resenha teorias da etnicidade

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Teorias da Etnicidade (resenha)

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    UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANAS

    PROGRAMA DE PS GRADUAO EM ANTROPOLOGIA DISCIPLINA: TEORIA ANTROPOLGICA CONTEMPORNEA

    Docente: Prof. Dr. Ordep Serra Discente: Ana Magda Carvalho

    RESENHA DO LIVRO Teorias da Etnicidade, de P. Poutignat e J. Streiff-Fenart (So Paulo: Ed. Unesp, 1998)

    Prefcio, por Jean-Pierre Lapierrre - Contextualizao do debate terico sobre a etnicidade nas Cincias Sociais francesas: ideologia do Estado-nao que nega a diversidade tnica da populao francesa; noes de etnia e grupo tnico estariam tradicionalmente sob suspeita, teriam conotaes racistas, o que para uma nao forjada por ideais republicanos e universalistas seria algo como um insulto, um acinte. Para o prefaciador, a audcia dos autores do livro Teorias da Etnicidade consiste em questionar a significao e a validade de uma concepo de etnicidade bem difundido nas Cincias Sociais anglo-saxs, quando elas tomam por objeto as migraes da populao de origem e cultura diferentes e suas relaes ao entrarem em contato ou conviverem no seio de uma mesma sociedade global (p.9). Assim, para os anglo-americanos, a questo do transculturalismo/multiculturalismo esteve desde sempre presente. Para os franceses, ao contrario, em sua maioria, no de grande interesse saber que sua nao se formou historicamente por meio da conquista, da migrao ou da anexao de povos muito diferentes e tambm por uma imigrao proveniente de diferentes regies da Europa central ou meridional, inclusive das colnias, de modo que muitos cidados franceses da atualidade que se integraram a ns durante o sculo XIX ou na primeira metade do sculo XX (10, grifo meu). E continua o prefaciador: Foi necessrio, depois da Segunda Guerra Mundial e da descolonizao, que nossa republica se defrontasse com dois tipos de fenmenos polticos e sociais para que despertasse do seu sono dogmtico: o primeiro foi o ressurgimento dos movimentos regionalistas e de reivindicaes das minorias etnolinguisticas. Qual no foi a surpresa quando se descobriu que na Frana ainda existiam bretes, bascos, occitanos, corsos, que no admitiam ser reduzidos a sobrevivncias folclricas do Antigo Regime! Havia ento etnias no Estado-nao, apesar da Constituio que grande escndalo! O segundo fenmeno foi a imigrao (inicialmente encorajada entre 1945 e 1965, e em seguida contida, depois reprimida) de operrios vindos das antigas colnias da

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    frica do Norte e da frica negra (...). E assim, ao mesmo tempo que se propagavam em nosso pas a xenofobia e o racismo sob diversas formas, pde ter incio o desenvolvimento de uma reflexo e de uma pesquisa quanto s relaes intertnicas sem atingir a amplitude que j alcanavam nos Estados Unidos, e at mesmo na Gr-Bretanha (10)

    Destaca ainda duas contribuies dos autores: 1. reviso bibliogrfica quase exaustiva da discusso empreendida por pesquisadores de lngua inglesa; 2. participao no debate terico e adeso inequvoca linhagem fundada por Frederik Barth, na dcada de 1960 (11)

    Introduo Os autores abrem o livro chamando a ateno do leitor para o cenrio poltico no qual emergiram os estudos de Etnicidade na Frana: o cenrio dos debates sobre a imigrao, na Frana dos anos 70, que se centravam, basicamente, nos custos e impactos da presena de imigrantes e seus descendentes na economia e na sociedade francesas. Tal discusso deu lugar a uma recente indagao sobre a identidade nacional francesa, que se supunha ela mesma cristalizada e consolidada desde a Revoluo Francesa. Mudou-se de um discurso social sobre o imigrante que tira o po dos franceses para uma viso destes como que representando um projeto coletivo ameaador, algo como o perigo islmico. Os autores argumentam que a preocupao entre os pesquisadores dedicados s questes dos imigrantes deslocou-se de seu referencial puramente estatal, da perspectiva das polticas pblicas, para a gerao de uma nova categoria de atores urbanos, em espaos de segregao scio-tnica, com a emergncia de distrbios e conflitos que at ento no haviam sido encarados como fenmenos tnicos. O enrijecimento das tenses e representaes dos imigrantes nas ultimas dcadas demonstrou, pois, o desnvel entre o aspecto jurdico da Constituio francesa do que decorre o modelo francs de integrao-assimilao e as categorias efetivamente operantes. A categorizao genrica de estrangeiros cede espao para a atribuio nominal de grupos de imigrantes argelinos, magrebinos, franceses rabes, etc. A partir de ento, passaram a ser elaboradas trgicas profecias desenhando uma Frana futura como um mosaico de etnias e a conseqente morte anunciada do modelo de assimilao francesa.

    Em relao ao contexto americano, por outro lado, a produo conceitual da etnicidade em lngua inglesa abarca o estudo dos processos de atribuio categorial e de organizao de relaes sociais presumidas essenciais (17), da que a noo de etnicidade tipicamente americana no transponvel para a situao francesa, que esta noo implicaria num certo comunitarismo tnico

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    totalmente oposto tradio nacional francesa que fundamenta a democracia na ligao direta, no mediatizada por grupos, entre o cidado e o Estado.

