responsablidade civil do estado por ato legislativo
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Trabalho de Conclusão do Curso de Direito da Universidade Católica de BrasíliaTRANSCRIPT
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Pró-Reitoria de Graduação Curso de Direito
Trabalho de Conclusão de Curso
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ATO LEGISLATIVO
Autor: Leonardo Moreno Gentilin de Menezes Orientador: Especialista Paulo Henrique Perna Cordeiro
Brasília - DF 2012
LEONARDO MORENO GENTILIN DE MENEZES
REPONSABILIDADE CIVIL POR ATO LEGISLATIVO Monografia apresentada ao curso de graduação em Direito da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para obtenção do Título de Bacharel em Direito. Orientador: Especialista Paulo Henrique Perna Cordeiro
Brasília 2012
RESUMO
Referência: GENTILIN DE MENEZES, Leonardo Moreno. Responsabilidade Civil do Estado por Ato Legislativo. 2012. 72 folhas. Monografia do Curso de Direito – Universidade Católica de Brasília, Taguatinga – DF, 2012. O presente trabalho, possui como um de seus objetivos a abordagem do tema da Responsabilidade Civil do Estado por Ato Legislativo, onde estuda-se a Responsabilidade Civil como um todo, trazendo seus principais elementos de maneira que nada falte ao leitor para o devido entendimento da matéria, porém de jeito conciso, bem como o histórico das teorias da Responsabilidade Estatal, com uma abordagem geral de sua evolução em território brasileiro e mundial. Por fim, delineia-se o Poder Legislativo, visando a compreensão da função do parlamentar e o equilíbrio dos Poderes dentro dos sistema de freios e contrapesos. Ao fim, disserta acerca das principais teorias sobre o tema principal, trazendo os aspectos basilares e doutrinas nacionais e internacionais de forma a esclarecer o leitor sobre o entendimento adotado em todo o âmbito jurídico. Como principal propósito, detalha-se a apresentação de tais tópicos de uma maneira imparcial, para que o leitor do trabalho possa tanto ampliar sua compreensão e entendimento sobre o tema tratado, quanto, em uma eventualidade, vir a modificar sua opinião jurídica, de forma que se procura contribuir ao máximo para o estudo e progresso jurídico. Palavras-chave: Responsabilidade. Estado. Ato legislativo.
RESUMO EM LÍNGUA ESTRANGEIRA
The present dissertation, has as one of its objectives, the approach of the State Responsibility for Legislative Acts theme, where it studies Civil Responsability in general, bringing its most important elements, in a way that nothing will be missing for the due understanding of the subject for the readers, although concisely, as well as the history of the States Responsibility theories, with a general approach of its evolution in Brazilian territory, as well as around the world. Subsequently, we delineate the Legislative Power, seeking comprehension of the parliamentary function and the balance of powers in the checks and balances system. At the end, it disserts about the most important theories concerning the major theme, bringing the basic aspects and the understanding of national and foreign law authors, in a way that the reader is clarified of all the opinions. As its main purpose, there is the presentation of such topics in an impartial manner, so that the reader can amplify it’s knowledge and comprehension concerning the theme, and also, eventually, change it’s juridical opinion, in a way that contributes to the study and progress of the law. Keywords: Responsability. State. Legislative act.
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 6 1. RESPONSABILIDADE CIVIL ................................................................................. 7 1.1. CONCEITUAÇÃO ................................................................................................. 7
1.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA ...................................................................................... 8
1.3 MODALIDADES E PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL ........... 12
1.3.1 Contratual e extracontratual .......................................................................... 12 1.3.2 Objetiva e subjetiva ........................................................................................ 13 1.3.3 Conduta ........................................................................................................... 14 1.3.4 Dolo ou culpa .................................................................................................. 15 1.3.5 Dano ................................................................................................................. 18 1.3.6 Nexo Causal .................................................................................................... 19 2. RESPONSABILIDADE CIVIL ESTATAL .............................................................. 21 2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICO-CULTURAL ................................................................ 22
2.1.1 Irresponsabilidade estatal ............................................................................. 22 2.1.2 Teorias civilistas ............................................................................................. 23 2.1.2.1 Teoria dos atos de império e gestão ............................................................. 24
2.1.2.2 Teoria da culpa civil ....................................................................................... 24
2.1.3 Teorias publicistas ......................................................................................... 25 2.1.3.1 Teoria do serviço ou da culpa administrativa ................................................ 25
2.1.3.2 Teoria do risco administrativo ........................................................................ 26
2.1.3.3 Teoria do risco integral .................................................................................. 27
2.2 EVOLUÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO NO BRASIL ......... 28
2.3 CAUSAS EXCLUDENTES DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO ....... 32
2.3.1 Culpa exclusiva da vítima .............................................................................. 33 2.3.2 Caso fortuito e força maior ............................................................................ 34 2.3.3 Fato de terceiro ............................................................................................... 35 3. PODER LEGISLATIVO ......................................................................................... 37 3.1 TRIPARTIÇÃO DOS PODERES (INDEPENDÊNCIA E HARMONIA) ................ 37
3.1 COMPOSIÇÃO .................................................................................................... 38
3.2 FUNÇÕES TÍPICAS DO PODER LEGISLATIVO ............................................... 40
3.2.1 Fiscalizatória (artigo 70, Consstituição Federal) ......................................... 40 3.2.2 Legislativa (artigo 59, Constituição Federal) ............................................... 42
3.3 PROCESSO LEGISLATIVO ................................................................................ 43
3.3.1 Espécies normativas ...................................................................................... 45 3.4 ESTATUTO DOS CONGRESSISTAS ................................................................ 52
3.4.1 Imunidade parlamentar .................................................................................. 52 4. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ATO LEGISLATIVO ............... 54 4.1 RESPONSABILIDADE PELA EDIÇÃO DE LEI INCONSTITUCIONAL ............... 56
4.2 RESPONSABILIDADE POR ATO REGULAMENTAR DANOSO ....................... 59
4.3 RESPONSABILIDADE PELA EDIÇÃO DE LEI DE EFEITOS CONCRETOS ..... 60
4.4 RESPONSABILIDADE POR OMISSÃO LEGISLATIVA ...................................... 61
4.5 RESPONSABILIDADE POR DECRETO LEGISLATIVO ..................................... 62
4.6 RESPONSABILIDADE POR PLANEJAMENTO GOVERNAMENTAL ................ 63
4.7 RESPONSABILIDADE PELA EDIÇÃO DE LEI CONSTITUCIONAL .................. 63
CONCLUSÃO ............................................................................................................ 68 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 71
6
INTRODUÇÃO
O presente trabalho objetiva demonstrar os aspectos da questão jurídica que
tem ocupado a doutrina já há muito tempo, qual seja, a responsabilidade estatal.
Mais especificamente, a responsabilidade civil do Estado ante sua atividade
legiferante.
Neste intuito, através de pesquisa bibliográfica, objetiva abordar brevemente
a responsabilidade civil como um todo, introduzindo o tema e o leitor ao universo
onde se insere, passando em seguida ao detalhamento da responsabilidade civil
estatal, onde será tratada em seus diversos âmbitos, expondo teorias pretéritas e
presentes no âmbito doutrinário.
Ainda, como condição sine quanon de trabalho com tal tema, abordam-se
aspectos relativos ao poder legislativo estatal e suas atividades típicas, legislativa e
a fiscalizatória. Tratando também acerca da tripartição dos poderes e a harmonia e
independência que envolve o sistema de freios e contrapesos.
Por fim, explana as situações usualmente abordadas pela doutrina acerca
da responsabilidade civil estatal por ato legislativo, como a responsabilidade por ato
legislativo inconstitucional, por ato constitucional, de efeitos concretos, dentre outros,
visando apresentar como se entende o tema atualmente e a problemática que o
envolve.
Crê-se ser adornado de grande importância jurídica o tema. Não somente no
que diz respeito à produção de trabalhos acadêmicos relativos ao mesmo, mas
também em relação aos efeitos sócio-jurídicos que o entendimento doutrinário e
jurisprudencial acerca do tema causam, ante a relevância da temática.
Embora mantenha-se humilde, não pretendendo assim esgotar todo o tema,
o trabalho visa apresentar as questões que envolvem o objeto do trabalho e elucidar
da melhor maneira possível as problemáticas que se apresentem.
Destarte, é em vista da necessidade de discussão dos interessantes
aspectos relativos ao tema que se apresenta o trabalho, visando ajudar a todo
aquele que se interesse pelo assunto a melhor formar sua opinião a respeito.
7
1. RESPONSABILIDADE CIVIL
1.1. CONCEITUAÇÃO
A responsabilidade civil do Estado pela atividade legiferante integra a
responsabilidade civil estatal, que por sua vez integra a responsabilidade civil como
um todo. Logo, é de óbvia importância que se aborde a responsabilidade civil,
conceituando o instituto e trazendo à luz seus principais aspectos.
A problemática da responsabilidade civil é de suma importância no âmbito
jurídico, pois, conforme afirma San Tiago, citado por Sergio Cavalieri Filho, o
principal objetivo da ordem jurídica é proteger o lícito e reprimir o ilícito, ou seja,
enquanto tutela a atividade humana conforme o direito, reprime a conduta daquele
que o contraria.1
Como bem esclarece Maria Helena Diniz, a todo o momento se apresenta a
responsabilidade civil, visto que, cada atentado sofrido pelo homem, relativamente à
sua pessoa ou ao seu patrimônio, constitui desequilíbrio de ordem moral ou
patrimonial. 2 Este atentado é a violação do dever jurídico que imposto à vontade
dos indivíduos, criando obrigações. Tais obrigações, caso não respeitadas, geram
desequilíbrio, que deve ser posto na balança do direito para que, com a
compensação adequada seja corrigido, daí a responsabilidade civil, em termos
gerais.
A ocorrência da responsabilização civil pode se dar em qualquer ramo do
direito, seja tributária, penal, administrativa, dentre tantas outras, motivo pelo qual a
doutrina a inclui na Teoria Geral do Direito, possuindo tantas facetas quanto a
realidade social. À medida que abrange nova matéria, somente se adapta in casu,
possuindo, portanto, ilimitado campo de atuação, tendo em vista a simplicidade de
sua premissa inicial, de indenizar o dano causado a outrem.3
O vocábulo “responsabilidade” é procedente do verbo latino respondere,
designando o fato de ter alguém se constituído garantidor de algo. A origem do
1 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2010. 2 Ibid, p.23. 2 Ibid, p.23. 3 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume 7: responsabilidade civil. Responsabilidade Civil. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
8
termo remete ao vocábulo latino spondeo, resposta dada à questão “dare mihi
spondes?”, que selava obrigação a quem assim respondia.4
Ainda conforme a autora, a doutrina tem encontrado grande dificuldade em
conceituar a responsabilidade civil. Serpa Lopes, pela professora, observa que a
responsabilidade é a obrigação de reparar um dano, seja por decorrer de uma culpa
ou de uma circunstância legal que a justifique, como a culpa presumida, ou por uma
circunstância meramente objetiva. Neste sentido, a autora traz seu próprio conceito
do instituto:
(...) poder-se-á definir a responsabilidade civil como a aplicação de
medidas que obriguem alguém a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda ou, ainda, de simples imposição legal. Definição esta que guarda em sua estrutura, a ideia da culpa quando se cogita da existência de ilícito (responsabilidade subjetiva), e a do risco, ou seja, da responsabilidade sem culpa (responsabilidade objetiva)5
O professor Caio Mário Pereira da Silva em sua obra Responsabilidade Civil,
ao discorrer acerca das dificuldades na conceituação da responsabilidade civil,
tendo em vista que alguns autores utilizam a culpa como fundamento, enquanto
outros conceituam a responsabilidade como existente independentemente dela, bem
ressalta que o que importa em verdade é a subordinação de um sujeito passivo à
determinação de um dever de ressarcimento.
Cabe ainda apontar que Sergio Cavalieri Filho nos apresenta importante
distinção entre obrigação e responsabilidade que não é abordada por todos os
autores. Segundo o mesmo, obrigação é dever jurídico originário, fruto de um acerto
entre partes, como por exemplo o comprometimento a prestar determinados
serviços. Por outro lado, havendo o descumprimento dessa obrigação, ocorre
violação para com o dever jurídico originário, surgindo daí a responsabilidade, o
dever de compor o prejuízo causado pelo não cumprimento da obrigação, daí a frase
utilizada pelo autor, pertencente a Karl Larenz: a responsabilidade é a sombra da
obrigação.
1.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA 4 DINIZ, 2010, p.33. 5 Ibid, p. 34.
9
A evolução no tempo da responsabilidade civil possui importância
fundamental em seu estudo, tendo em vista que, a maneira como se entendem os
fundamentos da responsabilidade civil nos dias de hoje em muito coincidem com o
princípio de seu desenvolvimento e estudo. Ora, nada melhor para entender o
presente que o estudo da história.
Em princípio, a noção de responsabilidade era dissociada à de culpa. Em
época na qual era vigente a o princípio do “olho por olho, dente por dente”,
defendido pela conhecida Lei de Talião.
Conforme leciona Carlos Roberto Gonçalves, dominava então a vingança
privada, pois o dano causava reação imediata em busca de uma compensação
instantânea, proveniente do instinto e brutalidade que adornava a conduta humana à
época.
Em seguida, como também nos ensina o mencionado doutrinador, sobrevêm
o período da composição. Em tal, a pessoa que sofreu o dano tem a vingança
privada substituída por compensação pecuniária. Cabe citar que a troca pela
compensação em valores da época se realizava a juízo do vitimado, não havendo
ainda a culpa dentre os pressupostos da responsabilidade civil, conforme Alvino
Lima bem nos recorda.
À medida que a organização social cresce e a ideia de um poder central,
que toma conta da sociedade, se aplica, a vingança privada torna-se
insuficientemente ética e lógica, tornando a composição econômica obrigatória, e
ademais, tarifada. Tal época é a do Código de Manu, dentre outros.6
Com o transcorrer do tempo, vigeu a Lex Aquila no império romano, e em
sua prática jurisdicional iniciou-se o delineamento da noção de culpa. Traz –se o
claro ensino de Carlos Roberto Gonçalves:
Malgrado a incerteza que ainda persiste sobre se a injúria a que
se referia a Lex Aquila no damnun injuria datum consiste no elemento caracterizador da culpa, não paira dúvida de que, sob o influxo dos pretores e da jurisprudência, a noção de culpa acabou por deitar raízes na própria Lex Aquilia, o que justificou algumas das passagens famosas: in lege Aquilia et levíssima culpa venit (Ulpianus, pr. 44, “Ad legem Aquilia”, IX, II); impunitus es qui sine culpa et dolo malo casu quodam damnum comittit (Gaius, Institutiones, III, 211) etc.7
6 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume IV: responsabilidade civil. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. 7 GONÇALVES, 2009, p. 8.
10
A doutrina em geral, ao abordar a evolução histórica da responsabilidade
civil, traça contornos semelhantes. Apontam como principal responsável pela
evolução no entendimento e aperfeiçoamento das noções e pressupostos da
responsabilidade civil a escola francesa, que, utilizando-se da base criada pelo
direito romano, desenvolveu e firmou uma lógica geral da responsabilidade civil, a
ser utilizada por estudiosos do tema em todo o mundo.
A evolução criada pela doutrina e jurisprudência francesas tratou de
trabalhar diversos aspectos do tema, tais como a diferenciação entre a
responsabilidade civil perante a vítima e a responsabilidade penal (perante o
Estado), e ainda a existência da responsabilidade civil contratual. 8
Quando da edição do código napoleônico, a distinção entre culpa delitual e
culpa contratual fizeram sua estreia no cenário jurídico, implantando na legislação de
todo o mundo a noção de que a responsabilidade civil baseia-se a partir de então.
A reação a isto se materializou na forma de uma grande e diversificada
produção jurisprudencial e doutrinária dos compatriotas de Napoleão, que os
posicionou em lugar de distinção no que diz respeito ao estudo da responsabilidade
civil em âmbito mundial.
Com o início da evolução industrial e sua expansão para o restante do
mundo durante o século XIX, a grande contratação de funcionários em empresas de
amplo porte acabou por ocasionar na ocorrência multiplicada de danos no ambiente
de trabalho. Esse crescimento, que em muitos locais podia ser classificado como
desenfreado, fez surgir a necessidade de maior cuidado e proteção ao trabalhador.
Neste contexto, surge a teoria do risco, onde a premissa básica é a de que,
aquele que se propõe a explorar atividade de risco corre os riscos da profissão, e
caso haja dano a alguém por este empregado, haverá responsabilidade sem
necessidade de comprovação da culpa.
Cabe ressaltar, entretanto que, embora, o patrão indenize, não porque tenha
culpa, mas porque é dono da maquinaria ou dos instrumentos de trabalho que
provocaram o infortúnio, poderá ser exonerado da responsabilidade em
determinadas situações. Por exemplo caso haja prova de que foram tomadas todas
8 GONÇALVES, loc. cit.
11
as medidas idôneas para evitar o dano, conforme previsão do Código Civil italiano,
mexicano, espanhol, etc.9
No âmbito da responsabilidade objetiva há, além da teoria do risco, a do
dano objetivo, que dita existir responsabilidade pelo dano independente da culpa
comprovada.
Conforme Washington de Barros, citado por Carlos Roberto Gonçalves, a
tendência moderna é de substituição da ideia da culpa pela noção de risco.
No Brasil, em um primeiro momento, ficou estabelecida a possibilidade de
reparação natural ou indenização. Entretanto, a reparação possuía como requisito a
condenação criminal.
Em seguida, adotou-se o princípio da independência da jurisdição civil e
criminal, tendo o Código Civil promulgado em 1916, fundado no anteprojeto do
renomado jurista Clovis Bevilaqua se amparado na teoria subjetiva, exigindo
conjunto probatório que justifique culpa ou dolo do causador do dano para que fique
obrigado a repará-lo.
