resiliencia e espiritualidade pac oncológicos - abordagem junguiana

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  • 7/26/2019 RESILIENCIA E ESPIRITUALIDADE PAC ONCOLGICOS - abordagem Junguiana

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    PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO

    PUC SP

    Maria Cecilia Menegatti Chequini

    Resilincia e Espiritualidade em Pacientes

    Oncolgicos: Uma Abordagem Junguiana

    MESTRADO EM PSICOLOGIA CLNICA

    So Paulo

    2009

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    PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO

    PUC SP

    Maria Cecilia Menegatti Chequini

    Resilincia e Espiritualidade em Pacientes

    Oncolgicos: Uma Abordagem Junguiana

    MESTRADO EM PSICOLOGIA CLNICA

    Dissertao apresentada BancaExaminadora da Pontifcia Universidade

    Catlica de So Paulo como exignciaparcial para obteno do ttulo deMESTRE no Ncleo de Psicossomticae Psicologia Hospitalar do Programa deEstudos Ps-Graduados em PsicologiaClnica, sob a orientao da Profa. Dra.Ceres Alves de Arajo.

    So Paulo

    2009

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    Banca Examinadora

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    Aos meus pais, fontes de amor e dedicao

    que produziram em mim a possibilidade

    de resilincia e espiritualidade.

    Ao meu marido, cujo companheirismo, apoio e

    incentivo, possibilitaram a realizao deste trabalho.

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    - AGRADECIMENTOS -

    Ao Mysterium Tremendum, ainda que eu no quisesse, minha eternareverncia.

    Agradeo vida pela oportunidade de realizar este trabalho, para mim

    muito especial, junto com presenas to especiais. Todos os seres envolvidos

    tiveram participaes essenciais na sua elaborao. Todos os erros e acertos,

    assim como todos vieses e acontecimentos, contriburam para que ele se

    compusesse tal como , no perfeito, mas inteiro. Pude sentir desde o incio o

    destino pulsar em cada uma das etapas, atravs das mos amigas de minha

    orientadora e demais companheiros. No existiu acaso, nenhum, e, durante o

    tempo todo, percebi que eu era apenas mais uma colaboradora na sua construo.

    Por isso sou imensamente agradecida.

    querida Profa. Dra. Ceres Alves de Arajo, em especial, pela confiana

    e oportunidade de desenvolver este trabalho sob sua sbia orientao. Seu

    exemplo de vida e apoio serviram de inspirao e me guiaram nesta jornada.

    Muito obrigada.

    Aos membros da banca: Profa. Dra. Edna M. Peters Kahhale, serei

    sempre grata pela pacincia acolhedora com que me conduziu na descoberta deste

    fantstico mundo da pesquisa cientfica; ao Prof. Dr. Elizeu Coutinho de Macedo,

    pelas ricas contribuies que orientaram a construo deste trabalho sob bases

    cientficas; Profa. Dra. Maria Tereza Nappi Moreno, pela disposio e interesse

    e Profa. Dra. Mathilde Neder, pioneira no estudo da psicossomtica no Brasil,

    pela honra dos ensinamentos recebidos.

    Aos professores Dr. Esdras Guerreiro Vasconcellos e Dra. Liliana L.

    Wahba, pelo carinho e contribuies acadmicas.

    s professoras coordenadoras do Programa de Estudos Ps-Graduados

    em Psicologia Clnica da PUCSP, Dra. Marlise A. Bassani e Dra. Denise Ramos,

    pela convivncia amiga e solicitaes atendidas.

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    Ao Capes e, mais uma vez, aos professores do Ncleo de Psicossomtica e

    Psicologia Hospitalar da PUCSP, por todos os meses em que fui contemplada

    com bolsa de estudos.

    querida amiga Mariangela Gargioni Donice, pelo carinho e disposiosolidria que me levaram at a equipe de profissionais do Centro Paulista de

    Oncologia.

    A Alexandre de Jesus Viana, pela generosidade de ter disponibilizado seu

    tempo e energia para a coleta dos dados. Sua ajuda foi fundamental.

    A toda equipe do Centro Paulista de Oncologia, especialmente ao Dr.

    Ren Cludio, por ter autorizado a realizao desta pesquisa.

    A todos os pacientes que compuseram este estudo, pois, num momento to

    delicado de suas vidas, acreditaram e colaboraram com esta pesquisa, dando sinais

    claros de f, coragem e solidariedade.

    Profa. Dra. Yara de Castro e Natlia M. Dias pela prontido, carinho e

    eficincia com que me ajudaram nas anlises estatsticas.

    Profa. Dra. Luciana F. Marques, que atendeu prontamente a todas as

    minhas solicitaes.

    Ana Rios, exemplo de solidariedade, agradeo por mim e por todos

    aqueles a quem ajudou neste percurso.

    A todos aqueles com quem convivi e tantas trocas realizamos,

    principalmente Mrcia Barreto, Maria Mello, Cristina Masiero, Rosana Watson,

    Elisa sper, Renata e todo grupo de orientao.

    Ao Chequini, por ter me lanado o desafio do mestrado e por ter me

    acompanhado em cada uma de suas etapas.

    A toda minha famlia, meus pais sempre presentes, minhas irms, irmo e

    principalmente Arlete pelo interesse e ajuda.

    A todos os meus amigos queridos que sempre contriburam imensamente

    com ideias, sugestes e, principalmente, com suas companhias amorosas e

    acolhedoras.

    Ao querido Worney Albiero (in memorian), que tanto me incentivou,

    ajudou e inspirou.

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    Depois dessa doena comeou um perodo de

    grande produtividade. Muitas de minhas obras

    principais surgiram ento. O conhecimento ou

    a intuio do fim de todas as coisas deram-me

    a coragem de procurar novas formas de

    expresso. [...]

    Foi s depois de minha doena que

    compreendo o quanto importante aceitar

    o destino. Porque assim h um eu que no

    recua, quando surge o incompreensvel. Um

    eu que resiste, que suporta a verdade e que

    est a altura do mundo e do destino. Ento

    uma derrota pode ser, ao mesmo tempo, uma

    vitria. Nada se perturba, nem dentro nem

    fora, porque nossa prpria continuidade

    resistiu torrente da vida e do tempo.

    Mas isso s acontece se no impedirmos que o

    destino manifeste suas intenes.

    G. Jung (s/d, p. 259)

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    RESUMO

    MENEGATTI-CHEQUINI, M. C. Resilincia e espiritualidade em pacientesoncolgicos: uma abordagem junguiana. 2009, 152 p. Dissertao (Mestrado).

    Programa de Estudos Ps- Graduados em Psicologia Clnica. Pontifcia

    Universidade Catlica de So Paulo, 2009.

    Este trabalho teve como objetivo estudar a interrelao entre resilincia e

    espiritualidade em pacientes oncolgicos, utilizando como referncia a linha

    terica junguiana. O termo resilincia foi empregado no sentido de processo

    atravs do qual uma pessoa, grupo ou comunidade, superam situaes de

    adversidades, transformando-as em desenvolvimento pessoal e coletivo.

    Espiritualidade referiu-se experincia com o Self, que traz sentido e significado

    para a existncia. Foram aplicados a Escala de Resilincia (WAGNILD e

    YOUNG, 1993), a Escala de Bem-Estar Espiritual (PAULOTIZIAN e ELLISON,

    1982) e um questionrio para levantamento de dados sociodemogrficos,

    religiosos/espirituais e de sade em uma amostra de 60 pessoas, entre 27 e 72

    anos (14 homens e 46 mulheres), residentes na capital de So Paulo. Todos os

    participantes foram diagnosticados com algum tipo de cncer e estavam em fase

    de tratamento. A anlise estatstica dos dados mostrou que h uma relao

    positiva significativa entre resilincia e bem-estar espiritual. As aplicaes deste

    estudo apontam a espiritualidade como um fator importante no processo resiliente

    e eficaz no desenvolvimento de mtodos para sua promoo.

    Palavras-chave:Resilincia, Espiritualidade, Religiosidade, Self.

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    ABSTRACT

    MENEGATTI-CHEQUINI, M. C. Resilience and Spirituality in Oncological

    Patients: a Jungian approach. 2009, 152 p. Dissertation (Master Degree). Post-

    graduate Study Program in Clinical Psychology. Pontificia Universidade Catlica

    - So Paulo, 2009.

    This works objective is to explore the interrelationship between resilience and

    spirituality in oncological patients, using as reference the Jungian theories. The

    term resilience was used here to describe the process through which an individual,

    a group or a community overcome adverse situations, transforming these in

    personal and collective development opportunities. Spirituality refers to the

    experience with the Self, which brings meaning and significance to existence. The

    Resilience Scale (WAGNILD e YOUNG, 1993) and the Spiritual Well-Being

    Scale (PALOUTZIAN e ELLISON, 1982), and a questionnaire collecting

    demographic religious/ spiritual and health data, were applied in a sample group

    of 60 people between 27 and 72 years of age (14 men and 46 women), all So

    Paulo City residents. At the time, all participants had been diagnosed with some

    type of cancer and were undergoing treatment. The statistic analysis of data

    showed that there is a considerably positive relationship between resilience and

    spiritual well-being. The applications of this study indicate that spirituality is an

    important factor in the process of recovery and efficient in the development of

    methods for the promotion of resilience.

    Key-words:Resilience, Spirituality, Religiosity and Self.