    E continuam os autores: Assim deixemos claro logo de inicio: a noo de etnicidade tal qual foi forjada pela sociologia americana, mas de maneira mais geral pela comunidade cientifica de lngua inglesa, consiste amplamente no em atestar a existncia de grupos tnicos, mas colocar tal existncia como problemtica, ou seja, em colocar como problemtica a consubstancialidade de uma entidade social e de uma cultura pela qual se define habitualmente o grupo tnico. Teorizar a etnicidade no significa fundar o pluralismo tnico como modelo de organizao sociopoltica, mas examinar as modalidades segundo as quais uma viso de mundo tnica tornada pertinente para os atores..

    Propem os Autores que os estudos de etnicidade deixem de lado o tema da integrao de grupos em sociedades globais que se supem elas mesmas integradas, e passem a focar em outras questes, como as colocadas por autores como Moerman (quando, como, por que se prefere a identidade X?), Drummond (de que forma as pessoas definem a X-titude?), ou Barth (de que forma os limites entre os grupos X e Y so mantidos?).

    A etnicidade: um novo conceito para um fenmeno novo? (Cap. 1) Segundo os Autores, a introduo do conceito de etnicidade no meio acadmico francs ocorreu, tardiamente, em 1981, por Franois Morin, que organizara na poca uma mesa-redonda no mbito da Associao Francesa de Antropologia. Com exceo das pesquisas pioneiras realizadas por antroplogos como Georges Balandier e Roger Bastide, o domnio da etnicidade representou durante muito tempo a zona de sombra da antropologia francesa. Em sua verso inglesa, as primeiras utilizaes deste termo nas Cincias Sociais remontam dcada de 1940. Estudando respectivamente a sociedade americana e a frica Ocidental, Gordon (1960) e Immanuel Wallerstein (1964) utilizam o termo etnicidade para designar no a pertena tnica, mas os sentimentos que lhe so associados o sentimento partilhado por membros de um determinado grupo de formarem um povo no interior das fronteiras nacionais americanas, e o sentimento de lealdade manifestado em relao aos novos grupos tnicos urbanos formados pelo processo de destribalizao no contexto africano.

    Encontra-se de sada, nos usos do termo etnicidade, uma oposio entre concepes objetivistas e subjetivistas que sero recorrentes no debate terico sobre a identidade tnica. Mas somente na dcada de 1970, que o termo etnicidade ir se impor nas cincias sociais americanas, quando

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    conhecer um aumento exponencial da demanda e da oferta de publicaes nas mais diversas formas veja-se a revista Ethnicity, criada em 1974 -- fatos estes correlatos ao aparecimento, aparentemente repentino, de um tipo de conflito e de reivindicaes qualificadas como tnicas, que surgem de forma simultnea nas sociedades industriais-ocidentais e no chamado Terceiro Mundo, donde a emergncia da pertena tnica como categoria pertinente para a ao social e a crescente tendncia de fazer derivar dela lealdades e direitos coletivos.

    Outro ponto crucial de discusso neste debate a relao entre grupo tnico e classe. O primeiro diz respeito a uma unidade que engloba os indivduos definidos atravs de uma herana cultural, enquanto que o segundo refere-se a uma unidade que engloba os indivduos definidos por uma posio comum dentro de determinado circuito de produo. Da a convico de Glazer & Moynihan, compartilhada por muitos tericos da etnicidade, de que as manifestaes de renascimento tnico no mundo contemporneo revelam a emergncia de uma nova categoria social igualmente importante para a analise do sculo XX, tanto quanto o foi a categoria de classe social para o sculo XIX. Assim, considerada durante muito tempo um fator de uniformizao e de assimilao, a experincia da modernizao surge como fator que facilita e possibilita a emergncia de identidades particularistas.

    A etnicidade , pois, para os autores, um novo paradigma das Cincias Sociais do sculo XX, cuja importncia no se limita ao objeto tnico em si, alimentando discusses e debates correlatos, como os das teorias da modernizao, e na serie de oposies implicadas naquelas, tais como afetividade versus racionalidade, particularismo versus universalismo, ascription versus achievement, dentre outras.

    Raa, etnia, nao (Cap. 2) Na trajetria destes conceitos, o termo ETNIA tende a ser confundido com outras noes conexas, como POVO, RAA. NAO. Questo de fundo a perpass-las seria: como abranger princpios sobre os quais se fundam a atrao e a separao das populaes? (33). para responder a tal questo que Vacher de Lapouge (1896) introduz nas Cincias Sociais a noo de ETNIA. O autor era um sociodarwinista e zoologista, segundo os Autores, rduo defensor da escola selecionista, eugenista do sc. XIX, incio do XX. Mas a sua importncia no quadro intelectual do cada vez mais agressivo Racismo Cientifico do perodo passa em brancas nuvens pelos autores, concidados daquele a quem se atribui um papel fundamental na construo do mito ariano e do combate as ditas raas degeneradas.

