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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA LUIZ FREDSON FRANÇA A VIOLÊNCIA URBANA EM PORTO VELHO - RONDÔNIA: ANÁLISE DA RELAÇÃO ENTRE CRIMES VIOLENTOS LETAIS INTENCIONAIS (CVLI) E QUALIDADE DE URBANIZAÇÃO EM UMA CIDADE DE MÉDIO PORTE NA AMAZÔNIA LEGAL CUIABÁ, MT 2019

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA

LUIZ FREDSON FRANÇA

A VIOLÊNCIA URBANA EM PORTO VELHO - RONDÔNIA: ANÁLISE DA

RELAÇÃO ENTRE CRIMES VIOLENTOS LETAIS INTENCIONAIS (CVLI) E

QUALIDADE DE URBANIZAÇÃO EM UMA CIDADE DE MÉDIO PORTE NA

AMAZÔNIA LEGAL

CUIABÁ, MT

2019

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA

LUIZ FREDSON FRANÇA

A VIOLÊNCIA URBANA EM PORTO VELHO - RONDÔNIA: ANÁLISE DA RELAÇÃO

ENTRE CRIMES VIOLENTOS LETAIS INTENCIONAIS (CVLI) E QUALIDADE DE

URBANIZAÇÃO EM UMA CIDADE DE MÉDIO PORTE NA AMAZÔNIA LEGAL

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em

Sociologia da Universidade Federal de Mato Grosso como

requisito para obtenção do título de Mestre em Sociologia.

Linha de pesquisa: Sociedade, cultura e poder.

Orientador: Prof. Dr. Edson Benedito Rondon Filho.

CUIABÁ, MT

2019

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Bibliotecária responsável: Julia Cristina A. Meinhardt Queiroz – CRB11a 1027

F814v FRANÇA, Luiz Fredson

A violência urbana em Porto Velho/Rondônia: análise da relação entre crimes

violentos letais intencionais (CVLI) e qualidade de urbanização em uma cidade de

médio porte na Amazônia Legal. – – 2019.

Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Mato Grosso. Instituto de

Ciências Humanas e Sociais. Programa de pós-graduação em Sociologia, Cuiabá,

2019.

1. Violência Urbana. 2. Criminalidade. 3. Sociologia do Crime. 4. Sociologia

do Conflito. I. Edson Benedito Rondon Filho. II. Título.

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Às minhas amadas Marias.

Guerreiras nativas nascidas do pé de Iracema, o

mesmo que brotou Maria Luiza...

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AGRADECIMENTOS

À insigne Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) por promover por meio do

Instituto de Ciências Humanas e Sociais (ICHS) e apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento

do Pessoal de Nível Superior (Capes) a implantação do Programa de Pós-graduação em

Sociologia. Ao amigo Carlos Alberto Marques Ribeiro Filho por acreditar na minha proposta

de realizar um mestrado institucional além das fronteiras do Estado de Rondônia. Ao Prof. Dr.

Edson Benedito Rondon Filho pela firme parceria na orientação do trabalho. Ao Prof. Dr.

Francisco Xavier Freire Rodrigues, coordenador do Programa de Pós-graduação em

Sociologia da UFMT, pelo constante incentivo. Ao Prof. Dr. Naldson Ramos da Costa,

examinador externo da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), pela valiosa

colaboração. Ao Prof. Dr. Francisco Thiago Rocha Vasconcelos, examinador externo da

Universidade da Integração Nacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), pelas

intervenções. À Janaína Pereira Monteiro por sua agradável companhia durante e depois do

curso. Às professoras Marinete Covezzi e Silvana Bittencourt pelo aprendizado ofertado tanto

em sala de aula quanto em conversas informais. Aos demais colegas do Programa de Pós-

graduação em Sociologia da UFMT 2016, pois angústia e felicidade foram sentimentos

compartilhados reiteradas vezes. Ao Instituto Médico Legal (IML) do Estado de Rondônia na

pessoa do médico legista, Dr. Genival Queiroga Júnior e demais servidores. Ao Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – Unidade Porto Velho – na pessoa da Diretora

Angela Ilcelina Holanda Nery. À Secretaria Municipal de Planejamento, Orçamento e Gestão

(Sempog) na pessoa de Rosália Maria Passos da Silva, Raisa Tavares Thomaz e Iasmin de

Magalhães, essenciais na fase de pesquisa documental e geoestatística. Aos colegas Roberto

Levi Rodrigues da Silva e Rossana Moreno por emprestarem suas habilidades técnicas na

consulta a bancos de dados criminais, indispensável à pesquisa. Aos colegas do Departamento

de Informática e Telecomunicações da Polícia Civil do Estado de Rondônia (DINTEL), que

por vezes, desejaram êxito nas minhas incursões junto à UFMT. À Jiussi Nogueira, minha

esposa, pois seu amor e dedicação materna foram essenciais para trilhar com confiança esta

empreitada. Agradeço aos meus familiares: vó Maria Iracema, mãe Maria Rosário, tia Maria

Conceição e filhos, tia Maria Etelvina (in memorian), tio Gonzaga (in memorian), Raimundo,

Edilson, Antônio e Francisco. Minhas irmãs Maria Sâmia e família (Claudeir, Lívia e Letícia)

e Silvana França e família (César e Benício). Aos irmãos Fábio e Diogo (in memoriam).

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Minhas filhas Alexia Marissa e Melissa Carolina por fazerem parte dos meus sonhos. Muitas

vezes meus objetivos não permitem que compartilhemos de felicidades e tristezas, já que a

distância se tornou um impeditivo. No entanto, nunca deixaremos de nos encontrar para amar,

chorar, abraçar, sorrir, pular... Pois somos pais e filhos simultaneamente. Ao amigo Renato

Espíndola. Aos queridos e queridas Vinicius Nogueira, Emylle Renayra, Alzenir Nogueira,

Kerlon Kelton, Kaylon Yuri e Ari pela amizade e carinho com a pequena Maria Luiza. Por

fim, aos amigos e amigas que direta ou indiretamente contribuíram para o desfecho deste

sonho, agradeço imensamente pela torcida.

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Em cima dos telhados as antenas de TV tocam

música urbana,

Nas ruas os mendigos com esparadrapos podres

cantam música urbana,

Motocicletas querendo atenção às três da manhã –

É só música urbana.

Os PMs armados e as tropas de choque vomitam

música urbana

E nas escolas as crianças aprendem a repetir a

música urbana.

Nos bares os viciados sempre tentam conseguir a

música urbana.

O vento forte, seco e sujo em cantos de concreto

Parece música urbana.

E a matilha de crianças sujas no meio da rua -

Música urbana.

E nos pontos de ônibus estão todos ali: música

urbana.

Os uniformes

Os cartazes

Os cinemas

E os lares

Nas favelas

Coberturas

Quase todos os lugares.

E mais uma criança nasceu.

Não há mais mentiras nem verdades aqui

Só há música urbana.

Yeah, Música urbana.

Oh Ohoo, Música urbana.

Renato Russo

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RESUMO

Este trabalho pautou-se em pesquisar a violência urbana na cidade de Porto Velho, Região Norte do

País. A abordagem é qualitativa com fase exploratória seguida de descrição e recurso na pesquisa

documental além de suporte no método hipotético-dedutivo. A justificativa está na possibilidade de se

compreender a questão da criminalidade violenta intraurbana em uma cidade de médio porte, uma vez

que estudos sociológicos relacionados a análises espaciais da criminalidade urbana brasileira têm

como referência, geralmente, metrópoles. O estudo buscou reunir dados e informações com a

finalidade de responder em que medida a urbanização tem relação com a concentração espacial de

Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLI) no perímetro urbano da capital do estado de Rondônia.

A hipótese formulada sugere que a concentração espacial de crimes violentos letais intencionais em

zonas administrativas urbanas pode ser resultado da falta ou do difícil acesso a conveniências sociais e

institucionais. Ou seja, bairros periféricos carentes de serviços e equipamentos urbanos são alvos

preferenciais da violência e criminalidade letal. A pesquisa tem como objetivo geral analisar se

determinado conjunto de elementos ligados ao aspecto de urbanização influenciam na concentração

espacial e dinâmica de CVLI na cidade de Porto Velho. Os objetivos específicos foram distribuídos da

seguinte maneira: a) Apresentação de conceitos e teorias relacionadas à violência e criminalidade

urbana; b) Coleta de registros policiais de homicídio doloso, roubo seguido de morte e lesão corporal

com resultado morte dos anos 2010, 2011, 2013 e 2015 ocorridos na unidade de análise; c) Análise por

meio de estatística descritiva da relação entre urbanização e indicador CVLI na cidade de Porto Velho.

Um ponto importante a ser notado é que existem diversas correntes teóricas sobre o desvio e o crime,

mas foram os estudos funcionalistas que contribuíram para que pesquisas envolvendo as causas do

crime e desvio pudessem ser deslocadas do terreno das explicações individuais e levadas para o campo

das forças sociais. Em outras palavras, mesmo reconhecendo a influência biopsicológica como fator

motivacional para o cometimento de crimes, a sustentação teórica do trabalho alega determinantes

sociais para a prática criminosa. Apesar dos dados apontarem uma concentração espacial de CVLI no

lado mais populoso e com menor renda per capita da cidade, a Zona Leste, a hipótese lançada não

pode ser confirmada, tendo em vista que as variáveis relacionadas à urbanização apresentadas não

foram suficientes para estabelecer uma ligação direta com a concentração de CVLI. No entanto, o

trabalho deixa sua contribuição no sentido de buscar novas perspectivas metodológicas aplicadas ao

estudo da criminalidade violenta urbana na cidade de Porto Velho.

Palavras-chave: 1. Violência Urbana. 2. Criminalidade. 3. Sociologia do Crime. 4. Sociologia do

Conflito.

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ABSTRACT

This work was based on research on urban violence in the city of Porto Velho, North Region of the

Country. The approach is qualitative with exploratory phase followed by description and resource in

documentary research as well as support in the hypothetical-deductive method. The justification lies in

the possibility of understanding the issue of intra-urban violent crime in a medium-sized city, since

sociological studies related to spatial analyzes of Brazilian urban crime are generally referred to as

metropolises. The study sought to gather data and information in order to respond to the extent to

which urbanization is related to the spatial concentration of Intentional Lethal Violent Crimes (ILVC)

in the urban perimeter of the capital of the state of Rondônia. The hypothesis put forward suggests

that the spatial concentration of intentional lethal violent crimes in urban administrative areas may be

the result of the lack or difficult access to social and institutional conveniences. In other words,

peripheral districts lacking urban services and equipment are preferential targets of violence and

lethal crime. The research has as general objective to analyze if a determined set of elements linked to

the aspect of urbanization influence in the spatial and dynamic concentration of ILVC in the city of

Porto Velho. The specific objectives were distributed as follows: a) Presentation of concepts and

theories related to violence and urban crime; b) Collection of police records of willful homicide, theft

followed by death and bodily injury resulting in death of the years 2010, 2011, 2013 and 2015

occurred in the unit of analysis; c) Analysis by means of descriptive statistics of the relationship

between urbanization and ILVC indicator in the city of Porto Velho. An important point to note is that

there are several theoretical currents about deviance and crime, but it was the functionalist studies

that contributed to the fact that research involving the causes of crime and deviance could be shifted

from the ground of individual explanations to the field of social forces. In other words, even

recognizing the biopsychological influence as a motivational factor for the commission of crimes, the

theoretical support of the work alleges social determinants for the criminal practice. Although the

data point to a spatial concentration of ILVC in the most populous and lower per capita income of the

city, the East Zone, the hypothesis launched can not be confirmed, since the variables related to

urbanization presented were not enough to establish a direct connection with the concentration of

ILVC. However, the work leaves its contribution to seek new methodological perspectives applied to

the study of violent urban crime in the city of Porto Velho.

Keywords: 1. Urban violence. 2. Criminality. 3. Sociology of Crime. 4. Sociology of Conflict.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

FIGURA 1 Núcleo de Porto Velho, 1910 91

FIGURA 2 Pátio das oficinas da EFMM em Porto Velho, 2012 91

FIGURA 3 Retrato de imigrantes presentes na construção da EFMM 92

FIGURA 4 Vista Parcial da EFMM, 2012 94

FIGURA 5 Vista aérea parcial de Porto Velho, 2012 98

FIGURA 6 Municípios que compõem o Estado de Rondônia, 2018 99

FIGURA 7 Localização do Município de Porto Velho, 2018 100

FIGURA 8 BR 364 e BR 319 e a malha urbana de Porto Velho, 2018 101

FIGURA 9 Distribuição dos distritos do Município de Porto Velho, 2018 102

FIGURA 10 Região do Alto Madeira, Município de Porto Velho, 2018 102

FIGURA 11 Região do Médio Madeira, Município de Porto Velho, 2018 103

FIGURA 12 Região do Baixo Madeira, Município de Porto Velho, 2018 103

FIGURA 13 Usina de Santo Antônio, Rio Madeira, Porto Velho, 2017 105

FIGURA 14 Usina de Jirau, Rio Madeira, Porto Velho, 2018 106

FIGURA 15 Zonas de Planejamento do Distrito Sede, 2018 109

FIGURA 16 Perímetro urbano da cidade de Porto Velho, 2013 110

FIGURA 17 Distribuição espacial de CVLI na cidade de Porto Velho, 2010, 2011, 2013 e 2015 140

MAPA 1 Distribuição espacial e relação de bairros de Porto Velho, 2016 111

MAPA 2 Densidade demográfica da cidade de Porto Velho, 2010 117

MAPA 3 Rendimento média nominal mensal domiciliar em Porto Velho, 2010 118

MAPA 4 Localização de empreendimentos de alto padrão em Porto Velho, 2010 119

MAPA 5 Loteamentos regulares, irregulares e clandestinos em Porto Velho, 2017 120

MAPA 6 Ocupações precárias em Porto Velho, 2018 121

MAPA 7 Escolas estaduais e municipais em Porto Velho, 2018 123

MAPA 8 Unidades de saúde estaduais e municipais em Porto Velho, 2018 124

MAPA 9 Praças e áreas de lazer em Porto Velho, 2018 126

MAPA 10 Delegacias de Polícia Civil e Batalhões da Polícia Militar, 2018 128

MAPA 11 Crimes Violentos Letais Intencionais em Porto Velho, 2010 134

MAPA 12 Crimes Violentos Letais Intencionais em Porto Velho, 2011 135

MAPA 13 Crimes Violentos Letais Intencionais em Porto Velho, 2013 136

MAPA 14 Crimes Violentos Letais Intencionais em Porto Velho, 2015 137

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LISTA DE TABELAS E QUADROS

TABELA 1 Resultado da amostra aleatória do conjunto de dados anuais de registros de

ocorrências policiais, 2010 – 2018 33

TABELA 2 Crescimento populacional, Rondônia, 1970 – 2017 97

TABELA 3 PIB Nominal de Rondônia e Porto Velho 2010 – 2015 106

TABELA 4 Percentual do crescimento populacional em décadas, Porto Velho,

Rondônia, Brasil 1970 – 2017 113

TABELA 5 População residente por situação do domicílio, Brasil, Região Norte,

Rondônia, Porto Velho, 2010 114

TABELA 6 Estimativa da população total residente, Porto Velho 2011-2018 114

TABELA 7 População por faixa etária e sexo, Porto Velho 2000 - 2010 115

TABELA 8 População residente por cor ou raça, Porto Velho, 2010 116

TABELA 9 Região de origem da população residente, Porto Velho, 2010 116

TABELA 10 Registros de crimes violentos letais intencionais praticados em

Porto Velho, 2010, 2011, 2013 e 2015 130

TABELA 11 Crimes Violentos Letais Intencionais, Rondônia 2010, 2011, 2013, 2015 132

TABELA 12 Crimes Violentos Letais Intencionais, Porto Velho 2010, 2011, 2013, 2015 132

TABELA 13 Meios empregados no CVLI em Porto Velho, 2010, 2011, 2013 e 2015 133

TABELA 14 Crimes Violentos Letais Intencionais, Porto Velho 2010 134

TABELA 15 Mortes Violentas Letais Intencionais em Porto Velho, 2011 135

TABELA 16 Mortes Violentas Letais Intencionais em Porto Velho, 2013 136

TABELA 17 Mortes Violentas Letais Intencionais, Porto Velho 2015 137

QUADRO 1 Evolução da mancha urbana de Porto Velho 1970 - 1996 108

QUADRO 2 Delegacias de Polícia Civil e respectivas circunscrições em

Porto Velho, 2018 129

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABSP – Anuário Brasileiro de Segurança Pública

BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento

Capes – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

CID – Classificação Internacional de Doenças

CVLI – Crimes Violentos Letais Intencionais

CVP – Crimes Violentos contra o Patrimônio

DATASUS – Departamento de Informática do SUS

Dintel – Departamento de Informática e Telecomunicações

DO – Declaração de Óbito

FAU – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo

FBSP – Fórum Brasileiro de Segurança Pública

GEI – Gerência de Estratégia e Inteligência

IBAM – Instituto Brasileiro de Administração Municipal

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

ICHS – Instituto de Ciências Humanas e Sociais

IEP - Institute for Economics and Peace

IML – Instituto Médico Legal

IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

MS – Ministério da Saúde

OMS – Organização Mundial de Saúde

PCRO – Polícia Civil do Estado de Rondônia

PDPV - Plano Diretor Participativo do Município de Porto Velho

PMPV – Prefeitura Municipal de Porto Velho

PMRO – Polícia Militar do Estado de Rondônia

PPV – Pacto Pela Vida

Sempog – Secretaria Municipal de Planejamento, Orçamento e Gestão

Senasp - Secretaria Nacional de Segurança Pública

SIM - Sistema de Informações sobre Mortalidade

SUS – Sistema Único de Saúde

UFMT – Universidade Federal de Mato Grosso

Unilab – Universidade da Integração Nacional da Lusofonia Afro-Brasileira

USP – Universidade de São Paulo

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SUMÁRIO

1 NOTAS INTRODUTÓRIAS 16

2 PERSPECTIVA METODOLÓGICA 21

2.1 PESQUISA BIBLIOGRÁFICA 22

2.2 PESQUISA DOCUMENTAL 22

2.3 PADRÃO DE URBANIZAÇÃO 24

2.3.1 Educação 25

2.3.2 Saúde 25

2.3.3 Segurança 26

2.3.4 Lazer 27

2.3.2 Coleta de dados relacionados ao padrão de urbanização 28

2.4 INDICADOR DE CRIMES VIOLENTOS LETAIS INTENCIONAIS 29

2.4.1 Homicídio doloso 31

2.4.2 Lesão corporal seguida de morte 32

2.4.3 Roubo seguido de morte 32

2.4.4 Coleta de dados sobre a criminalidade violenta 32

2.5 USO DE MAPAS, TABELAS E GRÁFICOS PARA COMUNICAR 35

3 A CIDADE COMO MORADIA E LOCAL DE TRABALHO 36

3.1 A ESCOLA DE CHICAGO E SUA RELAÇÃO COM A CIDADE 36

3.2 O ESPAÇO E A POLÍTICA URBANA 45

4 APONTAMENTOS PARA A COMPREENSÃO DA VIOLÊNCIA E DO CRIME 55

4.1 A IMPORTÂNCIA DO CONFLITO PARA AS UNIDADES SOCIAIS 55

4.2 DEFINIÇÃO DE VIOLÊNCIA NA PERSPECTIVA SOCIOLÓGICA 61

4.3 VIOLÊNCIA DIFUSA ENTRE OS CONFLITOS SOCIAIS

CONTEMPORÂNEOS 66

4.4 O DESVIO NA COMPOSIÇÃO DO ESTUDO DA CRIMINALIDADE 75

4.5 O COMPORTAMENTO CRIMINOSO E SUAS NATUREZAS 77

4.5.1 Teoria funcionalista 79

4.5.2 Anomia e teoria da tensão 80

4.5.3 Desorganização social 82

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4.5.4 Teorias interacionistas 82

4.5.4.1 Teoria da rotulação 83

4.5.4.2 Desvio aprendido: associação diferencial 85

4.5.5 Teoria do controle 87

5 PORTO VELHO, UMA CIDADE EDIFICADA SOBRE TRILHOS 90

5.1 SURGIMENTO DE PORTO VELHO 90

5.2 CARACTERÍSTICAS DO MUNICÍPIO DE PORTO VELHO 100

5.2.1 Localização e aspectos do território 100

5.2.2 Perfil econômico 105

5.2.3 Expansão urbana 108

5.2.4 Aspectos sociodemográficos 113

6 DISCUSSÃO E ANÁLISE DOS DADOS 130

CONSIDERAÇÕES FINAIS 145

REFERÊNCIAS 149

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1 NOTAS INTRODUTÓRIAS

““Progresso” é um membro importante da família dos “conceitos

vivamente contestados”. O balanço do passado, a avaliação do presente e a

previsão dos futuros são atravessados pelo conflito e eivados de

ambivalência.”. Zygmunt Bauman

Este trabalho procura pesquisar a criminalidade violenta na cidade de Porto Velho,

capital do Estado de Rondônia, Região Norte do País.

A justificativa está ancorada em dois pontos considerados fundamentais. O primeiro

se situa no campo profissional, pois há mais de uma década desenvolvendo funções na Polícia

Civil do Estado de Rondônia é impensável não entrar em contato com o tema da violência e

criminalidade urbana: o crime não é produzido somente nesta ou naquela sociedade, mas em

todas as sociedades. O segundo ponto de apoio está na possibilidade de se compreender a

questão da concentração espacial de crimes violentos letais na área intraurbana de uma cidade

de médio porte da região amazônica, uma vez que estudos sociológicos dessa natureza têm

como referência, comumente, grandes cidades ou metrópoles brasileiras.

Erigida sob o auspício de uma ordem cósmica perfeita e harmônica, a cidade é talvez

a maior conquista da humanidade. Sem dúvida a cidade se apresenta muito mais do que um

acumulado de pessoas vivendo em um território em busca de conveniências sociais como ruas

bem traçadas, moradia, luz elétrica, transporte, comunicação, recreação etc. A cidade

reproduz mais que um conjunto de dispositivos administrativos: tribunais, hospitais, escolas,

polícia etc. A cidade deve ser encarada como um corpo articulado de costumes e tradições

organizados e transmitidos de geração em geração. Os homens são atraídos para as cidades

assim como as são mariposas para a luz. A cidade não é um produto da natureza, mas um

produto social.

Não se pode deixar de notar a contradição envolvendo o surgimento da cidade.

Representação máxima da razão humana e seu domínio sobre o mundo natural é na cidade

que reside ainda o medo que apavora seu próprio criador. À primeira vista o crescimento

urbano desordenado pode ser como uma selva de pedra, um caos de edifícios e casas, ruas que

mais parecem artérias por onde deslizam rapidamente veículos e caminham pessoas. Toda

essa agitação desorienta e assusta aqueles que chegam às grandes cidades. No entanto a maior

ameaça, aquela que se destaca em uma cidade, continua sendo as pessoas. A maldade não é

mais um atributo das forças naturais, mas apenas uma das muitas particularidades humana.

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Seja como for, atualmente o medo da violência se tornou um instrumento regulador

das relações sociais e, ao que tudo indica, estamos mais sensíveis a ele por conta do processo

de urbanização que atinge as cidades modernas. Não por acaso, o neologismo ―fobópole‖ é a

combinação do medo da cidade e o modo de vida urbano, aponta Souza (2008).

Segundo a narrativa contratualista em um suposto estado natural os homens teriam se

agregado por sentirem medo da insegurança que os circundava. Enquanto emoção básica, o

medo teria motivado os indivíduos a se unirem em busca de segurança por sobrevivência. O

contrassenso está no fato de que mesmo depois de se considerar protegido das ameaças, o

homem segue eliminando seu semelhante.

Toda unidade social, indivíduo ou sociedade, contém em si elementos que atuam

tanto para organização quanto desorganização social. Isso significa que qualquer formação

social mantém relação comum com o conflito. No ambiente social há uma permanente relação

de forças contrárias em busca de equilíbrio e desenvolvimento. Em uma sociedade altamente

complexa e competitiva, a exemplo das sociedades modernas, solidariedade e egoísmo são

fatores concorrentes no interior das relações sociais. Dessa forma não se pode imaginar

qualquer tipo de relação social sem competitividade, sem conflitos.

O medo da violência e criminalidade em áreas urbanas tem ganhado cada vez mais

contornos midiáticos, mostrando que cada um de nós ou alguém que conhecemos já foi vítima

desse tipo de manifestação física ou simbólica. De modo geral, a violência em áreas urbanas

cada vez mais vem despertando temor e preocupação nos brasileiros. Não é demais admitir

que o tema violência urbana é um dos mais candentes dos últimos tempos. Isso quer dizer que

a violência em áreas urbanas tem despertado cada vez mais preocupação. E não é para menos.

De acordo com o relatório The economic value of peace 20181, o Brasil aparece em

10º lugar na lista de países em que as altas taxas de homicídios consomem boa parte de seu

Produto Interno Bruto (PIB). Ainda segundo o relatório o Brasil também está entre os dez

países onde a população mais sente medo de andar pelas ruas, principalmente no período

noturno. Nessa perspectiva de medo da violência urbana, 64% dos brasileiros são tomados

pelo sentimento de insegurança, o que leva o país a disputar junto com o Afeganistão a 5ª

posição no ranking. Em termos de gastos a pesquisa aponta que a violência ao redor do

mundo consumiu mais de 14 trilhões de dólares em 2017. Para os pesquisadores a

deteriorização da paz prejudica o desenvolvimento (MUNDO AO MINUTO, 2018).

1O valor econômico da paz 2018 (em tradução livre). Trata-se de relatório elaborado por pesquisadores do Vision

of Humanity, organismo vinculado ao Institute for Economics and Peace (IEP), organização não governamental e

sem fins lucrativos sediado em Sydney, Austrália.

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Corroborando com o relatório confeccionado pelo Institute for Economics and

Peace (IEP), o Atlas da Violência 2018 revelou que nos últimos dez anos 553 mil pessoas

perderam suas vidas devido a mortes violentas nas cidades brasileiras, o equivalente a 30,3

mortes para cada 100 mil habitantes. Isso significa que em um década uma cidade de médio

porte foi exterminada. O Atlas informa também que no ano de 2016 o Brasil registrou 62.517

homicídios, um aumento de 5,49% em relação ao ano anterior, o qual as notificações oficiais

chegaram a 59.080. Esses números se distanciam da casa dos 48 a 50 mil homicídios

praticados anualmente entre 2005 e 2007, por exemplo, revelando um substancial crescimento

das taxas de crimes violentos em menos de duas décadas (IPEA, 2018).

No ano de 2014, conforme divulgado pelo Mapa da Violência 2015, das 27 unidades

federativas a cidade de Porto Velho ocupava a 18ª posição em homicídios praticados por

disparo de arma de fogo. Esse tipo de relatório pesquisa o progressivo, sistemático e

ininterrupto incremento das taxas de homicídio por arma de fogo no país desde 1980

(WAISELFISZ, 2015).

Em 2014 as capitais brasileiras registraram 15.932 mortes decorrentes de crimes

violentos letais intencionais, ou seja, juntas as 27 capitais tiveram uma taxa média de 33

mortes violentas por 100 mil. Na capital de Rondônia, Porto Velho, a taxa de crimes violentos

letais foi de 30,6 para cada 100 mil habitantes, ocupando a 20ª posição no cenário nacional

nesse mesmo ano (ABSP, 2015).

Se vincularmos esses números de homicídios aos direitos constitucionais, fica

evidente que o país não vem fazendo seu dever de casa. Isso porque o crime de homicídio é

considerado o principal expoente da violência, pois denota o estado bruto do fenômeno, um

grave atentado contra o bem mais precioso do indivíduo, a vida.

Até a década dos anos de 1970 trabalhos sociológicos relacionados àquilo que hoje

se convencionou chamar de ―violência urbana‖ eram raros no Brasil. É que as pesquisas sobre

violência e criminalidade invariavelmente se restringiam a abordagens do Direito Penal ou da

Psiquiatria. Somente a partir da década de 1980 é que estudos no campo das Ciências Sociais

(sociologia, ciência política e antropologia), história e psicologia social ganharam relevância.

Durante esse processo de particularização dos estudos sociais foram desenvolvidas diversas

perspectivas que examinaram as relações entre criminalidade violenta e seus vínculos

institucionais, como poder e cultura (MISSE, 1993; ZALUAR, 1999; ADORNO, 1993).

A sociologia tem procurado abordar os determinantes da conduta criminosa dentro de

duas dimensões: micro e macrossociológica. A primeira indica que são exatamente os traços

individuais (biopsicológicos) e as motivações pessoais responsáveis pelo cometimento dos

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delitos, encaminhando os indivíduos para o mundo do crime. Ao passo que a segunda parte de

variáveis processuais, estruturais e institucionais (sociais) que recaem sobre a causa dos

crimes. Nessa perspectiva se analisa o peso dos determinantes políticos, culturais, econômicos

e dos contextos sociais mais amplos e sua influência sobre os indivíduos desviantes

(GIDDENS, 2005; ROBERT, 2007; RAINE, 2015).

Mesmo reconhecendo influências biopsicológicas como fatores que também podem

contribuir para o cometimento de crime, nossa sustentação teórica se pauta em determinantes

sociais para a prática de delitos.

Nesse sentido o presente estudo buscou reunir dados e informações com a finalidade

de responder em que medida a urbanização se relaciona com a dinâmica e concentração

espacial de crimes violentos letais no perímetro urbano de uma cidade de médio porte,

especificamente a cidade de Porto Velho-RO.

Nossa hipótese parte do seguinte princípio: se, no contexto urbano, considerarmos a

urbanização como um conjunto de elementos capaz de elevar a qualidade das condições de

existência dos indivíduos, diminuindo, inclusive, a percepção do medo e insegurança, ou seja,

influenciando diretamente no processo de organização e desorganização social; então, é

possível que a dinâmica e concentração espacial de crimes violentos em zonas urbanas pode

estar relacionada à falta de condições de acesso aos equipamentos e serviços urbanos.

A presente pesquisa tem como objetivo geral analisar se determinado conjunto de

elementos ligados ao aspecto de urbanização influencia na concentração espacial e dinâmica

de crimes violentos na cidade de Porto Velho, Rondônia.

Quanto aos objetivos específicos foram distribuídos da seguinte maneira:

a) Apresentar conceitos e teorias relacionadas à violência e crime;

b) Coletar registros de homicídio doloso, roubo seguido de morte e lesão corporal

com resultado morte entre 2010 a 2018 ocorridos na unidade de análise;

d) Analisar possíveis relações entre serviços e equipamentos urbanos e concentração

de crimes violentos letais intencionais na cidade de Porto Velho.

Para alcançar os objetivos propostos foi necessário estabelecer um percurso teórico

metodológico que originou cinco capítulos que compõem esta dissertação.

O primeiro capítulo – Notas introdutórias – tem por função situar o leitor a partir da

organização das ideias do pesquisador, seu questionamento norteador bem como a

importância e justificativa da pesquisa.

O segundo capítulo – Perspectiva metodológica – aborda os métodos empregados na

presente pesquisa.

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O terceiro capítulo – A cidade como moradia e local de trabalho do homem moderno

– procura mostrar, a partir da escola de Chicago, a cidade moderna como objeto de estudo da

Sociologia urbana; procura também uma definição sociológica de cidade e sua relação com o

espaço urbano.

O quarto capítulo – Apontamentos para a compreensão da violência e do crime –

procura esclarecer o que se entende por conflito e sua influência nas relações sociais. Feito

isso, aborda o conceito de violência, expõe o que se entende por desvio e se lança em algumas

das principais teorias do crime.

O quinto capítulo – Porto Velho, uma cidade edificada sobre trilhos – retrata de

maneira rápida o processo de ocupação e urbanização na cidade de Porto Velho. A investida

serve como preâmbulo para adentrar na unidade de análise, a cidade de Porto Velho.

A junção dos capítulos nos permite visualizar um panorama do problema estudado,

abrindo espaço para discussões e análises e parte para as considerações finais.

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2 PERSPECTIVA METODOLÓGICA

―Apesar de todos os controles metodológicos, a pesquisa e suas descobertas

são inevitavelmente influenciadas pelos interesses e pelas formações sociais

e cultural dos envolvidos.‖ Uwe Flick

A finalidade deste capítulo é expor os percursos metodológicos empregados nesta

pesquisa. A proposta foi construir ferramental necessário para realizar uma pesquisa

qualitativa de cunho exploratório seguido por fase descritiva no intuito de responder em que

medida a urbanização influencia na concentração espacial de crimes violentos no perímetro

urbano de Porto Velho, cidade de médio porte situada na parte Norte do País.

Quando se trata de temas que dizem respeito à segurança pública dificilmente o

pesquisador se depara com uma receita pronta de método científico adequado ao seu estudo

(LIRA, 2017). Portanto ao pesquisar fenômenos como violência e crime é preciso atentar para

o envolvimento de agentes em um universo de muitas possibilidades.

Embora boa parte dos dados, obtidos em fontes secundárias, sejam quantitativos o

trabalho se desenvolve dentro do modelo qualitativo.

A pesquisa qualitativa se apresenta melhor a certos tipos e temas de pesquisa, mais

especificamente no campo social. Pelo seu caráter fugaz os fenômenos sociais tendem a

resistir a técnicas de mensuração. Nesse sentido a pesquisa qualitativa tem sido utilizada para

descrever certa situação social (pesquisa descritiva) ou mesmo para explorar certas questões

(pesquisa exploratória) onde a resposta junto ao modelo quantitativo muitas vezes não satisfaz

o pesquisador (DESLAURIERS, KÉRISIT, 2012).

O gênero delineado está calçado na pesquisa empírica. Isso se refere àquela pesquisa

dedicada à difícil tarefa de codificar e/ou decodificar a mensuração da realidade social

(DEMO, 1995).

O método de abordagem se pauta no hipotético-dedutivo. Significa que ao lançar

uma hipótese pelo processo de inferência dedutiva, procura-se testá-la conforme ocorrências

dos fenômenos observados e teorias estudadas (LAKATOS, MARCONI, 1999).

Para chegar ao objetivo proposto, três frentes metodológicas foram constituídas:

a) pesquisa bibliográfica;

b) pesquisa documental;

c) mapeamento dos dados empíricos.

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2.1 PESQUISA BIBLIOGRÁFICA

A pesquisa bibliográfica possibilitou a ordenação das ideias dentro do tema violência

urbana. Ao deslocar o objeto ‗violência‘ para ‗violência urbana‘, surgiram conceitos de

cidade, espaço urbano, industrialização, urbanização etc. Essas categorias são necessárias para

a melhor compreensão do objeto estudado: a criminalidade violenta dentro do espaço urbano.

Pesquisas envolvendo o crime necessariamente passam pela conduta desviante.

Dessa forma os estudos sociológicos sobre o desvio e o crime assumem, pelo menos, dois

caminhos.

Uma primeira direção procura abordar os determinantes da conduta criminal dentro

de uma dimensão microssociológica, indicando que os traços individuais (biopsicológicos) e

as motivações pessoais são responsáveis pelo cometimento dos delitos, encaminhando os

indivíduos para o mundo do crime (GIDDENS, 2005; ROBERT, 2007; RAINE, 2015). A

outra direção parte do viés macrossociológico, onde as variáveis processuais, estruturais e

institucionais que recaem sobre a causa dos crimes são avaliadas. Nessa perspectiva se analisa

o peso dos determinantes políticos, culturais, econômicos e dos contextos sociais mais amplos

e sua influência sobre os indivíduos desviantes. O segundo caso se refere a uma causa social

para o desvio (GIDDENS, 2005; ROBERT, 2007).

Mesmo reconhecendo a influência biopsicológica como fator que incide também

sobre práticas criminosas, a sustentação teórica seguida aqui indica determinantes sociais para

a conduta criminosa.

2.2 PESQUISA DOCUMENTAL

Nessa fase buscou-se informações em diversas fontes documentais referentes aos

aspectos histórico, territorial, geográfico, ambiental, demográfico, econômicos e social do

Município de Porto Velho. Essas informações foram obtidas a partir de quatro documentos:

a) Relatório da Missão da Relatoria Nacional à Moradia e à Terra Urbana em Porto

Velho/RO 2004.

b) Plano Diretor de Porto Velho 2008.

c) Anuário Estatístico da Prefeitura de Porto Velho 2010-2016.

d) Revisão do Plano Diretor do Município de Porto Velho 2018 (Produto 2 e 3).

O Relatório da Missão da Relatoria Nacional à Moradia e à Terra Urbana em Porto

Velho/RO (2004) é um produto divulgado pela Relatoria Nacional que, por sua vez, trata-se

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de um projeto da sociedade civil inspirado na experiência das Nações Unidas. No Brasil a

Relatoria se encarrega da nomeação de relatores especiais, cujo papel é investigar as situações

de desrespeito aos direitos humanos econômicos, sociais e culturais. Em seguida subsidia a

avaliação da capacidade de implementação destes direitos bem como elabora recomendações

para a superação dos problemas identificados (SAULE, CARDOSO, 2015).

O Plano Diretor de Porto Velho (2008) corresponde a uma revisão e atualização do

Plano Diretor de Porto Velho de 1990 realizado pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo

da Universidade de São Paulo (FAU/USP) e pela Fundação de Pesquisa Ambiental da USP.

Para a confecção do Plano Diretor (2008) foi considerado o relatório produzido no ano de

2004 pelo consórcio Cyro Laurenza Consultores, Engefoto e Policentro, além do Plano de

Ação Estratégica patrocinado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e

concluído ao final de 2006.

O Anuário Estatístico do Município de Porto Velho (2010-2016), elaborado pela

Secretaria Municipal de Planejamento, Orçamento e Gestão (Sempog), é um documento que

disponibiliza para a sociedade dados que propiciam a análise dos diversos aspectos (territorial,

socioeconômico, geográfico e ambiental) do município e demais distritos. Os dados colocados

à disposição do público são oriundos de diferentes fontes, constituindo-se em importante

ferramenta para a tomada de decisão, seja do setor público ou privado.

