responsabilidade civil por ato de improbidade administrativa · 1 responsabilidade civil por ato de...

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1 RESPONSABILIDADE CIVIL POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA Raul de Mello Franco Júnior * * * * SUMÁRIO: I.- INTRODUÇÃO. II.- DA NOÇÃO DE ATO DE IMPROBIDADE. III.- SUJEITOS DA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. 3.1.- Sujeitos Ativos. 3.2.- Sujeitos Passivos. IV.- ESPÉCIES DE ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. 4.1.- Atos que importam enriquecimento ilícito. 4.2.- Atos que causam prejuízo ao erário. 4.3.- Atos que atentam contra os princípios da Admin. Pública. V.- SANÇÕES APLICÁVEIS AOS SUJEITOS ATIVOS DOS ATOS DE IMPROBIDADE. 5.1.- Sanções condenatórias. 5.2.- Sanção desconstitutiva. 5.3.- Sanções restritivas de direitos. 5.4.- Das sanções previstas na lei de improbidade e não referidas no art. 37, parágrafo 4 o , da Constituição Federal. 5.5.- Dosimetria das sanções. 5.6.- Cumulatividade das sanções. VI.- INSTRUMENTOS PROCESSUAIS DE COMBATE À IMPROBIDADE. VII.- CONCLUSÃO. VIII.- BIBLIOGRAFIA. I.- INTRODUÇÃO Segundo princípio básico do Direito, da prática do ato ilícito decorre a responsabilidade do seu causador, entendida esta como a “situação toda especial daquele que, por qualquer título, deva arcar com as conseqüências de um fato danoso”. 1 Toda manifestação da atividade humana traz, ínsita, o problema da responsabilidade, daí porque não é ela um fenômeno exclusivo da vida jurídica. Está, de algum modo, relacionada a todos os domínios da vida em sociedade e da organização dos corpos sociais. Na atividade administrativa, enquanto gestão de interesses da coletividade, a responsabilidade tem esteio no conceito de república, sistema de governo * O autor é Promotor de Justiça, membro do Ministério Público do Estado de São Paulo, professor de Direito Constitucional do Centro Universitário de Araraquara (SP) – UNIARA e mestrando em Direito pela UNESP – Universidade Estadual Paulista. Trabalho apresentado em conclusão de créditos das disciplinas Direito Civil – Responsabilidade Civil, do programa de Pós-graduação em Direito (Mestrado – Convênio Unesp- Apamagis), tendo como responsável o Prof. Dr. Oreste Nestor de Souza Laspro. 1 Zanobini. Corso di diritto administrativo. 6 a ed. V. I, 1950, p. 269, apud Stoco, Rui. Responsabilidade Civil, p. 37.

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RESPONSABILIDADE CIVIL POR

ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

Raul de Mello Franco Júnior∗∗∗∗

SUMÁRIO: I.- INTRODUÇÃO. II.- DA NOÇÃO DE ATO DE IMPROBIDADE. III.- SUJEITOS DA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. 3.1.- Sujeitos Ativos. 3.2.- Sujeitos Passivos. IV.- ESPÉCIES DE ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. 4.1.- Atos que importam enriquecimento ilícito. 4.2.- Atos que causam prejuízo ao erário. 4.3.- Atos que atentam contra os princípios da Admin. Pública. V.- SANÇÕES APLICÁVEIS AOS SUJEITOS ATIVOS DOS ATOS DE IMPROBIDADE. 5.1.- Sanções condenatórias. 5.2.- Sanção desconstitutiva. 5.3.- Sanções restritivas de direitos. 5.4.- Das sanções previstas na lei de improbidade e não referidas no art. 37, parágrafo 4o, da Constituição Federal. 5.5.- Dosimetria das sanções. 5.6.- Cumulatividade das sanções. VI.- INSTRUMENTOS PROCESSUAIS DE COMBATE À IMPROBIDADE. VII.- CONCLUSÃO. VIII.- BIBLIOGRAFIA.

I.- INTRODUÇÃO

Segundo princípio básico do Direito, da prática do ato ilícito decorre

a responsabilidade do seu causador, entendida esta como a “situação toda especial daquele

que, por qualquer título, deva arcar com as conseqüências de um fato danoso”. 1

Toda manifestação da atividade humana traz, ínsita, o problema da

responsabilidade, daí porque não é ela um fenômeno exclusivo da vida jurídica. Está, de

algum modo, relacionada a todos os domínios da vida em sociedade e da organização dos

corpos sociais.

Na atividade administrativa, enquanto gestão de interesses da

coletividade, a responsabilidade tem esteio no conceito de república, sistema de governo

∗ O autor é Promotor de Justiça, membro do Ministério Público do Estado de São Paulo, professor de Direito Constitucional do Centro Universitário de Araraquara (SP) – UNIARA e mestrando em Direito pela UNESP – Universidade Estadual Paulista. Trabalho apresentado em conclusão de créditos das disciplinas Direito Civil – Responsabilidade Civil, do programa de Pós-graduação em Direito (Mestrado – Convênio Unesp-Apamagis), tendo como responsável o Prof. Dr. Oreste Nestor de Souza Laspro. 1 Zanobini. Corso di diritto administrativo. 6a ed. V. I, 1950, p. 269, apud Stoco, Rui. Responsabilidade Civil, p. 37.

2

que remete ao representante do povo a obrigação de atuar de forma diligente, íntegra, justa

e, sobretudo, responsável.

Esta idéia de responsabilidade do homem público caminha, pari

passu, com o dever de boa administração, exigindo deste agente conduta que identifique os

atos administrativos que protagoniza, com o real interesse público que deve

invariavelmente motivar a sua ação. O que se deseja é a administração de interesses

alheios, de toda a coletividade, com cuidados equivalentes àqueles dispensados na

administração dos interesses pessoais.

Preocupou-se o legislador, pois, em chamar à responsabilidade toda

aquele que tendo o encargo de administrar os interesses de todos, mostrou-se inapto,

incauto ou desonesto.

O sistema constitucional-administrativo utiliza-se de uma série de

instrumentos de controle e de prevenção, cujo eixo mestre é a própria separação de poderes

do Estado. Mas também apresenta uma plêiade de mecanismos repressivos que

transpassam várias esferas, como a administrativa, a penal e a civil.

Interessa-nos, neste estudo, de forma especial, desvendar o

funcionamento do sistema legislativo de repressão aos atos de improbidade administrativa,

de modo a melhor compreender a dimensão conferida à responsabilidade civil por atos

lesivos ao patrimônio material ou moral da Administração Pública ou atentatórios aos

princípios constitucionais que regram a atividade do homem público.

Ressaltamos, desde logo, que o tema é vastíssimo. Diversos aspectos

sobre os quais fizemos breves anotações comportariam estudos distintos. A finalidade

desta exposição, entretanto, é traçar, em passos largos, a dimensão da responsabilidade

civil por ato de improbidade, sem a preocupação de esmiuçar considerações acerca de

pontos polêmicos.

II.- DA NOÇÃO DE ATO DE IMPROBIDADE

O termo “probidade” advém de “probo”, do latim probus, que

implica na qualidade de ser honesto, autêntico, virtuoso, honrado. Liga-se também a

improbitate: desonestidade. A improbidade, pois, é atributo negativo do caráter de alguém

3

e, no âmbito do direito, o termo está associado à conduta do administrador que comete

maus-tratos à coisa pública, no desempenho de seu mister.

A preocupação com a repressão da improbidade dos homens

públicos tem raízes no direito romano, mas passou a ser enfatizada nos direitos

constitucional, administrativo e penal modernos, como meio de se promover o Estado

democrático de direito e a ética na política, a estabilização das economias (a corrupção é

sempre pernóstica a qualquer economia) e a defesa do patrimônio público.

Percebe-se certa dificuldade da doutrina em fixar os limites

conceituais de “improbidade”. Parte-se do conceito de moralidade administrativa, gênero

de onde a probidade despontaria como espécie. A moralidade da Administração é tomada

como princípio constitucional que direciona o agente público aos deveres de probidade,

honestidade, lealdade às instituições, prestação de contas, eficiência, economicidade etc. A

imoralidade, por conseguinte, representa uma agressão a esta principiologia.

