resenha - mendigos, moleques e vadios

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Fruto da dissertação de mestrado de Walter Fraga Filho, o livro Mendigos, moleques e vadios na Bahia do século XIX, foi publicado em 1996, abordando a evolução da atitude das elites baianas no trato com os excluídos da província da Bahia. O autor analisa como a cultura da caridade cristã medial evoluiu para uma intolerância aos pobres a partir da inserção da lógica de trabalho burguês.

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  • Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia - UESB Especializao em Histria: Poltica, Cultura e Sociedade. Disciplina: Tpicos de Histria Poltica I Docente: Maria Aparecida Aluno: Tenrio Batista Lima Sobrinho

    FRANGA FILHO, Walter. Mendigos, moleques e vadios na Bahia do sculo

    XIX. So Paulo: Hucitec, Salvador: EDUFBA, 1996. 190 p.

    Fruto da dissertao de mestrado de Walter Fraga Filho, o livro

    Mendigos, moleques e vadios na Bahia do sculo XIX, foi publicado em 1996,

    abordando a evoluo da atitude das elites baianas no trato com os excludos

    da provncia da Bahia. O autor analisa como a cultura da caridade crist medial

    evoluiu para uma intolerncia aos pobres a partir da insero da lgica de

    trabalho burgus. O zelo e a preocupao em prender vadios e suspeitos por

    parte das autoridades deixa clara a preocupao das elites dirigentes em

    manter sobre controle a camada livre no proprietria, por essa compor a maior

    parte da populao. Essa atitude tinha como objetivo o controle social das

    camadas subalternas, que devido a sua condio de vulnerabilidade, diante

    das sucessivas crises econmicas, se constituam no principal motor de

    sedies do perodo. Inseridos num contexto de empobrecimento, eles passam

    a ser vistos como ameaa ordem social. A pesar da cultura de caridade,

    fruto de uma sociedade catlica, o inchao populacional gerou um sentimento

    de intolerncia contra os miserveis. Essa intolerncia se materializava no

    recrudescimento das medidas repressivas contra os mais pobres.

    Fraga Filho demonstra que desde o sculo XIX a sociedade brasileira

    no consegue dar conta de reabsorver [as] camadas sociais desclassificadas

    e excludas das ocupaes regulares e que a sua nica estratgia fica a cargo

    da represso, encarceramento e estigmatizao destes. No h por parte das

    elites a intenso de resolver o problema desses atores sociais, mas sim de

    blindar-se da misria e da questo social gerada pela excluso.

  • A obra tambm aborda o perfil dos miserveis da Bahia oitocentista, que

    em muito pouco difere da Bahia do sculo XXI. A mendicncia em Salvador

    tinha cor, gnero e condio social. Os percentuais de negros, pardos e

    mestios so a maioria, representando 85% dos indivduos. Os dados

    levantados pelo autor tambm apontam para uma maior incidncia de mulheres

    na condio de mendicncia e tambm para o grande nmero de ex-escravos

    entre os mendigos.

    Dois dados importantes a respeito dos escravos so levantados pelo

    autor, o primeiro mostra que o grande nmero de ex-escravos na condio de

    mendicncia est relacionado a uma prtica nefasta dos senhores de se

    livrarem dos indivduos idosos e enfermos como uma forma de fugirem a sua

    obrigao legal e moral de prestar assistncia a essas pessoas. O segundo

    mostra que a violncia a que estes sujeitos estavam submetidos os levavam a

    constituir uma relao de solidariedade entre si na busca por minimizar as

    adversidades que a sua condio os colocava.

    A ociosidade, a vadiagem, a mendicncia era utilizada pelos libertos

    como uma estratgia de resistncia e autoafirmao da sua condio de livre.

    Era prefervel a mendicncia a ter que sujeitar-se a trabalhos de escravos. A

    vadiagem e as peraltices, por parte dos jovens, era tambm uma forma de

    resistncia desses contra uma sociedade escravista e repressora.

    Assim como hoje, na sociedade excludente em que vivemos que no

    oferece nenhuma condio de absoro das camadas subalternas, as

    empurrando para a violncia, em razo da enorme concentrao de riqueza

    nas mos de uma minscula camada social, as crianas carentes, moradoras

    das ruas do nosso pas, veem sofrendo o preconceito por serem miserveis,

    numa inverso de valores so responsabilizadas pela sua condio de

    vulnerabilidade. Fraga Filho demonstra como reagia a sociedade baiana do

    sculo XIX diante do problema dos menores abandonados:

    O Jornal de Notcias que tinha a frente o farmacutico Llis Piedade

    um dos mais ardorosos defensores da fundao de colnias

    correcionais para menores vadios , em uma srie de artigos publicados

  • nos anos de 1895 e 1896 traou perfil ameaador dos menores:

    vagabundos, trapaceiros, peralta e mentirosos. (1996, p.132)

    As medidas corretivas estavam ligadas a absoro deste contingente ao

    mundo do trabalho, seja a partir da entrega destes aos mestres de ofcio, para

    aprenderem uma profisso, ou ao Arsenal de Marinha e ao Exrcito, para

    serem marinheiros ou soldados. Entretanto, poca, essa prtica se traduzia

    numa verdadeira escravido dos jovens desvalidos.