O documento Revisão do Plano Diretor Participativo do Município de Porto Velho

(2018) consiste em um produto adquirido por meio de contrato firmado entre a Prefeitura do

Município de Porto Velho e o Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM). O

objetivo do contrato é o assessoramento técnico e metodológico da revisão do Plano Diretor

Participativo do Município de Porto Velho (PDPV) e legislação urbanística complementar. A

equipe responsável pela revisão do Plano Diretor e legislação urbanística produziu relatórios

complementares entre si que possibilitam traçar um diagnóstico que permite apontar para

questões críticas e potencialidades do município. Os relatórios estão distribuídos na seguinte

ordem: Produto 1 – Plano de Trabalho; Produto 2 – Diagnóstico Preliminar; Produto 3 –

Diagnóstico Consolidado; e Produto 4 – Diretrizes e Propostas Preliminares.

Dentre os quatro relatórios produzidos pela equipe técnica IBAM/Sempog, optou-se

por extrair dados e informações dos Produtos 2 e 3.

O Produto 2 – Diagnóstico Preliminar – tem por objetivo organizar as informações

sobre a realidade do Município de Porto Velho, e ainda fazer uma análise do plano diretor

vigente e sua implementação. Já o Produto 3 – Diagnóstico Consolidado – reúne informações

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e análises sobre o Município a partir do Produto 2, oferecendo uma visão integrada dos

principais desafios de Porto Velho naquilo que diz respeito ao Plano Diretor.

2.3 PADRÃO DE URBANIZAÇÃO

A Constituição Federal de 1988 procurou assegurar direitos coletivos e individuais

com vista a gerar segurança, bem-estar, desenvolvimento, igualdade e justiça. O Estado

democrático de direito brasileiro tem por função precípua garantir a eficácia dos direitos dos

seus cidadãos e por isso os direitos sociais devem ser acessíveis e eficientes.

O Estatuto da Cidade em seu Capítulo II, intitulado ―Dos Direitos Sociais‖, é claro

ao afirmar que são direitos sociais dos brasileiros o direito a educação, a saúde, ao trabalho, a

moradia, ao lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a

assistência aos desamparados (BRASIL, 2001).

Portanto os direitos sociais são direitos constitucionais que devem ser implementados

por meio de políticas públicas. Entende-se por política pública ―[...] uma decisão de cunho

estritamente político que visa distribuir recursos públicos escassos para aquilo que o grupo

que controla o aparelho de Estado julga mais importante.‖, aponta Zaverucha (2004, p. 15).

Então, se faz necessário que o poder público nas três esferas de governo (federal,

estadual e municipal) invista maciçamente em recursos por meio de políticas públicas para a

efetiva garantia dos direitos sociais e desenvolvimento da cidadania.

Por outro lado para que determinado território seja considerado uma zona urbana

dentro de um município, principalmente para efeito de incidência do Imposto sobre a

Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU), deve existir na área analisada pelo menos

dois dos seguintes equipamentos e serviços urbanos construídos ou mantidos pelo Poder

Público: a) meio-fio ou calçamento com canalização de águas pluviais; b) abastecimento de

água; c) sistema de esgoto sanitário; d) rede de iluminação com ou sem posteamento para

distribuição domiciliar; e) escola primária ou posto de saúde a uma distância máxima de três

quilômetros do imóvel (PORTO VELHO, 2004).

Nesse sentido os serviços e equipamentos urbanos usados na composição de um

padrão mínimo de urbanização das zonas administrativas da cidade de Porto Velho, são:

educação (escolas municipal e estadual), saúde (unidades municipal e estadual), lazer (praças

e quadras desportivas), e segurança pública (policiamento). Este último está representado

pelos batalhões da Polícia Militar e delegacias da Polícia Civil.

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2.3.1 Educação

Conforme o art. 205 da CF/88, ―A educação, direito de todos e dever do Estado e da

família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno

desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para

o trabalho.‖ (BRASIL, 1988). Percebe-se que é a educação que promove a socialização do

indivíduo garantindo a cooperação e a sobrevivência das sociedades. Vem detalhada no Título

VIII, Da Ordem Social, especialmente nos artigos 205 a 214, onde reside uma série de

aspectos que envolvem a concretização desse direito, tais como os princípios e objetivos que o

circundam, os deveres de cada ente federativo (União, Estados, Distrito Federal e Municípios)

para com a garantia desse direito, a estrutura educacional brasileira (dividida em diversos

níveis e modalidades de ensino), além da previsão legal de um sistema próprio de

financiamento. Para além dessa previsão constitucional, o Brasil tem ainda uma série de

outros documentos jurídicos que contêm dispositivos a respeito do direito à educação, tais

como o Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966,

ratificado pelo Brasil em 12 de dezembro de 1991, e promulgado pelo Decreto Legislativo n.

592, a 6 de dezembro de 1992; a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n.

9.394/96), o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90), o Plano Nacional de

Educação (Lei n. 10.172/2001), entre outros dispositivos jurídicos (DUARTE, 2007).

2.3.2 Saúde

Se notabiliza também no rol de direitos sociais ou prestacionais. Segundo Prado

(2012, p. 58), ―A Organização Mundial de Saúde (OMS) define saúde não apenas como a

ausência de doença, mas como a situação de perfeito bem-estar físico, mental e social‖. O

direito à saúde como condição de vida e bem estar social se configura como uma dos

elementos que impõem dever ao Estado frente à dignidade da pessoa humana.

A partir do final da década de 1990, com promulgação da Constituição Federal,

foram definidas diretrizes para nortear o Sistema Único de Saúde (SUS), como ferramenta

importante para a universalização, equidade, integralidade, descentralização, hierarquização e

participação comunitária nos assuntos relacionados à saúde pública. Assim como a educação,

a assistência à saúde é livre à iniciativa privada.

O art. 200 da CF/88, sublinha que compete ao SUS o controle e fiscalização de

produtos e substâncias de interesse da saúde humana; a execução de ações de vigilância

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sanitária e epidemiológica; a formação recursos humanos; a participação na política de

saneamento básico; o desenvolvimento técnico-científico e inovação dentro de seu campo de

atuação; a fiscalização e inspeção de alimentos para o consumo humano; a participação no

controle e fiscalização de substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos; a

colaboração na proteção do meio ambiente (BRASIL, 1988).

O processo de construção do SUS visou reduzir a lacuna existente entre os direitos

sociais garantidos em lei e a capacidade de oferta de ações e serviços públicos de saúde à

população. Apesar desses princípios ainda não terem sido atingidos em sua plenitude, o

sistema vem avançando nas últimas décadas no seu processo de consolidação, dentre os quais

se destaca a descentralização com efetiva participação dos municípios na promoção da saúde

pública, a exemplo do Programa Saúde da Família (PSF, 2000).

2.3.3 Segurança

No Brasil, no tocante à segurança pública dos estados e Distrito Federal há dois

modelos de polícias que operam autonomamente, porém são complementares quando visam

igualmente à preservação da ordem social.

Em seu art. 144, a CF/88 estabelece que compete à segurança pública — composta

pelos órgãos institucionais: polícia federal, polícia rodoviária federal, polícia ferroviária

federal, polícia civil, polícia militar e corpo de bombeiro militar, no título V (Da Defesa do

Estado e das Instituições Democráticas) — ―a preservação da ordem pública e da

incolumidade das pessoas e do patrimônio.‖ (BRASIL, 1988).

O § 4º do mesmo artigo dispõe sobre a atribuição da Polícia Civil (PC), afirmando

que é de sua competência a apuração de infrações penais, quer dizer que a PC detém

atribuições de polícia investigativa (judiciária).

O § 5º diz que é de incumbência da Polícia Militar (PM) o patrulhamento ostensivo

(em contraposição ao velado) para a manutenção da ordem pública, da incolumidade das

pessoas e do patrimônio.

O § 8º disciplina que os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas

à proteção de seus bens, serviços e instalações.

Em todo caso a Polícia Civil, Polícia Militar, Ministério Público, Justiça e órgãos

penitenciários coexistem em um mesmo contexto, o da Segurança Pública, fazendo parte do

Sistema de Justiça Criminal. Em razão disso, as ações de qualquer desses órgãos reflete na

atuação dos demais. Isso significa que o que eventualmente falha em um pode ser compelido

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por outro visando a correção. Por certo, quando isso não ocorre, implica em falha da ação do

conjunto (ZAVERUCHA, 2004).

É comum que os registros de ocorrências criminais sejam feitos pelas duas polícias,

no entanto as investigações (com exceção das militares) fica à cargo da Polícia Civil.

Na prática penal atual, a Polícia Militar lavra um Boletim de Ocorrência e encaminha

para a Polícia Civil que, em tese, instaura um TCO (Termo Circunstanciado de Ocorrência)

ou um IP (Inquérito Policial) conforme for o tipo penal. No entanto não existe nenhuma lei

determinando expressamente que o Boletim de Ocorrência deva ser encaminhado à Polícia

Civil. Todavia, poucos são os Inquéritos Policiais iniciados sem boletim de ocorrência

oriundo da Polícia Militar (MELO, 2010). É verdade que alguns estados estão legislando no

sentido de permitir a confecção de TCO aos cuidados também da Polícia Militar, mas a

medida é controversa e o trabalho não pretende entrar nessa discussão.

2.3.4 Lazer

O direito ao lazer está na Constituição – artigo 6º, caput, artigo 7º, IV, artigo 217, §

3º, e artigo 227. Assim, o lazer possui o mesmo status de importância que os demais direitos

sociais citados e pautados. O acesso ao lazer é considerado um fator condicionante de bem-

estar e cidadania.

O lazer é um bem essencial aos cidadãos, contudo é citado poucas vezes no texto

constitucional de 1988. Embora as práticas de diversão e a ludicidade já existam há muitos

séculos, a base material para a construção do conceito de lazer moderno é a industrialização,

ou seja, aquilo que significou a transformação da forma das relações de trabalho e a

reordenação dos tempos na sociedade capitalista. O lazer tal como o entendemos hoje é um

produto da revolução industrial (LOPES, 2017).

O significado da palavra lazer não é fácil de ser definido, pois existem vários

conceitos, além de o lazer se apresentar como fenômeno repleto de ambiguidades. Pensar o

conceito de lazer se torna desafiador porque esse é um tema permeado pelo senso comum. O

termo lazer está associado a um conjunto de ocupações que o indivíduo pode vir a se entregar

espontaneamente, seja para seu descanso, seja para sua diversão, recreação ou entretenimento.

O lazer pode ser também o desenvolvimento da informação ou formação desinteressada do

indivíduo, sua participação social voluntária ou até sua capacidade inventiva para sair de suas

obrigações profissionais, familiares etc. (LOPES, 2017).

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Percebe-se que o tempo é um pressuposto fundamental para o exercício do lazer, que,

por sua vez, não poderá ocorrer se não houver uma disponibilidade. Isso não quer dizer que

todo tempo livre deve ser encarado como lazer.

O direito ao lazer é um dos vetores de desenvolvimento de uma cidade mais justa e

ambientalmente sustentável. Pois, de acordo com o § único da LC n° 311/2008, ―Entende-se

como cidade sustentável àquela que assegure o direito à terra urbana, à moradia, ao

saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana [sic], o transporte e aos serviços públicos, ao

trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações.‖ (PORTO VELHO, 2008).

2.3.5 Coleta de dados relacionados ao padrão de urbanização

Nesta etapa os dados relacionados equipamentos e serviços urbanos foram adquiridos

de várias fontes, ou seja, os dados são de natureza secundária.

Os dados relacionados à educação foram obtidos nos sítios da Secretaria Municipal

de Educação (SEMED) e Secretaria de Estado da Educação (SEDUC). Os dados relacionados

à saúde foram adquiridos no sítio da Secretaria Municipal de Saúde (SEMUSA) e Secretaria

de Estado da Saúde (SESAU). Os dados de lazer e desporto foram extraídos do sítio da

Secretaria Municipal de Planejamento e Gestão (SEMPOG). Por fim os dados relacionados à

segurança pública foram extraídos dos sítios da Polícia Militar (PMRO) e Polícia Civil

(PCRO) do Estado de Rondônia.

Alguns dados oriundos da Semed, Seduc e Sesau vieram no formato DOC e XLS,

extensões do programa Office da empresa Microsoft.

Após exclusão de municípios e distritos, exceto do distrito Sede, dispomos os dados

em planilha do programa MS Excel, versão 2010.

Para georeferenciar esses equipamentos e serviços urbanos foi preciso buscar as

coordenadas geográficas dos respectivos endereços junto ao Google Earth Pro, um aplicativo

de mapas tridimensional mantido pelo site de buscas Google.

Após a produção de tabela XLS com as coordenadas geográficas dos equipamentos e

serviços urbanos foi criado um arquivo no formato KMZ. O formato KMZ é usado para exibir

dados geográficos da Terra em um navegador (browser), como Google Earth, Google Maps e

Google Maps para celular.

Com as coordenadas geográficas em formato KMZ foi possível espacializar os

equipamentos e serviços urbanos. Convertendo o formato KMZ para KML foi possível gerar

os mapas no aplicativo Google Maps.

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2.4 INDICADOR DE CRIMES VIOLENTOS LETAIS INTENCIONAIS

A palavra indicador vem do latim indicare e quer dizer descobrir, apontar, anunciar,

estimar etc. Os indicadores são responsáveis por comunicar ou informar a respeito da direção

e progresso de certa meta estabelecida; mas também pode ser um recurso auxiliar na

percepção de uma tendência que não seja imediatamente detectada (BELLEN, 2007).

Fazer a contagem de mortes violentas letais intencionais no Brasil se mostra uma

atividade penosa para muitos pesquisadores, pois cada estado adota sua própria contabilidade.

A ausência de um padrão parece não produzir estatísticas confiáveis. Sob esse efeito o registro

de homicídio doloso ficou obsoleto para quantificar a violência homicida. Para suprir essa

falta de uniformização na coleta de dados sobre crimes violentos letais foi desenvolvida uma

nova metodologia de contagem, advinda do equilíbrio entre meios científicos e jurídicos.

Segundo Hermes (2014, p. 3), ―[...] o termo Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLI) tem

como fundamento agrupar crimes de maior relevância social, beneficiando uma análise

sociológica e científica, e que vão além do homicídio doloso apenas.‖.

A falta de critérios para classificar ocorrências de crimes violentos letais contra a

vida, bem como crimes violentos contra o patrimônio é um problema para pesquisas

comparativas no campo da segurança pública. Não resta dúvida que um dos problemas que

comprometem a consistência de análises comparativas entre alguns pesquisadores que adotam

o homicídio como indicador de violência e criminalidade são as variadas divulgações não

oficiais de números de ocorrências criminais sem o uso de metodologia adequada para

aferição (CAPPI, GUEDES, SILVA, 2013).

Cada estado adota seu próprio modelo de contabilidade criminal dentre outras

medidas na tentativa de produzir estatísticas criminais. A produção de estatísticas confiáveis

bem como informes não oficiais aliados à falta de ações coordenadas entre os entes federados

desemboca na sensação de (in)segurança para boa parte da população. Procurar convencer os

estados a adotarem metodologias padronizadas de produção de estatísticas para mensurar os

crimes violentos intencionais que resultam em morte é um desafio para o Estado brasileiro.

Devido a necessidade de se adotar uma metodologia padronizada para a contagem de

crimes de natureza violenta e letal a Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), criou

em 2006 a sigla CVLI. A abreviação serve para classificar ocorrências policiais envolvendo

crimes violentos letais intencionais e outros crimes congêneres. A secretaria também criou a

sigla CVP para designar crimes violentos contra o patrimônio (GOIÁS, 2017).

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Este trabalho não fará uso do indicador CVP, apenas de crimes que compõem o

indicador CVLI. Porém, a título de esclarecimento, entende-se por Crimes Violentos contra o

Patrimônio (CVP), todos os crimes classificados como roubo (art. 157 do CP), exceto o roubo

seguido de morte (―latrocínio‖), mencionado no indicador CVLI. O crime de roubo é o ato de

subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outro, mediante grave ameaça ou violência à

pessoa (ou não), ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de

resistência (GOIÁS, 2017).

O Estado de Pernambuco foi o primeiro estado do país a utilizar o termo CVLI. Isso

ocorreu em 2007 por meio do Programa ―Pacto Pela Vida‖ (PPV), implantado pelo governo

estadual em um momento em que Pernambuco apresentava altas taxas de homicídio,

figurando entre as piores taxas do país. O referido programa visava a diminuição dos níveis de

violência em todo estado. Após a implantação deste programa, no período entre 2007 e 2011,

Pernambuco registrou redução de 26,26% nas taxas de homicídio, com uma redução média de

5,25% ao ano (CAPPI, GUEDES, SILVA, 2013).

Estados como Bahia, Paraná, Paraíba, Goiás são alguns exemplos que tiveram

iniciativa parecida ao Estado de Pernambuco na implantação de programas inspirados no

Pacto Pela Vida, mas com suas próprias versões, seguindo a autonomia dos entes federativos

(CAPPI, GUEDES, SILVA, 2013).

No caso do Paraná a Secretaria de Segurança Pública criou o Programa ―Mapa do

Crime‖, onde as ações de combate ao crime são feitas por meio da interdisciplinaridade e de

ferramentas tecnológicas de analise criminal e georreferenciamento. Entre os analistas estão

sociólogos, geógrafos, antropólogos e estudiosos da segurança pública com o propósito de

não analisar mais a criminalidade como um ―problema de polícia‖ apenas, mas descobrir as

causas sociais que influenciam a criminalidade (CAPPI, GUEDES, SILVA, 2013).

Na criação do CVLI a Senasp frisou a importância de que sejam incluídos entre os

crimes definidos como CVLI todos aqueles que tenham sido cometidos de forma violenta e

intencional, gerando o resultado morte. Ou seja, a intenção em se praticar o ato criminoso é

requisito essencial dessa categoria classificatória. Alguns estudiosos discutem a possibilidade

da inclusão das tentativas na categoria CVLI. Contudo, na tentativa não está presente o

pressuposto fundamental do CVLI: o resultado morte (CAPPI, GUEDES, SILVA, 2013).

Os crimes que constituem o CVLI fazem referência às infrações penais praticadas de

maneira violenta, cometidas de forma proposital e que levam a vítima à morte. Do ponto de

vista do Código Penal (Decreto-Lei N° 2.848/1940) a morte é um estado determinado por lei

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de não existência de um ser humano; mas no caso específico do homicídio, esse evento advém

de maneira criminosa (GOIÁS, 2017).

Outro fator que sustenta adoção do CVLI como indicador de aferição da violência se

pauta na Súmula 603 do Supremo Tribunal Federal (STF)2. Este documento considera que o

crime de latrocínio não é de competência do tribunal do júri, mas do juiz singular da ação. O

fundamento jurídico dessa súmula é que o latrocínio não seria crime doloso contra a vida,

mesmo que a morte seja dolosa, pois está localizado no título referente aos ―crimes contra o

patrimônio‖ e não inscrito nos ―crimes dolosos contra a vida‖ do Código Penal. O

entendimento expresso é que uma vez que a conduta do infrator é dirigida a tomar os bens da

vítima, o resultado morte é apenas um meio para alcançar seu intento: o patrimônio alheio.

Portanto, dentro dessa lacuna entre conceitos meramente jurídicos e sociológicos,

surge o indicador CVLI.

O indicador CVLI é composto pelos seguintes tipos penais: homicídio doloso, lesão

corporal com resultado morte e latrocínio. Segue mais especificações conforme Manual de

Metodologia para aferição de indicadores e metas da Secretaria de Segurança Pública de

Goiás (GOIÁS, 2017).

2.4.1 Homicídio doloso

Inscrito no Código Penal (art. 121) é o ato de uma pessoa matar outra. É considerado

homicídio doloso quando o infrator quer o resultado ou assume a autoria do crime. Este tipo

de crime está inserido no capítulo relativo aos ―crimes contra a vida‖ e é considerado a mais

grave violação contra o ser humano, sendo reprimido pela lei e pela sociedade civilizada. Suas

penas variam entre 12 e 30 anos de reclusão.

Para ser classificado dentro do indicador CVLI, deve-se observar: a) todos os

homicídios praticados de forma voluntária ou intencional por qualquer instrumento ou meio;

b) as ocorrências de homicídios simples, qualificado e privilegiado são incluídas na categoria

homicídio doloso; c) estão excluídas desta categoria para fins estatísticos as ―Mortes por

intervenção policial‖, que são aquelas mortes praticadas por agentes de segurança pública em

estado de necessidade, em legitima defesa própria ou de terceiros e no estrito cumprimento de

dever legal ou no exercício regular de direito; d) todas as tentativas de homicídios em que a

vítima venha a óbito posteriormente dentro do ano de aferição.

2Disponível em:<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumarioSumulas.asp?sumula=2683>. Acesso

em: fev. 2019.

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2.4.2 Lesão corporal seguida de morte

Este crime está no Código Penal (art. 129, § 3º) e indica qualquer dano trazido à

integridade corporal ou a saúde de outrem. Suas tipificações preveem penas que variam de 4 a

12 anos de reclusão.

Dentro da sistematização classificatória do indicador CVLI, devemos ter a soma de

todos os casos de lesão corporal seguida de morte (ofensa voluntária à integridade corporal ou

à saúde de outrem, resultando na morte involuntária da vítima).

A vítima de lesão corporal que vir a óbito dentro do ano do registro da ocorrência

policial deve ser realocada na classificação ―homicídio doloso‖, caso contrário será em

conformidade com o adotado no inquérito policial.

2.4.3 Roubo seguido de morte

Comumente conhecido por ―latrocínio‖ está no Código Penal, (art. 157, § 3º, in fine)

e é atribuído ao roubo qualificado pela consequência da morte da vítima, sendo, portanto, um

crime complexo devido a fusão de dois delitos: roubo e homicídio.

Dentro da sistematização classificatória do indicador CVLI, é importante notar: a)

soma de todos os casos de roubo em que a violência utilizada resultou na morte da vítima; b)

todo e qualquer tipo de roubo ou roubo tentado resultante em morte (a transeunte, em

residência, a instituição financeira, de veículo, de carga, em estabelecimento comercial etc.).

2.4.4 Coleta de dados sobre a criminalidade violenta

A Gerência de Estratégia e Inteligência da PCRO foi a responsável pela coleta dos

dados criminais para compor o indicador CVLI da unidade de análise. Por meio de aplicações

conhecidas por BI – Business Intelligence, a extração dos dados se deu pela técnica ETL –

Extract, Transform e Load ou Extrair, Transformar e Carregar dados. Essas tecnologias foram

desenvolvidas para integrar bases de dados de diferentes aplicações. Esse processo é

conhecido pela sigla PDI – Pentaho Data Integration. Nesse caso o PDI tem por função

integrar as bases de dados dos servidores Sisdepol, Infopol e Sisdepol CSP.

Os dados são baixados (download) no formato CSV – Comman-Separated Values.

São arquivos ordenados em formato de linha separando valores com vírgulas, muito usado em

planilhas de cálculos de softwares como o Microsoft Excel e LibreOffice Calc.

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Os arquivos em formato CSV foram convertidos para o formato XLS para que as

tabulações fossem feitas no programa MS Excel, versão 2010.

Formada a base de dados das ocorrências policiais com os tipos penais homicídio

doloso, roubo seguido de morte (latrocínio) e lesão corporal com resultado morte a contar do

ano de 2010 a 2018, efetuamos a técnica de amostra aleatória simples no programa MS Excel.

Levando em consideração que tanto o Anuário Estatístico 2010-2016 do Município

de Porto Velho quanto o relatório do Diagnóstico Consolidado da Revisão Plano Diretor e

legislação urbanística de Porto Velho (Produto 3), tem o Censo IBGE 2010 como base de

dados relacionados aos aspectos urbanos da cidade, foram incluídas as ocorrências policiais

registradas no ano de 2010 no conjunto amostral.

Em uma amostra aleatória simples de tamanho n, por exemplo, a seleção é feita de tal

forma que toda amostra de mesmo tamanho n tem a mesma chance das demais de ser

escolhida (TRIOLA, 2012, p. 21).

Para obter os quatros anos do nosso conjunto amostral, foi utilizado no MS Excel as

fórmulas e conteúdos: =ALEATÓRIOENTRE(1;10)+A2/4; =ORDEM(D2;$D$2:$D$13) e

=PROCV(E2;$A$2:$B$13;2;0). A intenção foi obter, de forma aleatória, a partir de uma lista

de nove, os quatro primeiros anos de registros de ocorrências criminais.

Na ordem de correspondência aleatória os quatro primeiros anos sorteados foram

2013, 2015, 2011 e 2010 respectivamente (TAB. 1).

Tabela 1 – Resultado da amostra aleatória do conjunto de dados anuais de registros de

ocorrência policiais coletadas – 2010 a 2018

Lista Ano Aleatório/4 Ordem Correspondência

1 2010 9,25 4 2013

2 2011 3,5 8 2017

3 2012 10,25 3 2015

4 2013 11 2 2011

5 2014 6,75 6 2012

6 2015 7,5 5 2014

7 2016 6,75 7 2016

8 2017 3 9 2018

9 2018 14,25 1 2010

Fonte: Luiz Fredson França.

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Os arquivos em formato CSV foram convertidos para o formato XLS para que as

tabulações fossem feitas no programa MS Excel. Após isso foi possível classificar o conjunto

amostral das ocorrências policiais dos anos de 2010, 2011, 2013, 2015.

Nessa classificação excluímos ocorrências policiais de outros distritos, zonas rurais e

outros crimes que não tem relação com o CVLI, como os crimes tentados, por exemplo.

A maior parte das ocorrências policiais tinha como tipificação penal o homicídio.

Devido essa generalização tivemos que consultar o histórico das ocorrências para saber se a

natureza do fato tinha relação com a tipificação penal correspondente ao indicador CVLI.

Um problema detectado foi quanto ao preenchimento do formulário das ocorrências

policiais nos campos denominados ―Natureza do Fato‖ e ―Situação da Ocorrência‖. Em vários

casos registrados os homicídios não são ―Consumados‖, mas ―Tentados‖. Devido o

preenchimento inadequado, a técnica de extração acaba trazendo todas as ocorrências

policiais registradas como homicídio (natureza do fato), sem distinguir o consumado do

tentado. Isso foi devidamente filtrado para não contaminar os dados amostrais.

Um segundo problema encontrado foi no caso de registros de homicídios tentados.

Ocorre que após a constatação e confirmação da morte do indivíduo (vítima ou infrator) em

unidades hospitalares, dias ou meses, após a data do fato é feito outro registro de ocorrência

policial com a natureza ―comunicação de morte‖, dificultando a pesquisa.

Outro problema relacionado à falta de padronização na confecção das ocorrências

policiais pela PCRO está relacionado ao endereço do local do fato da ocorrência. Em muitos

casos pesquisados o endereço estava incorreto ou simplesmente não foi digitado de forma

correta. Esse problema foi corrigido com a implantação do Sisdepol CSP com adoção de

campos de preenchimento automático dos endereços com base nas informações da Prefeitura

de Porto Velho, Correios e IBGE.

Para georeferenciar as ocorrências policiais geradas no Sisdepol CSP foi preciso

buscar as coordenadas geográficas dos endereços do local do fato. Para isso foi utilizado o

aplicativo Google Earth Pro.

Com as coordenadas geográficas em formato KMZ foi possível espacializar as

ocorrências policiais. Posteriormente, convertendo o formato KMZ para KML, gerou-se os

mapas criminais no aplicativo Google Maps.

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2.5 USO DE MAPAS, TABELAS E GRÁFICOS PARA COMUNICAR

Após a coleta e organização dos dados a principal atividade a ser realizada é a análise

dos resultados. Dessa forma é necessário transformar os dados brutos em um conjunto de

números capaz de ser usado para demonstrar o comportamento do fenômeno estudado.

Procurando tornar mais atraente a visualização do ambiente pesquisado, recorremos

ao uso de elementos gráficos como forma de aguçar a percepção através de representações da

realidade figuras, gráficos, tabelas, mapas. A representação de um dado fenômeno na forma

de mapa, por exemplo, permite uma melhor visualização e compreensão da sua distribuição

espacial, além de oferecer deduções rápidas. ―Os mapas e outros gráficos são basicamente

figuras de informação, aquelas figuras proverbiais que ―valem mais que mil palavras.‖. Se

bem feitos, passam sua mensagem mais ou menos de uma só vez.‖, diz Harries (1999, p. 7).

Os mapas devem ser considerados resultados de atividade científica quando

aplicados formulação de hipóteses, coleta de dados, análise, revisão dos resultados e avaliação

da hipótese inicial como aceita ou rejeitada em prol de uma versão modificada. Segundo

Harries (1999, p. 8), ―Este ciclo, conhecido como processo hipotético-dedutivo, é utilizado

por toda a ciência como ferramenta fundamental. É um paradigma universal, ou modelo, de

investigação científica.‖.

Um tipo de mapa utilizado diariamente pela mídia na exposição de informações

sobre clima, escassez de água, safra e entressafra de alimentos, densidade populacional e

outras variáveis mensuráveis é o mapa temático. Esse tipo de recurso consiste em uma

variedade quase infinita de representações. Funciona como uma de caixa de ferramentas, onde

se torna possível selecionar qualquer tópico e, a partir daí, escolher diversas maneiras de

converter os dados em uma representação de fácil comunicação (HARRIES, 1999).

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3 A CIDADE COMO MORADIA E LOCAL DE TRABALHO

―Com a queda do Império Romano as cidades antigas da Europa ocidental

quase deixaram de existir, mas a política de concorrência do capitalismo

burguês fez com que a cidade retomasse seu desenvolvimento, se tornando

poderosa realidade.‖ Henri Lefebvre

Este capítulo tem por função mostrar a cidade moderna como objeto de estudo da

sociologia urbana bem como uma definição sociológica de cidade e sua relação com o

complexo espaço urbano das cidades capitalistas. Para isso, parte de um breve panorama do

estudo da cidade urbano-industrial a partir do olhar de Robert Park, considerado um dos

precursores dos estudos urbanos da Escola de Chicago, nos Estados Unidos, do início do

século XX. Feito as devidas considerações ao programa de Park é retratado a relação da

cidade capitalista e do espaço urbano como ambientes fragmentados e altamente articulados

entre si por meio da industrialização e urbanização.

3.1 A ESCOLA DE CHICAGO E SUA RELAÇÃO COM A CIDADE

Ao fim da Primeira Guerra Mundial os Estados Unidos se consolidaram como

sociedade industrial, tendo o modo de vida urbano se tornado predominante no país. Porém, a

aparente prosperidade não conseguia ocultar problemas conhecidos hoje como subprodutos da

exclusão social: marginalidade, desvios de conduta e delinquência. Esses fenômenos foram

reforçados pela crise de 1929, contribuindo para a ruína do crédito filosófico e científico do

evolucionismo professado pelos fundadores da Sociologia clássica (FERREIRA, 2009).

Com a Grande Depressão nos idos de 1930 nos Estados Unidos da América, os

grandes problemas urbanos passaram a caminhar em direção de um raciocínio nacional.

Chicago aos poucos deixou de ser a Meca da Sociologia americana em favor de universidades

como Harvard ou Columbia. Nesse momento de mudanças pragmáticas na Sociologia norte-

americana, Talcott Parsons nota em um artigo de Robert Park uma clara alusão a Durkheim, e

logo em um tempo em que as referências dos sociólogos da Escola de Chicago eram quase

sempre alemãs (ROBERT, 2007).

A pressão do sistema político norte-americano fez com que os sociólogos deixassem

a tradição de construtores de grandes sistemas teóricos, supostamente em proveito da

elaboração de um saber positivo carregado de propostas práticas. Os conhecimentos deveriam

ser livres de ideologias políticas e sociais, além de fundados na pesquisa empírica indutiva

que pudesse permitir aplicações sociais imediatas. A crença no progresso social oriundo dos

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clássicos da Sociologia continuava, mas esse progresso não deveria passar mais pela reforma

moral, mas sim pela ação social conduzida cientificamente (FERREIRA, 2009).

Duas escolas teóricas tem origem na Sociologia norte-americana, afirma Ferreira

(2009, p.86), ―a chamada escola de Chicago, nos anos vinte; depois com um caráter menos

institucional, a que se desenvolveu em torno da Universidade de Colúmbia, no decorrer da

década seguinte.‖. Enquanto os pesquisadores de Colúmbia se especializaram em tecnologias

relacionadas às sondagens pré-eletorais e pesquisas de marketing, os pesquisadores de

Chicago se debruçaram sobre fenômenos sociais como marginalidade, criminalidade e

segregação social em áreas urbanas, ou seja, fenômenos com maior proximidade com o que se

convencionou chamar mais tarde de violência urbana (FERREIRA, 2009).

A sociologia urbana tem na cidade um profícuo laboratório de pesquisa a céu aberto,

tendo na figura de Robert Ezra Park o seu principal expoente. Park elaborou um programa

para investigar o comportamento humano no meio urbano. Sua sistematização produziu um

roteiro para estudar a vida urbana a partir das cidades americanas, destacando a organização e

desorganização do espaço físico, suas ocupações e aspectos culturais. Robert Park desenvolve

técnicas de pesquisa a serem empregadas na investigação sociológica da cidade moderna.

Em seu artigo A Cidade: sugestões para a investigação do comportamento humano

no meio urbano (1916), Park entende que a cidade é muito mais do que um simples objeto

construído dentro de processos artificiais, um artefato ou um mecanismo físico. A cidade

precisa ser vista para além de uma dimensão geográfica, ecológica, econômica etc. A cidade

merece ser objeto da Sociologia porque é o habitat natural do homem civilizado, produto da

natureza humana e, consequentemente, um ambiente cultural. Segundo PARK (1979, p. 26):

[...] a cidade é algo mais do que um amontoado de homens individuais e de

conveniências sociais, ruas, edifícios, luz elétrica, linhas de bonde, telefones

etc.; algo mais também do que uma mera constelação de instituições e

dispositivos administrativos ― tribunais, hospitais, escolas, polícia e

funcionários civis de vários tipos. Antes, a cidade é um estado de espírito,

um corpo de costumes e tradições e dos sentimentos e atitudes organizados,

inerentes a esses costumes e transmitidos por essa tradição. Em outras

palavras, a cidade não é meramente um mecanismo físico e uma construção

artificial. Está envolvida nos processos vitais das pessoas que a compõem; é

um produto da natureza, e particularmente da natureza humana.

Park reconhece a planta do terreno da maior parte das cidades americanas modernas

como um tabuleiro de xadrez, sendo a unidade de distância dessa base física, o quarteirão. A

forma geométrica em blocos, expressa no binômio xadrez-quarteirão, expõe a cidade como

uma construção artificial. No entanto, a cidade está intimamente vinculada aos hábitos e

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costumes dos seus habitantes. Isso significa que a cidade possui uma organização moral

(tradição) e uma organização física (estrutura) que se moldam e se modificam constantemente

e ao mesmo tempo (PARK, 1979).

A combinação dos elementos físicos e morais faz da cidade um organismo dotado de

vida própria, já que incorpora hábitos e costumes dos citadinos.

O esboço geral da planta urbana é determinado pela geografia física, vantagens e

desvantagens diversas, incluindo meios de transporte, comunicação, trabalho, moradia etc.

Crescendo a cidade em número populacional, as influências de simpatia, competição e

necessidade econômica mais triviais tendem a controlar a distribuição espacial da população.

Comércio e indústria buscam localizações vantajosas para seus empreendimentos, fazendo

surgir quarteirões de residências elegantes, onde devido ao alto valor da terra são excluídos

segmentos mais pobres. Com isso, crescem os cortiços habitados pelas classes populares, cuja

possibilidade de associação com marginais e viciados é largamente real (PARK, 1979).

Dito de outra forma, quando se leva em consideração aspectos como densidade

demográfica, atividade econômica, complexidade da malha viária etc., a cidade pode ser

estudada e comparada a partir da vizinhança, colônias e áreas segregadas. Segundo Park

(1979, p. 30), ―A organização da cidade, o caráter do meio urbano e da disciplina por ele

imposta são em última análise determinados pelo tamanho da população, sua concentração e

distribuição dentro da área citadina.‖.

Na organização da vida diária a vizinhança é a base para associações devido sua

relação de proximidade e contato entre vizinhos. Na organização social e política da cidade é

a menor unidade local. ―A vizinhança é uma unidade social que, por sua clara definição de

contornos, sua perfeição orgânica interna, suas relações imediatas, pode ser justamente

considerada como funcionando à semelhança da mente social‖, assegura Park (1979, p. 31).

A vizinhança opera pelo princípio da racionalidade, se assenta na associação e laços

de sentimento local, todavia existem vizinhanças urbanas que sofrem de isolamento.

Para Park, no meio urbano a vizinhança pode perder muito das suas características

extraídas de sociedade mais simples ou primitivas. De modo contrário as colônias e áreas

segregadas da cidade tendem a preservar com maior facilidade os laços de sociais.

Acontece que a facilidade de acesso que a vizinhança tem aos meios de comunicação

e transportes, possibilitando aos indivíduos compartilharem atenção e viver ao mesmo tempo

em vários mundos diferentes, faz com que a coesão social e a intimidade concorram para a

aniquilação. No entanto, onde quer que exista preconceito racial, isolamento de colônias

raciais e de imigrantes nos guetos e áreas de segregação em áreas urbanas, por exemplo,

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preserva-se e amplia a intimidade e solidariedade dos grupos locais e de vizinhança. Segundo

Park (1979, p.34), ―Onde indivíduos da mesma raça ou da mesma vocação vivem juntos em

grupos apartados, o sentimento de vizinhança tende a se fundir com diferenças de raça e

interesses de classe.‖.

Levando em conta que toda cidade grande tem suas colônias raciais, nestas a

distância física e a distância sentimental tornam-se mais sólidas, ao passo que as influências

da distribuição local da população participam com as influências de classe e raça na evolução

da organização social dessas colônias (PARK, 1979).

A cidade moderna, ao contrário da cidade antiga (local de refúgio em tempo de

guerra), se tornou conveniente para o comércio, devendo sua existência ao mercado. A

competição na indústria em conjunto com a divisão do trabalho propiciou o desenvolvimento

dos poderes da humanidade, poderes possíveis sob condições específicas: a existência de

mercado, dinheiro e outros expedientes utilizados nas transações comerciais (PARK, 1979).

A cidade moderna se tornou por excelência o local do mercado e da troca. Ao

mencionar classes sociais e tipos vocacionais, Park defende que a cidade é naturalmente um

ambiente propício à liberdade do homem, no sentido de que um homem livre está apto a

desenvolver suas potencialidades. ―A cidade oferece um mercado para os talentos específicos

dos indivíduos. A competição pessoal tende a selecionar para cada tarefa específica o

indivíduo mais adequado para desempenhá-la.‖, diz Park (1979, p.36).