Não se conclua a partir disto, que toda moral comum teria sido

juridicizada. Como assevera Adilson Abreu Dallari, invocando os estudos de Márcio

Cammarosano, “a moralidade administrativa tem conteúdo jurídico, porque compreende

valores juridicizados, e tem sentido a expressão moralidade porque os valores juridicizados

foram recolhidos de outra ordem normativa do comportamento humano: a ordem moral.

Os aspectos jurídicos e morais se fundem, resultando na moralidade jurídica. Para fins de

direito, em função das conseqüências jurídicas decorrentes, não é possível tomar como

imoral ou ímprobo ato ou comportamento assim considerado em face de uma pura

concepção subjetiva. Sempre será necessário e indispensável demonstrar que a conduta

questionada conflita com princípios e normas que estejam contidos, que tenham sido

absorvidos, pelo sistema jurídico”. 2

Para Marcelo Figueiredo, a probidade, no contexto constitucional, é

forma qualificada de moralidade administrativa. “A improbidade viola a moralidade, que,

por seu turno, gera a sanção”. É um “estado que deflagra toda uma série de conseqüências

jurídicas cujo resultado é a sanção, a cominação da imoralidade nas funções estatais”. 3·

Marcello Caetano doutrina que “a probidade administrativa consiste

no dever de o funcionário servir à Administração com honestidade, procedendo no

2 Limitações à atuação do Ministério Público na ação civil pública. In: Improbidade Administrativa: questões polêmicas e atuais, p. 25. 3 O controle da moralidade na Constituição, p. 48.

4

exercício das funções sem aproveitar os poderes ou facilidades delas decorrentes em

proveito pessoal ou de outrem a quem queira favorecer”.4

No aspecto subjetivo, o ato de improbidade corresponde à violação

de um dever moral que traduz delito, desonestidade, abuso, fraude, má-fé, caracterizando

ilícitos penais, civis, administrativos, políticos etc. O seu núcleo fundamental reside, pois,

“na violação do princípio ético que deve presidir as relações jurídicas estabelecidas no

desempenho de atividades estatais (públicas) ou equiparadas”.5

Se o agente público tem o dever de somente agir honestamente e de

acordo com os limites traçados na Constituição e no sistema legislativo vigente, é curial

que quando se afasta deste dever lesa os interesses de toda coletividade. E dos efeitos de

sua conduta devem emanar as bases de sua responsabilização civil, com a sujeição ao

sancionamento que estudaremos nos itens que se seguem. Antes, porém, emerge a

necessidade de tornar claro quem são os sujeitos passíveis desta responsabilização, na

medida em que tomados como personagens de atos de improbidade. No outro extremo,

imperioso apontar quem são as pessoas atingidas por tais condutas.

III.- SUJEITOS DA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

A classificação de sujeitos ativos e passivos, em matéria de

probidade ou de improbidade, pode sofrer variação e até inversão, a partir do prisma que se

tome para apontá-los. Os autores que partem do prisma positivo (dever de probidade),

consideram as entidades públicas ou privadas (de alguma forma beneficiadas por recursos

públicos) como sujeitos ativos desta relação. Os agentes públicos e terceiros são tomados

como potenciais sujeitos passivos. Se o referencial é o negativo (ato de improbidade), os

pólos se invertem. 6 Como nos interessa a responsabilidade pelo ato de improbidade,

optamos pelo segundo posicionamento.

4 Manual de Direito Administrativo, t. II, p. 684. 5 Marcelo Figueiredo, obra cit., p. 51. 6 Esta diferenciação pode ser bem percebida em duas das maiores obras sobre o tema, cuja polarização do enfoque já é sentida nos títulos: Probidade Administrativa, de Wallace Paiva Martins Jr. e Improbidade Administrativa, de Fábio Medina Osório.

5

3.1.- Sujeitos Ativos

a) o agente público

A lei estabelece, primeiramente, como sujeitos do dever de

probidade administrativa o agente público, seja ele servidor ou não. A noção de agente

público, pois, supera aquela de “funcionário público”, presente no art. 327 do Código

Penal.

Estará sujeito às sanções legais, conforme dispõe o art. 1o da lei

8.429/92, qualquer agente público que venha a praticar atos de improbidade contra a

administração pública, contra entidade majoritariamente custeada pelo erário ou contra

entidade subvencionada ou beneficiada de qualquer forma pelo poder público.

O que fez o legislador foi apontar as pessoas que podem ser

civilmente responsabilizadas por atos de improbidade administrativa, até porque a

condição de que se revestem lhes concede meios para tanto. Encarregou-se de conceituar

“agente público” (art. 2o), tomando-o como todo aquele que exerce, ainda que

transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou

qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas

entidades anteriormente referidas.

A verdade é que o vínculo com o Estado ou a forma de investidura

junto à Administração são aspectos secundários, na medida em que, por preceito

constitucional, qualquer pessoa física ou entidade privada que utilize, arrecade, guarde,

gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda,

ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária, tem o dever de prestar

contas (art. 70, CF), sujeitando-se aos rigores da lei, caso tenha agido de forma irregular.

Sobreleva o uso indevido da função, atingindo os bens ou interesses de qualquer esfera de

governo, de todos os poderes de Estado e de todas as suas entidades. Pouco importa, pois,

seja o servidor civil ou militar, agente político ou administrativo, honorífico, delegado,

credenciado, convocado, requisitado etc. Estando a serviço da Administração, ainda que

eventualmente, tem o dever de probidade. Quando rompe este dever, é tomado como

sujeito ativo do ato de improbidade e, conseqüentemente, deve suportar as conseqüências

dele.

6

A incidência abrange o particular que colabora com a

Administração, como tabeliães, jurados, mesários, concessionários de serviços públicos

etc., desde que os atos atacados tenham correlação com o poder delegatário.

São também alcançados os detentores de mandatos eletivos,

membros do Judiciário e do Ministério Público. As prerrogativas constitucionais, como

imunidades e garantias funcionais de independência, não lhes aproveita no sentido de

eximi-los das conseqüências de infrações graves que denotem afronta à moralidade, no

desempenho da função pública. Mesmo o Presidente da República, segundo a melhor

doutrina, pode estar sujeito às sanções decorrentes de ato de improbidade, com exceção da

perda da função pública e da suspensão dos direitos políticos, conseqüências regidas por

normas especiais, expostas pelo próprio texto constitucional e atinentes aos crimes de

responsabilidade definidos pela lei federal nº 1070/50.7

b) terceiros

O terceiro ou particular que induz ou concorre para a prática de ato

de improbidade é tomado pela lei como partícipe e, por esta razão, também pode ser

civilmente responsabilizado. As disposições legais também alcançam aqueles que, de

forma direta ou indireta, foram beneficiados pelos atos de improbidade.

Assim, pessoas físicas ou jurídicas, ainda que estranhas aos quadros

da Administração, que tenham de algum modo influenciado, auxiliado, colaborado, tomado

parte do ato de improbidade ou auferido qualquer tipo de vantagem ou benefício em razão

dos deslizes contra a moralidade administrativa, devem também ser responsabilizadas.

Na hipótese de participação será necessário identificar o ato ou

omissão que guarde relação estreita com a conduta do agente ímprobo, sendo mesmo útil a

teoria de relação de causalidade para apontar esta participação.

Quando se fala em terceiro puramente beneficiário, não se exige

qualquer evidência de que tenha participado efetivamente do ato, liame este de dificílima

comprovação. Basta que se comprove que houve o aproveitamento, ainda que reflexo, das

conseqüências do ato de improbidade, com repercussões positivas para a esfera dos

7 Sobre a aplicação da lei de improbidade ao Presidente da República, vide outros comentários no item 5.2.

7

interesse daqueles. A imposição das sanções cabíveis dependerá da demonstração do nexo

etiológico existente entre o benefício experimentado e o ato de improbidade administrativa.