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    - SUMRIO -

    INTRODUO ......................................................................................................................... 1

    OBJETIVOS .............................................................................................................................. 6

    CAPTULO I RESILINCIA .............................................................................................. 7

    1.1. ORIGEM E EVOLUO DO CONCEITO ............................................................ 7

    1.1.1. Situaes de risco ......................................................................................... 10

    1.1.2. Situaes de proteo e fatores de resilincia .............................................. 12

    1.1.3. A dinmica do processo resiliente ................................................................ 16

    1.2. O CNCER ENQUANTO ADVERSIDADE ....................................................... 20

    1.3. RESILINCIA E PSICOLOGIA ANALTICA .................................................... 24

    CAPTULO II ESPIRITUALIDADE E RELIGIOSIDADE ........................................... 29

    2.1. OS CONCEITOS DE ESPIRITUALIDADE E DE RELIGIOSIDADE ............... 29

    2.2. A ESPIRITUALIDADE E A RELIGIOSIDADE NA PSICOLOGIA

    ANALTICA ........................................................................................................... 36

    CAPTULO III RESILINCIA E ESPIRITUALIDADE ............................................... 44

    3.1. DEFINIO OPERACIONAL DOS TERMOS ESPIRITUALIDADEE RESILINCIA E INSTRUMENTOS DE AVALIAO .................................. 44

    3.1.1. Espiritualidade e a escala de Bem-Estar Espiritual de

    Paloutizian e Ellison (1982) ......................................................................... 44

    3.1.2. Resilincia e a escala de Resilincia de Wagnild e Young (1993) ............... 48

    3.1.3. Utilizao das escalas de Resilincia e Bem-Estar Espiritual

    em estudos anteriores ................................................................................... 50

    3.2. A ESPIRITUALIDADE COMO FATOR DE RESILINCIA ............................... 55

    3.3. IMAGENS DE RESILINCIA E DE ESPIRITUALIDADE ................................. 60

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    CAPTULO IV MTODO ................................................................................................... 64

    4.1. CARACTERSTICAS DO ESTUDO .................................................................... 64

    4.2. LOCAL DA COLETA ........................................................................................... 64

    4.3. SUJEITOS .............................................................................................................. 66

    4.4. INSTRUMENTOS ................................................................................................. 66

    4.4.1. Questionrio de dados sociodemogrficos, religiosos/espirituais

    e de sade ..................................................................................................... 67

    4.4.2. Escala de Resilincia de Wagnild e Young (1993) adaptada por

    Pesce et al. (2005) ...................................................................................... 67

    4.4.3. Escala de Bem-Estar Espiritual de Paloutizian e Ellison (1982)

    adaptada por Marques (2000) ........................................................................ 69

    4.5. PROCEDIMENTOS .............................................................................................. 72

    4.5.1. Familiarizao com o local da pesquisa ........................................................ 72

    4.5.2. Treinamento da pessoa do auxiliar de pesquisa ............................................ 72

    4.5.3. Coleta de dados ............................................................................................. 72

    4.6. CUIDADOS TICOS ............................................................................................ 73

    4.7. ANLISE ESTATSTICA .................................................................................... 74

    CAPTULO V RESULTADOS .......................................................................................... 75

    5.1. CARACTERIZAO DA AMOSTRA QUANTO AOS DADOS OBTIDOS

    NO QUESTIONRIO DE DADOS SOCIODEMOGRAFICOS,

    RELIGIOSOS/ESPIRITUAIS E DE SADE ........................................................ 75

    5.2. CARACTERIZAO DA AMOSTRA QUANTO AOS RESULTADOS

    OBTIDOS NAS ESCALAS DE RESILINCIA E BEM-ESTAR

    ESPIRITUAL ......................................................................................................... 80

    5.2.1. Correlao entre os dados obtidos nas escalas de Resilincia, Bem Estar

    Espiritual e subescalas de Bem-Estar Religioso e Existencial ...................... 82

    5.2.2. Cruzamentos das classificaes das escalas de Resilincia, Bem-EstarEspiritual e subescalas de Bem-Estar Religioso e Existencial ...................... 83

    5.2.3. Anlise das diferenas entre os escores das subescalas de Bem-Estar

    Religioso e Existencial e as classificaes em resilincia ............................. 87

    5.2.3.1. Comparao entre as mdias das diferenas entre os escores

    de bem-estar religioso e existencial e as classificaes em resilincia ......... 88

    5.2.3.2. Comparao do desempenho nas subescalas de Bem-Estar

    Religioso e Existencial e as classificaes em resilincia ............................ 89

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    5.3. COMPARAES ENTRE DADOS OBTIDOS NAS ESCALAS DE

    RESILINCIA, BEM-ESTAR ESPIRITUAL E NO QUESTIONRIO DE

    DADOS SOCIODEMOGRFICOS RELIGIOSOS/ESPIRITUAIS

    E DE SADE .......................................................................................................... 90

    5.4. CLASSIFICAO HIERRQUICA PARA CONSTRUO

    DE AGRUPAMENTOS (CLUSTERS) ................................................................ 100

    CAPTULO VI DISCUSSO ........................................................................................... 111

    CAPTULO VII CONSIDERAES FINAIS ............................................................... 127

    REFERNCIAS .................................................................................................................... 130

    ANEXOS ............................................................................................................................... 143

    ANEXO A -QUESTIONRIO DE DADOS SCIODEMOGRFICOS,

    RELIGIOSOS/ESPIRITUAIS E DE SADE ................................................................ 144

    ANEXO B - ESCALA DE RESILINCIA ................................................................... 147

    ANEXO C -ESCALA DE BEM-ESTAR ESPIRITUAL ............................................. 148

    ANEXO D - DOCUMENTO CONTENDO A AUTORIZAO

    DA INSTITUIO PARA A REALIZAO DA PESQUISA .................................... 149

    ANEXO E - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ............... 151

    ANEXO F -PARECER DO COMIT DE TICA EM PESQUISA

    DA PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO .......................... 152

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    - LISTA DE TABELAS -

    1 - Distribuio da variveis Sociodemogrficas ..................................................... 77

    2 - Distribuio das variveis relacionadas a Crenas, Afiliao

    religiosa e Sade .................................................................................................. 78

    3 - Distribuio quanto aos escores parciais e totais obtidos por cada

    participante nas escalas de Resilincia, Bem-Estar Espiritual e nas

    subescalas de Bem-Estar Religioso e Existencial ............................................... 804 - Classificao da amostra nas escalas de Resilincia, Bem-Estar Espiritual

    e nas subescalas, Bem-Estar Religioso e Existencial .......................................... 81

    5 - Matriz de Correlao de Pearson dos resultados obtidos pelas escalas de

    Resilincia e Bem Estar Espiritual, incluindo as correspondentes subescalas

    de Bem-Estar Religioso e Bem-Estar Existencial ............................................... 82

    6 - Distribuio dos resultados do cruzamento entre as classificaes nas

    escalas de Bem-Estar Espiritual e Resilincia ..................................................... 837 - Distribuio dos resultados do cruzamento entre as classificaes nas

    escalas de Bem-Estar Existencial e Resilincia .................................................. 84

    8 - Distribuio dos resultados do cruzamento entre as classificaes nas

    escalas de Bem-Estar Religiosos e Resilincia ................................................... 86

    9 - Distribuio dos resultados da comparao entre as mdias das diferenas

    entre os escores de bem-estar religioso e existencial e as classificaes na

    escala de Resilincia ............................................................................................ 88

    10 - Distribuio dos resultados da comparao entre as mdias dos

    desempenhos nas subescalas de Bem-Estar Religioso e Existencial e as

    classificaes em resilincia ................................................................................ 89

    11 - Sumrio dos resultados dos Testes t e das Anovas (efeito das variveis sexo,

    filhos, ocupao, estado civil, idade, escolaridade e religiosobre as

    medida de resilincia, bem-estar espiritual, religioso e existencial) ................... 91

    12 - Comparao de Mdias entre a varivel, participao em instituio

    religiosae os ndices de resilincia, bem-estar espiritual, bem-estar

    existencial e bem-estar religioso ......................................................................... 92

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    13 - Cruzamento entre a varivelpertencer a instituies religiosase as

    classificaes na escala de Resilincia ................................................................ 92

    14 - Cruzamento entre afrequncia a instituies religiosase as classificaes

    na escala de Resilincia ....................................................................................... 93

    15 - Teste t para comparao de mdias entre amostras independentes:prticas

    espirituaisindividuais e os ndices de resilincia, bem-estar espiritual,

    bem-estar existencial e bem-estar religioso ......................................................... 94

    16 - Cruzamento entre afrequncia de prticas espirituais individuaise as

    classificaes na escala de Resilincia ................................................................ 95

    17 - Anlise de Varincia para comparao de Mdias entre a varivel

    em que medida a f contribuiu para o enfrentamento da doena e os

    ndices de resilincia, bem-estar espiritual, existencial e religioso ..................... 96

    18 - Distribuio das mdias entre a varivel em que medida a f

    contribuiu para o enfrentamento da doenae os ndices de resilincia ............. 98

    19 - Anlise de Varincia para comparao das Mdias entre a varivel

    considerar que a doena tenha transformado sua vida (em que medida)

    e os ndices de resilincia .................................................................................... 99

    20 - Distribuio dos resultados das variveis resilincia, competncia

    pessoal, aceitao de si mesmo e da vida, bem-estar espiritual,

    bem-estar religioso ebem-estar existencialpor agrupamentos (Clusters) ....... 101

    21 - Cruzamento entre agrupamentos ou clusterse a varivel acreditar em Deus,

    ou poder superior, ou energia etc. .................................................................... 104

    22 - Cruzamento entre agrupamentos ou clusters, com a varivel acredita

    que a f, religiosidade ou espiritualidade ajudaram a enfrentar a doena...... 105

    23 - Cruzamento entre agrupamentos ou clusters, com a varivel em que

    medida o participante considera que a doena o levou maior

    conexo com suas crenas, religiosidade ou espiritualidade .......................... 107

    24 - Distribuio dos resultados da varivel idadepor agrupamento (cluster) ........ 108

    25 - Relao entre Agrupamentos (clusters) e situao ocupacional ...................... 108

    26 - Relao entre Agrupamentos (clusters) e sexo .................................................. 109

    27 - Relao entre Agrupamentos (clusters) e terfilhos ........................................... 109

    28 - Relao entre Agrupamentos (clusters) e religio............................................. 110

    29 - Relao entre Agrupamentos (clusters) e escolaridade .................................... 110

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    - LISTA DE GRFICOS -

    1 - Distribuio dos resultados do cruzamento entre as classificaes nas escalas

    de Bem-Estar Espiritual e Resilincia ................................................................. 83

    2 - Distribuio dos resultados do cruzamento entre as classificaes nas escalas

    de Bem-Estar Existencial e Resilincia ............................................................... 85

    3 - Distribuio dos resultados do cruzamento entre as classificaes nas

    escalas de Bem-Estar Religioso e Resilincia ..................................................... 86

    4 - Distribuio dos resultados da comparao entre as mdias dos desempenhos

    nas subescalas de Bem-Estar Religioso e Existencial e as classificaes em

    resilincia ............................................................................................................. 89

    5 - Distribuio das mdias entre a varivel em que medida a f contribuiu para

    o enfrentamento da doenae os ndices de resilincia ....................................... 98

    6 - Resultado da anlise fatorial de construo de agrupamentos ou dos clusters

    da escala de Bem-Estar Espiritual ..................................................................... 102

    7 - Resultado da anlise fatorial de construo de agrupamento ou dos clusters

    da escala de Resilincia .................................................................................... 103

    8 - Cruzamento entre agrupamentos ou clusterse a varivel acreditar em Deus,

    ou poder superior, ou energia etc...................................................................... 104

    9 - Cruzamento entre agrupamentos ou clusters, com a varivel acredita que a

    f, religiosidade ou espiritualidade ajudaram a enfrentar a doena ............... 106

    10 - Cruzamento entre agrupamentos ou clusters, com a varivel em que

    medida o participante considera que a doena o levou maior conexo

    com suascrenas, religiosidade ou espiritualidade ......................................... 107

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    1

    INTRODUO

    Vocatus atque non vocatus, Deus aderit.1

    interesse e a motivao para pesquisar a relao entre resilincia e

    espiritualidade surgiu h trs anos, quando a pesquisadora passou a

    integrar um grupo de ps-graduandos orientados pela Professora Dra.