    Lapouge define raa enquanto um conjunto de indivduos que possuem em comum um determinado tipo hereditrio (Lapouge apud As: 33). Para Lapouge, raa seria fator

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    fundamental da histria. Outra definio de histria: Modo pelo qual os elementos antropolgicos inferiores e superiores se combinam, e determinam as vicissitudes da histria, da vida e morte das naes (34). Lapouge cunha o conceito de ETNIA para associ-lo ao de RAA (caractersticas fsicas e psicolgicas transmitidos por suposto geneticamente), e assim distingui-lo de outros aspectos da vida social, como a nao e a lngua. RAA e ETNIA, no sentido de Lapouge, se diferenciaria de cultura, lngua e outras formas de laos intelectuais, naturais ou fictcios, que chegam mesmo a serem o oposto de RAA e ETNIA. A nao no sentido de Lapouge seria mais vulnervel a se dissolver enquanto unidade, o que no aconteceria com a RAA/ETNIA. Foi para ...dar conta de uma solidariedade do grupo particular, simultaneamente diferente daquela produzida pela organizao poltica e daquela produzida pela semelhana antropolgica que o termo ETNIA foi introduzido nas Cincias Sociais. A rigor, a oposio entre laos biolgicos e laos intelectuais ir perpassar todo o debate sobre ETNICIDADE e outros temas correlatos (raa, etnia, nao, identidade tnica...).

    Um outro autor importante destacado: Ernst Rennan (1887), o qual no celebre artigo Quest-ce qune nation? desqualifica a importncia atribuda aos laos biolgicos e inescapveis em nome de uma abordagem subjetivista dos fatores formadores das naes. Contexto da poca envolvia a questo AlciaLorena (conflito por limites e fronteiras territoriais entre Frana e Alemanha). Segundo Renan, no importa os fundamentos atribudos ou herdados de pertena, impondo-se ao homem como uma fatalidade (35). Na constituio de uma nao, o que importa a busca voluntarista de adeso q faz da nao um plebiscito de todos os dias (Renan apud As: 35). Renan insiste na importncia dos laos subjetivos a soldar os membros de uma nao. Qual a fora que inspira nos indivduos esse desejo de viver em conjunto e essa vontade de permanecer no quadro nacional?, pergunta Renan, ao que responde: seriam desejo, vontade, consentimento. Para Renan, ainda, seria um sentimento, o amor ptria, sacrifcio, luto e o sofrimento compartilhado no passado, e cuja memria se transmite pelo culto aos ancestrais, pela lembranas dos grandes homens e suas aes hericas.

    Renan, portanto, trabalha com a idia de contrato-nao, algo como o contrato social de Rousseau. E uma outra idia importante associada esta a da dialtica da memria e do esquecimento. Passado reinterpretado, no necessariamente o passado que realmente aconteceu, a histria real das populaes. Ou seja, o passado histrico de uma nao no uma imposio em si mesma; ao contrrio, uma construo contnua que repousa no olvido e no erro histrico. A memria fundadora da unidade nacional , ao mesmo tempo e necessariamente, esquecimento das condies de produo desta unidade: a violncia e o arbitrrio originais e

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    multiplicidade das origens tnicas (36). Esse seria o caso da formao da nao francesa, particularmente... Ou seja, de incio, vamos ver uma dificuldade bsica nessas abordagens e reflexes: a de se construir modelos tericos que abranjam a multiplicidade de situaes reais de formao de unidades nacionais de acordo com um modelo (de preferncia democrtico-republicano-representativo de Estado-nao, esse mesmo ps-revoluo francesa).

    Ainda segundo Renan, diversos outros fatores estariam implicados na formao das naes, fatos contingentes, de divises artificiais, de acasos de conquistas, e de modo algum um princpio necessrio ou natural. (36) As naes reivindicariam populaes pela comunidade lingstica ou parentesco racial. Renan no chega a trabalhar com a categoria raa criticamente em relao aos sociodarwinistas, mas combate a idia de pureza racial. De uma certa forma, o grupo tnico antittico da nao, e esta se faz investindo na dissoluo daquele... Os elementos tnicos-raciais, portanto, estariam relacionados a um certo critrio etnogrfico, desvalorizado por Renan, porquanto remetesse poca, identificao das populaes segundo os dados da antropologia fsica. (36)

