responsabilidade civil por abandono afetivo na …siaibib01.univali.br/pdf/camila nogaroli.pdf ·...

86
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS – CEJURPS CURSO DE DIREITO RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA FILIAÇÃO CAMILA NOGAROLI Itajaí (SC), novembro de 2009

Upload: doanxuyen

Post on 16-Dec-2018

213 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS – CEJURPS CURSO DE DIREITO

RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA FILIAÇÃO

CAMILA NOGAROLI

Itajaí (SC), novembro de 2009

Page 2: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS – CEJURPS CURSO DE DIREITO

RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA FILIAÇÃO

CAMILA NOGAROLI

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel

em Direito.

Orientador: Professora MSc. Fernanda Sell de Souto Goullart Fernandes

Itajaí (SC), novembro de 2009.

Page 3: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

2

AGRADECIMENTO

Inicialmente, agradeço a minha mãe, de quem busco inspiração para cada dia de estudo, que me traz

sempre com um olhar ou uma palavra, a vontade de continuar buscando conhecimento a cada dia.

Agradeço aos meus demais familiares pela paciência e dedicação enquanto elaborei este

trabalho.

Agradeço ainda, minha orientadora Fernanda, pela atenção dedicada na elaboração do presente

trabalho.

Também agradeço à amiga Karine, pela ajuda, disposição e carinho de sempre, mesmo nessa curta

jornada de amizade.

Enfim, agradeço à todos, que de alguma forma contribuíram para a realização deste sonho.

De modo que neste momento, digo com muito amor, obrigada.

Page 4: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

3

“Sonhar o sonho impossível;

Sofrer a angustia implacável;

Pisar onde os bravos não ousam;

Reparar o mal irreparável;

Amar um amor casto à distância;

Enfrentar o inimigo invencível;

Tentar quando as forças se esvaem;

Alcançar a estrela inatingível.

Essa é a minha busca.”

Page 5: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

4

DEDICATÓRIA

Dedico aos meus familiares e amigos que em nenhum momento da minha vida deixam de ser meu

porto seguro.

Page 6: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

5

TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total

responsabilidade pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a

Universidade do Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca

Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Itajaí (SC), novembro de 2009.

Camila Nogaroli Graduanda

Page 7: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

6

PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da

Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Camila

Nogaroli, sob o título Responsabilidade Civil por Abandono Afetivo na Filiação,

foi submetida em 16 de novembro de 2009 à banca examinadora composta pelos

seguintes professores: Msc.Fernanda Sell de Souto Gourlat Fernandes (Orientadora

e Presidente da Banca), Profª. Queila Jaqueline Nunes Martins (Examinadora) e

aprovada com a nota _____ (_________________).

Itajaí (SC), novembro de 2009.

Profª. MSc.Fernada Sell de Souto Gourlat Fernandes Orientadora e Presidente da Banca

Profª. Queila Jaqueline Nunes Martins Examinadora da Banca

Page 8: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

7

ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ed. Edição

In verbis Literalmente

MSc. Mestre

n.º Número

p. Página

RT Revista dos Tribunais

STF Supremo Tribunal Federal

v. Volume

Page 9: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

8

ROL DE CATEGORIAS

Afeto

É o elemento constitutivo dos vínculos familiares. A busca da felicidade, a

supremacia do amor, a solidariedade social ensejam o reconhecimento do afeto

como o modo mais plausível para a definição de família1.

Culpa

É a palavra relativa às faltas no direito civil, que não são crimes. A doutrina distingue

a culpa lata, leve, levíssima. Culpa lata, ou grave ou grande: reputa igual ao dolo, é

a falta com intenção de faltar, ou negligência imprópria do comum dos homens.

Culpa leve: É a falta evitável com atenção ordinária. Culpa levíssima: É a falta só

evitável com atenção extraordinária, ou por especial habilidade, e conhecimento

singular2.

Dano

Significa todo mal ou ofensa que uma pessoa tenha causado a outrem da qual

possa resultar uma deterioração ou destruição à coisa dele ou um prejuízo ao seu

patrimônio3.

Dano moral

A privação ou diminuição daqueles bens que têm um valor precípuo na vida do

homem, e que são a paz, a tranquilidade de espírito, a liberdade individual, a

integridade física, a honra e os demais sagrados afetos4.

Direito de Família

Ramo do Direito Civil atinente às relações entre pessoas unidas pelo matrimonio,

pela união estável ou pelo parentesco e aos ramos complementares do direito

protetivo e assistencial, pois tanto a curatela com a tutela embora não se originem

1 CALHEIRA, Luana Silva. Os princípios do direito de família na Constituição Federal de 1988 e a importância aplicada do afeto: O afeto é juridicizado através dos princípios? Boletim jurídico, Uberaba/MG, a. 5, nº 229. 2 FREITAS, Augusto Teixeira. Vocabulário Jurídico. São Paulo: Saraiva, 1983. p. 38. 3 WALD, Arnoldo. Obrigações e contratos. 17ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 17 4 CAHALI, Yussef Said. Danos morais. 3 ed. São Paulo: Revista dos tribunais, 2005. p. 22.

Page 10: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

9

das relações familiares, por sua finalidade, possuem conexão com o Direito de

Família5.

Dano patrimonial

É o dano que atinge o patrimônio do ofendido6.

Dolo

Ato consciente com que alguém induz, mantém ou confirma outrem em erro, má-fé,

logro, fraude, astúcia, maquinação7.

Nexo causal

Relação existente entre a causa e a consequencia de uma conduta tipificada pela

norma jurídica8.

Responsabilidade civil

É a reparação do dano causado a outrem, em decorrência de obrigação assumida

ou por inobservância de norma jurídica9.

Responsabilidade contratual

A responsabilidade contratual tem como dever legal o inadimplemento da obrigação

contratada anteriormente pelo agente ativo e pelo agente passivo da obrigação, na

hipótese de responsabilidade contratual, antes de a obrigação de indenizar emergir,

existe entre o inadimplente e seu co-contratante, um vínculo jurídico derivado de

convenção10.

Responsabilidade extracontratual

A obrigação de reparar o dano não está relacionada à existência anterior de um

contrato e ao descumprimento culposo de uma obrigação por ele gerada. Origina-se, 5 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. 19 ed. de acordo com o novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10-1-2002 e o Projeto de Lei n. 6.960/2002. – São Paulo: Saraiva, 2004. p. 7. 6 CAHALI, Yussef Said.´Danos morais. p. 21. 7 DE PAULO, Antônio. Pequeno dicionário jurídico. Rio de Janeiro: DP&A, 2002. p. 114. 8 DE PAULO, Antônio. Pequeno dicionário jurídico. p. 213. 9 GUIMARÂES, Deocleciano Torrieri. Dicionário jurídico. 8 ed. São Paulo: Rideel, 2005. p. 180. 10 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: responsabilidade civil. 20. ed. v. 4. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 9.

Page 11: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

10

outrossim, de um comportamento genericamente tratado pelo ordenamento

jurídico11.

Responsabilidade objetiva

A atividade que gerou o dano é lícita, mas causou perigo a outrem, de modo que

aquele que a exerce, por ter a obrigação de velar para que ela não resulte prejuízo,

terá o dever ressarcitório, pelo simples implemento do nexo causal. A vítima deverá

pura e simplesmente demonstrar o nexo de causalidade entre o dano e a ação que

produziu. Nela não se cogita de responsabilidade indireta, de sorte que reparará o

dano o agente ou a empresa exploradora, havendo tendência de solicitação dos

riscos12.

Responsabilidade subjetiva

É decorrente de dano causado em função de ato doloso ou culposo. Esta culpa, por

ter natureza civil, se caracterizará quando o agente causador do dano atuar com

negligência ou imprudência13.

Teoria do risco

O perigo da atividade do causador do dano por sua natureza, dos meios adotados14.

11 SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. Direito civil: responsabilidade civil. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 24. 12 DINIZ. Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 21 ed. v. 7. São Paulo: Saraiva 2007. p. 54. 13 GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de direito civil. 5 ed. v.3. São Paulo: Saraiva 2007. p. 13. 14 VENOSA, Silvio de Salvo. Responsabilidade civil. 7 ed. v 4. São Paulo: Atlas, 2007. p. 9.

Page 12: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

11

SUMÁRIO

RESUMO ............................................................................................. 14

INTRODUÇÃO .................................................................................... 15

CAPÍTULO 1

DA FAMÍLIA ........................................................................................ 17

1.1 CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS ......................................................... 17 1.2 CONCEITO..................................................................................................... 19 1.3 EVOLUÇÃO HISTÓRICA............................................................................... 21 1.4 ESPÉCIES DE FAMÍLIA ................................................................................ 26 1.5 PRINCÍPIOS BASILARES AO DIREITO DE FAMÍLIA .................................. 28

1.5.1 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ................................................ 29

1.5.2 PRINCÍPIO DA “RATIO” DO MATRIMÔNIO E DA UNIÃO ESTÁVEL ............................ 30

1.5.3 PRINCÍPIO DA IGUALDADE JURÍDICA DE TODOS OS FILHOS.................................. 31

1.5.4 PRINCÍPIO DO PLURALISMO FAMILIAR ............................................................... 32

1.5.5 PRINCÍPIO DA CONSAGRAÇÃO DO PODER FAMILIAR ........................................... 33

1.5.6 PRINCÍPIO DA LIBERDADE................................................................................ 33 1.6 FILIAÇÃO....................................................................................................... 34

1.6.1 DIREITO E DEVERES INERENTES À FILIAÇÃO ...................................................... 36

CAPÍTULO 2

ASPECTOS GERAIS DA RESPONSABILIDADE CIVIL................... 40

2.1 CONCEITO..................................................................................................... 40

Page 13: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

12

2.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA............................................................................... 44 2.3 ELEMENTOS ................................................................................................. 48

2.3.1 AÇÃO OU OMISSÃO DO AGENTE ....................................................................... 49

2.3.2 NEXO DE CAUSALIDADE .................................................................................. 51

2.3.3 DANO EXPERIMENTADO PELA VÍTIMA................................................................ 52 2.4 RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL E EXTRACONTRATUAL.......54

2.4.1 RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL........................................................... 57

2.4.2 RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL ................................................. 56 2.5 RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA E SUBJETIVA ............................. 57

2.5.1 RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA .............................................................. 57

2.5.1.1 Culpa do agente...........................................................................................58

2.5.2 RESPONSABILIDADE CIVIL OBJJETIVA............................................................... 56

CAPÍTULO 3

RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA FILIAÇÃO............................................................................................ 65

3.1 DANO MORAL ............................................................................................... 65

3.1.1 CONCEITO ..................................................................................................... 65

3.1.2 CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE ...................................... 67

3.1.3 DANO MORAL DIRETO E INDIRETO .................................................................... 67

3.1.4 NATUREZA JURÍDICA DA REPARAÇÃO............................................................... 68

3.1.5 CRITÉRIO DE AVALIAÇÃO E VALOR DA REPARAÇÃO MORAL ................................ 69 3.2 AFETIVIDADE................................................................................................ 70

3.2.1 O AFETO NA RELAÇÃO PATERNO-FILIAL............................................................ 72

Page 14: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

13

3.2.1.1 Abandono afetivo...............................................................................................73 3.3 ARGUMENTOS FAVORÁVEIS E DESFAVORÁVEIS................................... 74 3.4 POSICIONAMENTO JURISPRUDENCIAL.................................................... 77 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................ 81

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS............................................ 83

Page 15: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

14

RESUMO

A presente Monografia foi elaborada com o objetivo fazer uma

pesquisa acerca da responsabilidade civil por abandono afetivo na filiação,

analisando os aspectos familiares principalmente o que se refere aos direitos e

deveres inerentes à filiação e se, segundo o entendimento doutrinário e

jurisprudencial, se há o dever de indenizar no caso do rompimento de elo afetivo.

Neste sentido, para uma melhor compreensão sobre a matéria pesquisada, o

material foi dividido em três capítulos. O primeiro capítulo versa acerca da família,

através de seu conceito, da evolução histórica, das espécies constitucionais de

família, dos princípios basilares ao direito de família, da filiação, onde aborda-se os

direitos e deveres inerentes a esta. No segundo capítulo abordou-se os aspectos

gerais da responsabilidade civil, buscando o conceito de responsabilidade e

responsabilidade civil, a evolução histórica, os seus elementos principais, a

responsabilidade civil objetiva e subjetiva e a responsabilidade civil contratual e

extracontratual. E por fim, o terceiro capítulo trata da responsabilidade civil por

abandono afetivo na filiação, trazendo uma síntese do dano moral, a noção de

abandono afetivo, os argumentos favoráveis e desfavoráveis e o entendimento

jurisprudencial. O presente relatório de pesquisa se encerra com as considerações

finais, onde serão apresentados os pontos conclusivos da pesquisa. O método

investigatório foi o indutivo.

Page 16: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

15

INTRODUÇÃO

A presente Monografia tem como objeto a Responsabilidade

Civil por Abandono Afetivo na filiação.

O seu objetivo é o estudo do referido tema, diante das nuances

pertinentes ao tema na atualidade, bem como o a busca do entendimento dos

doutrinadores e juristas acerca da problemática da Responsabilidade Civil por

Abandono Afetivo na filiação.

O seu objetivo específico é fazer uma pesquisa acerca da

Responsabilidade Civil por Abandono Afetivo na filiação, analisando os aspectos

familiares, principalmente no que se refere aos direitos e deveres inerentes à filiação

e se de acordo com o entendimento doutrinário e jurisprudencial, se há o dever de

indenizar no caso de rompimento do elo afetivo.

Para tanto, principia–se, no Capítulo 1, tratando de família,

estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

ao Direito de família, os tipos de família constitucionais, a filiação e por conseguinte

os direitos e deveres inerentes à filiação.

No Capítulo 2, tratando dos Aspectos gerais da

responsabilidade civil, traz o seu conceito, a evolução histórica, os seus elementos,

a distinção entre responsabilidade civil objetiva e responsabilidade civil subjetiva,

bem como o estudo da responsabilidade civil contratual e a responsabilidade civil

extracontratual.

No Capítulo 3, tratando fundamentalmente da responsabilidade

civil por abandono afetivo na filiação, onde é estudado o dano moral, o abandono

afetivo, os argumentos favoráveis e os argumentos desfavoráveis e o

posicionamento jurisprudencial acerca do tema.

O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as

Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos destacados,

seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões sobre a

Responsabilidade civil por abandono afetivo na filiação.

Para a presente monografia foram levantadas as seguintes

hipóteses:

Page 17: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

16

a) A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

trouxe novas acepções acerca da família, principalmente no que diz respeito aos

princípios que devem ser aplicados a esta instituição, destacando-se por sua vez, o

poder familiar, antes chamado pátrio poder, que resguarda alguns direitos que são

tutelados pelo Estado.

b) A Responsabilidade civil é um instituto presente no Direito

desde os primórdios, e que vem ganhando ênfase na atualidade, pois permite que o

Estado responsabilize o agente que cause um dano a outrem;

c) O ordenamento jurídico brasileiro nos últimos anos conheceu

a possível reparação civil por abandono afetivo na filiação, de modo que a avaliação

acerca desta possível reparação utiliza da análise dos elementos pertinentes à

configuração da responsabilidade civil.

Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase de

Investigação15 foi utilizado o Método Indutivo16, na Fase de Tratamento de Dados o

Método Cartesiano17, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente

Monografia é composto na base lógica Indutiva.

Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as Técnicas

do Referente18, da Categoria19, do Conceito Operacional20 e da Pesquisa

Bibliográfica21.

15 PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. 11 ed. Florianópolis: Conceito Editorial; Millennium Editora, 2008. p. 83. 16 PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 86. 17 LEITE, Eduardo de Oliveira. A monografia jurídica. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 22-26. 18 PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 54. 19 PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 25. 20 PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 37. 21 PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 209.

Page 18: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

17

CAPÍTULO 1

DA FAMÍLIA

1.1 CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS

A Família ao longo da evolução humana vem sofrendo

alterações significantes, pois em muitos momentos a realidade social diverge

expressivamente da legislação vigente que tutela este instituto.

A época em que os modelos clássicos de família eram

preponderantes não está distante. Entretanto, são freqüentes as mudanças que

deste instituto, tendo em vista suas variadas consolidações.

Assim, é inegável que a Família possui papel fundamental para

a sociedade, pois como ensina RIZZARDO22 “de uma forma ou de outra, todos

procedem de uma família, e vivem, quase sempre, em um conjunto familiar”.

Diante disto, é importante conhecer o processo de evolução do

conceito de Família, que de acordo com GAMA23:

A civilização humana vivencia uma completa reformulação do conceito de família no mundo contemporâneo, no contexto do mundo globalizado. Em todos os cantos do planeta, o modelo tradicional de família vem perdendo terreno para o surgimento de uma nova família (nota), que é essencial para a própria existência da sociedade e do Estado, mas funcionalizada em seus partícipes.

No Brasil, a evolução da família se materializou com o advento

da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que de forma

revolucionária ampliou e emoldurou o conceito de Família.24

22 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 1. 23 DIAS, Maria Berenice; CUNHA, Rodrigo Pereira da. Direito de família e o novo Código Civil/coordenação Maria Berenice Dias e Rodrigo da Cunha Pereira. – 3. ed., Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 102-103. 24 DIAS, Maria Berenice; CUNHA, Rodrigo Pereira da. Direito de família e o novo Código Civil. p. 103.

Page 19: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

18

O Estado, através da Carta Magna, passou a dedicar proteção

integral na observância da preservação da Família, essencialmente através dos

princípios aplicados a esta instituição, atrelando por via de conseqüência os direitos

e deveres inerentes a esta entidade25.

