteúdos encontrados nos livros de registro:

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LIVROS DO ARQUIVO HISTÓRICO MUNICIPAL

Ano Quantidade

Relação de cemitérios e túmulos 1882 a 1925 01

Relação da Dívida Ativa 1916 01

Matrículas da Educação 1891 01

Lançamento de Estradas e Pontes 1913 a 1914 02

Alistamento Federal 1892 a 1899 02

Registro de Leis 1881 01Óbitos de escravos 1881 a 1885 01

Tabela de Livros de Registros

“O documento é testemunha do tempo, é um vestígio do acontecido, é um registro produzido na trajetória dos homens vivendo nas várias dimensões do social” (Barroso, 2002, p. 197).

A partir do exemplo citado acima, referente aos assuntos contidos nos livros de registro do Arquivo Histórico de Viamão, optou-se por se trabalhar com um em especial, por considerar que possui relevância histórica e social fundamental para a elucidação popular, na busca pelo respeito à diversidade étnica, da qual a população viamonense é composta. O livro Registro de óbitos de escravos de 1881 a 1885, apesar de possuir apenas oito páginas e um conteúdo descritivo, sem muitos detalhes num primeiro momento, nos permite, após uma releitura mais aprofundada dessas descrições, uma reflexão mais humanista acerca daquele que é considerado um dos períodos mais obscuros e vergonhosos da história do Brasil: a época escravocrata.

As imagens abaixo correspondem às folhas originais das transcrições paleográficas que fiz do livro de óbitos dos escravos. Apesar de ter conseguido transcrever dez óbitos diferentes, não colocarei todos aqui para não sobrecarregar o trabalho; selecionei alguns para demonstrar as características diversas que cada registro de óbito possui. A lista completa das transcrições realizadas encontra-se anexada ao final do artigo.

Figura 5 - Página original de uma das transcrições: Escrava Victalina, 16 anos. Foto da autora, 2011.

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Figura 6 - Página original de uma das transcrições: Ingênuo Manoel, 7 dias de vida. Foto da autora, 2011.

A partir das transcrições que realizei desse livro, com imensa dificuldade, pois desconhecia até então as técnicas paleográficas (levei em torno de três manhãs seguidas para cada transcrição), foi possível identificar, na diversidade dos documentos transcritos, algumas subjetividades com relação à vida escrava na cidade de Viamão, durante o século XIX, quais sejam: o fato de os escravos não possuírem sobrenome e serem reconhecidos somente pelo nome de seus senhores; o fato de as mulheres escravas terem uma perspectiva de vida muito inferior a dos homens; o problema do índice de mortalidade infantil escrava na época ser consideravelmente alto; a não especificação da causa da morte de cada escravo e o fato de todos serem sepultados em sepultura rasa, o que leva a crer que somente as pessoas livres eram sepultadas em túmulos ou nichos.

Todos esses apontamentos e questionamentos (e tantos outros que também são possíveis) merecem uma atenção especial da comunidade com um todo; precisam de respostas, e estas respostas devem estar comprometidas com a verdade, no intuito de recontar, reinterpretar, respeitar e valorizar a cultura do outro: a cultura do escravo e do negro, e a sua contribuição social na construção permanente da história viamonense.

E isso só será possível a partir do momento em que as ações preservacionistas e a democratização do acesso aos arquivos públicos se tornarem uma prática corrente, dinâmica e consciente, alicerçado na participação popular, no investimento de recursos por parte do poder público e dos mais diversos setores da sociedade. Conforme ressalta Alberch I Fugueras (apud Belloto, 2002, p. 170):

Se bem considerarmos todas essas implicações dos arquivos, como ferramentas governamentais, como peças do patrimônio cultural/fontes para a revisitação do passado feita pelos historiadores e como registros de direitos, deveres e de memória dos cidadãos, nos damos conta do quanto os documentos arquivísticos estão profundamente inseridos naquilo que chamamos sociedade. [...] O objetivo de organizar e conservar adequadamente os arquivos adquire toda a sua dimensão cidadã se assumirmos que estes centros colaboram muito diretamente para a ascenção, entre outros, dos valores de patrimônio público, memória, identidade e conhecimento, os quais, e não por casualidade, se associam normalmente às finalidades irrenunciáveis do moderno conceito de cultura.

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O Arquivo vai à sala de aula: Uma Educação Patrimonial Inter e Transdisciplinar nas escolas de Viamão.