Haviam, todavia, no Código de 1916, uns poucos casos em que se presumia
a culpa, como no art. 1.527 (dano causado por animal), 1.528 (danos resultantes de
ruína de edifício ou construção) e 1.529 (responsabilidade por dano causado por
coisa lançadas de casa em lugar indevido).10
Atualmente, em território brasileiro, tem predominado a necessidade da
culpa para se determinar a responsabilidade, havendo, porém, em casos
específicos, ou legislações também específicas, situações nas quais se aplica a
responsabilidade objetiva.11
Exemplifica-se a partir do dispositivo do Código Civil de 2002 que prevê a
responsabilidade civil, qual seja, o art. 186, cuja exegese aponta a culpa como pré-
requisito, veja-se:
9 GONÇALVES, 2009, p. 10. 10 Ibid, p. 9. 11 Ibid, p. 11.
12
Aquele que, por ação ou omissão voluntária,
negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a
outem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.12
Conforme bem citado por Carlos Roberto Gonçalves e exemplificando o dito
anteriormente, o art. 927 do mesmo códice prevê a responsabilidade objetiva, com a
hipótese de responsabilização independente de culpa quando a atividade
normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para
os direitos de outrem. Ou seja, ao aplicar a teoria risco, da atividade perigosa,
avança paralelamente ao entendimento italiano, não prevendo porém a possiblidade
de provar que adotou todas as medidas necessárias a prevenir o dano.13
1.3 MODALIDADES E PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL
1.3.1 Contratual e extracontratual
Embora o enfoque na responsabilidade civil genérica não seja o objetivo
deste trabalho, para melhor situarmos o tipo de responsabilidade civil de que
tratamos, faz-se necessário explicar espécies básicas.
Neste sentido, a responsabilidade contratual resta prevista no ordenamento
jurídico brasileiro através da previsão do art. 389 do Código Civil, in verbis:
“Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecido, e honorários de advogado”14
Destarte, havendo celebração de contrato, ainda que tacitamente, existe
uma obrigação decorrente do acerto. Na ocasião do descumprimento parcial ou total
12 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial [da] Republica Federativa do Brasil. Brasilia, DF, 11 jan. 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em 05 out. 2006. 13 GONÇALVES, 2009, p.12. 14 BRASIL. op. cit.
13
deste contrato, passa a existir a responsabilidade civil decorrente da obrigação, ou
seja, contratual.
Cabe a observação aqui de que, dentro da modalidade de responsabilidade
civil contratual, in casu, nada impede que o juiz possa condenar o agente por dano
moral causado, seja culposa, seja dolosamente, tendo em vista que muitas vezes o
dano corresponde a um interesse não econômico do lesionado, ou ainda, pela mera
compensação do sofrimento causado pelo autor do dano ao que o sofreu. Lembra-
se, para isto que, o dano moral fruto de inadimplência do contrato poderá ser elidido
caso haja ajuste de cláusula penal que já contenha previsão de perdas e danos.15
Por sua vez, a responsabilidade extracontratual, também chamada de
aquiliana ou extranegocial, é derivada de um comportamento infracional não ligado
diretamente a um acordo entre partes.
No caso da responsabilidade extracontratual, aplica-se o art. 186 do Código
Civil, genérica, que traz o ensinamento de que todo aquele que causa dano a
outrem, por culpa em sentido estrito ou dolo, fica obrigado a repará-lo.16
Em que pese a diferenciação, como bem esclarece Carlos Roberto
Gonçalves, atualmente predomina doutrinariamente a teoria unitária ou monista,
segundo a qual pouco importam os aspectos sob os quais se apresente a
responsabilidade civil, pois uniformes são seus efeitos.
Neste sentido, cabe colacionar exortação do professor Venosa, ao lecionar
fundado nas ideias de Visintini:
Ressalte-se, no entanto, que não existe uma diferença ontológica,
senão meramente didática, entre responsabilidade contratual e aquiliana. Essa dualidade é mais aparente do que real. O fato de existirem princípios próprios dos contratos e da responsabilidade fora deles não altera essa afirmação. .Assim, é possível afirmar que existe um paradigma abstrato para o dever de indenizar. O que permite concluir por uma visão unitária acerca da responsabilidade civil17
1.3.2 Objetiva e subjetiva
15 DINIZ, 2010, p. 137-138. 16 GONÇALVES, 2009, p. 26. 17 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007.
14
A distinção que se estabelece entre a responsabilidade subjetiva e objetiva
deriva basilarmente do aparecimento do elemento culpa dentre os pressupostos da
responsabilidade em questão ou não.
Conforme preleciona o mestre Carlos Roberto Gonçalves, diz-se ser
subjetiva a responsabilidade quando se esteia na ideia de culpa. A prova da culpa
do agente se torna pressuposto necessário do dano indenizável.
Quanto à responsabilidade objetiva, por sua vez, ocorre independentemente
da existência da culpa do agente. Tal obrigação decorre principalmente de lei, que
determina em determinadas situações, a necessidade de se indenizar dano
cometido sem culpa, com base na teoria do risco, ou teoria objetiva.18
Nesta última, o principal fator analisado é a relação entre a atividade
realizada e a potencialidade de ocorrência de dano enquanto se realiza. Veja-se a
explicação de Silvio de Salvo Venosa:
Ao se analisar a teoria do risco, mais exatamente do chamado
risco criado, nesta fase de responsabilidade civil de pós-modernidade, o que se leva em conta é a potencialidade de ocasionar danos; a atividade ou conduta do agente que resulta por si só na exposição a um perigo, noção introduzida pelo Código Civil Italiano (art. 2.050).19
Atualmente, nota-se um certo movimento doutrinário que tende à adotar a
teoria do risco na grande maioria das situações, entendo que a culpa seria
insuficiente para regular todos os casos de responsabilidade.20
Cabe ressaltar aqui que a responsabilidade civil do Estado, prevista no art.
37, §6º da Constituição Federal se enquadra no âmbito da responsabilidade objetiva,
fato da maior relevância para o desenvolvimento do presente trabalho.
1.3.3 Conduta
A responsabilidade possui diversos pressupostos elencados pela doutrina,
devendo estes, ou parte destes, conforme a teoria adotada, estarem presentes para
a sua devida caracterização.
18 GONÇALVES, 2009, p. 30. 19 VENOSA, 2007, p. 9. 20 GONÇALVES, op. cit. p. 31.
15
Neste âmbito, a responsabilidade civil para ocorrer necessita da ocorrência
de dano, e o dano para existir é fruto da conduta.
As pessoas, no âmbito de convivência que possuem em comum, apesar de
não estarem submetidas a contrato a todo o tempo, são obrigadas a se absterem de
prática lesiva ao patrimônio alheio, ou seja, a conduta contrária à ética e
ordenamento legal. Esse dever de abstenção geral, ocorre através de ação positiva
para evitar que ocorra o dano.21
Conduta, ou ação, enquanto elemento integrante da responsabilidade, nas
palavras de Maria Helena Diniz é:
Ato humano, comissivo ou omissivo, ilícito ou lícito, voluntário e
objetivamente imputável, do próprio agente ou de terceiro, ou o fato de animal ou coisa inanimada, que causa dano a outrem, gerando o dever de satisfazer os direitos do lesado.22
Ação comissiva seria aquela gera dano direta e positivamente através de
conduta do autor, como por exemplo pessoa que destrói propriedade alheia. Por sua
vez, a omissiva é o deixar de fazer que ocasiona lesão pela ausência de atitude que
poderia evita-la.
Conforme doutrina Diniz, a omissão se apresenta com mais usualidade no
âmbito contratual, e deve ser voluntária, por isto entendendo-se que poderia ser
controlada pelo agente. Assim, não estão incluídos nesta categoria atos ocorridos
sob coação, ou ainda em estado de inconsciência, sonambulismo etc.23
1.3.4 Dolo ou culpa
A culpa, outro elemento integrante da responsabilidade, lato sensu, é a
transgressão de obrigação jurídica, intencionalmente ou através de omissão,
imputável à alguém, compreendendo dentro de si o dolo e a culpa.24
Ocorre que, danos ao patrimônio ocorrem a todo tempo, sejam ocasionados
por pessoas ou ações da natureza. Porém, para responsabilizar-se a outrem pelo
21 CAVALIERI FILHO, 2010, p. 24. 22 DINIZ, 2010, p. 40. 23 Ibid p.40. 24 Ibid p.42.
16
dano causado, deve haver o elemento culpa presente, que prova que o agente não
procedeu com a diligência necessária (culpa) ou operou intencionalmente buscando
o dano (dolo). Caso contrário, o ônus do prejuízo deverá ser suportado
individualmente pelo que possui o patrimônio que o sofreu os efeitos danosos.
Dentro do elemento conduta, é patente a noção de uma diretriz subjetiva, eis
que a vontade do agente dá ao comportamento a noção de conduta humana.
Portanto, em vista desta subjetividade, denota-se que o agente poderá querer mais
ou menos atuar de determinada maneira, do que se depreende que a conduta
poderá ser propositada ou despropositada.25
Compreende-se, então, a noção de culpa em sentido lato, como sendo a
ação, comportamento, conduta contrária ao direito, seja ela intencional ou
tencional.26
Já stricto sensu, devido ao querer mensurável do agente ao decidir praticar
o ato ou não, a doutrina distingue a culpa do dolo, elementos que em seu cerne
possuem, respectivamente, a não intenção de provocar o dano e a intenção.
No dolo, como bem esclarecido por Sergio Cavalieri Filho, a conduta nasce
ilícita, enquanto que na culpa, torna-se ilícita à medida que chega próxima à sua
conclusão, quando terá ultrapassado a linha que divide o socialmente aceitável do
não aceitável. Conceitua o autor então o dolo, parafraseando Caio Mário:
À luz desses princípios, pode-se dizer que há no dolo conduta
intencional, dirigida a um resultado ilícito.. Dolo, portanto, é a vontade conscientemente dirigida à produção de um resultado ilícito. É a infração consciente do dever preexistente, ou o propósito de causar dano a outrem27
Já a culpa em sentido estrito possui definição de maior complexidade. Em
que pese a dificuldade, a doutrina em geral se apoia sobre pilar semelhante para
caracterizar o elemento de que falamos, qual seja, o dever objetivo de cuidado, vez
que a culpa seria a não observância do referido, ou, em outras palavras, omissão de
diligência exigível.28
Deste modo, o dever de cuidado seria aquilo que, após a vivência em
sociedade, convenciona-se chamar de reação adequada para determina situação,
25 CAVALIERI FILHO, 2010, p. 29. 26 Ibid, p. 30. 27 Ibid, p. 31. 28 Ibid, p. 33.
17
de modo que a ação do agente não venha a prejudicar patrimônio alheio, seja este
corpóreo ou incorpóreo.
Fernando Pessoa Jorge, citado por Cavalieri traz a lume que é possível
observamos dois momentos que envolvem o dever de cuidado. O primeiro refere-se
à ponderação de condutas que o agente faz, analisando as possíveis atitudes que
pode tomar visando alcançar determinado fim. Após, o segundo momento se
apresenta, onde o autor escolhe qual caminho seguir, e somente aqui é exigido
daquele a diligência do cuidado.29
Cabe dizer ainda que, a previsibilidade exigida na culpa (sentido estrito),
afere-se conforme o comportamento do homo medius, ou seja, a obrigação que
existe para com o seu comportamento é medida pelo padrão médio de conduta, um
grau considerado normal, conforme a noção de ética do meio social em que o autor
do dano vive.30
Daí delineia-se uma forma para a culpa, sendo, conforme Cavalieri, a
conduta voluntária contrária ao dever de cuidado imposto pelo Direito, com a
produção de um evento danoso involuntário, porém previsto ou previsível.
Compete esclarecer que, em que pese a diferenciação de dolo e culpa, ou
seja, a intenção contida na conduta ou não, sendo o primeiro o ato provocado
procurando determinado resultado de maneira intencional e o segundo aquele
ocorrido por negligência, imprudência ou imperícia, os efeitos para indenização são
idênticos, considerando boa parte da doutrina sua distinção sem utilidade prática.31
En passant, cumpre esclarecer os três elementos citados segundo a
explicação sucinta e esclarecedora de Maria Helena Diniz:
(...) a culpa abrange a imperícia, a negligência e a imprudência. A
imperícia é a falta de habilidade ou inaptidão para praticar certo ato; a negligência é a inobservância de normas que nos ordenam agir com tenção, capacidade, solicitude e discernimento; e a imprudência é a precipitação ou o ato de proceder sem cautela. (...)32
Em que pese a obrigação de reparar ser idêntica, seja dolo ou culpa que se
apresenta no caso, há situações concretas em que somente um ou outro ensejarão
o dever de ressarcir. Como exemplo, temos a responsabilização Estatal, prevista no
29 CAVALIERI FILHO, 2010, p. 33. 30 GONÇALVES, 2009, p. 17. 31 VENOSA 2007, p. 22. 32 DINIZ, 2010, p. 43.
18
art. 37, §6º, que, apesar de objetiva, suporta casos em que, caso seja comprovado
dolo na ação do funcionário do Estado, é possibilitada ação de regresso .
1.3.5 Dano
O dano, conquanto elemento sine qua non da responsabilidade civil, é,
pegando emprestadas as palavras de Sergio Cavalieri, o grande vilão deste instituto
jurídico.
Não existe responsabilidade onde não houver dano, vez que a conduta que
não gera lesão a patrimônio algum, deixa a todos satisfeitos, sem motivos para
buscar reparação. A culpa pode até faltar na equação (responsabilidade objetiva),
entretanto, o dano deve estar presente em todas as ocasiões para que surja o dever
de compensação pela perda.
Vale lembrar que o dano pode ser de ordem patrimonial, v.g., a uma casa,
um carro etc., ou moral, ao que colacionamos então o conceito dado por Cavalieri ao
elemento em estudo:
(...) Conceitua-se, então, o dano como sendo a subtração ou
diminuição de um bem jurídico, qualquer que seja a sua natureza, quer se trate de um bem patrimonial, quer se trate de um bem integrante da própria personalidade da vítima, como a sua honra, a imagem, a liberdade etc. Em suma, dano é lesão de um bem jurídico, tanto patrimonial como moral, vindo daí a conhecida divisão do dano em patrimonial e moral33
Sigamos então à elucidação de maneira mais detalhada do que seja dano
patrimonial e moral.
O dano patrimonial, por óbvio, atinge ao patrimônio do lesionado durante a
conduta que gerou dano. Entretanto, é necessário esclarecer o que seria patrimônio,
juridicamente falando.
Conforme bem ensina Maria Helena Diniz, o patrimônio é um conjunto
jurídico dos bens de uma pessoa, constituindo, portanto, um dos atributos da
personalidade, e sendo, por tal, intangível. Cabe lembrar também que o acervo que
constitui o patrimônio engloba não somente bens corpóreos, tais como objetos
pessoais, mas também direitos incorpóreos como por exemplo o direito de crédito34
33 CAVALIERI FILHO, 2010, p. 73. 34 DINIZ, 2010, p. 67.
19
Para constituir dano ao patrimônio, este deve ser concreto, deve haver
diminuição efetiva em seu valor. São espécies de danos patrimoniais a privação do
uso de coisa, ofensa à reputação, quando esta produzir efeitos na vida profissional
do lesionado, etc.
Já o dano moral por sua vez, durante muito tempo não figurou nas linhas do
conceito de dano, vez que até pouco tempo a doutrina não entendia ser indenizável
o dano causado à moral do indivíduo, pois, dentre outras dificuldades, apresentava-
se a dificuldade de se quantificar monetariamente o sofrimento do indivíduo.
Entretanto, resta superado tal entendimento e hoje em dia indeniza-se o dano moral
tanto quanto o patrimonial.
A conceituação do dano moral possui tratamento cauteloso pela doutrina,
visto a dificuldade em se definir precisamente o instituto.
Para Cavalieri, o elemento central do dano moral está previsto na
Constituição Federal, que em seu art. 3º, III, estabelece como fundamento da
República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana.35
Com isto, lembra que o dano moral não está necessariamente ligado à
compreensão da ferida que se causou à esfera psíquica, ou ainda a efeitos ou
distúrbios psicológicos que possa vir a causar, mas sim à ofensa ao princípio da
dignidade da pessoa humana, tendo em vista que, dor e vexame podem ocorrer sem
violação da dignidade.
Através do explicado nota-se como é clara a dificuldade dos julgadores em
avaliar pecuniariamente como deve se dar a indenização em virtude de dano moral,
pois, o que é possível é meramente uma compensação imposta ao causador do
dano, mas não a reparação efetiva deste.36
1.3.6 Nexo Causal
O nexo causal, ou nexo de causalidade, ou ainda relação de causalidade, é
elemento de simples compreensão, e visando a melhor, colacionamos o ensino de
Maria Helena Diniz:
35 CAVALIERI FILHO, 2010, p. 82. 36 Ibid, p. 84.
20
O vínculo entre o prejuízo e a ação designa-se “nexo causal”, de modo que o fato lesivo deverá ser oriundo da ação, diretamente ou como sua consequência previsível. Tal nexo representa, portanto, uma relação necessária entre o evento danoso e a ação que o produziu, de tal sorte que esta é considerada como sua causa.(...)37
Resta claro, portanto que, o nexo causal é a linha que liga a conduta ao
dano, seja patrimonial, seja moral, causado. Não sendo necessária que o
acontecimento seja imediato ao dano, mas somente que este tenha sua ocorrência
condicionada à existência da conduta em questão.38
A título de exemplo podemos relacionar um furto a determinado empresário,
que lhe leva o celular com todos os contatos, e impossibilita que este realize
negócios pela impossibilidade de contato imediato com a outra parte. Neste
situação, o dano tem como efeito direto o celular e outros objetos furtados.
