resenha_a economia política brasileira_guido mantega

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1 RESENHA: A Economia Política Brasileira 1 Guido Mantega Aluno: Rogério de Oliveira e Sá Introdução A obra de Celso Furtado, em 1959, Formação Econômica do Brasil é considerada o marco do pensamento econômico brasileiro, serviu sem sombra de dúvidas como estimulo para outros autores e contribuiu na criação da Economia Política Brasileira. O pensamento econômico na época travado pelos teóricos (Caio Padro Jr., Ignácio Rangel, Maria da Conceição Tavares, Roberto Campos, Fernando Henrique Cardoso entre outros) era marcado por profunda discussão política que o Brasil enfrentava nos anos 50 e 60. Nesse período, as discussões eram entorno da consolidação da elite urbano- industrial em confronto aos velhos interesses agroexportador, diga-se de passagem, este em franca decadência. Nesse contexto, a chamada “controvérsia do desenvolvimento econômico”, como se designavam as discussões entre a corrente do liberalismo e da corrente desenvolvimentista no Brasil foram as duas linhas ideológicas mestra que polarizou a intelectualidade brasileira nos anos 50. As bases de sustentação dos debates em prol dos desenvolvimentistas surgiram com a Comissão Econômica para a América Latina já na década de 40, defendendo a industrialização e o planejamento governamental para o desenvolvimento dos países da América Latina. 1 Mantega, Guido, A economia Política Brasileira, 4 ed., Rio de Janeiro: Polis/Vozes, 1986, p.11-76.

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RESENHA: A Economia Política Brasileira1

Guido Mantega

Aluno: Rogério de Oliveira e Sá

Introdução

A obra de Celso Furtado, em 1959, Formação Econômica do Brasil é considerada o marco do pensamento econômico brasileiro, serviu sem sombra de dúvidas como estimulo para outros autores e contribuiu na criação da Economia Política Brasileira.

O pensamento econômico na época travado pelos teóricos (Caio Padro Jr., Ignácio Rangel, Maria da Conceição Tavares, Roberto Campos, Fernando Henrique Cardoso entre outros) era marcado por profunda discussão política que o Brasil enfrentava nos anos 50 e 60. Nesse período, as discussões eram entorno da consolidação da elite urbano-industrial em confronto aos velhos interesses agroexportador, diga-se de passagem, este em franca decadência.

Nesse contexto, a chamada “controvérsia do desenvolvimento econômico”, como se designavam as discussões entre a corrente do liberalismo e da corrente desenvolvimentista no Brasil foram as duas linhas ideológicas mestra que polarizou a intelectualidade brasileira nos anos 50. As bases de sustentação dos debates em prol dos desenvolvimentistas surgiram com a Comissão Econômica para a América Latina já na década de 40, defendendo a industrialização e o planejamento governamental para o desenvolvimento dos países da América Latina.

No primeiro capítulo do livro, Mantega procura reconstruir a trajetória das idéias centrais do pensamento desenvolvimentista, baseando-se nas instituições e autores responsáveis pela elaboração do modelo da economia política brasileira, em sentido especifico na base do Modelo de Substituição de Importação.

1 Mantega, Guido, A economia Política Brasileira, 4 ed., Rio de Janeiro: Polis/Vozes, 1986, p.11-76.

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CAPÍTULO 1 - O NACIONAL – DESENVOLVIMENTISMO

É inegável a influencia da corrente desenvolvimentista na formação da ideologia da economia política brasileira e no pensamento econômico da América Latina. Os fundamentos desses ideais teve como base a corrente keynesiana, que tinha uma visão diferente das propostas encabeçadas pelo liberalismo neoclássico.

Os fundamentos da teoria Keynesiana motivou diretamente a intelectualidade latino-americana nos anos 40 e 50, em que pese ser formada por grupo heterogêneo de forças sociais favoráveis a industrialização e a consolidação do desenvolvimento nesses países.

A corrente desenvolvimentista ultrapassou a fronteira do campo teórico, enveredando o campo da economia politica e do planejamento governamental, inclusive inspirando a formulação de “planos de desenvolvimento”, daí ressalta-se a participação da Comissão Econômica para a América latina – CEPAL na análise econômica e das propostas de desenvolvimento.

Foi na segunda metade dos anos 50, que surgiram os primeiros trabalhos brasileiros produzidos no Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB)2 e, ancorados nas diretrizes da CEPAL. O ideário cepalino inspirou a economia politica brasileira em boa parte da década de 50, como se verifica no Plano de Reabilitação da Economia Nacional e Reaparelhamento industrial do segundo governo Vargas, principalmente, pelo Plano de Metas3.

