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T94 - A09 RESGATE DA FAUNA NO APROVEITAMENTO HIDRELÉTRICO (AHE) ITAPEBI, RIO JEQUITINHONHA/BA Carleci Souza da Silva Marco Antônio de Freitas PLAMA – PLANEJAMENTO E MEIO AMBIENTE LTDA RESUMO A operação de resgate da fauna silvestre da área de inundação do AHE Itapebi iniciou-se em 05 de novembro de 2002, simultaneamente aos trabalhos de limpeza e desinfecção da bacia hidráulica, continuando durante o enchimento do lago, até 31 de janeiro de 2003. Nesta operação foram capturados 3.150 animais sendo 215 invertebrados, com destaque para os aracnídeos; 2.935 vertebrados: 210 anfíbios, 2.656 répteis, 19 aves e 50 mamíferos. O maior índice de animais resgatados foi de répteis, 84,32% e as espécies Phyllopezus pollicaris, (1.058) Tropidurus torquatus (859) Philodryas olfersii (155) e Bothrops leucurus (204) as mais resgatadas. ABSTRACT The operation of rescue of the wild fauna of the area of flooding of the AHE Itapebi initiated in 05 of November of 2002, simultaneously to the works of cleanness and disinfection of the hydraulical basin, continuing during the wadding of the lake, up to 31 of January of 2003. In this operation 215 invertebrates had been captured 3.150 animals being, with prominence for the arachnids; 2.935 vertebrates: 210 amphibians, 2.656 reptiles, 19 birds and 50 mammals. The biggest index of rescued animals was of reptiles, 84.32% and the species Phyllopezus pollicaris, (1.058) Tropidurus torquatus (859) Philodryas olfersii (155) and Bothrops leucurus (204) the most rescued. 1 - INTRODUÇÃO A primeira atividade de resgate na América do Sul ocorreu na segunda metade da década de 60 no Suriname, realizada no reservatório da UHE Brokopondo e denominada de operação Gwanba e durou 18 meses. No Brasil a realização das atividades de resgate de fauna no processo de formação de reservatórios é

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T94 - A09

RESGATE DA FAUNA NO APROVEITAMENTO HIDRELÉTRICO (AHE) ITAPEBI, RIO JEQUITINHONHA/BA

Carleci Souza da Silva Marco Antônio de Freitas

PLAMA – PLANEJAMENTO E MEIO AMBIENTE LTDA

RESUMO A operação de resgate da fauna silvestre da área de inundação do AHE Itapebi iniciou-se em 05 de novembro de 2002, simultaneamente aos trabalhos de limpeza e desinfecção da bacia hidráulica, continuando durante o enchimento do lago, até 31 de janeiro de 2003. Nesta operação foram capturados 3.150 animais sendo 215 invertebrados, com destaque para os aracnídeos; 2.935 vertebrados: 210 anfíbios, 2.656 répteis, 19 aves e 50 mamíferos. O maior índice de animais resgatados foi de répteis, 84,32% e as espécies Phyllopezus pollicaris, (1.058) Tropidurus torquatus (859) Philodryas olfersii (155) e Bothrops leucurus (204) as mais resgatadas. ABSTRACT The operation of rescue of the wild fauna of the area of flooding of the AHE Itapebi initiated in 05 of November of 2002, simultaneously to the works of cleanness and disinfection of the hydraulical basin, continuing during the wadding of the lake, up to 31 of January of 2003. In this operation 215 invertebrates had been captured 3.150 animals being, with prominence for the arachnids; 2.935 vertebrates: 210 amphibians, 2.656 reptiles, 19 birds and 50 mammals. The biggest index of rescued animals was of reptiles, 84.32% and the species Phyllopezus pollicaris, (1.058) Tropidurus torquatus (859) Philodryas olfersii (155) and Bothrops leucurus (204) the most rescued. 1 - INTRODUÇÃO A primeira atividade de resgate na América do Sul ocorreu na segunda metade da década de 60 no Suriname, realizada no reservatório da UHE Brokopondo e denominada de operação Gwanba e durou 18 meses. No Brasil a realização das atividades de resgate de fauna no processo de formação de reservatórios é