Com relação à estima oferecida à Família na Constituição da

República Federativa do Brasil de 1988, GAMA26 afirma a importância da família

“que continua sendo imprescindível como célula básica da sociedade, fundamental

para a sobrevivência desta e do Estado, mas que se funda em valores e princípios

diversos daqueles outrora alicerçadores da família tradicional”.

Todavia, mesmo após as expressivas alterações legais

inseridas na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, permanecia

vigente o Código Civil de 1916, que necessitava de absoluta modificação, pois não

correspondia à realidade social do país.

Diante disto em 10 de janeiro de 2002, foi sancionada a Lei

10.406, dando vigência ao Código Civil de 2002, que de forma abrangente e extensa

passou a regulamentar a vida dos brasileiros, modificando de forma significante as

disposições referentes à Família dispostas no antigo diploma legal, como bem nos

ensinam OLIVEIRA e HIRONAKA:

Contempla o novo ordenamento uma série de reformas pelas quais passou a entidade familiar, no curso do século XX, desde que editado o Código de 1916, o qual apresentava, originalmente, uma estreita e discriminatória visão do ente familiar, limitando-o ao grupo originário do casamento, impedindo sua dissolução, distinguindo seus membros e apondo qualificações desabonatórias às pessoas unidas sem casamento e aos filhos havidos dessa relação.

Neste contexto, diante das mudanças, digam-se, atuais do

conceito de família, necessário se faz conhecer esta instituição que possui valor

imensurável na formação do indivíduo dentro da esfera social, pois como ensina

RIZZARDO27: “Trata-se a família de um núcleo social primário”.

25 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. p. 1. 26 DIAS, Maria Berenice; CUNHA, Rodrigo Pereira da. Direito de família e o novo Código Civil. p. 3. 27 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. p. 9.

Page 20: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

19

1.2 CONCEITO

É evidente que toda relação humana sofre transformações de

acordo com os anseios da sociedade e que é certo que a instituição familiar também

participa exponencialmente de tais mudanças, motivo pelo qual faz-se necessário

que seja estudado os conceitos de família em suas diversas esferas.

Para, RIZZARDO apud PEREIRA28, a etimologia da palavra é

encontrada no sânscrito, a qual foi convertida para a língua latina:

O radical fan corresponde àquele outro dhã, da língua ariana, que dá idéia de fixação, ou de coisa estável, tendo da mudança do ‘dh’ em ‘f’ surgido, no dialeto de Lácio, a palavra faama, depois famulus (servo) e finalmente família, esta última a definir, inicialmente, o conjunto formado pelo pater familias, esposa, filhos, e servos, todos considerados, primitivamente, como integrantes do grupo familiar, daí Ulpiano, no ‘Digesto’, já advertir que a palavra ‘família’ tinha inicialmente acepção ampla, abrangendo pessoas, bens e até escravos.

No entendimento de GAMA apud PERLINGIERI29, família:

é formação social, lugar-comunidade tendente à formação e ao desenvolvimento da personalidade de seus participantes; de maneira que exprime uma função instrumental para melhor realização dos interesses afetivos e existenciais de seus componentes.

Segundo PLÁCIDO E SILVA30, o vocábulo família é derivado

do latim família, de famel (escravo, domestico) e seu conceito jurídico:

é geralmente tido, em sentido estrito, como a sociedade conjugal. Neste sentido, então, família compreende simplesmente os cônjuges e sua progênie. E se constitui, desde logo, pelo casamento.

Mas, em sentido lato, família quer significar todo “conjunto de pessoas ligadas pelo vínculo da consangüinidade” (CLÓVIS BEVILÁQUA). Representa-se, pois, pela totalidade de pessoas que descendem de um tronco ancestral comum, ou sejam provindas do mesmo sangue, correspondendo à gens dos romanos e ao genos dos gregos.

No sentido constitucional, mais amplo, confunde-se com a expressão “entidade familiar”.

28 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. p. 11. 29 DIAS, Maria Berenice; CUNHA, Rodrigo Pereira da. Direito de família e o novo Código Civil. p. 178. 30 SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 347.

Page 21: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

20

É a comunhão familiar, onde se computam todos os membros de uma mesma família, mesmo daquelas que se estabeleçam pelos filhos, após a morte dos pais.

Na tecnologia do Direito Civil, no entanto, exprime simplesmente a sociedade conjugal, atendida no seu caráter de legitimidade, que a distingue de todas as relações jurídicas desse gênero. E assim, compreende somente a reunião de pessoas ligadas entre si pelo vínculo de consangüinidade, de afinidade, de parentesco, até os limites prefixados em lei.

Nas constituições brasileiras anteriores a Carta Magna de

1988, a idéia de família era condicionada ao casamento, que só reconhecia apenas

a família legítima, sendo o seu conceito limitado31.

Assim, com o advento da Constituição Federal de 1988 e o

Código Civil de 2002, o significado da palavra passou a ter diversos sentidos, que de

acordo com DINIZ32: “Inúmeros são os sentidos do termo família, pois a plurivalência

semântica é fenômeno normal no vocabulário jurídico”.

Preleciona PEREIRA33, que para conceituar família é

necessário observar a diversificação. Nesta acepção, adiciona:

Em sentido genérico e biológico, considera-se família o conjunto de pessoas que descendem de tronco ancestral comum. Ainda neste plano geral, acrescenta-se o cônjuge, aditam-se os filhos do cônjuge (enteados), os cônjuges dos filhos (genros e noras), os cônjuges dos irmãos e os irmãos do cônjuge (cunhados).

Ainda, no entendimento de PEREIRA34 a família “é às vezes

considerada como um conjunto de pessoas unidas pelos laços do casamento e da

filiação”.

Observado os sentidos de Família, RIZZARDO apud PONTES

DE MIRANDA35, aponta os seus vários significados na atualidade:

Ainda modernamente, há multiplicidade de conceitos da expressão ‘família’. Ora significa o conjunto das pessoas que descendem de tronco ancestral comum, tanto quanto essa ascendência se conserva

31 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito de família. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 4. 32 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. p. 9. 33 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 19 34 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil. p. 19 35 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. p. 11.

Page 22: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

21

na memória de seus descendentes; ou nos arquivos, ou na memória dos estranhos, ora o conjunto de pessoas ligadas a alguém, ou a um casal, pelos laços de consangüinidade ou de parentesco civil; ora o conjunto de pessoas, mais os afins apontados por lei; ora o marido e a mulher, descendentes e adotados; ora, finalmente, marido, mulher e parentes sucessíveis de um e de outra.

Segundo ensina DINIZ36: “Família é o grupo fechado de

pessoas, composto dos pais e filhos, e, para efeitos limitados, de outros parentes,

unidos pela convivência e afeto numa mesma economia e sob a mesma direção”.

No entendimento de PEREIRA37 a família se restringe ao grupo

formado por pais e filhos: “Por tudo que representa, a família é universalmente

considerada a “célula social por excelência”, conceito que, de tanto se repetir, não

lhe aponta mais a autoria38.

Destaca-se ainda, que o Estado, através dos julgadores, tem

papel fundamental, pois diante de suas ações ou omissões acabam construindo tão

logo novos conceitos de família.

Por fim, resta sedimentado que a família é fundamental para a

essência da sociedade civilizada, que encontra respaldo nas normas vigentes.

1.3 EVOLUÇÃO HISTÓRICA

A família, ao longo da evolução humana sofreu modificações,

principalmente no que diz respeito à família enquanto ninho, mediante sua maneira

de organização e desenvolvimento que se altera significantemente em eras e

culturas não muito distantes uma da outra39.

Por séculos, a família foi condicionada ao entendimento de que

era um organismo extenso e hierarquizado, o que com sua evidente evolução

passou a limitar-se às relações de pais e filhos40.

36 Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. p. 15. 37 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil. p. 20. 38 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil. p. 20. 39 DIAS, Maria Berenice; CUNHA, Rodrigo Pereira da. Direito de família e o novo Código Civil. p. 7. 40 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil. p. 19.

Page 23: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

22

É importante aludir que não obstante às controvérsias a

respeito da origem e evolução histórica da Família, há menções de que em algum

momento da evolução humana, houve uma espécie de organização familiar

matriarcal, em virtude da ausência dos homens dentro de tais estruturas familiares,

motivo pelo qual, o poder materno passou a prevalecer com relação aos filhos41.

Entretanto, é o modelo patriarcal, o mais aceito, diante de sua

comprovação através de registros históricos, monumentos literários e fragmentos

jurídicos42.

Na Roma antiga, a família tinha sua organização construída

sobre o princípio da autoridade e compreendia todos os membros pertencentes à

organização familiar, sendo que o pater era ao mesmo tempo chefe político,

sacerdote e juiz, exercendo funções importantes e decisivas da pessoa de seus

filhos e da mulher43.

A esfera patrimonial não era diferente, pois segundo ensina

PEREIRA44: “Somente o pater adquiria bens, exercendo a domenica protestas

(poder sobre o patrimônio familiar) ao lado e como conseqüência da pátria protestas

(poder sobre a pessoa dos filhos) e da manus (poder sobre a mulher)”.

Diante disto, à época da Roma antiga, de acordo com

RIZZARDO45, o termo Família exprimia “a reunião de pessoas colocadas sob o

poder familiar ou o mando de um único chefe – pater famílias – que, era o chefe sob

cujas ordens se encontravam os descendentes e a mulher [...]”

Acrescentando que: “A autoridade do pater alcançava uma

posição de notável grandeza, pois exercia ele o poder (potestas) sobre os escravos,

os filhos, e as mulheres”46.

41 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil. p. 24-25. 42 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil. p. 25 43 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil. p. 26. 44 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil. p. 26.. 45 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. p. 10. 46 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. p. 10.

Page 24: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

23

O pátrio poder era considerado um direito absoluto e ilimitado

que tinha como objetivo principal avigorar a autoridade do pater, fim de consolidar a

família romana, pois também nessas épocas remotas, a família era considerada o

núcleo da sociedade, tendo função política e religiosa, sendo o pater considerado

tanto um sacerdote como um representante do Estado47.

Como o mesmo entendimento de não limitação da autoridade

do pater, RODRIGUES48 entende que este poder compreendia “o direito de punir, de

expor, de vender o filho e mesmo o direito de matá-lo, jus vitae et necis”, não tendo

os filhos direito algum sobre o patrimônio e o que eventualmente fosse ganho,

pertencia ao pater, sendo o filho neste sentido, alieni juris.

Com o decurso do tempo, a partir de Augusto ou possivelmente

Júlio César, a rígida autoridade do pater com relação aos filhos, foi se abrandando, a

medida que permitiu-se ao filho a titularidade castrense, isto é, a condição de

proprietário dos bens que adquirisse na vida militar, de modo que seu patrimônio

não era confundido com de seu pai49.

Acerca da redução da autoridade do pater na sociedade

romana, RIZZARDO50 aduz: “A concepção patriarcal com o poder absoluto do pater

famílias, iniciou a ceder ao tempo do imperador Constantino, quando apareceu uma

idéia muito semelhante à que vigora atualmente”.

O entendimento de PEREIRA51, é “que com o tempo,

arrefeceram estas regras severas”, de modo que:

conheceu-se o casamento sine manu; as necessidades militares estimularam a criação de patrimônio independente para os filhos, constituídos pelos bens adquiridos como soldado (peculium castrense), pelos que granjeavam no exercício de atividades intelectuais, artísticas ou funcionais (peculium quase castranse) e pelos que lhe vinham por formas diversas desses (peculium adventicium).

47 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito de família. 28 ed. ver. E atual. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 353-354. 48 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito de família. p. 354. 49 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito de família. p. 354. 50 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. p. 10. 51 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil. p. 27.

Page 25: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

24

De outro ângulo, fora da esfera patrimonial, à espoca de

Jusitiniano, houveram importantes mudanças, no sentido da não admissão de venda

dos filhos (jus vitae et necis nem o jus exponendi), faculdade que era admitida

somente aos considerados pobres52.

De acordo com o ensinamento de PEREIRA53, foi a partir do IV,

com o Imperador Constantino, que houve a instauração no Direito Romano das

doutrinas cristãs da Família, a qual tinha como principal motivação a ordem moral,

sob o enfoque do espírito da caridade.

Na idade média, a sociedade visualizou um conflito das normas

romanas, fundamentadas no direito escrito, baseada na legislação de Justiniano e

na norma germânica, que tinha vigência nos países de direito costumeiro, tendo

como objetivo principal a sobreposição do interesse do filho ao do pai, sendo

expressamente seguido pelas normas francesas, em que os deveres dos pais

tinham mais importância do que seus direitos54.

A respeito da evolução moderna de família, aduz PEREIRA55

que “a organização da família romana conservou-se autocrática, muito embora já se

positivasse no sexto século a decomposição da família romana primitiva, como

igualmente a da família germânica (Sippe) já a esse tempo se iniciara”.

Com o mesmo entendimento RIZZARDO56, leciona que “no

direito germânico antigo, embora preponderasse o patriarcalismo, havia um

abrandamento de poderes do chefe, tanto que os filhos, ao ingressarem no exército,

libertavam-se do então ‘pátrio poder paterno’”.

Assim, diante da evolução pós-romana, a família passou a ter

influência significativa do direito germânico, que reduziu a família, apenas à

condição de pais e filhos, assumindo por via de conseqüência o cunha cristão, ou

52 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito de família. p. 354. 53 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil. p. 27 54 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito de família. p. 355. 55 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil. p. 27. 56 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. p. 600.

Page 26: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

25

seja, partindo da premissa sacramental, o que segundo PEREIRA57, passou a

revestir no direito moderno, algumas características:

Substituiu-se a organização autocrática uma orientação democrático-efetiva. O centro de sua constituição deslocou-se do princípio da autoridade para o da compreensão e do amor. As relações de parentesco permutaram o fundamento político do agnatio pela vinculação biológica da consangüinidade (cognatio).

O Cristianismo, por sua vez, também teve influência na

evolução das relações familiares, de modo que participava efetivamente nas

alterações de leis rigorosas à respeito da pessoa da mulher e dos filhos58.

No Brasil a alteração da função da família, mudou

exponencialmente o seu conceito, principalmente com o advento da Constituição da

República Federativa do Brasil de 1988 e do Código Civil de 2002, que modificaram

consideravelmente a matéria pertinente à instituição familiar, segundo ensina

Euclides de Oliveira59.

O Estado então, ampliou, o conceito de família, passando a

proteger de forma igualitária todos os seus membros, fossem eles surgidos a partir

da união primária como também todos os descendentes, como ensina OLIVEIRA e

HIRONAKA60:

Seus pontos essenciais constam do artigo 226 e seus incisos, assim resumidos: a) proteção à família constituída: a) pelo casamento civil, b) pelo casamento religioso com efeitos civis, c) pela união estável entre homem e a mulher e d) pela comunidade formada por qualquer dois pais e seus descendentes; b) ampliação das formas de dissolução do casamento, ao estabelecer facilidades para o divórcio; c) proclamação plena de igualdade de direitos e deveres do homem e da mulher na vivência conjugal; d) consagração da igualdade dos filhos, havidos ou não do casamento, ou por adoção, garantindo-lhes os mesmos direitos e qualificações.

O que é certo, é que não há um padrão assentado, já que

pode-se conceber em uma época um certo modelo como o correto e pouco tempo

depois não ter-se o mesmo entendimento, o que não retalha a importância que a

57 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil. p. 27. 58 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. p. 601. 59 DIAS, Maria Berenice; CUNHA, Rodrigo Pereira da. Direito de família e o novo Código Civil. p. 3. 60 DIAS, Maria Berenice; CUNHA, Rodrigo Pereira da. Direito de família e o novo Código Civil. p. 4.

Page 27: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

26

família possui dentro da sociedade, como bem ensina OLIVEIRA e HIRONAKA61

“apenas uma coisa é certa e parece não mudar jamais: as pessoas não abandonam

a preferência pela vida em família, seja de que molde ou tipo se constitua o núcleo

familiar”.

Enfatizando ainda a importância da família e a imortalização de

sua idéia, ainda que haja mudanças de costumes, a mudança da própria

humanidade e a mudança da história, OLIVEIRA e HIRONAKA apud TEPEDINO62

insere a verdade acerca da família:

a atávica necessidade que cada um de nós sente de saber que, em algum lugar, encontra-se seu porto e o seu refúgio, vale dizer, o seio da família, este lócus que se renova sempre como ponto de referência central do indivíduo na sociedade; uma espécie da aspiração à solidariedade e à segurança que dificilmente pode ser substituída por qualquer forma de convivência social.

Portanto, a concepção de família se funda no valor essencial

que cada um de seus membros possui bem como a todos a um só tempo, que é

pertencer ao seu âmago, idealizando um lugar onde se possa agregar tanto

sentimentos e esperanças quanto os valores principais da família, enquanto ninho,

pois a partir disso se encontra a realização pessoal de felicidade63.

1.4 ESPÉCIES DE FAMÍLIA

É importante mencionar que antes do advento da Constituição

da República Federativa do Brasil de 1988, considerava-se família, apenas a

originada do matrimônio, o que foi expressamente revogado pela nova Carta Magna

e pelo Código Civil de 2002 que reconheceram tanto a família formada pelo

casamento, quanto as entidades familiares derivadas da união estável, bem como a

família monoparental, conforme leciona DINIZ64:

Inova, assim, a Constituição de 1988, ao retirar a expressão da antiga Carta (art. 175) de que só seria família a construída pelo casamento. Assim sendo, a Magna Carta de 1988 e a Lei n.

