resilencia em uma instituição bancaria

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    CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA

    CURSO DE MESTRADO PROFISSIONAL EM ADMINISTRAÇÃO

    ALEXANDE LUIZ PELLI DE OLIVEIRA

    FATORES RESPONSÁVEIS PELA RESILIÊNCIADEFUNCIONÁRIOS DE UMA ORGANIZAÇÃO BANCÁRIA

    Belo Horizonte

    2016

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    ALEXANDRE LUIZ PELLI DE OLIVEIRA

    FATORES RESPONSÁVEIS PELA RESILIÊNCIA DE

    FUNCIONÁRIOS DE UMA ORGANIZAÇÃO BANCÁRIA:

    ESTUDO DE CASOS

    Dissertação apresentada ao Curso deMestrado Profissional em Administração doCentro Universitário UNA/MG comorequisito parcial para obtenção do título deMestre em Administração

    Área de concentração: Inovação e DinâmicaOrganizacional

    Linha de pesquisa: DinâmicaOrganizacional, Inovação e Sociedade.

    Orientadora: Profa. Dra. Iris B. Goulart

    Belo Horizonte

    2016

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    CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA

    CURSO DE MESTRADO PROFISSIONAL EM ADMINISTRAÇÃO

    ALEXANDE LUIZ PELLI DE OLIVEIRA

    FATORES RESPONSÁVEIS PELA RESILIÊNCIA DEFUNCIONÁRIOS DE UMA ORGANIZAÇÃO BANCÁRIA

    Aprovada em: ______/______/______

    COMISSÃO EXAMINADORA

     _______________________________________________________________

    Prof. Dra. Íris Barbosa Goulart- Centro Universitário UNA- Orientadora

     _______________________________________________________________Prof. Dra. Fernanda Wasner Vasconcelos - Centro Universitário UNA

     _______________________________________________________________

    Prof. Dra. Nathália de Fátima Joaquim - Universidade UFLA

    Belo Horizonte

    2016 

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    Para meus filhos que me ensinaram

    tanto em tão pouco tempo.

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    AGRADECIMENTOS

     Agradeço aos meus pais, por um caminho que foi indicado com tanta

    dedicação e empenho para torná-lo mais fácil de trilhar.

     Aos meus irmãos, pela irrestrita disponibilidade e interesse em ajudar a

    construir esse trabalho.

     Aos meus filhos, que são a força da minha vida, desafiam minhas convicções e

    renovam minha energia para seguir em frente

     A querida Professora Doutora Iris Goulart, que me orientou e esteve sempredisponível com muita paciência, experiencia e carinho para me ajudar a chegar

    até aqui.

     Às professoras Fernanda e Nathália que participaram da minha qualificação e

    de uma forma muito especial renovaram minha vontade para continuar o

    trabalho.

     Aos meus amigos que tiveram paciência para escutar minhas dificuldades e

    ajudaram com sua presença durante esse tempo, especialmente a Beatriz,

    Juliana, Carlos, Sheila, Diogo, Silvana, Leila e Marília.

     Aos meus colegas do curso de mestrado que dividiram os desafios deste

    percurso especialmente os meus amigos Lísia, Daniel, Helen, Izabela e Helder.

     A todos que de alguma forma contribuíram para esta grande escola que é a

    vida, que está sempre insatisfeita com tudo o que já aprendemos e nos faz

    querer aprender cada vez mais.

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    ABSTRACT

    The current economic dynamics involves rapid companies policy and

    performance processes and to ensure productivity it is essential that a companyhas healthy managers and workers. The search for new processes to obtainthis requirement has demanded effort of adaptability of workers with regard tocapacity to assimilate new technologies, ensure productivity andimplementation of innovative attitudes in face of challenges. The structuring ofthese new workingways can affect physical and mental health of workers, whichinfluences the productive efficiency. The bank pressure over the workers hasbeen seen as determinant for illness. The aims of this work are to identify andanalyze the factors that contribute to resistance to illness in work inside of a

    professional bank organization. To achieve this goal, a qualitative research withdescriptive character was conducted, which is a case study. Data collection wasperformed by using semi-structured interviews with employees who have illnessor showed resilience. The interviews content analysis pointed out the lack of avaluation policy and recognition of the work by the organization. Despite ofperception of similarity by workers that became ill or showed resilience, it wasfound in the former some difficulty to adopt mechanisms to deal with the controland prescription and consequently to cope with suffering. It is suggested tohave more comprehensive research to confirm these findings and to identify theforms of defense used by workers in their job requirements that can maintaintheir health.The result of this research can guide ome management policies tobe adopted by the company here to promote the workers healthy and to getbetter positioningin the market.

    Key-words: Resilience, psychodynamics of work, bank work, psychologicaldefenses, becoming illat work

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    LISTA DE QUADROS E FIGURAS

    FIGURA 01 Estudos que utilizam teoria e método em Psicodinâmicado Trabalho........................................................................ 39

    QUADRO 01 Relação dos sujeitos de pesquisa...................................... 62

    QUADRO02 O sentido do trabalho......................................................... 65

    QUADRO03 Liberdade de expressão..................................................... 68

    QUADRO04 Realização Profissional...................................................... 71

    QUADRO05 Relacionamento e reconhecimento no trabalho................. 74

    QUADRO06 Pressão no trabalho e esgotamento profissional................ 81

    QUADRO07 Superação/Resiliência......................................................... 85

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    LISTA DE GRÁFICOS

    GRÁFICO 02 Relação dos entrevistados por tempo deserviço................................................................................ 63

    GRÁFICO 01 Pressão no trabalho e esgotamento profissional............... 63

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    SUMARIO

    1 INTRODUÇÃO................................................................................. 12

    1.1 Problematização............................................................................. 17

    1.2 Objetivos......................................................................................... 17

    1.2.1 Objetivo Geral.................................................................................. 18

    1.2.2 Objetivos Específicos....................................................................... 18

    1.3 Justificativa.................................................................................... 18

    1.4 Estrutura do texto........................................................................... 20

    2 REFERENCIAL TE RICO.............................................................. 222.1 O Sentido do Trabalho................................................................... 22

    2.1.1 A história antiga e o sentido do trabalho.......................................... 23

    2.1.2 A mudança no sentido do trabalho................................................... 28

    2.2 Prazer e sofrimento no trabalho.................................................. 32

    2.3 A Abordagem do sofrimento no trabalho.................................... 38

    2.3.1 Da psicopatologia à Psicodinâmica do Trabalho.............................. 42

    2.3.2  As defesas psíquicas........................................................................   482.4 A Resiliência................................................................................... 50

    3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS........................................ 58

    3.1 Caracterizações da pesquisa........................................................ 58

    3.2 Unidade de análise......................................................................... 59

    3.3 Sujeitos de pesquisa...................................................................... 60

    3.4 Instrumentos de coleta de dados................................................. 603.5 Técnica de interpretação dos resultados..................................... 61

    4 AN LISE E INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS ................... 62

    4.1 Caracterização dos Sujeitos.......................................................... 62

    4.2 Análise qualitativa dos resultados............................................... 63

    4.2.1 Categoria 1 – O sentido do trabalho............................................... 64

    4.2.2 Categoria 2 – Liberdade de expressão........................................... 67

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    4.2.3 Categoria 3 – Realização Profissional............................................. 70

    4.2.4 Categoria 4 – Relacionamento e reconhecimento no trabalho........ 73

    4.2.5 Categoria 5 – Pressão no trabalho e esgotamento profissional....... 80

    4.2.6 Categoria 6 – Superação/Resiliência............................................... 84

    5 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................. 88

    REFERÊNCIAS................................................................................ 93

    APENDICE....................................................................................... 100

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    1. INTRODUÇÃO

    Desde o início da história algumas atividades, como a busca de proteção,

    alimentação e abrigo são fundamentais para a sobrevivência das espécies. No

    entanto, o que distingue as ações entre os homens e os animais é que, para os

    homens, as atividades são conscientes e intencionais e, no caso dos animais,

    elas são realizadas por instinto e sem consciência. Mesmo que seja para a

    sobrevivência, a atividade humana é exercida com liberdade.

    Resumindo: só o que podem fazer os animais é utilizar anatureza e modificá-la pelo mero fato de sua presença nela. Ohomem, ao contrário, modifica a natureza e a obriga a servir-

    lhe, domina-a. E aí está, em última análise, a diferençaessencial entre o homem e os demais animais, diferença que,mais uma vez, resulta do trabalho. (ENGELS, 1876, p.28).

     A evolução histórica do trabalho pode ser resumida em três etapas. A primeira

    delas seria aquela em que o mesmo trabalhador possuía domínio sobre todo

    processo de produção. Até o final da Idade Média, esta era a forma

    predominante do trabalho. Santos e Claro(2014) sugerem que essa sociedade

    de escambo e pequenos comércios locais foram se transformando pelas

    grandes navegações e ampliação do comercio até outros continentes. Essa

    ampliação da sociedade provocou transformações sociais e econômicas que

    fundamentaram o sistema capitalista alteraram a distribuição e concentração

    do capital em pequenos grupos de pessoas e conduziram a emergência da

    revolução industrial.

     A revolução industrial, a partir do século XIX, inaugurou no interior das fábricas

    uma nova forma de organização do trabalho. A partir de então, o antigo saberpertencente ao artesão foi obscurecido pela divisão do trabalho em etapas. Ao

    perder a capacidade de conhecer todo o processo de produção e também dos

    meios de produzir, o trabalhador foi alienado do produto de seu trabalho, pois

    ele participava apenas de uma parte da elaboração do que era produzido. De

    acordo com Viana (2012, p. 28), “o trabalho torna-se um meio de satisfação de

    outras necessidades e, por conseguinte, alienação”. Bottomore (1984) cita em

    seu dicionário do pensamento marxista que foi a partir do pensamento de

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    Hegel e posteriormente de Feuerbach que Marx fez um estudo sobre a

    alienação e destacou a alienação no trabalho como uma das formas de

    alienação do homem.  A evolução deste processo e a consolidação do

    capitalismo na maior parte dos países do ocidente inauguram o início das

    teorias sobre Administração.