    Ceres Alves de Arajo, na Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo. O grupo tinha

    como tema o estudo da resilincia, abordada em seus vrios aspectos e perspectivas

    tericas. No decorrer do semestre, pode-se discutir e ampliar os conhecimentos sobre a

    matria e passou-se a pensar na hiptese de existir uma ligao entre resilincia e

    espiritualidade.

    Os estudos sobre resilincia investigam a capacidade do indivduo, grupo ou

    sociedade de superar adversidades; buscam responder a questes relacionadas aos

    processos atravs dos quais se d essa superao, o que leva uma pessoa ou comunidade

    a ultrapassar situaes de extrema dificuldade e sobreviver de forma renovada e

    fortalecida. Procuram responder quais seriam os fatores que atuam no processo e que

    garantem o sucesso mesmo diante do infortnio.

    Arajo (2006, p. 85) define resilincia como a capacidade universal que

    permite pessoa, grupo ou comunidade previnir, minimizar ou superar os efeitos

    danosos da adversidade, refere-se a um potencial humano, presente nos indivduos de

    todas as culturas e em todos os tempos e apresenta a resilincia como parte de um

    processo evolutivo que pode ser promovido desde o nascimento.

    Mais do que uma simples resposta adversidade, a resilincia, segundo Grotberg

    (2005, p. 15) enfrentar, vencer e ser fortalecido ou transformado por experincias de

    1 Inscrio latina, que quer dizer: Invocado ou no invocado, Deus est presente. Est gravado em

    pedra acima da porta de entrada de minha casa em Ksnacht perto de Zurique. Alm disso encontra-se nacoletnea dos Adagia, de Erasmo (sc. XVI) [Collectanea Adagiorum]. Contudo, um orculo dlfico(JUNG, 2003, p. 304).

    O

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    17/167

    2

    adversidade, ou seja, no basta o enfrentamento, a resilincia implica em ganhos, j

    que a superao resulta em transformaes e fortalecimento.

    Definido como uma rea especfica no estudo do desenvolvimento humano, o

    complexo processo resiliente considera a dinmica de vrios elementos que interatuampara a adaptao do indivduo, grupo ou comunidade, apontando diretamente para a

    responsabilidade da sociedade no desenvolvimento de polticas pblicas para sua

    promoo.

    Hoje, considerado um processo que vai alm da simples adaptao do indivduo

    ao seu meio, uma vez que resulta em transformaes positivas para o indivduo e para a

    sociedade a que pertence, o estudo da resilincia aborda, dentre vrios fatores, aqueles

    referentes subjetividade humana, inclusive os relacionados espiritualidade e religiosidade, ao quais este estudo se destina.

    A espiritualidade , neste trabalho, tomada no sentido em que considera fatores

    como o nvel de conhecimento pessoal, o entendimento ou sentido de conexo com algo

    alm-ego, que remete a questes de significado e sentido da existncia e no apenas a

    um sistema especfico de crena ou qualquer prtica religiosa. Trata-se da convico de

    que a existncia imbuda de propsitos e significados que vo alm das percepes

    individuais em direo ao coletivo, revelando a cada ser sua participao em umuniverso maior e trazendo, assim, uma sensao de paz e plenitude com o mundo

    (ELLISON, 1983).

    Dentro de tais parmetros, a espiritualidade liga-se diretamente prpria prtica,

    experincia direta com o transcendente, no se prende a dogmas, doutrinas, ritos,

    celebraes, que podem apenas servir como vias institucionais capazes de acolher a

    espiritualidade.

    Assim, existe a possibilidade de se encontrar a espiritualidade calcada na

    religiosidade, da mesma maneira que a espiritualidade pode se apresentar sem lastro em

    qualquer tipo de religiosidade. Ainda: encontra-se a prpria religiosidade desprovida do

    carter de espiritualidade, manifestada por pessoas que mantm um vnculo meramente

    formal e superficial com determinada instituio religiosa.

    Observa-se no comeo deste sculo uma crescente busca, por parte do pblico

    em geral, por questes relacionadas espiritualidade e religiosidade, fenmeno que se

    pode constatar pelo crescimento dos mais variados tipos de prticas msticas,

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    renovadoras ou inovadoras, a busca cada vez maior por doutrinas religiosas orientais, a

    disseminao de cultos evanglicos, o retorno de cultos pagos, dentre outros.

    crescente, ademais, o consumo de literatura a respeito de espiritualidade, de livros de

    autoajuda, de terapias alternativas, de sites que oferecem servios de orientao

    espiritual, astrolgica etc. (TEIXEIRA, 2005)

    Pesquisas apontam que 95% dos americanos acreditam em Deus sendo que,

    daqueles 5% dos que no acreditam, 4% no tm certeza da resposta e apenas 1% esto

    convictos de sua opinio (GALLUP, 2005). Embora o fenmeno da busca pela

    espiritualidade ou religiosidade seja global, no Brasil esta ocorrncia atinge aspectos

    surpreendentes. Dados de pesquisa realizada pelo instituto Vox Populi, encomendada e

    publicada pela revista Veja (2001, p. 124), mostram que em resposta pergunta vocacredita em Deus?, 99% dos entrevistados respondem que sim e, informaes obtidas

    a partir do censo demogrfico realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e

    Estatstica IBGE (2000), apontam que apenas 7,4% dos brasileiros afirmam no ter

    religio.

    Assim, diante do cenrio atual, tambm a psicologia no poderia continuar ao

    largo desta nova demanda por respostas s questes da f e da espiritualidade que hoje,

    necessariamente, despontam no mundo das cincias empricas, deixando de serconsideradas apenas objetos de estudo da teologia e filosofia.

    Aos setenta e cinco anos de idade, Jung (2001, p. 391) alertou: da maior

    importncia2 que as pessoas cultas e esclarecidas reconheam a verdade religiosa

    como algo vivo na alma humana e no como uma relquia abstrusa e irracional do

    passado, j que alguns fenmenos prprios da religio acabam se convertendo em

    ismos e podem se transformar em verdadeiros riscos psicossociais. A vivncia

    equivocada da experincia religiosa pode resultar em grandes adversidades comoguerras, atos terroristas, campos de extermnio e vrias outras formas de adoecimento

    do indivduo e sociedade.

    Para dar sustentao terica a este estudo optou-se pela Psicologia Analtica. A

    escolha deu-se pelo fato de seu fundador, Carl Gustav Jung, ter sido um dos pioneiros,

    dentro da psicologia, a interessar-se pela dimenso espiritual na psique.

    2Grifo do autor.

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    So muitas as crticas e polmicas que suas afirmaes no ortodoxas sobre

    religio causam; para alguns cientistas considerado um mstico e para alguns telogos

    um herege. Em uma poca em que vigoravam o empirismo e o racionalismo cientfico,

    ele declarou: [...] a psicologia analtica s serve para encontrar o caminho que leva

    experincia religiosa (JUNG, 2002a, p. 432).

    A experincia religiosa para Jung caracteriza-se pelo religar do indivduo ao

    divino, que se d atravs da vivncia daquilo que ele chamou de processo de

    individuao. Na psicologia analtica, a espiritualidade refere-se ao processo de conexo

    entre o eu consciente e o nosso centro interior mais profundo, inconsciente, na busca de

    sentido para a existncia e de realizao do Si-mesmo. Refere-se integrao entre o

    ego e o Self.

    So recentes no campo da psicologia clnica os estudos que tm por objetivo

    rever o conceito da resilincia no seu confronto com os atributos da espiritualidade, o

    que justifica um aprofundamento da investigao desta possvel relao. Almeja-se,

    assim, no s uma contribuio s pesquisas sobre a resilincia, mas tambm a anlise

    especfica da espiritualidade enquanto mediador da pessoa que tem como adversidade o

    adoecimento por cncer.

    Elegeu-se o cncer como adversidade, neste estudo, por se tratar de uma doenaque est cada vez mais sendo diagnosticada e, portanto, cada vez mais presente,

    acometendo as pessoas, seno direta, ao menos indiretamente, atravs de seus entes

    queridos; no mnimo aterrorizando-as com um nmero considervel de medidas de

    preveno.

    Segundo dados atuais da Word Health Organization WHO (2009), o cncer,

    alm de ser a doena que mais est sendo diagnosticada, a segunda na lista das que

    mais matam, s perdendo para as doenas cardiovasculares. A neoplasia responde por13% da mortalidade mundial, com 7,6 milhes de mortes, o que representa quase o

    dobro da terceira causa de bito, que so as doenas respiratrias. Por isso, entende-se

    que o cncer represente, na atualidade, uma adversidade de todos.

    Pretendemos com esse trabalho comear a entender se, ou at que ponto, o

    acesso espiritualidade pode servir como mediador no tratamento de pacientes

    oncolgicos. A tentativa de colaborar com o desenvolvimento de formas de

    promoo de resilincia nesta situao to comum nos dias atuais, que o adoecimentopor cncer.