61 DIAS, Maria Berenice; CUNHA, Rodrigo Pereira da. Direito de família e o novo Código Civil. p. 7. 62 DIAS, Maria Berenice; CUNHA, Rodrigo Pereira da. Direito de família e o novo Código Civil. p. 7. 63 DIAS, Maria Berenice; CUNHA, Rodrigo Pereira da. Direito de família e o novo Código Civil. p. 7. 64 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. p. 10-11.

Page 28: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

27

9.278/96, art. 1º e o novo Código Civil, arts. 1.511, 1.513 e1.723, vieram a reconhecer como família a decorrente do matrimônio (art. 226, §§ 1º e 2º, da CF/88) e como entidade familiar não só a oriunda de união estável como também a comunidade monoparental (CF/88, art. 226, §§ 3º e 4º).

Para DINIZ65 três são as espécies de família, conforme sua

fonte seja o matrimonio, o companheirismo e adoção.

A família matrimonial, como o próprio termo explicita, é aquela

advinda do casamento, que segundo DINIZ66 “é a que tem por base o casamento,

sendo o grupo composto pelos cônjuges e a prole”.

A família não-matrimonial, de acordo com DINIZ67 é “oriunda de

relações extraconjugais”.

É importante mencionar que a familia adotiva, pode

possivelmente ser inserida nas famílias originadas do casamento, da união estável

ou monoparentais, pois com o princípio da igualdade entre os filhos, não houve

discriminações acerca dos filhos não biológicos, sendo os oriundos da adoção

considerados filhos para todos os efeitos legais68.

A respeito da entidade familiar baseada na união estável,

leciona RIZZARDO69: “Presentemente, em face do art. 226, § 3º, da Carta Federal, é

elevada à categoria de família a união estável entre o homem e a mulher, com

descendentes ou não”.

Há de se falar ainda da família monoparental, como sendo

aquela formada por qualquer dos pais e seus descendentes independentemente de

existência de vínculo conjugal que a tenha originado70.

DIAS e CUNHA71, muito bem traduzem a realidade atual da

sociedade no que tange à Família:

65 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. p. 12. 66 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. p. 12. 67 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. p. 12. 68 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. p. 12. 69 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. p. 12. 70 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. p. 11.

Page 29: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

28

Vivemos uma nova realidade: a família atual é um mosaico composto de forma harmoniosa, a retratar a complexidade da realidade social. Não mais se concebe a família como estrutura única, engessada pelos sagrados laços do matrimonio. Também ela não mais se caracteriza pela presença de um homem, uma mulher e sua prole. Nem sequer necessita haver parentesco em linha reta entre seus integrantes ou diversidade de sexo entre seus partícipes, para caracterizar uma entidade familiar. O traço principal que a identifica é o vinculo de afetividade.

Neste ínterim, houve a desvinculação da família com base

unicamente na idéia de um casal estabelecido, levando-se em consideração que

passou a ser considerada entidade familiar, as famílias compostas apenas por um

de seus genitores, como por exemplo, em virtude da viuvez, separação judicial,

divórcio, adoção unilateral, não reconhecimento de sua filiação pelo outro genitor,

“produção independente”, entre outras infinidades de situações análogas que podem

ocorrer72.

1.5 PRINCÍPIOS BASILARES AO DIREITO DE FAMÍLIA

Com o advento da Carta Magna, algumas idéias foram

inseridas no nosso ordenamento jurídico, bem como houve a introdução de alguns

princípios essenciais inerentes à família, como nos ensina GAMA73:

E não poderia ser diferente, diante do redirecionamento das relações políticas, econômicas, sociais e, consequentemente, familiares, no sentido de se buscar o fundamento das relações pessoais e afetivas nos ideais de pluralismo, solidarismo, democracia, igualdade, liberdade e humanismo, reconhecendo, assim, a presença concreta dos valores e princípios voltados à proteção da pessoa humana no conteúdo das relações jurídico-familiares.

Com o mesmo entendimento leciona DINIZ74:

Com o novo milênio surge a esperança de encontrar soluções adequadas aos problemas surgidos na seara do direito de família, marcados por grandes mudanças e inovações (...). Tais alterações foram acolhidas, de modo a atender à preservação da coesão familiar e dos valores culturais, acompanhando a evolução dos

71 DIAS, Maria Berenice; CUNHA, Rodrigo Pereira da. Direito de família e o novo Código Civil. p. ix. 72 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. p. 11. 73 DIAS, Maria Berenice; CUNHA, Rodrigo Pereira da. Direito de família e o novo Código Civil. p. 101-102. 74 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. p. 17.

Page 30: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

29

costumes, dando-se à familia moderna um tratamento legal consentâneo à realidade social, atendendo-se às necessidades da prole e de diálogo entre os cônjuges ou companheiros.

Neste aspecto, foi inevitável a constitucionalização do Direito

Civil brasileiro, que por conseguinte, afastou a idéia singular, clássica e

conservadora da época do antigo Código Civil, como nos ensina GAMA apud

TEPEDINO75:

as normas constitucionais – que ditam princípios de relevância geral – são de direito substancial, e não meramente interpretativas; o recurso a elas, mesmo em sede de interpretação, justifica-se, do mesmo modo que qualquer outra norma, como expressão de um valor do qual a própria interpretação não pode subtrair-se. É importante constatar que os princípios são normas.

De acordo com RIZZARDO76: “Em verdade, a atual Carta

Magna delineou uma diferente ordem estrutural ou organizacional ao direito de

família, introduzindo novos rumos e novas indagações. Emergem os seguintes

princípios, afastando de vez antigas e injustificáveis discriminações”.

1.5.1 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana

O Direito de Família, então, como qualquer outra norma

jurídica, exige que seja validado através dos preceitos constitucionais, ressalvando-

se a combinação dos princípios constitucionais da isonomia dos filhos e do

pluralismo dos modelos familiares, sempre buscando como alicerce principal a

dignidade da pessoa humana, através dos valores em que dão embasamento ao

ordenamento jurídico brasileiro.

Segundo GAMA77, o entendimento constitucional é que as

relações familiares são fundamentadas principalmente no princípio da dignidade da

pessoa humana, e em sendo assim, na dignidade de cada participante da entidade

familiar:

75 DIAS, Maria Berenice; CUNHA, Rodrigo Pereira da. Direito de família e o novo Código Civil. p. 105. 76 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. p. 14. 77 DIAS, Maria Berenice; CUNHA, Rodrigo Pereira da. Direito de família e o novo Código Civil. p. 105.

Page 31: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

30

A dignidade da pessoa humana, colocada no ápice do ordenamento jurídico, encontra na família o solo apropriado para o seu enraizamento e desenvolvimento; daí a ordem constitucional dirigida ao Estado no sentido de dar especial e efetiva proteção à família, independentemente da sua espécie. Propõe-se, por intermédio da repersonalização das entidades familiares, preservar e desenvolver as qualidades mais relevantes entre os familiares: o afeto, a solidariedade, a união, o respeito, a confiança, o amor, o projeto de vida comum, permitindo o pleno desenvolvimento pessoal e social de cada partícipe, com base em ideais pluralistas, solidaristas, democráticos e humanistas.

E acrescenta apud PERLINGIERI78:

A família é valor constitucional espiritualmente garantido nos limites de sua conformação e de não contraditoriedade aos valores que caracterizam as relações civis, especialmente a dignidade da pessoa humana: ainda que diversas possam ser as suas modalidades de organização, ela é finalizada à educação e à promoção daqueles que a ela pertencem.

Assim, o princípio da dignidade da pessoa humana é

consagrado como o princípio central de todos os outros princípios, pois se constitui

como base da comunidade familiar, garantindo o pleno desenvolvimento e a

realização de todos os seus membros, principalmente da criança e do adolescente79.

1.5.2 Princípio da “ratio” do matrimônio e da união estável

O Direito de Família se consolida ainda, através do princípio da

“ratio” do matrimônio e da união estável, que segundo aduz DINIZ80:

o fundamento básico do casamento, da vida conjugal e do companheirismo é a afeição entre os cônjuges ou conviventes e a necessidade de que perdure completa comunhão de vida, sendo a ruptura da união estável, separação judicial e o divórcio (CF, art. 226, § 6º, CC, arts. 1.511 e 1.571 a 1.582) uma decorrência da extinção da affectio, uma vez que a comunhão espiritual e material de vida entre marido e mulher ou entre conviventes não pode ser mantida ou reconstruída. E, além disso, vedada está a qualquer pessoa jurídica, seja ela de direito público ou de direito privado, a interferência na comunhão de vida instituída pela família (CC, art. 1.513).

78 DIAS, Maria Berenice; CUNHA, Rodrigo Pereira da. Direito de família e o novo Código Civil. p. 106. 79 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. p. 22. 80 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. p. 18.

Page 32: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

31

Além disso, com relação à vida conjugal, destaca-se o princípio

da igualdade jurídica entre os cônjuges e dos companheiros, no que diz respeito aos

seus direitos e deveres, que segundo aduz DINIZ81:

Com esse princípio desaparece o poder marital, e a autocracia do chefe de família é substituída por um sistema em que as decisões devem ser tomadas de comum acordo entre os conviventes ou entre o marido e mulher, pois os tempos atuais requerem que a mulher e o maridos tenham os mesmo direitos e deveres referentes à sociedade conjugal (CF, art. 226, § 5º, e CC, arts. 1.511, in fine, 1.565 a .1.570, 1.631, 1.634, 1.643, 1.647, 1.650, 1.651 e 1.724).

Ademais, este princípio remete-se à igualdade de condições

nos que diz respeito ao poder familiar, que segundo leciona RIZZARDO82: “Passou a

entende-se que o poder familiar deve ser exercido, em igualdade de condições pelo

pai e pela mãe”.

Neste sentido, a sociedade brasileira encontra uma

equivalência de papéis, de modo que a responsabilidade pela família passa a ser

dividida igualmente entre o casal, pois a Carta Magna estabeleceu tal igualdade de

direitos e deveres83.

1.5.3 Princípio da igualdade jurídica de todos os filhos

O princípio da igualdade jurídica de todos os filhos tem

relevância fundamental e foi uma das principais inovações da Constituição da

República Federativa do Brasil e do Código Civil de 2002, que ficou consagrado no

Direito Positivado Brasileiro, que de acordo com DINIZ84, estabeleceu:

(a) nenhuma distinção faz entre os filhos legítimos, naturais e adotivos, quanto ao nome, poder familiar e sucessão; (b) permite o reconhecimento de filhos havidos fora do casamento; (c) proíbe que se revele no assento do nascimento a ilegitimidade simples ou espuriedade e (d) veda designações discriminatórias relativas à filiação.

81 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. p. 18. 82 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. p. 603. 83 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. p. 19-20-21. 84 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. p. 21.

Page 33: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

32

GONÇALVES85 ensina que:

A Constituição de 1988 (art. 227, §6º) estabeleceu absoluta igualdade entre todos os filhos, não admitindo mais a retrógrada distinção entre filiação legítima ou ilegítima, segundo os pais fossem casados ou não, e adotiva, que existia no Código Civil de 1916.

Ainda na esfera do princípio da igualdade entre os filhos,

MUNIZ86 ensina:

O princípio da igualdade fez cessar a distinção discriminatória entre filhos bem nascidos e filhos mal nascidos, e desapossou o casamento de um de seus efeitos tradicionais no que aos filhos dizia respeito: o estatuto privilegiado da legitimidade.

Com o mesmo entendimento aduz GONÇALVES87: “Hoje,

todos são apenas filhos, uns havidos fora do casamento, outros em sua constância,

mas com iguais direitos e qualificações”.

1.5.4 Princípio do pluralismo familiar

O principio do pluralismo familiar é preceito basilar do

reconhecimento das espécies de família constitucionais. No entanto DINIZ88 faz

ressalvas acerca deste princípio no âmbito do Código Civil de 2002:

apesar de em poucos artigos contemplar a união estável, outorgando-lhe alguns efeitos jurídicos, não contém qualquer norma disciplinadora da família monoparental, composta por um de seus genitores e a prole, olvidando que 26% de brasileiros, aproximadamente, vivem nessa modalidade de entidade familiar.

Neste sentido, segundo DINIZ89 “a norma constitucional

abrange a família matrimonial e as entidades familiares (união estável e família

monoparental”.

85 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito de família. 2. vol. 9 ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 86. 86 DIAS, Maria Berenice; CUNHA, Rodrigo Pereira da. Direito de família e o novo Código Civil. p. 136. 87 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito de família. p. 86. 88 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. p. 21. 89 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. p. 21.

Page 34: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

33

1.5.5 Princípio da consagração do poder familiar

O princípio da consagração do poder familiar, após as

inovações da Carta Magna de 1988 e do Código Civil de 2002, substituiu o poder

marital e o poder paterno, no âmbito da família, conforme leciona DINIZ90:

O poder familiar é considerado como um poder-dever (CC, arts. 1.640 a 1.638). Com isso segue os passos da lei francesa de 1970, que preferiu falar em autoridade parental, abandonando a locução pátrio poder, por ser aquela mais consentânea à sociedade conjugal dos tempos modernos (...)

Assim, de acordo com o ensinamento de DINIZ91: “O poder-

dever de dirigir a família é exercido conjuntamente por ambos os genitores,

desaparecendo o poder marital e paterno.

1.5.6 Princípio da liberdade

Segundo doutrina DINIZ92, o princípio da liberdade se

consolida:

na decisão livre do casal, unido pelo casamento ou pela união estável, no planejamento familiar (CC, art. 1.565, §2º, Enunciado n. 99, aprovado nas Jornadas de Direito Civil, promovidas pelo STJ), intervindo o Estado apenas em sua competência de propiciar recursos educacionais e científicos ao exercício desse direito; na livre aquisição e administração do patrimônio familiar (CC, arts. 1.642 e 1.643) e opção pelo regime matrimonial mais conveniente (CC, art. 1.639); na liberdade de escolha pelo modelo de formação educacional, cultural e religiosa de sua prole (CC, art. 1.634); e na livre conduta, respeitando-se a integridade físico-psíquica e moral dos componentes da família.

Destarte, o principio da liberdade é fundamentado na liberdade

de constituição de uma vida familiar comum por meio do casamento e da união

estável, sem que haja qualquer restrição de pessoa jurídica de direito público ou

privado, no que tange às decisões livres dos conviventes ou cônjuges inerentes à

vida em comum93.

90 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. p. 21. 91 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. p. 25. 92 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. p. 22. 93 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. p. 22.

Page 35: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

34

1.6 FILIAÇÃO

Inicialmente, é importante destacar que os indivíduos unem-se

através de uma instituição familiar em razão do vínculo conjugal, união estável, de

parentesco por consanguinidade ou outra origem e da afinidade94.

Assim, prescreve o artigo 1.593 do Código Civil que o

parentesco é “natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra

origem”, a qual pode ser definida como a adoção ou inseminação artificial

heteróloga95, destacando-se, que tanto nas relações de parentesco natural como

civil é garantido o tratamento igualitário na esfera legal.

A respeito do parentesco, ensina DINIZ96 que “é a relação

vinculatória existente não só entre pessoas que descendem umas das outras ou de

um mesmo tronco comum, mas também entre os cônjuges e os parentes do outro e

entre adotante e adotado”.

Segundo leciona DINIZ97 “a filiação é o vínculo existente entre

pais e filhos; vem a ser a relação de parentesco consangüíneo em linha reta de

primeiro grau entre uma pessoa e aqueles que lhe deram a vida”.

Acerca das diferentes nuances da filiação que estão sendo

inseridas no mundo jurídico, FACHIN98 salienta que “sustentamos a presença da

paternidade sócio afetiva e de outras situações jurídicas numa perspectiva de

hermenêutica construtiva que adiante será explicitada”.

Assim, o Código Civil estabelece no capítulo que versa sobre a

filiação os pressupostos que caracterizam a presunção de paternidade dos filhos

havidos na constância do casamento, que conforme ensina DINIZ99 “a filiação

94 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito de família. p. 82. 95 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito de família. p. 85. 96 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. p. 385. 97 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. p. 396. 98 DIAS, Maria Berenice; CUNHA, Rodrigo Pereira da. Direito de família e o novo Código Civil. p. 134. 99 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. p. 399.

Page 36: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

35

matrimonial é a que se origina na constância do casamento dos pais, ainda que

anulado ou nulo”, assim sendo há presunção de paternidade.

Conforme doutrina GONÇALVES100:

Essa presunção, que vigora quando o filho é concebido na constância do casamento, é conhecida pelo adágio romano pater is est quem justae nuptiae demonstrant, segundo o qual é presumida a paternidade do marido no caso de filho gerado por mulher casada. Comumente, no entanto, é referida de modo abreviado: presunção pater is est.

Assim, no caso dos filhos havidos na constância do casamento

há presunção de paternidade (pater is est), os quais segundo o artigo 1.597 do

Código Civil de 2002 são presumidos101:

Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:

I - nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal;

II - nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento;

III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;

IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;

V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.

Em outro vértice estão os filhos havidos fora do casamento,

que em teor não incide a presunção de paternidade, segundo ensina

GONÇALVES102 “o filho havido fora do casamento, porém, não é beneficiado pela

presunção legal de paternidade que favorece aqueles”.

Segundo doutrina DINIZ103 “a filiação não-matrimonial é a

decorrente de relações extramatrimoniais”.

