responsabilidade civil e obrigação de indemnizar 2013

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    Responsabilidade Civil

    é a obrigação imposta a alguém de reparar os danos sofridos por terceiro.

    Contratual -é a proveniente dafalta de cumprimento das obrigaçõesemergentes doscontratos, denegócios unilaterais ou da lei , quando as obrigações em sentido técnico provêm dalei.

    Extracontratual -resulta da violação de direitos absolutos ou da prática de actos que,embora lícitos, causam prejuízo a outrem. Na responsabilidade extracontratual, a obrigação deindemnizar nasce, em regra, da violação de uma disposição legal ou de um direito absoluto queé inteiramente distinto dela.

    A responsabilidadecontratual vem regulada nosart. 798º e ss, no campo doincumprimento e mora, enquanto que aextracontratualencontra guarida própria no Capítulofontes das obrigações, art. 483º e ss.

    Para além de os efeitos serem comuns (art.562º) e de a culpa dever ser apreciada nosmesmos termos, os da responsabilidade civil (799º, 2 e 487º, 2,bom pai de família, embora nacontratual o ónus da prova recaia sobre o devedor -799º, 1,e na extracontratual caiba aolesado, salvo beneficiando de presunção legal de culpa, provar a culpa do autor da lesão -487º,n.º 1) - o que leva a que se reúna naobrigação de indemnizar - 562º e ss -as regras comunsda causalidade entre o facto e o dano, cálculo e formas de indemnização, também omesmoacto pode envolver para o agente,simultaneamente, responsabilidade contratual (por violaruma obrigação) e responsabilidade extracontratual (por infringir ao mesmo tempo um dever gerade abstenção ou o direito absoluto correspondente).

    Será o caso domotorista que, com culpa e no mesmo acidente, provoca ferimentosno passageiro que contratualmente transporta - contratual- e no transeunte que atropela -extracontratual.

    ... parece que perante uma situação concreta, sendo aplicáveis paralelamente as duasespécies de responsabilidade civil, de harmonia com o assinalado princípio, o facto tenha, emprimeira linha, de considerar-se ilícito contratual. Sintetizando: de um prisma dogmático o regimda responsabilidade contratual «consome» o da extracontratual. Nisto se traduz oprincípio daconsumpção -BMJ 468-407.

    Vaz Serra (RLJ 102-312 e 313) ensina: «a solução que se afigura preferível é a de quesão aplicáveis as regras de ambas as responsabilidades, à escolha do lesado, pois a soluçãocontrária representaria para este um prejuízo grave quando as normas da responsabilidadeextracontratual lhe fossem favoráveis, e não é de presumir que ele tenha querido, com ocontrato, afastá-las, não sendo mesmo válida uma convenção prévia de exclusão de algumasdelas... A responsabilidade contratual não exclui a delitual».

    Exemplos -Rebentamento de cilindro solar que provoca danos na casa: duasindemnizações (uma referente ao equipamento danificado e outra aos danos na habitação), duasresponsabilidades (contratual e extra contratual) e dois prazos de prescrição ou caducidade(prazo ordinário de 20 anos pelos danos na habitação e do art. 921º, nº 3, do CC, quanto àvenda, podendo esta ser impedida pelo reconhecimento do direito pelo obrigado – 325º, nº 1 e331º, nº 2 CC -92-I-237; de garrafa de gás doméstico (Ac. STJ 8.5.2003, P.º 03B1021). Resp.contratual e extra contratual em contrato de empreitada para construção de muro de suporte

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    que, por violação das normas de segurança na construção (RGEU ou impostas pelas autarquias)acaba por ruir e provocar danos -BMJ 370-529.Julgou-se não ocorrer caducidade (1220º e1225º, na redacção então vigente) pela empreitada mas ser, antes, aplicável a prescrição do nº 1do art. 498º cujo prazo ainda não decorrera.

    I - O facto de se celebrar um contrato de transporte em navio não significa que todo e qualquer danocausado ao transportado na ocasião do transporte deva ter solução jurídica com base nas normas daresponsabilidade contratual.

    II - A circunstância de ter ocorrido lesão do direito à saúde (os direitos absolutos, como a saúde e a vida,gozam de protecção legal, não necessitando de contrato para a sua protecção) do transportado na fase documprimento do contrato de transporte (por o navio, indo das Berlengas para Peniche, ter colidido com umatraineira, de tal colisão resultando danos para o passageiro autor na acção) não é suficiente para descaracterizar otipo de responsabilidade civil que recai sobre o transportador nem impede a aplicação das regras relativas àresponsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, incluindo as relativas à prescrição –Ac. do STJ, 13.2.01,Col. STJ 01-I-117.

    «Com efeito, a questão da admissibilidade do concurso de ambas as formas de responsabilidade civil émuito debatida há longo tempo e em vários quadrantes civilistas nacionais e estrangeiros.

    Jaime de Gouveia referia, já nos anos 30, que a tese da incompatibilidade era defendida por Demogue,Josserand, Saleilles, Mazeaud, Chironi, etc, enquanto a tese do cúmulo teria em Planiol, Ripert, Bartini e Thaller seus coriféus.

    É que, como sublinhava Vaz Serra, «não pode negar-se que o mesmo facto pode, ao mesmo tempo,representar uma violação de um contrato e um facto ilícito extracontratual».

    No mesmo sentido, pronunciou-se Rui de Alarcão ao afirmar que «o mesmo facto humano pode provocarum dano simultaneamente contratual e extracontratual».

    O ilustre Mestre de Coimbra acrescenta que a questão está em saber se se deve aceitar a solução decúmulo de responsabilidades quando se estiver perante uma hipótese de facto em abstracto qualificável comogeradora das duas formas de responsabilidade, defendendo que a solução que se deve ter por consagrada é a daadmissibilidade do cúmulo «por ser esta, a do concurso de normas, a solução natural, que como tal se deve aceitarna falta de disposição legal em contrário, desde que, no caso concreto, não conduza a soluções materialmenteinjustas».

    Basta, por exemplo, a ofensa de um direito absoluto, como são os direitos de personalidade, para que alesão verificada esteja contemplada quer pelas regras próprias da responsabilidade por actos ilícitos (no casoportuguês, o art.º 483º, nº 1 CC), quer pelas regras da responsabilidade contratual, se tal lesão ocorrer no âmbito duma relação contratual existente entre lesado e lesante.

    Como refere a doutrina alemã, não se trata de várias pretensões concorrentes (Anspruchkonkurrenz) masde um concurso de normas que fundamentam a mesma pretensão (Anspruchnormenkonkurrenz).

    Para Almeida Costa, o concurso das responsabilidades, contratual e extracontratual, reconduz-se à figurado concurso aparente, legal ou de normas.

    Este ilustre catedrático defende que o regime de responsabilidade contratual «consome» o daextracontratual, sempre que «perante uma situação concreta, sejam aplicáveis paralelamente as duas espécies deresponsabilidade civil».

    Note-se, porém, que esta dualidade de regimes legais ou normativos em nada afecta a identidade dossujeitos e do facto lesivo ou, por outras palavras, entre os mesmos sujeitos da relação contratual preexistente,

    verifica-se uma única conduta ilícita e o mesmo dano, qualquer que seja o ângulo em que se coloca, daresponsabilidade contratual ou da responsabilidade aquiliana.Não há dois danos distintos nem há duas condutas diferentes, nem do ponto de vista naturalístico, nem no

    plano jurídico.O que há, no caso de concurso de responsabilidades, são dois regimes legais de protecção do lesado que

    prevêem tal conduta e visam reparar tal dano, mas cada regime com a sua teleologia própria, pelo que à unidade dconduta e de dano, corresponderá, necessariamente, a unidade do pedido indemnizatório e da indemnização.» -Ac.do STJ de 1.10.2009, P.º 118/2000.S1

    «I - A responsabilidade civil médica pode apresentar - e será, porventura, a situação mais frequente -natureza contratual, assentando na existência de um contrato de prestação de serviço, tipificado no art. 1154.º doCC, celebrado entre o médico e o paciente, e advindo a mesma do incumprimento ou cumprimento defeituoso dserviço médico. Mas também pode apresentar natureza extracontratual, prima facie quando não há contrato e houv

    violação de um direito subjectivo, podendo ainda a actuação do médico ser causa simultânea das duas apontadasmodalidades de responsabilidade civil.

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    II - São os mesmos os elementos constitutivos da responsabilidade civil, provenha ela de um facto ilícitoou de um contrato, a saber: o facto (controlável pela vontade do homem); a ilicitude; a culpa; o dano; e o nexo dcausalidade entre o facto e o dano.

    III - Provado que, no dia 27 de Junho de 2001, o A. sofreu rotura traumática (parcial) da coifa dosrotadores, ao nível do ombro esquerdo, em consequência de um acidente abrangido por um contrato de seguro deacidentes de trabalho, tendo, por indicação da respectiva seguradora, o A., em 3 de Agosto de 2001, sido submetid

    a intervenção cirúrgica no Hospital ...., efectuada pelo R. ora recorrente, que é médico, na especialidade deortopedia, in casu a responsabilidade médica é de natureza contratual e o A. logrou provar, como lhe competia - cn.º 1 do art. 342.º do CC -, o cumprimento defeituoso, a saber, ter o R. na intervenção cirúrgica que efectuoudeixado uma compressa no interior do corpo do A..

    IV - Apesar de se ter provado que a enfermeira instrumentista procedeu ao controlo, por contagem, dosferros, das compressas, das agulhas, das lâminas de bisturi e dos fios de sutura utilizados e que, nem durante arealização da cirurgia, nem no final, foi verificada qualquer anomalia nas diversas contagens que tiveram lugar, médico tinha o dever de não suturar o A. sem previamente se certificar que na zona da intervenção cirúrgica nãodeixava qualquer corpo estranho, nomeadamente, uma compressa.

    V - O esquecimento de compressas ou de instrumentos utilizados na cirurgia dentro do corpo do doentetem sido considerado como a omissão de um dever de diligência.

    VI - Não tendo o médico logrado ilidir a presunção legal de culpa no defeito verificado, impende sobre si obrigação de indemnizar» -Ac. do STJ de 27.11.2007, no P.º 07A3426

    «Tradicionalmente a doutrina era relutante em admitir anatureza (e a fonte) contratual daresponsabilidade médica, porquanto repugnava aceitar-se a culpa presumida do médico sempre que o tratamentonão houvesse alcançado os objectivos propostos. A regra de que «incumbe ao devedor provar que a falta decumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua", comum aos diversos sistema jurídicos, significava, do ponto de vista processual, colocar o médico na difícil situação de se ver sistematicamenobrigado a elidir a presunção de culpa que sobre ele, na qualidade de devedor de cuidados ao paciente, passaria aimpender - ob. cit. p. 223».