    De acordo com Cabral et al (2012), a Administração Cientifica iniciou-se

    através das teorias de Taylor, Fayol e as contribuições de Henry Ford, todas

    elas fundamentadas na divisão do trabalho e no controle do trabalhador. Esses

    autores preconizavam a produção em escala com a divisão do processo de

    produção e buscavam sempre formas de aumento de produtividade em que otrabalhador era uma peça desse processo. Para o autor, estas teorias

    contribuíram bastante para o estudo de Gestão de Pessoas. Porém, foi o

    trabalho de Elton Mayo, na década de 1920 que demonstrou a influência dos

    recursos humanos no resultado final da produção.

     A partir de meados do Século XX, com o avanço tecnológico, o trabalho tomou

    outra dimensão, definindo-se a terceira etapa de sua evolução. Nesse

    processo, o que pode ser destacado é a intangibilidade do produto do trabalho.

    Na verdade, não existe sempre um produto físico a ser entregue. Uma parte do

    trabalho realizado no mundo atualmente não tem como objetivo produzir algo

    que possa ser visto ou tocado, não obstante o valor intrínseco desse trabalho

    para a organização.

    Foi ao longo desta terceira etapa que tiveram início os estudos sobre a

    importância do capital humano como um diferencial estratégico dasorganizações. Já em 1962 havia estudos sobre a importância econômica do

    conhecimento na Universidade de Princeton. Porém, de acordo com Souza e

    Bastos (2009), somente a partir da década de 1990, com os trabalhos de

    Kaplan e Norton, o capital humano passou a vigorar como uma importante

    fonte de estratégia. O desafio das empresas é usar esse capital como o maior

    diferencial competitivo e também como um bem intangível de alto valor para as

    corporações. De acordo com Gomes e Barroso (1999, p.149) “Em muitas

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    empresas, a importância dos seus ativos intangíveis supera a dos seus ativos

    contábeis. Mais ainda, a relação de valor entre os ativos intangíveis e os ativos

    contábeis tem-se tornado cada vez maior ”. 

    Em um mercado em que as tecnologias e os produtos são rapidamente

    desenvolvidos e copiados, é importante para as organizações que desejam

    sobreviver, investir a maior parte do seu capital em um bem intangível, que não

    pertence a nenhuma empresa, ou seja, a produção intelectual das pessoas.

    Para Davemport (2001) 0s trabalhadores ganharam um novo prisma, passando

    de recursos humanos para atores fundamentais da produção. Assim, os

    trabalhadores podem ser classificados como “investidores de umempreendimento pagando com capital humano”.  (DAVEMPORT, 2000, pág.

    10)

    Não houve só evolução da forma, mas também do conceito do trabalho. Para

    Dejours, (2004) o trabalho é algo que o homem faz para modificar a natureza

    trazendo significado à sua ação. Assim, não é só com o sentido de produto que

    o trabalho deve ser visto, mas também como um importante instrumento para a

    formação da identidade do sujeito. É nesse contexto, em que as pessoas

    ganham significativa valorização, que a preocupação dos gestores deve voltar-

    se para a preservação da saúde dos trabalhadores.

    Com esse objetivo, é preciso discutir a relação entre trabalho e saúde mental.

     As mudanças nos sistemas organizacionais alteram significativamente a vida

    dos empregados e sua saúde psíquica. O Boletim Quadrimestral de Benefícios

    por Incapacidade do Ministério da Previdência Social expõe a gravidade doproblema do adoecimento e dos acidentes de trabalho e faz um destaque para

    o Brasil conforme pode ser visto nos dados a seguir (2014, pag. 4):

    Segundo dados da Organização Internacional do Trabalho(OIT), divulgados em 2013, têm-se:

      2,02 milhões de pessoas morrem a cada ano devido aenfermidades relacionadas com o trabalho.

      321 mil pessoas morrem a cada ano comoconsequência de acidentes no trabalho.

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    adoecimento, manifestado através de estresse e outras alterações patológicas.

     Além disso, a violência e/ou outros fatores sociais como o assédio moral, o

    isolamento social e o individualismo contribuíram para o aumento das doenças

    musculoesqueléticas e os transtornos mentais.

     A prática desta política de gestão tem causado uma visão distorcida, pois se

    em um primeiro momento mostra resultados aparentemente positivos, com o

    passar do tempo, estes resultados podem ser transformado em um enorme

    custo financeiro e social conforme demonstra Santos (2009, p.9).

    Em média, entre 1996 a 2005, um bancário cometeu suicídio acada 20 dias, estimando-se uma ocorrência diária de tentativa(não consumada) durante todo o período.

    (...)

    O setor de recursos humanos do Banco Betha enviouinformações relacionadas comas causas de absenteísmo deseus empregados, de 1993 a 2008. (...)Proporcionalmente,com base em todas as causas de afastamento, as “doençasmusculoesqueléticas” e “mentais” corresponderam,respectivamente, a 26% e 21% do total.

    Diante da situação relatada, que remete o trabalho bancário da atualidade ao

    sofrimento e o consequente adoecimento, destaca-se que uma parte dos

    trabalhadores suporta essas condições e consegue levar uma vida

    aparentemente saudável. O conceito adotado nessa discussão é o de

    resiliência que em (BARLACH, LIMONGI-FRANÇA e MALVEZZI, 2008, p.101)

    “é um conceito que tem sido utilizado para explicar fenômenos psicossociais

    referidos a indivíduos, grupos ou organizações que superam ou transcendemsituações adversas”. Para Martins (2015, pag. 583) o conceito de resiliência é

    “Capacidade dinâmica de adaptação positiva a situações de adversidade

    significativa”.

    O conceito de resiliência é muito recente nos estudos das organizações, e o

    presente trabalho busca entender como essa dinâmica se dá com os

    trabalhadores de uma instituição financeira especifica. Para aprofundamento da

    discussão será usado a proposta de Barlach, França e Malvezzi (2008, pág.

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    104) em que os autores sugerem uma aproximação entre o conceito de

    resiliência e a teoria da Psicodinâmica do Trabalho. “Cabe ainda ressaltar a

    afinidade entre Dejours e a literatura predominante sobre resiliência na possível

    associação entre o fenômeno da resiliência e o sofrimento criativo” 

    1.1 . Problematização

    Conforme foi exposto, as organizações, de modo geral, precisam preservar os

    elementos humanos que relevantes para a melhoria do desempenho e da

    eficiência da produção. A evolução das práticas de gestão das organizações

    bancárias no Brasil tem contribuído de forma significativa com o adoecimento

    dos seus trabalhadores, conforme sugerido por Linhares e Siqueira (2014,

    pag.721)

    Dados divulgados pelo Ministério da Previdência Social (2012)reforçam referida percepção ao nos revelarem que ostranstornos mentais e de comportamento decorrentes dotrabalho tiveram desde 2007 um incremento de 50,81%,ocupando, pelo menos desde 2009, o terceiro lugar em númerode auxílios-doença acidentários concedidos. Os mesmos dadosnos revelam, ainda que, não obstante uma redução do númerode trabalhadores afastados do trabalho por depressão, naordem de 13,96% (posição em dezembro de 2012), quandoanalisamos o universo bancário nos deparamos com ummovimento contrário: incremento anual deum por cento dosprofissionais deste segmento entre as vítimas de depressão.

    Mesmo que todos os trabalhadores enfrentem as mesmas condições na

    organização, uma parte destes tem conseguido apresentar um estado de

    normalidade psíquica e resistência ao adoecimento. Diante desta situação, a

    questão norteadora do presente projeto é a seguinte:Quais são os fatores que podem determinara resistência ao adoecimento do

    trabalhador de uma organização bancária?

    1.2 . Objetivos

    Para responder à questão norteadora da pesquisa, foram definidos os

    seguintes objetivos:

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    1.2.1 - Objetivo Geral

     Analisar os fatores que contribuem para a resistência ao adoecimento no

    trabalho do profissional de uma organização bancária.

    1.2.1 - Objetivos Específicos

    1. Identificar fatores que contribuem para o estresse e frustrações no

    cotidiano do trabalho bancário.

    2. Verificar os motivos que motivaram o afastamento dos empregados.

    3. Identificar entre os funcionários do mesmo setor dos afastados, quais

    são os recursos utilizados por aqueles que não se afastam poradoecimento.

    1.3 . Justificativa

    Nas últimas décadas, algumas palavras como “era da informação”, “mundo

    virtual”, “modernidade”  e “pós-modernidade” invadiram os meios de

    comunicação. A busca de sentido, de conhecimento e de reconhecimento das

    pessoas tornam as relações humanas cada vez mais complexas e é neste

    contexto que cada indivíduo procura se identificar. O trabalho tem um papel

    importante e essencial na vida dos indivíduos, pois é algo que constitui o

    sujeito.

    Para Carrieri, Paula e Davel (2014) a identidade do sujeito pode ser vista sobre

    vários prismas. Porém, para os estudos organizacionais, a identidade dos

    sujeito tem relação com a sua participação na vida social. Através do trabalhona organização e nos setores subjacentes que o indivíduo se localiza e

    encontra sentido e a realização. Do outro lado da relação do trabalho, as

    empresas precisam dos trabalhadores para existir. No entanto, as

    organizações buscam maximizar resultados e diminuir custos. Existe então

    uma luta de interesses entre as duas partes. Este conflito de interesses,

    disputa entre a lógica capitalista e o desejo do trabalhador fragiliza as relações

    de trabalho.