100 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito de família. p. 87 101 BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Diário Oficial da União: Brasília, 2002. 102 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito de família. p. 92. 103 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. p. 414.

Page 37: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

36

Destarte haja laço biológico entre o pai e o filho, não há vínculo

jurídico algum, que surge através do reconhecimento, que poderá sobrevir de acordo

com ROSANA FACHIN104: “a) do reconhecimento espontâneo; b) o denominado

voluntário e c) forçado, pela via da ação investigatória”.

Para GONÇALVES105, há apenas dois tipos de

reconhecimento: o voluntário, que é obtido através da perfilhação e o coativo,

também conhecido como forçado ou judicial, através da ação de investigação de

paternidade, de natureza declaratória e imprescritível, tratando-se de direito

personalíssimo e indisponível.

À respeito do reconhecimento judicial, DINIZ106 ensina que

“resulta de sentença proferida em ação intentada para esse fim, pelo filho, tendo,

portanto, caráter pessoal, embora os herdeiros possam continuá-la”.

Segundo GONÇALVES107 as provas de filiação podem se aferir

a paternidade socioafetiva, para qual a posse do estado de filho se funda na

nominatio (pelo apelido de família), no tratactus (designativo de tratamento de pai e

filho), e na reputatio (aparência social da relação paterno-filial).

1.6.1 Direito e deveres inerentes à filiação

A relação de autoridade dos pais com relação aos filhos

remetia-se à idéia dos filhos estarem “ao poder” dos pais e posteriormente, após o

advento da Carta Magna e do Código Civil de 2002, passou a ser identificada como

“sob guarda” dos pais108.

As atuais normas valeram-se da preservação dos interesses do

filho menor, conforme preceitua o art. 1.630 do Código Civil que “os filhos estão

sujeitos ao poder familiar, enquanto menores”, abrangendo os filhos menores na

104 DIAS, Maria Berenice; CUNHA, Rodrigo Pereira da. Direito de família e o novo Código Civil. p. 143. 105 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito de família. p. 93. 106 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. p. 425. 107 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito de família. p. 93. 108 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito de família. p. 107-108.

Page 38: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

37

emancipados, havidos ou não no casamento, ou resultantes de outra origem, desde

que reconhecidos, bem como os adotivos109.

Segundo leciona RIZZARDO110: “O pátrio poder, por exemplo,

que é um efeito da filiação, se apresenta como uma situação jurídica complexa que

compreende poderes e deveres de guarda, vigilância, assistência e representação

dos filhos”.

E acrescenta: “Lembra-se que a expressão ‘pátrio poder’

passou para ‘poder familiar’, na nomenclatura do Código Civil de 2002”111.

De acordo com o entendimento de GONÇALVES112:

Poder familiar é o conjunto de direitos e deveres atribuídos aos pais, no tocante à pessoa e aos bens de seus filhos menores. Não possui mais o caráter absoluto de que se revestia no direito romano. Por isso, já se cogitou chamá-lo de ‘pátrio dever’, por atribuir aos pais mais deveres do que direitos.

Segundo ensina DINIZ113:

O poder familiar pode ser definido como um conjunto de direitos e obrigações, quanto à pessoa e bens do filho menor não emancipado, exercido em igualdade de condições, por ambos os pais, para que possam desempenhar os encargos que a norma jurídica lhes impõe, tendo em vista o interesse e a proteção do filho.

Apesar da discussão acerca da utilização do termo “poder”, é

unânime o entendimento de que as alterações trazidas com a Constituição Federal

de 1988 e o Código Civil de 2002 foram amplas, como leciona LÔBO114:

Com a implosão, social e jurídica, da família patriarcal, cujos últimos estertores deram-se antes do advento da Constituição de 1988, não que faz sentido que seja reconstruído o instituo apenas deslocando o poder do pai (pátrio) para o poder compartilhado dos pais (familiar), pois a mudança foi muito mais intensa, na medida em que o interesse dos pais está condicionado ao interesse do filho, ou melhor, no interesse de sua realização como pessoa em formação.

109 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito de família. p. 108. 110 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. p. 2. 111 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. p. 2. 112 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito de família. p. 107. 113 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. p. 475. 114 DIAS, Maria Berenice; CUNHA, Rodrigo Pereira da. Direito de família e o novo Código Civil. p. 178.

Page 39: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

38

A família contemporânea está construída sobre os pilares dos

princípios da igualdade entre os cônjuges e da proibição da designação

discriminatória dos filhos115.

LÔBBO116, assevera que a evolução do poder familiar se deu

de forma gradativa “no sentido de transformação de um poder sobre os outros em

autoridade natural com relação aos filhos, como pessoas dotadas de dignidade, no

melhor interesse deles e da convivência familiar”, sendo este o presente caráter do

poder familiar.

Neste sentido, compete aos pais ter seus filhos sob sua guarda

e companhia, fazendo com que o Estado sempre preserve o interesse da criança,

sendo entendido como interesses básicos, ou seja, aqueles essenciais para garantir

uma vida saudável, seja na esfera física, emocional e intelectual, que conforme

ensina FACHIN117 “cujos interesses, inicialmente são dos pais, mas se

negligenciados o Estado deve intervir para assegurá-los”.

Com a mesma linha de pensamento LÔBO118 ensina:

o poder familiar, sendo menos poder e mais dever, converteu-se em múnus, concebido como encargo legalmente atribuído a alguém, em virtude de certas circunstancias, a que se não pode fugir. O poder familiar dos pais é ônus que a sociedade organizada a eles atribui, em virtude da circunstância da parentalidade, no interesse dos filhos.

E acrescenta citando PERLINGIERI119 “um verdadeiro ofício,

uma situação de direito-dever; como fundamento da atribuição dos poderes existe o

dever de exercê-los”.

Neste sentido, ensina FACHIN120, que: “O porvir reclama um

pensar da pessoa seu bem estar, que possa nos permitir que, na família, 115 DIAS, Maria Berenice; CUNHA, Rodrigo Pereira da. Direito de família e o novo Código Civil. p. 136. 116 DIAS, Maria Berenice; CUNHA, Rodrigo Pereira da. Direito de família e o novo Código Civil. p. 179. 117 DIAS, Maria Berenice; CUNHA, Rodrigo Pereira da. Direito de família e o novo Código Civil. p. 149. 118 DIAS, Maria Berenice; CUNHA, Rodrigo Pereira da. Direito de família e o novo Código Civil. p. 179-180. 119 DIAS, Maria Berenice; CUNHA, Rodrigo Pereira da. Direito de família e o novo Código Civil. p. 180.

Page 40: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

39

reconheçamos o refugio do afeto, a vida sob comunhão da afetividade e não apenas

de laços formais”.

Acerca dos direitos e deveres incumbidos aos pais com relação

aos filhos, dispõe o atual Código Civil121:

Art. 1.634. Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores:

I - dirigir-lhes a criação e educação;

II - tê-los em sua companhia e guarda;

III - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem;

IV - nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar;

V - representá-los, até aos dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento;

VI - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha;

VII - exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.

O poder familiar possui caracteres de irrenunciabilidade,

inalienabilidade, imprescritibilidade, incompatibilidade com a tutela e ainda constitui

caráter múnus público, sendo o poder familiar um direito-função ou um poder-dever

que estaria numa posição intermediária entre o direito subjetivo e o poder122.

Por fim, com relação aos direitos e deveres inerentes à

condição de pai e filho é dever do Estado, garantir a sua proteção e fixar normas

para que se desenvolvam de acordo com os princípios constitucionais basilares do

Direito de Família, mencionando por fim que o poder familiar é irrenunciável,

indelegável e imprescritível123.

120 DIAS, Maria Berenice; CUNHA, Rodrigo Pereira da. Direito de família e o novo Código Civil. p. 150. 121 BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Diário Oficial da União: Brasília, 2002. 122 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, v. 5: direito de família. p. 476-477. 123 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito de família. p. 108.

Page 41: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

40

CAPÍTULO 2

ASPECTOS GERAIS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

2.1 CONCEITO

Inicialmente, para conhecer-se o instituto da responsabilidade

civil, deve-se compreender o conceito jurídico de responsabilidade.

A palavra “responsabilidade” advém do vocábulo “responsável”,

do verbo “responder”, do latim respondere, que significa responsabilizar-se, vir

garantido, assegurar, assumir o pagamento do que se obrigou, ou do ato que

praticou124.

O Dicionário Jurídico da Academia Brasileira de Letras

Jurídicas125 oferece a seguinte conceituação acerca da responsabilidade:

“RESPONSABILIDADE. S.f. (Lat., de respondere, na acep. de assegurar, afiançar.)

Dir. Obr. Obrigação, por parte de alguém, de responder por alguma coisa resultante

de negócio jurídico ou de ato ilícito”.

Com o mesmo entendimento, ensina STOCO126: “A noção de

responsabilidade pode ser haurida da própria origem da palavra, que vem do verbo

latim respondere, responder a alguma coisa, ou seja, a necessidade que existe de

responsabilizar alguém por seus atos danosos”.

GAGLIANO e PAMPLONA FILHO127, também seguindo os

ensinamentos anteriores aduzem:

“A palavra ‘responsabilidade’ tem sua origem no verbo latino respondere, significando a obrigação que alguém tem de assumir com as conseqüências jurídicas de sua atividade, contendo, ainda, a

124 SILVA, de Plácido e. Vocabulário jurídico. p. 713. 125 Academia Brasileira de Letras Jurídicas. Dicionário Jurídico, 3. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 679. 126 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. p. 118. 127 GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. p.1-2.

Page 42: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

41

raiz latina de spondeo, fórmula através da qual se vinculava, no Direito Romano, o devedor nos contratos verbais”.

É importante mencionar, por sua vez, que a própria civilização

humana, impôs na sociedade o dever que todos têm de responder por seus atos,

traduzindo por sua vez a competente noção de justiça128.

STOCO129, doutrina que: “Mais aproximada de uma definição

de responsabilidade é a idéia de obrigação”.

Outrossim, entende-se que responsável, responsabilidade,

assim como, enfim todos os vocábulos cognatos, exprimem a idéia de equivalência

de contraprestação, de correspondência, sendo possível fixar a noção de

responsabilidade de repercussão obrigacional, o que não pode valer-se de

perfeição130.

VENOSA131 ensina: “O termo responsabilidade é utilizado em

qualquer situação na qual alguma pessoa, natural ou jurídica, deva arcar com as

conseqüências de um ato, fato, ou negócio danoso”.

Assim sendo, na esfera jurídica, responsabilidade é uma

obrigação derivada, ou seja, um dever jurídico sucessivo, onde o agente assume as

conseqüências jurídicas do não cumprimento de uma obrigação oriunda de contrato

ou de determinação legal132.

STOCO133 destaca:

Envolve a responsabilidade jurídica, desse modo, a pessoa que infringe a norma, a pessoa atingida pela infração, o nexo causal entre o infrator e infração, o prejuízo ocasionado, a sanção aplicável e a reparação, consistente na volta ao status quo ante da produção do dano.

128 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. p. 118. 129 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. p. 119. 130 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. p. 119. 131 VENOSA, Sílvio de Sálvio. Direito civil: responsabilidade civil. p. 1. 132 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 2. 133 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. p. 120.

Page 43: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

42

O termo “civil” refere-se ao cidadão, assim considerado nas

suas relações com os demais membros da sociedade, dos quais resultem

obrigações e direitos.

De acordo com a junção destes dois termos, observa-se a

conceituação de Diniz134 para o tema:

A responsabilidade civil é a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar o dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesma praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal.

CRETELA JÚNIOR135 aduz:

A responsabilidade jurídica nada mais é do que a própria igura da responsabilidade,in genere, transportada para o campo do direito, situação originada por ação ou omissão de sujeito de direito público ou privado que, contrariando norma objetiva, obriga o infrator a responder com sua pessoa ou bens.

Destaca-se que é pertinente compreender a distinção de ato

jurídico e ato ilícito, que tem como conseqüência a responsabilização136.

STOCO apud MONTEIRO137, ensina que: “Ato jurídico ‘é ato de

vontade, que produz efeitos de direito; ato ilícito também é ato de vontade, mas que

produz efeitos jurídicos independentemente da vontade do agente”.

O fundamento jurídico acerca da responsabilidade civil para

efeito de reparação de dano injustamente causado é sustentada na máxima romana

neminem laedere, ou seja, “não lesar ninguém”138.

Neste sentido, leciona STOCO139: “Do que se infere que a

responsabilização é meio e modo de exteriorização da própria Justiça e a

134 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 35. 135 JÚNIOR, Cretella José. O Estado e a obrigação de indenizar. p.11. 136 STOCO. Rui. Tratado de responsabilidade civil. p. 118. 137 STOCO. Rui. Tratado de responsabilidade civil. p. 118. 138 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil.p. 2. 139 STOCO. Rui. Tratado de responsabilidade civil. p. 118.

Page 44: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

43

responsabilidade é a tradução para o sistema jurídico do dever moral de não

prejudicar o outro, ou seja, o neminem laedere”.

O repositório legal, atribuído ao artigo 186 do Código Civil140

atual, determina que: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou

imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral,

comete ato ilícito”.

Ensina GAGLIANO E PAMPLONA FILHO141 acerca da

responsabilidade civil:

[...] na responsabilidade civil, o agente que cometeu o ilícito tem a obrigação de reparar o dano patrimonial ou moral causado, buscando restaurar o status quo ante, obrigação esta que, se não fora mais possível, é convertida no pagamento de uma indenização (na possibilidade de avaliação pecuniária do dano) ou de uma compensação (na hipótese de não se poder estimar patrimonialmente este dano).

Na mesma linha de pensamento, DINIZ142 leciona que:

a responsabilidade civil requer prejuízo a terceiro – particular ou Estado. A responsabilidade civil, por ser repercussão do dano privado, tem por causa geradora o interesse em restabelecer o equilíbrio jurídico alterado ou desfeito pela lesão, de modo que a vítima poderá pedir reparação do prejuízo causado, traduzida na recomposição do status quo ante ou numa importância em dinheiro.

STOCO apud RODRIGUES143 aduz que “o princípio informador

de toda a teoria de responsabilidade é aquele que impõe ‘a quem causa dano o

dever de reparar’”.

RODRIGUES apud SAVATIER144 aduz a responsabilidade civil

como “a obrigação que pode incumbir uma pessoa de reparar o prejuízo causado a

outra, por fato próprio ou por fato de pessoas ou coisas que dele dependam”.

140 BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Diário Oficial da União: Brasília, 2002. 141 GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 4. 142 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 23-24. 143 STOCO, Rui.Tratado de responsabilidade civil. p. 119. 144 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: responsabilidade civil. p. 6.

Page 45: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

44

Assim, segundo leciona DINIZ145, “a responsabilidade civil

pressupõe uma relação jurídica entre a pessoa que sofreu o prejuízo e a que deve

repará-lo, deslocando o ônus do dano sofrido pelo lesado para outra pessoa que,

por lei, deverá suportá-lo”.

Por fim, pode-se dizer que a responsabilidade civil traduz a

obrigação da pessoa física ou jurídica ofensora de reparar o dano causado por

conduta que viola um dever jurídico preexistente de não lesionar (neminem laedere)

implícito ou expresso em lei146.

2.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA

Inicialmente, nas primeiras civilizações humanas conhecidas,

dominava a vingança coletiva, ou seja, os indivíduos de certos grupos retribuíam

coletivamente a ofensa a um de seus componentes147.

Após esta fase inicial, houve a evolução para vingança privada,

onde o agente causador do dano gerava na vítima uma idéia de vingança contra seu

agressor, trazendo então, a idéia da justiça feita pelas próprias mãos, ou seja, a

premissa de olho por olho, dente por dente, conforme pregava a Lei de Talião148.

DINIZ149 aponta a evolução da vingança coletiva para a

vingança privado, no sentido que “os homens faziam justiça pelas próprias mãos,

sob a égide da Lei de Talião, ou seja, da reparação do mal pelo mal, sintetizada nas

fórmulas ‘olho por olho, dente por dente, ‘quem com ferro fere, com ferro será

ferido’”.

Segundo GAGLIANO E PAMPLONA FILHO150:

145 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 7. 146 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. p. 120. 147 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 10. 148 BARROS. Washington de. Curso de direito civil. p. 385. 149 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 10. 150 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. p. 10.

Page 46: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

45

De fato, nas primeiras formas organizadas de sociedade, bem como nas civilizações pré romanas, a origem do instituto está calcada na concepção de vingança privada, forma por certo rudimentar, mas compreensível do ponto de vista humano como lídima reação pessoa contra o mal sofrido.

Contudo, o poder público passou a preocupar-se com este tipo

de reação, passando então a intervir e decidir quando a vítima poderia ter direito a

retaliação, retribuindo o dano da mesma maneira em que foi lesado151.

Essa expressão natural de vingança privada era

consubstanciada na Pena de Talião, da qual se encontravam traços na Lei das XII

Tábuas152.

Da Lei das XII Tábuas, pode-se extrair da Tábua VII, lei 11º o

seguinte: “si membrum rupsit. ni cum eo pacit, tálio esto”, significando que se alguém

fere a outrem, que sofra a pena de Talião, salvo se existiu acordo. Neste caso era

caracterizada a responsabilidade objetiva, ou seja, independia de culpa, sendo

apenas uma reação do lesado em desfavor do causador do dano153.

A respeito da pena de Talião COELHO154, adverte que:

A pena de Talião,que autorizava a vítima a causar dano proporcional no agente,tendo como efeito o olho por olho, dente por dente, só aumentava o prejuízo, em vez de um escravo morto eram dois, revelando-se um verdadeiro disparate em termos de eficiência econômica.