    Presunção legal essa inversora das regras do encargo da prova, ex-vi do disposto nos art.ºs. 342.º e344.º, n.º 1, do CC, sendo que a prova (pelo médico) de que a sua actuação não fora desconforme com certasregras de conduta abstractamente idóneas a favorecerem a produção de um certo resultado (v.g. a cura),equivaleria, na prática, a uma quase real impossibilidade (prova diabólica) pois que se teria então de provar umafirmação negativa de carácter indefinido. «Era, pois, a impossibilidade lógica de fazer recair sobre o médico

    presunção de culpa que impedia os tribunais de afirmar a natureza contratual da responsabilidade médica» (confJean Penneau, in "La Responsabilité Médicale", pp. 48-56»).O que está na base da presunção de culpa é a constatação da realidade de que só o devedor (obrigado)

    se encontrará, por via de regra, em condições de fazer a prova das razões do seu comportamento em face docredor, bem como dos motivos que o levaram a não efectuar a prestação a que estava vinculado» (cfr., entre nósacerca da consagração legal de tal presunção de culpa, o n.º 1 do art.º 799.°, do CC e o comentário de Pires deLima e Antunes Varela, in "Código Civil Anotado", vol. II, 4.ª ed., 1997, pp. 53-55, autores segundo os quais «é ea solução adoptada na generalidade dos Códigos»).

    Aquela sobredita relutância, encontra-se, todavia, já superada, uma vez «é hoje geralmente entendidoassumir a responsabilidade médica, em princípio, natureza contratual. Isto sobretudo por mor da adopção (peladoutrina) da distinção classificativa entre «obrigações de meios» e «obrigações de resultado» proposta porDemogue, in "Traité des Obligations", Tomo V, Paris, 1925, n° 1.237 e Tomo VI, Paris, 1931, n° 599.

    Médico e paciente encontram-se, no comum das situações, ligados por um negócio de cunho

    marcadamente pessoal, de execução continuada, por via de regra, sinalagmático e oneroso» (conf. João ÁlvaroDias, in "Procriação Assistida e Responsabilidade Médica" - Stvdia Ivridica, n° 21 - BFDC - 1996, p. 221).O objecto da singular relação médico/paciente é o tratamento da saúde deste último, sendo o acto

    referencial e enquadrador dos interesses em jogo juridicamente qualificável como contrato de prestação de serviço já que, mediante ele, «uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho manual ouintelectual, com ou sem retribuição» (art.º1154.º do CC).

    O critério distintivo entre obrigações de meios (ou de pura diligência) e obrigações de resultado, reside,respectivamente, no «carácter aleatório» ou, ao invés, «rigorosamente determinado» do resultado pretendido ouexigível pelo credor. «Deste modo, já se torna compreensível que «o ónus da prova da culpa funcione em termodiversos num e noutro tipo de situações, pois que, enquanto no primeiro caso - obrigações de resultado - a simpleconstatação de que certa finalidade não foi alcançada (prova do incumprimento) faz presumir a censurabilidadético-jurídica da conduta de devedor (podendo este, todavia, provar o contrário), no segundo tipo de situações obrigações de meios - caberá ao credor (lesado) fazer a demonstração em juízo de que a conduta (acto ou omissão)

    do devedor (ou prestador obrigado) não foi conforme com as regras de actuação susceptíveis de, em abstracto,virem a propiciar a produção do almejado resultado» (cfr., neste conspectu, "Da Natureza Jurídica daResponsabilidade Médica" - conf. João Álvaro Dias, in ob cit., p. 225.

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    Sobre a caracterização, na Alemanha, da responsabilidade médica como autêntica responsabilidadecontratual que, todavia e em certas circunstâncias, pode também configurar-se como responsabilidadeextracontratual ou delitual por violação de direitos absolutos como são os direitos de personalidade, cfr. KarlheiMatthies, Schiedsinstanzen em Bereich der Arzthaltung, Soll und Haben, Berlin 1984, pp. 12-20. (Exemplo típicoactuação ilícita e danosa do médico geradora de responsabilidade extracontratual poderá ser, por ex., a de ummédico prestar assistência a uma pessoa inanimada ou a um incapaz cujo representante legal não conhece).

    Assistirá, pois, ao lesado uma dupla tutela (tutela contratual e tutela delitual), pois que o facto ilícito podrepresentar, a um tempo, violação de contrato e ilícito extracontratual. Tal tipo de danos, advenientes do defeituoscumprimento da panóplia de obrigações assumidas, são pois e de per si, mesmo na falta de contrato, por naturezareparáveis em sede extracontratual, porquanto tradutores de violação culposa de direitos absolutos. Segundo Rui dAlarcão, em todas estas situações existirá um único dano, produzido por único facto. Só que este, além de constituviolação de uma obrigação contratual, é também lesivo do direito absoluto à vida ou à integridade física (cfr. "Dirdas Obrigações", p. 210). Daí que deva entender-se "que a lei tenha querido fornecer ao contraente, como tal, uminstrumento ulterior de defesa do seu interesse, sem lhe subtrair aquela defesa geral que lhe competeindependentemente da sua qualidade especial de parte num contrato" (sic).

    Escreve também Pinto Monteiro, in "Cláusulas Limitativas e de Exclusão da Responsabilidade Civil ", inBFD, Sup., vol XXVIII, Coimbra, 1985, pp. 398-400, que «na falta de disposição legal em contrário, deve considese, em princípio, como solução natural a que permite ao lesado a opção entre as duas espécies deresponsabilidade, em virtude de o facto constitutivo da responsabilidade do lesante representar simultaneamente

    violação de um contrato e um facto ilícito extracontratual. É manifesto que, com o contrato, não pretendem as partrenunciar, criando, com o seu poder jurisgénico, uma disciplina específica destinada à tutela geral que sempre a lelhe facultaria. Bem pelo contrário, pretendem reforçar tal tutela, criando, assim uma protecção acrescida» (sic).

    Deste modo - insiste-se - enquanto na responsabilidade contratual a simples verificação de que certafinalidade não foi alcançada (prova do incumprimento) faz presumir a censurabilidade ético-jurídica da conduta devedor, salva a prova do contrário (art.ºs 344.º, n.º 1 e 799.º, ambos do CC), no segundo tipo de situações(responsabilidade extracontratual) caberá ao (doente/lesado) fazer a demonstração em juízo de que a conduta dodevedor se não pautou pelas regras de actuação susceptíveis de,in abstracto, virem a propiciar a produção dopretendido resultado (art.º 487.º do CC).

    Em termos gerais - ponto comum à responsabilidade contratual e à responsabilidade extracontratual -, tero médico agido culposamente «significa ter o mesmo agido de tal forma que a sua conduta lhe deva serpessoalmente censurada e reprovada; isto é, poder determinar-se que, perante as circunstâncias concretas de cadacaso, o médico obrigado devia e podia ter actuado de modo diferente. Diversamente, a actuação do médico já não

    será culposa quando, consideradas as circunstâncias de cada caso, ele não possa ser reprovado ou censurado porter actuado como actuou. Culpa «a ser apreciada pela diligência de um bom pai de família em face dascircunstâncias de cada caso» (art.º. 487.º, n.º 2, aplicável ex vi do n.º 2 do art.º 799.°, ambos do CC).

    Genericamente, a obrigação do médico consiste em prestar ao doente os melhores cuidados ao seualcance, no intuito de lhe restituir a saúde, suavizar o sofrimento e salvar ou prolongar a vida. Nesta fórmula ampse compreende a actividade profissional, intelectual ou técnica que tipicamente se pode designar por «acto médico- cfr. A. Silva Henriques Gaspar, no seu "Estudo Sobre a Responsabilidade Civil do Médico", in, CJ, ano III, 1978,Tomo I, pp. 335 e ss.

    Actuará, assim, com negligência (cumprindo defeituosamente a sua obrigação) o médico que não exercitetodo o seu zelo nem ponha em prática toda a sua capacidade técnica e científica na execução das suas tarefas paraproporcionar cura ao doente ou para não fazer perigar (ou pôr irreversivelmente em causa) o seu direito à vida ou integridade física e psíquica (acerca desta problemática da culpa em matéria de responsabilidade médica, vide ocitado “Estudo” da autoria do Dr. António S. Henriques Gaspar).

    Em regra, o médico não se obriga a curar o doente, apenas se comprometendo a proporcionar-lhecuidados conforme asleges artis e os seus conhecimentos pessoais; trata-se, pois, de uma mera obrigação demeios, que não de uma obrigação de resultado; incumbirá, pois, ao doente oburden of proof da invocadainexecução desse contrato por banda do profissional médico (ainda no sentido qualificação dessa obrigação com"obrigação de meios", cfr. J. C. Moutinho de Almeida, in "A Responsabilidade do Médico e o seu Seguro, in "ScieJurídica", Tomo XXI, 16/117, p. 337).

    Já poderá não ser assim se se tratar de médico especialista, que ao pôr em prática a sua técnica e osseus conhecimentos técnico-científicos especializados (justamente o pressuposto da contratação do seu serviço),actua de modo contrário ao que dele era esperado e exigível, atentas as suas habilitações específicas para oconcreto acto médico. O dever do emprego da técnica adequada vincula, de resto, o médico, mesmo após a alta dopaciente, nomeadamente no que concerne ao dever de informação quanto ao tratamento e cuidados a observar -conf.Revista do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, n° 44 - Ano 2000 - Julho/ Setembro, pp. 37 e s.Relativamente a um médico especialista (v.g. um médico obstetra a quem é cometida a tarefa de proceder, com

    êxito, à extracção de um feto ou executar as manobras próprias de um parto), já se torna compreensível a aludidainversão do ónus da prova por se tratar de uma obrigação de resultado – devendo o especialista em causa sercivilmente responsabilizado pela simples constatação de que a finalidade proposta não foi alcançada (prova do

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    lesantes, que só casuisticamente podem ser avaliados, não é legítimo invocar as compensações que são arbitradas,por exemplo, em caso de lesão mortal, com aqueloutras que afectam distintos direitos de personalidade.