No caso do beneficiário, reclama atenção o fato de que qualquer

valor de dinheiro público injetado na iniciativa privada implica na inserção da pessoa

jurídica agraciada no raio de incidência da lei de improbidade. Isto significa que um ato de

desonestidade, de má aplicação de recursos por parte de entidade que receba, do poder

público, qualquer tipo de subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, pode

sofrer o enquadramento da lei anticorrupção. E tal ato, à evidência, pode ser praticado por

um particular, mesmo não sendo agente público.

A censura do comportamento do beneficiário, entretanto, não pode

prescindir do conceito de boa-fé. Quem age por dolo ou de forma incauta, extraindo

proveito de situações jurídicas ilegítimas, deve ser responsabilizado. Se atua de boa-fé, não

sendo possível ou razoável lhe exigir maior cautela, não pode ser atingido pelas sanções da

lei, ainda que inegável o benefício. Importante, entretanto, atentar para o fato de que a boa-

fé não pode estar assentada na freqüente alegação de desconhecimento da lei ou dos

procedimentos rotineiros da Administração, como os processos licitatórios, os concursos

públicos, o dever de prestação de contas, o interesse público como finalidade de qualquer

ato administrativo etc.

No escólio de FÁBIO MEDINA OSÓRIO, “bastaria uma culpa

levíssima, permitida a expressão, ou índicos de culpa, para que se fizessem presentes

requisitos autorizadores de demanda cível de improbidade, cabendo ao interessado provar

que agiu diligentemente e, mesmo assim, não lhe foi possível ter ciência da ilicitude da

conduta do administrador. A culpa, aqui, bem entendido, refere-se ao alcance da potencial

consciência da ilicitude, na medida em que tal consciência deve ser alcançada pelos

agentes públicos, como regra”. 8

O art. 8o da lei 8.429/92 prevê, por fim, a transmissibilidade das

sanções derivadas da improbidade administrativa. Estas se limitam aos valores ilicitamente

acrescidos e ao ressarcimento integral do dano. No caso de sucessão mortis causa, os

limites desta responsabilidade encontram-se no valor da herança. Excluem-se as demais

sanções, face ao caráter personalíssimo que possuem.

8 Improbidade Administrativa, p. 117.

8

3.2.- Sujeitos Passivos

Tomamos por sujeitos passivos dos atos de improbidade aquelas

pessoas jurídicas indicadas pela lei e que podem sofrer os efeitos destes atos.

Como a lei 8.429/92 tem por escopo proteger a Administração, na

sua mais larga acepção, sempre que venha a ser alvo de corrupção, favoritismos, má

gestão, malversação dos recursos públicos etc., é curial que o sujeito passivo dos atos de

improbidade deverá coincidir com qualquer pessoa ou entidade que seja nutrida, total ou

parcialmente, por recursos do erário.

Nesta categoria, nos termos da lei, podemos incluir:

a) órgãos da Administração direta;

b) órgãos da Administração indireta;

c) empresa ou entidade para cuja criação o erário haja

concorrido ou concorra com mais de 50% do patrimônio ou da receita anual;

d) empresa ou entidade que receba subvenção, benefício

ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público, bem como daquelas para cuja

criação ou custeio o erário haja concorrido com menos de 50% do patrimônio ou da

receita anual.

Na última hipótese, supra, a sanção patrimonial estará limitada à

repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos. Isto, evidentemente, não

inibe a aplicação das demais sanções de caráter não patrimonial.

IV.- ESPÉCIES DE ATOS DE IMPROBIDADE

ADMINISTRATIVA

As leis 3.164/57 e 3.502/58, precursoras no combate à improbidade

no Brasil, censuravam apenas o enriquecimento ilícito dos agentes públicos. A nova lei

desdobrou a tutela para alcançar, além destes, também os atos que causam prejuízo ao

erário e aqueles que atentem contra os princípios de regência da Administração Pública.

9

Um rol exemplificativo de situações ou condutas acompanha, no texto legal, cada uma das

modalidades de improbidade (arts. 9o, 10 e 11).

4.1.- Atos que importam enriquecimento ilícito

São previstos no art. 9o da lei 8.429/92 e constituem as condutas de

maior gravidade, eis que intimamente relacionadas à corrupção. Caracterizam-se,

sobretudo, por condutas onde se verifica a despreocupação do agente quanto à linha

divisória entre o público e o privado (desvio de interesses). “A censura legal é endereçada

àquele que se aproveita de uma função pública para angariar vantagem a que não faz jus,

por qualquer artifício que venha a empregar (abuso de confiança, excesso de poder,

exploração de prestígio, tráfico de influência etc.)”.9

Toda ação ou omissão, lícita ou ilícita, voltada para a obtenção de

vantagens econômicas (ainda que sob a forma de prestação negativa), no exercício da

função pública, para si ou para outrem, de forma direta ou por interposta pessoa, ainda que

isto não implique em dano patrimonial ao erário, poderá caracterizar esta primeira espécie

de ato de improbidade administrativa.

O dolo do beneficiado apresenta-se, no caso, in re ipsa, ou seja,

emerge da própria conduta e o proveito dele resultante pode ser tanto material como moral

(com ou sem reflexos econômicos).

A lei se refere, exemplificativamente, ao recebimento de dinheiro ou

bens ou outra vantagem econômica, com a finalidade de, no exercício da função pública,

beneficiar alguém. A contrapartida deste benefício indevido pode se concentrar em

providências ou proveitos de naturezas diversas: praticar ou deixar de praticar um ato de

ofício; facilitar a aquisição, permuta ou locação de bens ou serviços por parte da

Administração; facilitar a alienação, permuta ou locação de bem público ou fornecimento

de serviço por ente estatal por preço inferior ao valor de mercado; utilizar máquinas,

equipamentos ou mão de obra de servidores públicos para fins particulares; tolerar a

exploração ou prática de jogos de azar, lenocínio, narcotráfico, contrabando, usura ou outra

atividade ilícita; fazer declaração falsa sobre medição ou avaliação em obra pública ou

9 Martins Júnior, Wallace de Paiva. Obra citada, p. 184, reportando-se a Francisco Bilac Moreira Pinto.

10

outro serviço; intermediar a liberação ou aplicação de verba pública; omitir ato de ofício,

providência ou declaração a que esteja obrigado etc.

Também se enriquece ilicitamente quem incorpora ao seu

patrimônio ou usa, em proveito próprio, bens, rendas, verbas ou valores integrantes do

acervo patrimonial das entidades referidas no art. 1o da lei ou amealha bens cujo valor seja

desproporcional à evolução do patrimônio ou renda que aufere em razão do cargo,

emprego ou função.

Quanto a este último aspecto, a vigilância acerca da evolução

patrimonial do agente é facilitada pela obrigação, também imposta pela lei de improbidade,

de apresentar declaração de bens por ocasião da posse do agente público, ato que deve ser

renovado a cada ano (art. 13 da lei 8.429/92). Há presunção de ilegitimidade do

enriquecimento, na verificação de incremento patrimonial anormal do agente, em face de

suas rendas. O mesmo se pode dizer quanto a outros signos exteriores de riqueza (obtenção

de bens em favor de terceiros, doações, viagens etc.).

O projeto inicial da lei de improbidade previa, expressamente, a

regra de inversão do ônus da prova em tais casos. Caberia ao agente, assim, demonstrar a

licitude das aquisições ou gastos. Tais exigências acabaram sendo extirpadas do texto.

Todavia, a mens legis prevalece sobre a legislatoris, como advertem Antonio Augusto

Mello de Camargo Ferraz e Antonio Herman de Vasconcellos e Benjamin10 e, nesta

medida, a inversão do ônus da prova continua presente. Cabe ao autor da ação tão somente

o dever de demonstrar a discrepância entre rendimentos e evolução patrimonial do agente.

A opinião é compartilhada por Luiz Fabião Guasque 11 e Carlos Alberto Ortiz 12, entre

outros.