Na visão de Park, na cidade toda vocação assume caráter de profissão. A mudança

encontra respaldo na tendência que o indivíduo encontra na cidade um local que possibilita

sua especialização, levando-o a conhecer o rigor da racionalização e ao desenvolvimento de

técnicas singulares que levam à sua profissionalização. O efeito do desenvolvimento de tipos

vocacionais e da divisão do trabalho é a geração de uma interdependência do indivíduo em

relação ao grupo ao qual pertence. A organização desses profissionais agrupados em classes

(sindicatos) se baseia nos seus interesses em comum. Por esse motivo a associação do tipo

vizinhança se distingue dos grupos de classes sociais. Isso ocorre porque enquanto a primeira

se baseia nos laços sentimentais, a segunda se funda no interesse (PARK, 1979).

O dinheiro é visto por Park como o motivo pelo qual os valores foram racionalizados

na cidade, sendo os sentimentos substituídos pelos interesses. O dinheiro atua como mediador

social entre o sentimento e o interesse, representando a racionalidade das ações sociais de

troca. Park (1979, p. 40), explica: ―É justamente porque não temos nenhuma atitude

sentimental ou pessoal por nosso dinheiro, como acontece com relação a, por exemplo, nossa

casa, que o dinheiro se torna uma meio de troca valioso.‖.

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Na organização da cidade capitalista a divisão do trabalho gerada no seio do espaço

urbano, encontra expressão máxima na proliferação de trabalhos segmentados e cada vez mais

especializados, desenvolvendo os laços de solidariedade e motivando a interdependência entre

os indivíduos. Mediadas pela troca as pessoas interagem de maneira utilitarista, tendo essa

relação social um caráter mais secundário que primário. Tal qual observado no reino animal e

vegetal, a cidade é sempre um lugar de competição por espaço, dada a latente necessidade de

mobilidade social que a cidade moderna desperta nos seus cidadãos.

Na sociedade moderna os meios de transportes e de comunicação imprimiram com

rapidez e intensidade mudanças nos indivíduos, reorganizando o espaço urbano. Com o

crescimento das cidades as relações primárias (diretas) foram paulatinamente substituídas

pelas secundárias (indiretas). Isso ocorre porque na cidade há o enfraquecimento das relações

íntimas do grupo primário. Quando a família, a escola e a igreja perdem suas funções, a fusão

das consciências individuais deixa de acontecer, resultando no enfraquecimento da ordem

moral e afrouxamento dos laços de solidariedade.

Quanto a essa perda de influência Park (1979, p. 48), diz: ―Provavelmente é a ruptura

das uniões locais e o enfraquecimento das restrições e inibições do grupo primário, sob a

influência do meio urbano, que são grandemente responsáveis pelo aumento do vício e do

crime nas grandes cidades.‖.

A maioria de nossas instituições tradicionais, a igreja, a escola e a família,

tem sido, sob as influências desintegrantes da vida citadina, grandemente

modificada. A escola, por exemplo, tem assumido algumas das funções da

família. Algo como um novo espírito de vizinhança e comunidade tende a se

organizar em volta da escola e de sua solicitude pelo bem-estar físico e

moral das crianças (PARK, 1979, p. 47).

O meio urbano da cidade é visto como espaço de racionalidade e em função da sua

heterogeneidade, diferentes indivíduos se cruzam no dia a dia, mas não se veem reconhecidos

uns nos outros. As modificações na organização social da vida urbana na cidade estão

associadas à perda de influência dos laços comunais no âmbito da família, escola, igreja,

resultando na baixa aderência às normas morais estabelecidas. ―Podemos expressar em termos

gerais a relação da cidade com esse fato, dizendo que o efeito do meio urbano é intensificar os

efeitos de crises.‖, afirma Park (1979, p. 50).

O enfraquecimento do controle social se dá a partir da precedência das relações

secundárias (interesse) em detrimento das relações primárias (sentimental). Park defende que

o enfraquecimento das instituições clássicas (primárias), provoca sucessivas crises.

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Park atenta para o uso da palavra crise sem qualquer conotação de violência, mas

usada para compreender qualquer distúrbio de hábito dentro da estrutura social. Na cidade são

gestadas crises que externam desordens, afetando diretamente o controle do organismo social,

aonde os ―sobreviventes‖ devem necessariamente se adaptar às novas condições estruturais

impostas. Park (1979, p. 50), explica que ―Qualquer tensão de crise envolve três possíveis

mudanças: maior adaptação, eficiência reduzida ou morte.‖.

Seguindo seu pensamento inspirado em conceitos e teorias biológicas, assim como as

condições de adaptação, Park crer que o aumento das taxas de crimes nas cidades americanas

deriva do choque de culturas. Ele acreditava que pelo processo de assimilação de culturas é

possível sanar o conflito de normas morais existentes entre gerações de migrantes, sendo esse

conflito ajustado conforme a evolução natural do organismo social. O detalhe é que para

superar o problema da criminalidade, gerado em lugares com forte presença de migrantes em

solo americano, é que o controle antes feito pelo costume, tradição e moral do lugar deveria

ser substituído por leis jurídicas do país (PARK, 1979).

Além do tema a crise e os tribunais, Park estuda outras dimensões das relações

secundárias, como vício comercializado e tráfico de bebidas (podendo ser extensivo ao de

drogas), política partidária e publicidade, propaganda e controle social.

O controle social nas condições de vida na cidade pode ser estudado nas tentativas de

governo em eliminar o vício e de controlar o tráfico de produtos ilícitos, tendo em vista que os

vícios, mesmo não sendo típicos da cidade, encontram no ambiente urbano os estímulos

necessários para sua livre comercialização (PARK, 1979).

Outra dimensão das relações secundárias é a política partidária e publicidade. Com o

crescimento das cidades sua organização passa a ser complexa, exigindo uma estatuto

burocrático para que a administração da máquina estatal não fique presa aos ditames de um

único indivíduo, além da publicização dos atos governamentais (PARK, 1979).

Nessa perspectiva, as agências de governo devem procurar assegurar a eficiência de

um ―bom Governo" promovendo a educação dos eleitores e publicando ações relativas ao

governo. Para Park o uso da ―propaganda social‖ na vida moderna é uma forma de controle

social. Na cidade a publicidade passa a ser uma forma de controle social reconhecida como

profissão e sustentada por um corpo de conhecimentos específicos, visando o controle da

opinião pública de maneira eficiente nas sociedades baseadas em relações secundárias. Seus

principais instrumentos a imprensa e os escritórios de pesquisas. O jornal é o grande meio de

comunicação da cidade, a base de informação e formação da opinião pública. A primeira

função desempenhada por um jornal é substituir o falatório existente na aldeia (PARK, 1979).

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O transporte e a comunicação foram responsáveis por mudanças silenciosas e

permanentes na cidade. As grandes cidades atraíram diversas raças e culturas, desenvolvendo

nos indivíduos interações sutis e vívidas, originando novas variedades e novos tipos sociais,

como os tipos vocacionais e temperamentais, por exemplo. Essa constatação pressupõe três

linhas de pesquisa avaliadas por Park e sua concepção sobre a cidade: mobilização do homem

individual, a região moral e temperamento e contágio social (PARK, 1979).

Sobre a mobilização do homem individual fica evidente que apesar da multiplicação

das oportunidades, os indivíduos citadinos possuem muitos contatos, mas são contatos de

natureza passageira e pouco estáveis. Nessa linha investigativa, Park (1979, p. 62), nota que

―Uma parcela bem grande das populações das cidades grandes, inclusive as que constituem

seu lar em casas de cômodo ou apartamentos, vivem em boa parte como as pessoas em algum

grande hotel, encontrando-se mas sem se conhecer umas às outras.‖. Essa substituição de

associações mais íntimas e permanentes, características de comunidade, por relações fortuitas

e de interesse tem base no status ou, se preferir, na posição social dos indivíduos.

A segregação da população aliada ao transporte e à comunicação também facilitou a

mobilidade do homem individual no meio urbano. Park avalia que os processos de segregação

estabelecem distâncias morais que fazem da cidade um mosaico de pequenos mundos. Esses

microcosmos mantém contato, mas não se interpenetram, o que possibilita a participação do

indivíduo em vários mundos de forma simultânea.

Tudo isso tende a dar à vida citadina um caráter superficial e adventício;

tende a complicar as relações sociais e a produzir tipos individuais novos e

divergentes. Introduz, ao mesmo tempo, um elemento de acaso e aventura

que se acrescenta ao estímulo da vida citadina e lhe confere uma atração

especial para nervos jovens e frescos. O atrativo das cidades grandes é talvez

uma consequência de estímulos que agem diretamente sobre os reflexos

(PARK, 1979, p. 62).

A metáfora de uma mariposa atraída pela chama expressa a atração do indivíduo pela

cidade, segundo Park. Essa simpatia mútua se deve ao fato que ao longo da sua vida o

indivíduo encontra em algum lugar da cidade um tipo de ambiente moral que atende às suas

livres manifestações inatas. Esse ambiente se expande a ponto de deixar o individuo à vontade

para realizar-se em conformidade com as expectativas do ambiente urbano. A cidade não é

lugar para homens ―normais‖, mas para tipos excepcionais e temperamentais. Enquanto que

na pequena comunidade a excentricidade é parcialmente tolerada, na cidade é recompensada.

―Nem o criminoso, nem o defeituoso, nem o gênio, tem na cidade pequena a mesma

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oportunidade de desenvolver sua disposição inata que invariavelmente encontra na cidade

grande.‖, aponta Park (1979, p. 63).

Sendo a cidade o local de abrigo dos diferentes tipos de indivíduos é inevitável que

esses indivíduos de tempos em tempos compartilhem do mesmo ambiente. As pessoas tendem

a se agrupar também de acordo com seus gostos e particularidades e não somente conforme

seus interesses ocupacionais ou condições econômicas. Nesse aspecto é que a cidade grande

desenvolve ambientes isolados e propícios aos impulsos, paixões e ideias reprimidas que de

uma forma ou de outra procuram se emancipar da ordem moral dominante. Sob essa condição

cada grupo social pode assumir e se abrigar em determinada região moral. Park (1979, p. 64),

explica que ―Uma região moral não é necessariamente um lugar de domicílio. Pode ser apenas

um ponto de encontro um local de reunião.‖, onde os impulsos latentes dos homens são

canalizados e necessariamente dissipados.

A verdade parece ser que os homens são trazidos ao mundo com todas as

paixões, instintos e apetites, incontrolados e indisciplinados. A civilização,

no interesse do bem-estar comum, requer algumas vezes a repressão, e

sempre o controle, dessas disposições naturais. No processo de impor sua

disciplina ao indivíduo, de refazer o indivíduo de acordo com o modelo

comunitário aceito, grande parte é completamente reprimida, e uma parte

maior encontra uma expressão substituta nas formas socialmente valorizadas

ou pelo menos inócuas. É nesse ponto que funcionam o esporte, a diversão e

a arte. Permitem ao indivíduo se purgar desses impulsos selvagens e

reprimidos por meio de expressão simbólica (PARK, 1979, p. 65).

As regiões morais surgem das ―restrições‖ e ―permissões‖ que a vida urbana impõe

aos instintos naturais dos indivíduos. Todavia, ―[...] muitos outros fenômenos sociais como

greves, guerras, eleições populares e movimentos religiosos desempenham uma função

similar ao libertar as tensões subconscientes.‖, ressalta Park (1979, p. 65).

A região moral não deve ser entendida como um lugar que abriga uma sociedade

criminosa ou anormal. A proposta de Park é que a região moral se aplica àquele lugar onde

prevalece um código moral divergente, uma região onde seus habitantes são dominados por

gosto ou paixão de forma que em outro lugar não o seriam. Isso pode ocorrer no campo da

arte, esporte, música etc. Essa região moral se distingue de outros grupos sociais porque seus

interesses são mais profundos e imediatos (PARK, 1979).

Ainda no estudo sociológico empreendido sobre a cidade dentro do quarto eixo, a

linha de pesquisa Temperamento e contágio social defende que a função do contágio social

dentro da cidade grande é estimular nos tipos divergentes as diferenças temperamentais

comuns e ao mesmo tempo suprimir os caracteres que os une aos indivíduos normais. É na

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grande cidade que os segregados, pobres, viciados, delinquentes de toda sorte, se cruzam

diariamente e, comprimidos uns contra os outros, são condenados a existir de forma doentia e

contagiosa convenientemente. Segundo Park (1979, p. 66), ―A associação com outros de sua

laia proporciona não apenas um estímulo, mas também um suporte moral para os traços que

têm em comum, suporte que não encontrariam em uma sociedade menos selecionada.‖.

Park termina seu ensaio deixando claro sua defesa pelo desenvolvimento de uma

sociologia urbana ou da cidade devido ao que ela representa no mundo urbano-industrial. Seu

argumento repousa na ideia de que devido às oportunidades oferecidas, especialmente aos

tipos excêntricos (excepcionais e anormais), a cidade revela todos os traços e caracteres dos

homens, normalmente obscurecidos e reprimidos nas cidades menores. A cidade, vista por

Park, mostra o bem e o mal da natureza humana em excesso. ―Talvez seja este fato, mais do

que qualquer outro, que justifica a perspectiva que faz da cidade um laboratório ou clínica

onde a natureza humana e os processos sociais podem ser estudos conveniente e

proveitosamente.‖, destaca Park (1979, p. 67).

A cidade, do ponto de vista de sua constituição como fenômeno urbano

moderno, foi considerada pelos sociólogos de Chicago não apenas como um

laboratório privilegiado de análise da mudança social e dos fenômenos de

desorganização e de reorganização morfológicas e culturais que ela gerava,

mas também como uma comunidade ecológica que reunia uma miríade de

elementos espaciais, sociais e culturais heterogêneos, em permanente

situação de interação (FERREIRA, 2009, p. 87).

De acordo com os apontamentos feitos nos estudos de Park sobre o meio urbano, é

possível dizer que a cidade representa muito mais do que um acumulado de pessoas vivendo

em um espaço em busca de conveniências sociais como ruas, edifícios, luz elétrica,

transportes, comunicações, recreação etc. A cidade reproduz mais que um conjunto de

instituições e dispositivos administrativos: tribunais, hospitais, escolas, polícia etc. A cidade

se apresenta antes como um corpo de costumes e tradições organizados e transmitidos de

geração em geração. A cidade não é um produto da natureza, mas um produto social.

Sem dúvida a construção das cidades é um fato extraordinário e indelével do homem!

Fundada sob o auspício de uma ordem cósmica perfeita e harmônica, a cidade representa a

maior conquista da humanidade. Seja na busca pela perfeição arquitetônica, seja na harmonia

dos laços sociais constituídos. Se tornar um símbolo vivo da ordem cósmica foi uma de suas

primeiras funções. A cidade como conhecemos não nasceu de um lugar qualquer, mas de um

centro reservado para cerimônias inspiradas na perfeição dos corpos celestes. Com base neste

ideal de ordenamento celestial o homem perece tentando controlar o caos terreno, pois ao

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longo dos tempos a cidade vem se tornando um verdadeiro campo de contradições. Talvez

pela heterogeneidade, alguns indivíduos atribuem à cidade um local indesejável, um espaço

atemorizante, esquecendo que ela foi planejada e segue se planejando (TUAN, 2005).

Não se pode deixar de notar a contradição que envolve o surgimento da cidade,

representação máxima da razão humana e seu domínio sobre o mundo natural, é nela que

reside ainda o medo que apavora seu criador. À primeira vista o desordenado crescimento

urbano pode ser visto como uma selva de pedra, um caos de edifícios e casas, ruas que mais

parecem artérias por onde deslizam velozmente veículos e pessoas, toda essa agitação

desorienta aqueles que chegam às grandes cidades (TUAN, 2005). ―Mas a maior ameaça,

aquela que se destaca em uma cidade, são as outras pessoas. A Malignidade permanece como

um atributo humano, não mais atribuído à natureza‖, arremata Tuan (2005, p. 16).

A cidade é com certeza mais do que a aglomeração física de indivíduos heterogêneos

ou de territórios diferenciados, ela é um estado de espírito: se por um lado a cidade tende ao

individualismo, à impessoalidade das relações sociais, à competição entre indivíduos e

grupos, às contendas, à alienação e ao desvio; por outro a atmosfera da cidade admite

miscigenação cultural, emancipação política, tolerância ao outro. É bem verdade que a cidade

propicia uma coabitação física pacífica entre grupos sociais e étnicos. A cidade simboliza um

mosaico de territórios no qual a identidade de cada indivíduo é marcada por um grupo social

dominante. No marco civilizatório a urbanidade representa a personalidade social da cidade,

distinguindo a arte de viver nas grandes cidades da esfera doméstica (TAPIE, 2016).

3.2 O ESPAÇO E A POLÍTICA URBANA

Para Roberto Lobato Corrêa (1989), o espaço urbano de uma cidade é um ambiente

construído socialmente de forma fragmentada e articulada que ao mesmo tempo é reflexo e

condicionante social, além de representar um conjunto de símbolos e campo de lutas. O

espaço urbano é a própria sociedade moderna em uma dimensão espacial.

O espaço de uma grande cidade capitalista toma forma a partir de variados usos da

terra (fragmentos). A justaposição do solo entre si define áreas que formam o centro da

cidade, a área de atividades ligadas ao comércio, de serviços, de gestão, áreas reservadas às

indústrias, residências de diferentes formas e conteúdo social, de lazer etc., e ainda aquelas

áreas destinadas à expansão. ―Este complexo conjunto de usos da terra é, em realidade, a

organização espacial da cidade, ou, simplesmente, o espaço urbano, que aparece assim como

espaço fragmentado.‖, indica Corrêa (1989, p. 7, grifo do autor).

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Ao mesmo tempo em que é fragmentado o espaço urbano é também articulado com

cada uma das partes que o compõe, mantendo relações espaciais entre si. Essas relações

podem ser vistas no constante fluxo de veículos, quando pessoas se deslocam de áreas

residenciais para locais de trabalho, para compras no centro da cidade ou mesmo em

comércios do bairro, visitas a parentes e amigos, passeio em praças, parques, cinemas, cultos

religiosos etc. Essa articulação está presente de modo menos visível nas relações que

envolvem a circulação de decisões e investimentos de capital, mais-valia, salários, juros,

rendas, incluindo práticas de poder e ideologia. Essas relações espaciais integram as diversas

partes da cidade, mesmo que de maneiras diferentes. Tradicionalmente esta articulação é feita

com maior intensidade no centro da cidade (CORRÊA, 1989).

O espaço urbano da cidade reflete a imagem da própria sociedade porque as relações

espaciais estabelecidas são de natureza social, tendo como matriz a estrutura da sociedade de

classes. No passado a cidade medieval tinha sua organização espacial influenciada pelas

guildas (associação de comerciantes, artesão, artistas). Já o espaço da cidade capitalista é

dividido em áreas segregadas em vários níveis. Isso significa que o espaço urbano é um

reflexo tanto de ações do presente como de ações do passado (CORRÊA, 1989).

Até aqui dois pontos devem ser observados. O primeiro é que a desigualdade

constitui-se marca subjacente do espaço urbano capitalista. Por ser reflexo da dinâmica social,

o espaço urbano da cidade é fragmentado e desigual. Em segundo lugar, por ser dinâmico, o

espaço urbano é também mutável. Essa mudança é complexa, com ritmos e natureza

diferenciados (CORRÊA, 1989).

Na cidade o empreendimento privado fixa o valor da terra. O mercado imobiliário é

quem determina os limites e a localização de suas zonas administrativa, industrial, comercial,

residencial etc. Gostos e conveniências pessoais, interesses vocacionais e econômicos tendem

a segregar e a classificar as populações das grandes cidades. Com isso a cidade adquire uma

organização e distribuição populacional que nem é projetada e tampouco controlada. De certa

forma a organização da cidade, seu caráter urbano e a disciplina imposta são determinados

pelo tamanho, concentração e distribuição da população nos limites da cidade (VELHO,

1967; CORRÊA, 1989).

Para Corrêa o espaço urbano é também um condicionante da sociedade. Esse

condicionamento se dá pelo papel que as obras (formas espaciais) fixadas pelo homem

desempenham na reprodução das condições e relações de produção. A existência de

estabelecimentos industriais realizando operações de venda entre si constitui-se na viabilidade

da continuidade da produção e reprodução das condições de existência da população local. Já

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as áreas residenciais segregadas representam um importante papel no processo de reprodução

das relações de produção. Os bairros são os locais de reprodução das diversas classes sociais e

suas frações (CORRÊA, 1989).

O espaço urbano é constituído por diferentes usos da terra que, por sua vez, podem

ser vistos como diferentes formas espaciais. Essas formas espaciais não tem existência

própria, pois só existem porque realizam uma ou mais funções (produção e venda de

mercadorias, prestação de serviços ou mesmo atividade simbólica), todas essas atividades

estão vinculadas aos processos sociais que se materializam nas formas espaciais e que são

produzidas por agentes sociais concretos (CORRÊA, 1989).

Percebe-se que o espaço urbano é um ambiente altamente fragmentado e articulado

ao mesmo tempo em que é condicionante social. Representa um conjunto de símbolos e um

campo de intensos conflitos. O espaço urbano é, de fato, o reflexo da própria sociedade

moderna em uma dimensão espacial.

Em uma das muitas concepções de cidade, Louis Wirth (1999, p. 96), afirma que

―[...] para fins sociológicos, uma cidade pode ser definida como um núcleo relativamente

grande, denso e permanente de indivíduos socialmente heterogêneos.‖. Para Wirth, as cidades

modernas são campos de criação de novos ―híbridos biológicos e culturais.‖.

A cidade, empiricamente, é uma construção humana e, portanto, erigida sob

condições materiais e imateriais de existência. A cidade não é somente um agregado de

pessoas, mas a ―moradia‖ e o ―local de trabalho‖ do homem moderno. Um microcosmo

sedutor que contribui para que localidades distintas e afastadas sejam interligadas a um único

espaço. A cidade é produto do crescimento e não de uma criação instantânea. Nesse caso, a

vida social moderna tem a marca de uma sociedade anterior, já que historicamente a

população da cidade é originária do campo, apresentando, desta forma, fragmentos de uma

vida social de base agrária. Nesse cenário o modo de vida rural, até então predominante, passa

a contrastar com o modo de vida urbano nas grandes cidades (WIRTH, 1999).

Com seu modo específico a vida urbana penetra gradativamente nos campos, indica

Henri Lefebvre (2016, p. 30).

Semelhante modo de viver comporta sistemas de objetos e sistemas de

valores. Os mais conhecidos dentre os elementos do sistema urbano de

objetos são a água, a eletricidade, o gás (butano nos campos) que não deixam

dês ser fazer acompanhar pelo carro, pela televisão, pelos utensílios de

plástico, pelo mobiliário ―moderno‖, o que comporta novas exigências no

que diz respeito aos ―serviços‖.

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Em um retorno ao passado vemos que a cidade representa muito mais do que aquilo

que se revela aos nossos olhos no dia a dia.

De acordo com Lefebvre houve o período da cidade oriental, ligada ao modo de

produção asiático; da cidade arcaica, seja grega ou romana, vinculada ao escravismo; da

cidade medieval, envolta numa situação complexa, porque se via inserida nas relações

feudais, mas em constante luta contra a concentração da terra. Dessa forma, Lefebvre (2016,

p.12), acrescenta que ―As cidades oriental e arcaica foram essencialmente políticas; a cidade

medieval, sem perder o caráter político, foi principalmente comercial, artesanal, bancária.‖.

As cidades oriental e arcaica foram responsáveis por trazer os mercadores, até então nômades,

para dentro de seus limites já que em outro momento eram relegados.

A partir do crescimento da agricultura e enfraquecimento do sistema feudal, as

cidades começaram a acumular tesouros. Esses centros de reservas urbanos passam a

concentrar riqueza monetária fruto da usura e do comércio. Nesses centros remodelados

prospera o artesanato, produção bem distinta da agricultura. As cidades apoiam as

comunidades camponesas e a libertação dos camponeses, mas antes se aproveitam disso em

benefício próprio. As cidades passam a ser centros de vida social e política onde se acumulam

não apenas as riquezas mas o conhecimento, as técnicas, as obras de artes, monumentos. A

própria cidade é uma obra, um produto social, esta característica contrasta com a orientação

irreversível na direção do dinheiro, do comércio, das trocas etc. A obra passa a ser valor de

uso e o produto valor de troca (LEFEBVRE, 2016).

O processo de industrialização é o ponto de partida para analisar as questões urbanas

do quotidiano, já que a industrialização é fator característico da sociedade moderna. A

industrialização é um indutor de transformações sociais. Ainda que a urbanização e a

problemática do fator urbano se apresentem entre os efeitos induzidos e não entre as causas ou

razões indutoras, as preocupações com os dois termos se acentuam de tal modo que se pode

definir como sociedade urbana a realidade social que nasce à nossa volta (LEFEBVRE, 2016).

A industrialização começa de forma incisiva com a precedência específica dos

―empresários‖ (burguesia), já que a riqueza deixa de ser exclusivamente imobiliária. A

produção agrícola não predomina mais, nem a propriedade da terra. As terras escapam dos

senhores feudais e passam para as mãos dos capitalistas urbanos enriquecidos pelo comércio,

pelo banco, pelo lucro (LEFEBVRE, 2016). O desenvolvimento de meios tecnológicos como

a máquina a vapor, os transportes, as telecomunicações etc. possibilitaram ao meio urbano-

industrial imprimir modificações nas relações sociais.

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Para Manuel Castells a urbanização está intimamente vinculada à primeira revolução

industrial e submetida ao desenvolvimento de produção do sistema capitalista. É responsável

por um processo de organização do espaço, que repousa sobre dois conjuntos de fatos

fundamentais: transição econômica e decomposição das estruturas sociais. Senão, vejamos:

1. A decomposição prévia das estruturas sociais agrárias e a emigração da

população para centros urbanos já existentes, fornecendo a força de trabalho

essencial à industrialização.

2. A passagem de uma economia doméstica para uma economia de

manufatura, e depois para uma economia de fábrica o que quer dizer, ao

mesmo tempo concentração de mão-de-obra, criação de um mercado e

constituição de um meio industrial (CASTELLS, 1983, p. 45, grifo do

autor).

Com a Revolução Industrial a organização do espaço urbano se torna um processo de

via dupla: industrialização e urbanização, crescimento e desenvolvimento, produção

econômica e vida social. A industrialização e urbanização são fenômenos complexos,

intrínsecos e conflitantes. Historicamente o processo de urbanização possibilitou que a

população do campo se deslocasse para os centros urbanos (CASTELLS, 1983).

A urbanização é fenômeno essencial para se compreender a configuração espacial e

organização social de uma cidade capitalista.

Em um primeiro momento para que um país seja considerado urbano é necessário

que a maior parte de sua população resida nas áreas urbanas dos municípios ou vilas. Uma das

principais características desse processo, apesar da ampliação da infraestrutura urbana, tem

sido a multiplicação de múltiplos eventos informais atrelados ao desenvolvimento urbano. A

urbanização pode ser vista como a personalidade da cidade ajudando a distinguir o que é viver

no espaço urbano e o que significa viver em um ambiente meramente doméstico.

No Brasil entre 1960 e 1980 a economia cresceu excessivamente, triplicando o PIB.

O acelerado deslocamento do campo para a cidade provocou uma baixa qualificação de

trabalhadores em suas ocupações urbanas. O crescimento industrial teve uma grande

dimensão a ponto de transformar a estrutura ocupacional e social (ARRETCHE, 2015).

No ano de 2002, para termos ideia, o Brasil atingiu um índice de urbanização de

84,14%, caracterizando-se como uma nação plenamente urbanizada. Contudo, essa rápida

expansão urbana é relativamente recente, pois historicamente foi na segunda metade do século

XX que o país experimentou intenso processo de urbanização dentro de um contexto de

transformações econômicas, sociais e políticas. Essas modificações se intensificaram no final

da década de 1960 quando a população urbana tornou-se maior que a rural. Significa dizer

que o Brasil em menos de um século transformou-se em um país urbano (BRITO, 2006).

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Tradicionalmente esse é o entendimento de urbanização, ou seja, o deslocamento da

população das áreas rurais para as áreas urbanas. Nessa concepção o grau de urbanização é

compreendido como a proporção da população urbana sobre a população total do município.

Para alguns estudiosos do tema essa análise carece de ampliação devido às condições

subjacentes ao processo de urbanização. Para alguns estudiosos, urbanização corresponde a

um processo que promove a reorganização das bases econômica, social e política dos países,

permitindo transformar os padrões de renda, consumo e produção, além do exercício do poder

e a percepção da identidade cultural e nacional a partir da perspectiva urbana (IPEA, 2018).

Em suas pesquisas Rosetta Mammarella (2001), alega que a realidade empírica vem

mostrando que o processo de urbanização modificou pequenos povoados transformando-os

em grandes cidades que, por sua vez, perderam limites entre si. Hoje não se pode conceber o

conceito de urbanização apenas como o aumento proporcional da população urbana em

relação à população rural. Urbanização tanto pode significar a redistribuição de populações

das áreas rurais para espaços com alta concentração de mão de obra especializada utilizada na

indústria e comércio, como pode também significar a ação de dotar determinado espaço da

cidade com infraestrutura e equipamentos urbanos adequados visando atender as necessidades

do cidadão moderno, como o direito à moradia e outras políticas públicas necessárias ao bem

estar, ao viver bem dos indivíduos citadinos.

Aquilo que Park chamou de conveniências sociais institucionais, ou seja, serviços

como água, esgoto, gás, eletricidade, segurança, transporte, comunicação, educação, saúde

etc. que atraem os indivíduos, disponibilizados por instituições e dispositivos administrativos,

como tribunais, hospitais, escolas, polícia etc.; são serviços urbanos administrados por

empresas (públicas ou privadas) cada vez mais seletivos, tendo em vista o acesso pelo cidadão

condicionado a determinado padrão de rendimento ou de capital econômico, gerando

dificuldade na aquisição desses serviços essenciais dentro do ambiente urbano (PARK, 1979;

MAMMARELLA, 2001).

As desigualdades sociais assentam-se numa contradição estrutural que está

relacionada com a distribuição desigual da riqueza socialmente produzida,

fazendo com que determinados grupos sociais possam usufruir com relativa

tranquilidade das vantagens que as grandes cidades oferecem, ao passo que a

grande maioria da população ―sorve‖ esses benefícios pelas bordas

(MAMMARELLA, 2001, p. 58-59).

Nesse sentido o crescimento econômico vinculado à expansão demográfica produz

efeitos contraditórios sobre o espaço urbano das cidades capitalistas. Essas contradições ficam

mais evidentes nas grandes cidades e cidades de porte médio, uma vez que estes espaços

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oferecem aos seus residentes um conjunto variado de benefícios e vantagens de um lado e

desvantagens e dificuldades de outro (MAMMARELLA, 2001).

Castells (1983) concebe a cidade como um local de vitalidade econômica, cultural e

social como também centro de decisões políticas. A cidade se firma como um aglomerado de

indústrias, comércios financeiros, religiosos, lazer etc. A satisfação do bem-estar social dos

indivíduos é a principal atividade desses ―aglomerados funcionais‖. Isso significa que as

cidades podem ser classificadas hierarquicamente de acordo com suas funções econômicas e

densidade demográfica.

De modo geral as faixas hierárquicas são expressas por uma divisão de classes de

tamanhos de população. O tamanho do contingente populacional das cidades pode indicar

funções mínimas necessárias na tentativa de satisfazer as necessidades plenas de sua

população (STAMM et. al., 2013).

Dentro do conceito hierárquico de cidades, temos três tipos de classificação. As

cidades de porte menor se caracterizam por ser um centro mediador do comércio local com

outras regiões de um país. Sua população pode ser compreendida entre 20 mil e 100 mil. As

cidades de médio porte possuem maior peso econômico, suprem demandas que não são

produzidas nas cidades de menor porte, além de assumir suas funções. Sua densidade

populacional pode ser medida entre 100 mil e 500 mil. Por último, temos as cidades de grande

porte (metrópoles) que se diferenciam das demais, sobretudo, pelo número de seus habitantes

que ultrapassa o quantitativo de 500 mil, além de sofrerem efeitos do fenômeno de

conurbação, ou seja, quando duas ou mais cidades se desenvolvem ao mesmo tempo acabando

por se confundir uma com a outra (STAMM et. al., 2013).

De acordo com Amorim Filho (1984 in STAMM et. al., 2013) na década de 1970, os

estudos sobre as cidades brasileiras de porte médio definiam esses centros urbanos como

dotados dos seguintes atributos: a) Constantes interações junto a regiões subordinadas e com

aglomerações urbanas de hierarquia superior; b) Suficiente tamanho demográfico e funcional

apto a ofertar opções de bens e serviços ao espaço microrregional, desenvolvendo economias

urbanas necessárias ao desempenho de atividades produtivas; c) Capacidade de receber e fixar

os migrantes de cidades menores ou da zona rural por meio de oportunidades de trabalho,

rompendo com o movimento migratório para as grandes cidades; d) Condições necessárias ao

estabelecimento de relações dinâmicas com o espaço rural da microrregião; e) Diferenciação

do espaço intraurbano com um centro funcional individualizado e uma periferia dinâmica,

como as grandes cidades, por meio da expansão de novos núcleos habitacionais periféricos.

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As cidades com população entre 50 mil e 250 mil habitantes teriam todas as

condições requeridas acima, apesar que os elementos expostos e sistematizados modificaram

funções típicas das cidades de porte médio, devido às transformações do sistema urbano

vigente. Além disso, os limites demográficos na maioria dos estudos foram ampliados, e o

que definia cidades de porte médio não satisfaz mais a atual configuração socioeconômica.

Portanto, uma cidade de porte médio deve sustentar uma quantidade de atividades e serviços

exigidos por uma população não inferior a 100 mil habitantes (STAMM et. al., 2013).

Devemos concordar que a possibilidade de os indivíduos encontrarem as maiores

oportunidades de ocupação e obtenção de rendimentos e acessos a padrões de consumo é nas

maiores cidades ou médios aglomerados urbanos.

Se a grande cidade atrai indivíduos de lugares distantes prometendo boas condições

de qualidade de vida e ainda maior possibilidade para usufruir de bens materiais, também é

verdade que o custo dessas vantagens, seja na forma de moradia ou de alimentação, é maior

que nas menores cidades, essa conveniência acaba exigindo uma renda relativamente alta para

o consumo. Dentro de um exército de reserva, trabalhadores são selecionados com critérios

cada vez mais rigorosos, transformando o local de trabalho em ambiente competitivo e de

discriminação. O acesso à educação e aos serviços de saúde é outra das vantagens que as

cidades grandes ou médias oferecem. No entanto, deve-se prestar atenção ao grau de

eficiência e de qualidade desses serviços, de modo que se configurem em capital cultural. Os

efeitos contraditórios do espaço urbano tende a se tornar complexos à medida que a cidade

capitalista cresce e a urbanização se condensa (MAMMARELLA, 2001).

É dessa forma que segue a sociedade abarcando a cidade/urbano, o campo/rural e as

instituições que estabelecem suas relações, constituindo-se em conjunto, em rede de cidades,

com uma divisão do trabalho (tecnicamente, socialmente, politicamente) que liga essas

mesmas cidades por estradas, vias fluviais e marítimas, por relações comerciais, bancárias etc.

A divisão do trabalho entre as cidades não foi nem profunda nem tão consciente a ponto de

determinar associações estáveis e pusesse fim às competições. Esse tipo de sistema urbano

não chegou a se instalar. O que se levantou sobre essa base conflituosa foi o Estado, causa e

efeito da centralização do poder. Nesse ambiente político e social uma cidade se sobressai

sobre as demais, a capital (LEFEBVRE, 2016).

Ao versar sobre diretrizes gerais na execução da política urbana a Lei n° 10.257, de

10 de julho de 2001, denominada Estatuto da Cidade, confirma o Plano Diretor Participativo

como instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana. A medida

veio reforçar o que já estabelecia a Constituição Federal de 1988 (artigos 182 e 183) quando

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já indicava que a propriedade urbana cumprirá sua função social mediante atendimento de

exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no Plano Diretor.

O Plano Diretor é um instrumento básico de aplicação de políticas públicas para o

desenvolvimento e expansão urbana de um município. Essas políticas devem contemplar

aspectos econômicos, sociais, culturais, patrimoniais, físico, ambientais, institucionais etc.

Deve ser observado pelos agentes públicos e privados a implementação dessas políticas na

promoção de direitos sociais e na qualidade de vida na cidade (PORTO VELHO, 2018).

Com a aprovação do Estatuto da Cidade tem-se também a ampliação da importância

do Plano Diretor, permitindo aos municípios uma atuação mais indutora do desenvolvimento,

firmando suas prerrogativas para a regulamentação do parcelamento, uso e ocupação do solo

urbano e promoção de intervenções dirigidas à garantia da função social da cidade. Estes

preceitos constitucionais abrem novas perspectivas para o planejamento urbano municipal

quando requerem o alinhamento entre o Plano Diretor e as normas urbanísticas para garantir

as boas condições de aplicação da legislação local. O Estatuto da Cidade prevê um rol de

normas norteadoras que garantem o uso das cidades de forma responsável e equilibrada, se

comprometendo com o seu desenvolvimento sustentável.

Parágrafo único. Para todos os efeitos, esta Lei, denominada Estatuto da

Cidade, estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o

uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-

estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental (BRASIL, 2001).

O Art. 2° do Estatuto da Cidade (BRASIL, 2001, p. 18), diz ainda que ―A política

urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da

propriedade urbana [...]‖, mediante algumas diretrizes. Destaque para duas em especial:

I – garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à

terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura [sic]

urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as

presentes e futuras gerações;

V – oferta de equipamentos urbanos e comunitários, transporte e serviços

públicos adequados aos interesses e necessidades da população e às

características locais;

Além das diretrizes da política urbana e da definição dos novos instrumentos que

poderão ser aplicados no planejamento e gestão urbana, o Estatuto da Cidade estabelece que o

Plano Plurianual, assim como as Diretrizes Orçamentárias e o Orçamento Anual municipal

devem incorporar as diretrizes e, principalmente, prioridades definidas no Plano Diretor. O

Plano Diretor deve ser visto como importante instrumento para a coordenação e a integração

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das políticas públicas no território local, incentivando a participação dos cidadãos e cidadãs e

consolidando a democracia (PORTO VELHO, 2018).