    XI - Atendendo aos factos e ponderando os valores indemnizatórios que os Tribunais Superiores vêmpraticando, a compensação ao Autor pelos danos não patrimoniais sofridos deve ser, equitativamente, fixada em 224.459,05.

    XII - No caso dos autos, não tendo havido actualização da indemnização, e radicando, em última análise,

    o pedido indemnizatório, num facto ilícito cometido pelo Réu, tem pertinência a aplicação do regime constante da parte do n.º 3 do art. 805 º do Código Civil.

    Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.12.2011, no Processo 209/06.3TVPRT.P1.S1:

    Sumário:I - No que toca à responsabilidade civil médica, não prevê a lei casos de responsabilidade objectiva ou de

    responsabilidade por factos lícitos danosos, tão só admite a responsabilidade contratual e a extracontratual ouaquiliana.

    II - Tendo-se o autor apresentado aos réus médicos a coberto de um contrato de seguro celebrado pelasua entidade patronal e tendo estes actuado no âmbito de um contrato de prestação de serviços médico-cirúrgicos,previsto no art. 1154.º do CC, que mantinham com a seguradora, o conteúdo da relação estabelecida entre o autor

    os médicos está impressivamente contratualizado, encontrando-se no domínio da responsabilidade civil contratual.III - Se é inquestionável que a execução de um contrato de prestação de serviços médicos pode implicar

    para o médico uma obrigação de meios ou uma obrigação de resultado, o corrente na prática é o acto médicoenvolver da parte do médico, enquanto prestador de serviços que apelam à sua diligência e ciência profissionais, aassunção de obrigação de meios. Em regra, o médico a só isto se obriga, apenas se compromete a proporcionarcuidados conforme as leges artis e os seus conhecimentos pessoais, somente se vincula a prestar assistênciamediante uma série de cuidados ou tratamentos normalmente exigíveis com o intuito de curar.

    IV - Importa ponderar a natureza e objectivo do acto médico para, casuisticamente, saber se se estáperante uma obrigação de meios ou perante uma obrigação de resultado.

    V - Assente que o autor foi submetido a intervenção cirúrgica à coluna e nada mais se tendo provado que

    ajude a qualificar com precisão a obrigação, desconhecendo-se como surgiu a opção da sua submissão àintervenção cirúrgica, por iniciativa de quem, qual o objectivo da operação, que tipo de compromisso médico assumido, se é que tal aconteceu, nomeadamente com algum comprometimento de resultado e qual, se foiinformado dos riscos inerentes, resta então ser notório que, por regra, no caso de intervenções cirúrgicas, e muitoparticularmente nas intervenções à coluna, não se assegura a cura mas a procura da atenuação do sofrimento dodoente, estando cometida ao médico cirurgião uma obrigação de meios.

    VI - Sempre que se trate de uma mera obrigação de meios, que não de uma obrigação de resultado,incumbe ao doente o ónus de provar a falta de diligência do médico.

    VII - Tem o paciente/lesado de provar o defeito de cumprimento, porque o não cumprimento da obrigaçãodo médico assume, por via de regra, a forma de cumprimento defeituoso, e depois tem ainda de demonstrar que omédico não praticou todos os actos normalmente tidos por necessários para alcançar a finalidade desejada.

    VIII - Feita essa prova, então, funciona a presunção de culpa, que o médico pode ilidir demonstrando queagiu correctamente, provando que a desconformidade não se deveu a culpa sua por ter utilizado as técnicas eregras de arte adequadas ou por não ter podido empregar os meios adequados.

    IX - Em termos gerais, ponto comum à responsabilidade contratual e à responsabilidade extracontratual,ter o médico agido culposamente significa ter o mesmo agido de tal forma que a sua conduta lhe deva serpessoalmente censurada e reprovada, pois em face das circunstâncias concretas do caso, o médico devia e podiater actuado de modo diferente.

    No caso em apreço, o autor iniciou a lide aparentando enquadrar o seu petitório numa perspectiva deresponsabilidade delitual, particularmente denunciada nos arts. 223 a 229 da petição inicial, e surpreende nesta

    revista a procurar a tutela da responsabilidade contratual. Argumenta que do contrato de seguro celebrado, entre asua entidade patronal e a seguradora, e do contrato de prestação de serviços celebrado por esta com os réusadvém uma presunção de culpa destes (art. 799°).

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    Foi díspar o entendimento perfilhado nas instâncias. A tecedura de toda a argumentação desenvolvida na1ª instância, embora sem unívoca afirmação, aparenta posicionar-se no campo da responsabilidade contratual, aopasso que a Relação sustentou, com declaração expressa, a responsabilidade civil extracontratual.

    Nada de estranho indicia tal desencontro, uma vez que estas duas espécies de responsabilidade civil

    podem coexistir, pois que o mesmo facto pode constituir, a um tempo, uma violação do contrato e um facto ilíciExiste um único dano, produzido por único facto, só que este, além de constituir violação de uma obrigaçãcontratual, é também lesivo do direito absoluto à vida ou à integridade física[13]/[14].

    Todavia, não se pode ignorar que hoje no comum das situações, como refere João Álvaro Dias, “aresponsabilidade médica tem, em princípio, natureza contratual. Médico e doente estão, no comum dos casos,ligados por um contrato marcadamente pessoal, de execução continuada e, por via de regra, sinalagmático eoneroso.

    Pelo simples facto de ter o seu consultório aberto ao público e de ter colocado a sua placa, o médicoencontra-se numa situação de proponente contratual. Por seu turno, o doente que aí se dirige, necessitando decuidados médicos, está a manifestar a sua aceitação a tal proposta. Tal factualidade é, por si só, bastante para quepossa dizer-se, com toda a segurança, que estamos aqui em face dum contrato consensual pois que, regra geral,

    não se exige qualquer forma mais ou menos solene para a celebração de tal acordo de vontades “[15].Na mesma conformidade, Miguel Teixeira de Sousa escreve que a responsabilidade civil médica “é

    contratual quando existe um contrato, para cuja celebração não é, aliás, necessária qualquer forma especial, entre opaciente e o médico ou uma instituição hospitalar e quando, portanto, a violação dos deveres médicos geraisrepresenta simultaneamente um incumprimento dos deveres contratuais (…). Em contrapartida, aquelaresponsabilidade é extracontratual quando não existe qualquer contrato entre o médico e o paciente e, por isso,quando não se pode falar de qualquer incumprimento contratual, mas apenas, como se refere no art. 483º, nº 1, doCódigo Civil, da violação de direitos ou interesses alheios (como são o direito à vida e à saúde)”[16].

    Distingue-se a responsabilidade civil em contratual, quando provém da “falta de cumprimento dasobrigações emergentes dos contratos, de negócios unilaterais ou da lei”, e extracontratual, também designada dedelitual ou aquiliana, quando resulta da “violação de direitos absolutos ou da prática de certos actos que, embor

    lícitos, causam prejuízo a outrem”[17].O Código Civil (são deste diploma legal todos os preceitos por diante mencionados sem alguma menção

    de origem) sistematiza estas duas formas de responsabilidade em lugares distintos. A responsabilidade contratuanos arts. 798º e segs., no capítulo atinente ao cumprimento e não cumprimento das obrigações, e aresponsabilidade extracontratual nos arts. 483º e segs. no capítulo das fontes das obrigações[18]. Porque versandoum problema que lhes é comum, às duas formas de responsabilidade interessam ainda os arts. 562º e segs.quefixam o regime próprio da obrigação de indemnizar.

    Dispõe aquele art. 798º que “o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-seresponsável pelo prejuízo que causa ao credor”, e de harmonia com o disposto no nº 1 do art. 483º, “aquele quecom dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteginteresses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.

    São os mesmos os elementos constitutivos da responsabilidade civil, provenha ela de um facto ilícito oude um contrato, a saber: o facto (controlável pela vontade do homem); a ilicitude; a culpa; o dano; e o nexo dcausalidade entre o facto e o dano.

    Em qualquer dos casos, a responsabilidade civil assenta na culpa, a qual é apreciada in abstracto, ouseja, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso, conforme preceitua o nº do art. 487º, aplicável à responsabilidade contratual ex vi nº 2 do art. 799º.

    Todavia, existe interesse na destrinça das duas espécies que reside essencialmente no facto de a tutelacontratual ser a que, em regra, mais favorece o lesado na sua pretensão indemnizatória face às regras legais emmatéria de ónus da prova da culpa (arts. 799º nº 1 e 487º nº 1)[19], o que será objecto de análise no ponto seguinte.

    Estando aqui em causa a eventual violação ilícita de um direito de personalidade (a integridade física doautor) sempre tal ilícito geraria responsabilidade extracontratual. Mas será o caso concreto que, analisado em toda sua envolvência, dirá se se está perante uma relação contratual ou extracontratual.

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    *Dúvidas não existem de que entre o autor, por um lado, e os médicos réus, pelo outro, não foi ajustado de

    forma pessoal e directa um qualquer contrato. Não existindo essa relação contratual, a responsabilidade pelo actomédico, em princípio, assume exclusivamente natureza extracontratual[20].

    É, contudo, facto assente que os cuidados médicos foram prestados ao autor na sequência de acidente de

    trabalho de que foi vítima, cuidados por sua vez relacionados (pressupostamente por contrato) com a seguradora dsua entidade patronal, e operados no réu Hospital de Santa Maria no Porto (cfr. factos provados em 1), 6), 10), 1114), 15), 17), 18), 30), 31), 39), 40), 41) e 74)).

    O regime de responsabilidade civil em hospitais públicos ou em clínicas ou consultórios privados édiverso[21], mas não importa aqui a destrinça uma vez que é do conhecimento geral ser o réu Hospital de SantMaria no Porto uma unidade de saúde privada.

    Como se anota no acórdão recorrido, a questão da prestação de cuidados médicos em instituições desaúde privadas, continua a ser objecto de debate jurisprudencial e doutrinal[22].

    Inexiste na lei portuguesa um regime unitário no que respeita à responsabilidade dos médicos quando osserviços são por si prestados em ambiente institucional privado, pois que depende do que forem os factos de cada

    caso concreto, sendo diferentes as modalidades contratuais em “função de combinações entre as diferentesqualificações das partes no contrato e das suas relações, directas ou indirectas, com a participação em actosmédicos”.