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    Para tanto, os temas sobre os quais esta dissertao discorre esto distribudos

    em captulos apresentados da seguinte forma: o Captulo 1 aborda teoricamente o

    conceito de resilincia, inclusive dentro da psicologia analtica e apresenta o cncer

    enquanto adversidade; o Captulo 2 apresenta os conceitos de espiritualidade e

    religiosidade no mundo contemporneo e na psicologia analtica; o Captulo 3 mostra as

    relaes entre os conceitos de resilincia e espiritualidade; o Captulo 4 indica o mtodo

    utilizado no estudo; o Captulo 5, apresenta os resultados da pesquisa; o Captulo 6

    mostra a discusso dos resultados obtidos e o Captulo 7 traz as consideraes finais.

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    OBJETIVOS

    Objetivo geral

    Verificar a existncia de correlao entre espiritualidade e resilincia em

    pacientes, em fase de tratamento, que tiveram por adversidade o adoecimento por

    cncer.

    Objetivos especficos

    Verificar a existncia de correlao entre bem-estar espiritual, os seus fatores

    de bem-estar religioso e existencial e resilincia em pacientes, em fase de tratamento,

    que tiveram por adversidade o adoecimento por cncer.

    Analisar as diferenas entre os fatores de bem-estar religioso e existencial

    relacionando-as com resilincia em pacientes, em fase de tratamento, que tiveram por

    adversidade o adoecimento por cncer.

    Analisar as relaes entre resilincia, bem-estar espiritual, religioso e

    existencial e dados sociodemogrficos, religiosos/espirituais e de sade em pacientes,

    em fase de tratamento, que tiveram por adversidade o adoecimento por cncer.

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    CAPTULO I

    RESILINCIA

    Na postura resiliente frente ao mundo e frente a si mesmo preciso que se tenha um esprito que acredite, uma mente que

    imagine e um corpo que viva a ao criativa. importantetambm que se tenha um psicopompo3que d suporte e guiapara o desenvolvimento e, se possvel, um mito para viver.

    Arajo (2006, p. 94)

    1.1. ORIGEM E EVOLUO DO CONCEITOesilincia termo tomado de emprstimo Fsica e, neste campo,

    significa a propriedade particular de alguns corpos retomarem sua

    forma original aps a absoro de energia deformadora. Traz em si a

    idia de ir alm, de superar, de transpor obstculos. O fenmeno chamou a ateno dos

    estudiosos das cincias humanas na dcada de 70 do sculo passado, no momento em

    que comearam a questionar o porqu de algumas crianas, colocadas sob condio de

    extrema adversidade, no confirmarem as predies de seus observadores econseguirem, de uma maneira ento no explicada, alcanar um desenvolvimento sadio

    e dentro de padres de normalidade (ARAJO, 2006; YUNES e SZYMANSKI, 2002;

    MELILLO et al., 2005; RUTTER, 1970, 1993 e 1999; LUTHAR et al., 2000;

    GROTBERG, 2005; INFANTE, 2005; MASTEN, 2001).

    As primeiras associaes do fenmeno da resilincia se fizeram em termos de

    invencibilidade e invulnerabilidade (YUNES e SZYMANSKI, 2002), como que

    buscando respostas para o surgimento de um ser sobre-humano, imune s vicissitudes eadversidades da vida. Segundo Souza e Cerveny (2006, p. 119), os estudos pioneiros

    sobre resilincia estavam ligados s teorias da psicopatologia, estresse e

    desenvolvimento, sendo definida, ento, como "um conjunto de traos de personalidade

    3Figura que guia a alma em ocasies de INICIAO e transio: uma funo tradicionalmente atribudaa Hermes no MITO grego, pois ele acompanhava as almas dos mortos e era capaz de transitar entre aspolaridades (no somente morte e vida, mas tambm noite e dia, cu e terra). [...] Jung no alterava osignificado da palavra, porm a usava para descrever a funo da ANIMA e do ANIMUS em conectar

    uma pessoa a um sentimento de seu propsito ltimo, sua decisiva vocao ou destino; em termospsicolgicos, atuando como intermedirio ligando o EGO e o INCONSCIENTE (SAMUELS, et al.,1988, p. 174).

    R

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    8

    e capacidades" individuais. No entanto, logo esses parmetros foram superados, mudou-

    se o foco das investigaes e a pergunta deixou de ser o indivduo, passando a ser,

    principalmente, aquela que investiga as interaes da pessoa com o meio e suas formas

    de superao ou adaptao da adversidade dentro de um panorama ambiental.

    Os autores mais atuais veem a resilincia como um processo dinmico, de vrios

    fatores que atuam entre si. Entendem a resilincia como um processo, em que se

    alinham diversos componentes e circunstncias, no s prprios e individuais de cada

    pessoa, mas tambm aqueles coletivos, decorrentes do ambiente scio-cultural e

    ecolgico onde est inserido o indivduo. Esta complexa interao que trilha o

    caminho para o estudo do constructo (ARAJO, 2006; MASTEN, 2001; WALLER,

    2001; MELILLO et al., 2005; OJEDA, 2005; RUTTER, 1999).

    A temtica abrange vrias linhas de pesquisas de diversas abordagens o que,

    alm de gerar muitas controvrsias, algumas vezes resultam em polticas de atuao

    diferentes. Uma delas, bastante referida na atualidade, segundo relato de Luthar e

    Brown (2007), a busca por influncias genticas ou a predominncia de fatores

    biolgicos na investigao do fenmeno da resilincia. Alertam Luthar et al. (2006, p. 110)

    que, embora sejam campos de investigao que exeram certo fascnio nos pesquisadores e,

    ao mesmo tempo, prestem enorme contribuio para a ampliao do conhecimento sobre o

    desenvolvimento humano, preciso ter em conta "nossa limitao em mudar tais fatores",

    alm de representar um deslocamento dos "limitados recursos para as investigaes

    genticas e biolgicas, em prejuzo das polticas de sua promoo.

    Segundo Yunes (2006), muitos estudos sobre resilincia partem de uma nova

    epistemologia, a chamada psicologia positiva, em contraposio vertente ortodoxa,

    tradicional, da psicologia, estudada com base nas manifestaes psicopatolgicas. Anova abordagem d nfase aos aspectos positivos do universo psquico, tais como

    felicidade, otimismo, altrusmo, esperana, alegria, tidos como salutognicos, em face

    dos correspondentes de depresso, ansiedade, angstia e agressividade.

    De acordo com Arajo (2006, p. 92), a resilincia tem suas razes no

    desenvolvimento humano: "uma auto-estima valorizada pode ser considerada a base

    para que o processo de resilincia se instale"; explica que adquirida e se desenvolve

    "na inter-relao com os outros significativos" ao longo da vida do indivduo. Afirma,

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    ainda, que "resilincia um potencial humano, presente nos seres humanos em todas as

    culturas e em todos os tempos, parte de um processo evolutivo e pode ser promovida

    desde o nascimento" (idem, p. 86). Segundo a autora, tm surgido na ltima dcada

    muitos trabalhos que do importncia competncia social como facilitador ou

    promotor de um desenvolvimento adequado, lembrando que a condio adversa, ou

    adversidade, est relacionada a "uma relao entre o indivduo e o ambiente, que

    ameaa a satisfao das necessidades bsicas e as competncias para desenvolver papis

    sociais e de valor. Assim, a autora relaciona o bem-estar e o crescimento como

    decorrncia "de um processo de desenvolvimento onde existiu um entendimento e um

    atendimento s necessidades bsicas de nutrio, proteo, segurana, valorizao e

    amor" ao longo da vida do indivduo, "favorecendo a possibilidade de aproveitar os

    recursos do ambiente, para treinar as competncias necessrias em cada fase da vida"

    (idem, p. 88).

    Tambm para Mellilo (2005), o apoio de um adulto significativo, ou o amor

    recebido de seu entorno, est na base para o sucesso do desenvolvimento humano e na

    base do comportamento resiliente. Assim, segundo Infante (2005, p. 36), a resilincia

    permite nova epistemologia do desenvolvimento humano, pois enfatiza seu potencial,

    especfica de cada cultura e faz um chamado responsabilidade coletiva.

    So vrios os aspectos abordados nas pesquisas e trabalhos sobre resilincia. Os

    estudos so complexos e alguns conceitos envolvidos precisam se esclarecidos e bem

    delineados, a fim de que as investigaes na rea possam ganhar ainda mais

    consistncia e credibilidade; conceitos como risco, adversidade, vulnerabilidade,

    estressse, enfrentamento, proteo, competncia e outros (ARAJO, 2006; TAVARES,

    2002; YUNES e SZYMANSKI, 2002).

    Embora seja um tema bastante atual e que abrigue uma srie de polmicas e

    controvrsias, existem algumas consideraes que caminham praticamente unnimes

    entre os tericos do assunto. Trata-se dos vrios fatores que interatuam para que haja

    resilincia, os chamados riscos, tambm entendidos como as circunstncias que

    representam ou favorecem as situaes adversas; as situaes de proteo, que so as

    contingncias capazes de transformar os riscos no sentido de repar-los ou at mesmo

    preveni-los e os fatores de resilincia, que so aqueles que enfrentam os riscos ou

    adversidades.

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    1.1.1. Situaes de risco

    Em geral a palavra risco usada com o significado de perigo ou possibilidade de

    perigo. Traduz aquele fator que pode acarretar um dano ou prejuzo pessoa

    (FERREIRA, 2004). De acordo com Rutter (1987, p. 317), no plano psicolgico, riscodeixa de ser uma concepo fixa, imutvel e constante e passa a ser entendido como

    `mecanismos de risco, e no apenas como `fatores de risco, podendo um mesmo

    evento mostrar-se risco numa determinada situao e proteo em outra . O risco deve

    ser sempre abordado em termos de processo de risco e no como uma varivel isolada;

    est sempre relacionado s adversidades da vida, mas sua proporo extremamente

    varivel de um indivduo para outro, ou de um grupo para outro; pode, tambm, variar

    em diferentes perodos do desenvolvimento e em funo de inmeras outrascircunstncias que devem ser consideradas quando o risco delimitado. De acordo com

    Luthar et al. (2000), quando se trata de resilincia deve-se fazer referncia aos riscos

    significativos, ou seja, devemos considerar o significado do evento adverso na

    perspectiva do indivduo.

    Em funo destas peculiaridades que conferem ao conceito grande relatividade,

    os autores mais atuais tm preferido o uso da expresso situao de risco e no mais

    fatores de risco, uma vez que este tem conotao mais esttica, menos dinmica. Noentanto, seu uso ainda muito frequente.