Entretanto, indiretamente, utilizando-se da razoabilidade, poderão ser quantificados
outros valores de que se privou a vítima ao deixa-la sem contato com que precisava
manter durante um período de tempo.
37 DINIZ, 2010, p. 111. 38 DINIZ, 2010, p. 112.
21
2. RESPONSABILIDADE CIVIL ESTATAL
Ao tratarmos da responsabilidade civil como um todo, notou-se que é fato
corriqueiro desde o início da vida humana que a atitude eventual de uma pessoa
possa venha a causar danos a outra. Pela lesão causada, restou explicado que é
devida a reparação, visando o retorno ao status quo, a fim de que o lesionado não
tenha sua esfera de direitos materiais ou imateriais atingida sem que o direito se
atente ao fato.
Neste sentido, é de suma importância para o presente trabalho o
estabelecimento do princípio segundo o qual a responsabilidade por atos não é
patente somente à perda ocasionada pelo ser humano enquanto sujeito de direitos e
obrigações na ordem jurídica. Isto porque a responsabilização pelo dano também
pode ser atribuída ao Estado, conforme entendimento pacificado há séculos.
A responsabilidade civil do Estado de que aqui tratamos, como bem nos
ensina Celso Antônio Bandeira de Mello, citado por Maria Helena Diniz, se define
como a “obrigação que lhe incumbe de reparar economicamente os danos lesivos à
esfera juridicamente garantida de outrem e que lhe sejam imputáveis em
decorrência de comportamentos unilaterais, lícitos ou ilícitos, comissivos ou
omissivos, materiais ou jurídicos”.39
Diferencia-se portanto esta da decorrente de acordo celebrado entre o
Estado e outra parte, também como da obrigação de ressarcir do Estado em
situações nas quais esteja autorizado pela ordem jurídica a imolar interesses
privados, visando alcançar fim de interesse público, como na desapropriação,
prevista no art. 5, XXIV da Constituição Federal ou ainda na requisição de bem
particular.40
Conforme a professora Maria Helena Diniz, a responsabilidade estatal
possui bases fincadas no princípio da isonomia. Daí a noção de que, ocasionando
dano determinada ação estatal, não seja justo que somente alguns particulares
sofram os ônus da referida atitude, pois faltaria assim o equilíbrio necessário,
39 DINIZ, 2010, p. 641. 40 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2010.
22
devendo haver repartição dos encargos igualmente entre os que fazem parte do
Estado.41
É cabível ainda explicar a diferente nomeação dada por expositores da
doutrina quando tratam do assunto, visto que alguns utilizam a expressão
“responsabilidade civil da administração pública” enquanto outros dizem ser do
Estado. Colaciona-se, com tal finalidade o ensino do eminente professor Diogenes
Gasparini:
Alguns autores preferem, em lugar de Estado, usar a expressão
“Administração Pública”. Assim, dizem: responsabilidade civil da Administração Pública. Nós preferimos dizer responsabilidade civil do Estado, posto que o dano pode advir de atos legislativos ou judiciais, e não só de atos e fatos administrativos, como essa expressão parece induzir, em que pese as críticas levantadas por certos autores(...)42
Dessarte, melhor se enquadra com o objetivo do presente trabalho a
expressão responsabilidade civil do Estado, vez que buscamos defender e expor
teorias que admitem a responsabilização em virtude da produção de atos legislativos
que venham a lesionar o patrimônio alheio.
2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICO-CULTURAL
2.1.1 Irresponsabilidade estatal
Como tudo de que trata a ciência jurídica, a responsabilidade civil estatal
também é fruto de evolução jurídica-temporal, passando por períodos em que não
se admitia a mesma, até os dias de hoje, em que é amplamente aceita, sendo-lhe
imputada a qualidade de objetiva
Assim, cumpre esclarecer, per summa capita, os estágios pelos quais
passou a matéria, visando uma atenção maior à complexidade e profundidade que o
assunto possui nos dias atuais.
Com efeito, a primeira fase por que passou matéria de que se trata no
presente capítulo foi o período da irresponsabilidade estatal.
41 DINIZ, 2010, p. 640. 42 GASPARINI, Diogenes. Direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
23
Como bem tratam do tema diversos doutrinadores, a teoria da
irresponsabilidade materializou-se nos Estados absolutistas, os quais se apoiavam
em teorias similares à máxima inglesa “The King can do no wrong” (o rei não pode
errar), ou a francesa “Le roi ne peut mal faire”, com o mesmo sentido, para afirmar
que o Estado, ou, por decorrência lógica, seus representantes, não erravam no que
realizavam, e por este princípio não estariam sujeitos a indenização decorrente de
seus atos.
Bem lembra o professor Gasparini que, em que pese a vigência da teoria da
irresponsabilidade, não ficavam totalmente sem apoio os cidadãos que fossem
lesionados, pois, conforme o doutrinador, haviam leis que disciplinavam situações
específicas, v.g., legislação de origem francesa determinando a recomposição
patrimonial por lesão originada em obras públicas.43
Ainda, situações que resguardavam também o administrado, embora não de
maneira eficaz, tendo em vista a diminuta capacidade patrimonial de alguns
funcionários do Estado, eram as que previam responsabilidade deste quando o ato
pudesse ser ligado diretamente a comportamento seu. Entretanto, como lembra
Celso Antônio, devido à uma cláusula que estabelecia a garantia administrativa dos
funcionários, as ações contra os mesmos pendiam de permissão do Conselho de
Estado Francês, parcamente concedida.44
Cabe lembrar, por fim, que a teoria aqui tratada resta completamente
superada, sendo que as últimas nações que a sustentavam já a abandonaram, quais
sejam, os Estados Unidos da América do Norte, em 1946 e a Inglaterra em 1947.
2.1.2 Teorias civilistas
Em 1º de fevereiro de 1873 - no famoso caso Agnès, em que o pai da
menina promoveu ação civil de indenização contra o Estado, pois um vagonete da
Companhia Nacional de Manufatura do Fumo a atropelou -, o célebre aresto do
Tribunal de Conflitos, reconheceu pela primeira vez a responsabilidade do Estado,
sem base em qualquer produção legislativa, mas tomando somente em conta
princípios de Direito Público.45
43 GASPARINI, 2007, p. 975. 44 MELLO, 2010, p. 1003. 45 Ibid, p. 1002.
24
O princípio do reconhecimento da responsabilidade subjetiva do Estado
surgiu calcada nas teorias liberalistas que circulavam à época. Assim, o Estado
torna-se também passível de ação do particular visando a indenização pela lesão
que lhe fora ocasionada.
2.1.2.1 Teoria dos atos de império e gestão
Sob a égide das teorias civilistas, houveram duas correntes que
objetivavam responsabilizar o Estado.
Primeiramente, a teoria dos atos de império e gestão, que tinha por fim
distinguir duas espécies de ato estatal. Nos momentos em que este procedesse
como pessoa privada, poderia ser responsabilizado na gestão de seu patrimônio por
quaisquer danos causados. Entretanto, agindo no exercício de sua soberania,
seriam tais atos reputados como de império, pelos quais o Estado não poderia ser
responsabilizado, ante uma espécie de interesse público.46
Cabe colacionar a crítica da professora Maria Helena Diniz à teoria, que
julga moralmente inadmissível:
(...) é inaceitável sob o prisma moral ou prático, pois, se a vítima
se queixa de um dano causado pela pessoa jurídica de direito público em atuação ilícita, não satisfaz ao sentimento de justiça distinguir se o ato foi praticado iures gestionis ou iure imperii, porque em ambas as hipóteses o restabelecimento do equilíbrio exige a composição do patrimônio ofendido. (...) Negar indenização pelo Estado em qualquer de seus atos que causaram danos a terceiros é subtrair o poder público de sua função primordial de tutelar o direito.47
2.1.2.2 Teoria da culpa civil
Na segunda teoria, atingiu-se pela primeira vez a igualdade entre o Estado e
o particular no que diz respeito à necessidade de compensar o dano causado ao
patrimônio alheio.
46 DINIZ, 2010, p. 645. 47 Ibid, p. 646.
25
Neste momento, a administração pública torna-se responsável, possuindo
como núcleo do entendimento a culpa civil, ou seja, sendo condenada a indenizar
caso seus agentes houvessem agido com dolo ou culpa.48
Como bem lembra Diogenes Gasparini, os conceitos dos termos dolo e
culpa in casu são os mesmos utilizados no Direito Privado, ou seja, age com culpa o
agente que procede com imprudência, negligência, imperícia ou imprevisão e causa
prejuízo a outrem, e age com dolo o agente que, conscientemente, direciona seu ato
a situação que sabe violar o Direito.
2.1.3 Teorias publicistas
2.1.3.1 Teoria do serviço ou da culpa administrativa
As teorias civilistas mostraram-se superadas pela ideia do faute du service,
ou culpa do serviço, princípio francês que introduz a noção do serviço estatal que
deveria funcionar, porém ou o faz mal ou atrasado. A teoria aqui deflagrada se
apresenta como o primeiro estágio de ligação entre a subjetividade e objetividade da
responsabilidade civil estatal .49
Neste instante, não se questiona a subjetividade do agente, buscando-se a
falta objetiva do serviço em si como nexo que gera a responsabilidade de indenizar.
Há exigência de culpa, porém, culpa especial da administração, a qual denominou-
se culpa administrativa, exemplifica-se: caso determinado serviço, como o
fornecimento de água, fosse devido, entretanto houvesse falha, ou ainda, o serviço
de proteção ao indivíduo no período da noite não funcionasse como devia. Em tais
casos, configura-se a culpa do serviço, e, por consequência, obrigação de indenizar
por parte do Estado.50
É importante ressaltar que o ônus probatório do ato ilícito, da culpa do
serviço, era da vítima, para que só então fosse o Estado responsabilizado, o que
não se realizava sempre com facilidade, razão motivadora da caça a um sistema
que responsabilizasse a administração sem a dificuldade de provar em juízo do
indivíduo lesionado. 48 GASPARINI, 2007, p. 976. 49 MELLO, 2010, p. 1002-1003. 50 GASPARINI, 2007, p. 977.
26
2.1.3.2 Teoria do risco administrativo
Do movimento que a teoria da culpa administrativa gerou, surgiu a teoria do
risco administrativo, também conhecida por teoria da responsabilidade patrimonial
sem culpa, ou teoria da responsabilidade patrimonial objetiva, ou ainda meramente
teoria objetiva.
O cerne da presente teoria está em facilitar ainda mais a tutela da reparação
ao indivíduo lesionado. Não há mais a necessidade do que teve seu patrimônio
ferido de provar judicialmente a culpa ou dolo do Estado ou seus agentes. Conforme
bem explica Sergio Cavalieri Filho, a ideia, cunhada originalmente por León Duguit,
seria de que a administração pública gera risco aos administrados, ou seja, em
virtude da atividade, comum ou incomum estatal, há possibilidade de dano. Assim,
vez que a atividade, seja qual for, é desenvolvida com interesse público, seus
encargos devem ser por todos suportados, pois o Estado representa a todos.51
Ademais, na teoria do risco administrativo, é dispensada a prova de culpa ou
dolo por parte da administração. O que se faz necessário provar aqui é meramente a
ocorrência do dano e o elemento nexo causal, que liga a atividade Estatal à lesão do
patrimônio jurídico alheio.
Note-se ainda que, tal teoria, é a de regra adotada no Brasil, como se
depreende da interpretação doutrinaria feita a partir do art. 37, §º6 da CF, o que será
melhormente abordado mais à frente.
É de relevância notar entretanto que, em que pese a facilidade de se
alcançar a indenização mediante a utilização da presente teoria, e a
responsabilização da administração pública ante o entendimento de que suas
atividades geram um risco natural ao patrimônio de outros, não é toda situação que
ensejará automaticamente a responsabilização patrimonial, pois existem situações
específicas em que esta pode ser amainada.
Tais circunstâncias podem ocorrer quando, v.g., ocorram hipóteses que
excluam o nexo causal, demonstrando não ter sido a atividade da administração
51 CAVALIERI FILHO, 2010, p. 243.
27
pública que culminou no dano, como na ocorrência de fato exclusivo da vítima, caso
fortuito, força maior e fato exclusivo de terceiro.52
2.1.3.3 Teoria do risco integral
Leciona Cavalieri que parte da doutrina entende serem a teoria do risco
administrativo e a teoria do risco integral a mesma coisa, argumentando que a
diferenciação se limita a uma questão de semântica. Entretanto, ressalta o
mencionado autor que a distinção se mostra importante, na medida em que impede
que o Estado seja responsabilizado em casos nos quais o dano não decorra direta
ou indiretamente da atividade administrativa.53
Na esteira da explicação acima, a teoria do risco integral entende que,
mesmo nos casos em que a vítima concorra para a lesão ao seu patrimônio, ou
ainda havendo causas excludentes da responsabilidade, provado o nexo causal, não
haveria necessidade qualquer de outros elementos, restando patente a necessidade
de indenização pela administração pública.
Por suas linhas, a teoria não é bem aceita entre a doutrina de maneira geral,
visto que pode gerar indenização em casos absurdos, como explica Diogenes
Gasparini, ao esclarecer porque não é ela adotada em qualquer país, salvo
situações específicas:
(...) Assim, ter-se-ia de indenizar a família da vítima de alguém
que, desejando suicidar-se, viesse a se atirar sob as rodas de um veiculo, coletor de lixo de propriedade da Administração Pública, ou se atirasse de um prédio sobre uma via pública. Nos dois exemplos, por essa teoria, o Estado, que foi simplesmente envolvido no evento por ser o proprietário do caminhão coletor de lixo e da via pública, teria de indenizar. Em ambos os casos os danos não foram causados por agentes do estado. A vítima os procurou, e o Estado, mesmo assim teria de indenizar.54
Na legislação brasileira, cabe mencionar que, majoritariamente, aceita-se a
teoria aqui tratada para algumas hipóteses. O art. 21, XXIII da Constituição Federal,
que em sua alínea d estabelece que a responsabilidade civil por danos nucleares
independe da existência de culpa. O entendimento, conforme explica Sergio
Cavalieri Filho aqui adotado é a teoria do risco integral, em virtude da grandeza dos 52 Ibid, p. 243. 53 CAVALIERI FILHO, 2010, p.243. 54 GASPARINI, 2007, p. 978 -979.
28
riscos que decorrem da atividade nuclear. Mencionando ainda o célebre doutrinador
que a lei 6.453/1977, que trazia hipóteses de exclusão da responsabilidade nestes
caos, e ainda limites indenizatórios, resta revogada em tais aspectos, pois o
dispositivo constitucional não trouxe qualquer limitação, ou seja, não é possível lei
ordinária trazer limitações à aspectos que a Constituição não trouxe.55
Por fim, mencionemos também a hipótese do dano ambiental. Aqui também,
conforme o mesmo doutrinador, apoiado em estudo de Nélson Nery Jr., sustenta
que, teleologicamente, levando-se em conta a Constituição Federal e a Lei de
Política Nacional do Meio Ambiente – Lei 6.938/81 -, denota-se que a teoria também
adotada na hipótese de dano ambiental é a do risco integral, pois, na possibilidade
de trazer-se as excludentes de responsabilidade in casu, tais como o caso fortuito e
a força maior, o causador do dano se livraria da maioria das responsabilizações
devidas, pois a maior parte dos danos relativos ao meio ambiente decorrem de
desastres praticamente incontroláveis. Cita-se ainda a importância do meio
ambiente, direito de 3a geração, que a todos pertence, e que possui como
fundamentos principais de sua proteção a precaução e a prevenção, e, por isto, os
danos causados devem ser severamente punidos.56
2.2 EVOLUÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO NO BRASIL
Em território nacional, não tivemos período em que se adotou a
irresponsabilidade do Estado, vez que, ainda que à míngua de previsão legislativa, a
responsabilidade estatal sempre foi aplicada como princípio geral e fundamental do
direito, conforme esclarece Cavalieri Filho.
Ensina Hely Lopes Meirelles que o tema da responsabilidade civil estatal no
direito brasileiro passou por momentos em que adotava a subjetividade e
objetividade. Em tempos imperiais, já haviam juristas que defendiam a adoção da
teoria do risco, pregando a objetividade da responsabilidade do Estado, à mesma
época em que esta surgia em terras francesas. Entretanto, os nobres defensores da
teoria objetiva acabaram por derrotados pelo entendimento dominante fundado no
Direito Privado para adotar a responsabilidade subjetiva.57
55 CAVALIERI FILHO, 2010, p. 155. 56 Ibid, p. 154-‐155. 57 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.
29
A Constituição Republicana de 1891, apesar de não mencionar
explicitamente a responsabilidade do Estado, estabelecia em seu art. 82 que ‘os
funcionários são estritamente responsáveis pelas obras e omissões que incorrerem
no exercício de seus cargos, assim como pela indulgência ou negligência em não
responsabilizarem efetivamente os seus subalternos’.58
Tal disposição, nem na prática nem na doutrina, excluía a responsabilidade
estatal, mas estabelecia uma responsabilidade apoiada na culpa civil, com
solidariedade do Estado para com os atos de seus representantes.59
Daí, depreende-se que, embora não tratada claramente pela Constituição da
época, era reconhecida pela jurisprudência pátria a existência da responsabilidade
do Estado para com atos que lesionassem patrimônio alheio. Tanto que, como traz
Yussef Sahid Cahali, a Lei 221 de 20.11.1894 estabeleceu competência para o
julgamento de causas fundadas na lesão de direitos individuais por atos ou decisões
administrativas da União. Bem como, traz ainda o professor, Amaro Cavalcanti, em
obra de 195, esclarece que a responsabilidade sempre foi reconhecida nos hábitos
jurisprudenciais da República.60
Conforme ensina unanimemente a doutrina que aborda a matéria, a
Constituição de 1916 foi a primeira a cuidar expressamente da responsabilidade civil
do Estado, prevista em seu artigo 15:
As pessoas jurídicas de direito público são civilmente
responsáveis por atos de seus representantes que nessa qualidade causem danos a terceiros, procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a deve prescrito por lei, salvo o direito regressivo contra os causadores do dano.61
Cavalieri nos educa no sentido de que, apesar da ambiguidade que o artigo
contém, a doutrina acabou por estabelecer a noção de que o artigo procurou firmar a
teoria da culpa, vez que expressões como ‘procedendo de modo contrário ao Direito
ou faltando a dever prescrito em lei’ não dão possiblidade a outro tipo de
interpretação. Entretanto, como explica ainda, ainda com base no mesmo artigo a
58 CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade civil do estado. 3. ed. São Paulo: RT, 2007.Cahali, p. 28. 59 CAVALIERI FILHO, 2010, p. 244. 60 CAHALI, 2007, p. 28. 61 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 10 out. 2012.