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uma prática relativamente recente, as primeiras preocupações relacionadas ao afogamento de animais silvestres em face do alagamento de vastas áreas começaram a surgir em 1974 quando, durante o enchimento do reservatório da UHE Promissão, de propriedade da Companhia Energética de São Paulo - CESP, apareceram problemas com animais que ficaram ilhados pelas águas, sendo salvos numa operação de emergência pela Fundação Parque Zoológico de São Paulo e pela Polícia Florestal (BELLUOMINI, 1974; BELLUOMINI, CAMBRANELLI e AUTUORI, 1976/77; WALSH e GENON, 1967 apud CHESF 1994). Na mesma época, problemas semelhantes ocorreram no enchimento do reservatório da UHE Ilha Solteira, quando a CESP, tentando resolvê-los, solicitou a cooperação da Fundação Parque Zoológico de São Paulo, que por sua vez, contatou o Instituto Butantã para lidar com os ofídios (AUTUORI, s.d.). Trabalhando em conjunto estas instituições capturaram um número elevado de animais ilhados, destacando-se os ofídios, com 8.000 exemplares. Desde então, ficou evidente a necessidade de um planejamento prévio para operações deste tipo, que foi feito, a partir desta data, para as Usinas de Marimbondo, Salto Osório, Capivara, Água Vermelha, Salto Santiago, Foz de Areia, Itaipu, Tucuruí, Balbina, Itaparica e Samuel, dentre outras (BELLUOMINI; CAMBRANELLI 1976/77; CETESB, 1975; HOGE et al.1974; MACHADO, 1975; MELLO, 1975 apud CHESF 1994). Na Bahia, o primeiro resgate foi realizado em Pedra do Cavalo em 1984/85 (DESENVALE) seguida de Itaparica e Xingó (CHESF) e recentemente Santa Helena (EMBASA), que tem como objetivo o abastecimento de água da grande Salvador. 2 - OBJETIVOS Apresentar os resultados da operação de resgate e relocação da fauna, executada na fase de enchimento do lago da bacia do AHE - Itapebi. Os objetivos para o desenvolvimento das atividades de resgate foram: • desenvolver ações que conduziram ao aproveitamento científico da

fauna silvestre afetada pelo empreendimento, e desta forma subsidiar a construção de banco de dados, que viabilizaram estudos sobre a fauna da Mata Atlântica,

• e mais especificamente, da fauna da área de influência do AHE - Itapebi; • gerar dados qualitativos e quantitativos sobre a fauna; • interagir com a comunidade acadêmica de Universidades, zoológicos e

grupos ambientalistas, no sentido de construir inventários da fauna da área;

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• criar um banco de dados sobre fauna da área afetada, bem como das adjacências do empreendimento;

• instaurar pesquisas que possam subsidiar a tessitura de material teórico-

científico, alimentando uma lacuna no que se refere ao material bibliográfico sobre pesquisas na área de monitoramento e resgate de fauna em áreas impactadas pela construção da barragem.

3 - LOCALIZAÇÃO A área destinada para o reservatório está localizada na divisa dos Estados de Minas Gerais e Bahia, no rio Jequitinhonha, entre as coordenadas geográficas 15º57’03”S e 39º37’40”W e 15º59’57’’S e 39º57’11’’W, e após o enchimento na cota final o lago se estenderá por, aproximadamente, 42 Km do Baixo Curso da Bacia Hidrográfica do Rio Jequitinhonha. A formação do lago afetará áreas dos municípios de Itapebi, Itarantim, Itagimirim no Estado da Bahia e Salto da Divisa no Estado de Minas Gerais, num total aproximado de 5.600 ha. Dentre os municípios afetados, Itapebi teve a maior área alagada e Salto da Divisa foi o único em que houve interferência na zona urbana, sendo necessário o reassentamento de aproximadamente 80 famílias. 4 - MATERIAIS E MÉTODOS Neste item estão descritos detalhadamente os materiais e métodos, utilizados na operação de resgate da fauna durante a fase de enchimento do lago da AHE de Itapebi. Vale ressaltar que os procedimentos realizados seguem o rigor metodológico destacado nas metodologias empregadas, e que as observações de campo, aliadas aos dados coletados promovem uma melhor discussão dos resultados. 44..11 -- AATTIIVVIIDDAADDEESS PPRREEPPAARRAATTÓÓRRIIAASS Esta fase consiste no somatório de atividades anteriores as obras e ao enchimento do reservatório, visando o monitoramento da fauna ocorrente na região. Neste momento, as seguintes etapas foram cumpridas: • autorização dos órgãos competentes; • convênios com entidades de pesquisa; • implantação de Infra-estrutura física, equipamentos e material de campo;