    Yunes e Szymanski (2002) esclarecem que o conceito de risco muitas vezes

    confundido com vulnerabilidade que, no contexto dos estudos da resilincia, usado

    para definir as suscetibilidades psicolgicas de cada indivduo frente s adversidades ou

    situaes estressoras; seriam as predisposies individuais a respostas negativas que no

    so definidas apenas por um componente gentico, mas pela interao deste com outros

    fatores como o ambiente e a presena ou no de suporte social.

    Nas sociedades do sculo XXI, o risco no est mais restrito s suas

    manifestaes mais conhecidas, como a doena, a pobreza, a falta de recursos, a

    desintegrao familiar, as crises sociais etc. Segundo Arajo (2006), so muitos os

    riscos psicossociais aos quais todos esto sujeitos. A autora aponta o estresse como um

    fenmeno inevitvel na condio do homem moderno, que vive em uma sociedade sob

    o reinado do urgente, caracterizada pela agitao, pela voracidade, em que a velocidade

    pode representar grande adversidade para o homem, que j no reclama mais da falta de

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    dinheiro, mas sim da falta de tempo. Para Vanistendael (2007, p. 227), parte as

    situaes extremas h tambm uma resilincia muito presente na vida cotidiana da

    grande maioria das pessoas, mas menos espetacular e, portanto, menos visvel, menos

    documentada.

    As situaes adversas, principalmente na vida das grandes metrpoles, so

    agora, muito mais complexas e sutis, representadas pela sociedade do espetculo, neo-

    narcisista, das imagens, das sensaes, na qual o indivduo corre o risco de estar sempre

    na condio de espectador. Na sociedade hipermoderna os afetos foram substitudos

    pela satisfao do consumo, da aquisio, do lazer e do conforto. Vive-se a era do

    hiperconsumo e, consequentemente, da felicidade paradoxal: "as solicitaes

    hedonsticas so onipresentes: as inquietudes, as decepes, as inseguranas sociais epessoais aumentam (LIPOVETSKY, 2007, p. 17).

    A sociedade atual vive a mecanizao das relaes sociais, em que se valorizam

    as relaes que agregam algum tipo de influncia social ou poltica, quais sejam,

    aquelas que representam um vis utilitarista; e como consequncia assisti-se ao

    enfraquecimento e superficialidade dos afetos, ausncia de envolvimento emocional

    que, ento, so substitudos por uma falsa sensibilidade que se resume contemplao

    do outro, sem qualquer envolvimento mais profundo (GALENDE, 2008).

    A corrupo e a violncia moldam no s as relaes humanas como a prpria

    relao do homem com seu planeta, hoje agredido e abalado por apelos

    desenvolvimentistas e de acumulao de riquezas. Tm-se, ento, os desastres naturais

    decorrentes da mudana climtica, os efeitos ainda no completamente apreendidos do

    aquecimento global, a exposio cada vez mais direta do homem a altos nveis de

    radiaes e intoxicao por produtos qumicos, elementos importantes na

    determinao de doenas crnicas que caracterizam srias adversidades para o homem

    moderno.

    Grandes riscos, tambm, so representados pela ampliao dos conflitos tnicos

    e raciais, expressos nas sociedades desiguais, nas guerras e ataques terroristas, hoje

    disseminados na maior parte do planeta. Vale mencionar que o fato de que o mal

    terrorista possa estar acobertado dentro da sua prpria sociedade levou os norte-

    americanos a desenvolverem uma nova forma de ansiedade, cujo foco , exatamente, a

    ameaa que passou a fazer parte do cotidiano dos Estados Unidos (SPIEGEL, 2005).

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    Esta nova adversidade, contudo, fez com que fosse amplamente difundido o termo

    resilincia, que passou a ser empregado com frequncia na mdia e nos discursos

    governamentais, ganhando um panorama mais proeminente desde os ataques terroristas

    de 11 de setembro de 2001 (BROOKS e GOLDSTEIN, 2004, p. 12).

    Exemplificando algumas adversidades da vida moderna e lembrando o carter

    dinmico das situaes adversas, ou seja, que uma mesma situao pode caracterizar-se

    como risco para alguns e proteo para outros, no se pode deixar de alertar para a

    religio enquanto situao de risco. A religio que pode alienar, conformar e

    submeter o indivduo afastando-o de sua essncia mais ntima, de seu mito; aquela que

    impe uma interpretao de vida roubando-lhe a autonomia, a capacidade de reflexo e

    a criatividade. importante lembrar que a religio, ao mesmo tempo em que pode funcionar

    como uma situao protetora, no sentido de trazer aos fiis suporte social, como apoio e

    amigos, elementos importantes no processo resiliente ainda que no traga,

    necessariamente, a experincia com o sagrado, pode, tambm, mostrar sua face de risco.

    So, portanto, inmeros os riscos e adversidades com as quais necessariamente

    as pessoas se confrontam. Da a importncia de se investigar os mecanismos, hoje cada

    vez mais complexos, de adaptao do homem ao seu meio e a relevncia dos estudossobre a resilincia que, nas palavras de Tavares (2002, p. 63), "urge passar ao",

    assumindo a idia de que prioridade na formao do novo cidado o desenvolvimento

    de seus potenciais, no sentido de tornar as pessoas e organizaes mais resilientes,

    alertando que isso um imperativo social e comunitrio, no s no nvel local, mas

    tambm regional e global, planetrio".

    Tudo isto faz com que seja necessrio mais que uma conduta ou proceder

    resiliente, mas que se desenvolva uma mentalidade resiliente, que conduza a um

    estilo de vida resiliente (BROOKS e GOLDSTEIN, 2004, p. 310).

    1.1.2. Situaes de proteo e fatores de resilincia

    Associado idia do risco encontra-se o seu contraponto, ou seja, o fator de

    proteo, tambm conhecido por mediador ou bufferque, de acordo com Rutter (1985,

    p. 600), seriam as circunstncias ou influncias que modificam, melhoram ou alteramos prejuzos, efetivos ou potenciais, das situaes de risco ou de inadaptao, servindo

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    ora como reparadores, ora como eficazes medidas preventivas e promotoras do

    desenvolvimento de comportamentos resilientes.

    Werner e Smith (1989) dividem os fatores de proteo em trs categorias, ou

    grupos, que atuam na mediao dos fatores estressores e no seu impacto na vida doindivduo. So aqueles atributos pessoais ou disposicionais do indivduo, como

    inteligncia, competncia e sociabilidade; seus laos afetivos dentro de uma rbita

    familiar, funcionando como suporte emocional e, finalmente, os chamados sistemas de

    suporte social, assim entendidos aqueles crculos habitados pela pessoa, como igrejas,

    escolas, entidades de apoio, que complementam ou suprem eventuais carncias, dando-

    lhe um sentido de crena para a vida.

    Grotberb (2005) alerta que os fatores de proteo no podem ser confundidoscom os fatores de resilincia, que so aqueles que enfrentam o risco; os fatores de

    proteo buscam neutralizar o perigo e, quando isso acontece, no h a necessidade da

    resilincia, uma vez que o indivduo torna-se imune ao risco. Walsh (2005) explica que

    a resilincia no ocorre apesar da adversidade, mas em funo dela. Tambm Cyrulnik

    (2007, p. 28) enfatiza que para se falar em resilincia h necessidade de ter sido

    vulnerado, ferido, traumatizado, o que exclui, assim, a idia de invulnerabilidade do

    constructo.Segundo Grotberg (2003, pp. 3-4), a conduta resiliente resultado da interao

    de diversos fatores, denominados como `fatores resilientes, que so de trs ordens: a)

    "eu tenho": como fatores externos ou de apoio, indicados na forma dos recursos que a

    pessoa tem ao seu alcance. So figuras do entorno, em quem a pessoa confia e quer

    incondicionalmente que lhe coloquem limites e a ensinem a evitar perigos, que lhe

    sirvam de modelo, que estimulem sua independncia, que a ajudem em situao de

    doena, perigo e outras necessidades; b) "eu sou/estou": representando fatores internosou intrapsquicos da pessoa que remetem ao sentimento de ser apreciada por outros,

    demonstrando seus afetos numa relao de respeito por si e pelo outro, dispondo-se a

    assumir seus atos, numa atitude otimista diante da vida e, finalmente, c) "eu posso":

    como a capacidade de soluo de conflitos, descoberta ou aquisio de habilidades para

    lidar com a adversidade. Estimulam o indivduo a falar sobre coisas que o assustam e

    inquietam, a procurar a maneira certa de lidar com o problema, saber controlar-se diante

    do erro e do perigo, procurar o momento e a pessoa certa para conversar quandonecessrio.

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    Assim como Grotberg, outros autores tambm apresentam algumas categorias de

    caractersticas como indicativas de fatores de resilincia, atuantes nas situaes de

    adversidade e que, uma vez presentes, costumam resultar em comportamentos

    resilientes. Podemos citar Reivich e Shatt (2002) psiclogos da Pensilvnia, autores do

    livro O fator resilincia, em que apresentam o questionrio RQTeast, que avalia

    sete fatores considerados constitutivos da resilincia: 1. Administrao das Emoes,

    entendida como a habilidade de um indivduo manter-se calmo em situaes de presso;

    2. Controle dos Impulsos, que seria a habilidade para no agir impulsivamente; 3.

    Empatia, correspondendo capacidade de perceber o estado emocional de outro

    indivduo e atuar neste sentido; 4. Otimismo, como habilidade em manter a esperana;

    5.Anlise Causal, que diz respeito a habilidade de identificar as causas dos problemas e

    adversidades; 6. Auto-Eficcia, referindo-se convico de ser eficaz nas aes e, 7.

    Alcance das Pessoas, que diz respeito capacidade de se expor e arcar com os

    resultados desta ao.