O conjunto de linhas reguladoras do Estatuto da Cidade expressa a tendência da

organização territorial dos municípios e a dinâmica imobiliária nas cidades brasileiras capazes

de reproduzir as desigualdades sociais ao não distribuir de forma equânime os benefícios

gerados pelo processo de urbanização. Dessa forma, espera-se que o Plano Diretor possa

indicar a definição de vetores de desenvolvimento, elegendo prioridades que orientem os

investimentos públicos e privados buscando construir socialmente uma cidade mais justa e

ambientalmente sustentável.

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4 APONTAMENTOS PARA A COMPREENSÃO DA VIOLÊNCIA E DO CRIME

―Um dia caim pediu ao irmão que o acompanhasse a um vale próximo onde

era voz corrente que se acoitava uma raposa e ali, com as suas próprias

mãos, o matou a golpes de uma queixada de jumento que havia escondido

antes num silvado, portanto com aleivosa premeditação.‖ José Saramago

Neste capítulo procura-se esclarecer o que se entende por conflito e sua influência e

importância nas relações sociais. Procura-se expor conceitos de conflito, violência e violência

difusa no mundo contemporâneo no intuito de chegar até algumas teorias do crime na

perspectiva sociológica. No mesmo capítulo abre-se espaço para explanar sobre o desvio. Para

os funcionalistas tanto o desvio quanto o crime são partes integrantes de uma sociedade, pois

são produtos de tensões na estrutura do organismo social bem como falta de regulação de

normas (morais e jurídicas) dentro do tecido social, e não simplesmente fruto do indivíduo.

4.1 A IMPORTÂNCIA DO CONFLITO PARA AS UNIDADES SOCIAIS

As pessoas vivem nas cidades, fato! É no espaço urbano da cidade onde tomam

corpo as injustiças ou se exercita a cidadania. É na cidade que se torna explícito as

contradições do desenvolvimento. Nas últimas décadas a violência e o crime, seja em áreas

urbanas ou rurais, tem despertado preocupação nas pessoas e agências de controle. Segundo

Feghali (2003, p. 14), a cidade ―É o lugar do cotidiano das relações humanas em suas diversas

dimensões: do trabalho, do afeto, da cultura, da comunicação.‖.

No ambiente social egoísmo e solidariedade são fatores intrínsecos à nossa conduta.

Em uma sociedade altamente complexa e competitiva, a exemplo das sociedades modernas,

solidariedade e egoísmo são fatos contrários que se chocam no interior das relações sociais,

demonstrando que todas as formações sociais são atravessadas por conflitos. Dessa forma é

impossível imaginar alguma convivência humana sem qualquer tipo de competitividade, seja

econômica, política, cultural, religiosa, esportiva etc. (PARDO, NASCIMENTO, 2015).

Na ficção literária Caim (2009), José Saramago destila sua fina ironia sobre o relato

bíblico com base em Gênesis (4)3 que, dentre outras coisas, trata daquele que seria o primeiro

fratricídio da humanidade, o assassínio de Abel por seu irmão Caim. De acordo com a

narrativa mítica cristã, Caim teria matado Abel motivado por ciúmes, já que os produtos do

pastoreio (pecuária) trabalhados por Abel e ofertados ao Criador teriam maior aceitação que

3Disponível em:<www.bibliaonline.com.br>. Acesso em: nov. 2018.

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os singrados na terra (agricultura) por Caim. De acordo com a metanarrativa a morte de Abel

foi motivada por inveja, paixão. Nos dias atuais temos um homicídio qualificado4.

Tomar uma tragédia mitológica a partir das penas de Saramago não significa que

buscamos a origem da violência e do crime no obscurantismo da religião judaico-cristã, já que

o próprio romancista lusitano considera a bíblia cristã um livro de disparates (SARAMAGO,

2009). A pretensão também não é imprimir a ideia de que a ação letal sofrida por Abel deve

ser vista apenas como uma atitude irascível por parte de Caim, pois este agiu com

premeditação. O recorte bíblico tem por efeito indicar, do ponto de vista antropológico e

sociológico, que o conflito, como elemento de integração e desintegração, é um fenômeno

presente na vida coletiva desde os primórdios da humanidade.

Assim como Saramago, Edmund Leach (1983, p.57), considera que ―[...] Todas as

estórias que ocorrem na Bíblia são mitos para o cristão devoto, quer correspondam aos fatos

históricos ou não.‖. Claude Lévi-Strauss (1970, p.222), alega que ―[...] Há quem afirme que

cada sociedade expressa, em seus mitos, sentimentos fundamentais como o amor, o ódio ou a

vingança, que são compartilhados por toda a humanidade.‖. Em resumo Zigmund Bauman

(2003, p.14), diz que ―Os mitos não são histórias divertidas. Seu objetivo é ensinar por meio

da reiteração sem fim de sua mensagem: um tipo de mensagem que os ouvintes só podem

esquecer ou negligenciar se quiserem.‖.

O mito é uma expressão simbólica ligada ao mundo do fantástico. Diferencia-se de

outras expressões dos sentimentos por sua redundância que, por sua vez, tem a função de

solidificar a mensagem para uma comunidade que acredita em textos considerados sagrados,

mesmos que esses textos se correspondam ou não com fatos históricos de determinada

cultura. Isso significa que o mito deve ser repetido várias vezes na tentativa de superar ruídos

entre transmissor e receptor. Um ponto fundamental do mito é a troca da racionalidade pela

fé, suspendendo qualquer dúvida crítica (LARAIA, 1993, p.155-156).

No livro de Gênesis, contido no Velho Testamento da bíblia cristã, temos a explícita

concepção criacionista do homem. De acordo com Raimundo Iamundo (2013, p.186):

O criacionismo está aquém e além da esfera de uma teoria científica, pois se

fundamenta em concepções de crença religiosa, no sentido de considerar a

origem do homem como obra divina. Assim, o homem é resultado da

vontade de um ser poderoso e supremo que criou o primeiro homem e a

primeira mulher. O criacionismo identifica-se, de modo geral, com os textos

definidos como sagrados, uma vez que foram escritos por inspiração ou por

revelação desse ser onipresente e criador.

4Art. 121, § 2°, inc. IV do Código Penal Brasileiro (Decreto Lei n°. 2848 de 7/12/1940). Disponível

em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em: nov. 2018.

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A tradicional mensagem bíblica da fé cristã é usada para explicar a origem da

humanidade e suas conflitualidades de maneira simples e direta, abrindo mão de uma análise

crítica. Nessa perspectiva a transmissão geracional dessas mensagens é compartilhada e

internalizada tacitamente de maneira que não se torna necessário dispor de explicações

pormenorizadas. Iamundo (2013, p.186), esclarece que ―[...] a tradição cristã é a principal

responsável tanto pela origem quanto pela manutenção da concepção criacionista bíblica. Para

ser mais fiel [...] a origem primeira dessa ideia encontra-se na crença monoteísta judaica.‖.

Temos nos sistemas simbólicos (arte, religião, linguagem) uma ligação direta com os

sistemas sociais e culturais na intenção de legitimar a ordem nas sociedades. Essa normativa

está fundamentada em orientações religiosas. À medida que sistemas culturais vão aos poucos

se diferenciando de outras estruturas como arte e ciência, adquirem independência da rigidez

dos padrões morais (DURKHEIM, 1973, grifo nosso). A arte por ser ―[...] absolutamente

refratária a tudo o que se assemelha a uma obrigação, pois ela é o domínio da liberdade.‖. A

ciência também está fora do campo moral por que ―[...] não é outra coisa senão a consciência

levada ao seu mais alto ponto de claridade.‖, ensina Émile Durkheim (1973, p.326-327).

Considerando a moral um conjunto objetivo de valores produzidos pela sociedade no

sentido de orientar regras de conduta dentro da própria sociedade de acordo com a equidade

natural dos homens, temos no mito Caim e Abel um explícito conflito de moralidade. Nesse

sentido a bíblia cristã em Êxodo (20:13)5, revela a preocupação dos nossos antepassados em

conter a violência do homem pelo homem instituindo, dentro de um conjunto de normas

morais, não necessariamente jurídicas, o mandamento ―Não matarás‖.

Essa conduta proibida expressa em código moral revelado por uma entidade divina

aos homens do passado corrobora com Durkheim (1973, p.421), quando diz que ―[...] O crime

não se produz só na maior parte das sociedades desta ou daquela espécie, mas em todas as

sociedades [...]. Não há nenhuma em que não haja criminalidade.‖.

A metanarrativa pode indicar a constante busca do ser humano pelo necessário

equilíbrio entre duas faces da mesma moeda, expressas em pares de contrários: bem e mal,

amor e ódio, sagrado e profano etc. Portanto, se o mito Caim e Abel reflete as contradições

das relações do homem com seu grupo; então, o conflito, hipoteticamente, se institui no

―nascimento da humanidade‖, logo é inevitável e parte da constituição do homo sapiens6.

5Disponível em:<www.bibliaonline.com.br>. Acesso em: nov. 2018.

6Expressão em latim que significa homem racional. No campo científico tem por função designar a espécie homo

na nomenclatura de Lineu. Dicionário eletrônico Rideel.

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Ao discorrer sobre a natureza sociológica do conflito Simmel lamentou o fato de a

importância do conflito no processo de sociação nunca ter sido questionada. Simmel (1983)

declarou que a clássica ciência ―das relações humanas‖ se debruçou sobre duas questões

subjetivas distintas e compatíveis ao mesmo tempo: o indivíduo e a sociedade, mas excluindo

um terceiro elemento. Uma primeira corrente teórica reconhece o indivíduo como unidade da

sociedade enquanto outra admite a sociedade como a totalidade dos indivíduos. Simmel é um

dos sociólogos que se interessa por superar tal cisão, apresentando o conflito como importante

elemento integrador dessas unidades sociais: individuo e sociedade.

Parece que antigamente havia só duas questões subjetivas compatíveis com a

ciência do homem: a unidade do indivíduo e a unidade formada pelos

indivíduos, a sociedade; uma terceira parecia logicamente excluída. Nesta

concepção o próprio conflito - sem considerar suas contribuições a estas

unidades sociais imediatas - não encontraria lugar próprio para o estudo. É o

conflito um fato sui generis e sua inclusão sob o conceito de unidade teria

sido tão arbitrária quanto inútil, uma vez que o conflito significa a negação

da unidade (SIMMEL, 1983, p. 123).

Em qualquer ambiente social egoísmo e solidariedade são fatores presentes

na conduta dos indivíduos. Em uma sociedade altamente complexa e competitiva, a exemplo

das sociedades modernas, o interesse comum e a exclusividade são fatos que se chocam no

interior das relações sociais demonstrando que todas as unidades sociais são atravessadas por

conflitos. Conforme citado acima é impossível imaginar alguma forma de convivência

humana sem qualquer tipo de competitividade, seja econômica, política, cultural, religiosa,

esportiva etc.

A vida brota e flui, até seu nível de esgotamento, de uma permanente relação de

forças contrárias em busca de equilíbrio e desenvolvimento. Nas relações sociais dos grupos

menores existe certa quantidade de discordância interna e controvérsia externa que estão

organicamente ligadas aos próprios elementos que devem manter o grupo coeso; isso não

pode ser separado da estrutura social. A heterogeneidade dos aglomerados humanos nas

cidades se torna condição para o desequilíbrio das unidades sociais, mas o conflito age como

força moderadora e integradora do grupo.

As relações de conflito, por si mesmas, não produzem uma estrutura social,

mas somente em cooperação com forças unificadoras. Só as duas juntas

constituem o grupo como uma unidade viva e concreta. Nesse ponto, o

conflito dificilmente se diferencia de qualquer outra forma de relação que a

Sociologia abstrai da complexidade da vida real. Não é provável que o amor

ou a divisão do trabalho, a atitude comum de duas pessoas em relação a uma

terceira, ou a amizade, a filiação partidária ou a superordenação ou

subordinação, por si mesmos, produzam ou mantenham permanentemente

um grupo real. Onde isto aparentemente ocorre, o processo a que se dá um

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nome contém, não obstante, várias formas distinguíveis de relação. A

essência da alma humana não permite que um indivíduo se ligue a outro por

um elo apenas, ainda que a análise científica não se dê por satisfeita

enquanto não determina o específico poder de coesão de unidades

elementares (SIMMEL, 1983, p. 128).

Em um contexto ainda maior forças opostas devem ser vistas como indissociáveis e

entendidas como uma só unidade. Na busca por esse equilíbrio de forças, mesmo aquele

elemento mais isolado, perturbador e destrutivo deve ser visto como positivo: o conflito. Não

obstante, o conflito tem como fim natural resolver discordâncias com o objetivo único de unir

partes em desacordos, mesmo que isso resulte na aniquilação de uma das partes envolvidas no

processo de sociação (SIMMEL, 1983).

Simmel acreditava que a desconsideração da Sociologia sobre as reais contribuições

do conflito às duas unidades sociais fez com que esse objeto de estudo fosse deixado à parte.

Talvez porque o conflito aos olhos comuns se apresente como negação da unidade. É provável

que essa exclusão se deva a situações como rivalidades de toda ordem, rompimento de uma

relação afetiva, a morte de alguém próximo etc., fazendo crer que o conflito tem que ser

evitado por ser algo que carrega conotação negativa (SIMMEL, 1983).

O conceito de sociação construído por Simmel serve para indicar as formas ou

modos pelos quais os ―atores sociais‖ ou indivíduos se relacionam entre si e seus grupos. Ao

não conceber o fenômeno do conflito simplesmente como uma força composta de elementos

antagônicos, mas capaz de promover tanto sociação como dissociação no interior de diversas

formas sociais, o senso comum ignora a natureza sociológica do conflito. O olhar clínico de

Simmel vê no conflito um processo de via dupla, causa e efeito.

[...] Se toda interação entre os homens é uma sociação, o conflito — afinal,

uma das mais vívidas interações e que, além disso, não pode ser exercida por

um indivíduo apenas — deve certamente ser considerado uma sociação. E de

fato, os fatores de dissociação — ódio, inveja, necessidade, desejo — são as

causas do conflito; este irrompe devido a essas causas (SIMMEL, 1983,

p.122, grifo do autor).

A personalidade (conjunto de caracteres exclusivos de uma pessoa) do indivíduo só

pode ser alcançada através de uma exaustiva harmonização dos conteúdos de sua vida pessoal

(normas lógicas, objetivas, religiosas ou éticas). O ator social não é um ser pronto e acabado,

mas um indivíduo em constante transformação dentro de um continuum de princípio dialético.

O sujeito não existe por si mesmo, mas pela sua convivência conflituosa nas mais diferentes

dimensões da vida coletiva. Conflitos (desentendimentos) e contradições (discrepâncias) não

só precedem o indivíduo, grupo ou sociedade como também atuam em conjunto para existir.

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Simmel tem no conflito social uma força poderosa de sociação que, por sua vez, é

uma forma de interação, ou seja, aquela ação e reação a qual os indivíduos mantêm-se

―conectados‖ tendo em vista suprir a necessidade de se relacionarem. Ao interagir uns com os

outros invariavelmente os indivíduos influenciam e são influenciados de acordo com variáveis

produzidas em seus relacionamentos no interior de seus respectivos grupos, isso posto, por

ora, explica a dinâmica e complexidade da vida social.

No terreno das conflitualidades os elementos antitéticos (que tem lados opostos) e

convergentes (que tendem para o mesmo fim) não devem ser confundidos com simples

relações de indiferenças (apatia) entre dois ou mais indivíduos ou grupos. Caso a indiferença

implique no fim da sociação entre os indivíduos o resultado é puramente negativo,

contrastando com o lado positivo do conflito. ―Todavia, seus aspectos positivos e negativos

estão integrados; podem ser separados conceitualmente, mas não empiricamente.‖, adverte

Simmel (1983, p.123), quanto ao caráter intrínseco do conflito nas relações sociais.

De acordo com Simmel (1983, p.124), a positividade do conflito é clara:

Assim como o universo precisa de ―amor e ódio‖, isto é, de forças de atração

e de forças de repulsão, para que tenha uma forma qualquer, assim também a

sociedade, para alcançar uma determinada configuração, precisa de

quantidades proporcionais de harmonia e desarmonia, de associação e

competição, de tendências favoráveis e desfavoráveis.

Divergências no meio social não devem ser vistas como deformações sociológicas ou

exemplos de forças positivas e negativas em colisão, mas parte do jogo geral do conflito. É

superficial a visão do senso comum quando crer que sociedades se constituem e se realizam

apenas de forças positivas e, ainda, quando forças negativas não criam barreiras ao seu

desenvolvimento. Para Simmel (1989, p.124), a verdadeira sociedade nada mais é que ―[...] o

resultado de ambas as categorias de interação, que se manifestam desse modo como

inteiramente positivas.‖.

No processo da vida social pares de contrários entram em colisão visando preservar e

integrar a unidade em conflito. Um grupo centrípeto e harmonioso é incompatível com esta

realidade. Nesse sentido uma comunidade de santos seria ―irreal‖, pois hipoteticamente os

indivíduos do grupo apresentariam certo grau de nivelamento de suas consciências em termos

de valores éticos a ponto de não apresentar discordâncias na direção de pensamentos ou

ânimos capazes de promover conflitos, base substancial da vida social (SIMMEL, 1983).

É inegável que existem casos de relações que o conflito exclui todos os elementos de

sociação (negando a unidade). No caso de um assaltante diante de sua vítima, conjectura

Simmel (1989, p.132), certamente ―Se essa luta visa simplesmente a aniquilação, aproxima-se

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do caso marginal do assassinato, onde a mistura com elementos unificadores é quase zero.‖.

Por outro lado, continua, ―Se há, todavia, qualquer consideração, qualquer limite à violência,

aí já existe um fator socializante, mesmo que somente enquanto qualificação da violência.‖.

Até aqui podemos dizer que enquanto o conflito tem predisposição para equilibrar

elementos harmoniosos e hostis, criando variadas possibilidades de sociação (lado positivo), a

violência se realiza como ferramenta de destruição (lado negativo), operando como

instrumento qualificado usado na desintegração da unidade social. Portanto, o conflito pode

ser o fio condutor da estabilidade social, um mal necessário. O conflito é uma forma de

sociação que estabelece diversas possibilidades de relações que escapam ao controle do ser

social. Ao mesmo tempo em que pode conduzir a desintegração do todo o conflito é capaz do

oposto, promover a integração das partes, daí a importância do conflito para as formas sociais.

É próprio da realidade social constituir-se de elementos sociais e antissociais. Ainda

sobre o conflito, conforme leitura extraída de Simmel, entendemos que toda unidade social

(indivíduo ou sociedade) contém intrinsecamente elementos que atuam no sentido de

organizar como também de desorganizar sua estrutura (indivíduo ou sociedade) e, por isso,

essas formas sociais mantém relação mútua com o conflito. O fato de desejar alcançar a paz é

apenas uma das muitas expressões da natureza sociológica do conflito (SIMMEL, 1983).

A sobrevivência e preservação da humanidade depende da sua organização. É natural

que no meio social tenhamos a presença de elementos organizadores e desorganizadores.

Diante desse conflito os processos de coesão social estão relacionados a diversas variáveis

que passam junto ou ao longo do conflito. Com base em Simmel acreditamos que a vida se

apresenta como um enlace de múltiplos fenômenos biológicos, psicológicos, sociais etc.,

imbricados e expressos no dia a dia pela dinâmica das relações sociais em forma de conflito.

No terreno da vida social o homem constrói sua personalidade mediante contato com

outros indivíduos por meio da cultura, política, economia, educação, arte, religião, linguagem

etc., incluindo a violência. O ser social não se constitui em algo acabado, mas se realiza em

sua progressiva marcha rumo à práticas convencionadas como civilizadas, tendo nos

princípios básicos do conflito importante fio condutor, seja para o bem, seja para o mal estar

dos indivíduos e sociedade.

4.2 DEFINIÇÃO DE VIOLÊNCIA NA PERSPECTIVA SOCIOLÓGICA

Ao ganhar destaque na mídia diariamente a violência é banalizada, se incorpora ao

nosso cotidiano independentemente do estrato social ao qual estamos inseridos. Cada um de

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nós ou alguém que conhecemos já foi tocado por esse tipo de manifestação física, simbólica,

complexa, polêmica e polissêmica. Física, porque atinge concretamente o corpo do indivíduo,

deixando-lhe marcas visíveis e letais em alguns casos; simbólica, porque atinge o indivíduo

no seu lado mais inacessível, sua subjetividade; complexa, porque está ancorada a diversos

fatores, incluindo regras morais e jurídicas que mudam conforme o humor da consciência

coletiva; é polêmica por não encontrar consenso dos estudiosos dentro de um mesmo campo

de pesquisa; é polissêmica justamente por abrigar diversos significados.

Na obra A violência (1989, p.7), Yves Michaud diz que é considerado violência ―[...]

o assassinato, a tortura, as agressões e vias de fato, as guerras, a opressão, a criminalidade, o

terrorismo etc.‖. Em seguida pergunta como encontrar uma definição completa para fatos

como esses que revele sua natureza.

Etimologicamente a palavra violência vem do latim violentia, aquilo que tem caráter

violento ou indomado. O verbo violare significa ―tratar com violência‖, ―profanar‖,

―transgredir‖. Tanto violentia quanto violare derivam da razi vis, que quer dizer ―força‖,

―vigor‖, ―potência‖, ―violência‖, ―emprego de força física‖ ou ainda ―quantidade‖,

―abundância‖, ―essência‖ ou ―qualidade essencial de uma coisa‖. No sentido mais profundo a

palavra vis é definida como ―a força em ação‖, ―o recurso de um corpo para exercer sua força

e, portanto a potência‖, ―o valor‖, ―a força vital‖ (MICHAUD, 1989, p.8).

Estas definições podem indicar que em algum momento na história das civilizações

deve ter ocorrido uma firme interação entre ―violência‖ e ―violação‖, configurando o cessar

de um costume ou dignidade (PINHEIRO, ALMEIDA, 2003).

Na tentativa de criar uma compreensão de violência que ultrapasse fronteiras morais

Michaud (1989, p.10-11), desenvolveu um conceito mais abrangente. Configura-se violência:

Quando, numa situação de interação, um ou vários atores agem de maneira

direta ou indireta, maciça ou esparsa, causando danos a uma ou várias

pessoas, em graus variados, seja em sua integridade física, moral, em suas

posses ou em suas participações simbólicas e culturais.

O conceito de violência proposto por Michaud abriga diversos aspectos:

a) Complexidade – em uma situação de interação múltiplos atores podem intervir,

inclusive a burocracia estatal que opera na diluição das responsabilidades dos

envolvidos. Nesse caso temos o exemplo da racionalidade da máquina nazista

empregada no extermínio de judeus nos campos de concentração.

b) Tipos de produção – diversas modalidades de produção da violência acabam por

utilizar variados instrumentos a depender do modo operativo e fim desejado. A

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violência é produzida indiretamente por meios cada vez mais ―limpos‖ de acordo

com o avanço tecnológico. Podemos citar o bombardeio em 1945 das cidades

japonesas Hiroshima e Nagasaki para nos dar a noção desse aspecto.

c) Temporalidade – a distribuição temporal da violência em doses pode ser de modo

maciço, gradativo ou apático. Pode-se matar de uma única vez, matar aos poucos

ou mesmo deixar alguém morrer de fome favorecendo condições de subnutrição.

―Pode-se fazer desparecer um adversário ou afastá-lo progressivamente da vida

social e política através de [...] proibições profissionais e administrativas.‖,

explica Michaud (1989, p.11). Na distribuição temporal da violência é possível

notar a existência de estados e atos de violência. Os estados de violência atingem

situações de dominação em todos os aspectos da vida social e política, sendo

cada vez menos percebidos.

d) Tipos de danos – a violência pode impor danos físicos (mais ou menos graves),

psíquicos e morais, ao patrimônio, ao semelhante e aos laços culturais, pois se

trata de uma situação emaranhada. A visibilidade dos danos físicos e patrimoniais

são tidos como importantes, mas a perseguição moral e psicológica, intimidação

reiterada, danos às crenças e costumes são prejuízos graves. Significa que a

violência não se restringe apenas ao campo material, está presente no simbólico.

Ao fazer uso da violência (física ou simbólica) contra alguém acaba-se por retirar da

vítima atributos essenciais do ser humano como consciência, liberdade, vontade.

Os elementos tratados por Michadud mostram a violência como fenômeno relativo,

pois se (re)produz violência de acordo com os valores sociais no tempo e espaço, ou seja, é

quase impossível apresentar um conceito universal de algo que muda em conformidade com

as normas sociais e jurídicas da sociedade. Não se pode pensar a violência sem a presença de

critérios institucionais, jurídicos, sociais ou mesmo pessoais, tendo em vista a vulnerabilidade

física ou a fraqueza psicológica dos indivíduos (MICHAUD, 1989; TAVARES DOS

SANTOS, 2009).

Existe uma firme conexão entre violência e o uso da força física. Contudo, a força é

comedida ao passo que a violência é arrebatadora. Não se pode renunciar o uso da força, mas

é necessário saber a diferença existente entre força e violência. O uso da força é prudente

dentro de seus limites. Já a violência é a ―força cega‖, que não enxerga seus limites nem as

consequências de suas práticas (PINHEIRO, ALMEIDA, 2003, p.13).

De acordo com Pinheiro (2003, p.13), ―Tentar compreender a violência é uma tarefa

que nos coloca diante da própria essência do ser humano.‖.

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A violência é uma questão de hostilidades e maus tratos que, por sua vez, deixa

marcas. Para Michaud ―agressões‖, ―violências‖ e ―vias de fato‖ são atos praticados pelo

homem que expressam agressividade e crueldade, causando lesões ou traumas mais ou menos

intensos junto ao outro. Porém, essa força só é qualificada como violenta quando normas

assim a definem (MICHAUD, 1989).

Importante notar dois aspectos levantados: uma força física identificada a partir de

seus efeitos e outro elemento mais imaterial, vinculado à transgressão de uma norma. ―Como

dano físico, a violência é facilmente identificável; como violação de normas, quase qualquer

coisa pode ser considerada uma violência.‖, ensina Michaud (1989, p.10).

No campo jurídico as variações e características da violência ganham definições

precisas, muito embora o conceito não se revele na mesma proporção. As formas de violência

variam tanto quanto suas tipologias jurídicas. Quanto mais perto se chega do ―núcleo duro‖ de

significação de violência percebe-se que juízos de valor saem de cena para dar lugar a uma

descrição objetiva, ocorre que o fenômeno da violência escapa à fixidez das regras jurídicas e

morais por carregar elementos culturais.

Para tentar compreender atos considerados violentos devemos ter em mente o que

caracteriza esses atos, o que eles têm em comum. Pode-se destacar a intencionalidade da ação

humana como elemento central de uma conduta classificada como violenta.

Apesar de a palavra ―violência‖ ser um substantivo, ela funciona como

qualificador do agir humano. Quando se age, exerce-se a violência ou não.

Não há posição intermediária. Aí radica o perigo da ação, pois quem age é

capaz de tudo – do ato mais sublime ao mais bestial (PINHEIRO, 2003,

p.13, grifo nosso).

Ao analisar a intencionalidade como núcleo da violência, dois aspectos devem ser

esclarecidos. Em primeiro lugar o simples uso da força manifestada não quer dizer que houve

o firme propósito de causar a lesão. Em segundo, antes de falar de uma prática violenta,

carece verificar a diferença entre a ―violência de uma ofensa‖ e ―intenção do uso da força‖ na

conduta violenta praticada (PINHEIRO, ALMEIDA, 2003).

Fundamentada na ética a ação não-violenta é a única capaz de promover o encontro

de homens e mulheres por meio do diálogo. A presença da violência e do crime faz surgir o

medo e esvazia a esperança, tendo efeitos devastadores sobre a capacidade da sociedade de

articular-se politicamente. Nesse entendimento a política é uma prática oposta à violência,

pois a violência traz como resultado a desordem, impossibilitando a criação do espaço público

para a ação política. Significa que quando não existe espaço para a política, abre-se espaço

para a violência. O inverso é aplicado também (PINHEIRO, ALMEIDA, 2003).

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A inserção da palavra ―poder‖ e da expressão ―uso da força física‖ na discussão do

conceito de violência amplia a natureza de uma ação violenta e abrange atos que resultam de

relações de poder, indo de ameaças e intimidações até a negligência. Desse modo, o uso da

força física ou do poder deve incluir a omissão e todos os tipos de abusos, seja físico, sexual e

psicológico, abarcando ainda o suicídio e outros atos que configurem auto-abuso. Ao incluir a

expressão poder no conceito de violência cria-se a possibilidade de desconsiderar as violações

de direitos humanos, especialmente os direitos civis, que contemplam a omissão ou certas

práticas de agentes estatais, tendo na tortura e execuções sumárias, exemplos clássicos de

atrocidades (PINHEIRO, ALMEIDA, 2003, p.16).

Uma definição de violência proposta pela Organização Mundial da Saúde (OMS)

consegue vincular a intencionalidade à prática do ato violento, independente do resultado

produzido, inclusive o conceito é revestido de ―poder‖ e ―uso da força física‖, elementos

centrais para se chegar a uma definição ampla. Sendo assim, a OMS define violência como:

O uso intencional da força física ou do poder, real ou em ameaça, contra si

próprio, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou uma comunidade, que

resulte ou tenha grande possibilidade de resultar em lesão, morte, dano

psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação (KRUG EG et al,

2002, p.5).

O significado de violência na visão da OMS permite levar em conta as formas de

violência que não conduzem à lesão ou morte, mas que necessariamente humilham as pessoas,

as famílias, as comunidades e os sistemas de saúde. Muitas formas de violência contra

mulheres, crianças e idosos podem resultar em problemas físicos, psicológicos e sociais, mas

nem sempre acarretando invalidez (temporária ou permanente) ou até a morte. Ainda que não

estejam explícitos na definição apontada outros aspectos da violência devem ser alcançados.

A definição permite abranger todos os atos de violência (públicos ou privados), sejam eles

reativos (em resposta a eventos anteriores) ou proativos (em benefício próprio ou com a

intenção de se beneficiar), quer se trate de atos criminosos ou não. Esses aspectos são

decisivos para compreender as causas da violência (PINHEIRO, ALMEIDA, 2003, p.16-17).

Relendo os aspectos de violência contidos na definição pensada por Michaud e

estendida na visão da OMS não é possível falar de ―violência‖, mas de ―violências‖, dado sua

pluricausalidade. A violência está, simultaneamente, presente no campo físico e simbólico da

vida social, se apresentando em forma de paralaxe, quer dizer, quando o deslocamento do

objeto muda conforme muda o olhar do observador. Mediante tais constatações firmadas é

possível dizer que a violência é um fenômeno altamente difuso.

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Wieviorka (1997) alega que a partir dos anos 60 e 70 do século XX o mundo se

deparou diante de um novo paradigma de violência. Um tipo de violência ao estilo do mundo

contemporâneo: uma violência difusa e intimamente vinculada à lógica da força e do poder.

Esta violência se insere em novas questões sociais, provocando lesão, morte, dano

psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação da dignidade, seja do indivíduo,

grupo, comunidade ou sociedade, causando, invariavelmente, fissuras em escala global.

4.3 VIOLÊNCIA DIFUSA ENTRE OS CONFLITOS SOCIAIS CONTEMPORÂNEOS

Se em seu interior os agrupamentos humanos produzem animosidades, por que os

homens procuram se agregar?

Muniz Sodré (2006) alega que a resposta para a pergunta anterior não é simples e

remete à ―hipótese do porco-espinho‖ lançada por Schopenhauer ao colocar em xeque um

axioma muito utilizado nas ciências sociais e humanas no que se refere aos escritos de Platão,

ou seja, aquela célebre afirmação que concebe o homem como um ser social. Ocorre que a

―parábola‖ pode exprimir um conflito implícito.

―No inverno, o porco-espinho procura chegar perto um do outro para se aquecer,

mas existem os espinhos, o que faz com que quanto maior a proximidade, maior o atrito

também.‖, diz Sodré (2006, p.33), parafraseando Schopenhauer.

Por mais paradoxal que possa parecer o medo é um elemento capaz de produzir tanto

harmonia quanto desarmonia. O medo é capaz de produzir coesão e dispersão. Todavia, na

visão organicista a coesão social nas sociedades complexas decorre da solidariedade

proveniente da divisão do trabalho. Durkheim (1973, p.333), afirma que ―É, portanto, a

repartição contínua dos diferentes trabalhos humanos que constitui principalmente a

solidariedade social e que se torna a causa elementar da extensão e da complicação crescente

do organismo social.‖. Nessa linha de pensamento a divisão do trabalho, antes de fenômeno

econômico, é responsável por promover a solidariedade, principal fonte de coesão social.

Em um fictício estado de natureza os homens teriam se agregado por sentirem medo

da insegurança que os circunda, diz Sodré ao buscar resposta no contrato social hobbesiano.

Como emoção básica o medo é responsável pela reunião de indivíduos que consensualmente

se unem em busca de segurança por sobrevivência. O contrassenso está no fato de que mesmo

protegido de ameaças, o homem, ainda assim, segue eliminando seu semelhante. Para Sodré

(2006, p.34), ―O homem seria, na visão de Hobbes, [...] o único animal capaz de assassinato,

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de violência destrutiva do outro. E a violência por mera emoção, sem objetivo de alimentação,

sem objetivo de defesa de um território.‖.

Na interpretação de Sodré (2006, p.33), isso significa dizer que ―O ser humano pode

ser gregário, mas não fundamentalmente social.‖. A parábola de Schopenhauer mostra o ser

social como um híbrido de homem e animal. Esse mesmo ser é responsável pela organização

e desorganização do seu próprio espaço. São essas tensões que levam a processos conflituosos

marcados por inclusões/exclusões em todas as esferas da vida social. Em certa medida isso

equivale à quebra do contrato social.

Entre os conflitos sociais em tempos atuais, crescem os fenômenos da violência

difusa e as dificuldades das sociedades e dos Estados em enfrentá-los. Dessa maneira o Estado

perde o monopólio de violência legítima, sua característica distintiva por mais de dois séculos.

Em todo caso os Estados periféricos nunca atingiram, de fato, o monopólio da violência,

estando atualmente mais longe do que nunca desse objetivo. Essa problemática divulga as

novas fronteiras da formação política da ―modernidade tardia‖, já que os laços de interação

social estão sendo orientados por modos violentos de sociabilidade, alterando as expectativas

do processo civilizatório. A modernidade tardia se caracteriza pela repetição da exclusão

social, disseminação das violências, ruptura dos laços sociais e desfiliação de algumas

categorias sociais, sendo a juventude uma das suas maiores vítimas (TAVARES DOS

SANTOS, 2009).

O fenômeno da violência difusa se traduz em um processo social diferente do crime,

anterior ao crime ou ainda não inscrito como crime no Código Penal. Ao enquadrar o crime

como fato social, Santos lembra que Durkheim considera o crime um fenômeno social

normal, pois, em toda sociedade, certo número de crimes é praticado regularmente e, por

consequência, o crime não deve ser considerado um fenômeno patológico. Igualmente, por

analogia, certa taxa de suicídios pode ser considerada normal. Se por um lado temos o crime,

na visão durkheimiana, como uma ação que ofende a consciência coletiva, motivo pelo qual é

passível de punição pela lei penal. De outro modo a violência difusa se apresenta nas

sociedades contemporâneas como ação legitimada por essa mesma consciência coletiva,

instituindo-se como norma social, ainda que isso seja visto como algo controverso e polêmico

(TAVARES DOS SANTOS, 2009).

Dada essa característica difusa, para Michel Misse se torna importante desmembrar o

tema da violência. Para ele é impossível estabelecer um termo que abrigue uma quantidade

indeterminada de eventos.

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Nós estamos, por angústia e por uma série de ansiedades, tratando como um

sujeito difuso o que na verdade é uma miríade de eventos, circunstâncias e

fatores. Esse sujeito difuso, tal qual como um espectro, é nomeado: nós o

chamamos: ―A violência‖. E procuramos encontrar esse sujeito difuso em

todas as partes. Curiosamente, não e difícil encontrá-lo, já que inúmeros

eventos, inúmeros fatos, caem, ou podem cair, razoavelmente, dentro dessa

unificação imaginária. Uma só palavra para situações tão diversas, por um

lado, simplifica o problema e, por outro, facilita um certo tipo de uso,

inteiramente reificado, pois, em lugar de descrever, age socialmente, produz

uma performance e um resultado (MISSE, 2006, p.19-20).

Lembrando que violento é sempre o ―Outro‖ e não ―Eu‖, e quanto mais distante de

mim estiver o outro mais fácil será acusá-lo. Com isso a violência passa de uma simples

situação descritiva para uma situação acusatorial (MISSE, 2006).

Segundo Misse (2006, p.20), ―[...] Quando emprego a palavra ―violência‖, já estou

próximo de demandar uma ―contra-violência‖. Estou, portanto, definindo uma situação que, a

meu ver, exige uma intervenção ou a produção de uma situação contrária.‖. O poder de

definição será o agente que distinguirá a violência da contra-violência, ou seja, violência será

tudo o que não é legítimo, segundo esse poder definidor. A possibilidade de toda separação do

Poder em relação à Violência é a legitimidade desse Poder (MISSE, 2006; ARENDT, 2009).

No livro Violências e conflitualidades (2009), o sociólogo José Vicente Tavares dos

Santos analisa as relações entre o aumento dos conflitos sociais, a fratura dos laços sociais e a

expansão da violência difusa nas sociedades contemporâneas sob o enfoque da Sociologia da

Conflitualidade. Santos comenta que a construção de uma abordagem sociológica sobre a

conflitualidade parte de dois problemas sociais em voga: o crime e a violência. Na linhagem

intelectual da sociologia do conflito, esses fenômenos têm sido reconstruídos mediante várias

reformulações, desde a sociologia clássica até a contemporânea.

Santos defende a Sociologia da Conflitualidade como perspectiva analítica que

reconhece uma nova morfologia do social em consonância com a emergência de novas

questões sociais. Analisar os processos de conflitualidade social, destacando a necessidade do

debate político sobre o controle social é papel dessa sociologia. A abordagem em questão trata

de compreender práticas consideradas violentas próprias de uma sociedade altamente

globalizada pelos processos econômicos e pela mundialização de questões sociais presentes

de forma concomitante e com especificidades diferentes nas mais distintas sociedades

(TAVARES DOS SANTOS, 2004, 2009).