4.2.- Atos que causam prejuízo ao erário

São previstos no art. 10 da lei 8.429/92. Percebe-se, aqui, uma

convergência de tutelas do patrimônio público, entre a lei de improbidade e a ação popular.

10 A inversão do ônus da prova na lei da improbidade administrativa – lei nº 8.429/92. Teses aprovadas no X Congresso Nacional do Ministério Público. Cadernos – Temas Institucionais. São Paulo: Associação Paulista do Ministério Público, 1995. 11 A responsabilidade da lei de enriquecimento ilícito. RT 712/359. 12 Cadernos de Direito Constitucional e Eleitoral, Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, v. 28, p. 16.

11

Mister que reste comprovado o comportamento doloso ou culposo

do agente, na esfera civil: vontade de provocar o prejuízo ou não observância de deveres de

cautela próprios da atividade pública.

Esta lesão pode estar suficientemente caracterizada pela perda,

desvio, apropriação, malbaratamento, dilapidação ou qualquer outra conseqüência,

relacionada à conduta do agente, que implique em redução ilícita e indevida de valores

patrimoniais.

A cabeça do dispositivo conceitua o prejuízo material, enquanto os

incisos, de forma exemplificativa, apresentam situações onde ele presumivelmente se

verifica.13 A subsunção da hipótese a um dos incisos, pois, significa a admissão automática

de que prejuízo houve, ainda que as aparências indiquem o contrário. É o que ocorre, com

freqüência, em obras ou serviços contratados sem licitação onde, amiúde, o agente

pretende o afastamento do dever de indenizar sob a alegação de que as condições do

negócio pautaram-se pelos valores de mercado. A frustração da licitude do processo

licitatório ou sua dispensa indevida, porém, são apresentados pela lei como situações de

prejuízo presumido ao erário (inc. VIII do art. 10).

Importante notar que, nesta categoria de ato, o enriquecimento do

agente é irrelevante. Normalmente o que se constata é o enriquecimento de particular, em

detrimento dos interesses do erário. É claro que é possível apontar, em uma mesma

hipótese, também o enriquecimento ilícito do agente, com previsão no art. 9o da lei.

4.3.- Atos que atentam contra os princípios da

Administração Pública

Esta terceira modalidade de atos surge como novidade no sistema

jurídico nacional, enquanto instrumento de repressão à improbidade administrativa.

Trata-se de figura que tem nítido caráter residual em relação às

modalidades anteriores, o que significa dizer que não supõe o enriquecimento ilícito do

agente e nem, tampouco, o prejuízo ao erário.

Importou-se o legislador, neste particular, tão somente com a

inobservância dos princípios que regem a Administração Pública, em especial os deveres

13 De forma semelhante, o art. 4o da lei 4.717/65 (lei da ação popular), arrola hipóteses de atos cujas lesividade ao patrimônio público é presumida.

12

de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições. A estes é possível,

sem vacilo, acrescentar: finalidade, impessoalidade, razoabilidade, proporcionalidade,

igualdade, boa-fé etc., todos eles evidentemente afinados com a questão da probidade na

condução dos interesses administrativos.

Deste modo, a simples violação de um princípio constitucional,

como o da publicidade dos atos oficiais ou da regra do concurso para o acesso a cargos,

empregos ou funções públicos é suficiente para justificar a aplicação do sistema de

sancionamento dos atos de improbidade.

Os atos desta categoria são elencados, também de forma

exemplificativa, no art. 11 da lei especial, voltando-se a preocupação do legislador, de

forma precípua, contra o dano moral gerado pelas condutas. Mas é importante dizer que,

havendo lesão patrimonial decorrente dos mesmos atos, impõe-se o dever de ressarcir

como, aliás, deixa claro o inc. III do art. 12 da lei de improbidade.

V.- SANÇÕES APLICÁVEIS AOS SUJEITOS ATIVOS DOS

ATOS DE IMPROBIDADE

O art. 37, parágrafo 4o da Constituição Federal constitui a base da

jurisdição civil da probidade administração, sem prejuízo das demais tutelas aplicáveis.

A lei 8.429/92, ao regulamentar as sanções cabíveis, explicitou que

elas têm caráter autônomo, admitindo a cumulação com punições de outras esferas (art.

12). São pelo menos três as jurisdições passíveis de responsabilidades e que, a princípio,

atuam com relativa independência: a administrativa, a civil e a penal.

A dimensão das sanções dependerá do enquadramento do ato

praticado, havendo graduação, de maior para menor gravidade, entre aquelas que

sancionam o enriquecimento ilícito do agente, a lesão ao erário ou o mero atentado aos

princípios administrativos. As penalidades são qualitativamente idênticas nos três casos. O

que varia é o aspecto quantitativo ou dimensional.

Estas sanções configuram reparações por danos materiais e morais e

são traduzidas por provimentos jurisdicionais cumuláveis, cujas naturezas são múltiplas:

condenatórias, desconstitutivas e restritivas de direitos.

13

5.1.- Sanções condenatórias

Inserem-se entre as sanções de natureza condenatória, o

ressarcimento do dano, o pagamento de multa civil e a perda dos bens ou valores

ilicitamente acrescidos ao patrimônio do agente público ou de terceiro beneficiado.

a) obrigação de ressarcir o dano

O ressarcimento do dano tem como fundamento o mesmo princípio

que norteia o art. 159 do Código Civil. É previsto logo no art. 5o da lei, que acentua a

obrigatoriedade de sua imposição sempre que ocorrer lesão ao patrimônio público por ação

ou omissão, dolosa ou culposa, do agente ou de terceiro.

Qualquer que seja a espécie de ato de improbidade, a lesão ao

patrimônio público implicará no dever de ressarcimento.14 WALLACE PAIVA MARTINS

JÚNIOR ressalta que, “para tanto, é mister o concurso dos seguintes requisitos: ação ou

omissão dolosa ou culposa, repercussão financeira negativa (resultado) e nexo causal entre

a ação ou omissão e o resultado (inclusive nos casos de benefício indireto)”.15 Nem sempre

ocorre efetivo dano ao erário. Mas é necessário repisar que em alguns casos a lesão

patrimonial é presumida pela própria lei (ex vi legis). A lei da ação popular, por exemplo,

traz no art. 4o diversas situações de lesividade presumida, sendo várias delas repetidas pela

lei 8.429/92. Em outras hipóteses, como a simples infração a princípios administrativos, a

obrigação de reparar o dano pode estar condicionada à prova de efetiva lesão ao erário. De

qualquer forma, ainda que não haja dano comprovado, nada inibe a aplicação das demais

sanções prevista em lei (art. 21, inc. I da lei 8.429/92).

Interessante dizer que não somente o dano material, mas também o

dano moral à Administração deve ser ressarcido. O art. 12 da lei especial refere-se a

ressarcimento integral do dano. Considerando que a finalidade do diploma é, além do

sancionamento dos atos de improbidade, também a tutela do patrimônio material e moral

14 A rigor, este dever de indenizar existe mesmo não sendo caso de improbidade, seguindo o princípio de que aquele que causou dano ao patrimônio público tem o dever de repará-lo. 15 Probidade Administrativa, p. 269.

14

da Administração, é possível a imposição da obrigação de indenizar o dano imaterial

experimentado pela entidade pública.

Também a Administração Pública tem lesados, nos casos de

improbidade, os seus bens jurídicos imensuráveis materialmente, os seus valores ideais,

sobretudo a moralidade (patrimônio moral) e a sua reputação de pessoa jurídica de direito

público. O agente ímprobo denigre a imagem do órgão ou instituição, expondo-o aos olhos

de todos como aparelho orquestrado para a locupletação, lugar de corrupção, núcleo de

malversação do dinheiro do povo. Daí porque, além da indenização material, devem os

responsáveis ser condenados a recompor financeiramente as deformações que provocaram

na imagem da própria Administração Pública.