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    De acordo com Pagés (1993), o trabalhador entrega sua subjetividade ao

    interesse da produção e acredita estar agindo em interesse próprio. Ao alienar

    do seu desejo o trabalhador trabalha para atender o objetivo do capital e torna

    vulnerável toda a sua estrutura social. Este processo pode ocasionar

    sofrimento, adoecimento aos trabalhadores e diminuir a produtividade das

    organizações.

    O interesse em pesquisar sobre este assunto foi motivado por uma vivência de

    25 anos como empregado de uma instituição financeira que passou por

    grandes e rápidas transformações desde o início dos anos 1980. A instituição

    nesta época propôs assumir um novo papel na economia nacional. A maioriadas pessoas que ingressou nessa organização passou toda a carreira

    profissional na empresa uma vez que ela possui uma ampla área de atuação

    abarcando vários tipos de conhecimentos em várias áreas acadêmicas.

    No início da década de 1990, houve vários processos de reestruturação e

    planos incentivados de demissão e incentivos à aposentadoria que vigoram até

    hoje. Durante todo este período, foi possível verificar o sofrimento de muitos

    trabalhadores que passaram por drásticas mudanças em suas carreiras.

    Naquela época, algumas pessoas foram acometidas por doenças que eram

    classificadas como Lesões por Esforços Repetitivos  –  L.E.R., e muitas delas

    aposentaram ainda sem ter completado 40 anos de idade. O quadro de

    adoecimento se modificou, e várias doenças físicas e psíquicas, continuam

    presentes na realidade da organização.

     A teoria da psicodinâmica do trabalho criada por Christophe Dejours estuda aforma que os trabalhadores percebem as atividades exercidas por eles, quais

    fatores seriam motivo de prazer e de desprazer no trabalho. Orientam também

    na identificação das defesas criadas para que os trabalhadores permaneçam

    saudáveis mesmo em condições adversas que são considerados como fatores

    de resiliência. Esses conceitos multidisciplinares ainda são pouco estudados no

    Brasil. Um trabalho de revisão feito por Merlo e Mendes (2009, p.141)

    identificou 79 artigos disponíveis naquela época e citam:

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    Considera-se que, apesar de suas categorias teóricas seremamplamente utilizadas por pesquisadores brasileiros, ainda háum grande desconhecimento da potencialidade que ofereceesse instrumento, enquanto método e possível prática, para o

    avanço do conhecimento neste campo de pesquisa e suaaplicação.

    Dessa forma, a pesquisa tem o objetivo de contribuir para a organização no

    sentido de orientar os processos de gestão sobre a importância de ações que

    promovam a saúde física e mental do trabalhador. A ideia é discutir as relações

    entre adoecimento, absenteísmo e as consequências do sofrimento no

    trabalho. A mediação traz ganhos para todos que participam desta relação.

    Para a academia, esta é uma tentativa de contribuir para um tema relevante,importante e incipiente. Para a sociedade o objetivo é trazer a discussão de

    como as relações de trabalho podem se ampliar por várias esferas sociais. A

    psicodinâmica do trabalho pode ajudar a reduzir os custos sociais de

    isolamento e individualismo presentes no acirramento da competitividade no

    mundo do trabalho. A proposta da psicodinâmica é criar um ambiente onde a

    competitividade pode ser trocada pela cooperação conduzindo desta forma a

    uma melhora nas relações sociais.

    1.4 . Estrutura do texto

    Esta dissertação é composta das seguintes partes: nesta Introdução

    apresentou-se a importância da temática a ser estudada, foi definida a questão

    norteadora da pesquisa, bem como os objetivos geral e específicos e justificou-

    se porque realizar tal trabalho.

    O segundo capítulo aborda o referencial teórico. Inicia-se apresentando a visão

    do que constitui o sentido do trabalho humano tanto no passado quanto no

    atual momento histórico. Em seguida, aborda-se como se dá a transformação

    do sofrimento no trabalho em adoecimento do trabalhador e descreve-se o

    campo de estudos desse sofrimento, esclarecendo a diferenciação entre a

    Psicopatologia do trabalho e a Psicodinâmica, concluindo com referência à

    resiliência de alguns trabalhadores.

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    O terceiro capítulo apresenta os procedimentos metodológicos, caracterizando

    a pesquisa e identificando os instrumentos de coleta de dados, a unidade de

    análise e os sujeitos de pesquisa, além de mencionar as técnicas a serem

    utilizadas na interpretação dos resultados.

    O quarto capítulo apresenta a análise dos resultados e o último capítulo trata

    das considerações finais, fazendo uma retomada das conclusões, comentando

    as limitações da pesquisa e sugerindo novos trabalhos sobre o tema.

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    distingue entre laborare, a ação de labor, e operare, o verboque corresponde a opus, obra. Em francês, é possívelreconhecer pelo menos a diferença entre travailler e ouvrer ouoeuvrer, sobrando ainda o conteúdo de tache, tarefa. Assim,

    também lavorare e operare em italiano; e trabajar e obrar emespanhol. No inglês, salta aos olhos a distinção entre labour ework, como no alemão, entre Arbeit e Werk. Work, como Werk,contém a ativa criação da obra, que está também em Schaffen,criar, enquanto em labour e Arbeit se acentuam os conteúdosde esforço ecansaço.

    De uma forma semelhante Woleck (2004, pag.3) sugere que em diferentes

    línguas, a palavra trabalho tem sentido positivo ou negativo.

    Os gregos utilizavam duas palavras para designar "trabalho:ponos, que faz referência a esforço e à penalidade, e ergon,que designa criação, obra de arte. Isso estabelece a diferençaentre trabalhar no sentido de penar, ponein, e trabalhar nosentido de criar, ergazomai. Parece que a contradição"trabalho-ponos" e "trabalho-ergon" continua central naconcepção moderna de trabalho. Pode-se observar emdiferentes línguas (grego, latim, francês, alemão, russo,português) que o termo trabalho tem, em sua raiz, doissignificados: esforço, fardo, sofrimento e criação, obra de arte,recriação.

    É importante estudar o papel que o trabalho desempenhou durante a historia

    da humanidade. Apesar de não ser esse o foco do trabalho, o vários papéis do

    trabalho são constituintes do seu sentido social. A subjetividade

    contemporânea depende da posição do sujeito em relação ao trabalho. Isso foi

    bem esclarecido por Foucault (1987) quando ele descreveu as sociedades

    disciplinares que tiveram origem a partir do Século XVII. O indivíduo precisava

    ser docilizado para atender aos objetivos da produção, e essa por sua vez

    constituía a melhor saída para um enquadramento social eficiente.

    2.1.1 A história antiga e o sentido do trabalho

    Na história antiga, existem diferentes visões quanto à positividade do trabalho.

    Tanto Neto e Nagel (2002) quanto Quinelato (2007) sugerem que o trabalho,

    dependendo da época e da região, apresentava dimensões opostas. Em

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    alguns casos, o mesmo pensador em um momento tinha uma visão positiva e

    em outro momento uma visão negativa do trabalho. Na Grécia arcaica, as

    atividades artesanais e de pastoreio não eram consideradas trabalho, mas uma

    atividade fim, com objetivo de subsistência. O padrão de vida simples das

    aldeias baseado nas conquistas da guerra e nas atividades de pastoreio

    começam a se transformar com a passagem da forma primitiva para a

    rudimentar de cultivo agrícola. Além do orgulho do guerreiro, nasce também

    uma nova relação do homem com a terra. É nessa época que os gregos

    começaram a organizar o que mais tarde seria chamada de cidade. O trabalho

    era considerado uma atividade fundamental para o desenvolvimento da nova

    sociedade.

     Até o início do século V a.C., a economia era essencialmente agrícola e quem

    fazia o trabalho eram, em sua maior parte, os escravos trazidos das guerras ou

    não gregos. Homero em suas epopeias  –  Ilíada e Odisseia  –elogia o trabalho

    dos heróis fossem eles nobres ou deuses. Hesíodo em – O trabalho e os Dias -

    dignifica o trabalho e em - Prometeu e Pandora  –  mostra o trabalho como

    punição. Esse período é importante, pois trata do início da transição da vida no

    campo para as cidades. Uma primeira visão sugere que trabalhar era uma

    virtude em função da difícil vida de camponês que Hesíodo levava. No segundo

    momento, no poema Prometeu e Pandora, quando Prometeu roubou o fogo e

    entregou aos homens, Zeus como castigo mandou Pandora com uma caixa

    que não poderia ser aberta porque senão espalharia o bem e o mal ao mundo.

     Ao abrir a caixa, o homem foi condenado ao trabalho duro e penoso para

    garantir sua sobrevivência.

    Para Quinelato (2007) A conotação negativa ganha mais força a partir do

    século V a.C. O trabalho manual era feito pelos escravos e não tinha tanto

    valor como o trabalho intelectual dos nobres cidadãos gregos. A felicidade era

    atividade de contemplação e dependia de tempo livre. Platão considerava que

    os artesãos e camponeses não eram dignos uma vez que, para ele, era

    incompatível exercer uma profissão e atender aos deveres do cidadão. Para

     Aristóteles, o trabalho degradava o corpo e a alma e tornava o homem

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    dependente do salário, o que era reprovável. Em resumo, todos aqueles que

    praticavam uma atividade não tinham tempo para a política, o que era de

    extrema importância para o povo grego.

    Nas fábulas de Esopo, também existem duas vertentes. Por exemplo, na fábula

    Hermes e a Terra, havia uma harmonia entre os deuses e os homens. Assim,

    estes não precisavam trabalhar. Porém depois das atitudes de Prometeu, Zeus

    manda Hermes levar os homens a terra e que para o seu sustento teriam que

    escavar a terra. A terra apesar da não concordância acatou a ordem de Zeus,

    porém disse que os homens perfurariam a terra gemendo e chorando. Já na

    fábula da cigarra e da formiga o trabalho ganha um sentido oposto. A formigatrabalha ininterruptamente no verão para que possa sobreviver ao inverno. A

    cigarra, ao contrário, passa o verão no ócio e quando chega o inverno não tem

    como se prover de alimentos. A fábula mostra que não há como obter alimento

    sem trabalho.