Na avaliação de Santos alguns dilemas decorrentes da sedimentação de um controle

social informal (famílias, escolas, fábricas, religiões) ou formal (polícias, academias de

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polícia, tribunais, manicômios judiciários, instituições da justiça penal e prisões), tem como

fator desencadeante uma violência difusa nas sociedades contemporâneas. A sociologia da

conflitualidade tem como objetivo, partindo de problemas sociais concretos como crime e

violência, reconstruir a significação sociológica das questões sociais através de formulações

oriundas da sociologia do conflito.

A construção da sociologia da conflitualidade se situa no contexto da globalização

econômica e da mundialização das contradições e conflitos sociais. Essas contradições

incidem, por vezes, na constituição de novas formas sociais, conflitualidades no espaço-tempo

mundial, ameaçando a consolidação da democracia pelo mundo. Define-se a sociologia da

conflitualidade a partir de uma epistemologia da complexidade da sociedade contemporânea.

Do ponto de vista de uma agenda de pesquisa, tem-se a análise de problemas sociais,

convertidos em objetos de investigação, e um modo sociológico de interpretação que inclui os

conflitos sociais como elementos criadores de novas formas de sociação (TAVARES DOS

SANTOS, 2009).

Com a mundialização dos conflitos sociais a sociologia da conflitualidade se reveste

de importância quando trata do uso do conceito de lutas sociais ao lembrar de mobilizações

organizadas por agentes sociais em face de reivindicações específicas, além do conceito de

movimentos sociais, quer dizer, aquele amplo contingente social que se organiza em função

de seus adversários, define sua identidade no âmbito do campo de lutas propondo

reorientações de limites históricos (TAVARES DOS SANTOS, 2009).

Entendendo que conflitos, lutas e movimentos sociais são dinamismos sociais que

contribuem para os processos de construção da democracia e da cidadania, mas também

concorrem igualmente para a fabricação de sujeitos de direitos culturais, Tavares dos Santos

(2009, p. 17), deseja ―[...] reconstruir sociologicamente os conflitos, crimes, anomias, desvios

e violências, assim como os modos de controle social, pois, na ótica da sociologia da

conflitualidade, as tensões, conflitos e lutas sociais são construtivos das relações, processos e

estruturas sociais.‖.

O caminho sociológico para se compreender a violência social segue a

reconstrução da complexidade das relações sociais e de poder, as quais se

exercem por múltiplas formas, de um modo transversal aos vários eixos de

estruturação do social. Tais eixos podem ser dispostos em cinco conjuntos

relacionais de conflitualidades: classes sociais, relações étnicas, relações de

gênero; processos disciplinares; dispositivos da biopolítica; e os processos

mentais inconscientes. Em cada conjunto de relações sociais reconhecemos

relações de força entre a ordem e a desordem, macro e micro poderes; e

tensões sociais, algumas das quais originam conflitos sociais, outras gestam

lutas sociais, em diversas expressividades (TAVARES DOS SANTOS,

2009, p. 17).

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É com base nesse enfoque sociológico que temos uma maior visibilidade e uma

melhor conceituação da importância das lutas sociais, não apenas como resistência, mas como

movimento de proposições positivas: lutas minúsculas, plurais, negação das formas de

dominação etc. Assim, constata-se uma outra cartografia social e simbólica, pontilhista

(imagem definida por pequenas manchas ou pontos) e processual, na ordenação do espaço-

tempo social global, mediante o recurso à configuração de quadros sociais, figuras nas quais

se concentram tecnologias sociais de poder e procedimentos de saber. Contra essa sociedade

normalizadora e programada, efeito de uma tecnologia de poder centrada na vida, emerge

forças socialmente organizadas que ainda resistem desde o século XIX (TAVARES DOS

SANTOS, 2009).

Nesse complexo cenário mundial emerge mudanças tecnológicas resultando em

modificações nas relações de trabalho, impactando na sua precarização, no desemprego,

acompanhada pelos efeitos de desfiliação em processos de seleção/exclusão social, como a

crise migratória, ausência de respeito ao outro, sem falar nas significativas mudanças no

mundo agrário que vão desde a questão da fome, inovações tecnológicas, novas formas de

organização produtiva como a agricultura familiar passando pelas lutas sociais pelo direito ao

uso da terra. A ecologia está presente nas discussões sobre tecnologias intermediárias e no

desenvolvimento sustentável, significando a importante relação do Homem com a Natureza e

o futuro da humanidade. Diante dessas mudanças desencadeia-se o processo de exclusão:

―[...] os sem classe, sem terra, sem informática, sem teto, sem comida, sem trabalho. Um novo

espaço social mundial de conflitualidades está se desenhando nos espaços e nos tempos da

Mundialização.‖, assegura Tavares dos Santos (2009, p. 19).

Esse novo espaço social mundial de conflitualidades pode ser evidenciado a partir da

constatação feita por Tavares dos Santos (2009, p. 19), quando se verifica transformações em

instituições como: ―[...] família, escola, processos de socialização, fábricas, religiões – e no

sistema de justiça criminal (polícias, tribunais, manicômios judiciários, prisões), pois vivem

um processo de crise e desinstitucionalização.‖. Ainda conforme ensina Tavares dos Santos

(2009, p. 19):

A crise da família cristaliza tais mudanças nos laços sociais, pois as funções

sociais desta unidade social marcada por relações de parentesco – assegurar

a reprodução da espécie, realizar a socialização dos filhos, garantir a

reprodução do Capital Econômico e da Propriedade do grupo, assegurar a

transmissão e reprodução do Capital Cultural – estão atualmente ameaçadas.

Por um lado, em decorrência da própria diversidade de tipos de família no

Brasil atual – família nuclear, família extensa em algumas áreas rurais e

urbanas, famílias monoparentais, famílias por agregação. Por outro, os tipos

de relações de sociabilidade que nela se realizam são variados: marcadas

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originalmente pela afetividade e pela solidariedade, agora as relações

reaparecem como largamente conflitivas, como o demonstram os fenômenos

de violência doméstica. As funções de socialização passam a ser

compartilhadas pela escola e pelos meios de comunicação. Identifica-se uma

desorganização do grupo familiar, com as funções de reprodução econômica

ameaçadas pela crise do emprego assim como pelos efeitos da crise do

Estado-Providência.

Essa crise nas instituições sociais faz efetivar uma diversidade de tipos diferentes de

normas sociais, mais do que aquilo que o próprio pluralismo jurídico prever, nos levando a

uma simultaneidade de padrões de conduta por vezes incompatíveis e divergentes entre si.

Tavares dos Santos (2009, p. 19), cita, como exemplo, ―[...] a violência configurando-se como

linguagem e como norma social para algumas categorias sociais, em contraponto àquelas

denominadas de normas civilizadas, isto é, um controle social institucionalizado e

internalizado nos agentes sociais pelos mecanismos de autocontrole e sublimação.‖.

Trata-se de uma ruptura do contrato social e dos laços sociais, provocando

fenômenos de desfiliação e de ruptura nas relações de alteridade, dilacerando

o vínculo entre o eu e o outro. Tais rupturas verificam-se nas instituições

socializadoras – famílias, escolas, fábricas, religiões – e no sistema de justiça

penal – polícias, academias de polícia, tribunais, manicômios judiciários,

instituições da justiça penal e prisões – pois todas vivem um processo de

ineficácia do controle social e passam a uma fase de desinstitucionalização

ou de recorrente crise (TAVARES DOS SANTOS, 2009, p.33, grifo do

autor).

No dia a dia a vida é feita de uma inter-relação entre mal-estar, violência simbólica e

sentimento de insegurança difundidos em larga medida pelo campo jornalístico. Segundo ele,

estamos vivendo em um horizonte de representações sociais de violência em que os meios de

comunicação de massa contribuem para sua disseminação, produção, dramatização e difusão

da violência de forma espetacularizada. Segundo Tavares dos Santos (2009, p.32), ―No caso

da televisão, procura-se o sensacional, o espetacular, mediante a dramatização dos fatos, de

maneira a produzir o extraordinário do mundo ordinário.‖.

Segundo Almeida (2011), no que tange às representações sociais, com base nos

estudos de Serge Moscovici, são conhecimentos do cotidiano construídos e compartilhados

socialmente, possibilitando a criação de códigos comuns a certos grupos sociais. As

representações sociais influenciam na organização do pensamento cognitivo e social dos

indivíduos e grupos, orientam suas condutas, sendo as representações sociais igualmente

influenciadas por essas mesmas condutas. Ainda quanto às representações sociais de

violência, Almeida (2011, p. 38), diz: ―[...] a mídia não é a única a influenciar nos processos

de comunicação e (re)construção das teorias do senso comum, há o contexto cultural, social,

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as estratégias de tornar familiares os estudos acadêmicos, mas a mídia parece exercer um

papel de destaque.‖.

Para Tavares dos Santos (2009, p. 31),

A configuração da violência difusa como uma questão social mundial,

presente na agenda da política de países de vários continentes, da América

Latina à América do Norte, da Europa à África – disseminada e dramatizada

pelos meios de comunicação em escala global – suscita um conjunto de

questões sociológicas que orientam a investigação sobre o significado social

e cultural das múltiplas formas de violência presentes nas sociedades

contemporâneas neste jovem século XXI.

A formação da sociedade global ocorre mediante um processo de contradições,

heterogeneidade e desigualdades. Portanto, é possível se deparar com as dimensões subjetivas

e objetivas das múltiplas formas de violências no cotidiano social. Os fenômenos da violência

difusa adquirem novos contornos e se espalham por toda sociedade. As variações de violência

nas sociedades contemporâneas (violência política, violência de classe, violência de gênero,

violência sexual, racismos, violência ecológica, violência simbólica, violência escolar, a

questão da fome etc.), se encapsulam em uma ―microfísica da violência‖ (TAVARES DOS

SANTOS, 2009).

Para Tavares dos Santos não basta destinar a violência às determinações econômicas

ou políticas, não obstante são causas que atuam de forma eficiente na manutenção do

fenômeno. A compreensão da fenomenologia da microfísica da violência pode ser feita a

partir da noção de microfísica do poder de Michel Foucault. Porém, é preciso abandonar a

ideia concebida de poder soberano e, consequentemente, da violência como instrumento

legítimo de poder, na medida em que esta concepção permite a violência do Estado ou contra

o Estado. De modo contrário, diz Tavares dos Santos (2009, p. 30), ―[...] se aceitarmos a ideia

de Foucault de uma microfísica do poder, ou seja, uma rede de poderes que permeia todas as

relações sociais, marcando as interações entre os grupos e as classes, podemos estendê-la aos

fenômenos da violência.‖.

O poder é um tipo de exercício de dominação evidenciado pela sua legitimidade (não

importando o modo como se produz esta legitimidade) e por sua capacidade de negociar o

conflito social por meio do consenso. Por sua vez, o conflito social consiste em um processo

de sociação entre classes, frações de classe e grupos sociais que implica a possibilidade de

negociação entre as partes envolvidas, mesmo em tensa interação. ―O poder supõe alguma

possibilidade de negociação, de elaboração de um consenso, para se estabelecer com

legitimidade e de modo hegemônico.‖, esclarece Tavares dos Santos (2009, p.39).

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A violência como instrumento de dominação é tão contrária ao poder e, portanto não

é absoluta porque precisa se apoiar em reiteradas justificativas para existir, diferentemente do

consenso existente em torno do poder como representação política (ARENDT, 2009).

A violência, ao contrário do poder, se apresenta como um dispositivo que mantém

uma relação de alteridade caracterizada pelo uso da força, o recurso à coerção, atingindo o

outro com dano. É uma relação social inegociável, tendo em vista que atinge as condições de

sobrevivência, materiais e simbólicas, daquele percebido como ―outro‖, ―anormal‖ ou

―desigual‖ por conta daquele que pratica a violência. Nesse sentido a violência se configura

como excesso de poder (TAVARES DOS SANTOS, 2009).

Conforme a fenomenologia da violência a partir do conceito de microfísica do poder,

Tavares dos Santos (2009, p. 41), considera que ―A prática da violência vai inserir-se em uma

rede de dominações, de vários tipos – classe, gênero, etnia, por categoria social e violência

simbólica – que resultam na fabricação de uma teia de discriminações, estigmas e exclusões

[...]‖, muitas vezes essas categorias se apresentam sobrepostas. A violência aparece não

apenas como instrumento para determinado fim, mas dotada também de racionalidade

específica.

Podemos considerar a microfísica da violência como um dispositivo de

poder-saber, no qual se exerce uma relação específica com o outro, mediante

o uso da força e da coerção: isto significa estarmos diante de uma

modalidade de prática disciplinar, um dispositivo, que produz um dano

social; ou seja, uma relação que atinge o outro com algum tipo de dano;

compondo-se por linhas de força, consiste em um ato de excesso presente

nas relações de poder: as relações de violência efetivam-se em um espaço-

tempo múltiplo, reclusos e abertos, instaurando-se uma racionalidade

específica (TAVARES DOS SANTOS, 2009, p.41).

A microfísica da violência na atualidade é uma maneira de interação social na qual se

procura afirmar um poder. Esse poder é legitimado por determinada norma social, conferindo-

lhe o aspecto de controle social. A violência é vista como um dispositivo de poder-saber, uma

prática disciplinar que produz um dano social que se instaura com uma racionalidade própria,

desde a prescrição de estigmas até a exclusão, material ou simbólica. O poder é confundido e

caracterizado por uma coerção exagerada. Esta relação de excesso de poder é uma relação

social inegociável porque atinge, no limite, a condição de sobrevivência, material ou

simbólica, daquele que é vitimizado pelo uso real ou virtual da coerção, o que impede o

reconhecimento do Outro (indivíduo, classe, gênero ou raça) como ser social portador de

direitos e deveres na mesma proporção. Essa exclusão provoca danos de toda ordem,

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configurando o oposto de uma sociedade democrática contemporânea, que, por sua vez, deve

se pautar necessariamente pela inclusão dos cidadãos (TAVARES DOS SANTOS, 2009).

A microfísica da violência está contida na força, coerção e dano em relação ao outro,

enquanto um ato de excesso presente nas relações de poder, desde o nível macro, do Estado,

ao nível micro, entre os grupos sociais.

É perfeitamente possível que as raízes sociais dos atos de violência difusa estejam

localizados nos processos de fragmentação social que refletem o rompimento dos princípios

organizadores da solidariedade como base de coesão social bem como a crise da concepção

tradicional dos direitos sociais em oferecer um quadro analítico para pensar os ―excluídos‖,

reiterando que na era da globalização estamos submetidos cada vez mais a processos de

massificação paralelos a processos de individualização, ou seja, na contemporaneidade há

uma decadência dos valores coletivos e o crescimento de uma sociedade cada vez mais

individualizada (TAVARES DOS SANTOS, 2009).

Para identificar práticas consideradas violentas tanto na história quanto na sociedade

brasileira, Santos desenvolve o conceito de ―cidadania dilacerada‖. Na concepção de Santos a

expressão cidadania dilacerada traz a noção da crescente manifestação da violência física na

sociedade contemporânea. Essa violência praticada contra o corpo do indivíduo ameaça as

próprias possibilidades de participação social, comprometendo o exercício de cidadania. Esse

conceito levou Sousa a identificar um paradoxo na atual sociedade brasileira: ao mesmo

tempo em que exalta o regime político democrático a sociedade caminha de braços dados com

o autoritarismo, essas ambiguidades fazem parte da vida social brasileira.

[...] A sociedade parece aceitar a violência, ou resignar-se, incorporando-a

como prática social e política normal e coletiva, como o demonstram os

rotineiros exemplos de violência nas cidades, nos campos e florestas

brasileiros. Tal situação nos relembra que a violência urbana realiza-se

mediante formas de violência difusa e generalizada marcando o cotidiano

das populações das grandes cidades brasileiras (TAVARES DOS SANTOS,

2009, p. 25).

Contra as práticas da violência devem ser realizadas experiências na tentativa de

desnaturalizá-la, pois o maior obstáculo reside no fato de que a violência está enraizada na

vida social, constitindo-se em uma das linguagens correntes na vida social. Isso quer dizer que

o medo consiste hoje um dos componentes das representações sociais coletivas da sociedade.

Portanto, cabe à própria sociedade desenvolver o debate próprio das evidências dos atos de

violência mediante a publicização desses eventos em toda sua minúcia, precisão e brutalidade,

com o uso irrestrito das novas tecnologias da informação (TAVARES DOS SANTOS, 2009).

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A Sociologia tem procurado abordar o fenômeno da violência pelo viés do desvio e

da norma. As teorias sociológicas sobre violência e crime tem se preocupado em investigar a

delinquência e suas relações com a ordem e desordem, com o controle do comportamento

social, a desobediência às leis e o conformismo. Pode-se considerar como comportamento

violento ou criminoso tudo aquilo que excede limites aceitáveis de convivência social,

estabelecido por valores morais e jurídicos. Nem toda ação criminosa vem acompanhada de

violência, porém toda ação violenta pode configurar uma conduta criminosa a depender dos

aspectos socioculturais de cada sociedade.

Nos dias atuais erige-se uma pluralidade de diferentes normas sociais, algo mais do

que o próprio pluralismo jurídico, levando-nos a ver a simultaneidade de padrões de conduta

muitas vezes divergentes e incompatíveis. Temos a violência como linguagem e como norma

social para algumas categorias sociais, por exemplo, em contraponto àquelas denominadas de

normas civilizadas, marcadas pelo autocontrole e pelo controle social institucionalizado.

Todavia, o autocontrole e o controle social institucional parecem estar disponíveis apenas para

algumas categorias de agentes sociais (TAVARES DOS SANTOS, 2009).

4.4 O DESVIO NA COMPOSIÇÃO DO ESTUDO DA CRIMINALIDADE

O estudo da violência e do crime necessariamente passa pelo desvio. De modo rápido

se torna fácil dizer quem são os indivíduos desviantes, os ―marginais‖, ou seja, criminosos de

toda ordem, psicopatas, drogados, prostitutas etc.; pessoas que se recusam a viver em

conformidade com as regras seguidas pela maioria das pessoas ―normais‖. Ocorre que a noção

de indivíduo desviante não é fácil de definir quanto parece. Ainda mais difícil é definir a

relação existente entre crime e desvio. Em casos como esse é preciso ultrapassar os limites

das evidências (GIDDENS, 2005).

Para Giddens (2005, p.172, grifo do autor), ―Ninguém descumpre todas as regras,

assim como ninguém age de acordo com todas elas. Criamos regras da mesma forma como as

rompemos.‖.

O desvio pode ser qualquer conduta em desalinho com um conjunto de normas

aceitas ―espontaneamente‖ por um número significativo de indivíduos, seja dentro de um

grupo ou em sociedade. Apesar de em alguns casos se sobreporem, desvio e crime não são

sinônimos. Enquanto o crime se apresenta como uma conduta sancionada por uma lei, o

desvio extrapola as normas sociais por não ser alcançado pela lei. Tanto o desvio quanto o

crime podem ser realizados individualmente ou em grupos.

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Ao estudar o desvio é preciso saber quais regras os indivíduos estão obedecendo e

quais estão infringindo. Estudar o comportamento desviante é buscar entender por que alguns

comportamentos são vistos como crime e como noções de desvio são aplicadas de maneiras

distintas dentro de uma mesma sociedade (GIDDENS, 2005, p.173).

Do ponto de vista sociológico em um grupo social o castigo é imposto quando certa

regra instituída é infringida por uma das partes componentes. Quando isso ocorre a unidade

do grupo corre perigo e medidas restauradoras são acionadas visando a coesão social. A esse

respeito Philippe Robert (2007, p.40), esclarece que dentro do universo normativo, além de

―Modelo de representação e de ação, a norma também é uma expectativa padronizada de

comportamento.‖. As normas são acompanhadas de sanções que, por sua vez, promovem a

conformidade e protegem as normas da não conformidade.

Segundo Irving Goffman (1963, p.138), ―Quando uma regra é quebrada, surgem

medidas restauradoras; o dano termina e o prejuízo é reparado, quer por agências de controle,

quer pelo próprio culpado.‖. Para Anthony Giddens (2005, p.175), ―Uma sanção constitui

qualquer reação, por parte dos outros, ao comportamento de um indivíduo ou de um grupo,

que vise assegurar a obediência a determinada norma.‖. A tradução é simples: aquele que

quebra as regras deve ser punido para restauração dos laços sociais.

As sanções tanto podem ser ―positivas‖ como ―negativas‖. No primeiro caso são

acompanhadas de recompensa pela sua obediência, enquanto que no caso último pode vir sob

a forma de punição pela desobediência prestada. As sanções podem ser aplicadas de modo

―formal‖ ou ―informal‖. Nas sociedades modernas as sanções formais estão representadas

pelos tribunais e prisões sob a forma de pena. Já as sanções informais são reações mais

espontâneas e menos organizadas existentes para punir infrações (GIDDENS, 2005, p.175).

Não raro constatar nas sociedades segmentadas que alguns delitos praticados contra a

Pólis estão sujeitos à pena de morte, exílio, exclusão etc. Em uma sociedade de clãs, por

exemplo, onde a política não é organizada autonomamente e, portanto, o Direito Penal não é

constituído e estatizado encontramos na vingança um instrumento regulador do equilíbrio de

forças entre diversos grupos sociais. Com uma organização política insipiente, ao invés de

acionar um dispositivo autônomo de justiça, ―As ofensas entre clãs ou entre famílias são

ajustadas, essencialmente, por outro procedimento: a vingança.‖, indica Robert (2007, p. 26).

Os ―banimentos‖ em sociedades pré-capitalistas, por exemplo, são considerados

mecanismos de ajustamento das relações sociais (ROBERT, 2007, p.32). Como vingança por

seu desvio a expiação de Caim, por exemplo, foi a aquisição de uma mancha negra na testa

para que ao ser reconhecido não sofresse qualquer represália, exceto pelo seu Julgador. Após

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ser banido do seu grupo pelo Senhor, Caim montou num jegue e saiu perambulando por terras

áridas em cumprimento de sua pena (SARAMAGO, 2009, p.36).

O surgimento de um Estado político significou o triunfo da pena em detrimento da

vingança, porém o embate de forças passou a ser desigual. Na avaliação de Robert (2007, p.

27), uma sociedade estatizada se propõe conter a violência ―[...] pelo estabelecimento dum

desequilíbrio entre o soberano que comina a pena e o indivíduo que a padece. A esse poder,

nada, nem ninguém, podem resistir ou rivalizar. Sua dissuasão baseia-se nessa desproporção‖.

E continua, ―A pena rompe com a vingança, não como a civilização rompe com a barbárie,

mas porque instala uma lógica absolutamente diferente de contenção da violência.‖. O

objetivo da pena consiste em ameaçar comportamentos considerados criminosos.

O crime se apresenta como uma conduta reprovável pela consciência coletiva, sendo

objeto passível de penalização na sociedade moderna. O crime representa uma subcategoria

do comportamento desviante como um todo, abrange uma variedade de formas de conduta,

desde o simples furto até assassinatos em massa. Muito embora, comumente, se apresentem

juntos, crime e violência são fenômenos que guardam suas devidas particularidades.

4.5 O COMPORTAMENTO CRIMINOSO E SUAS NATUREZAS

Sociologicamente um ato é considerado criminoso quando ofende os estados firmes

da consciência ―comum‖ ou ―coletiva‖. Consciência coletiva é o conjunto das crenças e

sentimentos comuns à média dos membros de uma mesma sociedade; um sistema dotado de

vida própria (DURKHEIM, 1973).

Toda ação ou omissão que afronta a consciência comum dos homens é um ato

passível de penalização. A violência emerge de um universo de possibilidades, mas ao

ofender a consciência coletiva acaba se transformada em código jurídico, tipificando uma

conduta criminosa.

A teoria social clássica se ocupou de dois modelos teóricos distintos, mas

compatíveis entre si: um que tem como fonte de conflitos a manifestação da sociedade sobre o

indivíduo e outro que compreende ser a interação do indivíduo com a sociedade a base desses

conflitos. Nessa esteira, estudos sociológicos envolvendo violência e crime também

assumiram duas direções, ora contrárias, ora complementares.

Uma primeira direção procura abordar os determinantes da conduta criminal em uma

dimensão microssociológica, indicando que são exatamente as características individuais e as

motivações pessoais responsáveis pelo cometimento dos delitos, encaminhando os indivíduos

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para o mundo do crime. Aqui os interesses são voltados para elementos biopsicológicos.

Nesta linha de investigação são admitidas as relações interpessoais com familiares mais

próximos, grupos de amigos etc. As teorias que explicam as causas individuais do crime a

partir de patologias sinalizam para três grupos de variáveis: biológica, psicológica e

psiquiátrica. Nessa direção de pensamento se fala de uma causa individual para o crime

(GIDDENS, 2005; ROBERT, 2007; RAINE, 2015).

A outra direção parte do viés macrossociológico, onde as variáveis processuais,

estruturais e institucionais que recaem sobre as causas das violências e dos crimes são

avaliadas. Neste arcabouço teórico duas questões surgem. A primeira procura saber quais são

os elementos (macros) que influenciam o indivíduo a entrar na criminalidade. A segunda

questão é entender como esses elementos atuam em favor do crime. Nessa perspectiva se

analisa o peso dos determinantes políticos, culturais, econômicos e dos contextos sociais mais

amplos e sua influência sobre os indivíduos desviantes. Nesse quadro teórico se fala de uma

causa social para o desvio (GIDDENS, 2005; ROBERT, 2007).

Esta divisão não é plenamente adequada, pois não há separação entre micro e macro.

As duas perspectivas ao mesmo tempo em que são contrárias, são complementares. A divisão

apenas repercute os próprios limites dos paradigmas da Sociologia clássica: uma que

reconhece o indivíduo enquanto unidade da sociedade e a outra que enxerga a sociedade como

totalidade dos indivíduos.

A história da criminologia relata que antes de o crime se tornar tema de discussões

sociológicas, foi por muito tempo objeto de dissertações jurídicas e médicas, especialmente

no campo da psiquiatria. Com o tempo houve o deslocamento das explicações individualistas

para o contexto social e cultural (GIDDENS, 2005; ROBERT, 2007).

Dentre as diversas correntes teóricas da Sociologia que auxiliam na compreensão do

desvio e do crime, temos: o positivismo, o funcionalismo, o interacionismo, a teoria do

controle, a teoria do conflito e outras. Devido ao número considerável de teorias sociológicas,

pretensamente universais, sobre desvio e o crime, foram selecionadas algumas com o

propósito de empreender um quadro teórico do desvio e do crime mostrando como essas

teorias se diferenciam e se complementam na explicação dos comportamentos desviantes.

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4.5.1 Teoria funcionalista

Ao contrário dos criminólogos de sua época Émile Durkheim via o crime e o desvio

como fatos sociais7. Acreditava que eram elementos inevitáveis e necessários nas sociedades.

Ao classificar o desvio como normal não estava dizendo somente que o crime é

―inevitável‖ e provocado pela ―incorrigível maldade dos homens‖; mas que o crime é parte

integrante de uma sociedade saudável, um caso de saúde pública (DURKHEIM, 1973, p.421).

A corrente funcionalista ou organicista entende o crime e o desvio como produtos de

tensões estruturais e falta de regulação de normas sociais dentro da sociedade e não fruto do

indivíduo. Caso os desejos dos indivíduos e dos grupos não se realizem simultaneamente com

os ―prêmios‖ disponíveis, essa desigualdade entre aspirações e realizações se refletirá no

desvio de conduta de alguns indivíduos, gerando aquilo que Durkheim chamou de anomia ou

falta de coalescência na sociedade (GIDDENS, 2005, p.176).

O conceito de anomia indica que, diferentemente das sociedades pré-capitalistas, nas

sociedades contemporâneas as normas e os padrões tradicionais sofrem enfraquecimento. A

anomia reina quando não há padrões de conduta social claros para orientar o comportamento

em determinado momento da vida coletiva. Em tais circunstâncias os indivíduos tendem a se

sentir socialmente desamparados (GIDDENS, 2005, p.175).

De acordo com Giddens os estudos de Durkheim apontaram que no mundo moderno

os indivíduos são forçados a aderir com menor intensidade às normas de conduta, diferente

dos indivíduos das sociedades pré-capitalistas. Com mais espaço para escolhas individuais na

modernidade é inevitável não haver algum tipo de desvio. Para Durkheim nenhuma sociedade

chegaria a um consenso sobre normas e valores que a levaria em direção ao progresso. O

desvio preenche duas funções importantes na sociedade: adaptação e manutenção de limites.

Ao permitir a introdução de novas ideias e desafios, o desvio age como força inovadora,

promovendo mudanças sociais. O desvio, assim como o conflito, impulsiona a manutenção da

fronteira entre o ―permitido‖ e o ―proibido‖ (GIDDENS, 2005, p.176).

Os estudos de Durkheim sobre o crime e desvio influenciaram outras pesquisas no

sentido de tirar o foco das explicações individuais e levar para as forças sociais. A ideia de

anomia, por exemplo, foi utilizada por outros sociólogos na tentativa de elaborar explicações

sobre o crime e o desvio dentro da própria estrutura social.

7É toda maneira de fazer, consolidada ou não, capaz de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior. O fato

social é geral no conjunto da sociedade ao mesmo tempo em que tem existência própria, porque independe das

manifestações dos indivíduos (1973, p.394-395).

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4.5.2 Anomia e teoria da tensão

Robert Merton deu novo sentido ao conceito de anomia para indicar a pressão

imposta à conduta dos indivíduos quando normas aceitas entram em conflito com a realidade

social. Merton acreditava que outras sociedades industriais, tal qual a norte-americana,

geralmente, defendiam seus valores dando ênfase ao sucesso material. Essas sociedades

acreditavam que o êxito na vida podia ser alcançado por meio de disciplina e muito esforço no

trabalho. Ou seja, pessoas que ―dão duro‖ no trabalho podem prosperar independente de seu

ponto de partida na vida (GIDDENS, 2005).

Atualmente isso não pode ser validado já que para a maioria dos desfavorecidos é

reservado apenas oportunidades convencionais e limitadas ou nenhuma oportunidade de

ascensão. Além disso, aqueles que não obtêm ―sucesso‖ acabam condenados por sua visível

falta de aptidão. Nessa situação, presumi-se que o indivíduo é pressionado a tentar prosperar a

qualquer preço, seja de maneira legítima ou não. Merton via o desvio como subproduto das

desigualdades econômicas e da falta de oportunidades iguais para os indivíduos (GIDDENS,

2005, p. 177).

Merton explicou o desvio (deviate behavior) pelas tensões entre a distribuição de

valores, normas e interesses e a distribuição de posições sociais e de status, que impõem

acesso diferenciado aos meios de aquisição desses valores – daí o nome strain theory (teoria

da tensão), usado para mencionar essa construção. Para Merton uma grande possibilidade de

desvio ocorre principalmente nos grupos menos favorecidos. A ideologia de uma sociedade

que alega que a ascensão material é dada a todos indistintamente é compartilhada, mas entra

em contradição com as pequenas chances de sucesso dos indivíduos sem instrução ou

escassez de meios econômicos (ROBERT, 2007, p.108).

A anomia para Merton é resultado imprevisível e contraditório da conjunção de uma

ideologia que prega a igualdade em uma estrutura social que mantém visíveis desigualdades

de acesso aos meios necessários para a materialização de um sonho em comum, ―vencer na

vida‖. A partir de 1949 o desvio passa a ser considerado uma consequência possível. Isso

porque a ideia de desvio se torna probabilista e não mais determinista.

Em 1957 na reedição de Social Theory and Social Structure, Merton organizou ainda

mais sua teoria da anomia, discorrendo sobre a estrutura das oportunidades (opportunity

structure) ou dos meios, para ele um conceito muito próximo ao de capital social.

Os estudos de Merton contribuíram para que a criminologia pudesse entender como

em uma época em que a sociedade se torna mais abundante, taxas de crime tem aumento.

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Percebendo o contraste entre aspirações crescentes e desigualdades persistentes, Merton

desenvolveu a noção de privação relativa como um elemento importante do desvio.

Albert Cohen observou, assim como Merton, as contradições dentro da sociedade

norte-americana como a principal causa do desvio. No entanto, enquanto Merton enfatizava as

reações desviantes individuais para a tensão entre os valores e os meios, Cohen verificava as

reações em ocorrências coletivas através de subculturas, quando certos grupos adotam normas

que acabam encorajando ou recompensando a conduta criminosa.

Em Delinquent Boys (1955), Cohen defendeu a ideia de que os meninos da

classe baixa trabalhadora que estão frustrados com sua situação de vida

frequentemente se unem a subculturas delinqüentes, como gangues. Essas

subculturas rejeitam os valores da classe média, substituíndo-os por normas

que celebram o desafio, tais como a delinquência e outros atos de não-

conformidade (GIDDENS, 2005, p.177, grifo do autor).

Cohen em Delinquent Boys: the Culture of the Gang, tencionou uma combinação do

conceito de anomia, utilizado para explicar as estatísticas da delinquência juvenil, e da

associação diferencial, usada para explicar a transmissão social do desvio. A isso Cohen

introduziu a ideia de subcultura para explicar a maneira como condutas desviantes ou

delinquentes podiam ser transmitidas por meio de interações no seio de gangues juvenis. Em

Deliquency and Opportunity (1960), fruto da associação de Lloyd Ohlin (egresso de

Chicago), com Richard Cloward (que havia enriquecido a teoria de Merton em 1959 ao

destacar a validade do acesso diferenciado tanto para os meios ilegítimos quanto para os

legítimos), encontra-se outro exemplo da combinação entre anomia e associação diferencial

intentada por Cohen (ROBERT, 2007, p.109).

Cloward e Ohlin tem a mesma opinião que Cohen sobre a maioria dos jovens

infratores virem de camadas pobres. Mas, acreditam que os jovens que correm maior perigo

são os que internalizam valores da classe média, sendo estimulados com base em suas

habilidades a perseguirem um futuro mais estável. Ocorre que quando não conseguem acabam

frustrados e propensos a cometer delitos. Cloward e Ohlin sugerem que gangues formadas por

meninos surgem em subculturas onde as chances de alcançar sucesso de forma legal são

pequenas, assim como acontece entre minorias étnicas pobres (GIDDENS, 2005, p.177).

A tensão decorrente da anomia (particularmente na adolescência) não consegue

explicar diretamente a delinquência juvenil, mas possibilita enxergar que a influência recebida

dentro das gangues urbanas facilita a aceitação de uma ação desviante por parte dos

indivíduos, responsabilizando a sociedade externa aos grupos juvenis pela anomia.

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4.5.3 Desorganização social

Dentro do prisma das teorias funcionalistas destaca-se a noção de desorganização

social. Essa teoria emerge no início do século XIX e XX para explicar a situação dos

imigrantes poloneses para os Estados Unidos. Mais tarde o conceito é utilizado para entender

o fenômeno da concentração de grupos de jovens delinquentes em certos bairros da cidade de

Chicago (EUA) logo depois da Primeira Guerra Mundial. O termo desorganização social faz

referência a um estado universal de ―desmoralização‖, ou seja, quando as normas morais do

grupo perdem prestígio frente a conduta do indivíduo. Para William Thomas e Florian

Znaniecki há desorganização social quando normas coletivas tem dificuldade para regular os

comportamentos individuais (ROBERT, 2007, p.94-95).

Em uma rápida avaliação pode-se dizer que as teorias funcionalistas em diferentes

contextos sociais ressaltam de forma coerente as conexões existentes entre normas e desvios.

Em sociedades complexas a falta de oportunidades para empreendimentos de sucesso, em

termos de acesso igualitário, é o principal fator que diferencia aqueles que enveredam por um

comportamento criminoso daqueles que decidem ser contrários a esse tipo de conduta. Deve-

se observar certo cuidado ao generalizar a noção de que as pessoas que vivem em

comunidades pobres desejam ascender socialmente ao mesmo nível das pessoas ricas. É

provável que a maioria das pessoas ao perceber sua real condição social queira delimitar suas

aspirações. Outra crítica endereçada a Merton, Cohen, Cloward e Ohlin está no fato de

presumirem que os valores da classe média seriam aceitos por toda a sociedade. Outro

equívoco também é a suposta desincompatibilização entre aspirações e oportunidades aos

desfavorecidos, pois existem pressões dos grupos sobre atividades criminosas, como nos

crimes do colarinho-branco (peculato, fraude e evasão fiscal etc.) (GIDDENS, 2005, p.177).

4.5.4 Teorias interacionistas

Tal qual os funcionalistas, os interacionistas veem o crime como uma construção

social. No entanto, os estudos interacionistas refutam a ideia de que existem tipos de conduta

que sejam propriamente desviantes. Em vez disso, se perguntam como alguns

comportamentos são definidos como desviantes e por que determinados grupos, e não outros

são rotulados de desviantes (GIDDENS, 2005, p.177).

Ao invés de buscar os motivos do comportamento desviante nas características dos

não-conformistas, no seu ambiente ou ainda em suas condições de vida, os estudos

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interacionistas propõem examinar o conjunto das relações mantidas por todas as partes

implicadas no desvio, direta ou indiretamente. A ideia é que a transgressão de uma norma não

basta para configurar o indivíduo como desviante; ainda é necessário que o mesmo seja

pronunciado legalmente como tal. Mesmo que habitualmente a transgressão seja o

antecedente da condenação, pode ocorrer que não seja constatada a culpa posteriormente.

Uma hipótese apontada diz respeito ao erro judiciário, pois quem é indiciado como

transgressor pode não o ser ao final do processo. Os motivos da transgressão não são os

mesmos da condenação, pois há uma correlação de forças entre quem busca rotular o

desviante e a resistência daquele que está propenso a ser rotulado (ROBERT, 2007, p.111).

4.5.4.1 Teoria da rotulação

Esta teoria interpreta o desvio como um processo de interação entre desviantes e não-

desviantes e não mais como um conjunto de características próprias de indivíduos ou grupos.

Os teóricos da rotulação procuram entender a natureza do crime a partir da rotulagem, ou seja,

por que alguns indivíduos acabam sendo chamados de desviantes e outros não. Parte da

rotulação é definida por pessoas que representam a ―lei e a ordem‖ dentro da sociedade. Essas

pessoas conseguem impor aos rotulados suas definições de moralidade, isso significa que as

diversas categorias de desvios são criadas dentro de uma estrutura de poder. De modo geral,

as regras nas quais se define o desvio são formuladas obedecendo a um padrão: ―[...] pelos

ricos para os pobres, pelos homens para as mulheres, pelas pessoas mais velhas para as mais

novas e pelas maiorias étnicas para os grupos minoritários.‖, indica Giddens (2005, p.178).