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• arregimentação e treinamento da equipe; • informação para as comunidades envolvidas; • monitoramento da fauna no período de um ano antes do enchimento do

lago. 44..22 -- OOPPEERRAAÇÇÃÃOO DDEE RREESSGGAATTEE EE SSOOLLTTUURRAA A implantação do programa de resgate da fauna teve início no dia 11 de dezembro de 2002 com o resgate dos animais que estavam à deriva, nadando, isolados em copas de árvores e em cima de ilhas temporárias, assim como ninhos que estavam ameaçados. Nesta operação foram utilizadas duas equipes de trabalho, uma para cada extremo da bacia hidráulica, cobrindo assim, todos os dias, a extensão completa do lago. As equipes eram formadas por um técnico especializado e dois ajudantes de campo treinados, todos munidos de equipamentos de resgate e de proteção individual. Além das equipes que percorriam o lago também foram montadas equipes de terra, principalmente na orla de Salto da Divisa devido à concentração de moradores, para capturar animais que na tentativa de fuga invadisse residências ou assustassem transeuntes. As horas de atividades dedicadas a campo somaram um total de seiscentas e doze horas (612h), incluindo as horas dedicadas nos preparativos de cada saída de resgate como: compra de mantimentos, combustíveis etc. De acordo com os condicionantes do projeto de resgate de fauna durante o enchimento do reservatório do AHE de Itapebi, os animais superiores foram biometrificados e marcados através de métodos específicos a cada grupo: corte de escamas ventrais para os ofídios e anfisbenídeos, corte de falanges para os lacertílios e anfíbios, anilhas fornecida pelo CEMAVE/IBAMA e tatuagem para os mamíferos para futura recaptura e monitoramento e conseqüente verificação do impacto causado pelo empreendimento. Os espécimes da fauna que não foram possíveis de serem resgatados com vida ou aqueles que não resistiram aos socorros médicos veterinários foram devidamente fixados em formol a 10% e conservados em álcool a 70% e encaminhado a Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC, instituição conveniada para receber as espécies que não foram resgatadas com vida. 4.2.1 - Invertebrados Grupo de cuidadoso manejo, pela presença de espécies peçonhentas, como centopéias, aranhas, escorpiões, estes foram capturados com auxílio de pinças, puçás ou mesmo com as mãos, protegidas com luvas, sendo