    Polk (1997, p. 5), buscando uma uniformidade no conceito de resilincia e

    baseada em reviso de literatura, estabelece que resilincia pode se manifestar atravs

    de quatro padres de desenvolvimento, referindo-se a fatores de resilincia, que so:

    1. Padres Disposicionais: dizem respeito tanto aos atributos fsicos comopsicossociais da pessoa, entre os quais se encontram a inteligncia, a sade e o

    temperamento e, como atributos psicossociais, dentre outros, competncia pessoal e

    social, auto-estima e auto-disciplina;

    2. Padres Relacionais: referem-se aos padres de relacionamento que a pessoa

    apresenta para e com a sociedade, tanto na forma de estabelecer vnculos com outras

    pessoas como, tambm, no sentido de facilitar entre outros o estabelecimento de tais

    ligaes, constituindo verdadeira interao entre a pessoa e o meio. So exemplos:

    comprometimento com as pessoas com as quais se relaciona, busca de modelos sociais

    positivos, atuao como pacificador social, manifestao de vrios nveis de interesses e

    `hobbies;

    3. Padres Situacionais: identificam-se com a habilidade de fazer uma avaliao

    ou anlise realstica de determinada situao e a capacidade de agir adequadamente

    diante das expectativas ou consequncias desta situao. Diz respeito flexibilidade,

    perseverana, curiosidade, criatividade e engenho;

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    4. Padres Filosficos: so aqueles relacionados a um sistema de crenas e

    motivaes, de finalidade de vida e de propsitos, com uma viso positiva do mundo e

    das pessoas, com suas diferenas e valores intrnsecos.

    Quando so abordadas temticas relativas resilincia e seus fatores, no sepode deixar de citar o humor. Galende (2008) apresenta o humor como contraponto das

    situaes estressantes e mostra que os seus comprovados efeitos fisiolgicos, favorveis

    sade, do lhe um merecido lugar como elemento subjetivo de resistncia

    adversidade. Vale aqui ressaltar que tambm Frankl (2008), Mellilo (2008), Arajo

    (2006) e muitos outros apontam o humor como um fator muito importante no processo

    resiliente.

    Algumas caractersticas como a tica, a moralidade e o respeito pelo outro,

    tambm so apontadas por vrios estudiosos como condies determinantes para que

    haja resilincia. Referem-se conscincia do outro, solidariedade, ao altrusmo e

    integridade de carter como elementos fundamentais para caracterizar a resilincia que,

    necessariamente, inclui a vida em sociedade e resulta em benefcios positivos para

    todos (ARAJO, 2006; WARSCHAW e BARLOW, 1995; MELILLO, 2008;

    GALENDE, 2008; VANISTENDAEL e LECOMTE, 2008; FUCHS, 2007;

    TOMKIEWICZ, 2007).

    Em estudo prospectivo realizado na sequncia dos ataques terroristas aos

    Estados Unidos em 11 de setembro de 2006, observa-se que as emoes positivas como

    solidariedade, gratido, interesse e amor atuam como mediadores no ajustamento dos

    indivduos diante dos eventos estressores. "As emoes positivas so ingredientes ativos

    na resilincia" (FREDRICKSON et al., 2003, p. 365).

    Como j exposto, a dinmica do processo resiliente no prescinde da ocorrncia

    da adversidade. Assim, considera-se importante concluir pontuando que, embora o risco

    seja componente inerente condio humana e possa ser revertido em ganhos positivos

    para o indivduo, no pode ser relegado, nem mesmo colocado em segundo plano em

    qualquer poltica de promoo da sade. Ao contrrio, importa, inicialmente, identific-

    lo, depois, saber enfrent-lo, ameniz-lo, absorv-lo e, quando possvel, elimin-lo.

    Trata-se de um aspecto de absoluta importncia, haja vista que, no mais das vezes, as

    polticas pblicas podem reforar os mecanismos de absoro de impacto das condies

    adversas de vida dos segmentos da populao mais expostos aos riscos, por exemplo e

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    principalmente, das classes sociais mais desfavorecidas do ponto de vista

    socioeconmico.

    1.1.3. A dinmica do processo resiliente

    Como verificado anteriormente a adversidade fator necessrio para que haja

    resilincia e se caracteriza quando os mecanismos de proteo no so suficientes para

    neutralizar as situaes de risco, surgindo, ento, a necessidade da atuao dos fatores

    de resilincia para estabelecer o processo resiliente que, por sua vez, resulta na

    adaptao positiva e renovada do indivduo ao meio, apesar das dificuldades.

    Naturalmente, existem situaes em que os indivduos sucumbem nas situaes

    adversas e tornam-se apticos ou doentes, caracterizando exatamente o efeito inverso da

    resilincia, que o processo em que a situao de risco foi superada, e o indivduo,

    grupo ou comunidade vence, transforma e fortalecido pelas dificuldades.

    Neste contexto Rodriguz (2005) mostra que a adversidade o elemento que

    aciona a criatividade; sua presena desencadeia o aparecimento de solues criativas

    que levam adaptao. Da mesma forma, para Galende (2008), a adversidade que

    produz resilincia. So as mesmas circunstncias consideradas adversas para umindivduo que produzem nele o surgimento de condies subjetivas criativas, que

    enriquecem seus recursos prticos de atuar sobre a realidade, no sentido de transformar-

    se ou transform-la. Segundo Frankl (2008, p. 96), "muitas vezes justamente uma

    situao exterior extremamente difcil que d pessoa a oportunidade de crescer

    interiormente para alm de si mesma".

    Kbler-Ross (2003), psiquiatra que trabalhou meio sculo com pacientes

    terminais, mostra em seus registros, as adversidades ou as tragdias como chances ouoportunidades de crescimento, como desafios e sinais necessrios para que haja

    transformao e desenvolvimento pessoal. Conta que seus pacientes, no final da vida,

    costumavam se referir aos dias difceis ou de tormentas como aqueles que lhes

    possibilitaram maior crescimento na vida. Afirma que do sofrimento da alma que se

    origina toda criao espiritual e nasce todo homem enquanto esprito. As adversidades

    s nos tornam mais fortes4(idem, 1998, p. 18).

    4Grifo da autora.

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    Segundo Arajo (2006, p. 89), o indivduo, o grupo ou a sociedade, ao enfrentar

    uma adversidade, pode promover crescimento para alm do presente nvel de

    funcionamento", ou seja, "resilincia mais que sobrevivncia, pois significa ganhos",

    implica em transformao e fortalecimento atravs do "enfrentamento ativo e efetivo

    dos eventos estressantes e cumulativos". Embora esteja ligada capacidade de

    confronto, vai alm, mais do que uma resposta, "implica em uma capacidade de

    adaptao flexvel e competente sob circunstncias ameaadoras, destruidoras e

    desfavorveis".

    O processo resiliente implica necessariamente em mudanas e ganhos positivos.

    Grotberg (2005, p. 22) mostra que alguns indivduos que so transformados por

    experincias de adversidade agregam para si maior capacidade de "empatia, altrusmo ecompaixo pelos outros, e que estes so os maiores benefcios da resilincia". Ainda,

    Cyrulnik (2001, p. 129) afirma que a "a metfora da tecelagem da resilincia permite

    dar uma imagem do processo da reconstruo de si. [...] h uma presso para a

    metamorfose". Constitui "um processo, de um conjunto de fenmenos harmonizados,

    em que o sujeito penetra dentro de um contexto afetivo, social e cultural. A resilincia

    a arte de navegar nas torrentes" (ibid., p. 225).

    Jung (1998[1930], 771) tambm v nas adversidades uma forma deamadurecimento. Entende que "o significado e o propsito de um problema no

    parecem repousar em suas solues, mais sim no nosso incessante trabalho sobre ele".

    Lembrando o Mestre Eckhart5que dizia ser o sofrimento o cavalo mais veloz que nos

    leva perfeio, Jung (2003, p. 33) diz que o privilgio de se ter uma conscincia

    superior resposta suficiente ao sofrimento, que sem isso [a vida] tornar-se-ia sem

    sentido e insuportvel. Conclui que o sofrimento deve ser mitigado e receber sentido.

    Assim tambm Frankl (2008, p. 101), lembrando as palavras de Nietzsche:"quem tem por que viver aguenta quase todo como", esclarece que para lidar com o

    desespero necessrio encontrar sentido no sofrimento. Nesta busca, o autor prope que

    as perguntas relacionadas s adversidades deixem de ser somente no sentido do "por

    qu?", mas na busca de significado que induz a questo para a forma "para qu?"

    5

    Eckhart de Hochheim (1260-1328), conhecido como Mestre Eckhart, foi um pensador da filosofiamedieval alem. Frade dominicano, reconhecido por suas obras como telogo, filsofo e por suas visesmsticas. (BOFF, 2006).

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    Segundo o autor (ibid., p. 102), "a rigor nunca e jamais importa o que ns ainda temos a

    esperar da vida, mas sim exclusivamente o que a vida espera de ns.

    Para Gallende (2008, p. 23), pensar em resilincia " subverter a idia de

    causalidade que governa o pensamento mdico positivista e de algumas concepes desade", uma vez que "induz ao aleatrio" e o sujeito passa a ser "capaz de valorao, de

    criar sentidos de vida, de produzir significaes em relao aos acontecimentos de sua

    existncia". Assim, " pensar no indivduo no como vtima passiva de suas

    circunstncias, mas sim como sujeito ativo de sua experincia". O conceito de

    "resilincia evoca a idia de complexidade" e a necessidade de ampliao da cincia no

    sentido de integrar as vrias dimenses do ser humano. O construir da resilincia,

    lembra Cyrulnik (2007, p. 175), requer um trabalho incessante, que articula aneurologia, o afetivo e ainda um discurso social, afastando qualquer idia exclusivista

    de causalidade ou de um reducionismo mdico.

    Nesta mesma perspectiva, Rodrguez (2005, p. 137) postula que o estudo da

    resilincia incurciona em reas diferentes daquelas normalmente investigadas da vida

    humana, aludindo a temticas relativas subjetividade que incluem, dentre outros

    conceitos, a criatividade. Entende que a "resilincia uma forma de nomear a

    singularidade e a criatividade da conduta humana individual e coletiva, quando obtmbons resultados em situaes adversas". Para ele, trata-se de um conceito que nasce da

    investigao de resultados inesperados e mantm o fator-surpresa, do qual depende o

    resultado final, como elemento inerente sua definio. Arajo (no prelo), igualmente,

    referindo-se a pessoas que se mostram resilientes, declara que "por mais que se

    descrevam as caractersticas ou os fatores de proteo dessas pessoas, resta o

    impondervel, algo permanece inexplicvel".