Um dos sociólogos com estreitas relações com a teoria da rotulação é Howard

Becker. Para Becker o comportamento desviante é rotulado pelas pessoas, não sendo claro a

divisão entre o indivíduo ―desviante‖ e o indivíduo ―normal‖. Para ele existem processos que

não estão relacionados ao comportamento dos indivíduos, mas que exercem influência

decisiva na hora de rotular esta ou aquela pessoa: as vestimentas, a forma de falar, a

nacionalidade etc. seriam fatores que determinariam a rotulação. A teoria da rotulação tem

associação com os usuários de maconha nos Estados Unidos estudados por Becker nos idos da

década de 1950; naquele momento isso era considerado uma atividade ilegal dentro das

subculturas. Hoje, em pleno século XXI, ainda é proibido em muitos países, mas já existe

uma tendência para a descriminalização (GIDDENS, 2005, p.178).

A partir dos estudos de Becker é possível pensar que a rotulação não afeta apenas o

modo como os outros veem o indivíduo desviante, mas também como o processo de rotulação

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influencia o sentido individual do eu. Nessa esteira, Edwin Lemert foi um dos que

contribuíram para a sociologia do desvio, mostrou um modelo para a compreensão de como o

desvio tanto pode coexistir como pode se tornar central para a identidade do indivíduo.

Lemert propôs a ideia de que o desvio é algo tão comum que em algumas situações os

desviantes saem impune e em outras os não-desviantes fazem vista grossa. A transgressão

inicial foi chamada de desvio primário. Para Lemert na maioria dos casos, os desvios ficam à

margem da moralidade dos grupos e preservam a auto identidade do indivíduo, já que ocorre

um processo de normalização. Porém, existem casos em que o indivíduo é rotulado de

criminoso porque a ―aceitação‖ não ocorre. Para casos em que os indivíduos acabam por

aceitar o rótulo e se veem como desviantes, Lemert chamou de desvio secundário. Em ambos

os casos a rotulação se torna central para a identidade dos indivíduos, levando a uma

continuação ou intensificação da conduta desviante (GIDDENS, 2005, p.178).

Avaliando o crime e o desvio sob o prisma da teoria da rotulação, observa-se que o

crime não está concentrado nos extratos mais baixos da sociedade, pois se trata de condutas

interpessoais e culturais. Para os teóricos da rotulação não há transgressão essencialmente

criminosa. Isso se justifica à medida que as definições sobre o que é ou não crime é decidido

por pessoas com poder político e econômico, por exemplo, que além de formular leis acabam

interpretando-as também, refletindo nas instituições policiais, tribunais e instituições

prisionais. Os críticos desta teoria argumentam que há certos atos como assassinato, estupro,

roubo que são atos proibidos em praticamente todas as culturas. Mas essa visão não é

universalizada, pois na Grã-Bretanha nem sempre matar alguém é considerado assassinato.

Em tempos de guerra, matar o inimigo é aceitável e, até pouco tempo atrás, as leis britânicas

não reconheciam em uma relação sexual forçada entre um marido e sua esposa uma forma de

estupro (GIDDENS, p.178).

Existem razões consistentes para tecer críticas à teoria da rotulação. Primeiramente

os teóricos da rotulação desprezam os processos sociais que produzem atos definidos como

desviantes. Rotular certas ações como desviantes não é um ato em si discricionário; diferenças

na socialização, nas atitudes e nas oportunidades influenciam sobremaneira o quanto os

indivíduos se envolvem em condutas que provavelmente serão rotuladas como desviantes.

Outra crítica se refere ao fato de não está claro se a rotulação tem ou não o efeito de reforçar a

conduta desviante. O delinquente tende a se intensificar seu comportamento desviante após

uma condenação, mas seria isso um resultado da própria rotulação? Nesse caso pode haver

outros fatores envolvidos, como o aumento da interação com outros delinquentes ou a

descoberta de novas oportunidades criminais (GIDDENS, 2005, p.179).

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4.5.4.2 Desvio aprendido: associação diferencial

Edwin Hardin Sutherland foi um dos primeiros sociólogos a sugerir que o desvio é

aprendido por meio da interação social. Em 1949, Sutherland apresentou uma noção que

influenciou parte dos adeptos da teoria interacionista, associou o crime ao que chamou de

associação diferencial. Para Sutherland em uma sociedade com uma variedade de subculturas,

alguns ambientes sociais funcionam como estimulantes às atividades ilegais ao passo que

outras subculturas não. Os indivíduos tornam-se delinquentes simplesmente pela associação

com pessoas também delinquentes. Na maior parte dos casos o comportamento criminoso é

aprendido dentro de grupos primários (família), especialmente, grupos formados por pessoas

de idades ou status semelhantes (GIDDENS, 2005, p.178).

Estudos dedicados às sociedades industriais incentivaram uma aproximação entre

Antropologia e Sociologia, promovendo uma mudança significativa na percepção de cultura.

Se em outro momento a Antropologia acreditava na homogeneidade das sociedades

―primitivas‖, restou à Sociologia reconhecer a diversidade cultural da sociedade industrial

americana e os conflitos culturais inerentes. Essa referência ―culturalista‖ foi destacada da

ancoragem da ecologia urbana (ROBERT, 2007, p.101).

Sutherland foi influenciado pela ecologia urbana de Robert Park, considerado

precursor dos estudos urbanos, que, por sua vez, apontava para a desorganização social como

elemento motivador do crime e pela teoria das subculturas. Sutherland se utilizou da noção de

―desorganização‖ para elaborar seu conceito de organização social diferenciada, aquilo que

conduz à aprendizagem social. A aprendizagem social (aquela das normas e procedimentos)

não se desenvolve em todos os indivíduos dentro do mesmo contexto das relações sociais,

significa que não ocorre uma imitação passiva.

A associação diferencial deve ser entendida como produto de socialização no qual o

criminoso e o não-criminoso são orientados por iguais princípios. As variáveis de frequência,

duração, interioridade e intensidade da associação indicam o que é aprendido. Caso sejam

suficientes e as associações resultarem em criminosas, significa que o indivíduo aprendeu

técnicas delituosas, além dos impulsos, atitudes, justificativas e racionalizações que compõem

o conjunto de pré-condições para este tipo de conduta. O desenvolvimento de uma

predisposição favorável aos estilos criminosos de vida é desencadeado pela aprendizagem

desse acúmulo de instrumentais disponíveis na socialização (FERRO, 2008. p.148-149).

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Uma observação feita por Robert (2007, p.112), em relação as variáveis de

frequência, diz que ―A amplificação do desvio assemelha-se à noção de carreira, muito

empregada na Sociologia das profissões por Hughes e seus alunos.‖.

Em síntese, todo comportamento (conformista ou não-conformista) é aprendido

devido relações estabelecidas com outros indivíduos, destacando que a parte mais importante

do processo de aprendizagem se dá no seio de grupos primários. Embora demonstre

necessidades e valores gerais, o comportamento criminoso não é explicado por esses

referenciais, tendo em vista que o comportamento não-criminoso reflete iguais necessidades e

valores. As fontes motivacionais do comportamento são as mesmas tanto para o não-

conformista quanto para o conformista, a diferença reside no fato de que os objetivos lançados

pelo criminoso são alcançados com a utilização de meios ilícitos.

Assim como Clifford Shaw e Henry McKay (alunos de Ernest Burgess na Escola de

Chicago), Sutherland procurou afastar definitivamente as explicações biológicas e étnicas da

sociologia do crime. Sutherland enxergava no crime um comportamento essencialmente

adquirido e não herdado. Para Sutherland a socialização dentro de um grupo (subcultura) sem

apreço às leis leva a formação do criminoso. Seus estudos foram dirigidos ao criminoso

recidivo ou ―delinquente sistemático‖. Sutherland buscou igualmente não se ater à

criminalidade das classes populares, mas em especial aos crimes do colarinho branco.

O termo colarinho branco (white colar crime) está relacionado aos crimes praticados

por aqueles indivíduos que pertencem a setores (público ou privado) mais afluentes da

sociedade. O termo cobre uma variedade de atividades criminosas difíceis de aparecer nos

índices oficiais, inclui desde fraudes fiscais, em seguros, práticas ilegais de comércio,

superfaturamento em obras públicas, peculato e até mesmo o roubo simples etc. Se

comparados aos crimes cometidos pelos menos privilegiados, os crimes do colarinho branco

são julgados com maior tolerância pelas autoridades, muito embora seu custo seja altíssimo

para a sociedade (GIDDENS, 2005, p.194).

O determinismo da amplificação do desvio é alvo de críticas. Mas Becker não viu

problemas em relação a isso, ao contrário, sustentou que se deve reconhecer a existência de

processos que contra-atacam a amplificação, pois existe a possibilidade de regeneração,

mesmo que progressivamente seja mais difícil (ROBERT, 2007, p.113).

Os interacionistas são criticados por não explicar a passagem ao ato desviante. Para

David Matza (1964), o jovem transgride normas como forma de deslize, equívoco etc., mas

que pode ser facilitada pelas cinco ―técnicas de neutralização‖: a) negação da

responsabilidade, b) negação do dano, c) negação da existência de vítimas, d) condenação

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daqueles que o condenam, e) reconhecimento de uma lealdade mais urgente do que aquela

nutrida pelas normas oficiais. A pergunta que se faz é: esses mecanismos de neutralização são

capazes de intervir antes da passagem ao ato desviante como facilitadores da ação ou apenas

depois do cometimento do desvio, como um meio de minimizar a desarmonia cognitiva de um

indivíduo que não agiu conforme seus princípios, justificando sua ação? Pelo menos para

Sykes e Matza (1957), esses mecanismos atuam simultaneamente (ROBERT, 2007, p.111).

4.5.5 Teoria do controle

Para Travis Hirschi os humanos são seres interesseiros, agem de forma calculada,

acima de tudo, antes de envolver-se ou não em uma atividade criminosa, avaliando suas

vantagens e riscos. Em Causes of Deliquency (1969), Hirschi defendeu que existem vínculos

que ligam as pessoas à sociedade e a obediência às normas legais. Para Hirschi a fraqueza dos

vínculos sociais deixa o indivíduo descontrolado, de forma que esses elos que o ligam à

sociedade e ao comportamento de obediência às normas operam de forma positiva ou

negativa. Os elos são: a) o apego aos demais (attachement), b) o sentimento de obrigação

(commitmente), c) a implicação (involvement) com as atividades convencionais, d) a crença

(belief) nas normas sociais. Quando esses elementos são fortes o suficiente, auxiliam para

manter o controle social e a conformidade fazendo com que as pessoas não se sintam livres

para contrariar as regras. No entanto, se esses elos com a sociedade forem fracos, o resultado

pode ser o desvio. A abordagem de Hirschi sugere que os delinquentes são, em geral,

indivíduos cujos baixos níveis de autocontrole são consequência de uma socialização inapta,

seja em casa ou na escola (GIDDENS, 2005p. p.180; ROBERT, 2007, p. 117).

A teoria do controle defende que o crime ocorre quando há um descompasso entre os

estímulos em direção ao desvio e os controles (sociais ou físicos) que o detém. A teoria supõe

que as pessoas agem racionalmente e que, devido a oportunidade, qualquer indivíduo pode se

envolver em atos desviantes. Os postulantes dessa teoria afirmam que muitos tipos de crimes

são produtos de circunstancias, ou seja, uma pessoa vê uma oportunidade e simplesmente é

motivada a agir. A teoria não se interessa tanto pelos motivos que levam o indivíduo a

executar desvios ou crimes (GIDDENS, 2005, p.180).

A obstinação em definir o crime não pela criminalização, mas entendê-lo

independente da ação do direito, foi fator que uniu Travis Hirschi a Michel Gottfredson. Esses

pesquisadores tem o crime como um ato de fraude ou de força cometido no intuito de

satisfazer o próprio desejo do indivíduo. Isso nada mais é que uma generalização da teoria

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elaborada por Hirschi em 1969 para explicar a delinquência juvenil. Em 1990, Hirschi e

Gottfredson empreenderam a elaboração de uma teoria geral do crime a partir da explicação

da delinquência juvenil, com uma mudança de ênfase que apontava a insuficiência do

autocontrole (self control) daqueles que sofreram carência educacional. Assim, o papel dos

pais (parenting) é considerado essencial para a boa socialização, daí a importância conferida à

restauração do modelo familiar tradicional onde o homem e a mulher retomariam seus papéis

sociais originais para juntos disciplinar os filhos (GIDDENS, 2005; ROBERT, 2007).

Para alguns teóricos do controle o aumento nas taxas de crime é efeito do aumento

do número de oportunidades e alvos para o cometimento do delito. Na sociedade moderna à

medida que a população enriquece, o consumismo assume um papel decisivo na vida das

pessoas. Equipamentos eletroeletrônicos como televisores, computadores etc., carros, roupas

de grife são produtos que estão em posse de um número crescente de pessoas ao mesmo

tempo em que são alvo do desejo de criminosos.

Pessoas interessadas em cometer crimes podem escolher entre uma ampla variedade

de alvos convenientes a depender das motivações. Em virtude das mudanças em relação ao

consumo muitas abordagens de prevenção do crime tem se concentrado na diminuição das

oportunidades de ocorrências. A ideia principal é propor políticas de segurança que

impliquem diretamente em maior proteção ao alvo e criando maior dificuldade em relação às

oportunidades. Leis que exigem trancas de volante em todos os carros novos destinam-se a

reduzir as oportunidades dos ladrões de carro, por exemplo.

A instalação de circuito fechado de televisão em estabelecimentos residenciais,

comerciais e nos centros das cidades (espaços públicos e privados) é outra tentativa de conter

atividades criminosas da a conveniência. Os teóricos do controle pregam que a melhor

política de segurança não a que tenta mudar o criminoso, mas aquela que adota medidas

práticas para controlar a habilidade do criminoso de cometer crimes, diminuindo suas chances

(GIDDENS, 2005).

Na América do Norte e Europa, as técnicas de endurecimento em relação ao alvo e o

policiamento de ―tolerância zero‖ ganharam a simpatia de políticos e parecem ter conseguido

reduzir o crime em alguns contextos, mas críticas em relação a essa abordagem podem ser

feitas. Essas técnicas não se dedicam às causas que estão por trás do crime, apenas visam

proteger e defender indivíduos de certas classes sociais. O crescimento dos serviços de

segurança privados, dos alarmes para carros, dos alarmes para casas, dos cães de guarda e das

―comunidades gradeadas‖ leva algumas pessoas a acreditar que vivemos em uma ―sociedade

blindada‖, na qual segmentos da sociedade sentem-se obrigados a se defender de outros. Essa

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tendência não ocorre somente na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, mas em outros países

considerados subdesenvolvidos, como é o caso do Brasil. Por outro lado à medida que os

alvos populares para o crime sofrem um recrudescimento, os padrões criminais podem se

movimentar de um domínio para outro. No Reino Unido, por exemplo, houve obrigatoriedade

para que carros novos fossem adaptados com trancas de volante, mas o menos não foi exigido

para os carros mais velhos. O resultado foi uma mudança no padrão dos roubos de carros, ou

seja, dos modelos novos para os mais antigos. Significa que existe a possibilidade de que os

bairros pobres ou aqueles onde existe falta de coesão social sofram um aumento da

criminalidade e da delinquência à medida que regiões afluentes reforçam suas defesas

(GIDDENS, 2005, p.182).

Por esses e outros motivos a teoria do controle recebeu ferozes ataques e também

uma audiência muito importante. Sua ambição de generalidade do crime foi duramente

criticada por não contemplar certos tipos de desvios, como o crime organizado ou o crime

contra o sistema financeiro. Ela foi repreendida por ser puramente tautológica, ou mesmo por

partir de uma definição inadequada do crime. Ela também sofreu com o revigoramento das

teorias anteriores, notadamente da construção mertoniana, que ela havia considerado

terminantemente desqualificada. Na Europa, a teoria do controle desfrutou de uma recepção

aproximadamente tão considerável quanto à dos interacionistas, ainda que em círculos

diferentes (ROBERT, 2007, p.118).

Crime e violência, apesar de andarem juntos, são fenômenos distintos e estão na

pauta comum do dia a dia das pequenas, médias e grandes cidades. Violência é um termo

considerado de difícil definição. A dificuldade em encontrar o exato significado de violência

está no fato de se tratar de fenômeno que envolve variadas particularidades socioculturais. O

crime é aquilo que é reprovado pela consciência coletiva, tipificado em lei sendo passível de

penalização.

É necessário lembrar que o crime representa uma subcategoria do comportamento

desviante como um todo, abrange uma variedade de formas de conduta, desde o simples furto

de uma barra de chocolate em uma loja, até assassinatos em massa, em função disso não há

uma teoria geral do crime que consiga explicar todas as formas de conduta criminosa. Crime é

um conceito estritamente jurídico utilizado para designar qualquer conduta humana

sancionável por uma pena. Embora teorias biológicas, psicológicas ou sociológicas indiquem

o que produz a criminalidade, nenhuma teoria consegue explicar a gênese de todos os crimes.

Cada teoria se aplica ao menos a uma conduta antissocial, pois quando falamos em crime

estamos tratando de transgressão de normas, seja no campo formal ou informal.

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5 PORTO VELHO, UMA CIDADE EDIFICADA SOBRE TRILHOS

―É necessário considerar que não existem tipos definidos de sociedades

humanas cristalizadas, fixas ou em permanente repouso, assim como não há

sociedades em contínua alteração.‖ Alfonso T. Ferrari

Neste Capítulo é oferecido um breve olhar sobre o contexto histórico dos fluxos

migratórios que impulsionaram a criação de Porto Velho e ajudaram a formar as terras do

Estado de Rondônia. Em seguida é apresentado o município sede e suas características.

5.1 SURGIMENTO DE PORTO VELHO

No ano de 1846, o governo da Bolívia cogita chegar ao Oceano Atlântico por meio

dos rios Madeira e Mamoré, mas o trecho encachoeirado do rio Madeira impede o intento.

Por volta de 1861, o general boliviano Quentin Quevedo propõe construir uma

ferrovia para transpor a barreira representada pelas cachoeiras. O governo do Amazonas, na

figura de João Martins Coutinho, também toma gosto pela ideia. Em 1865, começa a Guerra

do Paraguai e o sul do Mato Grosso é tomado e isolado do restante do Brasil. Isso exigiu que

o Imperador Dom Pedro II enviasse dois engenheiros para estudar a possibilidade de

concretizar a ideia do general boliviano. Os enviados sugerem ao Imperador que assine um

tratado de boa vizinhança com a Bolívia para fazer uso da fronteira pelos rios. Enquanto o

tratado é discutido, a Bolívia contrata o americano George Earl Church para por em prática a

ideia da transposição das cachoeiras do rio Madeira (RONDÔNIA, 2008).

Criada para escoar a produção de borracha ao longo dos 366 quilômetros ligando

Porto Velho a Guajará-Mirim, fronteira com a Bolívia, a estrada de ferro Madeira-Mamoré foi

um dos primeiros grandes projetos de desenvolvimento da região. Porém, na sua inauguração

em 1912, a cotação internacional da borracha caiu de modo que a ferrovia nunca deu o retorno

esperado aos seus investidores. Com isso as empresas responsáveis pelo empreendimento

faliram, causando emigração da massa trabalhadora e estagnando o desenvolvimento da

região do Alto Madeira por um bom período (SAULE, CARDOSO, 2005).

O povoamento de Porto Velho tem início a partir da construção da Estrada de Ferro

Madeira-Mamoré (EFMM) no início do século XX (FIG. 1), como resultado de tratados

diplomáticos e empreendimentos estrangeiros com o firme propósito de transportar a borracha

produzida na região amazônica via Oceano Atlântico (SAULE, CARDOSO, 2005).

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FIGURA 1 – Núcleo de Porto Velho, 1910.

Fotografia: Danna Merril

A origem de Porto Velho data de 1907. Desde sua fundação até os 60 anos seguintes

a localidade se desenvolveu ao longo da construção e das operações ferroviárias da Madeira-

Mamoré Railway, entre 1872 a 1912 (FIG. 2). Antes da Madeira Mamoré Railway, de

Percival Farquar, outras duas companhias norte-americanas, Public Works e P&T Collins,

contratadas pelo Coronel Church, fizeram parte da empreitada, mas sem sucesso, pois não

conseguiram assentar nem um metro de trilhos. Devido a grande quantidade de mortes

ocasionadas por conta da malária e outras endemias ligadas às condições insalubres do lugar,

a EFMM ficou conhecida como ―Ferrovia do Diabo‖ (RONDÔNIA, 2008).

FIGURA 2 – Pátio de oficinas da EFMM em Porto Velho, 1912.

Fotografia: Danna Merril

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Milhares de pessoas de dez ou mais de vinte nacionalidades foram trazidas para

construir a ferrovia em plena selva amazônica (FIG. 3).

Mais do que outra cidade do Amazonas, Porto Velho era um centro

cosmopolita por excelência, um centro de imigração. Quase a totalidade de

sua população era formada por brasileiros, filhos do Pará, Maranhão, Piauí,

Ceará e de estrangeiros. Havia de tudo: norte-americanos, bolivianos,

peruanos, árabes, turcos, ingleses, chineses, hindus etc. e dentre estes bem

poucos amazonenses (BORZACOV, 2007, p. 18).

FIGURA 3 – Retratos de imigrantes presentes na construção da EFMM.

Fotografias: Danna Merril

Montagem: Autor

Ao contrário dos engenheiros e administradores da ferrovia, os trabalhadores

situados na base da hierarquia da linha de produção eram sujeitados a viver e conviver em

lugares extremamente insalubres, moradias precárias como casas de madeira e palha

construídas fora dos limites do empreendimento ferroviário (SAULE, CARDOSO, 2005).

Nesse momento a segregação já era visível, conforme podemos conferir no relato atribuído ao

historiador Abnael Machado de Lima, extraído do sítio da Prefeitura do Município:

O povoado de Porto Velho dos brasileiros formou-se espontaneamente, a

partir de 1907, instalado além das instalações ferroviárias da empresa

Madeira-Mamoré Railway Co., norte americana, sob o protesto dos seus

administradores por considerarem os seus moradores, intrusos, marginais,

invasores do espaço de propriedade da empresa. Questionamento e

enfretamento entre as partes, os quais persistiram ate 1931, ano no qual o

governo federal brasileiro, assumiu a administração da Madeira-Mamoré

(PREFEITURA DE PORTO VELHO, online).

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Única do gênero na Amazônia Legal, em razão dos tratados internacionais de

Ayacucho (1867) e Petrópolis (1903), tendo o primeiro a função de selar o comprometimento

do Brasil na construção de uma estrada de ferro ligando o rio Mamoré ao Madeira; ao passo

que o segundo tratado comprometia a Bolívia a ceder ao Brasil a região onde hoje está situado

o Estado do Acre. A construção da estrada de ferro Madeira-Mamoré proporcionou a Brasil e

Bolívia enviar por meio de rotas navegáveis dos rios Guaporé, Mamoré e Beni a produção de

borracha até o oceano Atlântico rumo a Europa e Estados Unidos (BORZACOV, 2007).

Determinado pelo Tratado de Petrópolis, Santo Antônio do Madeira, Província de

Mato Grosso, foi o local escolhido para sediar o ponto inicial da ferrovia por suas condições

naturais e hidrográficas. No entanto, Porto Velho, Província do Amazonas, oferecia melhores

vantagens para abrigar as pessoas. Porto Velho e a antiga Vila de Santo Antônio eram locais

inteiramente distintos: o primeiro era considerado lugar habitável, ao passo que o segundo se

tornou um desafio à sobrevivência humana, relatou Joaquim Catambry:

Porto Velho é um lugar salubre, colocado em uma reta do rio, ao passo que

Santo Antônio, situada em curva e onde se encontra a primeira cachoeira, é

um dos pontos mais doentios, onde grassa epidemicamente, durante todo o

ano, o impaludismo, a cuja ação violenta ninguém resiste. Ter-se-á uma ideia

perfeita do que é a infecção palustre nesse local sabendo-se que aí não se

encontra um só natural do lugar, porquanto nenhuma criança resiste à ação

do impaludismo, que as vitima todas (BORZACOV, 2007, p. 16).

A origem do nome Porto Velho está associado ao contexto da Guerra do Paraguai

(1864-1870). Naquele momento Dom Pedro II e o comando militar estavam preocupados com

a fragilidade das fronteiras do extremo oeste do Brasil contra as investidas dos bolivianos e

paraguaios. Para responder aos interesses militares foi instalado em 1865 um contingente

militar próximo da primeira cachoeira a montante do rio Madeira, em um ponto seis ou sete

quilômetros abaixo da vila de Santo Antônio, Província de Mato Grosso. Enquanto os

militares do lado paraguaio abriram clareira e instalaram-se na margem direita do rio Madeira,

militares brasileiros acamparam na margem esquerda do mesmo rio entre vila Murtinho, hoje

Nova Mamoré e a pequena localidade de Calama (na época terras sob domínio boliviano). Os

militares fizeram um pequeno porto e permaneceram ali até o fim da guerra (GOMES, 2012).

Assegurado a paz com a Bolívia e, portanto, não havendo mais a necessidade de

manter tropas alojadas nas cachoeiras do rio Madeira, o destacamento se desfez e logo o porto

militar nas adjacências de Santo Antônio foi abandonado e encoberto pela mata.

Por volta de 1883, quando os norte-americanos contratados por Percival Farquar

vieram para dar prosseguimento à construção da ferrovia, decidiram que Santo Antônio não

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oferecia condições de se construir um porto seguro, dentre outros motivos representava um

perigo para a navegação de grandes barcos. É nesse momento que os engenheiros lembram do

humilde porto militar deixado para trás ao final da Guerra do Paraguai, agora velho e

praticamente apagado do mapa, mas ideal para iniciar uma grande ferrovia. Assim, foi

resolvido que a ferrovia deveria ser ampliada sete quilômetros para ter início no porto velho.

Tempos depois, seringueiros, caucheiros e caçadores passaram a chamar o local de Ponto

Velho dos Militares e mais tarde, Porto Velho dos Militares. Atualmente o local abriga os

barracões desativados da estrada de ferro Madeira Mamoré na margem esquerda do rio

Madeira (BORZACOV, 2007; GOMES, 2012).

Após a conclusão da estrada de ferro (FIG. 4) muitos trabalhadores permaneceram na

cidade, que na época possuía uma população estimada em pelo menos mil habitantes, na sua

maioria residindo em habitações ligadas à EFMM. Por outro lado muitos operários moravam

em bairros de casas de madeira e palha, construídas fora dos limites da ferrovia. Essas duas

áreas distintas eram separadas por uma linha fronteiriça chamada Avenida Divisória, nos dias

atuais é conhecida como Avenida Presidente Dutra (PORTO VELHO, 2008).

Em 1914 o Estado do Amazonas criou e instalou o Município de Porto Velho, sendo

a estrada de ferro fator determinante neste processo. Ainda no tocante ao desenvolvimento de

Porto Velho é preciso que se reconheça a relevância do rio Madeira, pois, até a construção da

BR 29 (depois 364), era a única via de ligação com o Centro-Sul e metrópoles regionais como

Manaus e Belém (PORTO VELHO, 2008).

FIGURA 4 – Vista parcial da EFMM, Porto Velho, 2012.

Foto: Ronaldo Nina

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Em 1943 foi constituído o Território Federal do Guaporé, com sede administrativa

em Porto Velho, mediante desmembramento de terras das antigas províncias de Mato Grosso

e Amazonas. A iniciativa estimulou a ocupação e o desenvolvimento da região de forma que

no ano de 1956 mudou de nome, passando a se chamar Território Federal de Rondônia em

homenagem ao Marechal Rondon (SAULE, CARDOSO, 2005).

Até a década de 1960 a economia do Território Federal de Rondônia estava pautada

na extração de borracha e castanha do Pará. O impulso para o crescimento econômico veio a

partir das décadas de 60 e 70, sobretudo, com a política de incentivos fiscais e os intensos

investimentos por parte do governo federal como os projetos de colonização que tinham por

objetivo estimular a vinda de pessoas para ocupar a Amazônia (SAULE, CARDOSO, 2005).

O governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961) tomou medidas para o uso e

ocupação urbana das cidades amazônicas. Essa política desenvolvimentista pode ser resumida

pelos projetos de colonização regional e investimentos em infraestrutura que desencadearam

um intenso processo de ocupação e expansão das fronteiras agrícolas. O acesso fácil à terra

produtiva e seu baixo valor atraíram investidores, principalmente pessoas do Centro-Sul para

trabalhar na agropecuária e setor madeireiro (SAULE, CARDOSO, 2005).

Dentre as medidas adotadas pelo governo que serviram como marco na colonização

do Território Federal e sua posterior transformação em Estado foi a abertura da BR 029 que

mais tarde passou a se chamar 364. O Presidente Juscelino aceitou o desafio proposto pelo

governador Paulo Nunes Leal. Um ano depois, na cidade de Vilhena, Juscelino derruba,

simbolicamente, a última árvore que dividia as terras do Território Federal de Rondônia com

as terras do Estado de Mato Grosso. A abertura da rodovia deixou o caminho livre para a

migração em massa que não tardou a acontecer (GOMES, 2012).

Junto com o processo de desenvolvimento veio os conflitos com os povos da floresta.

Dessa forma, tem-se início a violência no campo, já que seringueiros foram expulsos das suas

terras. A política de assentamento de colonos do Instituto Nacional de Colonização e Reforma

Agrária (INCRA), se sobrepôs às áreas de extrativismo da borracha, desmembrando as

unidades de produção dos seringueiros, alterando o formato espacial do povoamento, pois as

estradas pioneiras passaram a atrair migrantes em busca de terra e trabalho que, por sua vez,

formaram vilas, cidades. Nesse mesmo período a descoberta de ouro e cassiterita contribuiu

mais ainda para as disputas por terras (SAULE, CARDOSO, 2005).

O processo de urbanização da região amazônica é baseado na ocupação econômica

do território, invertendo o modelo de povoamento regional fundado na circulação fluvial.

Com isso as rodovias atraíram o povoamento para a terra firme e novas áreas, abrindo grandes

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clareiras na floresta e, sob o influxo da nova circulação de pessoas, essa região foi urbanizada,

industrializada e acompanhada por problemas socioambientais (SAULE, CARDOSO, 2005).

Na década de 1970 o processo de ocupação demográfica e impulso econômico na

Amazônia alcançou seu apogeu. Nesse período os governos militares, aproveitando as

condições hidrográficas da Amazônia (rios Tocantins, Araguaia, Xingu e Tapajós), que juntos

detêm quase 64% do potencial hidrelétrico, apostaram em megaprojetos como grandes

barragens e usinas hidrelétricas nessas localidades. O objetivo principal era gerar eletricidade

para as indústrias e para a crescente economia nacional. Como resultado das políticas

desenvolvimentistas do governo federal, entre os anos de 1960 e 1980, o número de

habitantes saltou de 70 mil para 500 mil habitantes (SAULE, CARDOSO, 2005).

O Estado de Rondônia está situado na Região Norte do país. Desde sua origem tem

sido influenciado por diferentes ciclos econômicos que marcaram sua paisagem. A história de

Rondônia pode ser vista em quatro estágios: a construção da estrada de ferro Madeira-

Mamoré (1912); instalação do Território Federal do Guaporé (1943) que passa a se chamar

Rondônia em 1956; abertura da rodovia BR-364 no traçado da linha telegráfica implantada

pelo Marechal Rondon (1961); e por último a criação do Estado (1981), sendo instalado em 4

de janeiro de 1982, mantendo a cidade de Porto Velho como capital (SAULE, CARDOSO,

2005; GOMES, 2012).

A partir dessa época era visível o fenômeno de desruralização no país. Na Região

Norte a população crescia intensamente, tendo seu fluxo arrefecido apenas na primeira metade

dos anos 1990. A migração ocorre principalmente em direção a Roraima. Com o esgotamento

da qualidade da terra, em virtude das queimadas, os pequenos agricultores buscaram novas

fronteiras agrícolas nas extensas paragens da Amazônia (SAULE, CARDOSO, 2005).

Após a instalação do Estado novos atores e agências são adicionados ao enredo de

desenvolvimento e urbanização das cidades.

Na década de 1990 o perfil econômico de Rondônia sofre alteração com a construção

do porto graneleiro em 1995, e com a abertura da hidrovia do Rio Madeira em 1997. A

hidrovia, com 1.115 quilômetros de extensão, liga Porto Velho-RO a Itacoatiara-AM. Esse

corredor aquaviário permite exportar a produção regional e nacional via oceano Pacífico.

Nesse período o estado passa a ser responsável pelo abastecimento da Região Nordeste com

feijão e milho, além de se destacar como produtor de cacau, café, arroz e soja (SAULE,

CARDOSO, 2005).

Pesquisas confirmam que desde os anos 1970, com a investida de políticas para a

colonização na Amazônia, Rondônia é marcada por profundas transformações com o avanço

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das atividades agropecuárias sobre a floresta, a formação de um insipiente polo industrial e de

uma rede de cidades distribuídas pelo território rondoniense (SAULE, CARDOSO, 2005;

PORTO VELHO, 2018).

Entre 1980 e 1991 (TAB. 2), a população residente de Rondônia mais que dobrou,

chegando a um milhão de habitantes. Rondônia apresentou um crescimento anual de 7,9% ao

ano. Se compararmos com a taxa média brasileira (1,9% a.a.), ou ainda com a taxa da Região

Norte (3,9 % a.a.), temos um crescimento seguramente considerado explosivo (SAULE,

CARDOSO, 2005).

Tabela 2 – Crescimento populacional, Rondônia, 1970 - 2017

1970 1980 1991 2000 2010 2017*

Rondônia 111.064 491.025 1.132.692 1.379.787 1.562.409 1.805.788

Fonte: IBGE

*Estimativa do IBGE

Em Rondônia a intensa migração motivada pelos ciclos econômicos e incentivos

governamentais teve implicações. O sonho de enriquecer no ―Eldorado‖ amazônico não se

concretizou para boa parte dos migrantes que chegaram na região. As zonas periféricas das

cidades expandiram-se de forma irregular por meio de ocupações e loteamentos.

Com a abertura da BR 364 surgiram diversos povoamentos, principalmente nas

margens da rodovia. A formação de Rondônia e Porto Velho foi motivada pelo extrativismo

em diferentes ciclos econômicos, isso condicionou a dinâmica de crescimento da região aos

períodos de prosperidade e decadência econômica, principalmente das áreas extrativistas,

ocasionando fluxos e refluxos populacionais (SAULE, CARDOSO, 2005).

Informações dão conta que entre 1970 e 2000 o número de habitantes dos núcleos

urbanos dessa parte da região dobrou, passando de 36% para 70%. Esse crescimento não

garantiu qualidade de vida à população. O quadro social na região era marcado por altas taxas

de desemprego, prostituição e pobreza. A infraestrutura urbana era considerada uma das mais

precárias do país: água sem tratamento para consumo, igarapés feitos de depósitos de lixo,

esgotos a céu aberto enquanto resíduos são despejados nos rios, poluindo as águas (SAULE,

CARDOSO, 2005).

Devido seu protagonismo na formação social, política, administrativa, econômica e

cultural, Porto Velho (FIG. 5) ainda é figura importante no palco de decisões que afetam todo

o estado de Rondônia.

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FIGURA 5 – Vista aérea parcial de Porto Velho, 2012

Fotografia: Ronaldo Nina

O Estado de Rondônia é formado por 52 municípios (FIG. 6), diferentemente dos

tempos áureos dos seringais, onde o Território Federal tinha praticamente dois municípios:

Guajará-Mirim e Porto Velho (SAULE, CARDOSO, 2005).

É diante desse breve relato histórico que encontra-se a gênese do Município de Porto

Velho e do Estado de Rondônia.

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Municípios do Estado de Rondônia

1 – Machadinho D´Oeste 19 – Nova União 37 – Seringueiras

2 – Porto Velho 20 – Vale do Anari 38 – Primavera de

Rondônia 3 – Cujubim 21 – Ministro Andreazza

4 – Alto Paraíso 22 – Teixeirópolis 39 – São Felipe D´Oeste

5 – Rio Crespo 23 – Cacoal 40 – São Francisco do

Guaporé 6 – Ji-Paraná 24 – Espigão D´Oeste

7 – Ariquemes 25 – Vilhena 41 – Alta Floresta

D´Oeste 8 – Burtis 26 – São Miguel do

Guaporé 9 – Nova Mamoré 42 – Santa Luzia D´Oeste

10 – Theobroma 27 – Presidente Médici 43 – Parecis

11 – Vale do Paraíso 28 – Urupá 44 – Corumbiara

12 – Monte Negro 29 – Mirante da Serra 45 – Alto Alegre dos

Parecis 13 – Campo Novo de

Rondônia

30 – Alvorada D´Oeste

31 – Nova Brasilândia

D´Oeste

46 – Colorado D´Oeste

14 – Jaru 47 – Cerejeiras

15 – Cacaulândia 32 – Castanheiras 48 – Cabixi

16 – Governador Jorge

Teixeira

33 – Pimenta Bueno 49 – Pimenteiras D´Oeste

34 – Novo Horizonte

D´Oeste

50 – Chupinguaia

17 – Ouro Preto D´Oeste 51- Candeias do Jamari

18 – Guajará-Mirim 35 – Rolim de Moura 52- Itapuã D´Oeste

36 – Costa Marques

Figura 6 – Municípios que compõem o Estado de Rondônia, 2018

Elaboração: Autor

Fonte: IBGE

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5.2 CARACTERÍSTICAS DO MUNICÍPIO DE PORTO VELHO

5.2.1 Localização e aspectos do território

Figura 7 – Localização do Município de Porto Velho, Rondônia, 2018

Fonte: Sempog/IBAM

O Município de Porto Velho está localizado a 8°45‘36‘‘ Latitude Sul e 63°58‘00‘‘

Longitude Oeste, situado na Região Norte do país. Seu território tem uma área de 34.090,96

Km2, o equivalente a 15% da porção do Estado de Rondônia, destacando-se por ser a capital

com maior área territorial. Dados do IBGE apontam que entre 2010 a 2016 a densidade

demográfica passou de 12,57 para 14,99 hab/Km2 (PORTO VELHO, 2017).

A área territorial em seus limites traçados com os estados do Amazonas, Acre, Mato

Grosso e com o país vizinho, Bolívia (FIG. 7).