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transportados em recipientes com roscas de segurança. Insetos alados como abelhas e vespas, devido ao perigo eminente de ataque em massa às equipes de resgate, foram cuidadosamente afugentados quando necessário, forçando-os a mudarem de local. 4.2.2 - Vertebrados • Anfíbios Este grupo, por ser de fácil manejo, foi capturado manualmente, com puçás ou redes. Foram capturados indivíduos encontrados durante as atividades de trabalho que geralmente se encontravam sobre as árvores em processo de alagamento. • Répteis Estes animais têm um manuseio mais difícil, sobretudo os peçonhentos, por isso requerem alguns equipamentos como laços, armadilhas, ganchos de ofídios, caixas modelo Butantã (para transporte dos mesmos). A prioridade de captura nesse grupo era primordial, mesmo porque a espécie de jararaca “Bothrops leucurus” se mostrava muito freqüente e com grandes possibilidades de acidentes, para evitar esse risco, toda inspeção em “ilhas” de árvores e ilhas de terras, era feita primeiramente a captura de jararacas, somente depois dessa captura é que se capturava outros animais. • Aves Este grupo possui enorme facilidade de deslocamento pela capacidade de vôo ou por fuga terrestre rápida do ambiente em degradação, procurando ambientes mais tranqüilos. Durante o enchimento do lago as árvores que apresentaram ninhos com ovos e filhotes foram monitoradas e a depender do enchimento e alagamento do ninho em questão, os filhotes ou ovos eram removidos e foram encaminhados para o centro de triagem, onde foram examinados e alimentados até a sua independência. Ninhos vazios foram destruídos para evitar a ocupação por outras aves ou outros animais. • Mamíferos Os mamíferos são extremamente sensíveis à degradação do ambiente, portanto se deslocam para ambientes mais estáveis, carregando sua prole. Porém, os que se demonstraram perdidos foram capturados com o auxílio de redes, laços e armadilhas do modelo “live traps” e “tomahawk”, distribuídas pelas áreas a serem desmatadas com o objetivo de salvar e identificar o maior número possível de espécies, visando ampliar o conhecimento da mastofauna da região. Os animais resgatados foram marcados, fotografados e liberados em cinco áreas de soltura de acordo com o grau de preservação próximo ao local de captura, ou mesmo com o tipo de habitat das espécies envolvidas,

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principalmente porque a grande maioria das espécies é de áreas abertas e degradadas, como pastagens e capoeiras. Cinco áreas de solturas escolhidas foram: • Área de soltura – A: Fazenda Palmeiras, na Serra do Humaitá, área com

mata de encosta em estágio primário (430170E e 8236828N); • Área de soltura – B: Fazenda Palmeiras, pastagens próximas ao Centro

de Manejo e Monitoramento de fauna da PLAMA. (433335E e 8236784N); • Área de soltura – C: denominada de matinha do canteiro de obras, área

de mata com estágio avançado de regeneração bordeada de capoeiras e pastagens, onde eram soltos animais não peçonhentos e animais de áreas degradadas. (437038E e 7233518N);

• Área de soltura – D: rio do Padre, distante cerca de 2,5 quilômetros da

cidade de Salto da Divisa, área constituída de um rio homônimo, com algumas capoeiras e pastagens, onde eram soltos animais não peçonhentos e de áreas abertas e degradadas, (401785E e 8233038N);

• Área de soltura – E: serra de Salto da Divisa, área com matas em

estágios inicial e médio de regeneração além de pastagens, que devido ao isolamento da área pela (Serra) constituiu um bom ponto de solturas, inclusive para animais peçonhentos. (398351E e 8230802N).

Após passarem pelo centro de triagem, os animais não destinados às instituições científicas, eram preparados para a relocação nessas áreas selecionadas, obedecendo ao critério estabelecido para soltura, ou seja, soltar os animais em ambientes semelhantes ao local em que foram resgatados. 5 - RESULTADOS E DISCUSSÃO Na etapa de enchimento do lago da bacia do AHE - Itapebi/PBA05, iniciada no dia 11 de dezembro de 2002 estendendo-se até 31 de janeiro de 2003, foram resgatados 2.842 espécimes, entre invertebrados e vertebrados. 55..11 -- IINNVVEERRTTEEBBRRAADDOOSS TTEERRRREESSTTRREESS Esforços em operações de resgate de fauna em hidrelétricas vem sendo realizada por todo o país, apesar das severas críticas quanto a sua eficácia, entretanto o que se pode observar em estudos publicados, por exemplo, para AHE Serra da Mesa (SANTOS; SILVA Jr, 1999), Aproveitamento Múltiplo de Manso – APM Manso (ALHO et al, 2000) e UHE Eng. Sérgio Motta (CESP, 1999) é que o maior esforço de resgate, em geral, é aplicado ao salvamento da Megafauna (PLATNICK, 1992 apud CONSTANTINO; SCHILEMMERMEYER, 2000 – Referência 4).