30
jurisprudência chegou a sustentar a responsabilidade objetiva do Estado, novamente
em vista da ambiguidade do artigo.62
A Carta de 1934, trazia responsabilidade solidária dos funcionários públicos
para com a Fazenda Nacional Estadual ou Municipal caso houvessem prejuízos,
omissão ou abuso no exercício de seus cargos.63
Por fim, somente na Constituição de 1946 restou claramente adotada a
teoria da responsabilidade objetiva, conforme seu artigo 194:
As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente
responsáveis pelos danos que seus funcionários, nessa qualidade, causem a terceiros.
Parágrafo único – caber-lhes-á ação regressiva contra o funcionário responsável, nos casos de culpa ou dolo64
Sendo assim, com a clara redação, não restam dúvidas de que a teoria
adotada é a da responsabilidade objetiva, sendo que o elemento culpa, somente
presente no parágrafo único do referido artigo, somente surge para garantir a
possibilidade de ação regressiva das pessoas responsabilizadas, caso seus
funcionários, nessa qualidade, houvessem ocasionado dano munidos de culpa ou
dolo cíveis.
Menciona-se, de passagem, que a Constituição de 1967 seguiu a mesma
linha, adotando a reponsabilidade objetiva claramente no art. 105, imitado no art.
107 da Emenda Constitucional de 1969.
Desde então, as Constituições brasileiras tem adotado a responsabilidade
objetiva em seus textos, cabendo entretanto ressalva de Yussef Sahid Cahali,
segundo o qual, em que pese o consenso quanto à responsabilidade objetiva, o
mesmo não ocorre quanto a qual teoria teria sido adotada, ou seja, quanto à
extensão do conceito de responsabilidade objetiva.
Por fim, a Constituição Federal de 1988, dispõe em seu art. 37, §6º: ‘as
pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços
públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a
62 Cavalieri, op. cit., p. 245. 63 CAHALI, 2007, p. 29. 64 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 10 out. 2012.
31
terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo
ou culpa’.
Seguindo o entendimento doutrinário, o exame aproximado do mencionado
dispositivo deixa claro que a teoria adotada é a teoria do risco administrativo,
respondendo objetivamente o Estado pelos danos que seus agentes, nessa
qualidade, causarem a terceiros.
Diz Sergio Cavalieri Filho que a questão que sobrevive é a que diz respeito a
‘relação que deve existir entre o ato do agente ou da atividade administrativa e o
dano”. Entende-se por isso a dúvida se a ação causadora de lesão tem de ser
praticada na execução do serviço ou simplesmente em função dele. Ressalta o autor
que, no entendimento jurisprudencial têm-se assentado que o aspecto minimamente
necessário para determinação da responsabilidade do Estado é que o cargo tenha
sido a oportunidade para a pratica do ato ilícito, ou seja, tendo a oportunidade para a
prática da ação lesiva se apresentado em função do exercício de cargo ou atividade
administrativa, responde o Estado pela obrigação ressarcitória.65
Cumpre trazer à tela que, o artigo 37, §6º da Carta Magna de 1988 trata
explicitamente de ações do Estado e de seus agentes, nessa qualidade, venham a
provocar dano. Entretanto, tem de se destacar o ensinamento de Celso Antonio
Bandeira de Mello acerca das situações em que através de omissão a lesão ao
patrimônio do indivíduo venha ocorrer:
Quando o dano foi possível em decorrência de uma omissão do
Estado (o serviço não funcionou, funcionou tardia ou ineficientemente) é de aplicar-se a teoria da responsabilidade subjetiva. Com efeito, se o Estado não agiu, não pode, logicamente, ser ele o autor do dano. E, se não foi o autor, só cabe responsabilizá-lo caso esteja obrigado a impedir o dano. Isto é: só faz sentido responsabilizá-lo se descumpriu dever legal que lhe impunha obstar ao evento lesivo.66
Assim como dito quando abordamos o elemento culpa, além da negligência,
imprudência ou imperícia, exige-se a conduta estatal dentro do padrão legal exigível,
ou seja, o supracitado princípio do homo medius aplicado às ações dos agentes do
Estado.
Como bem ensina Yussef Cahali, é necessário tomar em questão o
procedimento estatal em situações parecidas e a expectativa social em relação às
65 CAVALIERI FILHO, 2010, p. 247. 66 CAHALI, 2007, p. 1012-1013.
32
suas atitudes. Tomando emprestado exemplo do célebre doutrinador, veja-se, se: o
Poder público que licencia edificações de determinada altura, não poderá deixar de
ter, no serviço de combate a incêndios e resgate de sinistrados, meios de acesso
compatíveis para enfrentar eventual sinistro.67
Note-se também a existência expressa da previsão da ação de regresso
através do estabelecido na fórmula ‘assegurado o direito de regresso contra o
responsável nos casos de dolo ou culpa’. Destarte, ocorrerá a responsabilização
patrimonial do agente público que, nesta qualidade, tenha ocasionado lesão
patrimônio jurídico alheio, porém, incorrendo nos elementos culpa ou dolo.
In casu, conforme o entendimento de Celso Antônio Bandeira de Mello, resta
a questão de se o lesionado poderia acionar diretamente o agente, ao que o autor
rebate dizendo ser possível, entretanto, desvantajoso, visto que disputaria a
controvérsia somente no campo subjetivo, pois apenas o Estado responde
objetivamente. Seguindo o raciocínio, esclarece o reputado mestre que a decisão
de, se deve ingressar contra o Estado, se contra o agente e o Estado ou ainda
somente contra o agente, pertence ao vitimado, pois a previsão constitucional não
permite vislumbrar qualquer proibição neste sentido.68
De bom tom lembrar, ainda, que, em que pese a necessidade de
responsabilização estatal, de aceitamento consensual nos dias de hoje, ainda que
subjetivamente nos casos de omissão, existem situações que irão ocasionar na sua
exclusão por suprimirem o nexo causal, livrando o Estado da indenização. Estas, já
foram inclusive mencionadas anteriormente no presente trabalho, porém não
abordadas com cunho esclarecedor, o que se fará em seguida.
2.3 CAUSAS EXCLUDENTES DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO
As teorias que admitem a responsabilidade objetiva do Estado proporcionam
ao indivíduo que teve o patrimônio lesionado uma maneira relativamente fácil de
buscar sua compensação pelo prejuízo causado.
Isso tendo em vista que os únicos elementos necessários para que se
alcance a indenização são: a) a prova da própria lesão ao seu patrimônio; b) o nexo
67 Ibid, p. 1014. 68 MELLO, 2010 p. 1034.
33
de causalidade, conectando a lesão à ação que se julgou ilícita; c) a prova de que o
causador do dano seja agente do Estado agindo nesta qualidade.
Entretanto, em que pese a relativa simplicidade que se alcançou com a
aplicação da responsabilidade objetiva, ainda existem situações em que o Estado se
exime da necessidade de indenizar pois pela existência de excludentes de
responsabilidade, que por estarem presentes, quebram um dos requisitos
supracitados.
Neste sentido, veja-se trecho de acórdão de relatoria de Raphael Salvador,
reproduzido por Yussef Said Cahali em sua obra:
(...) a teoria do risco administrativo não leva à responsabilidade
objetiva integral do Poder Público, para indenizar em todo e qualquer caso, mas sim dispensa a vítima da prova da culpa do agente da Administração, cabendo a esta a demonstração da culpa total ou parcial do lesado, para que então fique ela total ou parcialmente livre da indenização.69
Vale lembrar que, conforme o entendimento esposado por Celso Antônio
Bandeira de Mello, o Estado só se exime de compensar pelo dano faltando o nexo
entre o sua ação e a lesão, ou seja, caso não tenha ocasionado o dano ou a
situação alegadamente por ele provocada não tenha existido ou não se mostrou
relevante para o desfecho danoso, estando o ônus da prova de excludentes de
responsabilidade sempre a seu encargo.70
2.3.1 Culpa exclusiva da vítima
Nesta hipótese, o evento causador do dano ao patrimônio jurídico em
questão sucedeu por conduta exclusiva da vítima, ou seja, esta, por si própria, deu
causa ao evento danoso.
A título de exemplificação, podemos utilizar pessoa que, verificando a
aproximação de ambulância em alta velocidade se atira em sua frente. Ora, em tal
caso não poderá o Estado ser responsabilizado pelo dano que se causou ao que se
atirou em frente ao veículo, tendo em vista que, não havendo a ação exclusiva da
vítima, o dano não teria se apresentado.
69 CAHALI, 2007, p. 44. 70 MELLO, 2010, p. 1024.
34
Bem nos lembra Celso Antônio Bandeira de Mello que, nesses casos,
frequentemente invoca-se a responsabilidade exclusiva da vítima como causa
excludente. Entretanto, como bem aponta o autor, o que resta provado em questão é
que desconstruiu-se o nexo causal, desfazendo qualquer impressão de ligação entre
a conduta do agente estatal e o dano causado, e não que a culpa da vítima seja
motivo bastante para elidir a responsabilidade do Estado.71
Bom recordar ainda que, podem ocorrer situações em que a culpa da vítima
atraia a totalidade da responsabilidade pelo prejuízo causado, visto que,
determinados casos podem ocorrer em que haja comum responsabilização, as
concausas, v.g., um agente policial que esteja desferindo tiros sem prestar a devida
atenção e a vítima, também por negligência passe tranquilamente pela área onde
ocorre a troca de tiros, acabando por ser atingida
Na situação explicada, é de claridade solar que não teria o indivíduo sido
atingido caso o policial houvesse dado mais atenção ao que fazia, como também a
vítima tivesse mais cuidado com onde anda. Não se exime portanto, in casu, a
responsabilidade estatal, mas a mesma é diminuída, por ser compartilhada com o
lesionado, é que se chama atenuação do quantum indenizatório.72
2.3.2 Caso fortuito e força maior
O caso fortuito e a força maior se configuram como hipóteses em que o
Estado não poderia ter evitado o dano causado e muito menos ter relação direta
com o mesmo. Tomaremos emprestadas as palavras de Diogenes Gasparini para
melhor conceituar o assunto:
Afirma-se, assim, que em duas hipóteses o Estado não tem que
indenizar. A primeira diz respeito a acontecimento imprevisível e irresistível, causado por força externa ao Estado, do tipo do tufão e da nevasca (caso fortuito) ou da greve e da grave perturbação da ordem (força maior) (...)73
Como bem lembra ainda o doutrinador, é devido não esquecermos que,
apesar de situações assim excluírem o nexo causal, existe uma clara necessidade
de se analisar a possibilidade de existência da já mencionada aqui
71 MELLO, 2010, p. 1024. 72 Ibid, p. 1024. 73 GASPARINI, 2007, p. 979.
35
responsabilização por omissão estatal. Assim, no caso de enchente, caso se
comprove que o Estado deveria ter feito manutenção no sistema de esgoto de um
Município, a título de exemplo, e negligentemente não o fez, resta comprovada a
culpa civil, que, juntamente com o dolo, é causa suficiente para se determinar a
compensação do dano pela omissão da administração pública.74
2.3.3 Fato de terceiro
O fato de terceiro, embora não abordado por toda a doutrina quando do trato
dos excludentes da responsabilidade civil, por sua semelhança com a força maior,
não é por isto também de menor importância.
Como bem nos ensina Caio Mário da Silva Pereira, o fato de terceiro tanto
poderá atuar como excludente ou como fator de responsabilidade, dependendo das
circunstâncias, ou seja, apesar de aparente, não há contradição, pois tudo pende na
análise que se faz da interferência de pessoa diversa do agente e da vítima.
É necessária a conceituação do que seria o terceiro na relação de que
tratamos, e, seguindo ainda as lições do reputado doutrinador, temos que o este
seria aquele que não está presente no binômio agente e vítima, devendo ainda suas
ações terem ocasionado a lesão tratada, fazendo com que o agente não responda
pelos efeitos do dano.75
Imperativo ainda que se determine que a conduta do terceiro tenha sido a
que, por si só, causou o fato prejudicial. Entenda-se: após a ocorrência do dano,
aponta-se um indivíduo que aparentemente é o agente, entretanto, após mais
apurada análise logo se vê que a atitude do terceiro conduziu exclusivamente para
a produção lesiva. É desta atitude que falamos.
Quanto à semelhança entre o presente elemento e o caso fortuito ou de
força maior, a contenda doutrinaria é grande.
Aponta-nos Caio Mário Pereira da Silva uma maneira de distinção que, por
corrermos o risco de deturpar o tirar a clareza das palavras do mestre, traremos ipsis
litteris:
74 GASPARINI, 2007, p. 980. 75 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995.
36
Fora dos casos concretos, um critério distintivo pode ser apontado. No fato de terceiro, excludente de responsabilidade, a exoneração terá lugar se for identificada a pessoa de cuja participação proveio o dano. No caso fortuito ou de força maior, o dano provirá de um ‘fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir’ (Código Civil, art. 1058). Di-lo Aguiar Dias, loc. cit.: ‘Se o dano não pode ser atribuído a alguém, nesse sentido de que se deva a ação humana, estranha aos sujeitos da relação vítima-responsável, não há fato de terceiro, mas caso fortuito ou de força maior’.76
76 PEREIRA, 1995, p. 302.
37
3. PODER LEGISLATIVO
A Constituição federal de 1988 em seu artigo 2º estabelece como Poderes
da União, harmônicos e independentes entre si: o Legislativo, o Executivo e o
Judiciário.
Lembre-se que, em que pese a utilização da denominação Poderes no
presente conteúdo, o constitucionalismo moderno julga como melhor as
terminologias divisão de tarefas estatais, ou ainda de atividades entre distintos
órgãos autônomos, vez que, como lembra Alexandre de Moraes ao abordar ideias
de Rosseau, o poder soberano é uno e não pode sofrer cisão.77
Ao Poder legislativo, por força de dispositivos constitucionais, e conforme
ratifica a doutrina, restaram designadas as tarefas de legislar e fiscalizar, as quais
serão estudadas à seguir, sem a pretensão de analisar todos os aspectos possíveis,
porém objetivando fundamentar melhor futura análise do objeto deste trabalho.
3.1 TRIPARTIÇÃO DOS PODERES (INDEPENDÊNCIA E HARMONIA)
A ordem constitucional que teve início em 1988 no Brasil adotou a
continuidade, no que diz respeito ao estabelecimento dos três Poderes em seu texto,
tendo como referência os textos constitucionais anteriores, com exceção da
Constituição imperial, que previa também o poder moderador, altamente
desqualificador do caráter democrático que cingia todas as que a sucederam.
Faz-se necessária a existência dos três poderes para que não haja atrito
entre órgãos administrativos, nem a sobreposição de um a outro, de maneira que o
eventual entrave viesse a ocasionar atrasos no desenvolvimento nacional, ou que, a
partir do momento em que a vontade de um Poder prevalecesse sobre a de outro,
fossem suprimidos direitos e vontades de parcelas minoritárias ou com menos poder
de governo.
Este sistema de autocontrole, como bem nos lembra Alexandre de Moraes,
é há tempos nosso conhecido pelo nome separação de Poderes, abordado pela
primeira vez por Aristóteles em sua obra Política, porém mais aprofundado por
Montesquieu, que o trouxe à lume com o nome de sistema de freios e contrapesos, 77 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 25. ed. São Paulo: Atlas, 2010.
38
ou checks and balances, em sua obra clássica O espírito das leis, que inspirou o
legislador francês e veio a influenciar todo o mundo com suas ideias.78
Os citados Poderes são qualificados pelo art. 2º da CF como independentes
e harmônicos entre si. Tal harmonia decorre da conduta destes fundada na lealdade
constitucional (Verfassungstreue), muito bem elucidada por Canotilho e Moreira,
citado por Alexandre de Moraes:
(...) A lealdade institucional compreende duas vertentes, uma
positiva, outra negativa. A primeira consiste em que os diversos órgãos do poder devem cooperar na medida necessária para realizar os objetivos constitucionais e para permitir o funcionamento do sistema com o mínimo de atritos possíveis. A segunda determina que os titulares dos órgãos do poder devem respeitar-se mutuamente e renunciar a prática da guerrilha institucional, de abuso de poder, de retaliação gratuita ou de desconsideração grosseira. Na verdade, nenhuma cooperação constitucional será possível, sem uma deontologia política, fundada no respeito das pessoas e das instituições e num apurado sentido da responsabilidade do Estado (statesmanship)79
É clara a necessidade de lembrarmos o fator diferencial do sistema de freios
e contrapesos brasileiro, eis que possuímos aqui elemento um elemento, qual seja,
o Ministério Público, que o distingue da forma clássica. Tal componente, longe de
deturpar o sistema proposto, mas, nas palavras de Ives Gandra, citado por
Alexandre de Moraes, objetiva a proteção jurisdicional de todo um conjunto de
interesses e direitos coletivos, fórmula que o reputado mestre considera adequada,
eis que o Poder Judiciário é inerte, sem iniciativa, falta suprida pelo próprio
Ministério Público.