Entende-se por Educação Patrimonial o conjunto de práticas pedagógicas permanentes e sistemáticas de experimentações e descobertas que utiliza como fonte primária da produção de conhecimento o patrimônio cultural, seja ele material ou imaterial, de uma determinada região e cujo principal parceiro e apoiador são as escolas de educação básica. Adotada nas últimas décadas por instituições culturais como Arquivos, Museus, Bibliotecas, Centros de documentação e pesquisa, entre outros, tem por excelência o objetivo primordial de sensibilizar uma determinada comunidade para o reconhecimento, identificação, valorização e preservação de seu patrimônio histórico, arqueológico, arquitetônico ou natural, bem como possibilitar a essa comunidade a troca de conhecimentos, o diálogo multicultural, a afirmação da autoestima e a apropriação indistinta dos bens culturais, nas suas mais diversas manifestações, individuais e coletivas, ao longo das gerações, em seu percurso histórico-temporal (Horta, 1997).

Dessa forma, podemos compreender a Educação Patrimonial como peça-chave no combate à discriminação social, uma vez que reconhece a diversidade étnico-cultural como formadora da sociedade brasileira como um todo, nos seus mais longínquos territórios. Como ressalta Maria de Lourdes Parreiras Horta (1999, p. 7):

Todas as ações por meio das quais os povos expressam suas formas específicas de ser, constituem a sua cultura, que vai ao longo do tempo adquirindo formas e expressões diferentes. [...] Reconhecer que todos os povos produzem cultura e que cada um tem uma forma diferente de se expressar é aceitar a diversidade cultural. Este conceito nos permite ter uma visão mais ampla do processo histórico, reconhecendo que não existem culturas mais importantes do que outras...

É possível perceber que muitas vezes a falta de esclarecimento popular entre as comunidades impede-as de reconhecer, valorizar ou mesmo enxergar o patrimônio cultural existente em suas cidades, como se elas não produzissem cultura e como se suas memórias não fossem dignas de serem lembradas; isso porque, de acordo com Funari (2008, p. 16):

Os monumentos considerados como patrimônio pelas instituições oficiais, são aqueles relacionados à história das classes dominantes, os monumentos preservados são aqueles associados aos feitos e à produção cultural dessas classes dominantes. A história dos dominados é raramente preservada. [...] É comum que os grupos dominantes usem seu poder para promover seu próprio patrimônio, minimizando ou mesmo negando a importância dos grupos subordinados, ao forjar uma identidade nacional à sua própria imagem, mas o grau de separação entre os setores superiores e inferiores da sociedade não é, em geral, tão marcante quanto no Brasil.

Foi pensando nisso e no entendimento de que o patrimônio cultural brasileiro está em todo lugar e de todas as formas, e não apenas nas grandes edificações ou monumentos já consagrados, que, ao conhecer o Arquivo Histórico Municipal de Viamão, entrar em contato direto com seu acervo documental e realizar transcrições paleográficas de um dos seus livros de registros, é que pude perceber o quanto os seus documentos arquivísticos podem contribuir quantitativa e qualitativamente para o processo de ensino-aprendizagem nas escolas de educação básica, através de uma Educação Patrimonial multifacetada que não se configure em apenas uma área de conhecimento, mas, sim, na inter e transdisciplinariedade.

Partindo dos quatro fundamentos básicos que compõe a prática epistemológica da educação patrimonial, quais sejam a observação, o registro, a exploração e a apropriação,

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inicia-se aqui o plano de Educação Patrimonial do e para o Arquivo Histórico Municipal de Viamão. Primeiramente é necessário que esta ação educativa faça parte de um plano de gestão organizado da administração municipal e que contemple todas as escolas da educação básica de Viamão (municipais, estaduais e privadas), estabelecendo critérios, fornecendo materiais, almejando resultados e promovendo debates e oficinas acerca dos objetos de estudos e das experiências adquiridas. Isso é muito importante para que esse tipo de ação não se fragmente ou se torne uma atividade meramente ilustrativa, realizada por poucos e desconhecida de muitos.

Partindo da observação, para começar, é necessário que as escolas realizem visitas ao Arquivo Histórico de Viamão; é preciso que elas conheçam e observem seu espaço físico, sua localização, suas condições climáticas, seus funcionários e suas atividades dentro do Arquivo ou da Secretaria em geral, tipos de documentos lá encontrados (impressos, digitais, fotográficos, iconográficos, orais, textuais), a forma como estão armazenados, catalogados, ordenados. Após toda essa percepção inicial, passa-se para o segundo fundamento, o do registro: anotar, fotografar, descrever de forma verbal ou escrita aquilo que se está encontrando, gravar, perguntar, construir mapas explicativos ou maquetes referenciais, desenhar, enfim, tudo o que for possível para a memorização lógica e intuitiva e melhor fixação do conhecimento percebido a fim de estimular a construção de uma análise crítica.