    Segundo Gallende (2008, p. 53), faz parte do processo de resilincia acriatividade, o enriquecimento subjetivo, a capacidade de ao racional, que esto

    diretamente relacionados com condies reflexivas e crticas. Para ele, resilincia

    representa muito mais do que uma simples adaptao ao meio, pois esta pode ser de

    carter passivo e submissa realidade social em que se vive, seja por uma crena cega

    no saber ideolgico ou religioso, ou pela adaptao resignada e impotente a uma

    realidade imposta. Entende que o individuo capaz de resilincia aquele livre de todos

    os tipos de fundamentalismos, um ser autnomo, racional, reflexivo e crtico. ticoportanto.

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    O autor ainda prope que a evoluo do homem, quando governada pelos fatores

    de resilincia, se d atravs dos elementos que outorgam ao indivduo ou grupo social

    maior coeso, confiana em si mesmo e ambio, proporcionando-lhe um aumento do

    poder de expanso que lhe assegura a promoo da resilincia. Neste sentido,

    exemplifica mostrando que algumas vezes a religio, obviamente livre de seus

    fundamentalismos, exerce coeso entre os adeptos, que "adquirem fora na idia

    religiosa, na ambio em realiz-la e no sentimento de integrao do grupo", (ibid., p.

    58) e que so estes os elementos que facilitam o poder resiliente de um comportamento.

    Conclui que a resilincia no est nos genes, mas nas idias e ambies humanas

    caracterizadas pelos laos sociais (ibid., p. 59).

    Segundo Tavares (2002, p. 45), a noo de resilincia evoluiu do concreto parao abstrato, das realidades materiais, fsicas e biolgicas, para as realidades imateriais ou

    espirituais. O autor chama a ateno para a responsabilidade de fortalecer e

    desenvolver a capacidade humana de adaptao positiva por meio de estruturas mais

    resilientes que, por sua vez, resultem em uma sociedade mais tolerante em que exista a

    abertura para o outro, em que a liberdade, a responsabilidade, a confiana, o respeito, a

    solidariedade, a tolerncia no sejam palavras vs (ibid., p. 51).

    Arajo (2006, p. 93) aponta a importncia da tica no processo resiliente e

    chama a ateno para o fato de que os primeiros estudos sobre o constructo salientavam

    a astcia como fator importante para o um comportamento resiliente, mas que,

    atualmente, ao lado do logro, a esperteza e a mentira no podem ser admitidos, pois tal

    processo no se manteria a longo prazo. Mostra que os comportamentos resilientes

    conduzem a resultados positivos para todos.

    Esta incluso do outro em nossa maneira de ser e estar no mundo representa o

    fundamento tico da construo de uma sociedade resiliente. Aqui encontramos,

    portanto, o grande diferencial entre o indivduo resiliente e o ser aparentemente bem-

    sucedido, ou simplesmente astuto; a justificao de seus juzos morais o vetor que

    indica a direo da pessoa rumo resilincia. O ponto de bifurcao est, exatamente,

    no reconhecimento de sua responsabilidade moral na sociedade. O motivo de suas

    escolhas traduz no apenas ou exclusivamente um instinto de sobrevivncia, desprovido

    de qualquer considerao altrusta e focado, por excelncia, na satisfao das

    necessidades egoicas, como infelizmente tem sido a voga na sociedade contempornea.

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    De acordo com Mellilo (2008, p. 89), "promover resilincia implica no

    reconhecimento do outro como ser humano to legtimo como ns mesmos", e a plena

    aceitao do outro oamor, a fonte essencial da produo de resilincia.

    1.2. O CNCER ENQUANTO ADVERSIDADE

    Como se observou at aqui, o processo resiliente supe a adaptao positiva do

    indivduo frente a uma adversidade. Segundo Infante (2005, p. 26), o termo

    adversidade (tambm usado como sinnimo de risco) pode designar uma constelao

    de muitos fatores de risco (como viver na pobreza) ou uma situao especfica (a morte

    de um familiar). A autora entende que para identificar a resilincia e criar programas

    para sua promoo necessrio que se identifique a natureza do risco.

    Neste sentido, escolheu-se o adoecimento por cncer como adversidade na

    tentativa de avaliar a relao existente entre resilincia e espiritualidade, por tratar-se de

    uma doena que atinge a todos jovens, idosos, pobres e ricos, homens, mulheres e

    crianas - e representa uma grande adversidade no apenas para os doentes, mas para as

    suas famlias e a prpria sociedade. O cncer uma das principais causas de morte no

    mundo, particularmente nos pases em desenvolvimento(WHO, 2009).

    Cncer uma designao genrica para um grupo de mais de 100 enfermidades

    que podem afetar qualquer parte do organismo. Outros termos utilizados so neoplasia e

    tumor maligno. Uma das caractersticas que definem o cncer a rpida criao de

    clulas anormais, que crescem aceleradamente, alm de seus limites, e podem invadir

    zonas adjacentes do organismo e se disseminar por outros rgos, num processo que d

    lugar formao das chamadas metstases, que so a maior causa de morte por cncer

    (WHO, 2009).

    O cncer representa uma grande adversidade pois trata-se de uma doena

    crnica. Embora existam muitos tumores malignos que tm cura, outros no apresentam

    esta caracterstica. uma enfermidade cuja cura vai depender do tipo de cncer e do

    estgio em que se encontra. Embora se saiba que mais de um tero do ndice mundial de

    cncer pode ser evitado atravs de estratgias de preveno (WHO, 2009), dados

    fornecidos pelo Instituto Nacional do Cncer - INCA (2007) apontam que em 2020

    haver 15 milhes de casos novos, dos quais 60% ocorrero em pases em

    desenvolvimento.

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    A incidncia do cncer realmente aumentou nas ltimas dcadas representando,

    ainda mais, uma ameaa a toda a sociedade. Para Yuones (2001), vrios fatores

    explicam o fenmeno: um deles o aumento real dos casos de cncer devido maior

    exposio das pessoas aos efeitos nocivos de produtos qumicos e radiaes. Outro fator

    importante que o seu diagnstico, hoje, mais preciso, possibilitando a identificao

    da doena de forma muito mais competente que outrora, quando muitas mortes no

    eram diagnosticadas e, dentre elas, provavelmente, muitos casos de cncer, que no

    eram registrados. Tambm contribuem os mtodos atuais de diagnsticos precoces ou

    screening, que permitem o diagnstico em pacientes assintomticos, contribuindo j

    num primeiro momento para aumentar a incidncia de identificao da doena.

    Finalmente, o aumento da durao de vida mdia e da longevidade da populao

    mundial, especialmente em pases desenvolvidos, contribui para incrementar o nmero

    de casos de cncer, uma vez que aumenta o nmero de pessoas com maior risco de

    desenvolvimento da patologia. Embora as neoplasias malignas possam ocorrer em

    qualquer idade, inclusive em recm-nascidos e mesmo na fase intra-uterina, a incidncia

    aumenta com o envelhecimento: apenas 1% dos casos aparecem antes dos 20 anos, e

    55% so diagnosticadas depois dos 65 anos de idade.

    De acordo com dados da American Cancer Society (2008), em 2007diagnosticaram-se mais de 12 milhes de novos casos de cncer no mundo todo e 7,6

    milhes de pessoas morreram em funo da doena. Em seu relatrio Cancer Facts and

    Figures (2008), registraram-se 5,4 milhes de casos de novos (com 2,9 milhes de

    mortes) em pases industrializados e, em pases em desenvolvimento, 6,7 milhes de

    casos (com 4,7 milhes de mortes).

    Nos pases desenvolvidos, os tipos mais comuns nos homens foram o cncer de

    prstata, pulmo e clon e, nas mulheres, o de mama, pulmo e clon. Nos pases emdesenvolvimento, entre os homens, o de pulmo, estmago e fgado e, nas mulheres, o

    de mama, tero e estmago.

    O INCA (2007), em seu ltimo relatrio bienal, estimou para 2008 e 2009

    466.730 novos casos de cncer, 234.870 em mulheres, sendo os tipos mais incidentes,

    respectivamente, o de pele tipo no-melanoma, o de mama e o de colo de tero. Entre os

    231.860 casos masculinos, as maiores incidncias sero, tambm respectivamente, o

    tipo de pele no-melanoma, o de prstata e os de pulmo e estmago. Essa a mesma

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    magnitude do problema no mundo. Dados pouco otimistas que evidenciam o cncer

    como um grave problema que tem ameaado cada vez mais a sociedade.

    Segundo Fernandes (2000), o cncer uma das patologias que mais vm

    apavorando a humanidade; tal temor, relatado por Hipcrates h sculos, persiste at osdias atuais quando seu prognstico ainda guarda muitas surpresas e o seu diagnstico,

    apesar do nmero crescente de curas reais ou de remisses significativas, continua

    sendo visto como uma sentena de morte. Embora a Organizao Mundial da Sade,

    tenha anunciado que mais de 40% de todos os cnceres podem ser prevenidos e outros

    podem ser detectados precocemente, tratados e curados, ainda assim a neoplasia

    maligna representa uma das maiores causas de morte da humanidade (WHO, 2009).

    Apesar de todos os avanos tecnolgicos no sentido de prevenir e tratar estaenfermidade, da busca incessante de novos recursos, a cura definitiva ainda est por vir.

    O diagnstico do cncer visto como a ruptura da noo de sade, sela uma fase

    de mudanas do modo de viver, trabalhar e entender o processo sade-doena. Marca o

    incio de um longo processo de resignificao e readaptao do sujeito em relao

    doena e seu estigma (LINDENMEYERSAINT MARTIN, 2006; MARUYAMA e

    ZAGO, 2005). Segundo Morse e Jonson (1991), constela vrios estgios que vai desde a

    incerteza que precede o diagnstico at a reaquisio do bem-estar que sucede daestabilidade da situao.

    Para Maruyama et al. (2006, p. 175), trata-se de uma vivncia que ultrapassa o

    corpo. O indivduo v-se ameaado no apenas pela doena, mas pelo seu estigma, que

    inclui o confronto com os significados coletivos a ele atribudos. Nesta dinmica, no

    raro os sentidos e significados do cncer, ao se consubstanciarem em estigma contra a

    doena e seu portador, compem um quinho a mais de sofrimentos e angstias para

    quem o vivncia.