    Outra vertente de estudo da história do trabalho é a pesquisa de Balancin

    (2008) sobre o texto bíblico. De acordo com o autor, também nos textos da

    Bíblia há uma dualidade de sentido para o trabalho. A maior parte das

    referências está no texto do Genesis. Lá, depois que Adão e Eva provaram do

    fruto do conhecimento, foram condenados por Deus “Você  comerá seu pão

    com o suor do seu rosto, até que volte para a terra...” (BÍBLIA, Gênesis, 3, 19).

    Porém, no próprio Gênesis, quando discorre a criação do mundo, ele sustenta

    a necessidade do descanso, no último dia da criação, para dizer que o trabalho

    não pode escravizar o homem.

    No livro do Eclesiastes, elaborado por volta do ano 250 a.C., o autor também

    encontra duas conotações para o trabalho. Nessa época, a Palestina era

    dominada pelos sucessores de Alexandre Magno e o sistema econômico era

    essencialmente agrícola. O rei tinha o poder supremo e a população pagava

    tributos que sustentavam o rei, toda a administração criada para o rígido

    controle dos tributos e as famílias nobres que possuíam verdadeiras fortunas.

    Diante da situação social da época, o livro do Eclesiastes oferece uma crítica à

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    exploração sofrida pelas classes menos favorecidas da sociedade. Nesse

    contexto o trabalho também adquire duas conotações. A primeira no sentido

    positivo sugerindo que a felicidade é alcançada quando o homem trabalhar e

    usufruir do seu trabalho como uma dádiva de Deus. Porém, no sentido oposto,

    ele descreve a injustiça da servidão do trabalho que serve para pagar “os

    tributos carreados para Alexandria, para o templo, além de enfrentar os

    atravessadores e comerciantes, como a família dos Tobíadas” (BALANCIN,

    2008, pag.4).

    Entretanto, o que tem se verificado, é que a maior parte dos estudos sobre o

    trabalho tanto na Grécia antiga quanto na tradição judaico cristã é umaconotação negativa em relação ao trabalho. No caso da Grécia, os estudos

    analisam o homem grego, normalmente morador de Atenas, que fazia parte da

    população mais nobre e abastada da sociedade. Isso explica em parte a noção

    de que para o povo Grego o trabalho é em geral relativo à negatividade. Para a

    tradição judaica cristã, prevalece a noção de trabalho como punição para o

    pecado, como caridade para purificação da alma ou como instrumento para

    livrar os maus pensamentos. Como não tinha relação com a oração, tratava-se

    de uma forma de penitência, de atividade mundana e, portanto inferior.

     A análise da constituição de sentido para essa época tão distante e tão carente

    de informações precisas demonstrou algumas diferenças do ponto de vista do

    período em que as transformações sociais ocorreram. Além disso, o que se

    busca é discutir quais são os caminhos do sentido em relação ao trabalho

    humano e não a cronologia dos fatos.

     A vida na época homérica girava em torno dos oikos que era um grupo social

    auto-suficiente subordinado a um chefe reconhecido por sua superioridade na

    guerra. Essa sociedade não conseguia pensar em termos de indivíduo. As

    pessoas só se reconheciam na coletividade Esse grupo coletivo foi lentamente

    se extinguindo e a nova sociedade foi criada pensando no homem como único,

    desmembrado da coletividade.

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    O momento histórico apresentado, por Hesíodo, é um períodode transição entre a destruição de uma sociedade antiga,fundamentada na estrutura familiar e no princípio do coletivo ea criação de uma nova sociedade estruturada na figura do

    indivíduo e da propriedade privada (NETO e NAGEL, 2002,p.7)

    Para Vernant (1989), a noção de trabalho do grego antigo não pode ser

    comparada com a visão que temos hoje. O trabalho era visto sob sua dimensão

    concreta onde a tarefa era definida com relação ao produto que seria fabricado.

     A divisão do trabalho só tinha relação com a especialização que cada um

    estava apto a realizar. O artesão era dedicado à perfeição do produto que ele

    propunha fabricar, o que dava sentido a sua tarefa.

    O elo social se estabelece além da profissão, no único planoem que os cidadãos podem amar-se reciprocamente porquetodos se comportam de maneira idêntica e não se sentemdiferentes uns dos outros: o das atividades não profissionais,não especializadas, que compõe a vida política e religiosa dacidade. Não sendo apreendido em sua unidade abstrata, otrabalho, em sua forma de profissão não se manifesta aindacomo troca de atividade social, como função social de base

    (VERNANT, 1989, p.352).

     Assim, o produto do trabalho, teria somente valor para aquele que fosse usá-lo.

    Não havia a noção de produção de mercadorias independente do usuário. O

    produto era fabricado e possuía apenas o valor de uso, sendo ignorado o valor

    de troca do produto como mercadoria. Havia nesse sentido uma relação de

    dependência entre o usuário e o artesão. Baseado nesse entendimento,

     Aristóteles desenvolve a ideia que o artesão se aliena do produto final e se

    submete àquele a quem o produto é destinado, tornando-se escravo. Nesse

    sistema, “o ideal do homem livre, do homem ativo, é ser universalmente

    usuário, nunca produtor. E o verdadeiro problema da ação é o do bom uso das

    coisas, não de sua transformação pelo trabalho” (VERNANT, 1989, p.356).

    Diante do exposto, o trabalho na Idade Antiga significou tanto virtude quanto

    castigo. As profissões faziam o elo entre o produtor e o produto onde o

    trabalhador realizava seu trabalho. De acordo com Albornoz (1986), para o

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    pensamento antigo o que dava sentido à atividade produtiva era a finalidade. O

    motivo da produção era o fim ao que o produto estava destinado e não a

    vontade do artesão de produzir. Não havia sentido na produção sem um

    usuário final.

    2.1.2. A mudança no sentido do trabalho

    Existe pouca literatura sobre o tema do trabalho até século XVI. No entanto,

    algumas observações da evolução do sentido do trabalho podem ser

    destacadas. Em primeiro lugar, apesar do que foi dito acima sobre a transição

    do pensamento coletivo para o pensamento de indivíduo se dar por volta do

    século VI a.C., Enriquez (2013) sugere que a interioridade, o pensamento

    individual foi observada por volta do século III e IV d.C. Para o autor, a partir de

    uma relação pessoal com o divino, a vida interior passou a ser relevante e

    conseguintemente o sentimento de individualidade. Isto também foi destacado

    na escolástica de Santo Agostinho.

    Em um momento bem posterior, na Idade Média. Referindo-se a São Tomas de

     Aquino, Rossato (2001, p. 152) comenta: 

    São Tomás de Aquino, na Idade Média, faz uma aproximaçãoentre o trabalho físico e o trabalho intelectual afirmando quetodos os trabalhos se equivalem embora a visão gregapredomine e a contemplação seja colocada acima da ação. Oora et labora dos monges beneditinos reserva o melhor dotempo para a contemplação que é vista como superior.

    Em segundo lugar, a história nos conta que no período das cruzadas, tanto as

    pessoas que iam para a guerra quanto aquelas que voltavam necessitavam de

    mercadorias. Dessa forma, o comércio e a produção de excedentes que

    podiam ser trocados por dinheiro já estavam presente no entre os séculos XI e

    XII.

    Dezenas de milhares e europeus atravessaram o continentepor terra e mar para arrebatar a Terra Prometida aosmuçulmanos. Necessitavam de provisões durante todo o

    caminho e os mercadores os acompanhavam a fim de

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    fornecer- lhes o de que precisassem. Os cruzados queregressavam de suas jornadas ao Ocidente traziam com eles ogosto pelas comidas e roupas requintadas que tinham visto eexperimentado. Sua procura criou um mercado para esses

    produtos. (HUBERMAN, 1986, p. 19)

    É a partir da necessidade da produção de excedentes e do comércio que ideias

    de transformar o trabalho em virtude começam a aparecer na Europa. O

    Protestantismo e o Iluminismo, a partir do século XVI, transformam a visão do

    trabalho em algo bom e necessário. “Em contraste com a concepção católica,

    pela Reforma Protestante são aumentados a ênfase moral e o prêmio religioso

    para a atividade profissional. Para alcançar a autoconfiança típica dos eleitos é

    recomendada a intensa atividade profissional.” ( ALBORNOZ, 1986, p.50).

    Essa mudança proporciona àquelas pessoas que não nasceram na nobreza ou

    não faziam parte da Igreja uma chance de se tornarem virtuosos pelo trabalho.

    O novo sentido que o trabalho adquire, como uma virtude, evoluiu através das

    ideias de vários pensadores não como uma opção para o indivíduo, mas como

    fundamental para a dignidade humana, para a riqueza das nações e para o

    domínio da natureza. A liberdade para produzir o que era necessário para acoletividade perde o sentido a partir de então.

    No século XVIII, com a Revolução Industrial, o trabalho ganha um novo formato

    quando a pessoa que trabalha perde a relação entre a matéria prima e o

    produto final. As pessoas são conduzidas para o interior de uma fábrica. Lá

    elas desenvolvem uma atividade repetitiva que não remete ao produto final.

    Este processo afasta o sujeito do sentido da atividade. Constitui-se uma forma

    de alienação do trabalhador que agora tem o trabalho como um fim em si

    mesmo. Essa alienação não está presente somente entre o produtor e o

    produto, mas também entre o produtor e o consumidor. O trabalhador da

    fábrica não conhece a pessoa que irá consumir o produto, fruto de seu

    trabalho. Não existe uma visão de utilidade.