    Os autores destacam ainda as contribuies tericas um outro autor, pouco lembrado pelos estudiosos dos fenmenos tnicos: Max Weber e seu livro Economia e Sociedade (1921). Para ele, a RAA realmente fundada numa comunidade de origem (o sangue seria o fator externo de transmisso objetiva da raa). ETNIA, uma comunidade tnica, por sua vez, seria assentada em uma crena subjetiva em uma comunidade de origem. NAO, por fim, tambm parte de uma crena subjetiva em uma comunidade de origem, acrescentando Weber a paixo (pathos) ligada reivindicao de um poderio poltico. E tanto a nao nesse sentido weberiano assim como o grupo tnico esto orientados e se voltam para o passado para a construo subjetiva dessas comunidades (nacional, tnica). Para a sociologia compreensiva, que analisa a ao social da perspectiva do sujeito que a realiza, no existe distino fundamental entre as disposies adquiridas pelos hbitos de vida (transmitidos pela tradio) e as disposies raciais (hereditariamente transmissveis...). Quer dizer Weber que a raa (no sentido de aparncia externa) em si no diz nada para a sociologia, mas a tomada em considerao dessa categoria como socialmente condicionada pelo estabelecimento de relaes de dominao. Para Weber, os grupos tnicos no pressupem uma real atividade comunitria (38). Eles existiriam ...apenas pela crena subjetiva que tm seus membros de formar uma comunidade (...) (38). Os fatores que atuariam na formao das comunidades tnicas seriam, por exemplo, a lngua e a religio, porque tais fatores autorizam a comunidade de compreenso entre aqueles q compartilham um cdigo lingstico ou mesmo um mesmo sistema de regulamentao ritual da

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    vida (38), atuando como inexpugnveis marcadores de fronteiras sociais, atravs de princpios de incluso e excluso de membros e no-membros. Weber no deixa de reconhecer que possam existir variaes dialetais ou religiosas entre indivduos que se supem pertencentes a um mesma comunidade tnica-nacional, vide por exemplo, a relao entre ex-colonos e imigrantes integrados ao quadro nacional. Contudo, para Weber, a comunidade poltica que fator decisivo da nao-etnia. Ele diz: Ela corresponde ao que ele designa como a forma mais artificial de origem da crena no parentesco tnico, aquela pela qual uma associao racional (tal como uma atividade comum de defesa do territrio ou de conquista, ou mesmo uma simples subdiviso administrativa) transforma-se em comunalizao tnica, atraindo um simbolismo da comunidade de sangue e favorecendo a emergncia de uma conscincia tribal ou a ecloso de um sentimento de dever moral ligado defesa da ptria (Weber apud As, p. 39). Como Renan, Weber acentua o papel do olvido e da memria nesse processo de comunalizao, do qual fazem parte o fortuito e o arbitrrio na formao das comunidades tnicas e nacionais.

    A fonte da etnicidade para Weber, portanto, no est na posse de traos diacrticos, mas na atividade de produo, de manuteno e aprofundamento das diferenas cujo peso objetivo no pode ser avaliado independentemente da significao que lhes atribuem os indivduos no decorrer de suas relaes sociais (40). Algo pois, semelhante concepo barthiana de etnicidade. Neste sentido, portanto, a identidade tnica constri-se a partir da diferena.

    Contemporaneamente, as confuses entre estes conceitos (raa, etnia, nao) ainda persistem, mas h uma tendncia dos pesquisadores do assunto ...no tomarem a raa como um fator explicativo da sociedade..., explicativo ou determinante na histria das sociedades, de um ponto de vista racialista como fizeram Lapouge e os scio-darwinistas de outrora. A questo que os autores colocam complexa e delicada. De certo modo, insinuam, porm, que se o termo raa no foi (ainda) banido das Cincias Sociais como um todo, isso culpa em parte da tradio anglo-sax que ao privilegiar como objeto as relaes raciais estariam recuperando a noo de raa em sua acepo biologizante identificvel a partir de critrios fsico-fenotpicos, do que decorreria uma naturalizao das caractersticas fsicas sob a forma de atributos que tenham a propriedade de fundar um tipo particular de relaes sociais (41). Citam Guillaumin, para quem as Cincias Sociais anglo-saxs relacionam este tipo de abordagem aos caracteres fsicos de uma realidade enquanto fontes de percepo da diferena (42). Ou seja, apesar dessa corrente no mais acreditar no conceito de raa tal como os bilogos construram no sculo XIX, no deixam de afirmar que ela concretamente real para os grupos que produzem as condutas racistas, o que no parece uma idia absurda. Tanto que se costumam usar, indiscriminadamente, relaes

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    tnicas como equivalente e preferencialmente relaes raciais, sendo que esta ltima estaria mais plenamente carregada de complexos contedos emotivos/subjetivos, mais poderosos do que a primeira.

    No caso francs, sempre houve grande resistncia em se trabalhar com essas categorias, como raa e etnia, que tambm so confundidas com sua base biologizante da qual foi impregnada pelos sciodarwinistas, e por isso mesmo tambm evitado, uma vez que falar em raa e etnia seria o mesmo que admitir a desigualdade entre os homens, o que vai de encontro do iderio francs de sociedade, e desautorizando dessa forma o processo francs de assimilao reduo mxima das diferenas culturais no seio da sociedade francesa. Para a tradio sociolgica francesa, porm, ETNIA enquanto conceito mais prefervel do que RAA, porquanto menos carregada de pesados sentidos emotivos, ideolgicos e discriminatrios, o contrrio, portanto, da tradio anglo-sax, que pe em relevo a diferena, e no a igualdade como princpio estruturante da vida social. Interessante observar a nota n.7, onde essa questo se desdobra: na Inglaterra, existe uma Comisso para a Igualdade Racial. Na Frana, falar-se- facilmente de racismo, mas de ralaes interculturais e no inter-raciais. De modo ainda mais eufemstico, os mesmos acontecimentos que so descritos pelos meios de comunicao como tumultos raciais na Inglaterra so tratados como revoltas das periferias na Frana (43).