    Traando um paralelo com os dias atuais, no se v muita diferena da

    atitude das elites a respeito das solues para o problema da criminalidade,

    gerada pela pobreza e a total falta de condies de sobrevivncia dos

    desvalidos do sistema. Assim vemos hoje uma parcela considervel da

    sociedade as elites e boa parte da classe mdia clamar pela diminuio da

    maioridade penal como a nica forma de dar conta do aumento da

    criminalidade fruta da social. Do mesmo modo que ontem, as elites atuais

    mantm a tradio criminalizadora.

    A partir de da dcada de 1850 a sociedade baiana, imbuda dos ideais

    higienistas, travar uma cruzada de saneamento social combatendo os

    mendigos e vadios por considera-los parte dos problemas de sade pblica e

    para resolver esta questo foi criado o Asilo da Mendicidade. Entretanto, o asilo

    era na verdade uma priso para os pobres, negros e mestios. A rigidez do seu

    regulamento, com seus horrios internos, de visitas e de sada da instituio,

    inclusive a presena de uma guarnio da polcia, que a era mantida para

    garantir a ordem, so comparveis organizao de um presdio:

    O trabalho, as refeies, o lazer e as oraes eram regimentalmente

    marcados pela rigidez dos horrios. Para sair os internos eram

    obrigados a pedir autorizao ao administrador, e no se concedia mais

    de duas licenas a cada ms. As visitas ao asilo eram permitidas s

    quintas-feiras e aos domingos.

    A manuteno da ordem interna era acompanhada de perto pelo chefe

    de polcia e pelo presidente da provncia. [...] Um pequeno

    destacamento de cinco guardas urbanos fazia a vigilncia diria do

    estabelecimento. (1996, p.164)

  • Esse procedimento deixa claro a intenso dessa instituio de servir de

    instrumento de controle das camadas inferiores da sociedade. Esse controle se

    devia ao eterno medo das revoltas populares, que numa sociedade excludente

    e concentradora de riqueza, como a baiana, era recorrente e tinha nos libertos,

    mendigos, moleques e vadios os elementos explosivos que engrossavam as

    revoltas sociais do perodo. Apesar da intenso de controla-los os

    desafortunados sempre resistiram, fossem dando nomes falsos s autoridades,

    para assim fugirem a devassa, controle e ao estigma que lhes eram impostos,

    fossem mantendo relaes carnais ente si no interior do asilo prtica que era

    proibida ou at mesmo evitando Salvador como destino, indo instalar-se em

    outras cidades.

    Segundo Fraga Filho no final do sculo do XIX a piedade crist medial

    dar lugar lgica burguesa. Assim o mendigo que era um dos elementos

    fundamentais para se alcanar a salvao por intermdio da caridade passar

    a ser visto como desviante por representar o oposto da lgica da produo.

    A lgica burguesa do trabalho teria sido apropriada pelas elites aristocrticas

    baianas, que via como sendo o passaporte para ingresso no mundo civilizado

    moderno, mundo ao qual buscavam estar antenadas. Partindo dessa nova

    percepo do valor do trabalho e aliada s teses racialistas de Lombroso a

    Spencer a mendicncia e a ociosidade das camadas subalternas ser

    encarada como sintomas de degenerescncia e atraso da sociedade, que s

    abdicando destes valores tradicionais poderia alar-se civilizao. A partir

    dessa argumentao justificava-se incorporao dos pobres, mendigos e

    vadios ao processo produtivo (1996, p.170).

    Apesar de Fraga Filho defender a tese de que a aristocracia teria

    mudado a sua viso de mundo tradicional, com relao ao trabalho servil, para

    a lgica do trabalho capitalista e do mundo da produo e esta ter sido

    responsvel pelo enquadramento criminal dos livres, libertos, mendigos e

    vadios, o autor no consegue mostrar a mesma mudana para a lgica

    capitalista das atividades econmicas. Entretanto, percebe-se muito mais o

    receio do risco de revoltas sociais por parte das elites escravocratas, devido

    perda do controle direto sobre as camadas subalternas livres. A

    criminalizao da mendicncia e da vadiagem pode ser interpretada, tambm,

  • como uma tentativa de reescravizar estes segmentos sociais, em virtude da

    escassez de escravos que era fruto do fim do trfico negreiro e do declnio

    econmico das elites agrrias nordestinas:

    ... senhores de engenho que participaram do Congresso Agrcola de

    Recife, realizado em 1878, com o fim de discutir alternativas a crise da

    grande lavoura canavieira nordestina. Na poca, a maioria dos

    participantes defendeu medidas repressivas vagabundagem como

    meio de colocar homens livres disposio dos proprietrios de

    engenho. (1996, p.175)

    Para o autor, com a independncia, em 1822, ser desencadeado todo

    um processo de controle e reordenamento social com base nas teorias

    racialista e higienistas, visando submeter as classes subalternas livres. Fraga

    Filho traar o itinerrio da mendicncia no sculo XIX e dos seus atores,

    passando pela tradio crist da caridade como elemento de salvao at a

    criminalizao do mendigo como vadio para justiar o seu enquadramento

    enquanto mo-de-obra para atender aos interesses das elites agrrias no

    contexto do fim da escravido, medida que a extino da escravido se

    aproximava, as medidas antivadiagem e antimendicncia seriam tambm

    acionadas para forar os livres e libertos ao trabalho agrcola.