    Neste contexto, igualmente se oferece como inquestionável que o autor nenhuma celebração contratualteve com o réu Hospital, fosse do que se entende por “contrato total” ou por “contrato dividido”[23].

    A intervenção do réu Hospital explica-se pela circunstância de se haver comprometido para com os réusDr. BB e Dr. CC a proporcionar-lhes o internamento do autor e a pôr à sua disposição os meios técnicos,medicamentosos e humanos, para que os mesmos executassem as tarefas que lhes eram cometidas (cfr.o nº 94dos factos provados).

    Isto é, nenhuma relação contratual estabelecida por este hospital quer com o autor quer com a seguradora

    vem recortada, nem se mostra que as intervenções cirúrgicas realizadas sejam execução de prestaçãocorrespondente a acto médico contratualmente celebrado entre ele e os réus médicos, nem sequer estes se perfilamcomo seus comissários[24] como flui das respostas negativas dadas aos quesitos 105º, 107º e 108º.

    Deste modo, se o estabelecimento hospitalar não se comprometeu à prestação de cuidados de saúdepropriamente ditos, não faz sentido responsabilizá-lo por um comportamento culposo dos médicos (arts. 500º, nºse 2 e 800º, nº 1, a contrario). A sua responsabilidade confina-se aos actos praticados pelo seu pessoal envolvido nexecução do contrato de internamento e dos actos conexos com as intervenções a que se comprometeu[25].

    Já, no referente aos réus médicos, a situação acima desenhada configura-se como susceptível da suaresponsabilização civil suportada numa relação contratual triangular que se ajusta a um contrato a favor de terceiroou seja, como um “contrato misto em que a componente prestação de serviço (médico) é a mais relevante”[26].

    Abordando uma outra vertente, mas chegando à mesma solução da natureza contratual, se pronunciou,em caso aparentemente idêntico ao dos autos, o Acórdão deste Supremo Tribunal de 27/11/07, no Proc. nº07A3426, citado pelo recorrente, disponível no ITIJ, fundamentando-a na intervenção do médico no âmbito de ucontrato de prestação de serviços médico-cirúrgicos - previsto no art. 1154º do Código Civil - que mantinha comseguradora do autor, aceitando ainda que “a partir do momento em que o Réu decide intervencionar o A. e esteaceita tal intervenção, estabelece-se, ao menos tacitamente, um contrato de prestação de serviços entre ambos”“.

    Desnecessários se mostram, por isso, quaisquer elementos para avaliar e decidir de modo afirmativo sefora ou não celebrado um acordo directo entre o autor e os réus médicos, ou se fora ou não celebrado um acordoentre ele e o réu Hospital, lacuna que serviu de esteio à Relação para enveredar e concluir pela responsabilidadecivil médica extracontratual.

    Nesta conformidade, tendo-se o autor apresentado aos réus médicos a coberto de um contrato de seguro

    celebrado pela sua entidade patronal e tendo eles actuado no âmbito de um contrato de prestação de serviçosmédico-cirúrgicos - previsto no art. 1154º [27]- que mantinham com a seguradora, o conteúdo da relação

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    estabelecida entre o autor e os médicos está impressivamente contratualizado, e, contrariamente à conclusão a quechegou o Tribunal da Relação, estamos no domínio daresponsabilidade civil contratual.

    Assim, no que à primeira questão concerne, entende-se ser de não manter a fundamentação de direitoseguida no acórdão impugnado.

    B) Se competia aos médicos réus demonstrar que as lesões que o autor apresenta, posteriores àscirurgias realizadas, não procedem de culpa sua

    Assente, pois, que in casu a responsabilidade médica é de natureza contratual, dúvidas não subsistemsobre a especial gravidade dos danos invocados.

    Demonstrando-se a existência de danos, defende o recorrente existir a presunção de que a prestação dosmédicos foi incorrectamente efectuada, pelo que lhes competia demonstrar que as lesões que apresenta,posteriores às cirurgias realizadas, não procedem de culpa sua, assim ilidindo a presunção de culpa que sobre elesincide. O que não fizeram.

    Acrescenta que, ao médico não basta, para cumprir esse ónus, a prova de que o tipo de intervençãoefectuada importa um determinado risco (eventualmente aceite pelo paciente), é necessário fazer a prova de que a

    sua conduta profissional, o seu rigoroso cumprimento das "leges artis ", foi de molde a poder colocar-se o concretresultado dentro da margem de risco.

    Vejamos!

    É princípio básico o de que o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação se tornaresponsável pelos prejuízos ocasionados ao credor, quer se trate de não cumprimento definitivo, quer de simplesmora ou de cumprimento defeituoso (cfr. arts. 798º, 799º, 801º e 804º).

    Como ensina Antunes Varela, “para que o facto ilícito gere responsabilidade, é necessário que o autortenha agido com culpa. Não basta reconhecer que ele procedeu objectivamente mal. É preciso, nos termos do art483º, que a violação ilícita tenha sido praticada com dolo ou mera culpa. Agir com culpa significa actuar em termde a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito. E a conduta do lesante é reprovável, quando,

    pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, se concluir que ele podia e devia ter agidode outro modo”[28].

    Outrossim, estabelece a lei no nº 1 do art. 799º uma presunção legal de culpa do devedor, a qual pode serilidida mediante prova em contrário (cfr. nº 2 do art. 350º). Portanto, sobre ele recai o ónus da prova.

    Como dá conta João Álvaro Dias, na obra já citada, a págs. 223 e segs., tradicionalmente a doutrina erarelutante em admitir a natureza contratual da responsabilidade médica, porquanto repugnava aceitar-se a culpapresumida do médico sempre que o tratamento tivesse efeitos nefastos ou não houvesse alcançado os objectivosfixados, pois que colocaria o médico na difícil situação de se ver sistematicamente obrigado a elidir a presunção dculpa que sobre ele, na qualidade de devedor de cuidados ao paciente, passaria a recair, o que equivaleria, naprática, a uma quase real impossibilidade pois que se teria então de provar uma “afirmação negativa de carácteindefinido”.

    Todavia, esse problema viria a ser superado com a posterior adopção da distinção entre obrigações demeios e obrigações de resultados[29], que veio permitir a abordagem desta responsabilidade sem importar especiaónus para o lesante, o médico, aceitando-se hoje consensualmente que a regra é a da natureza contratual daresponsabilidade médica.

    Isto, porque o ónus da prova da culpa funciona em termos diversos num e noutro tipo de situações, poisque, “enquanto no primeiro caso (obrigações de resultado) a simples constatação de que certa finalidade não foalcançada (prova do incumprimento) faz presumir a censurabilidade ético-jurídica da conduta do devedor (podeneste, todavia, provar o contrário), no segundo tipo de situações (obrigações de meios) caberá ao credor fazer ademonstração em juízo de que a conduta do devedor não foi conforme com as regras de actuação susceptíveis de,em abstracto, virem a propiciar a produção do resultado almejado” [30]/[31].

    Se é inquestionável que a execução de um contrato de prestação de serviços médicos pode implicar parao médico uma obrigação de meios ou uma obrigação de resultado, o corrente na prática é o acto médico envolve

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    da parte do médico, enquanto prestador de serviços que apelam à sua diligência e ciência profissionais, a assunçãode obrigação de meios.

    “Genericamente a obrigação do médico consiste em prestar ao doente os melhores cuidados ao seualcance, no intuito de lhe restituir a saúde, suavizar o sofrimento e salvar ou prolongar a vida.

    Nesta fórmula ampla se compreende a actividade profissional, intelectual ou técnica que tipicamente sepode designar por «acto médico»”[32].

    Pode dizer-se que, em regra, o médico a só isto se obriga, apenas se compromete a proporcionarcuidados conforme as leges artis e os seus conhecimentos pessoais, somente se vincula a prestar assistênciamediante uma série de cuidados ou tratamentos normalmente exigíveis com o intuito de curar. Mas não asseguranem se obriga a curar o doente uma vez que a cura também depende do concurso de outros factoresindependentes da vontade do médico e por ele não controláveis (ex. resistência do doente, capacidade deregeneração do seu organismo, estado anímico, etc.)[33].

    Então, o médico erra não quando não atinge o resultado da cura ou da atenuação do mal ou do sofrimentodo paciente, mas quando não utiliza com diligência, perícia, e consideração as técnicas e conhecimentosreconhecidos pela ciência médica, para o concreto caso clínico, que definem, em cada momento, as leges artis[34]

    Sempre que assim é, trata-se de uma mera obrigação de meios, que não de uma obrigação de resultado,incumbindo, pois, ao doente o ónus de provar a falta de diligência do médico.

    Deste modo, se a intervenção médica não produzir o resultado terapêutico esperado, o paciente nãopoderá, por esta razão, exigir uma compensação pelos danos sofridos.

    Mas casos há em que o médico está vinculado a obter um resultado concreto, constituindo exemplo deescola a cirurgia estética de embelezamento[35] (mas já não a cirurgia estética reconstrutiva geralmenteconsiderada como exemplo cirúrgico de obrigação de meios), a par da execução das manobras próprias departo[36], no campo da odontologia, por exemplo, a simples extracção de um dente ou colocação de um implante,ainda nas áreas da vasectomia e exames laboratoriais[37].

    Importa, pois, ponderar a natureza e objectivo do acto médico para casuisticamente saber se se estáperante uma obrigação de meios ou perante uma obrigação de resultado.

    No caso em apreço, o autor guardou completo silêncio em torno do que imediatamente antecedeu a suaentrada, pela primeira vez, na sala da cirurgia, mais concretamente, como surgiu a opção da sua submissão à 1ªintervenção cirúrgica[38], por iniciativa de quem, de que médico se foi o caso, qual o objectivo da operação, que tde compromisso médico foi assumido se é que tal aconteceu, nomeadamente com algum comprometimento deresultado e qual, se foi informado dos riscos inerentes. Tudo isto relevava particular interesse para tal qualificaçãmas o autor no referente a este particular campo, e tempo, limitou-se a alegar de modo indeterminado, vago eimprofícuo, no art. 29º da petição, que: “Aí, (nos serviços clínicos da seguradora DD) face ao teor do relatório Ressonância Magnética, marcaram de imediato o dia 17/01/2002 para intervenção cirúrgica à coluna”.