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Os vertebrados correspondem a algo em torno de 4% das espécies animais conhecidas do nosso planeta, enquanto os invertebrados constituem mais de 96%. Só para o filo Arthropoda, são aproximadamente 1.000.000 de espécies descritas, sendo algumas delas abundantes em número de indivíduos, formas e habitats. (FUNASA, 2003 – Referência 6). A abundância de formas, tamanhos e quantidade de indivíduos por espécie é o maior complicador na inclusão destes animais em operações de resgate, portanto acabam ficando relegados a segundo plano apesar da consciência sobre a importância dos invertebrados em processo necessários, como a polinização, decomposição e ciclagem de nutrientes, e como fonte de proteína na alimentação de um grande número de outros animais e mesmo o homem. Nesta operação foram capturados 215 invertebrados representando 6,83% do total de animais resgatados. Dentre os invertebrados, teve destaque os aracnídeos com 185 indivíduos distribuídos em quatro espécies e dois gêneros, representando 86% do total de invertebrados, sendo: 81 indivíduos de escorpião-amarelo (“Tityus serrulatus”), 69 indivíduos de aranha caranguejeira (“Lasiodora kluguei”), 16 indivíduos de aranha armadeira (“Phoneutria bahiensis”), seis escorpião-listado (“Tityus aff costtatus”), 10 caranguejeira (“Achantoschurria” sp) e três tarântula (“Lycosa” sp). O restante, 14%, foi distribuído entre insetos, quilópoda e moluscos. Vale ressaltar que dentre todos os grupos de invertebrados os pertencentes a classe Aracnídea foram os mais fácies de resgatar nesta operação, pois são maiores e encontravam-se ilhados nos galhos de árvores parcialmente submersas, ou saiam das tocas a medida que a água ia subindo. 55..22 -- VVEERRTTEEBBRRAADDOOSS Devido ao grau de degradação da área, os estudos de monitoramento realizados um ano antes da operação de resgate e o resgate na limpeza e desinfecção da bacia indicavam que os animais com maior índice de captura seriam os répteis. Esta estimativa foi confirmada, sendo este grupo o que apresentou maior índice de animais resgatados, 84,32%. As classes que obtiveram menor índice foram aves (dezenove), seguida dos mamíferos com (cinqüenta indivíduos), provavelmente pela facilidade de deslocamento e à sensibilidade à degradação que esses dois grupos apresentam. A classe que apresentou maior destaque foi Reptilia (Ver Tabela 1).

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TABELA 1 - Classes de Vertebrados Resgatados na AHE – Itapebi e sua destinação

Mamíferos Répteis Aves Anfíbios invertebrados Total Enviados para a

UESC - 160 - 16 - 176

Relocados da área inundada

50 2.496 19 194 215 2.974

Total 50 2.656 19 210 215 3.150

5.2.1 - Anfíbios Dos animais resgatados apenas 210 eram representantes dos anfíbios, ou seja, 6,7%. Este grupo foi representado por quatro famílias: “Hylidae”, “Leptodactylidae”, “Bufonidae” e “Mycrohylidae”. A espécie com maior número de indivíduos resgatados foi a rã-das-pedras (“Thoropa miliaris”) (Figura 1) com 60 indivíduos.

FIGURA 1- Exemplar de rã-das-pedras (“Thoropa miliaris”).

A perereca-de-bromélia “Scinax” sp foi a segunda espécie de anfíbio mais resgatada com 33 indivíduos, seguida das pererecas raspa-cuia “Scinax fuscovaria” com 27 indivíduos e “Hyla creptans” com 24 indivíduos. 5.2.2 - Répteis Dentre os animais resgatados o grupo dos répteis foi o que obteve o maior índice de espécimes e espécies resgatadas, sendo um total de 2.656 animais distribuídos em 37 espécies e 4 gêneros. Os animais mais resgatados em geral foram de ambientes degradados e possuem populações grandes. Na ordem Lacertilia, foram resgatadas um total de 17 espécies, destacando-se às famílias Geckonidae e Tropiduridae a primeira com o maior número de espécimes de vertebrados resgatados, com um total de 1.103. As duas formas mais abundantes desta ordem foram

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“Phyllopezus pollicaris” e “Tropidurus torquatus” (Figura 2), que representam, respectivamente 49,20% e 39,95% do número total de lagartos resgatados. “Phyllopezus pollicaris” sozinho contabilizou 1.058 indivíduos resgatados. Foi o vertebrado mais resgatado nesta operação.