    Avanando, os Autores passam a trabalhar com uma noo importante dentro deste quadro conceitual, terico e poltico, o de ESTADO-NAO, qualificando-o como um tipo particular de instituio poltica que foi difundido a ponto de aplicar-se ao conjunto dos estados territoriais soberanos, como a Organizao das Naes Unidas (ONU). Remetem-se aos estudos do historiador anglo-egpcio Eric Hobbsbawm, para o qual a caracterstica fundamental da nao moderna e de tudo o que a ela se liga justamente sua modernidade (44). Para este autor, no se deve procurar objetividade absoluta em um fenmeno que fortemente ambivalente, complexo - a nao, sua formao, manuteno, persistncias (conflitos de). Isto porque parmetros que so usados para definir uma nao, tais como lngua, etnia, cultura, histria (passado comum), territrio, religio, etc..., so tambm mutantes e cambiantes. Ele pergunta: Como poderia ser diferente, na medida em que tentamos fazer entrar em um quadro permanente e universal entidades historicamente novas, que esto apenas emergindo, que mudam? (44)

    Por fim, os Autores reportam-se a Ernest Gellner, e suas reflexes no mbito de uma Antropologia Poltica. Para ele, naes tendem a persistir ou querem persistir enquanto comunidade/unidade englobante, totalizante. Salienta a perspectiva voluntarista/subjetivista (como em Rennan) na

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    realidade contempornea e sua materializao, haja vista que, ao lado da nao moderna, ter se desenvolvido, igualmente, o fenmeno do nacionalismo, no qual as unidades nacionais so os objetos de identificao e de adeso voluntria que captam o fervor e preferncia dos indivduos. (44). Gellner trabalha com a idia de que as naes foram forjadas na era industrial-moderna-capitalista, idia tambm presente nos escritos de Hobbsbawm sobre o tema.

    Connor tambm vai pela seara da perspectiva subjetivista. A nao seria a conscincia de si do grupo..., que o separa dos outro, ou ainda ... a nao o grupo mais amplo ao qual as pessoas crem estar ligadas por uma filiao ancestral (45). Contemporaneamente, o modelo Estado-nao moderno se difundiu nos processos de colonizao. Portanto, preciso sempre levar em considerao que a subjetividade no reina sozinha na causalidade das naes. H muito tambm da diversidade de Estados-naes mais do que arbitrrios, e cuja unidade no responde satisfatoriamente, e em certa medida, pacificamente, ao conjunto dos segmentos tnicos-territoriais que no se reconhecem como que constituidoras dessas macro-unidades.

    Quanto ao nacionalismo, este parte necessariamente de uma crena subjetiva em um parentesco fictcio sem paralelo na realidade no importa tanto (vide mais uma vez Rennan, e sua dialtica da memria x esquecimento...); e sim a fora de sentimentos poderosos e a-racionais que constituem o centro essencial da identidade nacional.

    A etnicidade refere-se aos grupos, ou mais exatamente aos povos, que so naes potenciais, situadas em um estgio preliminar da formao da conscincia nacional (45). Veja-se por exemplo os casos de solidariedade tnica e tambm de manifestao de xenofobia decorrentes do confronto com estrangeiros, e da crena de que a Nao pressupe conscincia subjetiva especfica de povo (45). Problema terico-metodolgico: acreditar que a nao seja uma realidade tangvel porquanto associada a um Estado (ou a um conjunto de instituies-aparelhos na concepo altusseriana do Estado).

    Em sntese, est-se tentando construir definies de GRUPOS TNICOS (lngua, espao-territrio, costumes, etnnimo, indivduos com conscincia de descendncia em comum e de pertencer a um grupo, povo ou segmento populacional e que reivindicam o direito a ter essa identidade e viver de acordo com as normas prescritas por sua sociedade ou grupo social.

    O que um grupo tnico? (Cap. 3) - Taylor situa no incio da dcada de 1960 o comeo de uma reviso crtica da viso substantivista que transforma cada etnia numa entidade discreta dotada de

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    uma cultura, uma lngua, uma psicologia especfica e de um especialista para descreve-la (apud As: 56), a qual encontra seu ressoar pleno na comunidade cientfica com as reformulaes propostas por Frederik Barth.