    Nada mais alegado, e nada mais provado, de útil que ajude a qualificar com precisão e de modo

    categórico a obrigação em causa, resta-nos então ser notório que, por regra, no caso de intervenções cirúrgicas, emuito particularmente nas intervenções à coluna, não se assegura a cura mas a procura da atenuação dosofrimento do doente. Ao médico cirurgião está cometida uma obrigação de meios, não responde pela obtenção dum determinado resultado mas pela omissão ou pela inadequação dos meios utilizados aos fins correspondentes àprestação que se propôs prestar.

    Como se refere no Acórdão deste Supremo Tribunal de 4/03/08, antes citado, “É de considerar que emespecialidades como medicina interna, cirurgia geral, cardiologia, gastroenterologia, o especialista compromete-scom uma obrigação de meios – o contrato que o vincula ao paciente respeita apenas às legis artis na execução doacto médico; a um comportamento de acordo com a prudência, o cuidado, a perícia e actuação diligentes, nãoestando obrigado a curar o doente“[39].

    Estamos, pois, perante uma obrigação de meios.

    *

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    Escreveu-se no Acórdão deste Supremo Tribunal, e desta Secção, de 28/09/2010, Proc. n.º 171/2002.S1,disponível no ITIJ, que acompanhamos na íntegra, o seguinte: “(…) como ensina A. Varela (Direito das Obrigaçõem Geral – II – 7.ª ed. 1997)[40]:

    «Nas obrigações chamadas de meios não bastará…a prova da não obtenção do resultado previsto com aprestação, para considerar provado o não cumprimento.

    Não basta alegar a morte do doente ou a perda da acção para se considerar em falta o médico que tratouo paciente ou o advogado que patrocinou a causa.

    É necessário provar que o médico ou advogado não realizaram os actos em que normalmente setraduziria uma assistência ou um patrocínio diligente, de acordo com as normas deontológicas aplicáveis aoexercício da profissão».

    Também a este respeito escreve Carneiro da Frada (Direito Civil – Responsabilidade Civil – O Método docaso – 81) «nas obrigações de meios, dada a ausência de um resultado devido, não é suficiente que o credordemonstre a falta de verificação desse resultado. Ele tem sempre de individualizar uma concreta falta decumprimento (ilícita). Dada a índole da obrigação, carece de demonstrar que os meios não foram empregues pelodevedor ou que a diligência prometida com vista a um resultado não foi observada».

    Ora, tal doutrina aceite pela generalidade dos autores, não significa que a presunção de culpa do art.799.º, n.º 1, do C.C. não tenha qualquer aplicação no âmbito das obrigações de meios, como apressada esuperficialmente pretendem os recorrentes.

    Significa apenas, como diz Carneiro da Frada (in obra citada), que em tal tipo de obrigações terá o credorde identificar e fazer provar a exigibilidade dos meios ou da diligência (objectivamente) devida. «A presunção culpa tende, portanto, a confinar-se à mera censurabilidade pessoal do devedor» isto é, a presunção reduzir-se-á àculpa em sentido estrito.

    Portanto, provado pelo credor que o meio exigível ex contractu ou ex negotii não foi empregue pelodevedor ou que a diligência exigível de acordo com as regras da arte, foi omitida, competirá ao devedor provar qunão foi por sua culpa que não utilizou o meio devido, ou omitiu a diligência exigível.

    Neste sentido, mais restrito, é aplicável às obrigações de meios a presunção de culpa do art. 799.º, n.º 1,do CC ”[41].

    Significa isto que primeiramente tem o paciente/lesado de provar o defeito de cumprimento, porque o nãocumprimento da obrigação do médico assume, por via de regra, a forma de cumprimento defeituoso, e depois temainda de demonstrar que o médico não praticou todos os actos normalmente tidos por necessários para alcançar afinalidade desejada.

    “A presunção de culpa do devedor inadimplente estende-se ao cumprimento defeituoso (artº 799º, nº 1).Quem invoca tratamento defeituoso como fundamento de responsabilidade civil contratual tem de provar, além prejuízo, a desconformidade (objectiva) entre os actos praticados e as leges artis, bem como o nexo de causalidadeentre defeito e dano”[42].

    Feita essa prova, então, funciona a presunção de culpa, que o médico pode ilidir demonstrando que agiucorrectamente, provando que a desconformidade não se deveu a culpa sua por ter utilizado as técnicas e regras dearte adequadas ou por não ter podido empregar os meios adequados.

    Em termos gerais, ponto comum à responsabilidade contratual e à responsabilidade extracontratual, tero médico agido culposamente significa ter o mesmo agido de tal forma que a sua conduta lhe deva serpessoalmente censurada e reprovada, pois em face das circunstâncias concretas do caso, o médico devia e podiater actuado de modo diferente[43].

    Culpa em qualquer grau, dolo ou mera culpa, “a ser apreciada pela diligência de um bom pai de família emface das circunstâncias de cada caso” (art.º. 482.º, n.º 2, aplicável ex vi do n.º 2 do art.º 799.°).

    No caso da responsabilidade civil dos médicos, o padrão do bom pai de família tem como correspondente

    o padrão de conduta profissional que um médico medianamente competente, prudente e sensato, com os mesmosgraus académicos e profissionais teria tido em circunstâncias semelhantes, naquela data[44]. “ Este critérioabstracto de determinação da culpa, apreciado pelo padrão da actuação de um homem ideal, comportará,

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    obviamente, todas as nuances concretas na apreciação da culpa médica, dados os diferenciados “tipos ideais demédico” a que poderá ter de se atender em cada caso: o médico do interior, sem meios e condições profícuas detrabalho, e o médico da cidade; o especialista e o médico de clínica geral, etc.”[45].

    Assim, como já se fez notar, não se pode ter como padrão de aferição um só tipo profissional ideal, masvários consoante a classe ou grupo do médico concretamente visado. Natural que a um especialista se exija mais

    no domínio da sua especialidade do que a um médico generalista, mas isso não implica, como sustenta orecorrente, que a sua obrigação seja de resultado. Tal depende da especificidade e finalidade da sua intervenção.

    Em suma, o médico, “deve actuar de acordo com o cuidado, a perícia e os conhecimentos compatíveiscom os padrões por que se regem os médicos sensatos, razoáveis e competentes do seu tempo. Mas se porventuraele tem, ou se arroga ter, conhecimentos superiores à média, em qualquer tipo de tratamento, intervenção cirúrgice riscos inerentes, poderá ser obrigado a redobrados cuidados, embora nem por isso se possa dizer que eleassumiu a posição de garante de um certo resultado”[46].»

    Acórdão do Supremo Tribunal de JustiçaProcesso: 117/2000.L1.S1Relator: ABRANTES GERALDESDescritores: RESPONSABILIDADE MÉDICA

    CIRURGIA PLÁSTICACIRURGIA ESTÉTICACONTRATOS DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOSOBRIGAÇÃO DE MEIOSData do Acórdão: 15-11-2012Decisão: NEGADA A REVISTA

    Sumário:1. No contrato de prestação de serviços médico-cirúrgicos, ainda que na vertente da cirurgia estética, o

    cirurgião assume uma obrigação de meios, devendo aplicar em todas as fases da sua intervenção as leges artisadequadas.

    2. A responsabilidade no âmbito do contrato de prestação de serviços depende da prova de uma situação

    que traduza o incumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação.3. O facto de se ter esvaziado o soro fisiológico que preenchia um dos implantes mamários, dois anos e

    meio depois da sua colocação, não integra, por si, o incumprimento ou mesmo cumprimento defeituoso do contrade prestação de serviços médico-cirúrgicos, estando provado que o cirurgião e demais equipa fizeram uso dadiligência devida, quer na escolha, quer na colocação dos implantes.

    A. G.

    …3. Seguindo a acção, depois do despacho saneador, contra os RR. Z., Centro I., e M. Corporation,

    relativamente à matéria de direito, a A. suscita questões que unicamente respeitam ao 1.º R. e que assim se podemsintetizar:

    a) Qualificação jurídica da responsabilidade civil que lhe é imputada;

    b) Apreciação do tipo de obrigação assumida: obrigação de meios ou, como pretende a recorrente,obrigação de “quase resultado”;c) Apreciação da actuação médica, verificando se existe uma situação de incumprimento ou de

    cumprimento defeituoso e culposo da obrigação assumida relativamente a qualquer das duas intervençõescirúrgicas: a primeira para colocação de dois implantes mamários e a segunda para substituição de um dosimplantes por outro.

    3.1. Quanto à primeira questão, a matéria de facto não suscita qualquer dúvida.A relação que se estabeleceu entre a A. e o 1.º R. é inequivocamente de natureza contratual, na

    modalidade de prestação de serviços médico-cirúrgicos (cfr. Eduardo Dantas, O Inadimplemento dos Contratos dServiços Médicos, em Estudos sobre o Incumprimento do Contrato, coord. de Maria Olinda Garcia, págs. 50 segs.).

    Qualificação igualmente extensiva à consulta e intervenção cirúrgica que foram realizadas depois da

    verificação do incidente que se traduziu no esvaziamento de um dos implantes mamários e absorção peloorganismo do respectivo soro fisiológico. Apesar de esta última intervenção cirúrgica ter sido realizada no Hospi…, nada foi apurado no sentido de se modificar a natureza da relação jurídica.

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    A aferição e afirmação da natureza da responsabilidade civil ganham relevo para efeitos de preenchimentodo elemento subjectivo, já que, enquanto na responsabilidade extracontratual ou aquiliana é sobre o lesado recai oónus de prova da existência de culpa relativamente à prática do facto ilícito (art. 487º, nº 1, do CC), naresponsabilidade contratual, provada que seja uma situação de incumprimento ou de cumprimento defeituoso dobrigação assumida, presume-se a culpa, recaindo sobre o prestador de serviços (devedor) o ónus da sua elisão(art. 799º, nº 1, do CC).

    Sem embargo, pode afirmar-se que aquilo que no plano contratual constitui incumprimento de obrigaçãopreexistente, cujo conteúdo se integra pela diligência, na responsabilidade extracontratual integra simplesmentnegligência, sendo que ambos os aspectos devem ser aferidos em função das leges artis ajustadas a cada situação,como critério valorativo de correcção do acto médico executado pelo profissional de medicina, tendo em conta especiais características do seu autor, a complexidade ou a transcendência vital do paciente (Clara Gonzalez, emResponsabilidad Civil Médica, inserida no Tratado da Responsabilidade Civil (coord. de Reglero Campos), vol,pág. 736).