No campo teórico, a corrente liberalista continuava com a mesma receita, limitando-se a repetir os conhecidos instrumentos de ajuste do mercado, alocação ótima dos recursos e a sublime Teoria das Vantagens Comparativa, enquanto que a linha desenvolvimentista encontraram na CEPAL4 novas idéias para os problemas latino-americanos.

Para Mantega (1996), a importância deste capítulo esta em reconstruir a trajetória das idéias centrais que fundamentou o pensamento desenvolvimentista, em especial, enfatizando o subdesenvolvimento e a

2 O ISEB foi criado por intelectuais de centro-esquerda denominado de “Grupo Itatiaia”, reunindo os principais pensadores responsáveis pelo amadurecimento da corrente “nacional-desenvolvimentista”, uma versão mais nacionalista do desenvolvimentismo da formulação cepalina.3 No Brasil nos anos 50 e 60 a discussão política ficou conhecida como “controvérsia sobre o desenvolvimento econômico”, essa discussão era travada entre duas correntes antagônicas, em que figurava de um lado os velhos interesses agroexportadores, em decadência, e os novos segmentos sociais que defendiam a acumulação industrial.4 A CEPAL teve participação fundamental não só no fornecimento da teoria do desenvolvimentismo, mas dando consistência as ideias esboçadas por Simonsen, envolvendo-se inclusive nas discussões política e, na elaboração dos planos de governos na segunda metade dos anos 50.

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estratégia de desenvolvimento criada para a América Latina, bem como, apontar seus principais idealizadores e instituições responsáveis pela elaboração e disseminação, percussores da economia política brasileira, e da formatação do Modelo de Substituição de Importação.

Antecedentes do Desenvolvimento

O cenário no início do século XX da economia capitalista mundial era extremamente turbulento, as ideias defendidas pela teoria econômica neoclássica já não produzia efeito, a insistência na eficiência da livre concorrência para alcançar o equilíbrio econômico, que deveria conduzir a alocação ótima dos recursos não funcionava mais. O colapso dessa corrente veio com a crise mundial de 1929, culminando com a profunda depressão do capitalismo, dessa maneira desestabilizando os fundamentos da economia liberal.

Em face desse cenário desolador para a economia capitalista, surgiu uma nova linha teórica criada da própria economia política burguesa, com o anseio de superar a ineficiência do liberalismo econômico da instabilidade da economia capitalista, destacando papel central com a intervenção do Estado na economia5.

No Brasil esta problemática era travada entre duas forças socioeconômicas, de um lado, as oligarquias agroexportadora, comprometida com a burguesia que defendiam o liberalismo, do outro lado, as forças sociais que ganhavam projeção na direção da expansão urbano-industrial, expondo a configuração e a consolidação da acumulação industrial em bases nacionais, e necessidades prementes na proteção da concorrência externa, em infraestrutura, insumos, em suma, com maior intervenção estatal6.

O pensamento da CEPAL

A Comissão Econômica para a América Latina – CEPAL se constituiu no marco teórico para elaboração das principais teses sobre o desenvolvimento ou

5 Os percussores da Nova Economia Política foram Piero Sraffa, Joan Robison e Edward Chambelin, mostrando que a concorrência capitalista era imperfeita, contrario as ideias dos neoclássicos, enquanto que, coube a Joseph Schumpeter, Michael Kalecki e John M. Keynes dar a consistência a uma teoria de ciclo econômico, cujo idealizador ganhou notória projeção na revolução teórica, denominada de “revolução keynesiana”.6 No plano teórico, coube a Roberto Simonsen, empresário e representante da Federação das Indústrias de São Paulo, defendendo o intervencionismo estatal e Eugênio Gudin, professor de economia, diretor de empresas estrangeiras, defensor do liberalismo.

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subdesenvolvimento periférico, presentes nas discussões teórica latino-americana do após-guerra7.

Em sentido amplo, a preocupação da CEPAL era explicar o atraso dos países da América Latina em relação aos centros mais desenvolvidos e procurar formas de supera-los. Dessa maneira, questionava-se não apenas a divisão internacional do trabalho vigente na época, como a crítica se dirigia ao fato do destino atribuído aos países subdesenvolvidos pela Teoria Clássica ou Neoclássica do Comércio Internacional, que em certo sentido sustentava essa divisão.