    Passa-se pois a investir contra as ingenuidades da etnologia como a de se acreditar que se pode definir uma unidade tnica por uma lista de traos. Barth e seus colaboradores, por exemplo, demonstraram ser impossvel encontrar um conjunto total de traos culturais que permitiam a distino entre um grupo e outro, e que a variao cultural no permite por si s abranger o traado dos limites tnicos. A questo no mais estudar a maneira pela qual os traos culturais esto distribudos, mas a maneira como a diversidade tnica socialmente articulada e mantida. (62). Uma outra ingenuidade combatida por esta nova corrente o pressuposto de que o isolamento geogrfico e social esteja na base da produo da diversidade tnica. Para Barth, as fronteiras tnicas persistem apesar do fluxo de pessoas que as atravessam, alm do que relaes frequentemente vitais so mantidas atravs dessas fronteiras. A interpenetrao e a interdependncia entre os grupos no devem ser tomadas como fator de disperso ou dissoluo das identidades tnicas, mas como as condies mesmas para a sua perpetuao. pois no fim da dcada de 1960 que ocorre a grande virada nos estudos dos fenmenos tnicos. A unidade tribal, considerada isoladamente com uma unidade discreta, caracterstica do mundo no-ocidental, estudada de acordo com uma abordagem objetivista e sistmica substituda por uma concepo do grupo tnico como unidade potencialmente universal, contextualmente definida por seus limites e estudada a partir de uma abordagem dinmica e subjetivista, termo este se remetendo ao foco sobre os processos de identificao e categorizao, como apontou Abner Cohen. Por meio dessa mudana nas concepes de grupo tnico, nota outro autor T. H. Eriksen, o objeto das pesquisas sobre etnicidade passou do estudo das caractersticas dos grupos para o estudo das propriedades de um processo social. A forma tomou o lugar da substancia, os aspectos dinmicos e relacionais substituram os aspectos estticos e estatsticos, e o processo tornou-se mais importante que a estrutura.

    Os estudos de etnicidade, de certa forma, foram realizados em primeira instncia, ao menos no contexto estadunidense, pelos pesquisadores da Escola de Chicago, a partir de sua teoria das relaes cclicas, buscando traar, desde o incio do sculo XX, as etapas do processo de interao. Assim, a assimilao representaria o ltimo estgio das relaes tnicas e raciais, depois dos da competio, conflito e acomodao/adaptao. Ela concebida como uma interpenetrao e uma fuso que permitem a integrao de diferentes grupos em uma vida cultural comum, e ser completada quando os imigrantes e os povos nativos compartilharem os mesmos sentimentos, as mesmas lembranas e as mesmas tradies. Autores como Park & Burguess, no entanto,

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    sustentam que, contrariamente s doutrinas assimilacionistas que sero elaboradas posteriormente, a assimilao no se reduz destruio das culturas minoritrias, ela no consiste, para o imigrante, em um repdio ou negao de seus valores e de seu modo de vida tradicional, em prol das normas culturais da sociedade de acolhimento, mas em tornar-se envolvido em grupos cada vez mais amplos e inclusivos. De um modo geral, os pesquisadores da Escola de Chicago no enxergavam na constituio de enclaves tnicos um fenmeno negativo, mas uma etapa necessria da adaptao dos imigrantes na sociedade americana.

    No entanto, para pesquisadores posteriores Escola de Chicago, a assimilao dos imigrantes implicaria necessariamente em um desaparecimento dos grupos minoritrios, sendo assim concebida como um processo de uniformizao cultural via transformao dos imigrados tal foi a percepo dos estudos funcionalistas da dcada de 1950. Nesta perspectiva, a dinmica das relaes inter-tnicas reduzida a um hipottico enfrentamento entre dois parceiros abstratos os imigrantes (candidatos assimilao) e a sociedade de acolhimento, concebida esta como uma totalidade integrada. O ciclo das relaes tnicas e raciais estabelecido pela Escola de Chicago enfatiza as fases de adaptao e de assimilao, elidindo a fase-chave do conflito, a qual tende a desempenhar um papel importante na tomada de conscincia da solidariedade tnica.

    As teorias assimilacionistas so sustentadas pelo postulado de que o trao caracterstico das sociedades industriais a tendncia ao universalismo e a padronizao dos modos de vida e dos comportamentos. A dicotomia entre tradio e modernidade, assim como a distino durkheimiana entre solidariedade mecnica e orgnica, a oposio entre comunidade e sociedade de Tonnies e a teoria weberiana da racionalizao, formam o pano de fundo indiscutido para a anlise do devir os grupos imigrados. A hiptese que as diferenas culturais entre os grupos perdero progressivamente importncia no decorrer das geraes sob o efeito das foras universalizantes que agem por meio da escolarizao e da cultura de massa.

    Mas no inicio da dcada 1960, vrios autores comeam a colocar em xeque as hipteses progressistas do pensamento social que Gordon designou como liberal expectancy. Glazer & Moynihan, em Beyond the melting-pot (1963) constaram a vitalidade dos cinco principais grupos tnicos de Nova York numa poca em que teoricamente estariam em vias de desaparecimento (os negros, os porto-riquenhos, os judeus, os italianos e os irlandeses). Eles postulam a emergncia do que se passou a se chamar de nova etnicidade a criao de identidades tnicas distintivas, baseadas na experincia de vida nos EUA, mais do que na manuteno de antigas culturas tnicas.

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    E se verdade, como aponta Hannan, que nos Estados modernos adiantados, a diversidade cultural tende a ser reduzida, as distines tnicas, ao contrrio, tendem a afirmar-se com vigor renovado. precisamente quando as minorias deixam de viver nas colnias e se acham diretamente confrontadas com outros grupos que suas especificidades culturais tornam-se fonte de mobilizao coletiva, de uma etnicidade simblica.