    Por conseguinte, mostra-se crucial aferir, a partir da apreciação da realidade consolidada pelos factosapurados pelas instâncias, da existência ou não de uma situação de incumprimento da obrigação.

    3.2. A resposta à questão suscitada depende da definição do tipo de obrigação que recaía sobre o 1º R. Z.quando se dispôs a praticar as intervenções cirúrgicas de natureza estética na pessoa da A.

    3.2.1. Inscritas num contrato de prestação de serviços, estamos perante obrigações de prestação de facto.

    Mais interesse e mais dificuldades suscita, no entanto, a qualificação dessa obrigação como obrigação de meios,obrigação de resultado ou, como pretende a A., obrigação de “quase resultado”.Nas típicas obrigações de resultado, o cumprimento apenas se considera satisfeito quando ocorre o

    resultado projectado pelas partes. Assim sucede, por exemplo, com a obrigação do empreiteiro, do transportador ocom as obrigações principais que integram a generalidade dos contratos de prestação de serviços. Em taissituações, a obtenção de resultado pretendido pelo credor faz parte da essência do próprio contrato,independentemente de nele ser aplicado um trabalho intelectual ou manual (art. 1154.º do CC).

    Mas o valor de tal afirmação não pode ser absoluto, designadamente em casos em que o prestador doserviço, sem deter o total domínio do processo executivo, está submetido ou condicionado pela interferência dfactores externos, designadamente os inerentes aos riscos próprios de determinadas actividades.

    É o que ocorre, por exemplo, na generalidade dos contratos de prestação de serviços forenses (mandatos judiciais), em que a obtenção de um determinado resultado não pode valer em termos absolutos, na medida em quexistem variáveis que o profissional de modo algum pode controlar, designadamente ligados à prova dos factos ou

    sua valoração. Por isso que, em tais situações, basta que nos fixemos numa obrigação de meios, cujo cumprimentoou incumprimento, com relevo para efeitos de verificação ou não de responsabilidade civil, deve ser aferido emfunção do empenho, da diligência ou da aplicação dos conhecimentos adequados à concreta situação. Em taiscircunstâncias, o facto de o resultado projectado pelo interessado que solicita os serviços não ser alcançado nãocorresponde necessariamente a uma situação de incumprimento ou mesmo de cumprimento defeituoso do contratoefeito condicionado pela verificação do incumprimento das leges artis que em concreto se mostrem exigíveis.

    3.2.2. Mais vincada é a qualificação da obrigação contratual, como obrigação de meios, quando nossituamos na generalidade dos contratos que envolvem a prestações de serviços médicos e, de forma ainda maisacentuada, prestação de serviços médico-cirúrgicos. É nos cuidados de saúde que relevam de vínculos contratuaisque se encontram os exemplos mais paradigmáticos de obrigação de meios, por oposição a obrigações deresultado.

    Na verdade nem as partes nem o intérprete podem deixar de ponderar que toda a actuação médica

    comporta uma certa margem de risco. Dependendo das concretas circunstâncias objectivas, assim será maior oumenor a possibilidade de o profissional de saúde controlar todo o processo, desde o diagnóstico da situação, à suacura, passando pela prescrição ou pelo tratamento.

    Como refere Álvaro Dias, “aqueles que empreendem uma certa actividade que exige especiaisqualificações não deverão contentar-se em proceder de modo diligente e empenhado, antes deverão referenciar asua conduta ao padrão de proficiência que é legítimo esperar das pessoas que exercem uma tal profissão e que naverdade se lhes exige”, sendo naturalmente maior o grau de perícia exigível a um profissional que se arroga aqualidade de especialista. Acrescenta ainda que “o ponto de partida essencial para qualquer acção deresponsabilidade médica é, por conseguinte, a desconformidade da concreta actuação do agente no confronto comaquele padrão de conduta profissional que um médico medianamente competente, prudente e sensato, com osmesmos graus académicos e profissionais, teria tido em circunstâncias semelhantes, naquela data” (Dano CorporalQuadro Epistemológico e Aspectos Ressarcitórios, pág. 440, pág. 448).

    Perante uma resposta negativa a tais normas de conduta, considerar-se-á preenchido o primeiro

    pressuposto da responsabilidade, sendo disso exemplo o caso que apreciado no Ac. do STJ, de 30-11-11(www.dgsi.pt), em que, estando em causa a necessidade de uma intervenção cirúrgica numa veia, foiintervencionada uma artéria.

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    3.2.3. Todavia, vem sendo questionada a aplicabilidade desta solução – obrigação de meios - quando setrate de intervenções cirúrgicas ditadas unicamente por razões de ordem estética, designadamente operações delifting ou de emagrecimento ou intervenções cirúrgicas de implantes mamários por motivos de ordem puramentestética.

    A recorrente insiste precisamente neste ponto, alegando que foi orientada pelo único objectivo de

    melhorar o seu aspecto físico e de ultrapassar, por via da colocação de implantes mamários, uma situação que aperturbava. Tendo sido esclarecida pelo 1º R. Z. de que tal seria possível através da técnica utilizada, conclui a Aque o cumprimento da obrigação que este assumiu não se deve considerar satisfeito apenas com a prova daexecução da intervenção cirúrgica segundo as regras que a ciência médica prescrevia, sendo exigível a obtençãodo resultado projectado na relação paciente/médico. Resultado esse que não foi conseguido, quer porque um dosimplantes entretanto perdeu o seu conteúdo líquido, quer porque, depois de ter sido realizada uma segundaintervenção, se verifica um desequilíbrio de volume entre os dois seios da A.

    A questão vem sendo discutida na doutrina e na casuística jurisprudencial.No Ac. do STJ, de 13-9-11 (www.dgsi.pt) admite-se, ainda que em termos genéricos, que, traduzindo a

    obrigação do médico, em regra, uma obrigação de meios e não de resultado, tal não impede que dos contornosconcretos do contrato de prestação de serviços celebrado entre um doente e um médico ou clínica médica,nomeadamente, no campo das especialidades clínicas, possa resultar que o médico se obrigou em termos degarantir um resultado concreto, pelo que poderá ter de responder civilmente pelo seu incumprimento ou

    cumprimento defeituoso.Também no Ac. do STJ, de 22-03-07 (www.dgsi.pt), se afirmou que “no contrato dirigido à correcção

    estética do rosto, o qual enfermava de envelhecimento precoce, traduzido em rugas e flacidez da pele, estamos empresença de uma obrigação de resultado”, ainda que, em concreto, se tenha considerado que a actuação dapaciente impedira a execução de todas as fases necessárias tendentes à obtenção desse resultado.

    Já no Ac. do STJ, de 17-12-09 (www.dgsi.pt), alude-se a uma obrigação de “quase resultado”.

    3.2.4. Vejamos:Não está liminarmente afastada a possibilidade de qualificar como de resultado determinados actos

    médicos contratados, qualificação que no Ac. do STJ, de 4-3-08 (CJSTJ, tomo I, pág. 134), foi admitida numsituação em que estava em causa uma determinada análise clínica.

    Não assim, em nosso entender, quando se trata de intervenções cirúrgicas, maxime de cirurgiasprecedidas de procedimentos anestésicos, mesmo que se trate de cirurgias gizadas por objectivos puramenteestéticos.

    Em todas essas circunstâncias um qualquer médico consciencioso, cumpridor dos seus deveres legais edeontológicos e ciente das vicissitudes de qualquer operação cirúrgica, apenas se pode comprometer seriamentecom a utilização dos meios que, em concreto, se ajustarem à respectiva situação, cumprindo a sua obrigaçãoquando, depois de esclarecer devidamente o doente dos riscos associados à intervenção cirúrgica, emprega osconhecimentos e as técnicas ditadas pelas leges artis da especialidade, usando para o efeito de toda a diligência,profissionalismo, dedicação ou perícia que as concretas circunstâncias exigirem (cfr. o Ac. do STJ, de 5-7-01CJSTJ, tomo II, pág. 106).

    A propósito desta questão, com específica incidência nas cirurgias estéticas, Dias Pereira assevera, em

    correspondência com as regras da experiência ou as contingências do ser humano, que as mesmas “têm umcarácter aleatório como quaisquer outras, sendo, aliás, por vezes, de enormíssima complexidade técnica e comenormes riscos”. Considera que, por isso, o acento tónico deve ser posto na prestação de informações ao paciente(O Consentimento Informado na Relação Médico-Paciente, vol. 9 da referida colecção do CDB da FDUC, págs. 4e 433). Noutro local o mesmo autor reforça esta ideia, dizendo que “o critério determinante da necessidade detratamento é co-determinante do quantum de informação a prestar, sendo, aliás, este aspecto e não o da natureza jurídica da obrigação (de meios ou de resultado) que verdadeiramente distingue a cirurgia estética pura dasintervenções terapêuticas” (O dever de esclarecimento e a responsabilidade médica, na Revista dos Tribunais, ano94º, pág. 76).

    Também noutros quadrantes, José Maria Gonzalez e Andrea Morillo nos confrontam com a aleatoriedadeprópria da ciência médica que é influenciada por processos naturais e intrínsecos ao paciente, alheios ao controldo profissional de saúde, impedindo que se exija deste uma responsabilidade baseada unicamente na sua actuação

    e no domínio da sua esfera de controlo e afirmando taxativamente que a obrigação do médico é sempre umaobrigação de meios e não de resultado. Ao estabelecerem o confronto com uma determinada tendência que se fazsentir em Espanha quanto à distinção entre os actos de “medicina curativa” e de “medicina voluntária”, assumind

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    para esta uma maior objectivação da responsabilidade (com menção de arestos do Supremo Tribunal), os mesmosautores sustentam a manutenção do princípio da culpa como critério de imputação subjectiva da responsabilidad(La Responsabilidad Médica em el Ordenamiento Español, inserido na obra colectiva Responsabilidade Civil dMédicos, do Centro de Direito Bioético da FDUC, vol. 11º, págs. 30 e 31 e 36).

    O mesmo juízo é feito por Carla Gonçalves quando refere que, contra a colocação das situações de

    cirurgia estética no campo das obrigações de resultado, se revela um “forte movimento no sentido de excluiqualquer tipo de procedimento cirúrgico do campo das obrigações de resultado, tendo em vista que todas ascirurgias envolvem certos riscos que nem sempre poderão ser controlados pelos especialistas” (A ResponsabilidadCivil Médica, um Problema para além da Culpa, vol. 14º, do CDB da FDUC, pág. 29).