Portanto, ante a funcionalidade apresentada da tripartição de poderes, é de
se inferir que o mencionado sistema é condição necessária à subsistência do
modelo democrático, sem o qual estamos fadados à imposição do julgo de um Poder
sobre outro e eventual queda a modelos de governo autoritários.
3.1 COMPOSIÇÃO
Em âmbito federal, o poder legislativo compõe-se de duas casas: o Senado
Federal e a Câmara dos Deputados, e por tal, é qualificado como um sistema
legislativo bicameral. 78 MORAES, 2010, p. 410. 79 CANOTILHO, 1991 apud MORAES, 2010, p. 411.
39
Já nas esferas estaduais e municipais o sistema é unicameral, composto por
Assembleias Legislativas nos Estados e Câmara Legislativa no Distrito Federal, e,
nos Municípios, Câmaras Municipais.
Conforme nos ensina a doutrina, o bicameralismo possui estreita relação
com a opção pela forma federativa de Estado, pois no parlamento existem
representantes de todas as unidades federativas estaduais e do Distrito Federal,
culminando no devido balanceamento entre os que integram a Federação.80
A Câmara dos Deputados é formada por representantes de todo o povo,
eleitos por uma legislatura através do sistema proporcional, que objetiva garantir
uma representação igualitária em relação à quantidade de votos recebidos por
determinado partido político.81
Já o Senado Federal, é integrado por representantes do Estados e do
Distrito Federal, escolhidos mediante o princípio majoritário, tendo cada unidade
federativa direito a três senadores, eleitos pelo período de duas legislaturas.
Funcionarão as casas do legislativo durante períodos divididos entre
legislatura, sessões legislativas e períodos legislativos. A legislatura é o período de 4
anos que compreende o ano seguinte ao de eleições presidenciais até o próximo
ano em que estas ocorrerem; as sessões legislativas são períodos anuais de 2 de
fevereiro a 22 de dezembro; por fim, as sessões compreendem dois períodos
legislativos, ou seja, é um interstício similar ao semestre, cujo primeiro dura de 2 de
fevereiro a 17 de julho, e o segundo de 1 de agosto a 22 de dezembro.
Conforme ensina Paulo Gustavo Gonet Branco, entre os mencionados
períodos passam-se os recessos do legislativo, durante os quais podem ser
convocados os parlamentares extraordinariamente pelo Presidente da respectiva
casa ou ainda o Presidente da República em situações de urgência ou interesse
público relevante, tudo conforme o art. 57 §6º da CF/88.82
É bom lembrar que, conforme instrui Alexandre de Moraes, a Emenda
Constitucional (EC) 50 de 2006 estabeleceu a exigência de votação e aprovação
pela maioria absoluta dos membros de ambas as casas para efetivação da
80 MORAES, 2010, p. 417. 81 Ibid, p. 420. 82 BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. In: MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
40
convocação extraordinária, e também proibiu o recebimento de indenização pelos
parlamentares em virtude da convocação em questão.83
Ademais, bom lembrar da existência das Comissões, que funcionam dentro
do âmbito das casas, as quais trabalham áreas específicas pelas quais a análise do
projeto de lei tem de passar antes de ir à votação. Neste sentido, v.g, a Comissão de
Assuntos Econômicos, que, utilizando-se de vários instrumentos, dentre os quais
audiências públicas, irá estimular o debate no plano econômico de determinado
projeto de lei para determinar sua viabilidade de execução ou não.
Por fim, indispensável mencionar que estas podem, eventualmente, discutir
e votar projeto de lei sem a participação do plenário, por projeto terminativo em
comissão, na forma regimental, em determinadas hipóteses. Entretanto, por óbvio, é
cabível recurso para plenário de sua decisão final, caso subscrito por 1/10 dos
membros da Casa.84
3.2 FUNÇÕES TÍPICAS DO PODER LEGISLATIVO
3.2.1 Fiscalizatória (artigo 70, Constituição Federal)
A função fiscalizatória do poder legislativo resta tipificada no art. 70 da
CF/88, que assim dispõe:
Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária,
operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder.
Parágrafo único. Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária85
83 MORAES, 2010, p. 417. 84 BRANCO, 2012, p. 914. 85 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 10 out. 2012.
41
A fiscalização de toda a administração pública pode ser realizada interna ou
externamente. Nesta segunda opção, coube ao Congresso Nacional, por
determinação constitucional, que atende aos anseios completamente naturais do
povo em uma democracia, manter um olhar clínico sobre os aspectos citados no art.
70, através do que chamamos controle externo.
Estabelece ainda o art. 71 da mesma Carta Magna que o controle externo
será exercido com o auxílio do Tribunal De Contas (TCU), que, como bem lembra
Gonet Branco, é órgão integrante do legislativo, sendo composto em seu pleno
julgador por 9 Ministros, que, por força do art. 73, §3º da CF, possuem as mesmas
garantias, prerrogativas, impedimentos, vencimentos e vantagens dos Ministros do
Superior Tribunal de Justiça. Lembra ainda o doutrinador que funciona junto ao TCU
um Ministério Público não vinculado ao Ministério Público da União (MPU), cujos
membros ocupam cargo vitalício de provimento por concurso e possuem as mesmas
prerrogativas do membros do MPU.86
Veja-se ainda, em relação ao supracitado Tribunal que, a Constituição lhe
concedeu a prerrogativa de julgar as contas dos que causem lesão ao patrimônio
público. Dentro desse contexto, concedeu-lhe diversos poderes para realizar o
devido controle externo, tais quais: suas decisões, de que resultem imputação de
débito ou multa, terão eficácia de título executivo (art. 71, §3º, CF); sustar a
execução ato impugnado (art. 71, X, CF); elaborar parecer das contas do Presidente
da República (art. 71, I, CF); aplicação de sanções em caso de ilegalidade de
despesa ou irregularidade de contas (art. 71, VIII, CF); dentre outras.
Em que pese o poder de julgar, como lembra a doutrina, o julgamento do
TCU, ainda que tenha eficácia de título executivo, como explanado acima, não
produzirá coisa julgada dos atos de deliberação do judiciário, podendo ser por este
revisto, caso se entenda necessário.87
Devemos mencionar também certas atitudes que a Carta Política possibilitou
ao legislativo exercer enquanto realizando a função do controle externo. Assim, o
art. 50 prevê, a título de exemplo a possibilidade de convocação dos Ministros de
Estado ou quaisquer titulares subordinados à Presidência da República para
prestarem informações. Lembre-se que, conforme o §2º do mesmo artigo, resta
configurado crime de responsabilidade a recusa ou o não atendimento, no prazo de
86 BRANCO, 2012, p. 914. 87 Ibid, p. 914 -915.
42
30 dias, bem como a prestação de informações falsas, quando estas forem
requisitadas por escrito.
Não podemos esquecer ainda das Comissões Parlamentares de Inquérito
(CPI), cujas diretrizes básicas restam estabelecidas no art. 50, §3º da CF, que
objetivam a apuração de fato determinado e por prazo certo, devendo suas
conclusões, sendo o caso, encaminhadas ao Ministério Público para que seja
promovida a devida responsabilização civil ou criminal dos infratores.
Como lembra Dagonet Branco, os temas geralmente investigados pelas CPI
causam considerável polêmica, sendo bem retratadas pela mídia. Ainda, no meio
jurídico, suas atribuições geram grande discussão doutrinaria, acabando muitas
vezes sendo definidas, à medida que se repassa a contenda ao judiciário.88
As discórdias quanto à competência das CPI ocorrem pois são concedidos,
por força do dispositivos que as prevê, poderes de investigação próprios das
autoridades judiciais, além de outros regimentalmente previstos. Porém, em nome
da harmonia e independência, são impostas limitações constitucionais às CPI, bem
lembradas por Alexandre de Moraes.
Como tais, traz o doutrinador a impossibilidade de investigação da Comissão
de situações abarcadas pelo âmbito privado, onde não haja ligação com a coisa
pública, vez que configuraria invasão à intimidade individual, não podendo haver
presunção de que um inquérito parlamentar possa invadir direitos privados. Ainda,
como corolário das limitações, é decorrência lógica do sistema constitucional que
não poderá haver invasão do legislativo nas atribuições dos outros Poderes,
mantendo o poder investigatório dentro dos limites constitucionais, ou seja, apesar
de possuírem poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, não
poderão, conforme a doutrina e com base em diversos julgados: decretar prisão,
salvo flagrante em delito; determinar aplicação de medidas cautelares; proibir a
assistência jurídica aos investigados, etc.89
3.2.2 Legislativa (artigo 59, Constituição Federal)
A função de legislar, que dá nome ao Poder, brevemente explicada, constitui
na elaboração, edição, de atos normativos primários, como bem ensina Gonet 88 BRANCO, 2012, p. 915-916. 89 MORAES, 2010, p. 433.
43
Branco. O art. 59 da Lei Fundamental estabelece os objetos da função desta função
típica do legislativo, tratando de seus detalhes nos artigos seguintes, ou seja,
estabelecendo o processo legislativo, que adiante será objeto de esclarecimento.
3.3 PROCESSO LEGISLATIVO
Esclarece a doutrina que, por processo legislativo entende-se o aglomerado
de etapas pelo que deve passar uma proposta normativa para que se torne uma
norma ao final.90 Cabendo lembrarmos ainda que, embora a função legislativa seja
típica e constitucionalmente designada ao Poder Legislativo, como todas as funções,
seja executiva ou judiciária, não é exclusivamente exercida por este Poder, vez que
atipicamente, os outros Poderes também legislam, por meio de regimentos internos,
portaria, decretos, dentre outros.
Notável ressaltar ainda o ensino de Alexandre de Moraes, segundo o qual o
processo tem duas vias de cognição:
O termo processo legislativo pode ser compreendido num duplo
sentido, jurídico e sociológico. Juridicamente, consiste no conjunto coordenado de disposições que disciplinam o procedimento a ser obedecido pelos órgãos competentes na produção de leis e atos normativos que derivam diretamente da própria constituição, enquanto que sociologicamente podemos defini-lo como o conjunto de fatores reais que impulsionam e direcionam os legisladores a exercitarem suas tarefas.91
Como com sabedoria nos ensina ainda o doutrinador, a observância do
devido processo legislativo, estabelecido pela Constituição Federal, é da maior
importância para que seja legítima a norma que nasceu de proposição legislativa,
pois, não havendo a devida observância, poderá ser declarada inconstitucional
formalmente, seja durante o processo (via mandado de segurança impetrado por
parlamentar, conforme possibilidade aceita pelo Supremo Tribunal Federal - STF),
ou ainda, posteriormente, via Ação Declaratória de Inconstitucionalidade, prevista no
art. 102, I, a, da CF, através da qual serão suspensos os efeitos da lei que
descumpriu os ditames previstos na Constituição desde a sua edição. Lembre-se
também que, pela aplicação do princípio constitucional implícito da simetria, o STF
90 BRANCO, 2012, p. 934. 91 MORAES, 2010, p. 650.
44
considera as normas basilares constitucionais de processo legislativo como de
observância obrigatória às Constituições Estaduais.92
À guisa de informação, explicaremos rapidamente o processo legislativo
ordinário, ou seja, o que diz respeito à elaboração da espécie legislativa lei ordinária,
tendo em vista que este procedimento é a base para todos os outros, que serão
diferentes à medida que as especificidades relativas às espécies normativas em
questão necessitem.
Dessarte possui três fases básicas o procedimento ordinário, quais sejam,
introdutória, constitutiva e complementar. Nesta primeira, trata-se da iniciativa, que é
a possibilidade atribuída constitucionalmente a pessoa ou órgão para que dê o
impulso inicial ao processo legislativo, apresentando projeto de lei, sendo que tal
iniciativa pode ser inclusive de fora do parlamento.
Na hipótese de iniciativa extraparlamentar, esta poderá ser, por previsão
constitucional: do Presidente da República; dos cidadãos, via iniciativa popular; dos
Tribunais Superiores; e do Ministério Público.
Em parte dos casos, a iniciativa será exclusiva, v.g, quando se prevê que
somente o Presidente da República poderá iniciar leis que fixem ou modifiquem os
efetivos das Forças Armadas. Entretanto, há hipóteses de iniciativa concorrente,
onde a faculdade legislativa pertencerá a várias pessoas ou órgãos
simultaneamente, como é o caso da iniciativa para leis complementares e ordinárias,
que, conforme o art. 61, caput da CF/88, cabe aos parlamentares, ao Presidente da
República, dentre outros.93
Na fase constitutiva, como leciona Alexandre de Moraes, ocorrerá discussão
e votação sobre o conteúdo do projeto de lei nas duas Casas, Senado e Câmara,
além de, após eventual aprovação, ser submetido o projeto à sanção ou veto do
chefe do Poder Executivo.94
A doutrina cita algumas importantes peculiaridades que integram o processo
de discussão, exemplificamos: caso algum parlamentar enxergue como necessário,
poderá apresentar emendas, ou seja, um texto alternativo ao anterior. Ou ainda, não
são admitidas emendas que ocasionem o aumento de despesa nos projetos de
iniciativa exclusiva do chefe do Poder Executivo federal, bem como as que não
92 MORAES, 2010, p. 650-651. 93 Ibid, p. 654. 94 Ibid, p. 661.
45
tenham pertinência temática com o projeto apresentado pelo Presidente da
República, e, ainda, em situações específicas, são necessários mais requisitos das
emendas, tais como as apresentadas a lei orçamentária, que deverão ser
compatíveis com o plano plurianual e a lei de diretrizes orçamentárias.95
No que diz respeito à votação, a matéria é da maior simplicidade, pois,
bastará, para aprovação do projeto em sede parlamentar, que este obtenha o
quórum para aprovação previsto constitucionalmente. Ou seja, no caso de lei
complementar, de maioria absoluta, ou no caso de Emenda Constitucional, de 3/5,
etc., ou seja, não havendo um quórum específico determinado pelo texto da Carta
Magna, o projeto restará acatado caso a maioria simples da casa o aceite.
A sanção e o veto, que formam a fase de deliberação executiva, constituem,
basicamente, em confirmação ou desaprovação, que o Presidente da República dá
ao projeto aprovado pelo parlamento. Ou seja, a sanção, é a anuência daquele ao
projeto, e poderá ser tácita (caso não se manifesta no prazo de 15 dias úteis), ou
expressa (manifestando-se favoravelmente).96 O veto, por sua vez, representa a
discórdia do mesmo com o projeto aprovado pelo Legislativo, e será somente
expresso, devendo também possuir motivação e poderá ser total ou parcial.97
Por fim, temos a fase complementar, ocasião pela qual será promulgada e
publicada a lei. A primeira, confirma a existência da norma, ou seja, determina que
deve ser cumprida por integrar o ordenamento jurídico pátrio. Já a segunda fase, de
publicação, nas palavras de Alexandre de Moraes: “consiste em uma comunicação
dirigida a todos os que devem cumprir o ato normativo, informando-os de sua
existência e de seu conteúdo(...)”98, que no Brasil, é realizada através da divulgação
através do Diário Oficial, objetivando alcance público à norma.
3.3.1 Espécies normativas
O art. 59 da Constituição Federal estabelece que o processo legislativo
compreende a elaboração das seguintes espécies normativas: emendas à
Constituição, leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas
95 BRANCO, 2012, p. 937-938. 96 Ibid, p. 938. 97 MORAES, 2010, p. 667. 98 Ibid, p. 669.
46
provisórias, decretos legislativos e resoluções. Analisaremos brevemente as
principais características de cada uma destas, objetivando proporcionar uma visão
sistêmica do processo legislativo.
As emendas constitucionais restam previstas na CF/88, como prerrogativa
dada ao legislador constituinte derivado reformador de alterar o texto originário da
Carta Magna, eis que, estão dogmatizados na Carta diversos valores e ideais, que,
com o tempo, podem se alterar, ante a mudança de pensamento do governo ou do
povo, que vem a demandar a defesa de ideais diferentes pela nação.
Assim, o art. 60 da Constituição prevê a modalidade de emenda à
Constituição condicionando entretanto esta à diversos fatores, dos quais trataremos
en passant.
Primeiramente, nos incisos de I a III, estabelece o constituinte originário
quem terá a faculdade de apresentar Proposta de Emenda à Constituição – PEC, ou
seja, quem terá iniciativa, ocasião na qual elenca: o Presidente da República; um
terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal;
e, mais da metade das Assembleias Legislativas das unidades da Federação,
manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros. Dessarte,
não partindo a proposta de qualquer pessoa ou órgão previsto nos referidos incisos,
padecerá de vício de iniciativa a PEC em questão.
A limitação de iniciativa para apresentação de PEC faz parte de uma das
limitações procedimentais, ou formais, dentre as quais também se inclui, a
necessidade de discussão e votação em cada casa do Congresso Nacional em dois
turnos, sendo aprovada somente caso receba três quintos dos votos dos respectivos
membros em cada turno. Por fim, em fase complementar, é necessário que seja
promulgada a emenda pelas Mesas do Senado e Câmara dos Deputados
conjuntamente, sendo o texto constitucional silente a respeito da publicação, a qual,
entende Alexandre de Moraes, é de competência do Congresso Nacional.99
Outra limitação existente, nomeada doutrinariamente, é a material, e trata de
assuntos sobre os quais as emendas não poderão ser apresentadas. Dentre estas,
as chamadas cláusulas pétreas, que são, conforme explicação de Alexandre de
Moraes, núcleo intangível da Constituição Federal, e, portanto, as de maior
importância, que, caso ignoradas, deixariam de refletir o povo a que a Constituição
99 MORAES, 2010, p. 674-675.
47
representa. Estas cláusulas são apresentadas no §4º do mesmo art. 60, que
determina que não será objeto de deliberação proposta de emenda tendente a
abolir: a forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a
separação dos Poderes; e os direitos e garantias individuais.