    A etnicidade, definies e conceitos (Cap. 4) - Neste captulo, os autores tentam estabelecer tipologias e classificaes das Teorias da Etnicidade a partir do grande espectro terico-etnogrfico que se observa neste campo, separando e agrupando autores e situaes especficas. Da, postulam que a etnicidade, a partir de determinados autores e perspectivas, abordada como:

    i) dado primordial Reportam a Shils (1957), o qual utiliza o termo primordial para corroborar sua tese sobre a importncia dos grupos primrios na integrao e na reproduo da sociedade global. Outro autor que se alinha nesta perspectiva C. Geertz, o qual postula a existncia de um tipo de ligaes primordiais que derivam mais de sentimento de afinidade natural do que da interao social. Para Geertz, a primordialidade um dado/artefato cultural.

    ii) extenso do parentesco (paradigma sociobiolgico) Um dos principais autores desta corrente Van der Berghe, terico da sociologia das relaes tnicas e raciais do mundo anglo-saxo. As teorias sociobiolgicas tem vrios pontos em comum com as teses primordialistas em ambas a etnicidade surge como um dado irredutvel e universal do comportamento humano, a participao no interior dos limites do grupo vista como valorizada per si, sendo o foco colocado sobre o parentesco como matriz fundante da etnicidade. Mas tem em comum com as teorias instrumentalistas que ressaltam os aspectos utilitarista da etnicidade forma de cooperao que mxima interesses individuais (no caso da viso sociobiolgica, os interesses em jogo so de ordem gentica e no mais das vezes inconscientes).

    iii) expresso de interesses comuns (teorias instrumentalistas e mobilizacionistas) Este tipo de abordagem foi largamente utilizada pelos africanistas para por em causa as teorias primordialistas do tribalismo. Nestas anlises, os grupos tnicos so definidos como grupos instrumentais, artificialmente criados e mantidos por sua utilidade pragmtica, ou como armas utilizadas para obter vantagens coletivas, sendo o conflito e a competio por recursos escassos o centro de gravidade de tais anlises. Por fim, as teorias instrumentalistas refutam a idia segundo a qual a etnicidade seria um efeito da socializao no seio de um grupo tnico, mas situando-a como uma reao s mudanas das estruturas institucionais e das relaes de poder implicadas na

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    modernizao. Assim, a etnicidade no pode ser seno poltica, uma vez que a funo de organizao de interesses polticos justamente o que a define.

    iv) sistema cultural (abordagens neoculturalistas) os tericos desta perspectiva se opem de forma radical s concepes tradicionais da cultura como totalidade integrada ou como um conjunto de traos descritveis. Conferem grande importncia atividade simblica e aos processos pelos quais as pessoas, por meios das diferenas culturais, comunicam idias sobre a distintividade humana e tentam resolver problemas de significao. Para autores como Drummond, as categorias tnicas so smbolos cujo contedo varia em funo das situaes, mas que formam em conjunto um sistema de significaes interligadas. Para T. H. Eriksen, a etnicidade uma espcie de idioma por meio do qual so comunicadas diferenas culturais em contextos que variam segundo o grau de significaes compartilhadas aqui as culturas so entendidas como contextos que permitem a inteligibilidade das situaes e dos acontecimentos.

    v) forma de interao social - neste caso, a etnicidade e concebida como processo continuo de dicotomizao entre membros e no-membros, requerendo ser expressa e validada na interao social, como postula Barth. Segundo os Autores, a principal contribuio deste autor foi enfocar os processos generativos e processuais dos grupos tnicos, os quais seriam, neste sentido, tipos de organizao baseados na consignao e na auto-atribuio dos indivduos a partir de categorias tnicas.

    Os captulos seguintes (5 e 6), respectivamente, O estado atual do debate sobre a etnicidade, e O domnio da etnicidade as questes-chaves, consagram-se a trazer para a atualidade o estado da arte dos debates acerca das Teorias da Etnicidade, apontando para as aquisies (o carter mais relacional que essencial das identidades tnicas, o carter mais dinmico que esttico da etnicidade) e retomando os pontos dos debates anteriores em busca de uma nova sntese etnicidade como fenmeno poltico versus processo simblico, substancia versus situao, coao versus opo, perenidade versus contingncia. O sexto e ultimo captulo, entre todos, o que mais se aproxima da perspectiva ps-Barth, enfatizando aspectos como a atribuio categorial (o poder de nomear, a dialtica exgeno-endgeno, ndices e critrios); as fronteiras entre os grupos tnicos -- que tendem a ser mais ou menos estveis, no representando necessariamente barreiras, e que dependem de contextos de interao entre os grupos, estando tambm sujeitas manipulaes por parte dos atores --; a questo da origem comum, real ou presumida pela via do parentesco, e relacionada com a fixao de smbolos identitrios, como as lembranas e os mitos de origem; e os processos de realce destes smbolos, marcas e marcadores.