    3.2.5. Consideramos também que a especificidade da cirurgia estética, apesar de se situar na vertente dacirurgia voluntária, sem efeitos curativos necessários, não nos deve desviar da rigorosa qualificação da obrigaçãassumida como obrigação de meios (prestação dos meios clínico-cirúrgicos) e não de resultado (assegurar o efeitoconcretamente pretendido).

    Atentas as específicas circunstâncias ligadas à motivação do paciente, às expectativas geradas ou àoportunidade da intervenção, o acento tónico deve ser posto ao nível do grau de diligência exigível do profissionde saúde (presuntivamente dotado do necessário grau de especialização), a par do grau de informação que deve

    ser ministrado ao paciente, pondo-o a par dos riscos associados a qualquer intervenção no organismo humano,designadamente com a colocação de corpos estranhos, como as próteses (sobre o dever de informação e o seudoseamento de acordo com as circunstâncias cfr. Dias Pereira, O Consentimento Informado na Relação MédicoPaciente, vol. 9º do CDB da FDUC, pág. 399).

    Naturalmente que aquelas e outras circunstâncias reclamam do profissional diligência o uso das legesartis da especialidade. E não estando em perigo nem a vida nem a saúde física do paciente, necessariamente quese exige uma maior ponderação dos riscos associados, em confronto com as vantagens e os inconvenientes, semque isso baste para que se modifique a natureza das obrigações assumidas no domínio dos cuidados que envolvama prática de cirurgia estética.

    O facto de se tratar de uma cirurgia ditada por razões de carácter pessoal ou psicológico não deve fazer-nos olvidar jamais que se trata de uma “agressão” ao organismo humano, designadamente com submissão aanestesia, cortes e suturas, dependendo os resultados almejados não apenas do modo diligente como os diversosprofissionais desempenhem a sua função, mas também do comportamento do próprio organismo intervencionad

    ou da qualidade ou durabilidade das próteses que porventura sejam aplicadas.Enfim, o referido objectivo e as circunstâncias que rodeiam tais intervenções cirúrgicas, por comparaçãocom outras cirurgias com finalidades curativas, não nos devem perturbar na definição da natureza da obrigaçãoassumida, como obrigação de meios (Acs. do STJ, de 15-12-11, CJSTJ, tomo III, pág. 163, de 22-9-11, CJSTJtomo III, pág. 50, de 18-9-07, CJSTJ, tomo III, pág. 54, ou de 11-7-06, CJSTJ, tomo II, pág. 325), influindo tãonoutros aspectos ligados aos comportamentos dos profissionais antes, durante e após a intervenção.

    Porém, verificado que seja o cumprimento dessas obrigações, não será o facto de, contrariando asexpectativas, o resultado almejado ser prejudicado que revelará necessariamente uma situação de incumprimentoou de cumprimento defeituoso do contrato de prestação de serviços.

    Nega-se, assim, à recorrente a pretensão de encontrar para o caso uma qualificação intermédia, como“obrigação de quase resultado”, aliás, sem interesse para a resolução do litígio.

    Com efeito, como referem Figueiredo Dias e Sinde Monteiro, em Responsabilidade Médica em Portugal(cit. por Dias Pereira, ob. cit., pág. 424), “só por absurdo se pode admitir que o doente, para obter uma

    indemnização, além de outros pressupostos gerais, tenha apenas de provar a não obtenção de um resultado, isto é,de forma típica, a não recuperação da saúde”, concluindo que “a natureza de obrigação de meios só tem porconsequência que o paciente tenha de provar o incumprimento das obrigações do médico, isto é, tem de provarobjectivamente que não lhe foram prestados os melhores cuidados possíveis”.

    O que pode porventura afirmar-se é que, como em qualquer outro acto cirúrgico, o cirurgião plástico seobriga a realizar a intervenção cirúrgica que for mais adequada ao caso concreto, agindo com a diligência queconcretamente seja exigível pelas regras da especialidade. Por isso, mais do que insistir na divisão entre obrigaçãode meios e obrigação de resultados, importa que se acentue que o objecto da obrigação do cirurgião plástico, namodalidade de cirurgia estética, é integrado pelo conjunto de actos instrumentais que visam a obtenção do resultaddesejado pelo paciente.

    Por conseguinte, mais do que tergiversar sobre a qualificação jurídica, é importante verificar se houve ounão incumprimento das leges artis nos procedimentos médico-cirúrgicos: consulta e diagnóstico, escolha daintervenção adequada, qualidade intrínseca das próteses e verificação das mesmas antes da inserção,

    procedimentos e técnicas empregues nas cirurgias ou cuidados no pós-operatório, considerando a intervenção docirurgião plástico e da respectiva equipa, etc.

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    3.3. Estão sob apreciação neste caso duas intervenções cirúrgicas: a inicial, que se traduziu na colocaçãode dois implantes mamários; a segunda, que se destinou a substituir um dos implantes que se esvaziou.

    3.3.1. Quanto à primeira intervenção cirúrgica, relevam essencialmente os seguintes factos:- Pretendendo ficar com seios mais bonitos, mas tendo recusado uma mamoplastia de aumento e de

    subida dos seios e também dos mamilos, a A. aceitou ser submetida a uma mamoplastia apenas de aumento queconsistiu na colocação de implantes preenchidos com soro fisiológico.

    - O 1º R. Z. informou a A. de que havia riscos e consequências da operação, dizendo-lhe que com amamoplastia de aumento os seus seios não volta-riam a ser o que eram originalmente, passando a mesma, noentanto, a apresen-tar uma melhor morfologia mamária.

    - Foram usados implantes que, na data, eram dos melhores e mais fiáveis do mercado, tendo sido seguidaa rotina de cuidados habituais, incluindo a sua verificação e teste, sem que tivessem sido encontradas deficiênciasforam utilizadas na cirurgia as técnicas que, à data, eram consideradas as mais adequadas.

    - Implantes com o objectivo dos que foram utilizados têm de ter ne-cessariamente uma grandemaleabilidade e capacidade de deformação, de forma que as mulheres que os utilizem não sintam nenhumasensação de desconforto e possam adaptar-se à sua vida diária normal a todos os níveis, incluindo os relati-vos aum relacionamento sexual; de facto, se o seu revestimento fosse mais forte, poderiam ser mais resistentes eduráveis, mas não re-produziriam a parte do corpo humano que pretendem substituir e causa-riam necessariamentesensações de desconforto.

    - Cerca de 2 anos e meio depois, o seio esquerdo da A. ficou subitamente sem volume, efeito determinado

    pelo facto de soro fisiológico que se encontrava na bolsa ter sido absorvido pelo organismo.- Verificou-se então que esse implante apresentava um orifício na sua face anterior como se ti-vesse sidopicado por um alfinete, mas não se apurou a razão do seu esvaziamento; sabe-se, contudo, que nem a A. sofreuqualquer acidente ou agressão, nem essa situação foi provocada pela técnica utilizada na sua aplicação,desconhecendo-se a razão do referido esvaziamento.

    3.3.2. O acervo de factos é concludente no sentido de obstar a que se afirme em relação à actuação do 1ºR. Z. (e da respectiva equipa ou demais RR.) uma situação de incumprimento ou incumprimento defeituoso dobrigação acordada.

    São inequívocas as dificuldades com que se defronta o lesado ou o credor da prestação de serviçosmédicos no tocante à prova dos factos relevantes para efeitos de responsabilidade civil, quer extracontratual - provda culpa, nos termos do art. 487.º do CC -, quer contratual - prova da situação de incumprimento ou de cumprimendefeituoso da obrigação de tratamento assumida pelo profissional de saúde, nos termos do art. 799º do CC

    (analisadas por Mafalda Miranda Barbosa, no trabalho intitulado “A jurisprudência portuguesa em matéria dresponsabilidade civil médica: o estado da arte”, nos Cadernos de Direito Privado, nº 38, págs. 14 e segs.).No caso concreto, a causa do decesso da pretensão da A. resulta da conjugação entre a prova positiva de

    uma actuação médica conforme com a metodologia que as circunstâncias impunham, a par do desconhecimento dreal motivo que levou a que um implante que, à partida, dava todas as garantias de qualidade se tivesse esvaziado.

    Não sendo possível afirmar o incumprimento de qualquer dever de diligência inscrito nas leges artisconcretamente exigíveis, a matéria de facto revela, pela positiva, esse cumprimento em todas as fases, desde apreparação até à intervenção, passando pela informação dos riscos e pelo acompanhamento clínico.

    Com efeito, não só a A. foi alertada dos riscos da concreta intervenção, como ainda se apurou que todosagiram de acordo com as regras que na ocasião vigoravam naquela especialidade, cumprindo os deveres decuidado que as circunstâncias impunham. Em relação a todas as fases se pode afirmar, para contrariar a pretensãoda recorrente, que não houve desleixo, nem desatenção, nem imprevidência, nem precipitação, nem práticasagressivas, nem falta de conhecimentos, nem imperícia, nem violação das técnicas mais actualizadas, etc.

    Nem mesmo à qualidade dos implantes se pode imputar a causa do incidente. Afinal, nenhum indício foirevelado do que veio a ocorrer dois anos e meio depois de terem sido colocados, obedecendo a níveis de qualidadeinsuspeita, como a experiência de outras intervenções já o tinha comprovado, ignorando-se se a sua ruptura ocorrepor qualquer razão intrínseca ou se foi provocada por outro fenómeno externo.

    Diga-se ainda que o resultado pretendido pela A. foi inicialmente alcançado, mantendo-se até se verificaro referido esvaziamento.

    Por conseguinte, constituindo a obrigação contratual médico-cirúrgica uma obrigação de meios, não podeimputar-se ao 1.º R. Z. o seu incumprimento, mesmo dentro dos elevados padrões concretamente exigíveis, demodo que também não lhe poderá ser imputada qualquer responsabilidade pelo resultado lamentável que veio averificar-se.

    Mas ainda que porventura se pudesse considerar que a concreta intervenção cirúrgica traduzira para ocirurgião plástico uma obrigação de resultado, nem assim a conclusão se alteraria, na medida em que todo ocircunstancialismo que a rodeou permite afirmar, sem reservas, a ausência de culpa relativamente ao que veio a

    ocorrer dois anos e meio depois.3.3.3. Quanto à segunda intervenção cirúrgica, apurou-se essencialmente que:

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    - Por sua solicitação, a A. foi sujeita a nova intervenção cirúrgica para remoção e substituição de um dosimplantes, tendo sido usado implante da mesma marca, por ser a que se mostrava aconselhável; também nestasegunda cirurgia foram utilizadas as técnicas que, à data, eram consideradas as mais adequadas.