No entanto, pode-se observar ao longo da história que esse

tipo de reação a um dano, rumou para conseqüências negativas para a sociedade,

pois uma retaliação gerava outra e os danos passaram a ser sucessivos.

VENOSA155 ensina: “A sociedade primitiva reagia com a

violência. O homem de todas as épocas também o faria, não fosse reprimido pelo

ordenamento jurídico”.

151 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 11. 152 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. p. 10. 153 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 11. 154 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil. 2 ed. v.2. São Paulo: Saraiva 2005. p. 259. 155 VENOSA, Silvio de Salvo.Direito civil: responsabilidade civil.16.

Page 47: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

46

Diante disto, observou-se que seria mais vantajoso que

houvesse a composição de acordo em que o autor ofensa, reparava o dano

mediante o pagamento de certo quantia em dinheiro (poena)156.

GAGLIANO e PAMPLONA FILHO157 ensinam: “Assim, em vez

de impor que o autor de um dano a um membro do corpo sofra a mesma quebra, por

força de uma solução transacional, a vítima receberia, a seu critério e a título de

poena, uma importância em dinheiro ou outros bens”.

Importante faz-se esclarecer que segundo ensina DINIZ158, o

pagamento da poena poderia ser: “a critério da autoridade publica, se o delito fosse

público (perpetrado contra direitos relativos à res publica, e do lesado, se se tratasse

de direito privado (efetivado contra interesse de particulares)”.

Porém, segundo VENOSA159, foi a Lex Aquilia, o divisor de

águas da responsabilidade civil:

Esse diploma, de uso restrito a princípio, atinge dimensão ampla na época de Justiniano, como remédio jurídico de caráter geral; como considera o ato ilícito uma figura autônoma, surge desse modo, a moderna concepção da responsabilidade extracontratual.

Com o mesmo entendimento GAGLIANO E PAMPLONA

FILHO160 aduzem: “Um marco na evolução histórica de responsabilidade civil se dá,

porém, com a edição da Lex Aquilia, cuja importância foi tão grande que deu nome à

nova designação de responsabilidade civil delitual ou extracontratual”.

Assim, a Lex Aquilia de damno, estabeleceu as bases da

responsabilidade extracontratual, oportunidade em que a idéia de reparação de dano

mediante prestação pecuniária ficou pacificada, observando-se que o patrimônio do

lesante teria que suportar o ônus da reparação e neste momento passou a

156 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 11. 157 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. p. 10. 158 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 11. 159 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. p. 17. 160 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. p. 11.

Page 48: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

47

evidenciar a culpa do agente causador do dano, sem que no caso de inexistência

desta, o lesante era isentado de qualquer responsabilidade161.

Acerca da Lex Aquilia, ensina GAGLIANO E PAMPLONA

FILHO162:

Constituída em três partes, sem haver revogado totalmente a legislação anterior, sua grande virtude é propugnar pela substituição das multas fixas por uma pena proporcional ao dano causado. Se seu primeiro capítulo regulava o caso da morte dos escravos ou dos quadrúpedes que pastam em rebanho; e o segundo, o dano causado por um credor acessório ao principal, que abate a dívida com prejuízo do primeiro; sua terceira parte se tornou a mais importante para a compreensão da evolução da responsabilidade civil.

VENOSA163 aduz que: “Como os escravos eram considerados

coisas, a lei também se aplicava na hipótese de danos ou morte deles”.

De antemão, estas sanções passaram a ser aplicadas aos

danos causados por omissão ou verificados sem o estrago físico e material do bem,

fazendo que com que o Estado de forma efusiva passasse a exercer influência nos

conflitos privados, exigindo à vítima a renúncia da vingança e a aceitação de

composição de acordo com o agente causador do dano164.

Neste momento ainda não era determinada e nítida a distinção

entre a responsabilidade civil e penal, sendo que no Direito Romano, tal sanção

tinha caráter de pena, bem como de reparação. No entanto, foi na Idade Média, que

houve a estruturação da idéia de dolo e de culpa stricto sensu, seguida de uma

elaboração dogmática da culpa, distinguindo-se a responsabilidade civil da pena165.

Ao longo da evolução deste instituto o Direito Francês

aperfeiçoou as idéias extraídas do Direito Romano, estabelecendo princípios que

161 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 11. 162 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. p. 11. 163 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. p. 17. 164 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 11. 165 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 11.

Page 49: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

48

posteriormente vieram a influenciar outros povos com referência a reparação de

danos166.

Destarte, o Código de Napoleão trouxe a distinção entre a

culpa delitual e a contratual, sendo que a partir deste momento, surge a idéia de

responsabilidade civil fundada na culpa, a qual propagou-se nas legislações do

mundo ocidental167.

VENOSA168 leciona:

A história da responsabilidade civil na cultura ocidental é exemplo marcante dessa situação absolutamente dinâmica, desde a clássica idéia de culpa ao risco, das modalidades clássicas de indenização para as novas formas como a perda de uma chance e criação de fundos especiais para determinadas espécies de dano.

No que diz respeito à responsabilidade civil e seu processo

evolutivo do último século, alcançou espaços de apliabilidade insuspeitáveis,

principalmente através da criação pretoriana, contribuição notável dos tribunais,

ingressando por sua vez, no sentido de interferir nas relações humanas, acautelando

e resguardando seus bens patrimoniais e morais de maneira acentuada e forte169.

2.3 ELEMENTOS

É importante destacar que para que se entenda cabível a

obrigação de reparar consistente na responsabilidade civil, necessário se faz ter a

presença dos elementos autorizadores da responsabilidade civil.

Ensina STOCO170: “Na etimologia da responsabilidade civil,

estão presentes três elementos, ditos essenciais na doutrina subjetivista: a ofensa a

uma norma preexistente ou erro de conduta; um dano; e o nexo de causalidade

entre uma e outro”.

166 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. p. 17. 167 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 12. 168 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. p. 17. 169 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. p. 148. 170 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. p. 146.

Page 50: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

49

De acordo com GAGLIANO e PAMPLONA FILHO171 ao

analisar o artigo 186 do Código Civil Brasileiro, pode-se extrair os seguintes

elementos ou pressupostos gerais da responsabilidade civil: a) conduta humana

(positiva ou negativa); b) dano ou prejuízo; c) o nexo de causalidade.

De acordo com o ensinamento de STOCO172: “A idéia central,

inspiradora dessa construção, reside no princípio multissecular do neminem laedere

(a ninguém se deve lesar), uma das expressões primeiras do denominado ‘direito

natural’”.

Assim, de acordo com o dispositivo legal outrora mencionado,

o doutrinador STOCO apud AMARAL173 aduz que os pressupostos do ato ilícito são

os seguintes: “um dever violado (elemento objetivo) e a imputabilidade do agente

(elemento subjetivo)”.

Por outras palavras, é o ilícito figurando como fonte geradora

de responsabilidade174.

2.3.1 Ação ou omissão do agente

O elemento primário de todo Ilícito é uma conduta humana e

voluntária no mundo exterior175.

GAGLIANO e PAMPLONA FILHO176 ensinam que a ação (ou

omissão) humana voluntária é pressuposto necessário para a configuração da

responsabilidade civil, pois: “Trata-se, em outras palavras, da conduta humana,

positiva ou negativa (omissão), guiada pela vontade do agente, que desemboca no

dano ou prejuízo”.

171 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 23. 172 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. p. 128. 173 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. p. 124. 174 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. p. 128. 175 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. p. 131. 176 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 27.

Page 51: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

50

Com o mesmo entendimento, leciona DINIZ177 que a

responsabilidade civil requer:

existência de uma ação, comissiva ou omissiva, qualificada juridicamente, isto é, que se apresenta como um ato ilícito ou licito, pois ao lado da culpa, como fundamento da responsabilidade, temos o risco. [...] Ter-se-á ato ilícito se a ação contrariar dever geral previsto no ordenamento jurídico, integrando-se na seara da responsabilidade extracontratual [...], e se ela não cumprir obrigação assumida, caso em que se configura a responsabilidade contratual.

Assim, o núcleo fundamental é a noção de conduta humana, ou

seja, a voluntariedade, que resulta da liberdade de escolha do agente imputável,

com discernimento necessário para ter consciência daquilo que faz178.

Segundo STOCO179 “a lesão a bem jurídico cuja existência se

verificará no plano normativo da culpa, está condicionada à existência, no plano

naturalístico da conduta, de uma ação ou omissão que constitui a base do resultado

lesivo”.

A responsabilidade do agente pode decorrer tanto de um ato

próprio quanto ato de terceiro a quem esteja sob sua responsabilidade, bem como

de coisas que estejam sob sua responsabilidade.

No caso de responsabilidade por ato próprio, fica configurado o

que predispõe este instituto, ou seja, se um indivíduo por uma ação própria infringe

preceito legal, prejudicando terceiro, é cediço que este deve reparar o dano

cometido180.

Em outro plano, quando ocorre a responsabilidade por ato de

terceiro, o dano causado a outrem não decorre de ato próprio, como por exemplo, no

caso da responsabilidade dos pais com relação aos atos praticados por seus filhos

menores181.

177 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 37. 178 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 27. 179 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. p. 131. 180 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 37. 181 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 28.

Page 52: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

51

Leciona STOCO182: “A omissão é uma conduta negativa. Surge

porque alguém não realizou determinada ação. A sua essência está propriamente

em não ter agido de determinada forma”.

Segundo ensina GAGLIANO E PAMPLONA FILHO183 a

conduta positiva “traduz-se pela prática de um comportamento ativo, positivo, a

exemplo do dano causado pelo sujeito que, embriagado, arremessa o seu veículo

contra o muro do vizinho”.

Destarte, a indenização é conseqüência de uma ação ou

omissão do lesante que infringe um preceito legal, norma contratual ou social, isto é,

no caso de tal conduta ser praticada com abuso de direito184.

2.3.2 Nexo de causalidade

O nexo de causalidade constitui um dos elementos essenciais

da responsabilidade civil185.

DINIZ186 leciona:

O vínculo entre o prejuízo e a ação designa-se ‘nexo causal’, de modo que o fato lesivo deverá ser oriundo da ação, diretamente ou como sua conseqüência previsível. Tal nexo representa, portanto, uma relação necessária entre o evento danoso e a ação que o produziu, de tal sorte que esta é considerada como sua causa.

STOCO apud CAVALIERI FILHO187 ensina que “o conceito de

nexo causal não é jurídico; decorre das leis naturais, constituindo apenas o vincula,

a ligação ou relação de causa e efeito entre a conduta e o resultado”.

182 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. p. 131. 183 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 29. 184 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 40. 185 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. p. 145. 186 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 111. 187 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. p. 145.

Page 53: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

52

Segundo ensinam GAGLIANO E PAMPLONA FILHO: "Trata-

se, pois, do elo etiológico, do liame, que une a conduta do agente (positiva ou

negativa) ao dano”.

STOCO188 aduz que “é necessário que se estabeleça uma

relação de causalidade entre a injuridicidade da ação e o mal causado. [...] O nexo

causal se torna indispensável, sendo fundamental que o dano tenha sido causado

pela culpa do sujeito”.

DINIZ189 adverte ainda acerca do nexo de causalidade que por

ser “um dos pressupostos da responsabilidade civil, ele deverá ser provado. O onus

probandi caberá ao autor da demanda”.

É importante esclarecer que na caracterização do nexo de

causalidade, há de ser observadas algumas questões ditas essenciais, tais como a

dificuldade em sua comprovação, bem como a identificação do fato originário do

dano190.

2.3.3 Dano experimentado pela vítima

É evidente que para que se configure a responsabilidade civil,

é necessário que do ato decorra dano a outrem, pois é um pressuposto para que

haja obrigação de indenizar na esfera civil.

Segundo ensina STOCO191 “a doutrina é unânime em afirmar,

como não poderia deixar de ser, que não há responsabilidade sem prejuízo. O

prejuízo causado pelo agente é o ‘dano’”.

DINIZ192 por sua vez também demonstra a importância deste

instituto: “O dano é um dos pressupostos da responsabilidade civil, contratual ou

188 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. p. 146. 189 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 113. 190 VENOSA, Sílvio de Sálvio. Direito civil: responsabilidade civil. p. 47. 191 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. p. 123. 192 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 61.

Page 54: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

53

extracontratual, visto que não poderá haver ação de indenização sem a existência

de um prejuízo”.

O dano é elemento essencial e indispensável à

responsabilização do agente, seja essa obrigação originada de ato ilícito como de

inadimplemento contratual, independente, ainda, de se tratar de responsabilidade

objetiva ou aquiliana193.

VENOSA ensina194: “Sem dano ou sem interesse violado,

patrimonial ou moral, não se corporifica a indenização. A materialização do dano

ocorre com a definição do efetivo prejuízo suportado pela vítima”.

Neste sentido, a obrigação nasce no momento em que a lei ou

preceito contratual são violados, decorrendo de tal conduta, o dano, que deverá ser

reparado195.

O artigo 944 do Código Civil Brasileiro196 adverte que “a

indenização mede-se pela extensão do dano”.

Esse elemento essencial da responsabilidade civil pode ainda

ser definido como a lesão, ou seja, a destruição ou diminuição em qualquer bem ou

interesse jurídico do lesado, a medida que deriva de um evento determinado, que

acontece contra sua vontade197.

STOCO198 leciona sob sua subdivisão: “O dano pode ser

ordem patrimonial, também dito material, ou de ordem moral”.

No dano material, não é possível o retorno ao statu quo ante,

se indeniza pelo equivalente em dinheiro, enquanto o dano moral, por não ter

193 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. p. 123. 194 VENOSA, Sílvio de Sálvio. Direito civil: responsabilidade civil. p. 33. 195 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. p. 123. 196 BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Diário Oficial da União: Brasília, 2002. 197 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 64. 198 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. p. 129.

Page 55: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

54

equivalência patrimonial ou expressão matemática, se compensa com um valor

convencionado, mais ou menos aleatório199.

No que diz respeito ao dano material, que também pode ser

denominado dano patrimonial, este pode ser analisado segundo GAGLIANO E

PAMPLONA FILHO200 sob dois aspectos:

o dano emergente – correspondente ao efetivo prejuízo experimentado pela vítima, ‘o que ela perdeu’; os lucros cessantes – correspondente àquilo que a vítima deixou razoavelmente de lucrar por força do dano, ou seja, ‘o que ela não ganhou’.

Em outro vértice, o chamado dano moral corresponde à ofensa

causada a pessoa a parte subjecti, ou seja, atingindo bens e valores de ordem

interna ou anímica, como a honra, a imagem, o bom nome, a intimidade, a

privacidade, enfim, todos os atributos da personalidade201.

Diante disto, o dano essencialmente deve ser real e efetivo,

sendo de extrema necessidade que a lesão, bem como que decorrente da conduta

do lesante perante o lesado ocorra repercussão sobre a pessoa ou patrimônio

desta202.

2.4 RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL E EXTRACONTRATUAL

A responsabilidade civil pode ser compreendida com relação a

natureza da norma jurídica violada pelo agente causador do dano, no sentido que

pode haver uma subdivisão em responsabilidade civil contratual e responsabilidade

civil extracontratual203.

Importante aduzir que é de suma importância o conhecimento e

distinção entre a responsabilidade contratual e a extracontratual, pois a primeira,

199 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. p. 130. 200 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 41. 201 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. p. 130. 202 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 65. 203 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 16.

Page 56: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

55

tem-se o dano a parir do descumprimento de uma obrigação contratual e a segunda

estabelece-se através da lesão a uma norma geral de direito204.

Dentro dessa distinção, VENOSA205 ensina que é o dever

violado “o ponto de partida, não importando se dentro ou fora de uma relação

contratual”.

2.4.1 Responsabilidade civil contratual

A responsabilidade civil contratual decorre do descumprimento

de obrigação anteriormente fixada num contrato pelas partes206.

Segundo GAGLIANO e PAMPLONA FILHO207:

para caracterizar a responsabilidade civil contratual, faz-se necessário que a vítima e o autor do dano já tenha se aproximado anteriormente e se vinculado para cumprimento de uma ou mais prestações, sendo a culpa contratual a violação de um dever de adimplir, que constitui justamente o objeto do negócio jurídico [...]

Entende RODRIGUES208, que:

A responsabilidade contratual tem como dever legal o inadimplemento da obrigação contratada anteriormente pelo agente ativo e pelo agente passivo da obrigação, na hipótese de responsabilidade contratual, antes de a obrigação de indenizar emergir, existe entre o inadimplente e seu co-contratante, um vínculo jurídico derivado de convenção.

De acordo com VENOSA209, na culpa contratual é examinado

“o inadimplemento como seu fundamento e os termos e limites na obrigação”.

Assim, na responsabilidade contratual a culpa é presumida, o

que neste caso gera a inversão do ônus da prova210.

204 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: responsabilidade civil. p. 8. 205 VENOSA, Sílvio de Sálvio. Direito civil: responsabilidade civil. p. 20. 206 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 16. 207 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 18. 208RODRIGUES, Silvio.Direito civil: responsabilidade civil. p. 9. 209 VENOSA, Sílvio de Sálvio. Direito civil: responsabilidade civil. p. 20.

Page 57: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

56

A responsabilidade contratual possui princípios que a regem,

sendo imprescindível, para sua configuração a existência de um vínculo contratual

entre o credor e o devedor; a necessidade de desrespeito ao contrato, no todo ou

em parte, por um ou ambos os contratantes ou terceiros; e por fim, a ligação de

causalidade entre o dano e a inexecução do contrato, tanto com relação à obrigação

principal quanto na obrigação acessória211.