Comungamos do entendimento de FÁBIO MEDINA OSÓRIO, para

quem a multa civil não é o veículo próprio e adequado para este ressarcimento.16 Defende

o autor, com inteira propriedade: “ouso discordar do entendimento de que a multa civil

basta para reparar o dano moral. Multa civil é conseqüência jurídica certa da improbidade,

sancionamento autônomo que independe da comprovação de dano moral ou material,

prevista a toda e qualquer modalidade de ato ímprobo, ao passo que o dano moral à

entidade lesada, se houver, deve ser reparado à luz dos critérios que têm orientado os

julgadores nessa seara, sem prejuízo da incidência cumulativa da multa civil e, mais ainda,

sem submissão ao prazo prescricional, por força expressa do art. 37, parágrafo 5o, da Carta

de 1.988, aí residindo importância fundamental da norma jurídica em comento, dado que

permite reparação de dano moral independentemente da multa civil. Aqui, visão

sistemática permite tal conclusão, na medida em que a doutrina, de longa data, vem

admitindo reparação de dano moral à pessoa jurídica, o que pode ocorrer com gravidade

em se tratando de determinados atos de improbidade atentatórios aos princípios da

administração pública”. 17

Uma vez apurado, o ressarcimento do dano material deve ser

integral (restitutio in integrum) e, como corolário do ato ilícito, é sanção imprescritível

(art. 37, § 5o, CF). O exame do caso concreto deve revelar se o quantum a ser ressarcido

deve coincidir ou não com os valores sangrados dos cofres públicos. O dano moral por sua

vez, deve ser fixado de acordo com os critérios usuais firmados pelo entendimento

16 A idéia de que a multa civil assume o lugar do ressarcimento por dano moral é defendida, entre outros, por Juarez Freitas (O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais) e Wallace Paiva Martins Junior (Probidade Administrativa). 17 Obra citada, p. 257.

15

pretoriano, assentados sobretudo na discricionariedade do julgador. A cumulatividade

destas indenizações já é pacificamente aceita pelos nossos Tribunais (Súmula 37 do STJ).

Os valores ressarcidos voltarão a integrar os cofres da pessoa

jurídica lesada (art. 18 da lei 8.429/92), não se aplicando ao caso o art. 13 da lei 7.347/85

(recolhimento em favor de um fundo especial para a reparação de interesses difusos

lesados).

b) multa civil

Multa “é prestação pecuniária compulsória instituída em lei ou

contrato, em favor de particular ou do Estado, tendo por causa a prática de um ilícito

(descumprimento de dever legal ou contratual)”. 18

Trata-se, pois, de sanção do tipo pecuniário, que incide sobre o

patrimônio do transgressor. Ensina Osvaldo Aranha Bandeira de Mello que a multa “pode

ter caráter coercitivo ou de reparação civil”. No primeiro caso, cumpre papel de

intimidação, de modo a impedir que o infrator reincida no erro e desobedeça as

determinações ordinatórias. No segundo, compensa o dano presumido pela infração

cometida.19

Para alguns, como dissemos, a multa civil seria destinada a coibir a

afronta ao princípio da moralidade ou probidade administrativa. Para outros, trata-se de

punição independente. De qualquer modo, a multa não está condicionada à comprovação

de enriquecimento ilícito do agente público.

O montante da multa é variável, conforme o ato de improbidade

praticado. Em se tratando de enriquecimento ilícito, a multa civil pode ser fixada em até

três vezes o valor do acréscimo patrimonial. Se a hipótese for de prejuízo ao erário, a multa

pode alcançar até duas vezes o valor do dano. Por fim, se houve apenas infração aos

princípios administrativos, pode ser dosada em até cem vezes o valor da remuneração

percebida pelo agente.

18 Coelho, Sacha Calmon Navarro. Teoria e Prática das Multas Tributárias, Rio de Janeiro, Forense, 1992, p. 41. 19 Infrações e Sanções Administrativas, São Paulo, Ed. RT, 1985, p. 86.

16

c) perda de bens ou valores

Se o agente ou terceiro conseguiu incrementar o seu patrimônio à

custa de infrações à lei, justo é que se lhe decrete a perda destes bens ou valores que,

afinal, representam aquisições efetuadas direta ou indiretamente com o dinheiro público.

O texto constitucional contempla a perda de bens como penalidade,

observado o devido processo legal (art. 5o, incs. XLV, XLVI e LIV), tratando-se de ato

distinto do confisco.

Alguns criticam a previsão sancionatória sob a alegação de que não

foi albergada pelo texto constitucional, especificamente como conseqüência dos atos de

improbidade. MARINO PAZZAGLINI FILHO e outros lembram, com inteira propriedade,

que se o constituinte previu a possibilidade de se declarar indisponíveis os bens em casos

de improbidade, “foi, precisamente, no intuito de se impor ao autor da ilicitude a perda de

tais bens, ou seja, como antecedente lógico e necessário do perdimento, como remédio

predisposto à restauração da integridade do erário”.20

A perda, assim, incide sobre o proveito patrimonial experimentado e

é obrigatória nos casos de enriquecimento ilícito (arts. 6o, 9o e 12, I). Nos casos de prejuízo

ao erário, é condicionada à existência desta circunstância.

A Administração lesada tem, a par da indenização pelos danos que

sofreu, também o direito à restituição dos bens retirados de seu patrimônio pelo agente. Os

bens perdidos reverterão em prol da pessoa jurídica lesada pelo ilícito (art. 18, da lei de

improbidade).

5.2.- Sanção desconstitutiva

A lei 8.429/92 prevê como sanção desconstitutiva a perda da função

pública.

A penalidade tem aplicação em todas as espécies de improbidade e

atinge o agente seja qual for a natureza do vínculo que o prende ao Estado. É evidente que

não alcança o terceiro, estranho aos quadros da Administração, e nem tem aplicação ao

20 Improbidade Administrativa, p. 133-4.

17

agente que, por qualquer outro motivo (decisão administrativa, exoneração, fim de

mandato etc.), deixou de exercer a função pública.

Por outro lado, não há necessidade de correspondência entre o cargo,

emprego ou função ocupado por ocasião da prática do ato de improbidade e aquele

eventualmente exercido pelo agente no momento de execução da sentença condenatória.

Ainda que venha exercendo cargo diverso, na mesma ou em outra esfera de governo, será

alcançado pela sanção.

Busca-se, com isso, extirpar da vida pública o elemento

declaradamente pernicioso, que tenha agido com infração aos deveres funcionais e éticos.

Nesta linha, pouco importa qual seja o cargo na atualidade da sentença executória, até

porque a lei não faz referência a perda do cargo usado para a prática ilícita, mas refere-se,

genericamente, à perda da função pública. Se praticou o ato, v.g., no exercício da vereança,

mas enfrentou a sentença definitiva quando já havia sido eleito prefeito municipal, perderá

este último cargo, devendo ter aplicação os mecanismos constitucionais de sucessão.

Questão interessante diz respeito ao agente que, por ocasião do

trânsito em julgado da sentença condenatória já estiver em gozo de aposentadoria.

Entendemos que, nesta hipótese, a sanção não poderá surtir efeitos retroativos. Não

remanesce o exercício de função pública e o vínculo anteriormente existente se desfacelou

com a aposentação. A sentença, no caso, não tem efeito meramente declaratório, mas

condenatório. Assim como não se cogita em impor a sanção de perda da função a quem se

desvinculou da Administração Pública por outros motivos, não faz sentido desconstituir o

ato que passou o agente à inatividade. A única hipótese em que isto nos parece possível é

aquela em que o ato de improbidade está estritamente vinculado com o próprio benefício

da aposentadoria. O proveito, neste caso, decorreu diretamente do ato ilícito, podendo ser

anulado pela decisão judicial.

Há quem pense de modo diverso. WALLACE MARTINS PAIVA

JÚNIOR entende que “a improbidade praticada na atividade era causa que impunha a

desvinculação compulsória, motivo pelo qual a sentença anula a aposentação e aplica-lhe a

perda da função pública”. 21 Com todo respeito que o autor merece, a improbidade

somente poderia impor a desvinculação a partir do trânsito em julgado da sentença

condenatória, como expressamente dispõe o art. 20 da lei 8.429/92. A inatividade do

21 Obra citada, p. 277.

18

agente estabeleceu situação de fato que torna inaplicável a perda da função, embora

potencialmente viável a imposição das demais sanções.