FIGURA 2 - Exemplares de “Phyllopezus pollicaris” e de “Tropidurus torquatus”,

acondicionados em caixa aguardando soltura. O maior número dos indivíduos capturados estava ilhado nas rochas dentro do rio Jequitinhonha, em frente a Salto da Divisa, justificando o elevado número capturado durante o enchimento pelo seu hábito de se esconder sob pedras. “Tropidurus torquatus” a segunda espécie de vertebrado mais resgatada, contabilizou um total de 859 indivíduos. Esta espécie ocorre na Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai. No Brasil, ocorre em todas as regiões, exceto na região Amazônica e tem registros de grandes números resgatados em barragens. Em Manso, por exemplo, 20% do total de lagartos registrados eram desta espécie (STRUSSMANN, 2000 – Referência 10). A ordem Ophidia foi a melhor representada em diversidade entre todos os animais resgatados no lago, com 21 espécies. Tiveram destaque, dentro desta ordem, as famílias Viperidae com 206 indivíduos resgatados, sendo 204 “Bothrops leucurus” (malha-de-sapo, Figura 3) e duas B. Jararaca (Jararaca); “Colubridae” com 229, destacando-se “Philodryas olfersii” com 155, “Oxyrhopus trigeminus” com 16 e “Pseudoboa nigra” com 15 espécimes.

FIGURA 3 - Exemplares de “Bothrops leucurus” resgatados e acondicionados em caixa para serem relocados nas áreas de soltura.

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A cobra-verde “Philodryas olfersii” foi a segunda espécie de serpente mais resgatada com 155 indivíduos. Essa mesma é considerada semipeçonhenta (FREITAS, 1999 – Referência 5). A ordem “Amphisbaenidae” foi representada pela espécie “Amphisbaenia alba” e pelos gêneros “Amphisbaenia” sp e “Leposternum” sp. 5.2.3 - Aves No caso específico de reservatório durante a construção de barragens, as aves, assim como os demais componentes da fauna também são afetadas. Entretanto, dada à característica do grupo, ou seja, sua alta agilidade, a avifauna não necessita de medidas especiais durante a fase de enchimento do reservatório (VASCONCELLOS, 2000). À medida que ocorre o enchimento do reservatório, várias espécies se deslocam na busca de habitats similares que não estejam alagados, provocando o Efeito Estendido de Represa (EER) o que Willis (1988 apud VASCOLCELLIS, 2000 – Referência 11), verificou em Balbina, o mesmo autor afirma, que de acordo com as espécies, pode acontecer separação de casais, além, é claro, de um aumento na densidade de todas as populações. Em trabalhos similares como o realizado em Santa Helena que obteve o índice de 2,3% (PLAMA, 2001 – Referência 7), Pedra do Cavalo com 2% (PORTUGAL; ESTEVES; BOAVENTURA, 1987 – Referência 8) Serra da Mesa 0,3% (SANTOS; SILVA Jr, 1999 – Referência 9) e Eng. Sérgio Motta com 1% (CESP, 1999 – Referência 2), o grupo das aves apresentou um índice de resgate baixo, este fato esta relacionado à capacidade e à facilidade de deslocamento através do vôo. Foi resgatado um total de sete espécies, distribuídos em seis famílias, destacando-se: “Cracidae”, com a espécie Aracuã (“Ortalis guttata”) com nove indivíduos e a família Tinamidae sendo esta representada pela codorna (“Nothura boraquira”, Figura 4) e a nambu Crypturellus sp com três e um indivíduos respectivamente.

FIGURA 4 – Exemplar de codorna (Nothura boraquira).