2.4.2 Responsabilidade civil extracontratual

A responsabilidade civil extracontratual, também denominada

responsabilidade civil aquiliana é entendida no caso de um prejuízo decorrente da

violação de um preceito legal decorrente de uma conduta ilícita do agente212.

De acordo com DINIZ213:

A responsabilidade extracontratual, delitual ou auiliana decorre de violação legal, ou seja, de lesão a um direito subjetivo ou da prática de um ato ilícito, sem que haja nenhum vínculo contratual entre lesado e lesante. Resulta, portanto, da inobservância de norma jurídica ou de infração ao dever jurídico geral de abstenção atinente aos direitos reais ou de personalidade, ou melhor, de violação à obrigação negativa de não prejudicar ninguém.

Segundo VENOSA214: “Na culpa aquiliana ou extranegocial,

levamos em conta a conduta do agente e a culpa em sentido lato”.

No que diz respeito ao agente, a responsabilidade civil

extracontratual poderá ser direta ou simples, se resultante de ato da própria pessoa

imputada, que neste caso, responderá por seu ato, e, indireta ou complexa, no caso

de resultar de conduta de terceiro, como o qual o agente tenha vínculo legal de

responsabilidade de fato de animal e de coisa inanimada sob sua guarda215.

210 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 18. 211 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 287. 212 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 16-17. 213 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 525. 214 VENOSA, Sílvio de Sálvio. Direito civil: responsabilidade civil. p. 20. 215 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 526.

Page 58: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

57

Portanto, na culpa aquiliana, a violação é feito no que diz

respeito ao dever necessariamente negativo, ou seja, é baseado na obrigação de

não causar dano a ninguém, sendo que neste caso a culpa deve ser comprovada

pela vitima216.

2.5 RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA E SUBJETIVA

A responsabilidade civil é conseqüência de fenômenos

jurídicos, os quais possuem algumas particularidades, motivo pelo qual faz-se

necessário estabelecer uma classificação, principalmente levando em consideração

a questão da culpa e a natureza do preceito jurídico violado217.

2.5.1 Responsabilidade civil subjetiva

A responsabilidade civil subjetiva decorre de ato culposo ou

doloso que cause dano a outrem, sendo imperioso afirmar que em princípio cada um

responde pela própria culpa 218.

Neste tipo de responsabilidade civil é o ato ilícito é o seu fato

gerador, de modo que o lesante, deve ressarcir o prejuízo, no caso de comprovação

de dolo ou culpa219.

É importante destacar que sempre caberá ao autor o ônus de

provar a culpa do agente causador do dano, como observa PEREIRA220:

na tese de presunção de culpa subsiste o conceito genérico de culpa como fundamento da responsabilidade civil. Onde se distancia da concepção subjetiva tradicional é no que concerne ao ônus da prova. Dentro da teoria clássica de culpa, a vítima tem de demonstrar a existência dos elementos fundamentais de sua pretensão, sobressaindo o comportamento culposo do demandado. Ao se

216 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 18. 217 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 13. 218 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 13. 219 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: Responsabilidade civil. p. 55. 220 PEREIRA, Caio Mario. Responsabilidade civil. 9. ed, Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 265-266.

Page 59: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

58

encaminhar para a especialização de culpa presumida, ocorre a inversão do ônus probandi. Em certas circunstancias, presume-se o comportamento culposo do causador do dano, cabendo-lhe demonstrar a ausência de culpa, para se eximir do dever de indenizar. Foi um modo de afirmar a responsabilidade civil, sem a necessidade de provar o lesado a conduta culposa do agente, mas sem repelir o pressuposto subjetivo da doutrina tradicional.

Destarte, na responsabilidade civil subjetiva, o centro de exame

é o ato ilícito, sendo que o dever de indenizar é essencialmente a configuração do

dever de conduta que origina o ato ilícito221.

2.5.1.1 Culpa do agente A culpa é entendida como elemento acidental da

responsabilidade civil, tendo em vista que é fundamental sua configuração no caso

da responsabilidade civil subjetiva.

Assim, levando em consideração sua essencialidade, a culpa

ou dolo do agente que causou prejuízo, por determinação legal, obriga a indenizar o

individuo que causar prejuízo a outrem por meio de ação ou omissão voluntaria,

negligencia ou imperícia222.

STOCO223 apud CAVALIERI FILHO aduz que “a culpa se

caracteriza mediante ‘conduta voluntária contrária ao dever de cuidado imposto pelo

Direito, com a produção de um evento danoso involuntário, porém previsto ou

previsível’”.

O ordenamento jurídico brasileiro tem como regra geral que o

dever de ressarcimento pela conduta ilícita decorrente da culpa224.

STOCO225 aduz que a culpa:

221 VENOSA, Sílvio de Sálvio. Direito civil: responsabilidade civil. p. 23. 222 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 13. 223 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. p. 132. 224 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 41. 225 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. p. 132.

Page 60: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

59

pode empenhar ação ou omissão e revela-se através da imprudência: comportamento açodado, precipitado, apressado, exagerado ou excessivo; negligência: quando o agente se omite deixa de agir quando deveria fazê-lo e deixa de observar regras subministradas pelo bom senso, que recomendam cuidado, atenção e zelo; e imperícia: a atuação profissional sem o necessário conhecimento técnico ou cientifico que desqualifica o resultado e conduz ao dano.

Na esfera do Direito Civil, quando a menção de culpa, esta

deve abranger a culpa e o dolo, a primeira podendo ser compreendida em sentido

amplo e em sentido estrito226.

Assim, em sentido amplo, a culpa é a violação de um dever

jurídico, imputável a alguém, decorrente de uma conduta intencional, bem como de

uma omissa de diligência ou cautela, compreendendo neste caso, o dolo, que é a

violação intencional do dever jurídico, e a culpa em sentido estrito, que por sua vez,

é caracterizada pela imperícia, imprudência ou negligencia, sem intenção de violar

algum dever pré estabelecido227.

Acerca do dolo, ensina STOCO apud PEREIRA228:

Dolo, ou culpa consciente, dizia-se a infringência de uma norma com o propósito deliberado de causar um mal ou praticar uma ‘injuria’, ou cometer um delito. Seria o ato praticado com a finalidade de causar o dano. Noutros termos, o ato inspirado na intenção de lesar – animus injuriandi [...]. No dolo haveria, então, além da contraveniência a uma norma jurídica, a vontade de promover o resultado maléfico.

STOCO229 acrescenta ainda que a culpa stricto sensu “é o agir

inadequado, equivocado, por força de comportamento negligente, imprudente ou

imperito, embora o agente não tenha querido o resultado lesivo, desde que

inescusável”. A culpa é entendida como elemento acidental da responsabilidade

civil, tendo em vista que é fundamental sua configuração no caso da

responsabilidade civil subjetiva.

Levando em consideração sua essencialidade, a culpa ou dolo

do agente que causou prejuízo, por determinação legal, obriga a indenizar o

226 VENOSA, Sílvio de Sálvio. Direito civil: responsabilidade civil. p. 23. 227 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 43. 228 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. p. 135. 229 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. p. 135.

Page 61: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

60

individuo que causar prejuízo a outrem por meio de ação ou omissão voluntaria,

negligencia ou imperícia230.

Ainda com relação a culpa, deve-se conhecer a sua

classificação.

Inicialmente, há a classificação de culpa em função da

natureza do dever violado, podendo ser contratual, no caso do dever ser decorrente

da força de um contrato, ou, extracontratual ou aquiliana, se o dever se fundar na

violação de preceito geral de direito231.

Com este entendimento, ensina STOCO232:

Na culpa ocorre sempre violação de um dever preexistente; se esse dever se funda num contrato, a culpa é contratual; se no preceito geral, que manda respeitar a pessoa e os bens alheios (alterum non laedere), a culpa é extracontratual ou aquiliana.

A violação do dever, segundo GLAGLIANO e PAMPLONA

FILHO233 é quando “a culpa implica a violação de um dever de cuidado”.

A culpa também é classificada em razão de sua graduação,

onde destaca-se os três graus de culpa: culpa lata ou grave, leve e levíssima234.

De acordo com GAGLIANO e PAMPLONA FILHO235 na culpa

grave “embora não intencional, o comportamento do agente demonstra que o

mesmo atuou ‘como se tivesse querido o prejuízo causado à vítima’, o que inspirou o

ditado ‘culpa lata dolo aequiparatur’”.

230 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 126. 231 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 44. 232 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. p. 136. 233 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 126. 234 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. p. 136. 235 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 126.

Page 62: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

61

Assim, na culpa grave, embora não intencional, seu autor, sem

“querer” causar o dano, comportou-se como se o tivesse querido236.

DINIZ237 por sua vez, ensina: “A culpa será grave quando,

dolosamente, houver negligência extrema do agente, não prevendo aquilo que é

previsível ao comum dos homens”.

A falta de diligência média que um homem normal observa em

sua conduta caracteriza a culpa leve238, deste mesmo entendimento se valem

GAGLIANO e PAMPLONA FILHO239.

A culpa leve ocorre segundo DINIZ, “quando a lesão de direito

puder ser evitada com atenção ordinária, ou adoção de diligências próprias de um

bonus pater famílias.

STOCO240 em contra partida afirma: “Culpa levíssima, a falta

cometida em razão de uma conduta que escaparia ao padrão médio, mas que um

diligentíssimo pater familias, naturalmente cuidadoso guardaria”.

Importante mencionar que também deste entendimento se

valem GAGLIANO e PAMPLONA FILHO241.

Para DINIZ242 a culpa levíssima acontece “se a falta for evitável

por uma atenção extraordinária, ou especial habilidade e conhecimento singular”.

Segundo GAGLIANO e PAMPLONA FILHO243, estabelece-se

ainda a distinção acerca da voluntariedade acerca do comportamento do agente, ou

236 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. p. 140. 237 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 44. 238 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. p.140. 239 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 126. 240 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. p. 140. 241 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 126. 242 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 44. 243 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 126.

Page 63: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

62

seja, “a atuação do agente causador do dano dever ser voluntária, para que se

possa reconhecer a culpabilidade.

Há ainda a distinção com outras modalidades de culpa: culpa in

eligendo, culpa in vigilando, culpa in committendo, culpa in omittendo, culpa in

custodiendo244.

Para VENOSA245: “Culpa in eligendo é oriunda da má escolha

do representante ou preposta.

Culpa in vigilando decorre da falta de atenção com o

procedimento adotado por outrem246.

A culpa in committendo, por sua vez, é verificada quando o

agente pratica ato positivo (imprudência), sendo que neste caso o sujeito procede

precipitadamente ou sem prever integralmente as consequências da ação, enquanto

a in omittendo decorre de abstenção (negligência), ou seja, há um desajuste

psíquico traduzido no procedimento antijurídico, ou uma omissão de certa atividade

que teria evitado o resultado danoso247.

Observando-se ainda as nuances da culpa, tem-se o aspecto

da culpa in concreto ou culpa in abstracto248

Segundo STOCO249:

Na primeira, o agente falta à diligência que as pessoas são obrigadas a empregar nas próprias coisas (diligentiam quam suis rebus adhibere solet). Na segunda, o agente falta à aquela atenção que um homem atento emprega na administração de seus negócios, fazendo uso da inteligência com que foi dotado pela natureza.

Assim, é adotado como fundamento da responsabilidade civil

subjetiva a culpa, a qual denomina-se, Teoria da Responsabilidade Civil Subjetiva ou

Teoria da Culpa.

244 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. p. 136. 245 VENOSA, Sílvio de Sálvio. Direito civil: responsabilidade civil. p. 28. 246 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 46. 247 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. p. 136. 248 VENOSA, Sílvio de Sálvio. Direito civil: responsabilidade civil. p. 30. 249 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. p. 136.

Page 64: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

63

2.5.2 Responsabilidade civil objetiva

Em outro vértice, está a responsabilidade civil objetiva, que não

utiliza da Teoria da Culpa para responsabilizar o agente do dano que venha a ter

causado a outrem, onde não é necessária a comprovação da culpa do agente,

sendo irrelevante juridicamente250.

Na responsabilidade objetiva é a atividade que gerou o dano ao

lesado é lícita, mas o resultado desta atividade, mas diante do prejuízo causado,

deve ter lesando o direito de ressarcimento, tendo em vista que nesse caso, o

lesante tem a obrigação de velar que sua atividade não gere prejuízo a ninguém251.

Leciona GONÇALVES252:

A lei impõe, entretanto, a certas pessoas, em determinadas situações, a reparação de um dano cometido sem culpa. Quando isso acontece, diz que a responsabilidade é legal ou objetiva porque não prescinde da culpa e se satisfaz apenas com o dano e o nexo de causalidade. Essa teoria, dita objetiva, ou do risco, tem como postulado todo dano indenizável, e deve ser reparado por quem a ele se liga por um nexo de causalidade, independentemente de culpa.

Segundo ensina DINIZ253:

A responsabilidade, fundada no risco, consiste, portanto, na obrigação de indenizar o dano produzido por atividade exercida no interesse do agente e sob seu controle, sem que haja qualquer indagação sobre o comportamento do lesante, fixando-se no elemento objetivo, isto é, na relação de causalidade entre o dano e a conduta do seu causador.

VENOSA254 aduz que na teoria do risco: “Leva-se em conta o

perigo que a atividade do causador do dano por sua natureza e pela natureza dos

meios adotados”.

Neste sentido a Responsabilidade Civil objetiva utiliza-se da

Teoria do Risco conforme invoca o artigo 927, parágrafo único do Código Civil

Brasileiro255, ao estabelecer:

250 GAGLIANO E PAMPLONA FILHO, 14. 251 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 55. 252 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Saraiva: 2003. p. 33. 253 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 53. 254 VENOSA, Sílvio de Sálvio. Direito civil: responsabilidade civil. p. 9.

Page 65: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

64

Haverá obrigação de reparar o dano independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, riscos para os direitos de outrem.

Ainda, o artigo 932 do Código Civil, constitui em seus incisos

os também responsáveis pela reparação civil:

I – os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia; II – o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições; III – o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele; IV – os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos; V – os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia.

Assim, estabelecem-se as distinções entre responsabilidade

civil objetiva e responsabilidade civil subjetiva, levando em consideração que a

responsabilidade civil objetiva não decorre de um princípio geral como a subjetiva,

que impõe que tal responsabilidade indicará obrigação de reparação em casos

excepcionais256.

255 BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Diário Oficial da União: Brasília, 2002. 256 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 54.

Page 66: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

65

CAPÍTULO 3

RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA FILIAÇÃO

3.1 DANO MORAL

Conforme anteriormente aduzido no referido trabalho de

pesquisa, o dano é elemento essencial da configuração da responsabilidade civil

que decorre o dever de indenizar, sendo dividido em dano da esfera patrimonial e

dano na esfera moral.

3.1.1 Conceito

O dano moral tem grande valia para o entendimento do

presente tema, pois fere a parte subjetiva dos interesses do lesado, no que diz

respeito à sua dignidade moral.

É importante mencionar que em regra o dano moral não afeta a

esfera patrimonial do indivíduo, uma vez que afeta a sua gama de interesses

subjetivos257.

Segundo STOCO258 os danos morais são ofensas aos direitos

de personalidade.

Ensina VENOSA259 que o dano moral é o prejuízo que afeta o

ânimo psíquico, moral e intelectual da vítima, e sua atuação é dentro os direitos da

personalidade.

257 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. p. 548. 258 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. p. 1613. 259 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. p. 41.

Page 67: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

66

De acordo com DINIZ260 o dano moral vem a ser a lesão de

interesses não patrimoniais de pessoa física ou jurídica [...] provocada pelo fato

lesivo, de modo que:

Qualquer lesão que alguém sofra no objeto de seu direito repercutirá, necessariamente, em seu interesse; por isso, quando se distingue o dano patrimonial do moral, o critério da distinção não poderá ater-se à natureza ou índole do direito subjetivo atingido, mas ao interesse, que é pressuposto desse direito, ou efeito da lesão jurídica, isto é, ao caráter de sua repercussão sobre o lesado [...].

GAGLIANO e PAMPLONA FILHO261 com o mesmo

entendimento, afirmam que o dano moral consiste na lesão de direitos cujo conteúdo

não é pecuniário, nem comercialmente redutível a dinheiro:

Em outras palavras, podemos afirmar que o dano moral é aquele que lesiona a esfera personalíssima da pessoa (seus direitos de personalidade), violando, por exemplo, sua intimidade, vida privada, honra e imagem, bens jurídicos tutelados constitucionalmente.

O dano moral não é a dor propriamente dita que o configura,

mas sim o que decorre da dor originada do dano causado pelo lesante.

DINIZ apud ZANNONI262 aduz “não é a dor, a angústia, o

desgosto, a aflição espiritual, a humilhação, o complexo que sofre a vitima do evento

danoso, pois estes estados de espírito constituem o conteúdo, ou melhor, a

conseqüência do dano”.

Com o mesmo entendimento ensina VENOSA263:

Por essas premissas, não há que se identificar o dano moral exclusivamente com a dor física ou psíquica. Será moral o dano que ocasiona um distúrbio anormal na vida do indivíduo; uma inconveniência de comportamento ou, como definimos, um desconforto comportamental a ser examinado a cada caso.

260 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 91. 261 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 55. 262 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 93. 263 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. p. 41.