Necessário explicar que, as limitações materiais não constam somente do
mencionado dispositivo, pois, ante a interpretação do inciso IV daquele, poderá estar
em outro artigo constitucional, como, v.g., o princípio da anterioridade tributária,
previsto no art. 150, III, b da Constituição Federal, que, segundo o Supremo Tribunal
Federal, também constitui cláusula pétrea constitucional, pois, conforme demonstrou
o Min. Celso de Mello, em seu voto na questão, possibilitar que a União restringisse
a aplicação do dito princípio, resultaria em concessão à mesma de poder que o
constituinte vedou expressamente através da impossibilidade de apresentação de
emendas que sejam tendentes a abolir direitos e garantias individuais.100
Desta ordem, possuímos ainda limitações chamadas circunstanciais, que
tem o fito de impossibilitar a modificação constitucional em situações de exceção,
quando a ordem social está perturbada, evitando assim desequilíbrio na liberdade e
independência estrutural do Estado. São estas as limitações à emenda quando
estejamos sob a vigência de intervenção federal, estado de defesa ou estado de
sítio, e não se confundem com limitações temporais, pois estas, conforme ensina
Alexandre de Moraes, são vedações de, por determinado lapso temporal, haver
alteração das normas constitucionais, algo já previsto em Cartas anteriores, porém
não na presente.101
Cabe ainda fazer breve menção às limitações implícitas, sobre as quais
Alexandre de Moraes esclarece o entendimento doutrinário:
A existência de limitação explícita e implícita que controla o Poder
Constituinte derivado-reformador é, igualmente, reconhecida por Pontes de Miranda, Pinto Ferreira e Nelson de Souza Sampaio, que entre outros ilustres publicistas salientam ser implicitamente irreformável a norma constitucional que prevê as limitações expressas (CF, art. 60), pois, se diferente fosse, a proibição expressa poderia desaparecer, para, só posteriormente, desaparecer, por exemplo, as cláusulas pétreas. Além disto, observa-se a inalterabilidade do titular do Poder Constituinte derivado-reformador, sob pena de também afrontar a Separação dos Poderes da República.102
100 MORAES, 2010, p. 673. 101 Ibid, p. 674. 102 Ibid, p. 675-676.
48
Conforme explicita Paulo Gustavo Gonet Branco, o legislador constituinte
originário estabeleceu leis complementares e ordinárias dentro do processo
legislativo, havendo diferenciação material nestas somente quanto ao âmbito de
atuação atribuído pelo mesmo, ou seja, a lei complementar será editada em
matérias nas quais a Constituição tenha reservado seu âmbito de atuação expressa
e inequivocamente, e para todas as outras situações, aplica-se a categoria
ordinária.103
Ainda, formalmente, para as leis complementares, patente a exigência de
quórum de aprovação de maioria absoluta, conforme o art. 69 da Constituição
Federal, enquanto que o necessário para a lei ordinária é de maioria simples, que se
configura através da maioria dos presentes, estando presentes pelo menos a
metade mais um dos que compõe a Casa em questão.
Bem nos ensina Alexandre de Moraes que a existência de leis
complementares é explicada pois, segundo o entendimento do legislador originário,
determinadas disciplinas não poderiam ser esmiuçadas na própria Constituição, sob
pena de engessamento de futuras alterações, eis que o processo de alteração via
emenda constitucional se reveste de rigidez muito maior que o de lei
complementar.104
É imperativo tratarmos de questão que até hoje alarma a doutrina, pois,
conforme a Gonet Branco nos mostra, existem doutrinadores de alto nível que
pregam a existência de grau hierárquico entre leis complementares e ordinárias,
onde aquelas figurariam em patamar superior. Entretanto, conforme o mesmo
doutrinador, o que ocorre são campos materiais diferenciados atribuídos pela
Constituição às espécies mencionadas. Portanto, o que ocorre em situações nas
quais lei ordinária venha a ferir disposição de lei complementar, é vício de
constitucionalidade, pois adentrou âmbito normativo que não lhe competia, ferindo a
Constituição, e não a hierarquia das leis, conforme ratifica ainda a jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal.105
As Medidas Provisórias, embora de simples compreensão, possuem uma
grande quantidade de aspectos paralelos a serem abordados, pois existem diversas
103 BRANCO, 2012, p. 942. 104 MORAES, 2010, p.676. 105 BRANCO, op. cit., p. 943.
49
situações curiosas que ocorrem após sua edição, além da questão dos efeitos que
gera no mundo jurídico.
Tal medida é, com base no conceito apresentado por Gonet Branco, medida
com força de lei, editada excepcionalmente pelo Presidente da República, em caso
de relevância e urgência, que deverá, entretanto, ser submetida ao Congresso
Nacional, conforme dita o caput do art. 62 da CF/88. Afirma ainda o reputado
doutrinador que a medida apresenta aspecto cautelar, e, conquanto chame o
Congresso a tratar da necessidade de tornar lei a matéria nela contida, não se
mistura com projetos de lei, tendo em vista que produzem efeitos vinculantes a partir
de sua edição.106
A relevância e urgência são elementos que demonstram a necessidade de
urgência da medida, e poderão deverão ser apreciados enquanto pressupostos da
medida provisória pelo Congresso Nacional, que deverá rejeitá-la caso a medida não
os cumpra. Ainda, conforme entendimento recente do STF, mudou-se a
jurisprudência para aceitar o controle quanto a estes requisitos feito pelo poder
judiciário.107
Pode-se apontar o antigo decreto-lei como predecessor da medida
provisória, pois possuem vários aspectos em comum, tal como a competência para a
sua edição ser do Presidente da República. Desta forma, apesar da má utilização
do instituto anterior, a partir de sua existência pode se verificar a grande utilidade de
um instrumento mais célere para legislar.108
A Constituição Federal e posterior emendas trouxeram ainda outras
limitações de ordem material às medidas provisórias, tendo que, dado o caráter
célere de sua edição, não seria possível que certos assuntos fossem por ela
disciplinados, sob pena de perturbar a ordem social. Neste sentido, resta proibido o
uso de medida provisória para tratar de assuntos relativos: à nacionalidade; à
cidadania; aos direitos políticos; aos partidos políticos; ao direito eleitoral; ao direito
penal; ao direito processual penal; ao direito processual civil; à organização do
Poder Judiciário e do Ministério Público, carreira e garantia de seus membros;
dentre outros, tipificados no §1º do art. 62 da CF.
106 MORAES, 2010, p. 945. 107 BRANCO, 2012, p. 946. 108 MORAES, op. cit., p.679.
50
A medida provisória, após editada, nos termos do §3º do supracitado artigo,
perderá eficácia, desde a edição, caso não convertida em lei no prazo de 60 dias,
prorrogável, por uma vez, por igual período, caso sua votação não tenha se
encerrado nas duas Casas do Congresso Nacional.
Expliquemos ainda, conquanto de espora fita, as possíveis situações pelas
quais uma medida provisória pode passar após sua edição. Primeiramente, poderá a
medida ser aprovada integralmente, hipótese na qual será determinada sua
conversão em lei, quando irá o Presidente do Senado promulga-la, e posteriormente
remetê-la ao Presidente da República, que publicará a lei em que foi convertida.109
Em uma segunda situação, poderão os parlamentares, conforme a
Resolução nº 1/2002 do Congresso Nacional, apresentar emendas à medida
provisória inicial, sejam supressivas, aditivas, modificativas, aglutinativas ou
substitutivas, devendo seguir-se o pressuposto da pertinência temática, pois deve
ser respeitada a vontade inicial do Chefe do Executivo. Assim, caso aprovada a
medida com suas devidas modificações pelo Congresso, será transformada em
projeto de lei de conversão e enviada para que o Presidente a sancione ou vete,
discricionariamente, e, caso sancione, promulgue e determine a publicação.110
Ainda, a medida poderá ser rejeitada pelo Congresso Nacional. Neste caso,
comunica-se imediatamente ao Presidente da República, e é determinada a
publicação de ato declaratório de rejeição no Diário Oficial da União (DOU), não
sendo possível reedição de medida rejeitada expressamente. Neste contexto, existe
ainda a rejeição tácita, por decurso do prazo constitucional de 60 dias sem a devida
apreciação.111
A lei delegada constitui ato normativo editado pelo Chefe do Poder
Executivo Federal, conforme autorização concedida pelo Poder Legislativo para que
aquele, nos limites impostos por este via resolução, legisle sobre determinado
assunto, observadas as vedações constitucionais trazidas pelo art. 68, §1º.
Conforme esclarece Alexandre de Moraes, é instituto que traz delegação externa da
função típica de legislar, como engenho que facilita ao Estado o exercício de suas
funções, ante a maior celeridade do processo legislativo in casu.112
109 MORAES, 2010, p. 681. 110 Ibid, p.683. 111 Ibid, p. 684-685. 112 Ibid, p. 698.
51
Possui processo legislativo diferenciado e alguns detalhes que merecem
menção. Quando solicitada a autorização pelo Presidente da República ao
Congresso Nacional, passará esta pelo crivo de ambas as Casas, em sessão
conjunta ou separadamente, e, caso aprovada, tomará a forma de resolução, que
detalhará as regras para o exercício da delegação, que poderão incluir limitações
quanto à matéria, termo de caducidade, etc. Ressalte-se ainda que, o poder
instituído via resolução deverá ser exercido até o fim da legislatura, e, após a edição
do ato normativo, caso não tenha sido especificado na resolução a necessidade de
ratificação pelo Congresso Nacional, o Presidente promulgará e determinará a
publicação da lei.113
Ainda, quanto à possibilidade de sustação do ato que exorbite dos poderes
regulamentares ou dos limites da delegação legislativa (art. 49, V, CF), veja-se:
Desta forma, extrapolando o Presidente da República os limites
fixados na resolução concedente da delegação legislativa, poderá o Congresso Nacional, através da aprovação de decreto legislativo, sustar a referida lei delegada, paralisando seus efeitos normais. A sustação não será retroativa, operando, portanto, ex nunc, ou seja, a partir da publicação do Decreto Legislativo, uma vez que não houve declaração de nulidade da lei delegada mas sustação de seus efeitos.114
O decreto legislativo, por sua vez, é utilizado para tratar de matérias de
competência exclusiva do Congresso Nacional, tipificadas no art. 49 da Carta
Magna, ou ainda para os fins previstos no §3º do art. 62, também da CF/88. Cabe,
quanto ao mesmo, lembrar que passará por votação em ambas as casas, e, se
aprovado, será encaminhado ao Presidente do Congresso Nacional, para que o
promulgue e determine sua publicação.115
Por fim, a resolução é medida utilizada pelo Congresso ou uma de suas
casas para regulamentar objeto de competência daquele, ou de competência
privativa de uma destas, previstas nos arts. 51 e 52 da Constituição Federal.
Usualmente, possui efeitos internos, entretanto poderá causar efeitos também
externos, dependendo de suas particularidades. Seu processo legislativo é
disciplinado regimentalmente por cada uma das Casas, não havendo participação do
Presidente da República.116
113 MORAES, 2010, p. 698-699. 114 Ibid, p. 700. 115 Ibid, p. 700. 116 MORAES, 2010, p. 705-706.
52
3.4 ESTATUTO DOS CONGRESSISTAS
De acordo com Alexandre de Moraes, dá-se o nome de estatuto dos
congressistas às “regras instituidoras das imunidades e vedações parlamentares,
para que o Poder Legislativo, como um todo, e seus membros, individualmente,
atuem com ampla independência e liberdade no exercício de suas funções(...)”.
Dentre as tais, estão inclusas as conhecidas imunidades parlamentares, como
também prerrogativas de foro por exercício de função, vencimentos,
incompatibilidades, etc.117
Como claramente ensina Paulo Gustavo Gonet Branco, o estatuto tem o
intuito de proteger a liberdade do parlamentar enquanto exerce a função de
representante eleito, ao mesmo tempo garantido autonomia do parlamento, para que
não sofra pressões de outros órgãos, Poderes, pessoas ou instituições que desejem
limitar sua devida atuação.118
3.4.1 Imunidade parlamentar
Para estabelecermos a devida compreensão do objeto de estudo do
presente trabalho, trataremos, dentro do contexto do estatuto dos congressistas, das
imunidades parlamentares, visto a desnecessidade de abordamos todas as
questões a respeito do tema para o trabalho.
As imunidades são, brevemente explicadas, prerrogativas dadas ao
parlamentar pela Constituição Federal para assegurar a independência do Poder
Legislativo. Recebem esse nome pois o isentam da subsunção à certas regras do
ordenamento jurídico nacional, de maneira que tais isenções o tornam impunível por
determinados fatos (imunidade material), ou o resguarda de institutos gerais
tipificados no direito processual penal (imunidade formal).119
Mais especificamente, a imunidade material é o nome dado doutrinariamente
à previsão do caput do art. 53 da Constituição: “os Deputados e Senadores são
invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”. 117 Ibid, p. 440-441. 118 BRANCO, 2012, p. 961. 119 Ibid, p. 961.
53
Ensina de maneira mais elaborada Alexandre de Moraes:
A imunidade material implica subtração da responsabilidade penal,
civil, disciplinar ou política do parlamentar por suas opiniões, palavras e votos. Explica Nélson Hungria que, nas suas opiniões, palavras ou votos, jamais de poderá identificar, por parte do parlamentar, qualquer dos chamados crimes de opinião ou crimes de palavra, como os crimes contra a honra, incitamento a crime, apologia de criminoso, vilipêndio oral a culto religioso, etc., pois a imunidade material exclui o crime nos casos admitidos; o fato típico deixa de constituir crime, porque a norma constitucional afasta, para a hipótese, a incidência da norma penal120
Como bem lembra Gonet Branco, a mencionada imunidade, acrescentada
ao texto constitucional pela Emenda Constitucional nº 53 de 2001, limita-se em
relação à própria teleologia da norma, eis que, como está prevista para proteger o
exercício do mandato pelo parlamentar, não irá protegê-lo na hipótese em que suas
declarações não tenham qualquer conexão com o exercício do mesmo. Entretanto,
caso se encaixe na norma devidamente, tendo relação com o exercício do mandato
ou ocorrendo em consequência deste, qualquer questionamento acerca de ilicitude
do ato é incabível.121
Alguns aspectos ressaltados por Alexandre de Moraes se mostram
relevantes o suficiente para serem mencionados. Primeiramente, o entendimento do
STF segundo o qual o depoimento de parlamentar em Comissão Parlamentar de
Inquérito também estará coberto pela imunidade material. Ainda, a imunidade
alonga-se infinitamente, ou seja, após o termino do mandato, o parlamentar não
poderá ser responsabilizado por atos protegidos que tenham ocorrido durante o
mesmo. Por fim, a natureza da imunidade material é de ordem pública, e como tal, é
irrenunciável.122
A imunidade formal, por sua vez, definida por Paulo Gustavo Gonet Branco
é a garantia do parlamentar “não ser preso ou não permanecer preso, bem como a
possibilidade de sustar o processo penal em curso contra ele”.123 Neste sentido,
mais essa diferenciação é aplicada pois é do interesse público que o parlamentar
não seja afastado de suas funções caso eventualmente sejam pressionados por
processos que visem macular a imagem do mesmo junto ao público, ou ainda,
obstar o devido exercício da função legiferante ou fiscalizadora. 120 MORAES, 2010, p. 446. 121 BRANCO, 2012, p. 862. 122 MORAES, op. cit., p. 449. 123 BRANCO, op. cit., p .963.
54
Lembre-se, assim como a imunidade material, protegerá o parlamentar a
partir da diplomação até o último segundo da legislatura para a qual foi eleito.
Primeiramente, falemos da imunidade relativa à impossibilidade de prisão. A
mesma está prevista no §2º do art. 52 da CF, antevendo que, desde a expedição do
diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em
flagrante de crime inafiançável, em cujo caso, os autos serão remetidos dentro de
vinte e quatro horas à Casa a que pertencer o parlamentar em questão, para que,
pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão.