Em relação às suas fronteiras o Município faz divisa ao Norte com os municípios de

Lábrea, Canutama e Humaitá no Estado Amazonas; ao Sul com os municípios de Nova

Mamoré, Buritis, Alto Paraíso, Candeias do Jamari, Cujubim e Machadinho D‘Oeste, ambos

em Rondônia e ainda uma extensa fronteira com a Bolívia; na parte Oeste faz divisa com o

Município de Acrelândia no Estado do Acre.

O Município de Porto Velho se situa ao lado direito do rio Madeira e ao extremo

noroeste de Rondônia. De forma privilegiada a cidade de Porto Velho está localizada às

margens do trecho navegável do rio Madeira e no entroncamento de duas importantes

rodovias da Região Norte (BR-364 e BR-329) (FIG. 8), se configurando como um polo de

articulação entre a Região Norte e Sul do País e outros destinos (PORTO VELHO, 2017).

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O sistema rodoviário de estradas é articulado para atender às necessidades de

circulação de bens, serviços e pessoas. Nesse caso as rodovias federais BR 364 e BR 319 se

relacionam com a malha urbana atual, causando problemas de mobilidade urbana, como

constantes congestionamentos no chamado Trevo do Roque devido ao grande fluxo de

veículos de transporte de carga. Isso porque a BR 364 tangencia e dá acesso à cidade pelo

lado sul, possibilitando a ligação com Cuiabá-MT e com Rio Branco-AC. Já a BR 319 tem

seu início do outro lado do Rio Madeira, na direção dos terminais portuários, dá acesso a

cidade de Manaus e demais localidades pelo lado norte (PORTO VELHO, 2008).

Figura 8 – BR 364 e BR 319 e a malha urbana de Porto Velho, 2018

Fonte: Google Maps

Na linha da divisão administrativa o Município de Porto Velho é subdividido em 14

distritos (FIG. 9). Com essa divisão territorial o Município integra a chamada Mesorregião

Madeira-Guaporé e a Microrregião de Porto Velho, juntamente com os municípios Nova

Mamoré, Buritis, Campo Novo de Rondônia, Candeias do Jamari, Cujubim e Itapuã D‘Oeste

(PORTO VELHO, 2018).

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Figura 9 – Distribuição dos distritos do Município de Porto Velho, 2018

Fonte: Sempog/IBAM

A Lei n° 1.378/1999 dividiu o Município de Porto Velho em 12 distritos. O Censo de

2010 do IBGE leva em conta apenas os distritos instituídos na lei de 1999, embora a Lei n°

1.535/2003 e Lei n° 2.082/2013 dispõem da criação dos distritos União Bandeirantes e Rio

Pardo, contudo não há registros de decretos regularizando a delimitação dos mesmos. Sendo

assim, análises da estrutura territorial do Município e seus aspectos sociodemográficos devem

ter os 12 distritos originais como base. Esses distritos ‗legais‘ estão dispostos em três regiões

complementares: Alto, Médio e Baixo Madeira (PORTO VELHO, 2018).

A Região do Alto Madeira (FIG. 10) é composta pelos distritos de Nova Califórnia,

Extrema, Vista Alegre do Abunã e Fortaleza do Abunã.

Figura 10 – Região do Alto Madeira, Município de Porto Velho, 2018

Fonte: Sempog/IBAM

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A Região do Médio Madeira (FIG. 11) é composta pelos distritos de Abunã, Mutum

Paraná, Jaci Paraná mais o distrito sede, Porto Velho (macha urbana maior).

Figura 11 – Região do Médio Madeira, Município de Porto Velho, 2018

Fonte: Sempog/IBAM

A Região do Baixo Madeira (FIG. 12) é composta pelos distritos de São Carlos,

Nazaré, Calama e Demarcação, cujo acesso é somente por via fluvial.

Figura 12 – Região do Baixo Madeira, 2018

Fonte: Sempog/IBAM

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Sem dúvida Porto Velho tem sua história atrelada ao rio Madeira. Pois esse rio

integra as grandes hidrovias da região amazônica, interligando a cidade de Porto Velho aos

principais centros urbanos. Essa localização é considerada estratégica na medida em que a

realização de obras de infraestrutura de transporte fluvial permite às regiões produtoras da

Amazônia e do cerrado brasileiro ter acesso aos mercados mundiais tanto na direção do

Oceano Pacífico, atingindo mercados asiáticos emergentes, como América do Norte, Europa,

América do Sul e África (PORTO VELHO, 2008).

Porto Velho é a terceira maior cidade da região amazônica, atrás de Manaus-AM e

Belém-PA, ou seja, está inserida no bioma Amazônia.

A Amazônia é a região compreendida pela bacia do rio Amazonas, a mais extensa do

planeta, formada por 25.000 km de rios navegáveis, em cerca de 6.900.000 km2, dos quais

aproximadamente 3.800.000 km2 estão no Brasil. Já a expressão ―região amazônica‖ está

relacionada à Amazônia Legal (Lei nº 5.173, de outubro de 1966), o que abrange os estados

do Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins, parte do

Maranhão e cinco municípios de Goiás, representando 59% do território brasileiro, distribuído

por 775 municípios, onde viviam 20,3 milhões de pessoas (12,32% da população nacional) até

o ano 2000, sendo que 68,9% desse contingente em zona urbana (IBGE, on line).

O clima predominante da região amazônica é o equatorial quente e úmido. A flora e

fauna seguem características do bioma amazônico, cuja vegetação é de Floresta Tropical. Em

relação à topografia o Município tem relevos levemente ondulados a fortemente ondulados e

acidentados (PORTO VELHO, 2008).

A bacia hidrográfica do rio Madeira seus afluentes apresentam relevante volume de

águas, tendo potencial para pesca, navegação, recreação etc. (PORTO VELHO, 2008).

5.2.2 Perfil econômico

Até o século XX, Porto Velho tinha sua economia baseada no setor terciário. O

comércio diversificado e forte atendia uma região sob sua área de influência e juntamente

com o setor de serviços constituiu por muito tempo a maior fonte geradora de empregos. O

incipiente parque industrial era representado basicamente por madeireiras e olarias (PORTO

VELHO, 2008).

Na área econômica uma das formas conhecidas para monitorar o desenvolvimento da

economia de uma região é por meio do índice Produto Interno Bruto (PIB). O PIB representa

a soma de todos os bens e serviços finais produzidos em determinada região durante um

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período de tempo. É um dado que mensura o tamanho da economia, sendo possível constatar

o crescimento, estagnação ou retração econômica. O PIB é medido pela multiplicação da

quantidade produzida pelo preço vendido (PORTO VELHO, 2018).

A cidade de Porto Velho possui o quarto maior PIB da região Norte, atrás apenas de

Manaus-AM, Belém-PA e Parauapebas-PA (PORTO VELHO, online).

Figura 13 – Usina de Santo Antônio, Rio Madeira, Porto Velho, 2017

Foto: O Globo

Porto Velho bem como o Estado de Rondônia tem seu surgimento e desenvolvimento

vinculado à construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré aliado a diferentes ciclos

econômicos. O último ciclo experimentado deu-se nos anos de 2010, com a construção do

complexo das usinas hidrelétricas do Rio Madeira (FIG. 13 e 14).

Com o título ―Nasce uma nova Porto Velho‖, o jornal Gazeta do Povo retrata a

construção das hidrelétricas do rio Madeira como obras que alterariam mais uma vez o perfil

socioespacial da cidade, ―[...] tanto no aspecto urbanístico quanto na área social‖, em virtude

do progresso representado por uma ―enxurrada de investimentos‖ depositados na construção

do Complexo.

A obra foi iniciada em 2008 e avaliada em 15 bilhões de reais. Segundo Schonarth

(2011), a ―Construção da Usina de Santo Antônio, no Rio Madeira, muda o cenário da capital

rondoniense e inflaciona a vida na cidade‖.

Segundo a matéria jornalística o grande contingente populacional dela decorrente

alavancou de tal forma o setor da construção civil que o impacto foi sentido diretamente no

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encarecimento da mão de obra e aluguéis residenciais na cidade de Porto Velho, contribuindo

de forma maciça para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB).

Figura 14 – Usina de Jirau, rio Madeira, Porto Velho, 2018

Foto: Agência Brasil

Conforme a Tabela 3 desde o ano de 2010 o PIB de Porto Velho segue representando

pouco mais de 1/3 do PIB do Estado de Rondônia, mantendo-se estável.

Tabela 3 – PIB Nominal* de Rondônia e Porto Velho 2010 - 2015

Ano Rondônia Porto Velho %

2010 23.907.887 9.093.824 38

2011 27.574.714 11.139.255 40

2012 30.112.720 11.970.877 40

2013 31.121.413 11.699.707 38

2014 34.030.982 12.793.026 38

2015 36.562.837 13.946.784 38

Fonte: Sempog/IBAM

*Em reais

Para conhecer o perfil da economia municipal o relatório da Revisão do Plano

Diretor 2018 (Produto 2), considerou a participação do valor dos setores de atividade

econômica como serviços, indústria, administração pública (mais defesa, educação, saúde e

seguridade), e agropecuária ao valor bruto total produzido (PORTO VELHO, 2018).

O setor Serviços corresponde à manutenção de veículos automotores e motocicletas;

serviços de alojamento e alimentação; transportes, armazenagem, e correio; serviços de

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informação; intermediação financeira, seguros e previdência complementar; atividades

imobiliárias; atividades profissionais técnicas, científicas; administrativas e serviços

complementares; educação mercantil; saúde mercantil; artes, cultura, esportes e recreação;

outras atividades de serviços além de serviços domésticos.

Quanto ao setor Industrial diz respeito à indústria extrativa e mineral; indústria de

transformação; produção e distribuição de eletricidade, gás, água, esgoto e limpeza urbana;

construção civil.

O setor Administração equivale à administração, defesa, educação e saúde públicas e

ainda a seguridade social.

O setor Agropecuário abrange os produtos oriundos da agricultura, pecuária e

produção florestal; extrativismo vegetal; pesca e aquicultura.

O relatório da Revisão do Plano Diretor 2018 (Produto 2) mostra que em 2015 houve

um crescimento significativo nos principais setores da economia do Município, exceto na

Administração (22%) com pequeno decréscimo. Os demais setores como Serviços (46%),

Indústria (28%) e Agropecuária (4%) tiveram crescimento em consonância com a variação do

PIB nacional (5,82%) entre 2010 e 2015 (PORTO VELHO, 2018).

Outro indicador importante para checar o perfil da economia municipal é o número

de postos formais de trabalho registrados pelo Ministério do Trabalho e Emprego através da

Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) (PORTO VELHO, 2018).

De acordo com o relatório da Revisão do Plano Diretor 2018 (Produto 2) em 2016 os

postos de trabalho com maior participação na atividade econômica estavam na administração

pública, serviços e comércio.

Os setores da administração pública e comércio e serviços são os que mais

empregam. Isso significa que a maior parte dos postos de trabalho formal (contratos de

trabalho e carteira de trabalho assinada) em Porto Velho estão localizados no setor terciário.

Em segundo lugar vem o setor secundário representado na figura da indústria, se somado

extração mineral, transformação, serviços industriais de utilidade pública e construção civil. O

setor primário, composto pela agropecuária, extração vegetal, caça e pesca é o setor com

menor número de empregos em postos formais, sendo tradicionalmente o mercado mais

informal entre os mencionados (PORTO VELHO, 2018).

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5.2.3 Expansão urbana

Quadro 1 - Evolução da macha urbana de Porto Velho, 1970-1996

1970 1977

1980 1985

1991 1996

Fonte: Sempla

Montagem: Autor

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Outro ponto de destaque do relatório é o padrão de dispersão urbana de Porto Velho.

Nos últimos dez anos houve uma expansão urbana expressiva. Nesse contexto se observa o

avanço da cidade a partir da margem do rio Madeira, sentido Oeste, em direção ao Leste. Isso

não quer dizer que o avanço consegue levar consigo o acesso fácil às conveniências sociais

que todo processo de urbanização se propõe.

Ainda quanto aos aspectos urbanos, pelo menos nos últimos 30 anos a área urbana da

cidade de Porto Velho triplicou de tamanho. A urbanização dispersa pode ser vista se

comparado as manchas urbanas entre os anos de 1970 a 1996 (QUADRO 1).

A cidade de Porto Velho contém sete zonas urbanas (FIG. 15), porém alguns bairros

ainda estão sem zona de definição ou lei de criação. O Mapa de Zoneamento dos Bairros do

Distrito Sede é oficializado pela Lei Orgânica (PORTO VELHO, 1990).

Figura 15 – Zonas de Planejamento do Distrito Sede, 2018.

Fonte: Sempog

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A Macrozona Urbana é o território legal delimitado pelo perímetro urbano (FIG. 16)

estabelecido por lei municipal. Isso quer dizer que dentro desta circunscrição deve existir

normas de uso e de ocupação do solo específicas e diferentes das que incidem fora dos seus

limites. Do mesmo modo, uma Zona Residencial é um território legalmente definido como

adequado ao uso residencial, enquanto que uma área residencial se refere a um bairro onde

predomina a função habitacional em detrimento dos demais usos (comercial, industrial, rural

etc.) (PORTO VELHO, 2008).

Figura 16 – Perímetro urbano da cidade de Porto Velho, 2013.

Fonte: Sempla

A Macrozona Urbana de Porto Velho é dividida em bairros. De acordo com as

políticas de uso e ocupação do solo, Porto Velho conta com 70 bairros distribuídos além do

perímetro urbano da cidade (MAPA 1).

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Mapa 1 - Distribuição espacial e relação de bairros de Porto Velho, 2016

Ordem Bairro Ordem Bairro Ordem Bairro

1 Aeroclube 25 Esperança da Comunidade 49 Panair

2 Agenor Martins de Carvalho 26 Flodoaldo Pontes Pinto 50 Pantanal

3 Aponiã 27 Floresta 51 Pedrinhas

4 Área Militar e Aeroporto 28 Igarapé 52 Planalto

5 Areal 29 Industrial 53 Rio Madeira

6 Areal Branca 30 Jardim Santana 54 Ronaldo Aragão

7 Arigolândia 31 Juscelino Kubitschek 55 Roque

8 Baixa União 32 Quilômetro Um 56 Santa Bárbara

9 Caiari 33 Lagoa 57 São Cristóvão

10 Caladinho 34 Lagoinha 58 São Francisco

11 Cascalheira 35 Liberdade 59 São João Bosco

12 Castanheira 36 Marcos Freire 60 São Sebastião

13 Centro 37 Mariana 61 Socialista

14 Cidade do Lobo 38 Maringá 62 Tancredo Neves

15 Cidade Jardim 39 Mato Grosso 63 Teixeirão

16 Cidade Nova 40 Militar 64 Tiradentes

17 Cohab 41 Mocambo 65 Três Marias

18 Conceição 42 Nacional 66 Triângulo

19 Costa e Silva 43 Nossa Senhora das Graças 67 Tucumanzal

20 Cuniã 44 Nova Esperança 68 Tupi

21 Eldorado 45 Nova Floresta 69 Ulisses Guimarães

22 Eletronorte 46 Nova Porto Velho 70 Bairro Novo*

23 Embratel 47 Novo Horizonte

24 Escola de Polícia 48 Olaria

*O Bairro Novo não se encontra no mapa.

Fonte: Sempog , Elaboração: Charlles Barata

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É comum no planejamento urbano utilizar termos como ―zona‖, ―zoneamento‖ e

―área‖. A palavra zona diz respeito a uma delimitação de caráter e consequências legais,

enquanto que o termo área define genericamente a delimitação de determinada superfície do

território urbano ou rural. Já zoneamento é formulado basicamente para fins administrativos e,

em especial, para o planejamento e controle do uso e da ocupação do solo. As funções do

zoneamento são: a) delimitar as zonas urbanas e definir o espaço físico destinado ao

desenvolvimento urbano; b) delimitar áreas destinadas à proteção do meio ambiente, e c)

diferenciar as áreas intra-urbanas, em termos de uso e ocupação do solo, na perspectiva de se

formular um planejamento de controle do desenvolvimento e do crescimento físico da cidade,

além da melhoria da qualidade de vida dos seus cidadãos (PORTO VELHO, 2008).

Para efeito de incidência do Imposto Sobre a Propriedade Predial e Territorial

Urbana (IPTU), pode ser considerado como zona urbana a área delimitada em que existam

pelo menos dois dos seguintes equipamentos e serviços urbanos construídos ou mantidos pelo

Poder Público: a) Meio-fio ou calçamento com canalização de águas pluviais; b)

Abastecimento de água; c) Sistema de esgoto sanitário; d) Rede de iluminação com ou sem

posteamento para distribuição domiciliar; e) Escola primária ou posto de saúde a uma

distância máxima de três quilômetros do bem imóvel considerado (PORTO VELHO, 2004).

O Art. 55 da Lei Complementar n° 311/2008, diz que o abairramento visa

descentralizar a administração do Município de Porto Velho quanto à utilização racional dos

recursos para o desenvolvimento, melhoria da qualidade de vida e planejamento local. Ainda

segundo essa mesma lei, ―Bairro é uma parte do território compreendida dentro do perímetro

da Macrozona Urbana[...]‖. O bairro é uma área que contém algumas particularidades:

I - possui uma identidade física e territorial reconhecida pela população,

constituída por um centro e pelos seus limites geográficos físicos e/ou

instituídos;

II - apresenta uma relativa autonomia estrutural e social, compreendendo

uma população moradora em constante processo de articulação com outros

bairros e com a cidade;

III - está provido de equipamentos sociais institucionais e de consumo de

bens e serviços, suficientes ao atendimento das necessidades básicas da

população nele contida;

IV - consolida, ao longo do tempo, uma rede de valores, interesses e ligações

de proximidade física, cultural e social suficientes para assegurar a sua

população uma fisionomia coletiva ou comunitária coerente e uma

consciência participativa com objetivos comuns (PORTO VELHO, 2008).

A transformação urbana da cidade de Porto Velho se deu sobre situações de posse

irregular da terra, o que ainda persiste. O quadro atual é de complexidade fundiária, onde

terras públicas e privadas se sobrepõem formando um emaranhado de territórios onde a maior

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parte da cidade não se encontra regularizada em relação ao uso e ocupação do solo. Diante

disso é possível afirmar que o desenvolvimento urbano, promovido em grande parte pelo

governo federal, vinculado ao crescimento econômico entre as décadas de 1970 e 2000 não

foram capazes de garantir qualidade de vida à população, já que a infraestrutura urbana ainda

é precária na maior parte da cidade.

Conforme divulgado no volume Produto 3 do relatório de revisão do Plano Diretor

de Porto Velho (PORTO VELHO, 2018), menos de 40% dos domicílios estão ligados à rede

geral de água. Segundo o relatório não existe controle da qualidade da água nas soluções

alternativas utilizadas pela população. Os resíduos sólidos ainda são despejados a céu aberto

em um lixão denominado Vila Princesa, fora do perímetro urbano da cidade.

5.2.4 Aspectos sociodemográficos

Com a expansão demográfica (TAB. 4) incentivada a partir da década de 1980, a

cidade de Porto Velho concentrou a presença do setor público do estado, motivo pelo qual

novas pessoas foram atraídas em busca de postos de trabalho recém-inaugurados. Ao mesmo

tempo o garimpo no rio Madeira também fomentou fluxos migratórios na região. As altas

taxas de crescimento migratório teriam forte redução nos anos 1990, retomando curva

ascendente na década de 2000 (SAULE, CARDOSO, 2005).

Tabela 4 – Percentual do crescimento populacional em décadas, Porto Velho,

Rondônia, Brasil 1970 - 2017

1970-1980 1980-1991 1991-2000 2000-2010 2010-2017*

Porto Velho 4,77% 7,20% 1,70% 2,50% 2,79%

Rondônia 16,03% 7,89% 2,22% 1,25% 2,09%

Brasil 2,48% 1,93% 1,63% 1,17% 1,22%

Fonte: Sempog/IBAM

*Estimativa do IBGE

Comparando o acumulado das taxas de crescimento da população de Porto Velho,

Rondônia e Brasil entre os anos 1970 a 2017, pode-se dizer que na década de 1970, o

crescimento de Rondônia (16,03%) foi mais intenso que o de Porto Velho (4,77%) e do país

(2,48%). Na década de 1980, o ritmo de crescimento de Rondônia se retrai (7,89%) enquanto

o de Porto Velho praticamente se equipara ao estado (7,20%). Na década de 1990, há uma

redução significativa do crescimento do estado (2,22%) e da capital (1,70%), acima da

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observada no país (1,63%). Na década de 2000, Rondônia manteve a tendência de queda

(1,25%) e Porto Velho respondeu com uma nova alta na taxa de crescimento (2,50%). Por

fim, na década de 2010, as estimativas indicaram uma tendência no aumento da taxa de

crescimento anual da população em todos os níveis (PORTO VELHO, 2018).

Cabe lembrar que entre 2000 e 2010, no auge da construção das usinas do rio

Madeira, a indústria da construção civil atraiu expressivo número de pessoas para Rondônia

motivadas por novas possibilidades de vida devido à abundante oferta de trabalho. Portanto,

por mais que as estimativas do IBGE, após 2010, apontem para a ascendência das taxas de

crescimento populacional ainda nesta década, é necessário considerar que parte significativa

da população que chegou ao município no período de construção das usinas não permaneceu.

Mas isso só poderá ser confirmado no Censo de 2020 (PORTO VELHO, 2018).

Porto Velho é o município com a maior população de Rondônia, sendo que a maior

parte dos residentes está concentrada na área urbana (TAB. 5).

Tabela 5 - População residente por situação do domicílio, Brasil, Região Norte,

Rondônia, Porto Velho 2010

População Situação do domicílio

Total Urbana % Rural %

Brasil 190.755.799 160.925.792 84 29.830.007 16

Região Norte 15.864.454 11.664.509 74 4.199.945 26

Rondônia 1.562.409 1.149.180 74 413.229 26

Porto Velho 428.527 390.733 91 37.794 9

Fonte: Sempog/IBAM

Tabela 6 – Estimativa da população total residente de Porto Velho 2011 - 2018

Período População estimada

2011 435.732

2012 442.701

2013 484.992

2014 494.013

2015 502.748

2016 511.219

2017 519.436

2018 519.531

Fonte: Sempog/IBAM

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115

Em 2010 a população absoluta era de 428.527 pessoas, o que corresponde a 1/3 dos

habitantes do estado. Com base no crescimento anual, o IBGE estimou para o ano de 2018

uma população de 519.521 habitantes no Município de Porto Velho (TAB. 6).

Em relação à Tabela 6, é importante informar que em 2015 a estimativa da população

era de 502.748, porém isso foi contestado por medida judicial (Processo nº 12316-

40.2016.4.01.4100). Para todos os efeitos a recomendação é que a população estimada seja a

mesma divulgada no ano de 2014, ou seja, 494.013 (PORTO VELHO, 2018).

Quanto às características relacionadas a sexo e grupos etários, podemos dizer que em

comparação entre 2000 e 2010, o Município de Porto Velho possui percentuais de mulheres e

homens muito próximos (TAB. 7) (PORTO VELHO, 2018).

Tabela 7 – População residente por faixa etária e sexo, Porto Velho 2000 - 2010

Ano

Faixa etária 2000 2010

(anos) Homens Mulheres Homens Mulheres

0|--|4 19.527 18.885 18.021 17.339

5|--|9 19.320 18.755 18.649 18.142

10|--|14 19.803 19.503 21.065 20.473

15|--|19 19.022 18.880 21.134 20.855

20|--|24 16.667 17.562 24.129 22.526

25|--|29 13.599 15.542 22.820 21.371

30|--|34 13.402 14.369 19.772 19.143

35|--|39 12.603 12.415 15.925 16.248

40|--|44 9.844 9.688 14.573 14.397

45|--|49 7.202 7.015 12.716 12.113

50|--|54 5.126 4.634 10.009 9.413

55|--|59 3.365 3.243 6.953 6.588

60|--|64 2.549 2.576 4.628 4.411

65|--|69 1.783 1.888 2.978 2.877

70|--|74 1.334 1.308 1.853 2.127

75|--|79 851 842 1.165 1.417

80 anos e mais 740 819 1.228 1.469

Fonte: Sempog/IBAM

Os números apontam que a população do Município de Porto Velho é relativamente

jovem, apenas 3,5% dos residentes tem idade acima de 65 anos. A idade potencialmente ativa

é de 14 aos 54 anos, sendo a faixa etária 20 a 24 anos a mais expressiva.

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No que diz respeito aos dados relacionados à cor/raça, vemos no Município a

predominância de pessoas que se autodeclaram pretas ou pardas, o que correspondente a

68,3%, dado acima da média de Rondônia e do Brasil (TAB. 8).

Tabela 8 – População residente por cor ou raça, Porto Velho, 2010

Porto Velho Rondônia Brasil

Branca 29,0% 35,0% 47,5%

Preta 7,0% 6,8% 7,5%

Amarela 1,7% 1,4% 1,1%

Parda 61,3% 55,8% 43,4%

Indígena 0,5% 0,9% 0,4%

Sem declaração 0,4% 0,1% 0,0%

Fonte: Sempog/IBAM

O Censo 2010 revela ainda que 35% da população de Porto Velho é oriunda de

outros estados, principalmente das Regiões Norte e Nordeste (TAB. 9).

Tabela 9 – Região de origem da população residente, Porto Velho 2010

Região %

Norte* 37

Nordeste 28

Centro Oeste 9

Sudeste 13

Sul 12

Fonte: SempogIBAM

*Oriundos da Região Norte, exceto Rondônia

A organização da cidade é determinada pelo tamanho, concentração e distribuição da

população dentro dos seus limites geográficos.

Com o processo de urbanização iniciado no século XX, a cidade de Porto Velho

tornou-se um verdadeiro caldeirão de culturas. A metáfora tem por finalidade indicar a

mistura de hábitos e sotaques vindos de todo o país. O Boi-Bumbá e forró do Nordeste, o

vaneirão da Região Sul, são exemplos dessa diversidade cultural. O consumo de tacacá, açaí,

churrasco, chimarrão, uso de alpercatas, botas, chapéu de vaqueiro pela população é uma

realidade. A pecuária importada fez com que a cultura local incorporasse no seu calendário de

festividades as festas de peões (rodeios e vaquejadas) e as festas juninas. Essa mistura de

povos torna Porto Velho um mosaico de culturas (SAULE, CARDOSO, 2005).

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A densidade populacional da cidade de Porto Velho se apresenta imbricada. Os

migrantes que desembarcaram em busca de oportunidades no período da instalação das usinas

do Rio Madeira contribuíram na densidade demográfica da cidade.

O Mapa 2 mostra que do centro partem os aglomerados com até 5 mil pessoas indo

em direção às bordas do cinturão urbano, seguidos por territórios acima de 5 mil habitantes.

São poucos os aglomerados acima de 5 mil pessoas localizados dentro do cinturão urbano da

cidade, na área norte a ausência é visível.

Mapa 2 - Densidade demográfica da cidade de Porto Velho, 2010

Fonte: Elaborado pelo IBAM a partir de dados do Censo IBGE 2010.

O Mapa 3 mostra que a aglomeração da população seguiu de forma assimétrica. Os

aglomerados acima de 5 mil pessoas estão estabelecidos no sentido mais ao sul e leste, dentro

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dos limites do perímetro urbano, mas distantes do centro administrativo da cidade, ou seja, na

parte oeste. Não por acaso as áreas residenciais mais a noroeste abrigam famílias com as

maiores rendas, enquanto que nas bordas se aglomeram aquelas com menor rendimento. O

Bairro Industrial e seu entorno é onde estão localizadas as residências com maiores rendas per

capita da cidade.

Mapa 3 - Rendimento média nominal mensal domiciliar em Porto Velho, 2010

Fonte: Elaborado pelo IBAM a partir de dados do Censo IBGE 2010.

Conforme o Mapa 4 o espaço urbano da cidade de Porto Velho toma forma a partir

de variados usos do solo tendo a região central como fonte reguladora, já que detém o

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controle administrativo. A política de uso do solo, a especulação imobiliária definem áreas

destinadas às atividades comerciais, serviços, gestão, reservadas às indústrias, residências de

diferentes formas e conteúdo social, de lazer etc., e ainda aquelas áreas destinadas à expansão.

Mapa 4 – Localização de empreendimentos de alto padrão em Porto Velho, 2010

Fonte: Elaborado pelo IBAM a partir de dados do Censo IBGE 2010.

Os empreendimentos comerciais e residenciais reservados a pessoas com maior

poder de compra estão próximos ao único shopping center da cidade. Gostos e conveniências

pessoais, interesses profissionais e econômicos tendem a separar e classificar a população,

motivando a segregação socioespacial. Condomínios residenciais fechados com altos e

extensos muros, vigilância privada, construídos para as classes média e alta, impactam na

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paisagem da cidade. A verticalização residencial rompeu com o padrão horizontal, reforçando

a ideia de que na cidade capitalista é o empreendimento privado que fixa o valor da terra.

De acordo com o Mapa 5 o espaço urbano de Porto Velho está segregado em vários

níveis. Os loteamentos regulares estão mesclados ao tecido urbano com melhores condições

de moradia. Ao passo que os loteamentos irregulares estão também assentados sobre o tecido

urbano, mas em áreas onde a infraestrutura é mediana. Já os loteamentos clandestinos estão

definitivamente localizados em áreas periféricas.

Mapa 5 – Loteamentos regulares, irregulares e clandestinos em Porto Velho, 2017

Fonte: Semur, 2017. Elaborado pelo IBAM, 2018.

Os loteamentos instalados nas áreas mais próximas do centro são dotados de melhor

infraestrutura, vias pavimentadas e maior acesso aos equipamentos e serviços urbanos,

enquanto nas áreas da periferia a infraestrutura é precária e as características do ambiente não

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se parecem com uma área urbana. Em geral os bairros da região central (situados a noroeste)

de Porto Velho são os mais antigos e os mais valorizados, pois são dotados de equipamentos e

serviços urbanos em maior escala.

O Mapa 6 mostra que em um espaço urbano capitalista o comércio se estabelece em

lugares que oferecem maiores vantagens para seus empreendimentos. Por um lado isso faz

surgir quarteirões de residências com padrão elevado. Por outro o alto valor da terra acaba

excluindo os segmentos mais pobres, surgindo ocupações precárias. Considera-se ocupação

precária e em situação de vulnerabilidade social e ambiental, moradias situadas às margens do

Rio Madeira e igarapés. Essas áreas demandam maior atenção do poder público dado às

condições não só do local, mas também do tipo de moradia.

Mapa 6 – Ocupações precárias em Porto Velho, 2018

Fonte: Semur, 2018. Elaborado pelo IBAM, 2018.

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Os pontos vermelhos no Mapa 6 indicam que as ocupações precárias estão

distribuídas nos seguintes bairros e zonas urbanas: Areal, Costa e Silva, Triângulo, Santa

Bárbara, São Sebastião, Nacional, Tucumanzal (Zona 1); Flodoaldo Pontes Pinto (Zona 2);

Eletronorte, Novo Horizonte (Zona3); Esperança da Comunidade, Lagoinha, Três Marias,

Pantanal, Planalto, Tancredo Neves (Zona 4). São Francisco (Zona 5); Socialista, Jardim

Santana, Nova Esperança (sem zona definida).

De certa forma a maior parte das ocupações precárias estão assentadas na Zona

urbana 1 e 4, ou seja, estão concentradas na parte noroeste e leste da cidade e em menor

número na parte sul.

O desenvolvimento de uma cidade induz à expansão urbana devido ao aumento

populacional, produzindo efeitos contraditórios sobre o espaço urbano. Essas contradições

ficam mais evidentes nas grandes cidades e cidades de porte médio, uma vez que estes

espaços oferecem aos seus residentes um conjunto variado de vantagens e desvantagens.

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No quesito educação, por exemplo, as escolas estaduais e municipais estão

distribuídas pela cidade de Porto Velho de forma abrangente. As escolas de atenção básica, de

responsabilidade do município, estão em maior número, 120 unidades. Já as escolas do

estado, voltadas ao ensino fundamental e médio, contam com 66 unidades. Esses

estabelecimentos de ensino infantil (creches), fundamental e médio se complementam na

tarefa de educar formalmente os portovelhenses (MAPA 7).

Mapa 7 – Escolas estaduais e municipais em Porto Velho, 2018

Fonte: Semed e Seduc, 2018.

Elaboração: Luiz Fredson França

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124

O serviço de saúde na cidade é divido entre unidades administradas pela prefeitura e

pelo estado dentro daquilo que preconiza o Sistema Único de Saúde (SUS) (MAPA 8).

Mapa 8 – Unidades de saúde estaduais e municipais em Porto Velho, 2018

Fonte: Semusa e Sesau, 2018.

Elaboração: Autor

As unidades de saúde vão da atenção básica (ambulatorial), passando por internações

e até procedimentos mais complexos (cirurgias).

Pelo mapa a saúde municipal está presente em todas as áreas da cidade, facilitando o

acesso ao Programa Saúde da Família, voltado para a prevenção de doenças. A rede municipal

de saúde da cidade conta ainda com unidades de atendimento de urgência e emergência, como

é o caso das Unidades de Pronto-Atendimento (UPA), ambulatórios especializados

(Policlínica Rafael Vaz e Silva, Policlínica José Adelino da Silva, Policlínica Ana Adelaide),

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Centro de Referência de Saúde da Criança, Centro de Referência em Saúde da Mulher, Centro

de Especialidades Médicas, maternidade e outras unidades de saúde mental.

De acordo com a Secretaria Municipal de Saúde (Semusa), as unidades destinadas à

saúde da família e atenção básica estão localizadas nos seguintes bairros: Agenor Martins de

Carvalho, Aponiã, Caladinho, Castanheira, Esperança da Comunidade, Cascalheira, Tancredo

Neves, Marcos Freire, Cohab, Mariana, Três Marias, Nova Floresta, Areal, Embratel, Cidade

do Lobo, Nacional, Militar, São Sebastião, Socialista, Liberdade e Floresta.

As unidades de saúde mantidas pelo governo estadual são em menor número e são

representadas no mapa pelos hospitais e prontos-socorros preparados para atendimentos que

exigem maior complexidade, como cirurgias que envolvem equipe médica especializada.

Hospital Infantil Cosme e Damião, Hospital e Pronto Socorro João Paulo II, Hospital de Base

Dr. Ary Pinheiro são exemplos de unidades dessa natureza. A Policlínica Osvaldo Cruz é uma

unidade dedicada a consultas médicas em diversas especialidades. Essas unidades se

localizam o lado Norte, Sul e Leste da cidade.

Nos serviços de saúde é oferecido ainda o atendimento móvel de urgência, conhecido

por SAMU. Este serviço conta com uma equipe de paramédicos disponível 24h por dia

durante sete dias da semana.

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Equipamentos urbanos como praças e áreas de lazer estão presentes em menos da

metade dos 70 bairros da cidade (MAPA 9).

Mapa 9 – Praças e áreas de lazer em Porto Velho, 2018

Fonte: Sempog, 2018

Elaboração: Autor

É indispensável o uso de áreas de lazer por parte da população em geral. Esse tipo de

ambiente propicia maior possibilidade de interação entre os cidadãos, entre a vizinhança,

permitindo a ocupação dos espaços públicos. É importante que o poder público construa mais

ambientes como estes no perímetro urbano da cidade.

As praças e áreas de lazer estão presentes nos seguintes bairros: Aeroclube, Aponiã,

Arigolândia, Caiari, Caladinho, Castanheira, Centro, Cidade do Lobo, Cohab, Conceição,

Cuniã, Eldorado, Esperança da Comunidade, Flodoaldo Pontes Pinto, Igarapé, Jardim

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Santana, Juscelino Kubitschek, Lagoinha, Marcos Freire, Mariana, Nacional, Nova Floresta,

Olaria, Pedrinhas, Rio Madeira, Ronaldo Aragão, São Sebastião, Socialista, Três Marias,

Triângulo.

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O policiamento da cidade de Porto Velho fica à cargo das polícias Militar e Civil,

dentro dos seus respectivos papéis constitucionais (MAPA 10).

Mapa 10 – Delegacias de Polícia Civil e Batalhões da Polícia Militar, 2018

Fonte: PC, PM 2018

Elaboração: Autor

No caso da Polícia Militar existem dois batalhões - 1° e 5° - que dividem a cidade

para melhor operar no patrulhamento. O 1° Batalhão da Polícia Militar está situado no bairro

Arigolândia enquanto o 5° Batalhão pode ser localizado no bairro Escola de Polícia.

A maior parte das delegacias da Polícia Civil está localizada dentro das Unidades

Integradas de Segurança Públicas (UNISP). São prédios construídos pelo governo para

abrigar profissionais da segurança pública como bombeiros militares, policiais militares e

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129

policiais civis, indicando a intenção de integrar, pelo menos espacialmente, essas forças de

segurança estadual (QUADRO 2).

Quadro 2 - Delegacias de Polícia Civil e respectivas circunscrições em Porto Velho, 2018

Delegacia Endereço Divisão territorial por bairros

1ª DP

3ª DP

UNISP Centro

Av. Brasília, 1405

Bairro Areal

Centro, Caiari, Olaria, Arigolândia, Panair,

Pedrinhas, São Sebastião, Nacional, Costa e Silva,

São João Bosco e Liberdade, além dos Distritos de

São Carlos, Cuniã, Calama e Demarcação

(localizados no Baixo Madeira), São Cristóvão,

Nossa Senhora das Graças, Mato Grosso, Roque,

Santa Bárbara, Areal, Tucumanzal, Baixa União,

Tupy, Triângulo, Militar

2ª DP Rua Dr. José Adelino

Bairro Costa e Silva

Industrial, Rio Madeira, Embratel, Flodoaldo Pontes

Pinto, Cuniã, Igarapé (Esperança da Comunidade),

Aponiã e Nova Esperança

4ª DP

7ª DP

UNISP Sul

Rua Três e Meio

Bairro Floresta

Floresta, Nova Floresta, Eletronorte, Areia Branca,

Caladinho, Conceição, Novo Horizonte, Cidade do

Lobo, Cidade Nova, Eldorado, Cohab, Castanheira,

Aeroclube

5ª DP Av. Amazonas, 5717

Bairro Cuniã

Nova Porto Velho, Agenor Martins de Carvalho,

Tiradentes, Lagoinha, Três Marias (Fortaleza)

6ª DP

8ª DP

UNISP Leste

Av. Amazonas, 4661

Bairro Escola de Polícia

Cascalheira, São Francisco, Mariana (Ayrton Senna),

Ulisses Guimarães, Marcos Freire, Ronaldo Aragão,

Cidade Jardim, Juscelino Kubitschek, Tancredo

Neves, Socialista, Jardim Santana, Escola de Polícia,

Teixeirão, Planalto, Pantanal

Fonte: PCRO

Elaboração: Luiz Fredson França

Com a exposição de alguns equipamentos e serviços urbanos que tornam possível

identificar o aspecto urbano da cidade de Porto Velho, nos perguntamos: existe relação entre a

urbanização e a concentração espacial dos crimes violentos letais intencionais?