Poder-se-ia dizer, com razão, que a inabilitação moral, como

condição personalíssima, acompanha o agente mesmo depois de aposentado. Sim, como

acompanha também o agente político ímprobo que já não mais exerce cargo público

eletivo e nem mantém outro vínculo ativo qualquer com a Administração. Nem por isso se

torna possível a aplicação da perda da função, por óbice elementar: não mais há função a

ser perdida. O benefício da aposentadoria é benefício complexo, obtido a partir da

satisfação de um conjunto de requisitos legais. Mas é certo que, a partir de sua concessão,

o agente desgarra-se da Administração concessora, em termos funcionais. E se não há o

exercício de função pública, não pode haver a aplicação da sanção em comento.

Quanto ao Chefe do Executivo Federal, a doutrina majoritariamente

não o isenta da submissão à lei de improbidade e suas sanções. Entende-se, porém, que se

mostram a ele inaplicáveis as sanções de perda da função e suspensão dos direitos

políticos, tendo em conta a existência de mecanismo constitucional político-administrativo

especial para a imposição de tais penas.22

Por oportuno, vale anotar que o afastamento do cargo ou função

pública, por medida liminar, antes do trânsito em julgado de decisão condenatória,

somente se mostra viável se a medida for inquestionavelmente necessária à instrução

processual, ao bom desenvolvimento das investigações voltadas à apuração do ato de

improbidade, nos termos do que dispõe o art. 20, parágrafo único da lei anticorrupção.

Por fim, mister acrescentar que a combinação da perda da função

com sanções restritivas de direitos (estudadas a seguir) obsta que o agente público seja

imediatamente alçado a outro cargo, emprego ou função na Administração Pública, ainda

que através de nomeação ou pleito eleitoral.

5.3.- Sanções restritivas de direitos

Inserem-se entre as sanções restritivas de direitos, a suspensão dos

direitos políticos, a proibição de contratar com o poder público e a proibição de receber

dele benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios.

22 Wallace Paiva Martins Jr. não concorda com esta restrição, afirmando que não há exclusividade ou privatividade à instância político-administrativa, no caso do Presidente (obra citada, p. 279).

19

a) Suspensão dos direitos políticos

O resgate da moralidade também alcança os direitos políticos dos

sujeitos ativos dos atos de improbidade.

A excepcionalidade da perda ou suspensão de direitos políticos tem

apoio no texto Constitucional (art. 15). Mas é justamente a prática de improbidade

administrativa uma das situações contempladas na Carta Magna, como suficiente para a

sua imposição (inc. V).

A sanção retira temporariamente do agente os seus direitos políticos

positivos e negativos, tolhendo-lhe não só a elegibilidade, como também a capacidade

política para o exercício de qualquer outra função pública. É de se observar que os cargos,

empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos

estabelecidos em lei (art. 37, inc. I, CF), sendo o gozo dos direitos políticos requisito

essencial para tanto.

A sanção somente tem aplicação às pessoas físicas. Na hipótese de

ato de improbidade que tenha contado com a participação de pessoa jurídica, a perda dos

direitos políticos somente atingirá o comando societário da empresa ou entidade, se

declarada judicialmente a desconstituição de sua personalidade jurídica.

A suspensão atinge o agente ou terceiros independentemente da

situação funcional em que se encontrem na atualidade da sentença executória.

O tempo de duração desta inabilitação varia, conforme a

classificação do ato de improbidade. O legislador, de forma graduada similar à adotada

para a multa civil, traçou os parâmetros para aplicação da penalidade: será de oito a dez

anos, para os casos de enriquecimento ilícito; de cinco a oito anos para a hipótese de

prejuízo ao erário e de três a cinco anos, para os casos de descumprimento dos princípios

da administração pública (cf. art. 12 da lei 8.429/92). Ao juiz incumbe a dosimetria da

sanção, levando em conta as conseqüências dos atos praticados.

A sanção civil independe da jurisdição eleitoral ou política, embora

a mesmas conseqüências possam decorrer da implementação dos mecanismos de outras

esferas (inclusive a penal, conforme prevê o art. 15, inc. III, da CF). A suspensão somente

poderá ser efetivada após o trânsito em julgado da decisão condenatória, cabendo ao juiz

do feito efetuar as devidas comunicações à Justiça Eleitoral, a quem cabe o ato derivado do

cancelamento de eventual inscrição e/ou a exclusão do cidadão do rol dos eleitores.

20

b) Proibição de contratar com o poder público

As restrições de direitos atingem a liberdade econômica, negocial,

das pessoas condenadas por improbidade administrativa. Uma vez condenados, os agentes

ou as pessoas jurídicas envolvidas perdem temporariamente o direito de entabular qualquer

tipo de contrato com a Administração Pública, em todos os níveis.

No que concerne à pessoa física, a limitação afasta a possibilidade

de qualquer vínculo laboral (firmado em contrato de trabalho) ou de prestação de serviço

às pessoas jurídicas de direito público. Também as pessoas jurídicas que contem, em seus

quadros societários, com o agente ímprobo, serão atingidas. Neste ponto, o texto legal

ainda deixa explícito que a limitação será aplicada ainda que o agente seja o sócio

majoritário da empresa ou entidade. Para acentuar a gravidade da sanção, melhor seria que

o legislador tivesse se referido ao sócio minoritário. De qualquer modo, não sendo

admissível sequer a contratação por via indireta, parece-nos que seja qual for a participação

do agente nos negócios da empresa, a regra terá aplicação.

A pessoa jurídica co-responsável pelo ato de improbidade ou

ilicitamente beneficiada, igualmente, estará impedida de tomar parte de procedimentos

licitatórios (cuja teleologia é justamente a contratação) ou firmar negócios com o poder

público.

A lei de improbidade estabelece prazo certo para tanto, tolhendo a

possibilidade de graduação pelo Judiciário no momento da aplicação da sanção. Caberá ao

sentenciante, ao dispor acerca da espécie sancionatória, fixar para a limitação o prazo de

dez, cinco ou três anos, de acordo com a classificação do ato de improbidade

(respectivamente, aqueles capitulados nos arts. 9o, 10 e 11 da lei 8.429/92).

Tais prazos, embora previstos no final de cada um dos incisos do art.

12 da referida lei, após a referência da proibição de receber benefícios extrafiscais do

poder público, tem aplicação também à limitação do poder de contratar, o que pode ser

inferido pela partícula alternativa “ou” ligando as duas formas de limitação.23

A lei veda a contratação direta ou indireta, daí porque também

abrange os casos de sucessão societária, consórcios etc. A ressalva é importante, pois não

é improvável que, uma vez alvejada pela restrição decorrente de ato de improbidade de um

23 Não parece ser esta a interpretação de Marcelo Figueiredo, para quem o legislador não fixou prazo para a sanção (obra citada, p. 124).

21

dos sócios, seja desde logo providenciada a sua exclusão ou sucessão dentro do quadro

societário, como forma de burlar a condenação. No mesmo passo, as empresas familiares

sofrerão o peso da sanção, ainda que atuem em nome da esposa ou de filhos do condenado.

Finalmente, havendo declaração de desconstituição da personalidade

jurídica, os sócios serão diretamente atingidos.

c) proibição de receber benefícios públicos, incentivos fiscais ou

creditícios

As exigências da economia globalizada e a busca frenética por novas

fontes de receita têm levado a Administração Pública de todos os níveis, inclusive a União,

à oferta desmedida de incentivos em favor de pessoas jurídicas de direito privado,

fornecendo-lhes meios materiais de instalação em seus respectivos territórios (terrenos,

água, energia, telecomunicações, transportes, equipamentos urbanos, mão-de-obra

qualificada, serviços de terraplanagem, construção de estradas de acesso etc.), quer

outorgando-lhes isenções tributárias por longo lapso de tempo.