Já no terceiro fundamento metodológico, o da exploração, será possível levantar hipóteses sobre o objeto de estudo, problematizá-lo, avaliá-lo, compará-lo com outras instituições, fazer um levantamento do que já foi apontado em Viamão sobre o Arquivo em livros, revistas, imprensa local, entrevistar pessoas, questionar seus gestores, tudo isso a fim de interpretar as evidências e significados que possibilitarão um julgamento prévio do que se tem até o momento. Ao final destas três etapas, passa-se para o quarto e último fundamento da Educação Patrimonial que é o da apropriação. Utilizar-se daquilo que o arquivo possui (seus documentos) para fazer uma releitura a partir de novas abordagens, de suas informações originais, nesse caso, utilizar o documento sob vários aspectos, valorizando-o como um bem cultural.

É interessante ressaltar que não só os professores, mas, também os alunos, num segundo momento, precisam conhecer o Arquivo e vivenciar todas essas quatro experiências, para o bom desenvolvimento do trabalho em sala de aula e no desejo de que o conteúdo dos documentos arquivísticos possa estabelecer uma proximidade com a realidade dos alunos. Segundo afirma Teresa Jussara Luporini (2002, p. 326):

A compreensão sobre a importância do uso do documento histórico é essencial porque enquanto testemunho da História, não pode ser entendido apenas como resto, como sobrevivente de um passado próximo ou remoto, mas, deve ser utilizado como algo que foi selecionado para ser alvo de indagação, análise, reflexão e compreensão de determinado contexto espaço-temporal. O uso do documento histórico na escola exige tratamento didático, oportunizando ao aluno dialogar com realidades do passado, construindo o sentido de análise e contribuindo para a significação do saber histórico adquirido.

Dessa forma, como não é recomendado o manuseio constante e indistinto dos documentos arquivísiticos do Arquivo Histórico Municipal de Viamão, até mesmo em função do precário estado de conservação em que se encontram, o ideal, nesse caso, é que fossem confeccionadas e disponibilizadas, por parte da prefeitura e em parceria com o poder privado, réplicas desses documentos para todas as escolas, pois, assim, será possível maior aproximação por parte dos alunos, uma vez que eles também poderiam transcrever os documentos, tornando seu aproveitamento mais dinâmico em sala de aula, o que pode contribuir para despertar seu interesse preservacionista e o sentimento de pertencimento na construção da História.

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Mas de que forma se trabalhar em sala de aula, com os documentos arquivísticos, de maneira inter e transdisciplinar? Para responder a essa pergunta, utilizar-se-á como exemplo as transcrições paleográficas que realizei do livro de registros de óbitos de escravos dos anos de 1881 a 1885; apenas com algumas dessas transcrições é possível se trabalhar com os mais variados assuntos, dentro das disciplinas que compõe a matriz curricular da educação básica e, com base nesses documentos e em suas respectivas transcrições, é possível trabalhar esses conteúdos das seguintes maneiras:

Linguagens e suas tecnologias: Analisar as transformações linguísticas, morfológicas e ortográficas ocorridas desde o final do século XIX até os dias atuais, podendo, inclusive, realizar uma comparação com a nova reforma ortográfica; analisar a escrita da época, seu vocabulário e suas peculiaridades gramaticais; realizar análise sintática e morfológica, interpretar textos e utilizá-los como modelos de redação.

Ciências Humanas e suas tecnologias: Analisar o período escravocrata em Viamão, suas diferenças e semelhanças com outras cidades e regiões, suas subjetividades, relação escravo x senhores, relações de gênero, principais tarefas atribuídas às mulheres negras e por que morriam tão jovens; condições de vida; contribuição do negro na história viamonense, cemitérios em que estão enterrados, índice de natalidade e mortalidade infantil, perspectiva de vida, desenvolvimento humano, árvore genealógica, alterações ambientais.

Artes: Manifestações artísticas e culturais dos escravos, simbolismos, tradições, costumes e representações.

Ciências da Natureza e suas tecnologias: Principais causas de morte entre os escravos, doenças mais frequentes nessa época, tipos de medicamentos aplicados, indústria farmacêutica da época, composição química dos remédios, alimentação habitual.

Ciências Exatas e suas tecnologias: Porcentagem da média de idade dos escravos, moeda corrente da época, índices financeiros, valor de compra e venda que cada escravo possuía, valores de suas cartas de alforria, juros.