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5.2.4 - Mamíferos Dentre os mamíferos, resgatou-se 50 (cinqüenta) indivíduos, distribuídos em 7 (sete) famílias, 9 (nove) espécies e um gênero. A forma de locomoção dos mamíferos torna as espécies mais ou menos suscetíveis a problemas de isolamento em ilhas durante o enchimento do reservatório. Animais de hábito semi-aquáticos (capivaras, lontras) ou voadores (morcegos) deslocaram-se com facilidade até a margem mais próxima sem dificuldades. Os animais cursoriais, de hábito terrestre, evadiram-se andando. Por outro lado, aqueles de vida arborículas ou semi-arborícolas refugiaram-se em árvores e lianas durante o enchimento, buscando a copa enquanto o nível da água subia como foi o caso do mico de Kuli (“Callithrix kuhli”, Figura 5)

FIGURA 5 -Espécime de mico-de-kuli (Callithrix kuhli).

Foram resgatados oito indivíduos de mico de Kuli (“Callithrix kuhli”) e três de preguiça-de-três dedos (“Bradypus variegatus”) próximos às áreas mais preservadas como a fazenda Palmeiras, fazenda Guaribas e Mata da Corredeira onde a vegetação nas proximidades do reservatório encontra-se em bom estado de conservação. As preguiças foram relocadas para a área de reserva da fazenda palmeiras e os micos reintegrados a seus bandos que se encontravam na margem, respondendo aos apelos dos ameaçados. Os deslocamentos constantes das equipes, pela região, possibilitaram resgatar animais que estavam fora da área de alagamento, mas que corriam riscos eminentes de morte, principalmente por atropelo acidental ou proposital, destacando-se uma preguiça-de-três-dedos “Bradypus variegatus” e um jacaré-de-papo-amarelo “Caiman latirostris”, ambos resgatados quando atravessavam rodovias da região. 6 - CONSIDERAÇÕES FINAIS O resgate da fauna da AHE Itapebi cumpriu seus propósitos que era realizar ações pertinentes à preservação e conservação da fauna silvestre, evitando a mortalidade indiscriminada de exemplares de invertebrados e vertebrados, tais como artrópodes, mamíferos, aves, répteis e anfíbios que não tiveram a

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capacidade de se deslocar por meios próprios, além de proporcionar às instituições de pesquisa, o aproveitamento de material biológico. O resgate na fase de enchimento do reservatório foi considerado satisfatório, sendo possível o salvamento de 3.150 indivíduos, distribuídos em 92 espécies e 66 gêneros numa área com alto grau de antropismo e com menos de 1% de mata. As expectativas quanto o número de indivíduos e de espécies resgatadas foram atendidas. Dentre os vertebrados resgatados, predominaram os animais que ocorrem em áreas abertas e antropizadas a exemplo de B. leucurus, espécie a qual esperava-se ter alta incidência de captura devido à freqüência de capturas durante o monitoramento. Constatou-se também uma alta freqüência das espécies “Phyllopezus pollicaris” e “Tropidurus torquatus” a qual não se esperava encontrar com essa freqüência. Do total de animais resgatados, os répteis obtiveram o maior índice e as aves o menor. 7 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. ALHO, C. J. R. Resgate, Aproveitamento, Monitoramento e Conservação da

Fauna. In: ALHO, C. J. R. et al (Coord.). Fauna Silvestre da Região do Manso-MT. Brasília: Ministério do Meio Ambiente; Edições IBAMA; Centrais Elétricas do Norte do Brasil, 2000. p. 239-251.

2. CESP - COMPANHIA ENERGÉTICA DE SÃO PAULO. UHE ENG. SÉRGIO

MOTTA: Relatório do resgate e relocação da fauna silvestre impactada, durante o enchimento do reservatório, de novembro de 1998 a maio de 1999. Presidente Epitácio, julho de 1999.

3. CHESF – COMPANHIA HIDRO ELÉTRICA DO SÃO FRANCISCO. Usina

Hidrelétrica de Xingo: Projeto Básico Ambiental – PBA; Programa de aproveitamento Científico da fauna Silvestre. ENGE – RIO, fevereiro de 1994.

4. CONSTANTINO, R.; SCHLEMMERMEYER, T. Cupins (Insecta: Isoptera):

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