A intervenção do Estado na economia, anatematizada pelo

liberalismo dos séculos XVIII e XIX, foi tomada em seu aspecto positivo, na geração de

riquezas a partir da injeção de recursos públicos, direta ou indiretamente, no mercado.

Os incentivos fiscais situam-se no campo da extrafiscalidade,

canalizando instrumentos de tributação não em prol do erário, mas em favor da iniciativa

privada. São estes os benefícios dos quais os agentes ímprobos ou as empresas das quais

participam estarão alijados. Em se tratando de benefício de fruição continuada, as benesses

cessarão a partir da definitividade da sentença condenatória.

Os prazos da limitação são os mesmos referidos no item anterior.

Também valem aqui, pela similaridade, as observações que pontuamos quanto às possíveis

manobras para se furtar do alcance da sanção.

5.4.- Das sanções previstas na lei de improbidade e não referidas

no art. 37, parágrafo 4o, da Constituição Federal

Dispondo sobre as conseqüências dos atos de improbidade

administrativa, prevê o art. 37, parágrafo 4o, do texto constitucional, que eles importarão

22

em suspensão dos direitos políticos, perda da função pública, indisponibilidade dos bens e

ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal

cabível.

Alguns, então, passaram a criticar o fato da lei de improbidade haver

acrescentado outras sanções, como a multa civil, a proibição de contratar com o poder

público e de receber benefícios e incentivos do erário. Tomaram-nas como

inconstitucionais, afirmando que o legislador ordinário avolumou indevidamente o acervo

sancionatório, exasperando as conseqüências do ato, além daquilo que foi pretendido pelo

constituinte.

A crítica não prospera. Trata-se de norma formalmente

constitucional que remete ao legislador a tarefa de adequadamente sancionar o ato ilícito.

Tal missão, aliás, não é e nunca foi do texto constitucional. As conseqüências apontadas no

texto maior são exemplificativas, tomadas entre as mais importantes. Não houve

preocupação em se esgotar o rol de sanções, nada impedindo que a ampliação se efetivasse,

com obediência às garantias capituladas no art. 5o. O legislador infraconstitucional teve

liberdade para definir os casos de improbidade, classificá-los, estipular os limites de cada

sanção e não poderia deixar de contemplar qualquer uma das reprimendas apontadas no

texto constitucional. Respeitando os diques maiores dos direitos e garantias, poderia, como

fez, dilargar o rol de sanções, no exercício de tarefa que precipuamente lhe cabe. Assim,

não teria sentido, por exemplo, que estipulasse a pena de banimento do agente ímprobo ou

lhe obrigasse a realização de trabalhos forçados, ou, ainda, transferisse a suspensão de

direitos aos sucessores do condenado. Esbarraria nas imposições dos incs. XLV, XLVI e

XLVII do art. 5o do texto maior. Contudo, as sanções que acrescentou têm, unanimemente,

guarida nas hipóteses constitucionais e, logo, não podem ser taxadas de excessivas.

5.5.- Dosimetria das sanções.

Após elencar as sanções cabíveis nas hipóteses de atos de

improbidade, o parágrafo único do art. 12 da lei 9.429/92 proclama que a fixação das penas

exige do magistrado a consideração acerca da extensão do dano causado e do proveito

patrimonial obtido pelo agente.

Os parâmetros referidos pelo legislador são exemplificativos. É

curial que o juiz leve em conta o grau de reprovabilidade da conduta, as repercussões

23

internas e externas do ato, a ofensa aos direitos de terceiros, eventual conduta culposa do

agente etc.

O juiz terá a missão de elaborar o conteúdo sancionatório a partir de

duas etapas. A primeira, escolhendo quais as sanções que entende aplicáveis ao caso (vide

item seguinte). A segunda, dosando aquelas sanções cominadas a partir de limites mínimos

e máximos, sempre sem perder de vista o efetivo cumprimento das finalidades da lei:

punir, prevenir e indenizar.

Assim, poderá dosar a indenização por dano moral, o quantum da

multa civil, a duração da suspensão dos direitos políticos. Mas, admitindo a existência de

dano material, não poderá relevá-lo em parte ou decretar a perda parcial de bens os valores

ilicitamente adquiridos. Na imposição da sanção de limitação do poder de contratar ou de

receber benefícios fiscais, também não terá, como vimos, a oportunidade de dosar a

duração da medida. A única diferenciação, neste caso, foi feita pelo próprio legislador,

tomando por base as modalidades dos atos ilícitos praticados.

5.6.- Cumulatividade das sanções

Muito se discute na doutrina acerca da cumulatividade ou

alternatividade das sanções previstas pela lei. Em outras palavras: julgada procedente a

ação proposta para a repressão do atos de improbidade, o juiz deverá aplicar as sanções em

bloco ou, fazendo uso da discricionariedade, poderá escolher aquelas que lhe parecem mais

bem ajustadas às finalidades do diploma legislativo ?

A lei silenciou a respeito e a doutrina é francamente dividida.

MARCELO FIGUEIREDO pondera: “(...) é de se afastar a

possibilidade da aplicação conjunta de penas em bloco, obrigatoriamente. É dizer, há

margem de manobra para o juiz, de acordo com o caso concreto, aplicar as penas, dentre as

cominadas, isolada ou cumulativamente. (...) Tudo dependerá da análise da conduta do

agente público que praticou ato de improbidade em suas variadas formas”. 24

FÁBIO MEDINA OSÓRIO, em extensas considerações acerca do

princípio da proporcionalidade, também parece defender, ainda que excepcionalmente, a

24 Obra citada, p. 114.

24

possibilidade da aplicação diferenciada das sanções, sem a cega imposição do conjunto

apresentado pela lei. Mas adverte “que tratar do princípio da proporcionalidade, ainda que

implique mergulho em universo bastante indeterminado de conceitos e até valores, não

pode traduzir arbítrio judicial.(...) No terreno hermenêutico, o reconhecimento de valores

constitucionais não implica adesão a uma idéia desenfreada de subjetivismo e relativismo

axiológicos, os quais já foram corretamente criticados na filosofia, mas uma inarredável

postura estimativa diante da ordem jurídica e social vigente”. Conclui que “a improbidade

traduz conseqüências jurídicas diretamente previstas em norma constitucional, donde a não

incidência dessas sanções deve, rigorosamente, ser considerada apenas em casos

excepcionais, considerando-se como uma cláusula implícita na própria norma do art. 37,

parágrafo 4o, da Carta Constitucional de 1.988. Aos juízes descabe abusar ou utilizar

arbitrariamente do princípio da proporcionalidade constitucional”.25 É verdade que o

mesmo autor, em publicação posterior, declinou posicionamento mais radical: “a regra,

como se sabe, é a imposição cumulativa das sanções, para o rigor protetivo da combalida

probidade administrativa, estando a gradação prevista na lei, sem discricionariedade

judicial na aplicação das sanções, razão pela qual não é lícito excluir qualquer uma delas

ou fixar as variáveis aquém do mínimo e, é lógico, além, do máximo”.26

JUAREZ DE FREITAS, administrativista gaúcho, defende a

alternatividade das sanções, mais recomenda rigor máximo nas hipóteses dos atos de

improbidade de gravidade mais acentuada: “as sanções não reclamam sempre a aplicação

conjunta, até para que se alcance a moderação pretendida, apta a escoimar do texto legal o

seu vezo draconiano. Entretanto, para não desprestigiar o sistema jurídico, em se

defrontando o julgador com enriquecimento ilícito – a mais torpe das espécies de

improbidade administrativa -, deve sempre, tendo em vista o alto apreço teleológico pelo

princípio normatizado, aplicar as sanções na sua totalidade”.27

WALLACE PAIVA MARTINS JUNIOR entende que as sanções do

art. 12 são cumulativas, não se podendo cogitar em alternatividade, vez que a lei não

estabeleceu critérios para tanto. “As sanções são cumulativas justamente para censurar

25 Obra citada, p. 276-278. 26 As sanções da lei 8.429/92 aos atos de improbidade administrativa, RT, São Paulo:Revista dos Tribunais, 766:89-91, ago. 1999. 27 Do princípio da probidade administrativa e de sua máxima efetivação, RDA 204/65 e s.