    Na sociedade capitalista, caracterizada pela divisão social dotrabalho e divisão em classes, há a ruptura da integração entre

    o significado e o sentido da ação. O sentido pessoal da ação

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    não corresponde mais ao seu significado. Assim, sob relaçõessociais de dominação, o significado e o sentido das açõespodem separar-se, tornando as alienadas. (BASSO, 1998, p.5)

    O crescente desenvolvimento das fábricas e as grandes descobertastecnológicas garantiram a produção em massa para uma população cada vez

    maior e mais inserida no discurso da alienação. O trabalho livre não existia

    mais, uma vez que para estar inserido no contexto social era necessário

    trabalhar. O desenvolvimento tecnológico apresentou mais uma forma de

    trabalho no século XX, ainda mais alienante. É o chamado trabalho imaterial,

    onde não existe um produto final do trabalho.

    Entende-se por trabalho imaterial o conjunto de atividadescorporais, intelectuais, criativas, afetivas e comunicativasinerentes ao trabalhador, atualmente valorizadas edemandadas como condição indispensável ã produção. Dotrabalho imaterial resultam, além de produtos materiais,produtos intangíveis como sentimentos de confiança,segurança e conforto aos clientes numa nova relaçãoprodução-consumo. (GRISCI, 2008, pag.4)

    Para o trabalhador, o trabalho representa uma atividade social e não só

    financeira. A execução das tarefas dá sentido ao trabalho que traduz em um

    sentimento de realização pessoal. A atividade garante também o

    comprometimento individual e coletivo na organização. Segundo Mendes e

    Morrone (2002 p.27), “o ato de produzir permite um reconhecimento de si

    próprio como alguém que existe e tem importância para a existência do outro,

    transformando o trabalho em um meio para a estruturação psíquica do

    homem”.

    Do lado da organização, uma observação de Chanlat e Bedard (1992, p.18) “a

    redução do homem a uma engrenagem na empresa significa uma miopia que

    leva a um imensurável desperdício econômico e como consequência um

    caminho contrário ao objetivo do capital”. É claro para as organizações e para

    os seus controladores que, se o trabalhador fizer somente o que está

    especificado nas normas a produtividade diminui significativamente e pode até

    parar a produção. Conforme Dejours (2007) cumprir com as ordens

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    rigorosamente, com certeza leva ao fracasso, o que é reconhecido como

    operação padrão e, em Portugal, é chamado de greve de zelo.

    Pagés et al.  (1993) trata da inserção do sujeito na organização sob o prismapsicológico e sociológico. Baseado em suas considerações, o sujeito não é só

    um mero realizador de atividades, mas procura atuar no ambiente cooperando

    e interagindo nas mudanças que beneficiam a produção. Faz ainda uma

    relação do sujeito que trabalha com o Ego e o Superego. Dessa forma, ele traz

    a ideia que o indivíduo se submete à organização como se esta fosse parte

    dele. Isso faz com que o indivíduo possa ser dominado sem que seja

    percebido.

    Sob essa perspectiva, o indivíduo assume o modelo idealizado pela

    organização como se fosse dele próprio, procurando agir como uma pessoa

    extremamente produtiva, comprometida com os valores da organização e

    resistente às pressões por produção. O sujeito que consegue incorporar estas

    ideias encontra nelas uma forma de satisfação narcísica que é gratificada pela

    organização.

    Enriquez (2000) acrescenta, que caso o sujeito se ligue ao ideal da

    organização, ela pode ser aquela que irá protegê-lo. Nesse entendimento, o

    sujeito perde a sua identidade individual e se reconhece apenas como parte da

    organização. Assim, o ideal do indivíduo se confunde com o ideal da

    organização e isso faz com que estes estejam sempre dispostos a viver para

    atender aos ideais da produção.

    Diante das perspectivas discutidas, os indivíduos estão presos de forma

    inconsciente aos ideais da organização. Para Pagés et al.(1993) essa é uma

    relação de uma pessoa pequena e fraca com uma organização grande e forte.

     A defesa contra essa relação desigual seria a identificação com a organização,

    e a partir desta identificação o sujeito, se incorpora à organização.

    Para Dejours (1996) existe um confronto entre organização de personalidade e

    organização do trabalho uma vez que a relação trata de um imaginário

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    (produzido pelo sujeito) e o real (produzido pela situação do trabalho). É a partir

    deste confronto que o trabalho deve ser entendido. Essa situação inicial,

    considerada como sofrimento, vai evoluir, a partir da dinâmica da subjetividade

    para uma situação de prazer ou um adoecimento no trabalho.

    2.2. Prazer e sofrimento no trabalho

    De acordo com Brant e Minayo (2004) o sofrimento é uma manifestação única

    para cada indivíduo e está inserido em um determinado contexto histórico ou

    cultural. Cada indivíduo, quando exposto a uma situação adversa, percebe-a

    da sua maneira. Em alguns casos, o que é sofrimento para uma pessoa, pode

    significar prazer para outra e vice-versa. Até para a mesma pessoa, um

    acontecimento que pode provocar sofrimento em um determinado momento,

    em outro, pode ser vivenciado como satisfação. Dessa forma, a vivência de

    uma situação adversa, que em um sujeito pode representar uma angústia, para

    outros pode ser considerada normal.

    Outro ponto que deve ser ressaltado é a diferença entre sofrimento e dor. Os

    conceitos podem se misturar, mas normalmente, para dor existe a conotaçãode algo localizável no corpo, enquanto de maneira diferente, o sofrimento é

    indicado na esfera do psíquico. Essa distinção é importante, pois não é só

    pelos sintomas que o sujeito deve ser observado, mas a atenção deve ser

    dispensada à experiência que está sendo vivida naquele momento.

    Para Dejours (1996, 2004), Mendes (2007), Chanlat e Bedard (1992), o

    trabalho tem importância fundamental em relação à identidade e à saúde

    mental, uma vez que são construídos acordos entre as expectativas da

    organização do trabalho e do sujeito. A organização do trabalho espera o

    comprometimento e a qualidade da produção. O trabalhador espera, como

    retorno do seu engajamento, a realização do pessoal e a inserção social, bases

    fundamentais de sua saúde física e mental. O sofrimento está ligado a uma

    série de exigências da organização do trabalho, como pressões e imposições

    das tarefas e do mercado, a relação com os clientes e os colegas de trabalho,

    a adaptação à cultura da organização, a mecanização ou padronização em

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    excesso. Além dessas situações, as atuais formas de organização ainda

    esperam do trabalhador a incorporação a um ideal de produção que muitas

    vezes implica em rompimento com seus valores, colocando em risco a sua

    identidade.

    O sofrimento é inerente à organização do trabalho. No entanto, ele não deve

    ser visto como consequência do trabalho, mas como um ponto de partida.

    Nesse sentido, o trabalho pode ser visto como fundamental para a constituição

    ou reconstituição da identidade do sujeito, devendo ser estudado não apenas

    como produtor de doença, mas como promotor da saúde. O reconhecimento e

    a sublimação são os meios em que o sofrimento pode ser transformado emprazer no trabalho.

     As vivências de sofrimento aparecem associadas à divisão e àpadronização de tarefas com subutilização do potencial técnicoe da criatividade; rigidez hierárquica, com excesso deprocedimentos burocráticos, ingerências políticas,centralização de informações, falta de participação nasdecisões e não reconhecimento; pouca perspectiva decrescimento profissional. (FERREIRA e MENDES, 2001, p.95) 

    Mendes e Ferreira (2001, p.96) fazem um quadro sintético dos indicadores de

    sofrimento descritos em um trabalho feito na França por Jayet (1994).

      Medo físico relacionado à fragilidade do corpo quando exposto adeterminadas condições de trabalho.

      Medo moral, que significa o medo do julgamento dos outros e de nãosuportar a situação de pressão e adversidade na qual realiza a tarefa.

      Tédio por desempenhar tarefas pouco valorizadas.

      Sobrecarga do trabalho, gerando a impressão de que não vai dar contadas responsabilidades.

      Ininteligibilidade das decisões organizacionais, que gera falta dereferência da realidade.

      Ambivalência entre segurança, rentabilidade e qualidade.  Conflitos entre valores individuais e organizacionais.

      Incertezas sobre o futuro da organização e seu próprio futuro.  Perda do sentido do trabalho a partir da não-compreensão da lógica das

    decisões, levando à desprofissionalização.  Dúvidas sobre a utilidade social e profissional do seu trabalho.

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      Sentimento de injustiça, reflexo da ingratidão da empresa e dasrecompensas sem considerar as competências.

      Falta de reconhecimento retratada na ausência de retribuição financeiraou moral e do não-reconhecimento do mérito pessoal.

      Dificuldade de poder dar sua contribuição à sociedade, gerando umsentimento de inatividade, de inutilidade e de depreciação da suaidentidade profissional.

      Falta de confiança, que produz a negação dos problemas, manifestadaem um sentimento de desordem, de culpabilidade, de vergonha e defatalidade para lidar com as situações de trabalho.

    O sofrimento patogênico pode ser dividido em quatro categorias. A primeira

    seria a patologia de sobrecarga. Apesar de preconizada a redução da carga de

    trabalho pela robótica e automação, doenças como Burnout   têm sido

    constantemente diagnosticadas. Em segundo lugar, têm-se as patologias pós-

    traumáticas que são as agressões sofridas pelos trabalhadores como, por

    exemplo, os xingamentos. A terceira categoria seria a das patologias do

    assédio. O assédio sempre existiu, mas em função da falta de solidariedade

    das pessoas, essa patologia tem aumentado. O assédio é classificado também

    como patologia da solidão. Por último, existem as patologias recentes e que

    têm uma multiplicidade de etiologias como depressão, suicídio e tentativa de

    suicídio. Por serem tratadas como tabu na nossa sociedade, procura-se ignorar

    o fato, banalizando a situação.