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6 DISCUSSÃO E ANÁLISE DOS DADOS

As teorias sociológicas sobre violência e crime tem se preocupado em investigar a

delinquência e suas relações com a ordem e desordem, com o controle do comportamento

social, a desobediência às leis e o conformismo. Considera-se como comportamento violento

ou criminoso tudo aquilo que excede limites aceitáveis de convivência social, estabelecido por

valores morais e jurídicos. Ninguém descumpre todas as regras assim como não age de acordo

com as mesmas. Quebramos as regras de conduta na mesma proporção que as criamos.

O desvio pode ser qualquer conduta em desalinho com um conjunto de normas

aceitas ―espontaneamente‖ por um número significativo de indivíduos, seja dentro de um

grupo ou sociedade. Apesar de em alguns casos se sobreporem, desvio e crime não são

sinônimos. Enquanto o crime se apresenta como uma conduta sancionada por uma lei, o

desvio extrapola as normas sociais por não ser alcançado pela lei.

A explicação tem por objetivo alertar que estamos tratando todos os dados como

crimes e não desvios, pois estão tipificados em lei.

Os registros policiais coletados somaram 326 eventos em quatro anos (2010, 2011,

2013 e 2015). Isso equivale a uma média de 81,5 pessoas assassinadas violentamente por ano

na cidade de Porto Velho (TAB. 10).

Tabela 10 – Crimes Violentos Letais Intencionais praticados em Porto Velho -

2010, 2011, 2013 e 2015

Bairro 2010 2011 2013 2015 Total Média

1 Cidade Jardim 0 0 0 1 1 0,25

2 Ulisses Guimarães 4 0 0 3 7 1,75

3 Socialista 3 4 3 1 11 2,75

4 Área Militar e Aeroporto 0 0 0 0 0 0

5 Jardim Santana 1 2 3 1 7 1,75

6 Ronaldo Aragão 1 0 1 0 2 0,5

7 Cidade Nova 3 1 4 4 12 3

8 Bairro Novo 0 0 0 0 0 0

9 Nova Esperança 0 1 0 0 1 0,25

10 Olaria 3 0 0 0 3 0,75

11 Areal 1 1 1 4 7 1,75

12 Militar 0 0 0 1 1 0,25

13 Nacional 1 2 0 1 4 1

14 Liberdade 1 0 1 1 3 0,75

15 Km 1 0 0 2 1 3 0,75

16 Roque 1 0 0 0 1 0,25

17 São Cristóvão 0 0 0 3 3 0,75

18 Caiari 0 1 0 0 1 0,25

19 São João Bosco 0 0 0 2 2 0,5

20 Nossa Senhora das Graças 0 0 0 0 0 0

Continua

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131

Bairro 2010 2011 2013 2015 Total Média

21 Tupi 0 0 0 0 0 0

22 São Sebastião 3 0 0 1 4 1

23 Tucumanzal 2 0 0 0 2 0,5

24 Costa e Silva 3 0 0 1 4 1

25 Pedrinhas 0 0 0 0 0 0

26 Mato Grosso 2 1 0 0 3 0,75

27 Triângulo 0 0 1 1 2 0,5

28 Arigolândia 0 0 0 0 0 0

29 Panair 0 0 1 0 1 0,25

30 Centro 4 0 0 2 6 1,5

31 Baixa União 2 1 1 0 4 1

32 Mocambo 2 1 1 0 4 1

33 Santa Bárbara 0 0 0 0 0 0

34 Flodoaldo Pontes Pinto 1 0 1 2 4 1

35 Rio Madeira 0 0 0 0 0 0

36 Lagoa 1 3 2 4 10 2,5

37 Agenor M. de Carvalho 4 3 1 3 11 2,75

38 Embratel 2 2 1 3 8 2

39 Nova Porto Velho 1 1 0 2 4 1

40 Industrial 0 0 1 0 1 0,25

41 Floresta 1 0 1 3 5 1,25

42 Eletronorte 3 3 4 5 15 3,75

43 Cohab 3 0 2 0 5 1,25

44 Areia Branca 3 1 0 0 4 1

45 Novo Horizonte 0 0 3 0 3 0,75

46 Nova Floresta 1 2 5 1 9 2,25

47 Cidade do Lobo 0 1 1 0 2 0,5

48 Aeroclube 1 0 0 1 2 0,5

49 Conceição 0 1 0 0 1 0,25

50 Castanheira 2 1 2 3 8 2

51 Caladinho 1 5 5 1 12 3

52 Eldorado 0 0 0 0 0 0

53 Lagoinha 1 1 1 0 3 0,75

54 Juscelino Kubitschek 1 2 2 2 7 1,75

55 Cuniã 1 0 1 2 4 1

56 Planalto 2 0 0 1 3 0,75

57 Cascalheira 2 0 2 1 5 1,25

58 Igarapé 1 0 3 4 8 2

59 Aponiã 2 1 0 0 3 0,75

60 Tancredo Neves 2 2 1 2 7 1,75

61 Escola de Polícia 0 0 1 3 4 1

62 Três Marias 4 1 1 5 11 2,75

63 Tiradentes 2 1 1 1 5 1,25

64 Maringá 0 0 0 0 0 0

65 Pantanal 0 0 0 0 0 0

66 Esperança da Comunidade 1 0 2 5 8 2

67 Teixeirão 2 1 3 1 7 1,75

68 Marcos Freire 4 5 1 1 11 2,75

69 Mariana 4 5 6 2 17 4,25

70 São Francisco 7 3 7 3 20 5

Total 97 60 80 89 326 81,5

Fonte: PCRO

De acordo com a Tabela 10, em um período de quatro anos não consecutivos onze

bairros da cidade de Porto Velho não tiveram qualquer registro de CVLI: Área militar e

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Aeroporto, Bairro Novo, Nossa Senhora das Graças, Tupi, Pedrinhas, Arigolândia, Santa

Bárbara, Rio Madeira, Eldorado, Maringá e Pantanal.

Por outro lado quando somados os eventos de CVLI, por exemplo, apenas dez

bairros respondem por um total 130 registros crimes violentos letais intencionais em quatro

anos não consecutivos: São Francisco (20), Mariana (17), Eletronorte (15), Caladinho (12),

Cidade Nova (12), Marcos Freire (11), Três Marias (11), Agenor Martins de Carvalho (11),

Socialista (11) e Lagoa (10). Isso quer dizer que em quatro anos dez bairros ficaram acima da

média de CVLI/ano. Com destaque para os bairros Eletronorte, Mariana e São Francisco que

apresentam as maiores médias de CVLI.

Importante sublinhar que esses números podem ser maiores, já que os registros

policiais de tentativas de homicídios não foram verificados. Casos em que a ―tentativa‖ se

―consuma‖ posteriormente e é preciso que se comunique uma delegacia de polícia para que o

caso seja tratado como homicídio doloso e não tentado. A falta de integração na comunicação

entre os órgãos policiais e os órgãos de saúde acaba dificultando a coleta de CVLI.

Comparada às taxas de CVLI no estado de Rondônia, apresentadas pelo Fórum

Brasileiro de Segurança Pública (TAB. 11), com as taxas coletadas na capital, tem-se o

mesmo movimento de retração seguido de aumento nos anos posteriores (TAB. 12).

Tabela 11 – Crimes Violentos Letais Intencionais em Rondônia - 2010, 2011, 2013 e 2015

Ano Pop. estimada N. Absolutos Taxa por 100 mil

2010 1.662,857 582 35,0

2011 1.686,992 415 24,6

2013 1.731,183 483 27,9

2015 1.765,472 542 30,7

Fontes: IBGE 2010, FBSP.

Tabela 12 – Crimes Violentos Letais Intencionais em Porto Velho - 2010, 2011, 2013 e 2015

Ano Pop. estimada N. Absolutos Taxa por 100 mil

2010 428.527 97 22,6

2011 435.732 60 13,7

2013 484.992 80 16,5

2015 502.748 89 17,7

Fontes: PCRO, Sempog.

Durante os quatros anos pesquisados as taxas de CVLI por 100 mil em Rondônia e

Porto Velho tiveram oscilação, mas tem no período de 2010 a maior taxa registrada. Para cada

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133

100 mil residentes, 22,6 tiveram suas vidas ceifadas por crimes violentos letais intencionais na

cidade de Porto Velho no ano de 2010. As taxas dos demais anos se mantiveram abaixo desse

patamar, mostrando certa estabilidade. Contudo, no ano de 2015 os números são inferiores à

taxa nacional que foi de 29/100 mil, conforme Atlas da Violência 2018.

Conforme os quatro anos de ocorrências policiais pesquisadas, Porto Velho totalizou

326 crimes violentos letais intencionais. Desse total, 73% dos CVLI foram realizados por

disparos de armas de fogo; 16% praticados com arma branca (canivete, faca, chave de fenda,

tesoura); 6% utilizaram outros meios para praticar crimes dolosos; 5% não foram informados

os meios utilizados na prática delituosa (TAB. 13).

Tabela 13 - Meios empregados no CVLI em Porto Velho - 2010, 2011, 2013 e 2015

Meio empregado Anos

% 2010 2011 2013 2015 Total

Arma de fogo 75 41 57 66 239 73

Arma branca 10 12 18 11 51 16

Outros meios empregados 08 03 04 06 21 06

Não informado 04 04 01 06 15 05

Total 97 60 80 89 326 100

Fonte: PCRO.

As tabelas e mapas abaixo mostram a concentração e distribuição dos tipos de CVLI

na cidade Porto Velho em um período de quatro anos (2010, 2011, 2013 e 2015).

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Tabela 14 – Crimes Violentos Letais Intencionais em Porto Velho - 2010

CVLI Meio empregado Total

Arma de fogo Arma branca Outros N. Inf. Homicídio doloso 71 10 0 0 81 Latrocínio 4 0 0 0 04 Lesão corporal (com morte) 0 0 8 4 12 Total 75 10 8 4 97 Fonte: PCRO

Mapa 11 - Crimes Violentos Letais Intencionais em Porto Velho - 2010

Fonte: PCRO Elaboração: Luiz Fredson França

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Tabela 15 – Mortes Violentas Letais Intencionais em Porto Velho - 2011

CVLI Meio empregado Total

Arma de fogo Arma branca Outros N. Inf. Homicídio doloso 38 10 0 2 50 Latrocínio 3 2 0 2 07 Lesão corporal (com morte) 0 0 3 0 03 Total 41 12 3 4 60 Fonte: PCRO

Mapa 12 - Crimes Violentos Letais Intencionais em Porto Velho – 2011

Fonte: PCRO

Elaboração: Luiz Fredson França

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Tabela 16 – Mortes Violentas Letais Intencionais em Porto Velho - 2013

CVLI Meio empregado Total

Arma de fogo Arma branca Outros N. Inf. Homicídio doloso 56 5 0 1 62 Latrocínio 2 0 2 0 04 Lesão corporal (com morte) 0 12 2 0 14 Total 57 18 4 1 80 Fonte: PCRO

Mapa 13 - Crimes Violentos Letais Intencionais em Porto Velho - 2013

Fonte: PCRO Elaboração: Luiz Fredson França

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Tabela 17 – Mortes Violentas Letais Intencionais em Porto Velho - 2015

CVLI Meio empregado

Total Arma de fogo Arma branca Outros N. Inf.

Homicídio doloso 60 1 1 6 68

Latrocínio 6 2 0 0 08

Lesão corporal (com morte) 0 8 5 0 13

Total 66 11 6 6 89

Fonte: PCRO

Mapa 14 - Crimes Violentos Letais Intencionais em Porto Velho - 2015

Fonte: PCRO Elaboração: Luiz Fredson França

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Em 2010 foram registrados 97 crimes violentos letais intencionais na cidade de Porto

Velho (TAB. 14). Desse total, 81 foram classificados como homicídio doloso, sendo 71

atribuídos ao uso de arma de fogo e os demais com o uso de arma branca. A lesão corporal

seguida de morte teve 12 casos, superando 4 casos de latrocínio. Por meio do Mapa 11 é

possível ver uma concentração de CVLI, principalmente homicídios dolosos, mais a Leste da

cidade. Nesse mesmo ano somente o bairro São Francisco contabilizou (7) crimes violentos

letais intencionais, seguido dos bairros Mariana (4), Marcos Freire (4), Três Marias (4),

Agenor Martins de Carvalho (4), Centro (4), Ulisses Guimarães (4).

A população de Porto Velho é marcada pela tradição migratória. No início do século

XX, com o processo de urbanização, a cidade de Porto Velho tornou-se um mosaico cultural.

A cidade mistura hábitos e sotaques de todo o País.

Com a expansão demográfica incentivada a partir da década de 1980 a cidade de

Porto Velho apresentou altas taxas de crescimento migratório. Entre 2000 e 2010, auge da

construção das usinas do Rio Madeira, a indústria da construção civil atraiu muitas pessoas

para Porto Velho devido à abundante oferta de trabalho.

Dos anos pesquisados, 2010 foi o ano que superou os demais quanto aos registros de

CVLI. Uma explicação para isso pode estar no fato de que entre 2000 e 2010 a indústria da

construção civil atraiu um grande contingente de pessoas para trabalhar na construção das

usinas do rio Madeira. Ao final de 2010 as usinas de Santo Antônio e Jirau começam a

dispensar boa parte desses trabalhadores, pois o complexo entra em fase final de conclusão.

No ano de 2011 foram notificados 60 registros de CVLI na cidade (TAB. 15). Do

total, 50 casos de homicídio doloso, sendo 38 ocasionados por disparo de arma de fogo, 10

com o emprego de arma branca e dois sem informação do tipo de objeto utilizado no crime.

Em relação ao ano anterior os casos de latrocínio (7) ultrapassaram os casos de lesão corporal

com resultado morte (3). Conforme demonstra o Mapa 12 a dinâmica do crime muda dentro

do espaço urbano. Enquanto no lado norte e oeste os crimes violentos se dispersaram, no lado

sul e leste os crimes violentos se aglomeraram. Bairros como Mariana (5), Marcos Freire (5),

Caladinho (5) e Socialista (4) figuraram entre os que mais registraram CVLI nesse ano.

Em 2013 a cidade registrou 80 casos de CVLI (TAB. 16). Desse universo, 62 casos

foram de homicídio doloso, sendo 56 com arma de fogo e 5 teve como meio o emprego de

arma branca. Os casos de lesão corporal com resultado morte (14) superaram os casos

envolvendo latrocínio (4), inclusive os registrados nos anos anteriores. O Mapa 13 mostra que

apesar de a parte sul concentrar CVLI essa concentração ainda é menor que na parte leste.

Nesse caso específico o CVLI está indo cada vez mais até às bordas do perímetro urbano pelo

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lado leste, chegando a ultrapassá-lo, inclusive. São Francisco (7), Mariana (6), Caladinho (5),

Eletronorte (4) e Cidade Nova (4) foram bairros com maiores incidências de CVLI no ano.

Já no ano de 2015 os casos de CVLI subiram para 89 (TAB. 17). Ou seja, 68

homicídios dolosos, dos quais 60 foram efetuados por meio de disparo de arma de fogo, sendo

que em apenas em 8 casos o tipo de objeto utilizado se difere da arma de fogo. Os casos de

lesão corporal seguida de morte (13) superaram os casos de latrocínio (8). O Mapa 14 mostra

uma predominância de homicídios dolosos no lado leste da cidade e uma maior incidência de

lesão corporal com resultado morte no lado norte e oeste. O mapa mostra ainda que nesse

mesmo ano, assim como em 2013, os casos de homicídios seguiram aumentando para o lado

sul e leste, com predominância para este último, conforme apresentado pelos bairros

Esperança da Comunidade (5), Eletronorte (5), Igarapé (4) e Lagoa (4) foram os territórios

que mais registraram CVLI no ano de 2015.

Em quatro anos os registros policiais coletados somaram 326 eventos relacionados à

CVLI. Em outras palavras o período pesquisado revela 261 casos de homicídio doloso, 23

casos de latrocínio e 42 casos de lesão corporal seguida de morte. Nesse período a cada 100

mil habitantes, 22,6 morreram em decorrência de crimes violentos letais intencionais.

Na cidade de Porto Velho a maior parte dos eventos envolvendo o indicador CVLI

tem na categoria homicídio doloso seu maior expoente. Em todos os anos pesquisados o crime

de homicídio supera os demais crimes violentos letais intencionais. Eventos de latrocínio

estão dispersos por toda área urbana, mas em menor número. Isso pode estar relacionado ao

policiamento ostensivo, ou seja, a presença da polícia militar pode estar ajudando a conter os

roubos qualificados. Os crimes de lesão corporal seguida de morte também estão dispersos

pela cidade, mas em maior número em relação aos crimes de latrocínio. Crimes dessa

natureza são praticamente impossíveis de prever, já que acontecem em circunstâncias e

ambientes diversos e muitas vezes a motivação é considerada torpe.

Conforme mostra a Figura 16 a concentração de CVLI na cidade de Porto Velho se

situa em contextos bem definidos, ou seja, dentro do cinturão urbano, mas ultrapassa também

os limites perimetrais no sentido leste da cidade. Os marcadores na cor vermelha representam

os registros de homicídio doloso (80%), os marcadores na cor amarela os registros de

latrocínio (7%) e os marcadores na cor azul representam os registros de lesão corporal com

resultado morte (13%). Os casos de homicídio doloso estão entre os mais praticados no

contexto dos CVLI na cidade de Porto Velho.

Não se pode deixar de notar a aglomeração do crime de homicídio na parte mais ao

leste da cidade. Sem dúvida um reflexo da desigualdade dentro do espaço urbano.

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141

A Sociologia dispõe de muitas teorias para auxiliar na compreensão dos estudos do

desvio e do crime. Contudo, não existe uma teoria geral para a explicação desses fenômenos.

Agora, com base nos dados e informações sobre a criminalidade violenta em Porto Velho,

pode-se exemplificar como essas teorias se diferenciam e se complementam na explicação das

causas dos comportamentos desviantes de modo geral.

De acordo com a teoria do conflito é impossível imaginar alguma forma de

convivência humana sem qualquer tipo de ruído. Em qualquer ambiente social egoísmo e

solidariedade são fatores presentes na conduta dos indivíduos. Em uma sociedade complexa e

competitiva o interesse comum e a exclusividade são fatos que se chocam no interior das

relações sociais demonstrando que todas as unidades sociais são atravessadas por conflitos.

Nesse sentido, a corrente funcionalista ou organicista entende o desvio como

produtos de tensões estruturais e não fruto do indivíduo. O desvio preenche duas funções na

sociedade: adaptação e manutenção de limites. Ao permitir a introdução de novas ideias e

desafios, o desvio age como força inovadora, promovendo mudanças sociais. O desvio, assim

como o conflito, impulsiona a manutenção da fronteira entre o bem e o mal.

A teoria funcionalista defende que o crime é parte constitutiva da sociedade. Dentro

de certos limites a conduta criminosa é vista como parte integrante de uma sociedade, mas em

excesso é visto como uma patologia social. Nessa visão, tanto o crime quanto o desvio são

produzidos dentro de tensões estruturais entre indivíduo e sociedade.

Quando normas e padrões sociais sofrem falta de adesão, ocorre o enfraquecimento

dos laços sociais, instaurando-se um estado de anomia ou desordem em potencial.

Desorganização social ocorre quando normas sociais tem dificuldade para regular o

comportamento dos indivíduos. A teoria da desorganização social faz referência a um estado

universal de ―desmoralização‖, um estado em que as normas morais do grupo perdem

prestígio frente à conduta do indivíduo.

Pelos números de CVLI registrados em quatro anos não é possível afirmar que a

cidade de Porto Velho vive um completo estado de anomia. Isso confirmaria uma falta de

adesão generalizada às regras sociais por parte da população. Basta ver que em outras zonas

administrativas não há incidência de crimes violentos praticados nos anos pesquisados.

Mesmo que originalmente a cidade tenha em sua formação culturas diversas, não foi

evidenciado um quadro de desorganização social total ou de choque cultural.

De acordo com a teoria da tensão o desvio é uma possibilidade dada aos grupos

menos favorecidos economicamente. Isso não quer dizer que a escassez de recursos determina

as taxas de crimes entre as camadas mais pobres da sociedade, mas contribui.

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Conforme mostra o Mapa de Rendimento Médio Nominal Mensal por Domicilio em

Porto Velho em 2010 (Mapa 3), boa parte dos bairros com os maiores registros de homicídios

dolosos e rendimentos per capita de até um salário mínimo estão localizados na parte mais ao

leste da cidade. A teoria da tensão entende o crime como subproduto da desigualdade social e

da falta de oportunidades iguais para os indivíduos. Isso sugere um conflito entre a

desigualdade econômica e o local de moradia dos indivíduos. Aqueles que detêm menor poder

de compra acabam empurrados para as periferias da cidade de Porto Velho.

Ao sobrepor idealmente os bairros com maiores registros de CVLI junto aos bairros

que detém ocupações precárias, nota-se que de um conjunto de 20 bairros - Areal, Costa e

Silva, Triângulo, Santa Bárbara, São Sebastião, Nacional, Tucumanzal (Zona 1); Flodoaldo

Pontes Pinto (Zona 2); Eletronorte, Novo Horizonte (Zona3); Esperança da Comunidade,

Lagoinha, Três Marias, Pantanal, Planalto, Tancredo Neves (Zona 4); São Francisco (Zona 5);

Socialista, Jardim Santana, Nova Esperança (sem zona definida) - apenas quatro (Eletronorte,

Três Marias, São Francisco e Socialista) detém áreas com moradias precárias.

Obviamente que essa evidência não quer dizer que esses quatro ambientes podem ser

rotulados como locais extremamente violentos, mesmo com o elevado número de eventos de

CVLI. Por outro lado é importante frisar que os dados apontam que alguns bairros localizados

na região considerada central da cidade (lado oeste), onde as condições de acesso aos

equipamentos e serviços urbanos são maiores, onde a concentração de renda é maior, observa-

se uma menor incidência de CVLI. Nesse caso, podemos considerar que embora a pobreza

não possa ser ligada à violência e criminalidade de maneira direta, condicionantes sociais e

econômicas podem atuar na manutenção de ambos os fenômenos: pobreza e criminalidade.

A falta de condições mínimas de acesso a conveniências sociais e institucionais

possibilita que alguns grupos sociais sejam alvos preferenciais da violência e criminalidade,

principalmente em áreas carentes de equipamentos e serviços urbanos.

As armas de fogo se mostram um grande problema para as políticas de segurança

pública, já que os crimes de homicídio e latrocínio são na sua maioria praticados com o uso

deste tipo de objeto, conforme demonstrado nas tabelas 14, 15, 16 e 17. Os dados apontam

que os crimes praticados com o uso de arma de fogo são em maior número, indicando a

dificuldade em controlar o acesso a esse tipo de armamento. É pertinente lembrar que o

Município de Porto Velho é uma região de fronteira nacional e internacional.

O controle das nossas fronteiras ainda é um grande pesadelo para o setor de

segurança pública e para as Forças Armadas.

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143

A informação trazida sobre o uso massivo do emprego de arma de fogo nos casos de

homicídio e latrocínio, respectivamente, é algo a se pensar no tocante aos Decretos (n° 9.785

e n° 9.797/2019) da Presidência da República que permite a flexibilização da posse de arma

de fogo. Um controle rigoroso de armas e munições é considerado ponto central para o

enfrentamento do crime organizado. Com a proposta se pode imaginar o que deve acontecer

com um município que tem sérios problemas com o tráfico de armas e drogas e que preserva

uma fronteira de dimensão considerável com a Bolívia e com outros estados brasileiros.

O uso sistemático de arma de fogo na prática de crimes violentos letais intencionais

indica ainda: primeiro, a dificuldade em impedir o crime da passagem ao ato, pois existe um

cálculo racional implicado e um estímulo para o cometimento do crime; e segundo, que

podemos estar diante de práticas criminosas assimiladas socialmente.

A primeira hipótese está ligada à teoria do controle que defende que o crime ocorre

quando há um descompasso entre os estímulos em direção ao desvio e os controles (sociais ou

físicos) que o detém. A teoria do controle supõe que as pessoas agem racionalmente e que,

devido à oportunidade, qualquer indivíduo pode se envolver em atos criminosos.

Os postulantes dessa teoria afirmam que muitos tipos de crimes são produtos de

circunstancias, ou seja, uma pessoa vê uma oportunidade e simplesmente é motivada a agir.

Para alguns teóricos do controle o aumento nas taxas de crime é efeito do aumento do número

de oportunidades e alvos para o cometimento do delito. Na sociedade moderna à medida que a

população enriquece, o consumismo assume um papel decisivo na vida das pessoas. Os casos

de latrocínio são uma ilustração bastante emblemática a ser aplicada nesta teoria.

Para a teoria do controle existem vínculos que ligam as pessoas à sociedade e a

obediência às normas legais. A fraqueza dos vínculos sociais deixa o indivíduo descontrolado,

de forma que esses elos que o ligam à sociedade e ao comportamento de obediência às normas

operam de forma positiva ou negativa. Quando esses elementos que ligam os indivíduos às

normas são fortes o suficiente, auxiliam para manter o controle social e a conformidade

fazendo com que as pessoas não se sintam livres para contrariar as regras. No entanto, se

esses elos com a sociedade forem fracos, o resultado pode ser o desvio.

O segundo aspecto vinculado ao uso em larga escala da arma de fogo para a

realização dos crimes indica que pode estar havendo uma associação diferencial, um

comportamento desviante apreendido.

A teoria da associação diferencial alega que em uma sociedade com uma variedade

de subculturas, alguns ambientes sociais funcionam como estimulantes às atividades ilegais

ao passo que outras subculturas não. Os indivíduos tornam-se delinquentes simplesmente pela

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associação com pessoas também delinquentes. Na maior parte dos casos o comportamento

criminoso é aprendido dentro de grupos primários (família), especialmente, grupos formados

por pessoas de idades ou status semelhantes. Nesse caso, tanto os crimes passionais quanto

outros crimes violentos com motivações diversas podem estar sendo gestados dentro das

subculturas dos bairros mais afastados da região central de Porto Velho.

Todo comportamento (criminoso ou não) é aprendido devido relações estabelecidas

com outros indivíduos, destacando que a parte mais importante do processo de aprendizagem

se dá no seio de grupos primários. Embora demonstre necessidades e valores gerais, o

comportamento criminoso não pode ser explicado por esses referenciais, tendo em vista que o

comportamento não-criminoso reflete iguais necessidades e valores. As fontes motivacionais

do comportamento são as mesmas tanto para o não-conformista quanto para o conformista, a

diferença reside no fato de que os objetivos lançados pelo criminoso são alcançados com a

utilização de meios ilícitos e muitas vezes violentos.

A construção de uma abordagem sociológica sobre a conflitualidade parte de duas

questões sociais latentes: o crime e a violência. A Sociologia da conflitualidade, objetiva

analisar as relações entre o aumento dos conflitos sociais, a fratura dos laços sociais e a

expansão da violência difusa nas sociedades contemporâneas.

Em tempos atuais crescem os fenômenos da violência difusa e as dificuldades das

sociedades e dos Estados em enfrentá-los. Dessa maneira o Estado perde o monopólio de

violência legítima. Isso divulga as novas fronteiras da formação política da ―modernidade

tardia‖, já que os laços de interação social estão sendo orientados por modos violentos de

sociabilidade, alterando as expectativas do processo civilizatório em curso.

Para Tavares dos Santos (2009) a modernidade tardia se caracteriza pela repetição da

exclusão social, disseminação das violências, ruptura dos laços sociais e desfiliação de

algumas categorias sociais, sendo a juventude uma das suas maiores vítimas.

A sociologia da conflitualidade se situa no contexto da globalização econômica e da

mundialização das contradições e conflitos sociais. Essas contradições incidem, por vezes, na

constituição de novas formas sociais, conflitualidades no espaço-tempo mundial, ameaçando a

consolidação da democracia pelo mundo. Esse novo espaço social mundial de conflitualidades

pode ser evidenciado quando se constata transformações relevantes em instituições como

família, escola, fábricas, religiões, no sistema de justiça criminal (polícias, tribunais,

manicômios judiciários, prisões), interferindo e refletindo no processo de socialização do

indivíduo. Para Tavares dos Santos essas instituições, primárias e secundárias, estão

profundamente mergulhadas em um processo de desinstitucionalização.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho procurou pesquisar a criminalidade urbana na cidade de Porto

Velho, capital do Estado de Rondônia.

A cidade de Porto Velho continua mantendo papel importante no palco político

desde a instalação do Estado de Rondônia na década de 1980. Verificando a importância de

seu peso econômico no contexto regional, suas condições estratégicas no plano das trocas

comerciais com grandes centros urbanos do país e também com o exterior, o plano nacional

de produção de energia elétrica com o Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira, sua densidade

demográfica, podemos classificar Porto Velho, dentro da faixa de tamanho de cidades, como

uma cidade de médio porte erigida no início do século XX em plena Amazônia Ocidental.

O Município de Porto Velho está localizado ao lado direito do Rio Madeira e ao

extremo noroeste do Estado de Rondônia na Região Norte do país. De forma privilegiada o

Município além de se situar às margens do trecho navegável do rio Madeira, se localiza no

entroncamento de duas importantes rodovias da região (BR-364 e BR-329), se configurando

como um polo de articulação entre o Norte e o Sul entre outros destinos. Sua área equivale a

34.090,96 Km2, ou seja, 15% da porção territorial de Rondônia. É considerada a capital com

maior extensão territorial do país. Informações do IBGE dão conta de que entre 2010 a 2016 a

densidade demográfica passou de 12,57 para 14,99 hab/Km2.

O Município de Porto Velho é composto por 12 distritos, sendo o distrito sede, Porto

Velho, o mais urbanizado entre os demais. Nos dias atuais o Município tem estimado uma

população de mais de 500 mil pessoas, o que corresponde a 1/3 dos habitantes do estado.

O Município de Porto Velho bem como o Estado de Rondônia tem seu surgimento e

desenvolvimento vinculado à construção da estrada de ferro Madeira-Mamoré aliado a

diferentes ciclos econômicos. A história narra que tanto o Município quanto o Estado foram

vitimados pelo extrativismo vegetal (drogas do sertão, madeireiras) e mineral (garimpos de

ouro e cassiterita) em diversos momentos de sua formação. Isso acabou condicionando o local

aos períodos de prosperidade e decadência dos ciclos econômicos. O último ciclo foi o da

construção das usinas do rio Madeira no início da década de 2000.

A cidade é muito mais do que um aglomerado de pessoas vivendo em um espaço em

busca de conveniências sociais, pois a cidade é um local de trocas. A cidade reproduz mais

que um conjunto de dispositivos administrativos, pois está além da burocracia. A cidade é

antes um corpo de costumes e tradições transmitidos pela socialização. O urbanismo é o

elemento que age sobre o físico e o simbólico, dando forma à cidade.

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A formação da população de Porto Velho é marcada pela tradição migratória. Com a

expansão demográfica incentivada a partir da década de 1980, a cidade de Porto Velho

apresentou altas taxas de crescimento migratório. Entre 2000 e 2010 as usinas de Jirau e Santo

atraíram expressivo número de pessoas de todo o país, impulsionadas por novas

possibilidades de vida, principalmente devido à abundante oferta de trabalho no setor de

comércio e da indústria da construção civil. Dessa forma as usinas do rio Madeira

redesenharam novamente a paisagem local.

A pesquisa tratou como objetivo geral analisar se determinado conjunto de elementos

ligados ao aspecto de urbanização influenciam diretamente na concentração espacial e

dinâmica de crimes violentos letais na cidade de Porto Velho, Rondônia.

Os objetivos específicos foram distribuídos da seguinte maneira: a) Apresentação de

conceitos e teorias relacionadas à violência e crime; b) Coleta de registros de homicídio

doloso, roubo seguido de morte e lesão corporal com resultado morte nos anos 2010, 2011,

2013 e 2015 ocorridos na unidade de análise; d) Análise da possível relação entre serviços e

equipamentos urbanos e concentração de CVLI na cidade de Porto Velho.

O estudo procurou reunir dados e informações com o propósito de responder em que

medida o fenômeno urbanização se relaciona com a dinâmica e concentração espacial de

crimes violentos letais no perímetro urbano de uma cidade de médio porte da Amazônia

Legal.

Em quatro anos os registros policiais coletados somaram 326 eventos relacionados à

CVLI. Em outras palavras o período pesquisado revela 261 casos de homicídio doloso, 23

casos de latrocínio e 42 casos de lesão corporal seguida de morte. Nesse período a cada 100

mil habitantes, 22,6 morreram em decorrência de crimes violentos letais intencionais. Os

crimes de homicídio doloso representaram 80%; os registros de latrocínio 7%; enquanto os

registros de lesão corporal com resultado morte 13%. Os casos de homicídio doloso estão

entre os mais praticados no contexto dos CVLI na cidade de Porto Velho.

Na cidade de Porto Velho a maior parte dos eventos envolvendo o indicador CVLI

tem na categoria homicídio doloso seu maior expoente. Em todos os anos pesquisados o crime

de homicídio supera os demais crimes violentos letais intencionais. Eventos de latrocínio

estão dispersos por toda área urbana, mas em menor número. Isso pode estar relacionado ao

policiamento ostensivo, ou seja, a presença da polícia militar pode estar ajudando a conter os

roubos qualificados. Os crimes de lesão corporal seguida de morte também estão dispersos

pela cidade, mas em maior número em relação aos crimes de latrocínio. Crimes dessa

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natureza são praticamente impossíveis de prever, já que acontecem em circunstâncias e

ambientes diversos e muitas vezes a motivação é considerada torpe.

A concentração de CVLI na cidade de Porto Velho se situa em contextos bem

definidos, ou seja, dentro do cinturão urbano, mas ultrapassa também os limites perimetrais

no sentido leste da cidade.

Os crimes violentos letais intencionais e as análises decorrentes desse indicador são

ferramentas com o intuito de evitar o desperdício de vidas humanas num país que conta com

mais de 60 mil homicídios dolosos em um único ano. CVLI não é somente uma sigla, sua

intenção é criar modelos estatísticos que ajudem na preservação da vida como patrimônio

maior dos cidadãos e cidadãs, refletindo na organização do espaço urbano ou rural. Técnicas

estatísticas e análise da criminalidade devem ser vistos como medidas efetivas que auxiliem

na diminuição dos crimes, principalmente violentos, e aumento da sensação de segurança.

O crime de homicídio doloso tem relação com diversas atividades ilícitas, inclusive

com o consumo e tráfico de drogas. Isso é um dado a ser explorado pelos setores de

inteligência das polícias militar e civil do Estado de Rondônia para a produção de relatórios

visando mapear os pontos de comércio de drogas. A realização de constantes operações

policiais pode ajudar a minimizar o sentimento de insegurança da população afetada, além dos

tipos de crimes já evidenciados.

As armas de fogo se mostram um grande problema para as políticas de segurança

pública, já que os crimes de homicídio e latrocínio são na sua maioria praticados com o uso

deste tipo de objeto, conforme demonstrado nas tabelas 14, 15, 16 e 17. Os dados apontam

que os crimes praticados com o uso de arma de fogo são em maior número, indicando a

dificuldade em controlar o acesso a esse tipo de armamento. É pertinente lembrar que o

Município de Porto Velho é uma região de fronteira nacional e internacional.

Apesar dos dados mostrarem uma concentração espacial de CVLI no lado mais

populoso e pobre da cidade, a Zona Leste, a hipótese lançada não pode ser confirmada, tendo

em vista que as variáveis relacionadas à urbanização apresentadas não foram suficientes para

estabelecer uma ligação direta com a concentração de crimes violentos letais intencionais.

Lembrando que a hipótese avaliada diz: se, no contexto urbano, considerarmos a

urbanização como um conjunto de elementos capaz de elevar a qualidade das condições de

existência dos indivíduos, diminuindo, inclusive, a percepção do medo e insegurança, ou seja,

influenciando diretamente no processo de organização e desorganização social; então, é

possível que a dinâmica e concentração espacial de crimes violentos em zonas urbanas pode

estar relacionada à falta de condições de acesso aos equipamentos e serviços urbanos.

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Para todos os efeitos a ação não-violenta, fundada na ética, é a única capaz de

promover o encontro profícuo de homens e mulheres por meio do diálogo. A presença da

violência e do crime faz surgir o medo e esvazia a esperança dos homens, tendo efeitos

devastadores sobre a capacidade da sociedade de articular-se politicamente, ofício nobre da

nossa espécie. Nesse entendimento a política é uma prática oposta à violência, pois a

violência traz como resultado a desordem e o caos, impossibilitando a criação do espaço

público para a efetividade da ação política. Significa que quando não existe espaço para a

política, abre-se espaço para a violência. Os espaços públicos devem ser ocupados para o bem

da democracia e organização da sociedade.

Tendo em vista que as variáveis relacionadas à urbanização apresentadas aqui não

foram suficientes para estabelecer uma ligação direta com a criminalidade violenta letal, a

hipótese lançada não pode ser totalmente confirmada. A metodologia empregada no trabalho

não se mostrou adequada o suficiente para afirmar com segurança que os crimes violentos

letais intencionais no perímetro urbano da cidade de Porto Velho estão associados à falta ou

precariedade de equipamentos e serviços urbanos das zonas urbanas. No entanto, o trabalho

deixa sua contribuição no sentido de tentar buscar por novas perspectivas metodológicas para

o estudo da criminalidade urbana na cidade de Porto Velho.

A inexistência de uma metodologia universal para o estudo da violência e da

criminalidade faz com que a produção de novas metodologias aplicadas ao estudo da

violência urbana seja sempre motivo para o exercício da imaginação sociológica. Nesse

sentido é preciso seguir nos estudos para aprofundar-se nas análises dos dados coletados e nas

interpretações dos crimes violentos letais intencionais e sua relação com o espaço urbano da

cidade de Porto Velho em constante expansão.

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