25

gravemente a improbidade administrativa, agindo nos mais diversos sentidos e direções de

relacionamento do agente público com a Administração Pública e o particular que se

aproveita do art. 3o. O campo discricionário do juiz está limitado ao prazo e à base de

cálculo inerentes às sanções variáveis (pagamento de multa civil, suspensão dos direitos

políticos e proibição de contratar com o Poder Público ou de receber incentivos e

benefícios fiscais ou creditícios) previstas no art. 12, que têm dosimetria orientada pelos

critérios da extensão do dano e do proveito patrimonial obtido, expressos no parágrafo

único”.28

Na mesma esteira, adverte ARISTIDES JUNQUEIRA

ALVARENGA: “não se há de cogitar de proporcionalidade ou razoabilidade na aplicação

das sanções previstas na aludida norma constitucional quanto à natureza delas, mas

somente quanto à sua quantidade”.29

Embora entendamos que a proporcionalidade deva ser avaliada antes

da propositura da ação de improbidade (sob pena de se crivar, com a esmagadora força

sancionatória, atos insignificantes que, no rigor formal, caracterizam uma das hipóteses

trazidas pela lei)30, afigura-se-nos mais correta a corrente que apóia a cumulatividade das

sanções. Com efeito, a própria lei já se encarregou em distribuir nos incisos do art. 12 a

calibragem devida, levando em conta cada tipo de sanção e a escala de gravidade interna

que possuem. O afastamento de uma ou mais das penalidades só tem cabimento se o

magistrado fundamentar, de forma inequívoca, a inaplicabilidade da sanção ao caso (por

exemplo, a não imposição do dever de ressarcir em face de providência espontânea e

suficiente adotada pelo agente, em momento anterior; a inexistência de lesão patrimonial; a

inexistência de bens ou valores as serem perdidos etc.).

28 Obra citada, p. 263. 29 Reflexões sobre improbidade administrativa no direito brasileiro. In: Improbidade Administrativa: questões polêmicas e atuais, p. 92. 30 Osório lembra, por exemplo, que a simples utilização de uma folha de papel timbrado, para fins particulares, significaria, a rigor, um ato de improbidade. É evidente que, dentro de um sistema que não afasta a proporcionalidade da conduta, tal ato jamais poderia justificar o ajuizamento de uma ação, com base na lei 8.429/92.

26

VI.- INSTRUMENTOS PROCESSUAIS DE COMBATE À

IMPROBIDADE

O rígido sistema de sancionamento do ato de improbidade não

prescinde do devido processo legal.

Ao Poder Judiciário cabe analisar os atos praticados, reconhecer a

sua dimensão e as suas conseqüências e aplicar as sanções cabíveis.

O primeiro instrumento vocacionado para o cumprimento deste

desiderato é a ação civil pública, consoante se pode inferir dos arts. 17 e 18 do diploma

especial. Isto porque, conforme pontuado anteriormente, a lei 8.429/92 dispõe sobre a

tutela jurisdicional civil da probidade administrativa, sem prejuízo do acionamento dos

demais mecanismos de repressão, como aqueles da seara penal. Trata-se de instrumento

que compõe o rol das ações civis constitucionais.

Há quem defenda que a ação civil pública não se confunde com

aquela referida pela lei de improbidade. É a opinião, por exemplo, de Marcelo Figueiredo,

conforme observação de João Batista de Almeida31 e recente publicação.32 Com o devido

respeito, esquece-se que o designativo “pública” nada mais é que denominação conferida

às ações coletivas, tendentes à defesa de interesses meta-individuais. Com efeito, sendo a

probidade administrativa um valor de dimensão transindividual, indivisível, enquadra-se

entre os direitos difusos.

É de se concluir que a “ação de improbidade”, enquanto nome

conferido pelos doutrinadores em comentário ao art. 17 da lei 8.429/92, nada mais é que

modalidade do gênero “ação civil pública”, cuja ordinarização procedimental é fixada pela

lei 7.347/85.

É bom lembrar que este último diploma teve o seu alcance ampliado

pelo art. 83 da lei 8078/90, passando a permitir não somente o pleito de provimentos de

natureza condenatória, como também aqueles de natureza declaratória ou constitutiva.

31 Aspectos Controvertidos da ação civil pública, p. 59-61. 32 Ação de improbidade administrativa, suas peculiaridades e inovações. In: Improbidade Administrativa: questões polêmicas e atuais, p. 287.

27

A indenização obtida através deste tipo de ação, na hipótese de

improbidade, porém, não se encaminha ao fundo de que trata o art. 13 da lei 7.347/85, ante

a regra especial do art. 18 da lei 8.429/92, que determina a reversão dos bens ou valores em

favor da pessoa jurídica prejudicada pelo ilícito. A regra de competência a ser observada

para o ajuizamento da ação também não é aquela apontada pela lei 7.347/85 (local do

dano). Será definida pela sede da pessoa jurídica de direito público ou privado, lesada pelo

ato.

Os legitimados ativos são indicados pelo art. 17 da lei de

improbidade: o Ministério Público ou a pessoa jurídica interessada. Trata-se de

legitimidade ativa concorrente, sendo obrigatória a participação do Parquet no feito, ainda

que não seja o autor da demanda. Sendo a ação proposta pelo Ministério Público, a pessoa

jurídica interessada será citada para integrar a lide na qualidade de litisconsorte.

A ação proposta pelo Ministério Público pode ser antecedida da

instauração de inquérito civil, instrumento voltado justamente para a apuração integral dos

atos, evitando o ajuizamento de lides temerárias.

A lei não prevê a possibilidade do ajuizamento da ação de

improbidade por associações (através da ação civil pública) ou pelo cidadão, via ação

popular, o que deve ser encarado como franco retrocesso do legislador. Embora o cidadão

possa questionar em Juízo os atos afrontosos à moralidade administrativa, acabou alijado

da possibilidade de exigir a imposição das sanções previstas na lei de improbidade. De

qualquer modo, o tema exigirá amadurecimento da doutrina e da jurisprudência, até porque

a probidade é espécie contida no gênero moralidade.

Ainda entre os instrumentos alinhados no combate à corrupção

merecem especial referência as ações cautelares, sobretudo as de indisponibilidade e

seqüestro de bens e quebra de sigilo bancário ou fiscal. Tem-se admitido, todavia, que tais

pretensões sejam deduzidas no bojo da ação principal, seguindo o rito mais amplo e

protetivo da ação civil pública.

Por fim, é de se lembrar a possibilidade de afastamento liminar do

agente público de seu cargo, como providência a ser requerida na ação principal. Trata-se,

é claro, de medida excepcional que somente pode ter lugar ante a existência de indícios de

que a manutenção das funções, por parte do requerido na ação, possa perturbar a coleta de

provas e o normal desenvolvimento da instrução processual.

28

VII.- CONCLUSÃO

A prática de atos de improbidade gera a responsabilização civil do

agente público ou de terceiros que tenham participado ou, de qualquer forma, angariado

benefícios pela prática ilícita.

A preocupação do constituinte com a questão da cultura de

corrupção crescente nos últimos séculos, engendrou um diploma estruturado em medidas

severas de combate à improbidade, que somente resultará em efetivo proveito a partir da

atuação consciente e incansável do Ministério Público e da sensibilidade e coragem do

Poder Judiciário.

Qualquer pessoa que vive em sociedade, em especial o homem

público, na medida em que dirija seus passos no sentido no locupletamento pessoal, do

tratamento da coisa pública em função dos próprios interesses, do descumprimento dos

princípios constitucionais e do sistema normativo, na senda do desvio ético, deve ser

chamada à responsabilidade, penalizada não só material, mas também moralmente. O

banimento temporário da vida pública ou das negociações com o poder público afigura-se,

no contexto das sanções, como medida eficaz e intimidadora, mas é preciso também

alcançar o patrimônio daqueles que, direta ou indiretamente, fizeram dos esforços de todos

um lugar de injustificáveis privilégios.

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