A deterioração dos termos de intercambio

A CEPAL criticava duramente os defensores8 da teoria do livre comércio, baseada na lei das vantagens comparativas, onde a tônica era que os países atrasados deveriam se especializar na produção de produtos primários, enquanto os avançados na industrialização, de modo a proporcionar maior desenvolvimento entre eles nas relações comerciais.

Ocorre que a CEPAL, no final da década de 40, sustentava que os países atrasados sofreriam perdas consideráveis como meros fornecedores de produtos primários para o mercado internacional.

A questão fundamental para esse desequilíbrio nos termos de troca é questionado por Mantega (1996, p.37), “Como explicar, então, que os preços das exportações da periferia crescessem mais lentamente do que os preços das exportações do centro?”

As causas seriam a diferença do comportamento da demanda de produtos primários comparado a dos produtos manufaturados e a situação do mercado de trabalho e da organização sindical entre centro e periferia9. Dessa forma, a instituição cepalina entendia que a demanda pelos produtos manufaturados 7 Os principais expoentes da tese cepalina no Brasil foram: Celso Furtado, Maria da Conceição Tavares, Fernando Henrique Cardoso, Carlos Lessa, José Serra. A CEPAL surgiu na final da década de 40, com o famoso documento de Raul Prebisch em 1950.8 Paul Samuelson era um desses expoentes da Teoria Neoclássica do Comércio Internacional, que sustentava que o livre comércio e a especialização dos vários países culminariam com a propagação do progresso técnico e a difusão do desenvolvimento para os membros da comunidade mundial.9 Sobre os argumentos defendidos pela CEPAL, Mantega (1996, p.45-46) contrapõe dizendo que foram insuficientes para explicar os mecanismos de preços e de transferência de valor para os centros desenvolvido. Para ele, em pleno capitalismo monopolista, quem dita as regras são as grandes corporações de capital no comércio internacional e que controlam o fluxo de mercadoria provenientes da periferia. No que se refere a argumentação da situação do mercado de trabalho e da organização sindical de que a pressão salarial seria decisiva para explicar o maior vigor dos preços do centro, o autor também afirmar ser equivocada, isso se explica em razão de que o empresário tem outros meios de aumentar os seus preços, ou seja, sempre irão procurar a valorização máxima. Por isso, as taxas de lucros subirão independente mesmo se os salários estiverem altos.

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crescia mais rapidamente, comparado a demanda por produtos primários, isso deve ao fato que, a medida que a renda global aumentasse a demanda pelos produtos primários iria proporcionalmente decrescer.

Nesse contexto, é inegável a contribuição da CEPAL ao fornecer a ideologia da “afirmação nacional”, assim como, na formulação de estratégias ou planos de desenvolvimento que foram adotados por diversos países e especialmente pelo Brasil. No entanto, nota-se que foram deixado de lado das discussões e do diagnóstico da CEPAL vários aspectos fundamentais relacionado a questão da vida social latino-americana, como a luta de classes e suas manifestações, bem como, o fato da receita cepalina ter incapacidade de eliminar a miséria e as disparidades sociais, resultando inclusive no agravamento dessas disparidades, ou seja, mostrando com clareza a falta de análises políticas que apontavam tais contradições.

Ragnar Nurkse e o círculo vicioso da pobreza

Para Ragnar Nurkse10 a escassez de capital nas economias periféricas se apresentava como o principal entrave para o dinamismo dessas economias. Outro fato que contribuía com esta situação era o baixo nível de renda auferida pela população dos países periféricos, sobrando pouco para a poupança, consequentemente, para o investimento.

Em função disso, levaria não apenas a uma baixa produtividade em função do desenvolvimento tecnológico praticamente inexistente e baixo nível de renda, mas em essência, num fator limitador do aumento de poder de compra e limitador da expansão industrial, isso fazia com que os países de baixa formação de capital permanecessem no circulo vicioso da pobreza.

Convém ressaltar que as idéias de Nurkse contribuíram para a análise da CEPAL, sobretudo, no foco do condicionante interno do desenvolvimento. Além disso, Nurkse apontava a necessidade de aprofundar na análise dos chamados “fatores não-econômicos” do desenvolvimento, sendo que esta pouco avançou nesse sentido.

Gunnar Myrdal e o capitalismo bonzinho

10 As idéias defendida por Nurkse está no livro Problemas de Formação de Capital em Países Subdesenvolvidos, publicado em 1957.