    De acordo com Alves (2003), o diagnstico de cncer normalmente vem

    associado a sentimentos de desesperana, dor, mutilao, punio e morte. O portador

    de cncer muitas vezes submetido a cirurgias mutiladoras, pode ter sua auto-imagem

    afetada, suas habilidades, desempenho e sexualidade comprometidos pelo medo

    paralisante que vem acompanhado de depresso, angstia e, muitas vezes, culpa.

    Segundo Oliveira (2003, p. 35), o diagnstico pressupe, embora erroneamente,

    perspectivas sombrias das mais variadas formas, relacionadas alegria, vida amorosa

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    e sexual, s mudanas fsicas, danos beleza do corpo, como a perda do cabelo,

    emagrecimento extremo, sofrimento, dores e morte; alm de outros temores como os

    referentes irrupo de planos profissionais e pessoais, s mudanas no papel social e

    no estilo de vida, s preocupaes financeiras e legais, entre outras.

    A existncia do cncer configura uma srie de situaes adversas que envolvem

    desde seu prognstico pouco previsvel, seu tratamento que provoca muitas alteraes

    metablicas e patolgicas, at seu controle que se estende ao longo da vida do paciente,

    muitas vezes impondo-lhe uma srie de restries. Caracteriza uma situao de

    adversidade que no se restringe ao paciente e sua famlia, mas a todo o contexto social

    a que pertence, uma vez que mobiliza vrios tipos de mudanas e adaptaes

    necessrias para seu enfrentamento.O diagnstico do cncer, mesmo com a certeza da cura, causa um impacto no

    apenas imediato mas tambm tardio na vida do paciente e de sua famlia. Segundo

    Morais (2003), observa-se muitas vezes vrios tipos de mudanas, podendo at, em

    alguns casos, caracterizar um desequilbrio crnico. A famlia v-se diante de uma

    realidade completamente desconhecida, sendo forada a adotar novos hbitos no

    cuidado do paciente. LeShan (1992), mostra que o estresse provocado pelo cncer pode

    causar um amadurecimento na comunicao entre os membros de algumas famlias eem outras ter o efeito oposto. Aponta para vrios aspectos que podem levar a famlia ao

    desgaste de suas estruturas emocionais e financeiras.

    O autor explica que um dos aspectos mais exaustivos da enfermidade a

    exigncia da maioria, incluindo equipe mdica, amigos, familiares e do prprio

    paciente, para que os portadores da patologia se sintam sempre tranquilos em relao

    doena, sendo necessrio que todos sejam sempre bem-comportados e esperanosos

    diante de uma situao to aflitiva, o que justificaria o desejo de tirar frias da atitudeconstante de estar to bem controlados (ibid., p. 141).

    Se no bastassem todos os aspectos adversos enfrentados pelo portador de

    cncer, depois de vencida as primeiras etapas do tratamento, so constantemente

    perseguidos pelo fantasma da recidiva, que se faz permanente atravs de inmeros

    exames e procedimentos infindveis. De acordo com Morais (2003, p. 26), o

    diagnstico da recidiva muitas vezes desencadeia o incio de um processo de

    desconstruo da linguagem de cura que subverte os termos at ento empregados.

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    Aqui, no somente paciente e famlia, mas tambm o mdico sofrem um abalo nas suas

    convices; a certeza da cura j no est mais presente e fazem-se necessrias coragem

    e foras extras na busca de novas abordagens teraputicas.

    No resta dvida de que o cncer representa uma complexa situao de risco eque, portanto, atende aos objetivos deste trabalho no sentido de configurar uma

    adversidade que exige, de seus portadores, familiares, cuidadores e sociedade como um

    todo, no apenas uma atitude de enfrentamento, mas um longo processo resiliente que

    faa uso de todos os seus mediadores no sentido de super-la. Atende as caractersticas

    de uma situao que deve ser classificada como adversa, condio necessria para que

    haja resilincia e, portanto, para que possa ser investigada.

    1.3. RESILINCIA E PSICOLOGIA ANALTICA

    Nocreio, masconheoum poder de natureza bem pessoal ede influncia irresistvel. Eu o chamo de Deus.

    Jung (2002a, p. 441)

    Um dos pontos fundamentais na discusso do fenmeno da resilincia inclui o

    conceito de adaptao positiva do indivduo diante de uma adversidade. Segundo Luthar

    et al. (2000, p. 543) resilincia o processo dinmico de adaptao positiva em

    contexto de significativa adversidade.

    Na psicolgica analtica o processo de adaptao de um indivduo sugere o

    equilbrio entre as suas necessidades externas, ambientais, e as suas necessidades

    internas ou subjetivas.

    O homem... s poder corresponder plenamente s exigncias danecessidade exterior, de maneira ideal, se se adaptar tambm ao interior,ou seja: se entrar em harmonia consigo mesmo. E, inversamente, spoder adaptar-se ao seu prprio mundo interior e estar em harmoniaconsigo mesmo se se adaptar tambm s condies do mundo ambiente(JUNG, 1998[1928], 75)

    A Adaptao um processo dinmico e muito varivel, assim como as

    condies da vida. Para Jung (1988[1958], 143), o contnuo fluxo da vida requer

    uma sempre e cada vez mais nova adaptao. Ocorre desde o nascimento quando, na

    formao da conscincia, a energia psquica flui para o mundo externo em busca de um

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    campo intersubjetivo a partir do qual possa encontrar cuidados e interlocuo. Este

    fluxo de energia, ou libido, Jung (1998[1928], 77) chama de progresso, referindo-se

    a um movimento vital que avana para frente, assim como o tempo, que no significa,

    necessariamente, individuao ou desenvolvimento psicolgico, sendo apenas um

    movimento natural que se d ao longo da vida. Pode ser entendido como um avanar

    incessante do processo quotidiano de adaptao psicolgica (ibid., 60).

    Porm, quando ocorre alguma dificuldade ou obstculo que impede o avano da

    libido, ou seja, quando aquela forma anterior de adaptao s circunstncias deixa de ser

    funcional no sentido do desenvolvimento da conscincia do indivduo, surge um

    conflito. A progresso interrompida, e a libido se retroverte, dando lugar a um

    processo que Jung chama de regresso, referindo-se ao movimento retrgrado dalibido (ibid., 62). Aqui o movimento do fluxo vital para trs, para um modo

    anterior de adaptao, ou para o inconsciente, a partir do qual, em momento hbil, se

    gestar um novo smbolo ou um ou uma nova viso de mundo.

    A conscincia lida com os fenmenos de maneira dirigida e, portanto, durante o

    contnuo processo de adaptao do homem, o que no serve para atender s suas

    necessidades instantneas de adaptao excludo e vai para o inconsciente. Muitos

    contedos so alojados nesta esfera, alm das atitudes que no so mais adequadas, ou

    comportamentos indesejveis e potencialidades que no foram atualizadas. O processo

    de regresso pode trazer de volta conscincia aquilo que foi eliminado anteriormente,

    e embora neste processo possam ocorrer reativaes de desejos e fantasias infantis, ele

    possibilita o aparecimento de atitudes que equilibram, ou contrabalanam, a atitude

    consciente que se tornou inadequada adaptao. Diferentemente de Freud, Jung (ibid.,

    63) entende que no devemos ver no inconsciente apenas restos incompatveis ou

    rejeitados da vida ordinria ou experincias primevas desagradveis e censurveis dohomem animal, mas que a tambm se encontram os germes de novas possibilidades

    de vida.

    Naturalmente esses processos de adaptao podem falhar e o conflito levar

    ciso da personalidade, dando origem aos quadros caractersticos dos transtornos

    mentais. Caso contrrio, efetuada a adaptao interior, o processo de progresso

    reiniciado, e assim por diante, at que nova atitude tenha que ser desenvolvida, sempre

    que o fracasso da atitude consciente leve ao represamento da libido, forando a

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    conscincia a submeter-se aos valores regressivos, ou seja, a regresso conduz

    necessidade de adaptao alma, adaptao ao mundo interior da psique (ibid., 66).

    Desta forma, entende-se que a regresso enquanto adaptao s condies do prprio

    mundo interior, assenta na necessidade vital de satisfazer as exigncias da individuao

    (ibid., 75).

    Portanto, em termos finalistas, a regresso to importante quanto a progresso

    no processo de adaptao e desenvolvimento psicolgico. A concepo finalista v as

    coisas como meios ordenados para um fim (ibid., 43) ou seja, indica uma orientao

    mais para fins ou propsitos que para causas. Partindo do ponto de vista causal, pode-se

    dizer que a regresso pode ser causada pela fixao me, porm em termos

    finalistas, a libido regride imago da me para ali ativar associaes da memria,capazes de promoverem um desenvolvimento, no sentido de transcender de um sistema,

    para outro mais evoludo, como no caso de um sistema sexual para um sistema

    intelectual ou espiritual.

    Jung insiste que o destino e o caminho de todo ser humano tende a ser rumo

    totalidade, num movimento contnuo de evoluo. Entende que todas as circunstncias

    (internas ou externas), sempre esto a servio da manuteno ou retomada do processo

    de desenvolvimento do indivduo, que ele chama de individuao.Desta forma, dentro da psicologia analtica, podemos entender a adversidade

    como uma situao que exige da conscincia recursos extras para adaptar-se, onde so

    apresentados ao ego obstculos capazes de interromper o movimento natural de

    adaptao da psique, ou seja, o processo de progresso. Na situao adversa instaura-se

    o conflito, e os pares de opostos dentro da conscincia, que at ento caminhavam lado

    a lado, em equilbrio de valores, deixam de faz-lo e acontece o represamento da libido,

    pois um ou outro se neutraliza na coliso, paralisando o fluxo de energia da psique.Como resultado desta conteno, ocorre a regresso na qual os contedos, antes

    inconscientes, adquirem fora e comeam a influenciar a conscincia, at que seus

    elementos vo se integrando e passam a compor uma nova conscincia, agora

    transformada e ampliada. isso exatamente o que requer o processo resiliente.

    Depois de oscilaes inicialmente violentas, os opostos tendem aequilibrar-se e surge pouco a pouco nova atitude cuja estabilidadesubseqente ser tanto maior, quanto mais acentuada tiverem sido as

    diferenas iniciais (JUNG, 1998[1928], 49).

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    O conflito caracterizado por atitudes opostas leva ao represamento da energia

    vital, que s se desfaz porque a tenso entre os opostos p