    Principalmente para o suicídio, onde os estudos e discussões são tratados com

    muita reserva. Dejours (2004) atenta para o fato que o distanciamento deste

    tema pode ter graves consequências sociais. Nesse ponto são sugeridas três

    hipóteses de estudo para os casos de suicídio no trabalho. Primeiro, ahipótese de haver manifestações de transtornos psicológicos muito anteriores

    ao fato. A segunda hipótese seria sob um contexto de depressão por

    degradação da situação do trabalho, e por último, casos em que pessoas que

    sofrem por sua relação no trabalho, mas não apresentam transtorno

    psicológico. São chamados de suicídios inesperados.

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    Existe outro tipo de sofrimento patogênico que é atribuído à organização do

    trabalho. Com objetivo de otimização da produção, a organização busca criar

    prescrição para o trabalho. Ocorre frequentemente com o trabalho mecanizado

    e com as tarefas de processamento de informações. As fantasias, a

    imaginação e o sofrimento criativo conflitam com a organização do trabalho

    podendo causar atrasos e erros na produção. Como é impossível paralisar a

    atividade psíquica, a maioria dos trabalhadores busca acelerar seu ritmo como

    uma defesa para ocupar seu campo de consciência. A essa estratégia

    caracterizada como uma defesa dá-se o nome de repressão pulsional, uma vez

    que paralisa a pulsão na sua origem, não deixando que ela alcance suas

    representações psíquicas. A repressão pulsional tem como efeito doenças nocorpo além das modalidades de estresse.

    Os estudos que focalizam o trabalho repetitivo mostraramtambém como a auto-aceleração individual, vantajosa aorendimento, torna-se uma obrigação indissociável doestabelecimento da repressão pulsional (ou repressão dofuncionamento psíquico e da atividade fantasmática, poucocompatíveis com a perseguição de uma tarefa estereotipada,

    desprovida de qualquer significação para o sujeito quetrabalha, tendo em vista sua história singular e suasexpectativas afetivas no campo das relações sociais detrabalho). (DEJOURS e ABDOUCHELI, 2009, p. 130).

    Com relação ao sofrimento, é necessário comentar por último a consequências

    da gestão e do controle quando extremamente voltado para a prescrição.

    Quando existe um estilo de gerenciamento essencialmente normativo e

    prescrito, o trabalho real torna-se psicologicamente insuportável para os

    trabalhadores. Esse gerenciamento tem como consequência desmobilizar ostrabalhadores e destruir a ressonância simbólica. Por outro lado, o prazer está

    associado às experiências de gratificação, ao reconhecimento e à liberdade,

    que se obtém quando as imposições da organização do trabalho são bem

    administradas. O prazer contribui com a saúde do trabalhador porque reforça a

    identidade e a subjetividade no trabalho permitindo a liberdade para mediar o

    trabalho definido e o trabalho realizado.

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    Dejours (1996) utiliza duas dimensões para tratar da relação entre prazer e

    sofrimento no trabalho: uma dimensão diacrônica que trata do sofrimento

    herdado da história do indivíduo e uma dimensão sincrônica que trata do

    sofrimento atual do encontro do indivíduo com o trabalho. A personalidade é

    formada durante várias etapas do desenvolvimento da criança. Este

    desenvolvimento psicoafetivo é que molda a forma com que o sujeito lida com

    o trabalho. Desde pequena, a criança, ao observar a angústia dos pais, passa

    por uma situação de sofrimento. Dessa forma ela aprende a contornar essa

    situação, mas constrói uma zona de fragilidade psíquica. Em um momento

    posterior, quando a criança aprende a falar ela se angustia por tentar entender

    porque não é tão importante para os pais como imaginava. Essa angústia ousofrimento faz com que ela crie teorias para entender o mundo. A criança então

    cria jogos, teatros e fantasias tendo seu sofrimento como enredo, onde ela

    coloca suas teorias de tentativa de compreensão do mundo.

    Quando o indivíduo se torna adulto, o trabalho constitui uma tentativa de

    transportar as teorias criadas na infância para o ambiente social. Essa

    passagem não é automática; é preciso que haja analogias de estrutura ou de

    forma. É como se o adulto estivesse repetindo o sofrimento infantil, mas agora

    atuando com um enredo mais complexo. O objetivo não é mais simplesmente o

     jogo, mas a produção.

     A passagem do jogo para o ambiente social significa uma mudança no objeto e

    no destino da pulsão. Entre o teatro psíquico e o teatro do trabalho existe uma

    ambiguidade onde se tenta representar um cenário similar ao cenário inicial de

    sofrimento. Essa ambiguidade é a essência da simbolização, que Dejours(1996, 2001) chama de “ressonância simbólica”. Quando ocorre a ressonância

    simbólica, o sujeito consegue trazer as angústias do inconsciente para o

    trabalho. A ressonância é uma nova possibilidade de traduzir os

    questionamentos anteriores e quando isso ocorre com sucesso, a organização

    produtiva é beneficiada com o potencial do inconsciente.

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    O reconhecimento do trabalho é fundamental para a criação da personalidade

    e da identidade do sujeito. Retornando ao tema da angústia primária, vivida

    pela criança, através do processo de ressonância simbólica, o sujeito pode dar

    novo significado às questões que não tinham sido respondidas. Cada vez que o

    trabalhador resolve um problema e é reconhecido, é o sujeito sofredor que

    recebe um reconhecimento subjetivo. No que tange à economia psíquica, o

    reconhecimento é um processo de economia pulsional pela sublimação.

    De acordo com Dejours (2007, 2012, 2013), Mendes e Ferreira (2001, 2007),

    Mendes (2013), para que haja sucesso no trabalho, muitas pessoas

    necessitam do olhar do outro para validação da sua atividade. É oreconhecimento do outro que é esperado no trabalho. Esse reconhecimento, ou

     julgamento, pode vir de duas formas. O primeiro é o julgamento de utilidade,

    normalmente feito por um superior hierárquico quando o trabalho é reconhecido

    como útil para a organização. Mas pode ser também dos subordinados em

    relação ao chefe ou dos usuários a quem se destina o trabalho. Ele é

    responsável por uma colocação na organização e um sentimento de

    pertencimento na sociedade. O segundo é o julgamento estético, ou julgamento

    de beleza, feito pelos pares. É mais importante, pois é um julgamento de

    conformidade com aquilo que os outros também fazem. Esse reconhecimento é

    responsável por um sentido de pertencimento a um grupo. Mais importante

    ainda é se o julgamento estético é de originalidade, conferindo superioridade

    àquele que executou o trabalho.

    Esses julgamentos são, em princípio, em relação à qualidade do trabalho e,

    num segundo momento, em relação à identidade do sujeito. O reconhecimentoé uma dimensão da sublimação e transforma o sofrimento no trabalho em

    prazer através do olhar do outro. É importante ressaltar que aquela

    personalidade que ficou incompleta na adolescência, se tiver um

    reconhecimento positivo no trabalho, pode desenvolver a sua subjetividade.

     Além do reconhecimento, o reforço da subjetividade é encontrado no

    desenvolvimento das atividades do trabalho. Quando a solução foi alcançada,

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    obteve-se um novo patamar para a subjetividade. A liberdade de trabalhar

    transforma a angústia da tarefa em solução criativa e prazerosa para o sujeito.

    Nesse aspecto, o trabalho e a sublimação são vistos como uma saída para as

    angústias da vida e auxiliar na saúde psíquica do ser humano.

    2.3. A abordagem do sofrimento no trabalho

    Em busca de melhor desempenho dos trabalhadores, frequentemente a

    empresa se depara com problemas sociais e humanos que têm consequências

    sobre a vida e a saúde desses homens e mulheres que trabalham. O paradoxo

    para Dejours (1996) é que, beneficiário da produção, o homem se torna, no

    mesmo movimento, vítima do trabalho.

    O conhecimento sobre as relações entre o sofrimento humano e o trabalho é

    bem recente e está associado, na maioria das pesquisas identificadas na

    literatura, ao trabalho dos franceses, inspirados, inicialmente numa disciplina

    denominada Psicopatologia do Trabalho e, mais recentemente, em outra

    disciplina que é a Psicodinâmica do trabalho. Dejours (2004) e Mendes fazem

    uma descrição da evolução dessas teorias.

     A teoria da psicodinâmica do trabalho criada por Christopher Dejours tem sido

    bem aceita do Brasil e vários pesquisadores estão trabalhando na consolidação

    dessa teoria. A proposta é de uma Clínica do Trabalho, porém, vários autores

    adaptaram esta proposta para fazer estudos que, além de explorarem as

    ligações entre sofrimento e trabalho, abordam, também, questões do campo

    das responsabilidades humanas e sociais das organizações.

     A figura 1 mostra um trabalho de sistematização feita por Ghizoni, Mendes e

    Corgozinho (2013, págs. 28,29 e 30) separando o método original proposto por

    Dejours para a teoria da psicodinâmica do trabalho e as estudos que sofreram

    adaptações feitas por outros pesquisadores.

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    Figura 1 – Estudos que utilizam teoria e método em Psicodinâmica do Trabalho

    Replicação do método da psicodinâmica dotrabalho

    Adaptações brasileiras ao método dapsicodinâmica do trabalho

    Mendes (1994) estudou o processo de construção daintersubjetividade no trabalho de engenheiroseletrônicos.

    Rossi (2008) fez entrevista clínica, baseada napsicodinâmica do trabalho, com bancários afastadospara reabilitação da capacidade laboral comComunicação de Acidente de Trabalho emitida pelobanco.

    Barbarini (2001) analisou as repercussões dasmudanças no psiquismo dos caixas de uma agênciabancária.

    Santos-Junior (2009) analisou as relações entre aorganização do trabalho, vivências de prazer-sofrimento e as estratégias de mediação do sofrimentoem profissionais que atuam em um Centro de AtençãoPsicossocial (CAPS).