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Na concepção de Gunnar Myrdal11 o motor do desenvolvimento estaria na mobilização das forças internas para substituir políticas atrasadas, viabilizada por um projeto político do nacional-desenvolvimentismo, bem como, na legitimidade de sua contribuição para envolver a dinâmica de classes do processo social.

Segundo Mantega, Myrdal teria extraído sua receita de desenvolvimento das nações pioneiras, em que o Estado desenvolvimentista atua em favor dos “pobres”, por isso, estaria reduzindo as disparidades regionais e elevando o padrão de vida da sociedade.

Portanto, na concepção de Myrdal a proposta de um capitalismo bonzinho, que seja oposto ao capitalismo selvagem da primeira fase da Revolução Industrial e se distinguindo do capitalismo de subdesenvolvido, em que não há a menor possibilidade dos trabalhadores alcançar o poder de impulsionar a implantação do Estado Bem-Estar nas nações atrasadas. Dessa forma, caberia ao Estado intervir duramente, retirando as arestas e impedindo abusos do liberalismo econômico e de colocar o país na trilha do desenvolvimento.

O Instituto Superior de Estudos Brasileiros

Fundado em 1955, teve destacado papel na vida política brasileira até o fechamento pelo golpe de 1964. A formação do ISEB era bastante heterogênea, abrigava intelectuais com diferenças teóricas e vinculações distintas. Uma das questões que mais dividia o ISEB era em relação a participação do capital estrangeiro no desenvolvimento brasileiro. Numa ala encabeçado por Werneck Sodré se opunha a essa participação, enquanto que na outra, setores mais conservadores, liderados por Jaguaribe, se dizia plenamente favoráveis a utilização da assistência estrangeira.

O ISEB adotou boa parte das propostas de política econômica da CEPAL, assim o instituto ajudou consolidar o nacional-desenvolvimentismo, que tinha como objetivo liquidar com o passado colonial e abrir espaço para a nova fase de desenvolvimento do Brasil.

O Nacional – Desenvolvimentismo e os Planos Estatais

11 Baseado na sua obra Teoria Econômica e Regiões subdesenvolvidas, publicada em 1965 e traduzida pelo ISEB em 1960.

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Comissão Mista Brasil-Estados Unidos (1951-53)

Para Mantega (1996) o relatório da Comissão Mista elaborado, em parte, por técnicos americanos tratava-se de um levantamento cauteloso da situação econômica do país, como poucas análises econômicas da época, voltado inteiramente para o “desenvolvimento nacional”.

Segundo Mantega (1996, p.67-68) a Comissão Mista defendia que o governo brasileiro elaborasse um programa de investimento prioritário na:

a- Eliminação dos pontos de estrangulamento que impedem ou dificultam a distribuição da produção existente, ou resultam na subutilização dos recursos produtivos;

b- Remoção de obstáculos à maior expansão de produtos, mineral e florestal, assim como a ampliação existentes ou a instalação de novas.

c- Integração do mercado interno em virtude de um sistema mais eficiente de conexões inter-regionais que favorecerão a especialização e produção em larga escala;

d- Descentralização da indústria, propiciando distribuição mais equilibrada do poder econômico e avaliando o congestionamento dos presentes centros industriais.

Os projetos elaborados pela Comissão se baseavam em investimentos, cuja prioridade era as áreas de energia elétrica, setor de transporte ferroviário, navegação costeira, portos e estradas de rodagem, no entanto, falta os recursos para implantação desses projetos, em função da baixa taxa de poupança para viabiliza-los. Segundo a Comissão Mista a solução seria a “poupança externa”, coincidindo a proposta cepalina.

Grupo Misto BNDE-CEPAL (1953/55)

Com a criação do Banco Nacional de Desenvolvimento – BNDE, em 1952, tomou-se um passo decisivo na elaboração de uma política de acumulação, com o intuito de cumprir o propósito apresentado pela Comissão Mista para resolver os principais pontos de estrangulamento dos setores de energia, transportes e insumo básicos.

Plano de Metas (1956/61)

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Objetivava remanejar recursos do país para áreas prioritárias, dando prosseguimento e ampliação da escala de acumulação industrial, com atuação direta do Estado em duas frentes;

a) Na coordenação e integração de vários setores da economia, realizando um diagnostico preciso de cada setor e procurando solucionar os problemas;

b) Incentivos direto com a criação de linhas especiais junto ao BNDE e aval de estatais e empréstimos contraídos no exterior, dessa maneira, permitindo a importação de máquinas, equipamentos e insumos básicos com condições de taxas cambias favoráveis e, consequentemente, adotando mecanismos de proteção a indústria nacional.