Page 68: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

67

3.1.2 Características dos direitos da personalidade

Existem ainda algumas características importantes a serem

mencionadas para o correto entendimento do dano moral, tendo em vista o seu

caráter subjetivo.

Destarte, partindo dessa premissa, pode-se identificar algumas

características principais como, a intransmissibilidade e a imprescritibilidade, tendo

em vista que tratam-se de interesses individuais inalienáveis.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988264,

em seu artigo 5º, inciso X dispõe: “São invioláveis a intimidade, a vida privada, a

honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano

material ou moral decorrente se sua violação”

Ainda, o artigo 11 do Código Civil Brasileiro265 aponta: “Com

exceção dos casos previstos em lei, os direitos de personalidade são

intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação

voluntária”.

Segundo STOCO266 as características fundamentais não se

restringem àquelas supracitadas, estabelecendo ainda que os direitos de

personalidade possuem as seguintes características: a) inatos; b) essenciais e

vitalícios; c) extrapatrimoniais; d) relativamente indisponíveis; e) irrenunciáveis; f)

intransferíveis e inalienáveis; g) inexecutáveis, impenhoráveis e inexpropriáveis; h)

imprescritíveis; i) oponíveis erga omnes267.

3.1.3 Dano moral direto e indireto

Na extensão do dano moral este pode ser ainda dividido em

direito e indireto.

264 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. promulgada em 05 de outubro de 1988. São Paulo: RT, 2009. 265 BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Diário Oficial da União: Brasília, 2002. 266 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. p. 1615. 267 Do latim erga, "contra", e omnes, "todos".

Page 69: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

68

O dano moral direto diz respeito à lesão ao interesse que

busca a satisfação de um bem jurídico não patrimonial, tais como, a vida, a

liberdade, a honra, a integridade física, o decoro, a intimidade, os sentimentos

afetivos e a imagem268.

GAGLIANO e PAMPLONA FILHO269 ensinam: “O primeiro se

refere a uma lesão específica de um direito extrapatrimonial, como os direitos de

personalidade”.

Em contrapartida, o dano moral indireto é a lesão a um

interesse que busca a satisfação de um interesse patrimonial, derivando de um fato

lesivo de ordem patrimonial270.

De acordo com GAGLIANO E PAMPLONA FILHO271 o dano

moral indireto: “ocorre quando há uma lesão específica a um bem ou interesse de

natureza patrimonial, mas que, de modo reflexo, produz um prejuízo na esfera

extrapatrimonial [...]”.

3.1.4 Natureza jurídica da reparação

Inicialmente, conforme explanado, a reparação do dano moral

não tem apenas natureza de ordem penal, tendo em vista que envolve uma

satisfação à vítima, concebendo uma compensação pela impossibilidade de

estabelecer uma correta equivalência entre o dano e o ressarcimento.

Assim sendo, a reparação é um misto de pena e satisfação

compensatória.

A primeira constitui a sanção imposta ao lesante, visando a

diminuição de seu patrimônio, pela indenização paga ao lesado, tendo em vista que

268 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 94. 269 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 67. 270 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 94. 271 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 67.

Page 70: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

69

o bem jurídico da pessoa (integridade física, moral e intelectual) não pode ser

impunemente violado272.

Diante disto tem natureza sancionadora, pois a sanção é

estendida como a consequência lógico normativa de um ato ilícito273.

Já a natureza satisfatória ou compensatória, visa proporcionar

ao lesado uma satisfação que diminua a ofensa causado, em nenhum momento

sendo de indenização paga pela dor suportada274.

DINIZ275 acentua:

Não se trata, como vimos, de uma indenização de sua dor, da perda de sua tranqüilidade ou prazer de viver, mas de uma compensação pelo dano e injustiça que sofreu, suscetível de proporcionar uma vantagem ao ofendido, pois ele poderá, com a soma do dinheiro recebida, procurar atender às satisfações materiais ou ideais que repute convenientes, atenuando assim, em parte, seu sofrimento.

Conquanto, a reparação consiste no pagamento de uma soma

pecuniária, que deve ser judicialmente arbitrada, que tem como objetivo principal, a

possibilidade de trazer ao lesado uma satisfação compensatória pelo dano que

sofreu, de modo que as conseqüências dessa lesão são atenuadas276.

VENOSA277 ensina que a indenização não cumpre somente a

finalidade de tentar restabelecer simplesmente o patrimônio da vitima, mas busca

uma função reparadora no plano dos valores não patrimoniais ou axiológicos.

3.1.5 Critério de avaliação e valor da reparação moral

Diante da subjetividade de cada caso concreto, o dano moral,

bem como a sua reparação é de difícil avaliação pecuniária, tendo em vista a 272 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 109. 273 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 76. 274 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 109. 275 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 109. 276 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 77. 277 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. p. 294.

Page 71: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

70

natureza desse tipo de dano, por trata-se de danos psíquicos, da alma, de afeição,

da personalidade, sendo estes heterogêneos, motivo pelo qual, não podem ser

generalizados278.

Ensina GONÇALVES279:

O problema da quantificação do dano moral tem preocupado o mundo jurídico, em virtude da proliferação de demandas, sem que existam parâmetros seguros para a sua estimação [...] a reparação do dano moral objetiva apenas uma compensação, um consolo sem mensurar a dor. Em todas as demandas que envolvem danos morais, o juiz defronta-se com o mesmo problema: a perplexidade ante a inexistência de critérios uniformes e definidos para arbitrar um valor adequado.

Na reparação por dano moral, tem o juiz papel de grande

relevância, pois é ele quem determina em equidade o valor da indenização devida,

levando em conta as circunstâncias de cada caso, que deverá corresponder à lesão

e não ser equivalente a esta, diante da impossibilidade de tal equivalência280.

De acordo com o entendimento de DINIZ281, o magistrado tem

papel fundamental na reparação por dano moral: “competindo, a seu prudente

arbítrio, examinar cada caso, ponderando os elementos probatórios e medindo as

circunstancias [...]”.

Acrescentando que o dano moral pode ser demonstrado por

todos os meios de provas admitidos em direito282.

3.2 AFETIVIDADE

Os laços de união e afeto entre os indivíduos são fundamentos

essenciais da Família que sempre estiveram presentes na civilização humana.

Assim, a afetividade possui papel fundamental na relação familiar, pois este núcleo

primário tem o objetivo principal de formação do indivíduo. 278 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. p. 294. 279 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. p. 569. 280 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 101. 281 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 111. 282 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 111.

Page 72: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

71

Desde os primórdios, os seres humanos anseiam a convivência

em união, pois cada indivíduo necessita de um bem estar interior que vem

assegurado através do carinho, atenção, valorização e companhia familiar283.

GAMA284 atentamente aduz a importância do afeto:

As relações de família, formais ou informais, indígenas ou exóticas, ontem como hoje, por muito complexas que se apresentem, nutrem-se, todas elas, de substâncias triviais e ilimitadamente disponíveis a quem delas queira tomar: afeto, perdão, solidariedade, paciência, devotamento, transigência, enfim, tudo aquilo que, de um modo ou de outro, possa ser reconduzido à arte e à virtude do viver em comum. A teoria e a prática das instituições de família, dependem, em última análise, de nossa competência, em dar e receber amor.

Atualmente, o afeto vem ganhando tanto um maior valor social

pois é a tradução do respeito, diálogo e compreensão familiar.

De acordo com DIAS285 a família transforma-se na medida em

que se acentuam as relações de sentimentos entre seus membros: valorizam-se as

funções afetivas da família.

Diante disto, ensina OLIVEIRA286: “A afetividade faz com que a

vida em família seja sentida da maneira mais intensa e sincera possível, e isto só

será possível caso seus integrantes vivam apenas para si mesmo: cada um é o

“contribuinte” da felicidade de todos”.

Ressalta-se que os laços afetivos, não são um contrato

qualquer, os quais são regidos apenas pela vontade, mas são relacionamentos que

são consubstanciados no afeto287.

Assim, o mundo jurídico vem conhecendo os novos rumos que

o Direito de Família vem adquirindo, a medida que junto o afeto ganha valorização,

283 RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade civil. p. 685-686. 284 DIAS, Maria Berenice; CUNHA, Rodrigo Pereira da. Direito de família e o novo Código Civil. p. 103. 285 DIAS, Maria Berenice. Manual de direitos das famílias. 3. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 61. 286 OLIVEIRA, José Sebastião. Fundamentos constitucionais do direito de família. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. p. 233. 287 DIAS, Maria Berenice. Manual de direitos das famílias. p. 102.

Page 73: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

72

tendo em vista que a paternidade atualmente decorre da condição de amar e servir e

não somente de procriar288.

3.2.1 O afeto na relação paterno-filial

Importante faz-se estabelecer que na relação entre pais e

filhos, a disciplina jurídica não atende apenas valores biológicos ou sociológicos,

pois em muitos momentos os conceitos jurídicos são abstratos e na vida as pessoas

são preenchidas com sentimentos289.

Neste sentido, ensina GAMA290: “Deve-se buscar, portanto, um

conceito plural de paternidade e de maternidade e, consequentemente de

parentesco em sentido amplo, no qual a vontade, o consentimento, a afetividade e a

responsabilidade jurídica terão missões relevantes”.

Com o mesmo entendimento aduz FACHIN291:

O filho é mais que um descendente genético, e se revela numa relação construída no afeto cotidiano. Em determinados casos, a verdade biológica cede espaço à ‘verdade do coração’. Na construção da nova família deve se procurar equilibrar essas duas vertentes.

Assim, dentre os deveres decorrentes do poder familiar, há o

dever dos pais de ter os filhos em sua companhia e dirigir-lhe a criação e educação,

sendo um dever de competência de ambos os pais292.

CANEZIN293 explica a importância do afeto na formação do

indivíduo em sua infância:

288 DIAS, Maria Berenice; CUNHA, Rodrigo Pereira da. Direito de família e o novo Código Civil. p. 117. 289 DIAS, Maria Berenice; CUNHA, Rodrigo Pereira da. Direito de família e o novo Código Civil. p. 117. 290 DIAS, Maria Berenice; CUNHA, Rodrigo Pereira da. Direito de família e o novo Código Civil. p. 117. 291 DIAS, Maria Berenice; CUNHA, Rodrigo Pereira da. Direito de família e o novo Código Civil. p. 145. 292 DIAS, Maria Berenice. Manual de direitos das famílias. p. 106. 293 CANEZIN, Claudete Carvalho. Da reparação do dano existencial ao filho decorrente do abandono paterno filial. Revista brasileira de direito de família. v. 8.. n. 36. Porto Alegre: junho de 2006. p. 77.

Page 74: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

73

Desenvolve-se, na pessoa, a auto-estima desde que ela ainda é bebê, os cuidados e os carinhos ofertados irão demonstrar a criança o quanto ela é amada. É no começo da vida humana que a criança aprende como é o mundo que a rodeia e conforme evolui é que descobre o seu valor, tendo como base o valor que os outros a atribui.

É importante mencionar que a atualidade não comporta apenas

a proteção ao direito material dos filhos e o dever dos pais em assim os assistir, mas

também à proteção do Estado do direito de personalidade dos filhos menores,

conforme leciona VENOSA294:

Assim, sustenta-se modernamente, com razão, que ofenda à dignidade do filho não só a ausência de socorro material, como a omissão no apoio moral e psicológico. O abandono intelectual do progenitor com relação a filho menor gera, sem dúvida, traumas que deságuam no dano moral. Nesse diapasão, a afetividade liga-se inexoravelmente à dignidade do ser humano.

Ressaltando ainda o ilustre doutrinador: “É evidente que uma

indenização nessa seara nunca restabelecerá ou fará nascer o amor e o afeto.

Cuida-se, como enfatizamos, de mero lenitivo, com as conotações que implicam

uma indenização por dano moral”295.

3.2.1.1 Abandono afetivo A valorização do afeto como um bem jurídico a ser tutelado,

nos trouxe o surgimento da ação de indenização por abandono afetivo na filiação, a

medida que é colocado ao Estado o dever de conduzir esta ação, com intensa

atenção para ser ou não caracterizada a responsabilidade civil nestes casos.

O Estatuto da Criança e do Adolescente acolheu o

entendimento de proteção integral à criança e ao adolescente, inserido pela Carta

Magna, lhes assegurando o direito ao respeito e à dignidade como pessoas

humanas em processo de desenvolvimento e sujeitos civis, humanos e sociais,

garantido também o direito de convivência e educação no seio familiar296.

294 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. p. 284. 295 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. p. 284. 296 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 106.

Page 75: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

74

Assim, o dano causado pelo abandono afetivo é um dano

causado à personalidade do indivíduo, a medida que é um dever dos pais a garantia

de trazer ao conhecimento da criança o sentimento de responsabilidade social,

conforme aduz HIRONAKA297:

É na afetividade que se desdobra o traço de identidade fundamental do direito gerado no seio da relação paterno-filial, que, sem deixar de ser jurídica, distingui-se de todas as demais relações justamente pelo fato de que ela, e apenas ela, pode, efetivamente, caracterizar-se e valorar-se, na esfera jurídica, pela presença do afeto.

Portanto, o afeto, conforme amplamente aduzido tem valor

essencial no formação do indivíduo dentro do núcleo familiar, de modo que quando

ocorre o abandono afetivo, este pode interferir de maneira singular na formação

deste indivíduo, podendo por via de conseqüência alterar inclusive suas relações

sociais.

3.3 ARGUMENTOS FAVORÁVEIS E DESFAVORÁVEIS

A responsabilidade civil por abandono afetivo na filiação possui

reconhecimento doutrinário, a medida que alguns especialistas aduzem que é dever

dos pais a prestação de todas as garantias previstas em lei, tanto na esfera

patrimonial, tanto na esfera da pessoa dos filhos, ressaltando-se os sentimentos de

afeto, amor e carinho.

DIAS298 aponta a consequencia da falta de afeto, bem como

que decorrência deste, gera a obrigação de indenizar:

A falta de convívio dos pais com os filhos, em face do rompimento do elo de afetividade, pode gerar severas seqüelas psicológicas e comprometer o desenvolvimento saudável da prole. A omissão do genitor em cumprir os encargos decorrentes do poder familiar, deixando de atender ao dever de ter o filho em sua companhia, produz danos emocionais merecedores de reparação.

297 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Os contornos jurídicos da responsabilidade afetiva na relação entre pais e filhos – além da obrigação legal de caráter material. Disponível em: <http://www.intelligentiajuridica.com.br/v3/artigo_visualizar.php?id=952> Acesso em 30 de outubro de 2009. 298 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 106.

Page 76: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

75

Também com o entendimento favorável a responsabilização

civil por abandono afetivo na filiação, aduz HIRONAKA299:

O dano causado pelo abandono afetivo é, antes de tudo, um dano culposamente causado à personalidade do indivíduo. Macula o ser humano enquanto pessoa, dotada de personalidade, que, certamente, existe e manifesta-se por meio do grupo familiar, responsável que é por incutir na criança o sentimento de responsabilidade social, por meio de cumprimento das prescrições, de forma a que ela possa, no futuro, assumir uma plena capacidade de forma juridicamente aceita e socialmente aprovada. Trata-se de um direito de personalidade, portanto.

DIAS300 salienta que a lei obriga e responsabiliza os pais no

que toca aos cuidados com os filhos. A ausência desses cuidados, o abandono

moral, viola a integridade psicofísica dos filhos, bem como o princípio da

solidariedade familiar, valores protegidos constitucionalmente.

Ressalta ainda: “Esse tipo de violação configura dano moral.

Quem causa dano é obrigado a indenizar. A indenização dever ser em valor

suficiente para cobrir as despesas necessárias para que o filho possa amenizar as

seqüelas psicológicas mediante tratamento terapêutico301”.

No entanto, é salutar discorrer que há entendimentos

desfavoráveis acerca da responsabilização por abandono afetivo, sustentados na

idéia que o Estado não pode obrigar alguém a amar seu filho.

Segundo ensina CARBONE302:

Na verdade, não existe dano moral nem situação similar que permita uma penalidade indenizatória por abandono afetivo. O pai deve cumprir suas responsabilidades financeiras. O pagamento regular da pensão alimentícia supre outras lacunas, inclusive sentimentais. Para sustentar o filho, os pais têm que trabalhar, com o objetivo de manter um bom nível de vida até a maioridade ou a formatura na faculdade. Isso já é um ato de afeto e respeito.

299 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Os contornos jurídicos da responsabilidade afetiva na relação entre pais e filhos – além da obrigação legal de caráter material. Disponível em: <http://www.intelligentiajuridica.com.br/v3/artigo_visualizar.php?id=952> Acesso em 30 de outubro de 2009. 300 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 107. 301 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 107. 302 CARBONE, Angelo. Justiça não pode obrigar o pai a amar o filho. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2005-dez-25/justica_nao_obrigar_pai_amar_filho> Acesso em 30 de outubro de 2009.

Page 77: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

76

Acrescentando que o laço sentimental é algo mais profundo e

não será uma decisão judicial que irá mudar uma situação ou sanar eventuais

deficiências303.

Em recente decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, o

entendimento da Primeira Câmara de Direito Civil nos autos 2009.005.00182304,

estabeleceu:

O Direito e limita a impor aos pais deveres de ordem material. Amor, afeto e carinho não são bens jurídicos tutelados pelo Direito, não se podendo impor aos pais uma “obrigação de amar” os seus filhos, embora o abandono moral possa ser moralmente reprovável. Segundo entendimento que vem sendo esposado pelo egrégio STJ, o abandono moral não constitui ato ilícito nem enseja indenização por danos morais. Além do mais, não há aqui como caracterizar o abandono psicológico e afetivo [...]