Destarte, qualquer prisão, seja definitiva ou provisória, salvo a excetuada no
próprio dispositivo, poderá ser aplicada ao parlamentar. Ocorrendo, entretanto,
prisão por crime inafiançável, decidirá a respectiva Casa por maioria, com voto que,
a partir da Emenda 35/2001 deixou de ser secreto. Vale lembrar que o Supremo
Tribunal Federal entende cabível a prisão no caso de sentença transitada em
julgado, com o que discorda Alexandre de Moraes, pois, segundo o doutrinador, a
CF somente excepcionou uma hipótese e não restringiu a garantia a prisões
processuais.124
Explica Alexandre de Moraes que consiste a imunidade em relação ao
processo na possibilidade de sustação, a qualquer tempo até a decisão terminativa,
do procedimento penal intentado contra parlamentar por crime praticado entre a
diplomação e o fim da legislatura para a qual o parlamentar tenha sido eleito.125
Dessarte, o aspecto diferenciado, também mencionados pelo autor, ao qual
se submeterá o processo que sofre parlamentar, por consequência da imunidade
formal, será: poderá o parlamentar ser processado normalmente durante o mandato,
porém, havendo requisição de partido político representada pela Casa Legislativa
em questão, a mesma tem a prerrogativa de sustar o andamento da ação pelo voto
às claras de maioria absoluta de seu pleno. Vale lembrar ainda o prazo de 45 dias
do recebimento do pedido de sustação pela Mesa Diretora para que seja realizada a
votação, sendo este improrrogável.126
4. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ATO LEGISLATIVO
124 MORAES, 2010, p. 452. 125 Ibid, p. 453. 126 Ibid p. 453-455.
55
Ao nos apresentar os principais aspectos, em uma visão introdutória acerca
do assunto, Yussef Said Cahali ensina que, a teoria reinante na maioria dos países é
a da irresponsabilidade do Estado quanto a atos legislativos, sendo a questão
inclusive nem sequer muito discutida em muitos deles, que, ao se absterem de fazer
mais complexas considerações a respeito, consideram a responsabilidade do Estado
por ato legislativo como algo infundado, designando a teoria da irresponsabilidade
como a única passível de aplicação.127
Neste sentido, Yussef colaciona texto da autoria de Cretella Júnior, onde o
mesmo faz suas considerações sobre o porque da quase automática presunção de
irresponsabilidade estatal:
Se cada parlamentar é protegido pela imunidade, inerente ao
cargo, a qualquer tipo de responsabilidade será também imune o ato emanado do colégio parlamentar, que é a síntese da manifestação da vontade de cada um de seus membros. Caracteriza-se o ato legislativo ou o ato parlamentar por especialíssima configuração visto que é criador de situação jurídica geral, impessoal, abstrata e genérica. Não tem a lei endereço certo. Não se dirige a pessoa determinada, não atinge de maneira específica situações jurídica individuais, mas refere-se à generalidade dos habitantes de um país, em dado momento de sua história. Se o ato legislativo se confunde sob vários aspectos com a soberania, faculdade incontrastável de decidir sobre a positividade do direito, em última instância; se a lei a lei é abstrata e impessoal; se a imunidade, tornando incólume cada um dos integrantes do Parlamento, resguarda também o produto específico desse colégio – a lei -, como entender que a própria expressão da soberania pudesse transformar-se em fonte geradora de responsabilidade do Estado fora do contrato?128
No Brasil, como bem explicita Diógenes Gasparini, via de regra, aplica-se o
entendimento dos demais, ou seja, a irresponsabilidade estatal. Ou seja, de partida,
o Estado não responderá por danos decorrentes da atividade legislativa, exceto em
alguns casos específicos. Entretanto, como bem cita o autor, a jurisprudência já
admitiu, em certas hipóteses a responsabilização estatal.129
Disto isto, cabe trazermos o ensino de Maria Helena Diniz, que resume com
grande habilidade os cinco principais argumentos a favor da irresponsabilidade
estatal: primeiramente, prega a doutrina que, tomando-se em conta a soberania do
Estado, manifestada através da lei cogente aos indivíduos que integram o Estado, a
indenização retiraria o valor da referida soberania; segundo, à exceção de hipóteses
127 CAHALI, 2007, p. 525. 128 CRETELLA JÚNIOR, 1980 apud CAHALI, 2007, p. 526. 129 GASPARINI, 2007, p. 981-982.
56
em que o próprio legislador reconheça a responsabilidade do Estado, o ato
legislativo está cingido de generalidade e abstratividade, não podendo assim ferir a
esfera patrimonial individual; terceiro, uma lei publicada não vai contra direito
preexistente; quarto, o receio que a responsabilização do Estado por ato legislativo
poderia causar no legislador dificultaria o progresso social, com constantes
preocupações acerca de interesses particulares; e, em quinto lugar, diz-se que,
indiretamente, o próprio lesionado causou seu dano ao eleger o representante para
o Parlamento, não podendo dar origem ao seu próprio dano, sob pena de
confusão.130
Entretanto, como explica Silvio de Salvo Venosa, a Estrutura montada
atualmente, no que diz respeito à responsabilidade civil estatal, nos autoriza inferir
que a responsabilização pode acontecer, eis que a sua previsão constitucional nos
faz entender ser esta devida quando decorrente de agentes do Estado, no exercício
de sua função ou em razão dela, independente de serem por atividades típicas do
Executivo, Judiciário ou Legislativo131
Nota-se então, que o dispositivo constitucional em questão, qual seja, o art.
37, §6º da CF/88, deixa margem para discussão, ao que há parte da doutrina que
defende a responsabilização do Estado ainda que o ato legislativo seja
constitucional, seja por encontrarem argumentos suficientes para rebater a corrente
tradicional, seja por particularidades que, quando da aplicação da lei saltam aos
olhos do bom observador como lógicas.
Assim sendo, conforme explicita Carvalho Filho, em determinados Estados
tem se adotado a responsabilidade na hipótese de a lei causar dano a pessoas ou
grupos sociais, e em outros, somente há responsabilização por leis inconstitucionais,
além de, claro, a irresponsabilidade adotada na maioria.132 Estas hipóteses serão
abordadas a seguir da melhor maneira possível, visando esclarecer a questão
conforme a doutrina.
4.1 RESPONSABILIDADE PELA EDIÇÃO DE LEI INCONSTITUCIONAL 130 DINIZ, 2010, p. 657 131 VENOSA, 2007, p. 95. 132 CARVALHO FILHO, José Dos Santos. Manual de direito administrativo. 25. ed. São Paulo: Atlas, 2012.
57
A doutrina nos ensina que a eleição pelo povo de seus representantes, os
autoriza a exercer a função constitucionalmente a eles reservada. In casu, tratamos
da possibilidade de legislar atribuída aos membros eleitos do parlamento. Neste
sentido, nada mais natural que os anseios dos que no parlamentar votaram serem
no sentido de que este legisle acompanhando as diretrizes constitucionais, ou seja,
a edição dentro destes termos de ato normativo é algo desejado, enquanto que a
produção de ato legislativo inconstitucional, não só vai contra os interesses
populacionais e constitucionais, como constitui ato ilícito.133 Destarte, a maioria da
doutrina aceita a responsabilidade do Estado em relação a leis inconstitucionais,
dentre eles: Amaro Cavalcanti, Guimarães Menegale, Cretella Júnior, Diógenes
Gasparini, Juary C. Silva, Lúcia Valle Figueiredo, Yussef Said Cahali, Odete
Medauar, conforme nos mostra Di Pietro, também filiada ao entendimento.134
Ainda, conforme José dos Santos Carvalho Filho, é bom ressaltar alguns
aspectos. Primeiramente, é necessário que efetivamente ocorra dano em virtude da
lei inconstitucional, pois a sua mera edição não irá atingir o patrimônio de toda e
qualquer pessoa, pois, como também ensina Cavalieri Filho, é a posição majoritária
da doutrina que, permanecendo a lei no campo da abstração, ou seja, nenhum fato
subsumindo-se a ela, não haverá nexo para responsabilizar-se o Estado.135
Ademais, é preciso diferenciar o dano originado da própria lei e o que veio
de ato fundamentado na lei, eis que no primeiro a inconstitucionalidade é causa
principal e direta da responsabilização, enquanto que na segunda, é secundária, ou
indireta.136
Vejamos também sucinto esclarecimento de Maria Helena Diniz:
(...) pois, se o legislador, que tem o dever de obedecer os ditames
constitucionais, os quais não poderá alterar, editar norma inconstitucional lesiva a terceiros, esse seu ato constituir-se-á num dano indenizável. Admitida a responsabilidade estatal por atos legislativos inconstitucionais, os regulamentos ilegais e inconstitucionais ou de execução de leis geram a responsabilidade legislativa. (...) Todavia, para que haja a responsabilidade estatal, será necessária a declaração de inconstitucionalidade da lei que causou o dano (TJSP, RDA, 81:133). (...)137
133 CARVALHO FILHO, 2012, p. 566. 134 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2010. 135 CAVARIELI FILHO, 2010, p. 281. 136 CARVALHO FILHO, op. cit., p. 566-567. 137 DINIZ, 2010, p. 658.
58
Cabe dizer, em relação à declaração de inconstitucionalidade, que, a
doutrina, aceitando a responsabilidade por ato legislativo inconstitucional, também
explicita a necessidade da declaração pelo poder judiciário da inconstitucionalidade
da mesma, visto que, enquanto não declarada a sua contrariedade à ordem
constitucional, esta lei terá eficácia como qualquer outra, ante a presunção de
constitucionalidade do instituto.138
Afirma Cahali neste contexto que, a declaração de inconstitucionalidade da
lei deve ser realizada por ação judicial específica, qual seja, a Ação Direta de
Inconstitucionalidade, ajuizada no Supremo Tribunal Federal, que é competente para
conhecer da mesma, e só aí, após a retirada da norma inconstitucional do
ordenamento, estaria aberta a possibilidade de indenização.139
Entretanto, José dos Santos Carvalho Filho ensina de maneira diversa,
apoiado em estudo realizado pelo professor Julio César dos Santos Esteves, em sua
obra Responsabilidade civil do Estado por ato legislativo:
Avulta, ainda, destacar que o fato gerador da responsabilidade
estatal no caso – a inconstitucionalidade da lei – alcança tanto a inconstitucionalidade material como a formal, pois que, na verdade, o vício de forma na lei também não escusa a ilegítima atuação do órgão legislativo. Primitivamente, admitia-se a responsabilidade apenas quando houvesse controle concentrado de constitucionalidade; entretanto, atualmente, já se considera que o controle incidental pode, da mesma forma, gerar a responsabilidade do Estado, eis que inexiste qualquer óbice no direito positivo para tal conclusão. A verdade é que tanto numa hipótese quanto na outra fica reconhecido o erro legislativo.140
Hely Lopes Meirelles, citado por Yussef Said Cahali, é de corrente
doutrinaria que não aceita responsabilização do Estado, ainda que por atos
legislativos inconstitucionais, com base em dois fundamentos principais: a) caso, em
hipótese excepcional, lei inconstitucional atinja especificamente a um particular,
seria necessária a demonstração de culpa integral do Estado, o que, segundo o
mesmo é indemonstrável no regime democrático; b) também, que falta fundamento
para a responsabilização pois o próprio povo elegeu os legisladores, e nenhum dos
outros Poderes possui capacidades disciplinares em relação aos agentes políticos.
Ao que rebate Cahali dizendo que, primeiramente, a eleição dos parlamentares
pressupõe o fazimento de leis conforme os ditames constitucionais, e ainda, a
138 CAHALI, 2007, p. 531-532. 139 Ibid, p. 533. 140 CARVALHO FILHO, 2012, p. 567.
59
previsão constitucional de responsabilidade estatal não requer qualquer
demonstração cabal da culpa.141
4.2 RESPONSABILIDADE POR ATO REGULAMENTAR DANOSO
Vejamos primeiramente a lição de Maria Sylvia Zanella de Pietro, que nos
mostra ser cabível o entendimento adotado quando trata-se de responsabilização
por leis inconstitucionais também a regulamentos do Executivo e atos normativos de
agências reguladoras, e não somente quando inconstitucionais, mas também
quando se apresentam ilegais, ou seja, saiam da sua esfera de competência,
abrangendo mais matéria que deveriam. A observação necessária é que, neste
caso, conforme a autora, não será necessária a declaração prévia pelo poder
judiciário, podendo a indenização ser buscada somente com base na ilegalidade.142
Conforme Cahali, em que pese a proximidade, reconhecida inclusive
jurisprudencialmente, entre o regulamento e a lei, é vislumbrada dificuldade maior
quando claro que o ato regulamentar é condição de validade do ato legislativo, ou
simplesmente pelo fato de boa parte deles se vincularem diretamente a um ato
legislativo. Daí que traz o autor ensinamento de Cretella Júnior, o qual, apoiado na
presunção do caráter geral de atos regulamentares, tendo em vista que se vinculam
a um ato legislativo, menciona que, havendo mudança, ou aumentando-se direitos
não previstos em lei, exorbitou do poder regulamentar o ato normativo, eis que
invadiu a competência do Legislativo. Neste sentido, passível de indenização o ato
que, imbuído de generalidade pode ocasionar danos por seus defeitos, assim como
o que não possui tal característica, mas atinja o patrimônio de algum indivíduo.143
O célebre doutrinador aduz que, de todo o dito, podem ser retiradas três
conclusões fundamentais. Primeiramente, exorbitando o decreto os limites que
deveria observar ao regulamentar determinada lei, os danos causados ao patrimônio
alheio poderão ser questionados em juízo, independentemente de declaração
específica prévia pelo poder judiciário, na medida em que inclusive não seria
possível o ajuizamento de ação direta de inconstitucionalidade neste caso, vez que o
entendimento do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que há mera ilegalidade,
141 CAHALI, 2007, p. 527-528. 142 DI PIETRO, 2010, p. 659. 143 CAHALI, op. cit., p. 535-536.
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não devendo sendo atribuída competência para o julgamento destes casos ao
Pretório Excelso. Ademais, adequando-se o ato regulamentar aos limites
estabelecidos pela lei, eventual responsabilização dependerá da declaração de
inconstitucionalidade da lei que aquele regulamenta pelo órgão competente. Por fim,
entende o autor entende ainda que estando o decreto adequado à lei, e esta
demonstrando-se constitucional, indeniza-se este como se indenizaria ato legislativo
constitucional, lembrando sempre que esta é hipótese não aceita com frequência
pela doutrina.144
4.3 RESPONSABILIDADE PELA EDIÇÃO DE LEI DE EFEITOS CONCRETOS
Fugindo às regras padrão das discussões aqui expostas, as leis de efeito
concreto, conforme Di Pietro, não possuem recebem o mesmo tratamento no que diz
respeito à defesa visando a não responsabilização estatal para com leis
constitucionais, quais sejam, a abstratividade e a generalidade dos atos normativos
mencionados. Sendo assim, segundo a doutrina, mostra-se a lei de efeito concreto
como verdadeiramente um ato administrativo, eis que criada para regular situação
específica, devendo, portanto, ser indenizado o indivíduo que venha a sofrer dano
em virtude da edição do ato de que tratamos, ainda que previamente não seja
concedida declaração de inconstitucionalidade pelo Poder Judiciário.145
Lembra ainda a reputada doutrinadora que, nesta hipótese, é amplamente
aceita a responsabilização estatal ainda que a lei seja constitucional, pois ato visa
normatizar situações muito específicas, cuidando de alguns indivíduos, ou, ainda,
um só deles em alguns casos, motivo pelo qual ocorrem situações nas quais o
próprio legislador prevê indenização caso haja eventual dano, ou seja, cria
dispositivo atenuante, na linguagem utilizada por Cretella Júnior, citado por Di
Pietro.146
Em suma, podemos notar que, sendo a lei direcionada somente a algumas
pessoas, e, por consequência deixando de ser abstrata e genérica, aplicar-se-á a
regra geral do art. 37, §6º da Constituição Federal (CF).
144 CAHALI, 2007, p. 536. 145 DI PIETRO, 2010, p. 660. 146 Ibid, p. 660.
61
4.4 RESPONSABILIDADE POR OMISSÃO LEGISLATIVA
A Carta Magna de 1988 em muito avançou no sentido de se prevenir
regulamentações previstas na própria Constituição, vez que, determinadas matérias
- tais como a do art. 7º, XXVII, que prevê a proteção ao trabalhador em face da
automação, na forma da lei – deverão ser, seguindo a orientação do texto
constitucional, regulamentadas por lei. Desta maneira, omitindo-se o legislador da
devida regulamentação, entra em cena o inciso LXXI do art. 5º da CF que determina
que “conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma
regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e
das prerrogativas constitucionais inerentes à nacionalidade à soberania e à
cidadania”147.
Como lembra ainda Di Pietro, também prevê a Constituição a ação direta de
inconstitucionalidade por omissão para tornar efetiva norma constitucional, estando
esta prevista no art. 103, §2º da CF/88.148
Ocorre que, ante a omissão estatal, surge dúvida quanto à possibilidade de
pedido de indenização caso o Poder ao qual tenha sido designada a competência
para regulamentação da matéria se omita.
No entendimento de Carvalho Filho, caso o texto constitucional estabeleça
determinado prazo para que seja efetivada a normatização da matéria em questão e
seja o mesmo obedecido, não há que se falar em qualquer indenização. Porém
caso o mandamento não seja obedecido, vislumbram-se duas hipóteses: a) quando,
apesar da demora, permita-se perceber que o tempo demorado foi relativamente
razoável, tomando-se em conta fatores socioeconômicos, não há que se falar em
indenização, conforme o autor; b) na hipótese de o prazo para elaboração escapar
da abrangência de qualquer conceito de razoabilidade, considera o professor
impossível afastar a culpabilidade omissiva do legislador, motivo que ensejará
responsabilização do ente que deveria ter realizado a regulamentação.149
147 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 10 out. 2012. 148 DI PIETRO, 2010, p. 661. 149 CARVALHO FILHO, 2012, p. 568.