    Sznelwar&Uchida (2004) apresentam resultados deuma ação desenvolvida sob o ponto de vista da

    psicodinâmica do trabalho com auxiliares deenfermagem em um hospital universitário situado nosul do Brasil.

    Santos-Júnior, Mendes e Araujo (2009) realizaram umaintervenção em clínica do trabalho com grupos de

    bancários acometidos de LER/DORT.

    Lancman, Sznelwar, Uchida e Tuacek (2007) sobre otrabalho dos agentes de trânsito de São Paulo-SP.

    Freitas, Lima &Antonio (2010) atenderam umademanda do CEREST do Distrito Federal para intervircom vítimas de assédio moral de diversas empresasdo DF.

    Baierle (2007) e Baierle&Merlo (2008) trabalharam coma Guarda Municipal de Porto Alegre – RS

    Rossi (2010) aprofundou conhecimentos sobre ahistória do processo de adoecimento de bancários porLER/Dorts

    Traesel (2007), Traesel e Merlo (2009) e Traesel eMerlo (2011) relatam estudos com um grupo de

    enfermeiros de um hospital do interior do Rio Grandedo Sul.

    Castro, Toledo &Andery (2010) relatam umaexperiência de Estágio Supervisionado em

    Psicodinâmica do Trabalho, realizada com cincointegrantes de uma unidade do Conselho Tutelar deuma cidade do sul de Minas Gerais. As adaptações aométodo da PDT receberam o nome de clínica focal dotrabalho.

    Molinier (2008) discute o material clínico de duasexperiências de escuta. Uma com enfermeiras doserviço cirúrgico de um hospital francês e outra comchefias (supervisores) dos serviços de cuidados etécnicos de um hospital universitário.

    Martins (2010) apresenta material clínico composto porfragmentos de uma participante do ProgramaMultiprofissional de Atenção a Saúde do Trabalhadordo Hospital Universitário da UFSC. Faz análise ediscussão amparada na Psicodinâmica do trabalho ena escuta psicanalítica.

    Lancman, Ghirardi, Castro & Tuacek (2009)descreveram as formas de violência externa e indiretaque afetaram a saúde mental de trabalhadores deprograma de saúde da família em São Paulo, RibeirãoPreto e Embu (SP).

    Lima (2010) apresenta a experiência de intervençãoem psicodinâmica do trabalho com um grupo deservidores públicos do Poder Judiciário do DistritoFederal.

    Magnus (2009) buscou compreender a dinâmica dotrabalho realizado por profissionais da saúde mental deum hospital psiquiátrico público do Rio Grande do Sul

    Diniz &Goes (2010) apresentam um projeto,desenvolvido no Ministério da Saúde, que viabilizou aescuta técnica qualificada como uma estratégiainovadora para mediação do sofrimento no trabalho

    Bottega (2009) e Bottega e Merlo (2010) abordam adinâmica saúde/sofrimento mental, vivida poreducadores sociais de uma escola que atendeadolescentes em situação de rua em Porto Alegre-RS.

    Gomes, Lima e Mendes (2011) privilegiaram a escutado sofrimento em sessões de clínica do trabalho comprofissionais da área de treinamento edesenvolvimento de uma instituição do poder judiciário.

    Castro (2010) e Castro e Merlo (2011) trabalharam

    com o reconhecimento e vida dos guardas municipais

    Mendes, Alves e França (2011) que trabalharam com

    taquígrafos no Distrito Federal.

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    de Porto Alegre – RS.

    Beck (2010) analisou a dinâmica prazer-sofrimentopsíquico dos trabalhadores da enfermagem de umaunidade de emergência de um hospital público de

    Porto Alegre-RS.

    Martins e Mendes (2012) relatam a clínica daspatologias realizada em Florianópolis  –  SC, commulheres de diferentes categorias profissionais que

    tinham em comum: estar em licença de saúde junto àprevidência social por adoecimento relacionado aotrabalho (distúrbios osteomusculares e transtornosmentais.

    Garcia (2011) teve o propósito de compreender apsicodinâmica do trabalho nas varas criminais doTribunal de Justiça do Amazonas-AM

    Merlo, Dornelles, Bottega&Trentini (2012) investigaramos efeitos do trabalho sobre a saúde de oficiais deJustiça Federal de Porto Alegre. Utilizaram duasmetodologias: quantitativa (questionário estruturado eSRQ-20) e qualitativa (strictu sensu da PDT).

    Lima (2011) e Lima (2012) apresenta resultados dainvestigação sobre as formas de sofrimento e o uso deestratégias defensivas do/a cuidador/a social de abrigode crianças e adolescentes do município de Macaé,

    localizado no Estado do Rio de Janeiro.

    Perez (2012) trabalhou com professores de ensinosuperior privado do Rio Grande do Sul. Buscoucompreender a dinâmica prazer-sofrimento no trabalhodestes docentes, analisando os impactos à saúde.

    Rosas (2012) fez uma análise psicodinâmica dotrabalho de professores de uma escola rural domunicípio de Iranduba/AM.

    Silva e Mendes (2012) que trabalharam com servidoresde uma agência reguladora.

    Müller (2012) pesquisou as vivências de prazer notrabalho dos policiais do pelotão de operaçõesespeciais do 25o batalhão da brigada militar de SãoLeopoldo-RS.

    Medeiros (2012) estudou pilotos do monitoramentoaéreo do DETRAN do Distrito Federal.

    Moura (2013) pesquisou as vivências de prazer esofrimento no trabalho de atendimento ao público deservidores do judiciário no amazonas.

    Ferreira (2013) estudou profissionais de odontologia docentro ambulatorial de um Hospital Universitário.

    Garcia, Lima & Moraes (2013) apresentam resultadosde duas pesquisas no tribunal de Justiça do Amazonas. Uma com trabalhadores das varascriminais e outra com os servidores que atuam noatendimento ao público.

    Lima (2013) partiu da proposta de Martins (2009), quetrabalha com oficinas de escuta clínica do sofrimento.

    Macêdo, Fleury, Bueno & Pires (2013) apresentamresultados de quatro estudos, onde discutiram aspossibilidades e dificuldades relativas a constituição deespaços de discussão coletivos. Os trabalhadoresparticipantes foram: da Universidade Federal de Goiás,escritores literários, artistas de teatro e professores dearte de uma escola privada.

    Total: 18 Total: 19

    Fonte: Ghizoni, Mendes e Corgozinho (2013, pags. 28,29 e 30)

     Além destes, temos trabalhos recentes sobre o prazer e sofrimento de

    trabalhadores de instituições financeiras. Mendes (2013) fez uma pesquisa com

    20 bancários de bancos públicos do Distrito Federal. Nesse trabalho a autora

    relatou o predomínio de estratégias defensivas para lidar com o sofrimento em

    detrimento das estratégias de enfrentamento de mobilização. O sofrimento foi

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    encontrado diante da rigidez da organização do trabalho. Mesmo com o apoio

    dos colegas e das chefias a mobilização coletiva não foi encontrada. As

    estratégias defensivas tem servido apenas para minimizar o sofrimento e não

    para ressignificá-lo.

    Prata (2015) fez uma pesquisa relativa a percepção do risco de adoecimento

    dos gerentes de um banco privado brasileiro. Os sujeitos de pesquisa foram 9

    gerentes de três agências bancárias de Belo Horizonte. A sobrecarga de

    trabalho e a cobrança de resultado foram as categorias que mais se

    destacaram entre os entrevistados. Percebeu-se também situação de medo e

    insegurança dos entrevistados e um clima de competição para o atingimentodas metas. Como fatores positivos foi encontrado boas condições de trabalho,

    apoio da família e da área de saúde da organização.

    Máximo, Araújo e Souza (2014) fizeram uma pesquisa referente a vivencia de

    sofrimento e prazer de gerentes de banco. Foram entrevistados 16 pessoas

    que exerciam cargos de gerencia de bancos públicos e privados da cidade de

    João Pessoa na Paraíba. Para o autores a percepção das fontes de sofrimento

    e de prazer está na relação que cada um estabelece com o seu trabalho. Isso

    pode ser explicado pelo relacionamento com o cliente que é fonte de prazer,

    quando este reconhece o trabalho do gerente. De maneira oposta, quando o

    gerente não consegue atender as expectativas do cliente, isto e percebido

    como fonte de sofrimento. Nesse trabalho existe também o destaque com

    relação à abusividade das metas que são importantes fontes de sofrimento e

    que podem ser responsáveis por muitos problemas de saúde.

    Linhares e Siqueira (2014) apresentaram uma pesquisa relativa as vivencias

    depressivas e as relações de trabalho com uma análise sobre a ótica da

    Psicodinâmica do Trabalho e da Sociologia Clínica. Foram entrevistados quinze

    bancários de bancos públicos e privados vítimas de depressão decorrente do

    trabalho, indicados pelo serviço de atendimento psicológico do sindicato dos

    bancários de Brasília. Os autores consideram que a lógica do ideário financeiro

    subestima o social e consolida-se como uma máquina de vulnerabilizar, excluir

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    e invalidar os trabalhadores de organizações bancárias com a crescente

    evolução dos índices de depressão. Para estes autores existe um cenário

    dominado pela ética do individualismo, do espírito da competição, da cultura do

    narcisismo e exaltação do ego. Diante deste cenário que restringe a alteridade,

    promove além do exibicionismo como essência da existência, uma luta pela

    conquista de visibilidade e o ostracismo do outro. Como consequência os

    bancários convivem com a falta de reconhecimento, tanto dos colegas como da

    organização do trabalho. Sem esse reconhecimento do outro os trabalhadores

    estão fadados a um processo de sofrimento e consequente depressão no

    trabalho.