Essas são algumas das possibilidades de estudos e abordagens que podem ser trabalhadas em sala de aula, somente com base nos registros de óbitos dos escravos, encontrado nos documentos arquivísticos do Arquivo Histórico Municipal de Viamão. A diversidade de assuntos e conteúdos desse arquivo e, por conseguinte, do seu acervo documental, é tão vasta que daria para cada turma, de diferentes séries e escolas, trabalhar com um conteúdo em especial e, ao final, divulgar seus resultados em seminários, convenções ou congressos. Seria também muito interessante se as escolas pudessem trocar esses documentos umas com as outras, possibilitando, assim, que um mesmo documento seja trabalhado sob diversas abordagens e em diferentes escolas.

Apenas para citar mais alguns exemplos para se trabalhar em sala de aula, com base na tabela (p. 15), sugerimos alguns temas sobre assuntos encontrados nos diferentes livros de registros:

Relação da dívida ativa: Trabalhar com juros, porcentagem, regra de três, comparação da dívida na época com a situação da dívida atual no município, índices de reajustes, análises combinatórias, contexto histórico na época da dívida, motivos da contração da dívida, quem eram os cobradores.

Matrículas na Educação: Índice de matriculados, índice de analfabetismo comparado com os índices recentes, faixa etária inicial e faixa etária final, localização das escolas, conteúdos ensinados, quem eram os alunos, quem eram os professores, que formação possuíam, divisão das disciplinas, comparação com os índices de matrículas na época para os dias atuais, condições de trabalho dos professores na época e atualmente.

Relação de Estradas e Pontes: Força, dinâmica, área, volume, leis de Newton (1ª e 2ª), temperatura, dilatação térmica, alterações ambientais, modificações na paisagem urbana, vegetações, progresso econômico.

Todos esses assuntos, se trabalhados com a devida seriedade e comprometimento,

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podem contribuir, e muito, para um reconhecimento da história local e sua importância social no cenário histórico do estado, além de dinamizar os métodos de ensino-aprendizagem do conteúdo escolar possibilitando atitudes voluntárias de reflexão, descrição, interação, identificação e observação que, gradativamente, vão sendo incorporadas ao cotidiano dos alunos, desenvolvendo suas condições de raciocínio e ampliando sua absorção dos saberes históricos. Conforme afirma Teresa Jussara Luporini (2002, p. 325):

Os estudos locais permitem, ainda, a percepção dos costumes, das idéias, da mentalidade vigente num determinado espaço histórico-cultural. Suas fontes podem ser muito variadas, favorecendo uma noção mais imediata do passado, valorizando as coisas simples da vida cotidiana que representam os fazeres e saberes de uma localidade.

Dessa forma podemos concluir o quanto é importante que uma comunidade conheça seu patrimônio cultural e reconheça nele a sua história, o seu passado e a sua memória representada nas mais diversas ações humanas, como forma de legitimar o seu papel de protagonista na construção e reconstrução ativa da história, e segundo Fábio Vergara Cerqueira (2008, p. 14):

De forma idealista, podemos imaginar que a educação patrimonial seja um instrumento importante para a construção de uma democracia cultural em escala planetária, baseada em formas de cidadania que se sustentem na valorização de sua cultura e, na mesma medida, na admiração da cultura do outro.

E de acordo com o que afirma Vera Barroso (2002, p. 200):

Será através da atuação conjunta dos cursos de História, Arquivologia e Educação Patrimonial que se assumirá a vanguarda da consciência da memória, alicerce sólido para o bom desempenho das instituições e desenvolvimento real das sociedades.

Sendo assim, pode-se constatar o poder transformador dos documentos arquivísticos, somado a uma educação patrimonial eficiente e comprometida com a memória, na afirmação e legitimação da identidade, individual e coletiva, no respeito às diferenças, na promoção da autoestima e no estabelecimento pleno da igualdade social.

Considerações Finais

A partir da compreensão do papel social que um arquivo histórico possui, como evocador da memória, legitimador da identidade e da cidadania, vinculado à função reformadora, inclusiva e produtora de conhecimento que a Educação Patrimonial traz em sua essência, pode-se afirmar, e sem medo de errar, que a união desses dois elementos, quando trabalhados em sala de aula de maneira lúdica, com coerência e seriedade, pode elevar positivamente a qualidade de ensino das escolas públicas, fazendo com que os conhecimentos de ordem ética, política e estética, tão importantes no processo de aprendizagem, sejam de fato incorporados e absorvidos pelos alunos e por toda a comunidade escolar.

Por isso, ao estudar as particularidades do Arquivo Histórico Municipal de Viamão, tenho certeza de que contribuí para uma abertura imensurável de possibilidades de estudos,

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abordagens e interpretações, que muito servirão para a compreensão da história viamonense ao longo dos anos e na projeção de seu futuro. Mas, para isso, é bom lembrar, é necessário que tanto o poder público, quanto o privado, dialogue incessantemente, na busca pelo bem estar social.

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