62
Maria Helena Diniz, ao trazer entendimento de Maria Emília Mendes
Alcântara esclarece que o prazo razoável que pode ser dado ao legislador, seria
aquele que se considera tempo suficiente para que seja apresentado projeto de lei, e
possa este tramitar, sendo discutido e votado. Caso fora deste conceito, a omissão
enseja responsabilidade do Estado, visto que o indivíduo é titular de direito
constitucionalmente garantido, e a inércia legislativa é o único entrave que o impede
de exercê-lo.150
4.5 RESPONSABILIDADE POR DECRETO LEGISLATIVO
Cahali nos lembra que o Poder Legislativo, em atuação de sua
competência, agindo através de decreto legislativo, também se encontra sujeito à
responsabilização em virtude de prática que venha a gerar danos a terceiros. Neste
sentido, colaciona parte de sentença do Tribunal de Justiça de São Paulo, onde se
condena a Câmara Municipal ao pagamento de danos morais, vez que o decreto
exarado pelo Poder Legislativo municipal declarou o indenizado persona non grata
pelo simples motivo deste ingressar com ações judiciais contra a Câmara e a Igreja
local, causando assim dano ao mesmo, o que transforma o decreto legislativo em
verdadeiro ato administrativo, pois atinge a uma só pessoa, e o torna passível de
gerar indenização, conforme explica o autor, juntando o julgado em questão, que
contém esclarecimento de Celso Antônio Bandeira de Mello:
“(...) ‘Sendo assim, a invocação de “motivos de fato” falsos,
inexistentes ou incorretamente qualificados vicia o ato até mesmo quando a lei não haja estabelecido, antecipadamente, os motivos que ensejariam a prática do ato Uma vez enunciados pelo agente os motivos em que se calçou, ainda quando a lei não haja expressamente imposto a obrigação de enuncia-los, o ato só será válido se estes realmente ocorreram e o justificavam’ (C. A. Bandeira de Mello, Curso de direito administrativo, p. 346). Verificado o vício da motivação e da finalidade, comprometida está a validade do ato, ainda que praticado por força do denominado exercício do poder discricionário. No caso dos autos, dúvida não há de que o decreto legislativo está fundado em divergências existentes entre o autor e o padre loca. Em decorrência desse fato, algumas demandas judiciais foram propostas por aquele, inclusive de natureza criminal. Não se pode extrair deste comportamento qualquer ato hostil à população da cidade, pois o autor estava simplesmente exercendo a garantia constitucional a todos assegurada (CF, art. 5º, XXXV).151
150 DINIZ, 2010, p. 659. 151 MELLO, 2010 apud CAHALI, 2007, p. 549-550.
63
4.6 RESPONSABILIDADE POR PLANEJAMENTO GOVERNAMENTAL
Planejamento governamental, em essência, é a competência prevista no art.
174 da CF: “como agente normativo regulador da atividade econômica, o Estado
exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento,
sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado”152.
Tal tópico é incluído pois, em que pese sua simplicidade, no exercício da atividade
supracitada, o Estado irá determinar medidas, dar incentivo à determinado setor da
economia, etc., e isto poderá ocorrer através de ato normativo, p. ex., lei que
determine redução da carga tributária a determinado tipo de empresas.
Acompanhando ensinamento de Yussef Said Cahali, o Estado poderá,
então, ser responsabilizado, também, na hipótese de dano causado enquanto
executa, como diz o dispositivo constitucional, sua função de agente normativo
regulador da atividade econômica. Conforme o autor, a dificuldade se apresenta ne
medida em que é necessário determinar-se a conduta do Estado e a do lesado, para
que se verifique eventual existência de uma excludente, e a licitude ou ilicitude do
ato.153
Destarte, instrui ainda que devem ser adotados princípios mais genéricos,
vez que não é de fácil identificação lesão em tais casos, devendo ser
responsabilizado em hipóteses nas quais não se oriente pela boa-fé, lealdade e
segurança jurídica, não podendo a política econômica causar prejuízo a determinado
particular. Vale, porém, a observação trazida pelo autor de que, nas situações em
que, contratualmente, o Estado esteja em posição de superioridade, como em
concessões, a adoção de políticas que não vão de encontro às intenções do
particular não ensejariam responsabilização estatal.154
4.7 RESPONSABILIDADE PELA EDIÇÃO DE LEI CONSTITUCIONAL
152 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 10 out. 2012. 153 CAHALI, 2007, p. 550. 154 Ibid, p. 550-551.
64
Ante o exposto até o momento, pudemos notar o que da tendência
doutrinária, jurisprudencial e regulamentar em se adotar a tese da irresponsabilidade
estatal quando tratamos de atos legislativos perfeitos, constitucionalmente falando.
Tudo se explica ante a soberania atribuída ao Poder legislativo, que,
constitucionalmente, teve a faculdade de edição, revogação ou modificação de
novas leis e direitos, devendo somente se ater às regras constitucionais, de maneira
que não estaria sujeito às normas de responsabilização pro tais atos típicos da
mesma forma que os outros Poderes do Estado.
Entretanto, ao comentar o caso francês La Fleurette, de 1938 - em que o
Conselho de Estado francês reconheceu a responsabilidade estatal por ato
normativo prescindida de culpa, ao entender que o ônus gerado pela retirada de
determinado produto do mercado, para proteção de interesse geral, não deveria ser
suportado somente por uma pessoa - nos mostra Cahali que existem hipóteses nas
quais, apesar da constitucionalidade do ato normativo, ele poderá causar danos ao
particular, veja-se:
São situações mais frequentes discutidas na doutrina: o particular
desfruta de certas vantagens econômicas asseguradas por um ato legislativo, e, sendo modificado ou revogado, resulta para ele a supressão ou diminuição daquelas vantagens – é o caso do proprietário que, em virtude de lei, vê o seu direito de uso, gozo e disposição do imóvel exposto a restrições administrativas quanto à forma de utilização; o Estado estabelece a seu benefício um monopólio industrial ou comercial de certa atividade, que, assim, fica interdita aos particulares, sofrendo aqueles que a exerciam sua privação.155
Conforme o autor, ao advogar a teoria da irresponsabilidade, determina a
parcela doutrinaria que está ao seu lado que, a execução da lei não pode ensejar
responsabilização, e caso o faça, a mesma deve ser concedida pelo próprio
legislador, que caso silente, demonstra seu não consentimento. Porém, insurge-se
parcela doutrinaria contra tal teoria, apresentando argumentos objetivando rebater
os previamente citados a favor da irresponsabilidade (soberania, generalidade, etc.).
Verbi gratia: a) ainda que no exercício de sua soberania, o Poder Legislativo está
sujeito às normas e princípios constitucionais, devendo ser responsabilizado caso os
ofenda; b) em que pese a abstratividade das normas, nas hipóteses em que a lei
atinja pessoas determinadas, deve haver responsabilização; c) ao argumento de que
155 CAHALI, 2007, p. 539.
65
o próprio eleitor é responsável pois elegeu seu representante, rebate-se que sua
eleição teve o condão de destiná-lo à edição de atos normativos que obedecessem
à Constituição, e não à produção de legislação de constitucionalidade ou justeza
duvidosas.156
Outro caso ocorrido na França, o Chaucheteux et Desmont, confirmou o
entendimento adotado no supracitado, conforme Octávio de Barros, citado por
Cahali, estabelecendo critérios aceitos pela doutrina majoritária francesa.
Primeiramente, a necessidade de eventuais danos causados a um particular em
virtude de interesse público serem indenizados, pois o dano deve ser suportado por
toda a coletividade, sendo injusto que somente aquele particular sofra os encargos
de algo que objetiva o bem comum, com o que concorda Duguit. Ainda, a quietude
legislativa, antes interpretada como negativa de indenização, deve ser entendida nos
termos do que foi dito, ou seja, cabe indenização para o indivíduo lesado em nome
da sociedade, e só não será de tal maneira caso haja expressão legislação que
impeça a responsabilidade in casu. Por fim, entende-se que os princípios ditados
não podem ser aplicados a atividades imorais, mas somente às lícitas.157
Já quando se trata do direito brasileiro, a contenda é maior, eis que os
posicionamentos são muito distantes quando comparados um doutrinador a outro.
Neste sentido, doutrinadores como Amaro Cavalcanti, Pedro Lessa, Themistocles
Cavalcanti, todos sustentam a irresponsabilidade estatal, exceto em hipóteses de
inconstitucionalidade da lei, situação a qual, como bem explica Cahali, não integra a
questão do dano provocado por ato legislativo, pois o motivo da indenização é a
própria inconstitucionalidade, e não o ato legislativo. Trazem tais doutrinadores
noções já abordadas no texto do trabalho, tais como a limitação do Poder Legislativo
por outro Poder, ao permitir que, por exemplo, o judiciário o responsabiliza, pois
somente o primeiro estaria encarregado de estabelecer regras sociais, ou, ainda, a
necessidade de previsão pelo próprio legislador da indenização em casos
necessários. Em suma, visões já apresentadas, que advogam a arbitrariedade do
Legislativo, podendo este indenizar quando bem entender.158
Diversamente entende Maria Helena Diniz, segundo a qual, não há distinção
entre atos administrativos, legislativos e jurisdicionais no art. 37, §6º da Constituição
156 DI PIETRO, 2010, p. 658. 157 CAHALI, 2007, p. 539-540. 158 Ibid, p. 541.
66
Federal, motivo pelo qual deve haver responsabilização estatal na hipótese de dano
ao patrimônio, caso especial e anormal, causado a um indivíduo ou um grupo
identificado. Esclarece a célebre doutrinadora, no contexto, que, ainda que se aceite
a noção de irresponsabilidade por abstratividade e generalidade da lei, em realidade
existem situações específicas onde determinada pessoa é lesionada de maneira
injusta, devendo o Estado, em atenção aos princípios da isonomia e igualdade
ressarcir devidamente.159
Na mesma corrente advogam Cretella Júnior e Octávio de Barros, onde o
segundo, citado por Cahali, sustenta que a lei também é ato administrativo, e, por tal
motivo, em que pese a relatividade da intangibilidade do patrimônio individual, pode
ser submetida à compensação caso onere indivíduo. Surge então a noção de que a
solução para a problemática se esconde na análise específica de cada caso, ou
seja, in espécie, não suportando, do ponto de vista prático, a resolução in genere.160
Comenta Cahali ainda a situação trazida por Duguit, segundo o qual, é
devida indenização quando o Estado decide monopolizar determinado serviço. Traz
a contestação de Bielsa, que afirma que, por óbvio a monopolização estatal irá
causar danos a quem previamente exercia a atividade, porém, isto feito por causas
sociais e econômicas diversas, ou seja, difere de institutos com os da expropriação,
em que o patrimônio passa para o poder do Estado. Ao que rebate o doutrinador,
afirmando que, é princípio trazido em Constituições anteriores (1946 e 1967) que,
em que pese eventual monopolização estatal de atividade, devem ser respeitados os
direitos e garantias individuais, e, apesar de não repetido expressamente na atual
Carta Magna, entende-se que deve ser ressarcido o indivíduo, pelo dano injusto
causado.161
Ao trazer, por fim, à discussão, a questão da indenização decorrente de atos
que limitem atividades e vantagens, em nome do poder de polícia, exalta o
entendimento majoritário da doutrina que entende ser aplicável a irresponsabilidade
no caso, ante a necessidade do poder em questão. Entretanto, colacionamos
igualmente o entendimento de Octávio de Barro, que esclarece situação em que o
dano anormal em nome do poder de polícia poderá ser indenizado:
159 DINIZ, 2010, p. 658. 160 CAHALI, 2007, p. 542-543. 161 Ibid p. 543-545.
67
Se, porém, através dessa regulamentação, a atividade do particular for atingida em suas condições de vida e existência, impondo sua supressão, ter-se-á, na verdade, verificado o dano especial, anormal, o sacrifício do particular, em consequência da lei de interesse da coletividade. Sendo assim, cabe o direito à indenização. Já, aqui, o problema transcende a simples conceituação do poder de polícia, que vê na finalidade do ato administrativo a condição precípua da sua legalidade, o limite do poder discricionário da Administração. Ora, a lei também é ato administrativo, aliás de maior relevância, e tão-só pelo fato de emanada do Poder Legislativo não deve ser vista, em face do direito, como incapaz de causar prejuízos. Contra o ato legal que, não obstante, é lesivo vem em socorro do administrado o princípio da intangibilidade de seu patrimônio.162
Lembre-se que, neste sentido, a jurisprudência já se manifestou
favoravelmente ao entendimento no sentido da responsabilização em casos de dano
especial e anormal, como na seguinte decisão: 2º TACIvSP, 1a Câmara, Ap. 28.084,
11.08.1975.
Cabe lembrar ainda o ensinamento de Carlos Robeto Gonçalves, segundo o
qual, quando se busca a indenização, deve se ter em mente que, tem entendido a
jurisprudência brasileira que as Câmaras Municipais não poderiam integrar o pólo
passivo da lide em que se busca responsabilização, devendo ser acionada a
Fazenda Municipal. Entendimento confirmado por posicionamento do Supremo
Tribunal Federal, trazido pelo doutrinador.
Por fim, da maior importância mencionar comentário de Sayagués Laso
mencionado por Cahali, que diz que o “reconhecimento da responsabilidade civil do
Estado por ato legislativo tende a generalizar-se, pois é a que mais se identifica com
os princípios da justiça e da equidade que informam o direito”.163
162 BARROS, 1956 apud CAHALI, 2007, p. 546. 163 CAHALI, 2007, p. 540.
68
CONCLUSÃO
A partir da exposição de todos os fatores abordados nos capítulos desse
trabalho, pudemos obter uma visão mais detalhada acerca dos aspectos integrantes
da Responsabilidade Civil Estatal por Ato Legislativo.
Neste sentido, primeiramente, restaram determinados os elementos
basilares da Responsabilidade Civil como um todo, para que se introduzisse o tema,
trazendo à questão os principais tópicos, e clarificando noções elementares ao
assunto tratado. Desta maneira, estabeleceu-se ser a Responsabilidade Civil do
Estado pertencente ao âmbito extracontratual, e que na maioria das situações é
objetiva, embora em determinas ocasiões citadas, tais como na responsabilidade por
omissão, possa ser subjetiva. Também, determinaram-se como elementos
necessários à responsabilização: a conduta, ainda que omissiva; o dolo ou a culpa;
o dano; e o nexo, entre a ação ou omissão e a lesão causada.
Também foi feita breve passagem histórica da evolução do tema, trazendo à
tona a noção já ultrapassada da irresponsabilidade estatal, substituída pelas teorias
civilistas, que admitiam a responsabilização através da comprovação de culpa, para
enfim também se substituírem pelas teorias publicistas, utilizadas majoritariamente
nos dias de hoje, que admitem a indenização do Estado independentemente de
culpa, inclusive a pouco utilizada teoria do risco integral.
Ademais, exteriorizou-se o Poder Legislativo, de maneira simplificada,
demonstrando que a questão da responsabilização estatal é dependente de
aspectos tais como a harmonização entre os três Poderes estatais. Fez-se
abordagem ainda quanto às funções do Poder Legislativo, fiscalizatória e legislativa,
quando se focou na segunda, demonstrando as espécies normativas que poderiam
ser objeto de responsabilização por eventuais danos, bem como não foi esquecido o
estatuto dos congressistas, ao serem bosquejadas as imunidades parlamentares,
que poderiam se tornar óbices à responsabilização do Estado.
Por fim, foram tratadas as hipóteses de responsabilização admitidas
doutrinariamente, tais como aquelas pela edição de lei inconstitucional, ato
regulamentar danoso, omissão legislativa, lei de efeitos concretos, decreto legislativo
e planejamento governamental. Bem como foi discutida a polêmica responsabilidade
69
pela edição de lei constitucional, onde foram demonstrados argumentos da doutrina
favorável à hipótese de responsabilização, e da corrente contrária.
Tomando em conta tanto os argumentos favoráveis quanto os desfavoráveis
em relação à possibilidade de responsabilizar-se o Estado por danos gerados
através da produção legislativa, nos parece que, embora a discussão ainda seja
árdua e a posição minoritária, não faltam argumentos lógicos para que,
doutrinariamente, se aceite a possibilidade.
Entretanto, é de notar-se a patente necessidade de análise dos fenômenos
posteriores à declaração de responsabilidade do Estado, qual seja, a via adotada
para que seja compensado o dano causado, e os efeitos causados.
Neste contexto, verifica-se que, em par com o defendido por parte da
doutrina, o legislativo ficaria acuado, pois, ante a grande produção legislativa atual,
caso em todas as situações em que determinado ato normativo mal produzido venha
a gerar responsabilização, o Poder legislador iria se retrair, com receio de onerar o
Estado, ante a dificuldade de se preverem todas as situações pós-vigência da lei.
Toma-se em conta o acima dito, cumulado com o fator econômico-social,
onde a responsabilização poderia levar a extremadas quantias cobradas do Estado,
onerando e causando déficit em outras áreas que não a do Poder Legislativo, bem
como poderia funcionar como instrumento para que o Poder Judiciário promovesse
um controle exacerbado sobre o Legislativo, ou seja, que fosse além da harmonia
entre os Poderes, prevista constitucionalmente.
Necessária porém a discussão, ante a pobreza e ineficácia legislativa que
têm se manifestado atualmente. Verificamos, dia após dia, parlamentares sem
condições alguma de legislar tomando posse, e, conquanto constitucional a sua
eleição, como fator basilar de uma democracia, é necessário o investimento do
Estado para que atos normativos não sejam promulgados da maneira como são,
carregando por vezes inconstitucionalidades que assustam ao mais leigo.
Destarte, o que se pode inferir do presente trabalho é que, a
responsabilização do Estado por seus atos normativos pode ocorrer, porém deverá
ser feita a análise in casu. Nas hipóteses de leis de efeitos concretos e outros atos
que atinjam uma minoria, para a responsabilização bastaria a prova dos requisitos
da responsabilização previstos no art. 37, §6º da Constituição Federal.
Nas demais hipóteses, em atos carregados de generalidade e
abstratividade, longe de se aplicar cegamente a teoria da irresponsabilidade estatal -
70
ante o não impedimento de responsabilização pela ordem constitucional - a situação
concreta deverá ser melhor analisada, e, caso necessário, em situações onde a
ausência de prudência do legislador, ou a sua atitude em total desrespeito ao Direito
Interno, sim, condenar-se o Estado a indenização, ainda que como se faz com a
multa, ou seja, sanção de certa maneira educativa, que instiga o agente a não
cometer o ato danoso novamente.
Sendo assim, cremos ser de bom tom concordar com as hipóteses já
defendidas pela doutrina para responsabilização, quais sejam, leis inconstitucionais,
atos normativos de efeitos concretos, etc. Ademais, em relação aos atos
constitucionais, concluímos que a hipótese deve ser analisada caso a caso, para
que se fomente a discussão, estimule o investimento na produção legislativa, e, caso
necessário, seja reparado o dano anormal causado aos que tiveram seu patrimônio
lesionado pela produção legislativa.
71
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