    Como foi sugerido por Dejours (1996), o sofrimento no trabalho articula dados

    relativos à história singular, herdada da vida psíquica de cada trabalhador

    (dimensão diacrônica) e dados relativos à situação atual, surgida no encontro

    do sujeito com a situação do trabalho (dimensão sincrônica). Logo, este

    sofrimento não se restringe ao que ocorre apenas no espaço do trabalho, mas

    inclui processos que acontecem no espaço doméstico, no ambiente familiar e

    nas outras relações com as quais o sujeito convive.

    Uma análise das abordagens mais utilizadas para o estudo do sofrimento no

    trabalho demonstra como as pesquisas fundamentam tais abordagens e

    permite que se façam inferências sobre as concepções de gestão de pessoas e

    organização do trabalho, podendo oferecer contribuições para a administração

    como forma de se evitar o sofrimento do trabalhador.

    2.3.1 Da Psicopatologia a Psicodinâmica do Trabalho

     A psicopatologia do trabalho surgiu na década de 1950, período do pós-guerra.

    (...) no período efervescente do pós-guerra, teve algunsantecedentes importantes: a modernização crescente daindústria francesa (baseada nas tentativas de racionalização ede aumento da produtividade) desde a I Guerra Mundial, acriação de políticas de prevenção no campo da saúde e de umconjunto de medidas destinadas à promoção de uma "higiene

    social", a consolidação do trabalho como um campo de estudo

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    a partir da contribuição de uma vasta gama de disciplinas: asociologia empírica, a sociologia das organizações, as ciênciasde gestão, a psicotécnica, a psicofisiologia do trabalho, apsicologia do trabalho, a medicina do trabalho, a ergonomia,

    etc. (LIMA, 1998, p.11)

    Conforme descrito por Bendassolli e Soboll (2011), os estudos clínicos tiveram

    origem em Sivadon (1957) com "neuroses de trabalho", caracterizado por

    situações de insegurança e de conflitos desencadeavam desequilíbrio. Veil

    (1964) ampliou a análise de Sivadon incluindo a organização do trabalho. Le

    Guillant (1984) propõe a indivisível união entre indivíduo e seu meio. Foi a

    partir do estudo de um grupo de telefonistas na França que Le Guillant publicou

    em 1956 um estudo que ficou conhecido como “a neurose das telefonistas”.

    Essa publicação introduziu a discussão da psicopatologia do trabalho. A

    conclusão apresentada por ele foi de que as queixas das telefonistas têm como

    elemento fundamental as condições gerais sob as quais o trabalho é efetuado.

    Para Lima (1998) os principais estudiosos desta época foram Paul Sivadon e

    Louis Le Guillant. Sivadon procurou estender a pesquisa ampliando a noção

    que a doença mental seria uma alteração orgânica. Através da Gestalt, a ideiafoi incluir o psíquico, o social e o orgânico, mas a relação não foi obtida de

    modo satisfatório. A principal contribuição de Sivadon para a saúde mental foi a

    ergoterapia que coloca o trabalho como promotor da integração social. Além

    disso, foi Sivadon o primeiro a usar o termo psicopatologia do trabalho.

    Santos e Galery (2011) destacam que Louis Le Guillant foi um psiquiatra

    francês ligado à medicina social e assim como Sivadon, foi precursor da

    Psicopatologia do Trabalho. Le Guillant buscava se envolver com a realidade

    do sujeito tentando encontrar uma nova forma de ver as doenças mentais. Com

    influência teórica marxista, criticou a individualização e o subjetivismo de outros

    especialistas em saúde mental. Le Guillant acreditava que o sofrimento mental

    dos trabalhadores resultava das condições e da organização do trabalho.

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    Conforme descrevem os autores foi pelo aumento das licenças de longa

    duração por fatores psicológicos, que Le Guillant e seus colaboradores

    começaram a estudar as telefonistas na França.

    O autor repudiava o fato de que os médicos tentavamcaracterizar a doença como resultante de predisposiçõespessoais ou, apenas, das condições de vida, e buscoudemonstrar o vínculo entre tal quadro e as condições detrabalho. Para isso, utilizou uma metodologia que unia o estudode grupos homogêneos de trabalhadores, com a escuta decasos particulares: “Deve-se começar por escutar umatelefonista [...], além de observá-los na vida cotidiana e naatividade profissional”. (SANTOS e GALERY, 2011, p. 33).

    O estudo das “Neuroses das Telefonistas”, em 1956tratou da “Síndrome Geral

    da Fadiga Nervosa”, que estava contida em algumas condições de trabalho. Le

    Guillant procurou analisar os sintomas apresentados pela história e meio em

    que o trabalhador se encontrava. Os dados apurados apresentavam

    indisposições aparentemente pouco graves, mas que tornavam a vida das

    trabalhadoras quase insuportável, que não diminuíam durante o descanso

    semanal, mas ao contrário, agravava-se com o tempo. O autor percebeu

    também o efeito agravante do controle da organização e a monotonia do

    trabalho.

     Assim, Le Guillant sugeriu que havia uma relação entre o trabalho e o

    sofrimento em função do controle da organização e do ritmo do trabalho. Essas

    condições eram motivo para que as trabalhadoras apresentassem estados de

    nervosismo em função da atividade. Ainda de acordo com Santos e Galery

    (2011) é importante notar, no entanto, que são as próprias condições de

    trabalho que levam a esse adoecer necessário para a aceleração. As

    estratégias de controle teriam, como função, promover tal adoecimento.

    Em suma, Le Guillant tenta articular condições sociais,condições de trabalho e fatos clínicos. Ele admite a relaçãoentre certos distúrbios psíquicos e certas situações de trabalho,apesar de constatar a grande dificuldade de se compreenderconcretamente como se dá "a passagem entre uma situação

    vivida e uma desordem de espírito." (LIMA, 1998, p. 13).

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    identidade do trabalhador e a dinâmica do sofrimento. A atividade é o trabalho

    real que se apresenta quando existe uma falha no que está prescrito. Ou seja,

    o real do trabalho são os acontecimentos imprevisíveis. É importante citar

    alguns exemplos que demonstram como são constantes e rotineiros estes

    acontecimentos. Os mais comuns são mudanças de horários, atrasos

    decorrentes de fatores externos, desistência de clientes, contra-ordens da

    chefia, falhas de sistemas, etc. O real é o trabalho apresentado por sua

    resistência ao domínio e se os trabalhadores não fizessem esse “furo na

    tarefa”, haveria o que Dejours cita como greve de zelo ou, no Brasil, se

    denomina operação padrão.

    O zelo no trabalho é a inteligência que cria soluções para eliminar a

    imprevisibilidade da tarefa entre o prescrito e o efetivo. É a mobilização da

    inteligência para fazer a atividade. Zelo no trabalho é relação do afetivo com o

    real que se apresenta ao trabalhador por resistir ao domínio. É preciso inventar

    e colocar de si nas prescrições para que o trabalho funcione. Nenhuma

    empresa pode prescindir do zelo do trabalhador, porque o trabalho apenas

    prescrito é impossível.

    Dejours (2012) usa o termo corpopriação para dizer que é preciso experenciar

    o real para poder encontrar a solução. Não uma experiência cognitiva, mas

    uma experiência direta com o trabalho que “escapa” ao previsto e ao controle.

    Essa experiência é vivida com o corpo que descobre soluções todas as vezes

    que o real se apresenta. Então, o trabalho executado sugere um novo trabalho

    de interpretação das ocorrências do real. Seria o trabalho psíquico em

    sequência a execução da tarefa que constrói uma superação e a aquisição denovas habilidades.

     A partir da ideia que o real está no inesperado e na falha, o autor sugere que a

    experiência com o real é uma experiência de fracasso. Da passividade da

    experiência e do sofrimento advindo dela, surge uma gama de sentimentos,

    frustração, irritação, cólera, ira, etc. O sofrimento passivo busca uma solução

    no mundo externo para ser superado. Assim, diante da situação, o trabalho

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    precisa da superação do obstáculo. É preciso talento para encontrar uma

    situação nova em razão do obstáculo causado pelo real.

    É do sofrimento passivo que surge a resposta de superação. Essa superaçãodo sofrimento através da capacidade de intuir solução é constituinte do sujeito,

    uma vez que transforma o sujeito anterior em um novo sujeito a partir da

    vivência de superação. Trabalhar implica na transformação do eu. Porém, a

    manutenção no estado de sofrimento passivo, pode levar à depressão e ao

    adoecimento. Portanto, a experiência de sofrimento no trabalho pode ser

    constitutiva ou motivo de adoecimento. Ou seja, o sofrimento pode ser criativo

    quando a situação de trabalho remete a uma solução criativa ou patogênicaquando na situação de trabalho a solução é desfavorável à produção e ao

    sujeito.

    Por último, Mendes e Ferreira (2007) citam a terceira fase no final da década

    de 1990 com a característica de explicar os efeitos do trabalho sobre os

    processos de subjetivação, as patologias sociopsíquicas e a saúde do

    trabalhador. Isto é observado ao estudar o modo como os trabalhadores

    subjetivam as vivências de sofrimento e prazer no trabalho, o uso das

    estratégias relativas às defesas coletivas e a cooperação. Nessa fase também

    são destacadas as consequências sociais do confronto entre a organização do

    trabalho, sofrimento e ação que são as patologias sociais.

     Algumas dessas patologias são a banalização do sofrimento, a violência moral

    e a exclusão do trabalho, a servidão voluntária etc. São os estudos dessas

    doenças sociais que tem como ponto culminante o suicídio em função dotrabalho, que corroboram com a ideia da autora de que a psicodinâmica é a

    base da psicopatologia do trabalho.

     A teoria da psicodinâmica do trabalho de Dejours (1996, 2004, 2012, 2013)

    busca entender como a maioria das pessoas apresentam características de

    normalidade apesar de vivências de sofrimento no ambiente do trabalho. O

    termo normalidade configura a distinção entre a sua teoria e a psicopatologia