Ainda, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, nos autos da

Apelação Cível nº. 1.0024.07.790961-2/001(1), em seu julgamento o relator

Magistrado Alvimar de Ávila, entendeu pela descaracterização do dano, de modo

que:

A omissão do pai quanto à assistência afetiva pretendida pelo filho não se reveste de ato ilícito por absoluta falta de previsão legal, porquanto ninguém é obrigado a amar ou a dedicar amor. Inexistindo a possibilidade de reparação a que alude o art. 186 do Código Civil, eis que ausente o ato ilícito, não há como reconhecer o abandono afetivo como passível de indenização.

É importante mencionar que juridicamente, as ações com o

pedido de ressarcimento decorrente de abandono afetivo na relação paterno filial

são recentes e alguns entendimentos desfavoráveis possui sustentação em

julgamentos de casos concretos, que serão abordados no próximo item.

303 CARBONE, Angelo. Justiça não pode obrigar o pai a amar o filho. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2005-dez-25/justica_nao_obrigar_pai_amar_filho> Acesso em 30 de outubro de 2009. 304 RIO DE JANEIRO, Tribunal de Justiça. Embargos Infringentes nº. 2009.005.00182. Relatora Maria Augusta Vaz M. de Figueiredo. j. 30 de junto de 2009.

Page 78: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

77

3.4 POSICIONAMENTO JURISPRUDENCIAL

O primeiro caso trazido à esfera judicial foi apreciado no ano de

2003 na Comarca de Capão da Canoa, no Estado do Rio Grande do Sul, pelo

Magistrado Mario Romano Maggioni, aduzindo em sua sentença de procedência o

que segue305:

A educação abrange não somente a escolaridade, mas também a convivência familiar, o afeto, amor, carinho, ir ao parque, jogar futebol, brincar, passear, visitar, estabelecer paradigmas, criar condições para que a criança se auto afirme.

Salientando ainda o ilustre magistrado que seu dever não é

apenas prestar a assistência material, motivo pelo qual a falta de afeto do pai gera a

violação da lei.

No entanto o primeiro Recurso de Apelação acerca da matéria

foi apreciado pela 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, sob os

autos nº. 408.550-5 de origem da Comarca de Minas Gerais306, a qual teve

julgamento de improcedência e posteriormente a sentença foi reformada,

condenando o pai ao pagamento de indenização pelo abandono afetivo.

O relator do recurso, Magistrado Unias Silva, discorreu:

A relação paterno-filial em conjugação com a responsabilidade possui fundamento naturalmente jurídico, mas essencialmente justo, de se buscar compensação indenizatória em face de danos que pais possam causar aos seus filhos, por força de uma conduta imprópria, especialmente quando a eles é negada a convivência, o amparo afetivo e psíquico, bem como a referencia paterna ou materna concretas, acarretando a violação de direitos próprios da personalidade humana, magoando seus mais sublimes valores e garantias, como a honra, o nome, a dignidade, a moral, a reputação social, o que, por si só, é profundamente grave.

Ressalta-se que no julgamento do Recurso especial interposto

pelo pai, o Superior Tribunal de Justiça não caracterizou o dano moral, sob o

seguinte fundamento: “Escapa ao arbítrio do Judiciário obrigar alguém a amar ou a

305 CAPÃO DA CANOA/RS. Processo nº. 141/1030012032-0. Juiz Mario Romano Maggioni, j. 15 de set. de 2003. 306 MINAS GERAIS, Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº. 408.550-5. Rel. Juiz Unias Silva, j. 01 de abril de 2004.

Page 79: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

78

manter um relacionamento afetivo, que nenhuma finalidade positiva seria alcançada

com a indenização pleiteada”307.

Em recente decisão da Oitava Câmara Cível do Tribunal de

Justiça do Rio de Janeiro, nos autos da Apelação Cível nº. 2009.00141668 a relatora

Desembargadora Ana Maria Oliveira308, fundamentou seu entendimento favorável à

reparação:

Evidente que inexiste a obrigação do pai de sentir afeto pelo filho, sendo impossível a imposição do laço sentimental. Devem, no entanto, os genitores, propiciar aos filhos o desenvolvimento sadio de seu caráter, não apenas amparando materialmente, mas também resguardando sua integridade psicológica e moral, para que ocorra seu crescimento emocional.

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais309, também em recentes

decisões não entendeu pelo dever de ressarcimento, conforme fundamenta o

julgado:

O afeto não se trata de um dever do pai, mas decorre de uma opção inconsciente de verdadeira adoção, de modo que o abandono afetivo deste para com o filho não implica ato ilícito nem dano injusto, e, assim o sendo, não há falar em dever de indenizar, por ausência desses requisitos de responsabilidade civil.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul310, também em

recente decisão, entendeu que não houve a caracterização do dano no caso em

tela, esclarecendo por sua vez o entendimento acerca do abandono afetivo:

Enfim, não se pode negar que a falta de afeto paterno pode, sim, causar sofrimentos. Todavia, por mais reprovável que seja o abandono praticado pelo pai e a dor suportada pelo filho – no caso, não demonstrada -, as respostas jurídicas possíveis são a fixação de alimentos, no que tange ao dano material, e a destituição do pátrio poder, no campo extrapatrimonial. Logo, não se pode a ele imputar ato ilícito algum e, consequentemente, o dever de indenizar. Por isso, não há qualquer reparo a ser feito na sentença.

307 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº. 757.411. Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 29 de nov. de 2005. 308 RIO DE JANEIRO, Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº. 2009.001.41668. Rel. Desembargadora Ana Maria Oliveira, j. 20 de out. de 2009. 309 MINAS GERAIS, Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº. 1.0499.07.006379-1. Rel. Luciano Pinto, j. 27 de nov. de 2008. 310 RIO GRANDE SO SUL, Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº. 700301422852009. Rel. Alzir Felippe Schmitz, j. 30 de jul. de 2009.

Page 80: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

79

Por fim, o presente feito, mesmo solucionado na esfera jurídica, possivelmente deixará sem solução breve a questão do afeto, pois, se era afeição o que o autor queria, por certo dificultou a sua progênie, eis que o caminho trilhado através do litígio é mais longo e tormentoso.

Importante destacar ainda, a decisão do Tribunal de Justiça do

Rio Grande do Sul da Apelação Cível nº. 70029285277311, que também

fundamentou sua decisão sob o entendimento de não responsabilização por

abandono afetivo, conforme segue:

Com efeito, o pedido de indenização vem amparado na alegação de abandono afetivo e material. No sistema jurídico vigente, o dever de indenizar pressupõe o ato ilícito, o que significa ser necessário demonstrar o fato lesivo, o dano e o nexo de causalidade entre o dano e o ato do agente. Na esfera do Direito de Família, este Tribunal de Justiça tem entendido que somente em situações especialíssimas é possível condenar-se ao pagamento de indenização por danos morais e materiais em face do chamado abandono afetivo. [...] Ora, não se desconhecem os direitos e deveres inerentes ao poder familiar, entre eles, o de sustento, criação e educação dos filhos. Tampouco se olvida o direito à convivência familiar previsto no art. 227 da CF e o princípio da dignidade da pessoa humana. Entretanto, entendo que, não obstante existirem ações ou omissões de podem levar à responsabilização do genitor, a ausência de afeto, de relação paternoafetiva, por si só, não conduz ao dever de indenizar.

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina, em decisão proferida

no ano em curso da Apelação Cível nº. 2008.057288-0, oriunda da Comarca de

Criciúma312, também se filia ao entendimento da não reparação por abandono

afetivo:

Não se nega a dor tolerada por um filho que cresce sem o afeto do pai, bem como o abalo que o ABANDONO causa ao infante; porém a reparação pecuniária além de não acalentar o sofrimento do filho ou suprir a falta de amor paterno poderá provocar um abismo entre pai e filho, na medida que o genitor, após a determinação judicial de reparar o filho por não lhe ter prestado auxílio AFETIVO, talvez não mais encontre ambiente para reconstruir o relacionamento.

311 RIO GRANDE SO SUL, Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº. 700292852772009. Rel. José Conrado de Souza Júnior, j. 24 de jun. de 2009.

312 SANTA CATARINA, Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº. 2006.015053-0. Rel. Monteiro Rocha, j. 13 de fev. de 2009.

Page 81: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

80

Contrário a este entendimento, estabeleceu a decisão da

Apelação Cível sob os autos nº. 2006.015053-0, oriunda da comarca de São José,

apreciada pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina313, fundamentou sua decisão,

sendo favorável a indenização por abandono afetivo: “O pai que se omite em cuidar

do filho, abandonando-o, ofende a integridade psicossomática deste, acarretando

ilícito ensejador de reparação moral”.

Depreende-se ainda do presente julgado:

Haja vista a imprescindibilidade da presença paterna na existência do indivíduo e, tendo em conta os efeitos negativos da ausência do pai na vida do filho, é inegável que o abandono afetivo constitui ato atentatório à dignidade da pessoa humana em processo de desenvolvimento e hábil a gerar dano moral.

O entendimento do Superior Tribunal de Justiça vem

consubstanciado no sentido da não caracterização da responsabilidade civil por

abandono afetivo, pois afirma que não cabe ao Poder Judiciário obrigar alguém a

amar, posição esta que fundamenta algumas decisões de tribunais pátrios, mas não

limita que outros tribunais tenham entendimentos contrários.

Diante disto, verifica-se que segundo o entendimento de alguns

magistrados em decisões de primeiro grau, não está pacificado o entendimento

acerca da responsabilidade civil por abandono afetivo na filiação, e por

consequencia o dever de reparar.

No entanto, seguindo o entendimento do Superior Tribunal de

Justiça, a maioria das decisões recentes do ano em curso acerca do tema,

entendem que o abandono afetivo não caracteriza o dever de reparar, mas também

não é unânime este entendimento entre os tribunais brasileiros, motivo pelo qual,

deve o magistrado tratar com muita cautela as ações decorrentes do abandono

afetivo.

313 SANTA CATARINA, Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº. 2006.015053-0. Rel. Monteiro Rocha, j. 13 de fev. de 2009.

Page 82: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

81

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho teve o objetivo principal o estudo da

responsabilidade civil por abandono afetivo na filiação, tendo em vista que o referido

tema está em evidência na sociedade e por consequencia no mundo jurídico.

O Capítulo 1, abordou lições sobre família, estudando seu

conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados ao Direito de

família, os tipos de família constitucionais, a filiação e, por conseguinte os direitos e

deveres inerentes à filiação.

No Capítulo 2, estudou-se os aspectos gerais da

responsabilidade civil, através de seu conceito, evolução histórica, seus elementos,

a distinção entre responsabilidade civil objetiva e responsabilidade civil subjetiva,

bem como o estudo da responsabilidade civil contratual e a responsabilidade civil

extracontratual.

Por fim, o Capítulo 3, trouxe essencialmente o núcleo do objeto

do referido estudo, ou seja, as abordagens acerca da responsabilidade civil por

abandono afetivo na filiação.

Diante disto, para a compreensão do estudo acima indicado,

passa-se a analisar as hipóteses da pesquisa de forma conclusiva.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 de

forma contundente trouxe princípios essenciais que abrigam a instituição familiar, de

modo que, o Estado passou a dar maior proteção a cada integrante deste núcleo,

principalmente no que diz respeito à pessoa dos filhos, mediante o poder familiar,

que se configura pelo direito e dever dos pais com relação aos filhos, que é

juridicamente tutelado pelo Estado, restando, portanto, confirmada a primeira

hipótese.

A responsabilização civil é tema atuante no mundo jurídico,

tendo em vista que o agente que causar dano a outrem, mediante a configuração

dos elementos pertinentes à responsabilidade civil, de modo que pode a culpa ser

apreciada ou não para uma possível reparação, podendo ser tanto

responsabilização objetiva quanto subjetiva, confirmando neste ínterim a segunda

hipótese de pesquisa.

Page 83: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

82

O afeto é tema de grande relevância para a sociedade e por

conseqüência para o mundo jurídico, após o advento da Constituição da República

Federativa do Brasil de 1988 que trouxe o princípio da afetividade, como

sustentação do Direito de Família.

Não se pode deixar de conceber que o afeto tem sublime

importância para a formação do indivíduo no seio familiar, no entanto não é pacífico

o entendimento de que a falta desse tipo de sentimento, o qual, alguns entendem

não como sentir, mas como agir, remeteria ao direito de reparação, de modo que a

terceira não restou confirmada.

Suma a importância salientar, que o entendimento doutrinário

dos especialistas em família, em sua maioria, entendem que o abandono afetivo

paterno-filial gera a responsabilização civil, bem como se filiam desse entendimento

alguns tribunais brasileiros.

No entanto, esse entendimento encontra óbice nos julgamentos

dos casos concretos, principalmente no Superior Tribunal de Justiça, de modo que

os julgadores fundamentam sua decisão no sentido que Estado não pode obrigar

alguém a sentir o amor, o carinho e o afeto, sendo que neste caso a função da

reparação pela responsabilidade civil não estaria estampada de suas principais

funções, quais sejam, a sanção e a compensação.

Expostas essas considerações, reconhece-se que é um tema

que ainda não possui entendimento pacificado, de modo que, a qualquer tempo,

tanto na sociedade, quanto no mundo jurídico pode sofrer alteração de grande valia.

Page 84: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

83

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS

Academia Brasileira de Letras Jurídicas, Dicionário Jurídico, 3. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1995.

BARROS. Washington de. Curso de direito civil.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Promulgada em 05 de outubro de 1988. São Paulo: RT, 2009.

BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Diário Oficial da União: Brasília, 2002.

BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº. 757.411. Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 29 de nov. de 2005.

CAHALI, Yussef Said. Danos morais. 3 ed. São Paulo: Revista dos tribunais, 2005.

CALHEIRA, Luana Silva. Os princípios do direito de família na Constituição Federal de 1988 e a importância aplicada do afeto: o afeto é juridicizado através dos princípios? Boletim jurídico, Uberaba/MG, a. 5, nº 229.

CANEZIN, Claudete Carvalho. Da reparação do dano existencial ao filho decorrente do abandono paterno filial. Revista brasileira de direito de família. v. 8. n. 36. Porto Alegre: junho de 2006

CAPÃO DA CANOA/RS. Processo nº. 141/1030012032-0. Juiz Mario Romano Maggioni, j. 15 de set. de 2003.

CARBONE. Angelo. Justiça não pode obrigar o pai a amar o filho. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2005-dez-25/justica_nao_obrigar_pai_amar_filho. Acesso em 30 de outubro de 2009.

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil. 2 ed. v. 2. São Paulo: Saraiva, 2005.

DE PAULO, Antônio. Pequeno dicionário jurídico. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.

DIAS, Maria Berenice; CUNHA, Rodrigo Pereira da. Direito de família e o novo Código Civil - coordenação Maria Berenice Dias e Rodrigo da Cunha Pereira. – 3. ed., Belo Horizonte: Del Rey, 2003.

DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 3. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. 19 ed. de acordo com o novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10-1-2002 e o Projeto de Lei n. 6.960/2002. – São Paulo: Saraiva, 2004.

DINIZ. Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 23 ed. v. 7. São Paulo: Saraiva: 2009.

Page 85: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

84

FREITAS, Augusto Teixeira. Vocabulário Jurídico. São Paulo: Saraiva, 1983.

GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 7. ed. – São Paulo: Saraiva, 2009.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito de família. v. 2. 9 ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil.

GUIMARÂES, Deocleciano Torrieri. Dicionário jurídico. 8 ed. São Paulo: Rideel, 2005.

HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Os contornos jurídicos da responsabilidade afetiva na relação entre pais e filhos – além da obrigação legal de caráter material. Disponível em: http://www.intelligentiajuridica.com.br/v3/artigo_visualizar.php?id=952. Acesso em 30 de outubro de 2009.

JÚNIOR, Cretella José. O Estado e a obrigação de indenizar. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

LEITE, Eduardo de oliveira. A monografia jurídica. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

OLIVEIRA. José Sebastião. Fundamentos constitucionais do direito de família. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.

MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº. 408.550-5. Rel. Juiz Unias Silva, j. 01 de abril de 2004.

MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº. 1.0499.07.006379-1. Rel. Luciano Pinto, j. 27 de nov. de 2008.

PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica e metodologia da pesquisa jurídica. 10 ed. Florianópolis: OAB-SC editora, 2007.

PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 2004.

RIO DE JANEIRO, Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº. 2009.001.41668. Rel. Desembargadora Ana Maria Oliveira, j. 20 de out. de 2009.

RIO DE JANEIRO, Tribunal de Justiça. Embargos Infringentes nº. 2009.005.00182. Relatora Maria Augusta Vaz M. de Figueiredo. j. 30 de junto de 2009.

RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. 4 ed. Rio de Janeiro, Forense, 2006.

RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito de família. 28 ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

Page 86: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO NA …siaibib01.univali.br/pdf/Camila Nogaroli.pdf · estudando seu conceito, a evolução histórica, os princípios constitucionais aplicados

85

RODRIGUES, Silvio. Direito civil: responsabilidade civil. 20. ed. v. 4. São Paulo: Saraiva, 2007.

SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. Direito civil: responsabilidade civil. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2003.

SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº. 2006.015053-0. Rel. Monteiro Rocha, j. 13 de fev. de 2009.

SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 1999.

STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Revista dos tribunais, 2004.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 9. ed. – São Paulo: Atlas, 2009.

WALD, Arnoldo. Obrigações e contratos.17ª ed. São Paulo:Saraiva, 2006.