    - O referido implante foi preenchido com soro fisiológico com volume inferior ao que na primeiraintervenção fora inserido no outro, solução justificada pelo facto de já existir uma membrana resultante da formaçdos tecidos e de os implantes daquele género perderem volume à razão de cerca de 5% ao ano.

    - Depois da segunda intervenção, o seio esquerdo da A. ficou com um volume inferior ao do seio direito,havendo também diferenças em termos de dureza e sensação; mas aquela diferença é de considerar “ligeira amoderada”, não sendo sequer notada quando a A. se encontra vestida.

    - Sem embargo, a A. ficou desagradada com esse facto, o que lhe causa uma inibição em público, poistem a desagradável sensação de que toda a gente a observa e nela nota o defeito de duas mamas diferentes.

    3.3.4. Também não é possível apreender relativamente a esta segunda intervenção qualquer violação dasleges artis exigíveis.

    É verdade que, com referência ao resultado, os seios da A. não ficaram totalmente simétricos. Mas estasituação encontra justificação na diversidade de circunstâncias em que ocorrera a primeira implantação no seiodireito e a colocação de novo implante no seio esquerdo, dois anos e meio depois.

    Por outro lado, posto que existam reflexos subjectivos de tal diferença, em termos objectivos, a mesma éde qualificar como “ligeira ou moderada”, não sendo sequer notada quando a A. se encontra vestida.

    Tudo para concluir que também relativamente a esta situação não pode afirmar-se a existência de umasituação de incumprimento ou sequer de cumprimento defeituoso da obrigação de prestação de facto, nãorelevando para o caso a mera percepção subjectiva da A. relativamente à diferença de volume.

    Seja qual for a perspectiva com que se encare a obrigação que nesta segunda ocasião também foiassumida, não se modifica o juízo formulado relativamente à responsabilidade do R. Z..

    Com efeito, quanto aos meios empregues, seguindo a técnica adequada, foi aplicado o implante que semostrava adequado. Até a redução do volume do soro fisiológico encontra justificação aceitável no facto de o ouimplante perder paulatinamente uma certa percentagem por cada ano de uso.

    Quanto ao resultado, a diferença de volume dos seios, no contexto em que ocorreu, fruto da segundaintervenção, em conexão com a sua qualificação objectiva ou médico-legal e com o facto de nem sequer ser notadquando a A. se encontra vestida, nem sequer assume relevo suficiente para se considerar a existência deincumprimento ou mesmo de cumprimento defeituoso (dentro das leges artis) da obrigação.

    IV – Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente a revista, confirmando o acórdão recorrido.Custas a cargo da recorrente.Notifique.

    Lisboa, 15-11-12

    Abrantes Geraldes (Relator)Bettencourt de FariaPereira da Silva

    Acórdão do Supremo Tribunal de JustiçaProcesso: 488/09.4TBESP.P1.S1Relator: HELDER ROQUE

    Descritores: ADVOGADOMANDATÁRIO JUDICIALCONTRATO DE MANDATONEGLIGÊNCIAOBRIGAÇÕES DE MEIOS E DE RESULTADOTEORIA DA CAUSALIDADE ADEQUADALEGES ARTISPERDA DE CHANCEINDEMNIZAÇÃO DE PERDAS E DANOSData do Acordão: 05-02-2013Decisão: CONCEDIDA A REVISTA

    Sumário:

    I - O mandato judicial configura um contrato de mandato oneroso, com representação, sendo o advogadoconstituído responsável, civilmente, nos termos gerais, perante os seus clientes, em virtude do incumprimento ou dcumprimento defeituoso do contrato.

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    II - A deontologia profissional é o conjunto de deveres, princípios e normas que regulamentam ocomportamento público e profissional do advogado que, na execução do acordado com o cliente, deve praticarreciprocamente, a lealdade e a confiança, sob pena de colocar em crise a relação jurídica criada, agindo segundo asexigências das leges artis, os deveres deontológicos da classe e os conhecimentos jurídicos, então, existentes, deacordo com o dever objectivo de cuidado.

    III - A não comunicação ao tribunal, por onde corre o processo em que é parte a pessoa que patrocina, porparte de advogado constituído, da alteração da sua morada profissional, ao não acautelar as consequências futurasdas notificações que lhe forem dirigidas, em representação da parte cujos interesses é suposto defender, constituiomissão reveladora de negligência muito grosseira, já a caminho de um nexo de imputação ético-jurídico do facto agente de grau superior.

    IV - Nas obrigações de meios, não tendo sido alcançado o resultado devido e que fora previsto, não ésuficiente que o credor prove a não obtenção do efeito previsto com a prestação para se considerar demonstrado onão cumprimento, sendo, igualmente, necessário provar sempre o facto ilícito do não cumprimento.

    V - Demonstrando o credor que o meio, contratualmente, exigível não foi empregue pelo devedor ou que adiligência requerida, de acordo com as regras da arte, foi omitida, competirá a este provar que não foi por sua culp

    que não utilizou o meio devido, ou omitiu a diligência exigível.VI - O ordenamento jurídico nacional consagra a doutrina da causalidade adequada, ou da imputação

    normativa de um resultado danoso à conduta reprovável do agente, nos casos em que pela via da prognosepóstuma se possa concluir que tal resultado, segundo a experiência comum, possa ser atribuído ao agente comocoisa sua, produzida por ele, mas na sua formulação negativa, porquanto não pressupõe a exclusividade dacondição como, só por si, determinante do dano, aceitando que na sua produção possam ter intervindo outros factoconcomitantes ou posteriores.

    VII - Enquanto a teoria geral da causalidade, no âmbito da responsabilidade contratual, tem subjacente oprincípio do “tudo ou nada”, porquanto obriga a que o risco de incerteza da prova recaia em conjunto sobre um únisujeito, a teoria da “perda de chance” distribui o risco da incerteza causal entre as partes envolvidas, pelo que olesante responde, apenas, na proporção e na medida em que foi autor do ilícito.

    VIII - Ao ver desentranhado o requerimento probatório do autor, a ré fê-lo, desde logo, perder toda equalquer expectativa de ganho de causa na acção, independentemente das vicissitudes processuais que a mesmaconheceria, na hipótese de tal não haver sucedido, o que, por si só, representa um dano ou prejuízo autónomo paraaquele.

    IX - A doutrina da “perda de chance”, ou da perda de oportunidade, diz respeito, não à teoria dacausalidade jurídica ou de imputação objectiva, mas antes à teoria da causalidade física, pelo que a perda deoportunidade apenas pode colocar-se, verdadeiramente, quando o julgador, depois de aplicar as regras e critériospositivos que orientam e limitam a sua capacidade de valoração, não obtém a prova de que um determinado factfoi causa física de um determinado dano final.

    X - O dano da “perda de chance” que se indemniza não é o dano final, mas o dano “avançado”, constituído

    pela perda de chance, que deve ser medida em relação à chance perdida e não pode ser igual à vantagem que seprocurava, nem superior nem igual à quantia que seria atribuída ao lesado, caso se verificasse o nexo causal entreo facto e o dano final.

    XI - Para o que importa proceder a uma tarefa de dupla avaliação, isto é, em primeiro lugar, realiza-se aavaliação do dano final, para, em seguida, ser fixado o grau de probabilidade de obtenção da vantagem ou deevitamento do prejuízo, após o que, obtidos tais valores, se aplica o valor percentual que representa o grau deprobabilidade ao valor correspondente à avaliação do dano final, constituindo o resultado desta operação aindemnização a atribuir pela perda da chance.

    *O mesmo se passa com aresponsabilidade civil e criminal resultantes de facto ilícito,

    do mesmo acidente: o condutor será condenado em pena criminal e em indemnização (aquiacompanhado pelos responsáveis meramente civis, substituídos pela Seguradora, nos termos dalei do seguro obrigatório), correspondendo cada uma à respectiva responsabilidade.

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    A responsabilidadeextracontratual funda-se- em geral naculpa (483º,1),- excepcionalmente (483º, 2) no risco (499º a 510º), preocupaçãosocial de

    indemnização de lesados sem culpa destes e,- em casos residuais, em factos lícitos:

    - 1348º, 2 - obrigação de indemnizar os donos dos prédios vizinhos por danoscausados por escavações;- por acto praticado em estado de necessidade -339º, nº 2; - por passagem forçada momentânea -1349º, 3;- por expropriações -1310º.

    Outras diferenças

    a) - a responsabilidade delitual é menos exigente, quanto a alguns dos seuspressupostos, quando por facto de terceiro. Porém, compare-se o disposto no art.500º -independentemente de culpa , responsabilidade puramente objectiva,na comissão, naresponsabilidade extracontratual, emparalelocom o estatuído no art.800ºpara os simplesauxiliares do devedor na responsabilidade contratual;

    b) - a mora é necessária na responsabilidade contratual (804º e 805º), não naresponsabilidade delitual que tem um especial regime de mora (805º, 3, parte final) e deindemnização suplementar para além dos juros (806º, 3, in fine);

    c) -as convenções de irresponsabilidade seriam nulas na responsabilidade delitual,mas não na contratual (800º, 2);

    d) -a solidariedade constitui a regra na responsabilidade delitual (497º), ao passo quena responsabilidade contratual o regime normal é o daconjunção (513º), pois a solidariedadede devedores só existe se resultar da lei ou da vontade das partes;

    e) - só a responsabilidade delitual está sujeita aprescrição de curto prazo (498º e309º).

    f) -graduação da indemnização na resp. extracontratual (494º), salvo P. Jorge queaplica esta norma à responsabilidade contratual.

    g) - Onus da prova a cargo do lesado da resp. extracontratual -487º- e presunção deculpa do devedor na contratual -799º.Também na Responsabilidade extracontratual consagra alei casos de presunção de culpa, como nos art.491º a 493º e 503º, nº 3.

    A tendência actual da doutrina vai no sentidoda unificação das duas espécies deresponsabilidades - Calvão da Silva, Pedro Albuquerque e Meneses Cordeiro, citados noBMJ 445-492.

    Funções da responsabilidade civil:

    - reparadora ou compensatória - em regra a indemnização não excede o dano sofrido – 562º;-