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    Neste sentido, os Autores concordam com Barth, para o qual a etnicidade uma forma de organizao social baseada na atribuio categorial que classifica as pessoas em funo de sua suposta origem, que se acha validada ou no na interao social pela ativao de signos culturais socialmente diferenciadores. Na concepo barthiana, pois, a manuteno das fronteiras tnicas necessita das trocas entre os grupos e da ativao de uma srie de proscries e prescries regendo suas interaes segundo Keyes (1976), essa estruturao das relaes inter e intragrupos implica as trs formas de troca consagradas por Lvi-Strauss (mulheres, bens e servios, mensagens). A permeabilidade das fronteiras tnicas manifesta-se igualmente pelo estatuto do membro honorrio, que algumas vezes pode adquirir aqueles que, mesmo sendo outsiders, so admitidos e passam a compartilhar das experincias (e da identidade) do grupo. Por fim, ainda de acordo com o esquema barthiano, se a manuteno das fronteiras baseia-se no reconhecimento e na validao das distines tnicas no decurso das interaes sociais, a presso exercida no interior de um grupo para a manuteno ativa da fronteira mxima nas situaes polticas que que a violncia e a insegurana dominam as relaes interetnicas. Qualquer que seja o grupo considerado, a questo de saber o que significa ser membro daquele dificilmente e objeto de consenso, sendo as definies de pertena sujeitas contestao e redefinio por parte dos setores e segmentos internos e externo ao grupo. Veja-se, por exemplo, o acirrado debate na Amrica Indgena acerca dos critrios vlidos para a afirmao ou a negao do que ser ndio.

    O livro encerra-se com um apndice algo significativo a famosa introduo escrita por Barth ao livro por ele organizado e publicado em 1969 Grupos tnicos e suas fronteiras a organizao social da diferena. Nada mais justo, para um estudo em que tal autor , sem dvida, o mais citado. Para o pblico brasileiro interessado, foi uma boa nova, j que at ento no havia traduo nem da introduo e nem do livro em si para o portugus. Esperamos agora a traduo do livro inteiro.

    De qualquer forma, o presente livro leitura obrigatria para os estudiosos das relaes tnicas e raciais no mundo contemporneo, pois apresenta um quadro quase que exaustivo dos debates, correntes e autores pertinentes. Trabalho sem dvida pioneiro, no apenas de levantamento de fontes, mas de tentativa de sintetizar, sistematizar e conferir certa coerncia a um campo extremamente complexo e multiforme. Um aspecto curioso desta publicao, levada a cabo na Frana pela primeira vez em 1995, e reeditado em 2008, que se trata de uma obra (pioneira, como se disse) de autoria justamente de estudiosos que, tradicionalmente, sempre deram pouca ou nenhuma ateno ao assunto, socializados no iderio universalista da repblica de cidados supostamente livres e iguais, para alm de suas diferenas. Talvez seus autores, hoje totalmente dedicados a pesquisas nesta rea, tenham ouvido o barulho incmodo das periferias francesas,

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    apinhadas de imigrantes e seus descendentes, e das reivindicaes em prol do uso do vu por estudantes mulumanas nas escolas tambm francesas, e definitivamente se perguntado: o que est acontecendo?

    Ressente-se, no entanto, de um dilogo mais direto com as bases etnogrficas que alimentam ou mesmo provocam mudanas de rumo no mbito das Teorias da Etnicidade, referncias etnogrficas tais muitas vezes relegadas a notas de p de pgina, e que incorporadas ao texto principal, talvez tornasse a leitura mais atraente e dinmica. Sente-se ainda a ausncia de um ndice remissivo que em muito poderia ajudar o leitor a se situar no plano geral da obra, que no pretensiosa, mas que certamente ambiciosa, j que se prope a sistematizar e sintetizar em um livro no esotrico e no hermtico, aberto a pblicos diversos, as teorias (e no a Teoria) da etnicidade, fenmeno este que est a demandar cada vez mais novos estudos e novas snteses. J que vivemos tempos bicudos, da volta de particularismos com tendncias acachapantes, e de pseudo-universalismos que tentam recobrar uma pseudo-Unidade de faz-de-conta, para ingls-ver, como pretexto para a manuteno de arraigados privilgios - mas tambm tempos de renascimento tnico ps-colonial de vozes e vises subalternizadas em cinco sculos de experincia colonial. Questes como as persistentes confuses entre raa e etnia, universalismos e particularismos, polticas de ao afirmativa, o devir da Diversidade na Unidade dos sempre problemticos Estados-Naces modernos e contemporneos, as acirradas lutas por ou contra fronteiras e territrios etnopolticos, tudo isso est no horizonte dos temas abordados pelos autores do presente livro, que chegou em um momento mais do que oportuno e necessrio. Assim, o livro em apreo pode nos ajudar a compreender fenmenos diversos e semelhantes, como a recente eleio de Barack Obama nos Estados Unidos, os nazi-fascismos de outrora e os neo-nazi-fascismos de agora, o sangrento conflito Israel-Palestina, o extermnio sistemtico de jovens homens negros nas periferias das grandes cidades brasileiras, as lutas saparatistas de bascos e irlandeses, o levante zapatista indgena-campons no Mxico dos anos 90, a situao dos druzos em Israel e dos curdos no Iraque e na Turquia, a constante e incessante tentativa de jogar os ndios americanos (em um sentido geral) definitivamente nas notas de rodap da historia universal dos Estados-naes americanos (tambm em sentido geral), dentre outros tantos e incontveis fenmenos de etnicidade.