resenha da variação linguisitica

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Web-Revista SOCIODIALETO www.sociodialeto.com.br Bacharelado e Licenciatura em Letras UEMS/Campo Grande Mestrado em Letras UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 Volume 5 Número 14 novembro 2014 Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 5, nº 14, nov. 2014 197 O SUJEITO ATIVO-SOCIAL BAKHTINIANO E A VARIAÇÃO LINGUÍSTICA NO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA PARA O ENSINO MÉDIO FRENTE AO CONTEXTO DE UMA REGIÃO DE IMIGRANTES EUROPEUS Marcia Rejane Kristiuk (PPGL UNIRITTER )1 [email protected] RESUMO: A proposta do texto tem o objetivo de realizar estudos sobre a variação linguística do aluno de ensino médio ao enunciar o seu discurso em um contexto constituído por imigrantes europeus na região de Frederico Westphalen RS através da relação entre a cultura dos imigrantes italianos em contato com a língua portuguesa. O trabalho também veicula a prática de ensino da disciplina de língua portuguesa no curso técnico em Agropecuária de escola pública federal, respeitando a linguagem desta comunidade. Esta análise como se trata de uma breve discussão vou buscar observar os relatórios de setores em que os alunos realizam atividades práticas em bovinocultura, fruticultura, suinocultura, entre outros e têm que registrar suas observações em um caderno de campo. Através deste caderno de campo pode-se observar a produção textual nos relatórios. O discurso do aluno será analisado aqui levando em consideração os pressupostos teóricos de Bakhtin. PALAVRAS-CHAVE: variação linguística; língua portuguesa; cultura de imigração europeia; produção textual; sujeito ativo-social bakhtiniano. ABSTRACT: The proposed text aims to carry out research on language variation from high school student to enunciate your speech in a context constituted by European immigrants in the area of Frederico Westphalen - RS through the relation between the culture of Italian immigrants in touch with language Portuguese. The work also conveys the teaching practice of the discipline of Portuguese language in the technical course in Agriculture from federal public school, respecting the language of this community. This analysis as it is a short discussion will seek to observe the reports of sectors in which students undertake practical activities in cattle, fruit, pig farming, among others and they have to register your observations on a field notebook. Through this field notebook can observe the textual production in reports. The student's speech is here analyzed taking into account the theoretical presumptions of Bakhtin. KEYWORDS: language variation; portuguese language; the culture of European immigration; textual production; bakhtinian‟s subject active-social. 1 Mestre em Letras: Estudos Literários (2008), pela URI - Frederico Westphalen. Doutoranda em Letras: Estudos de Linguagem (atual). UNIRITTER - Porto Alegre, RS. E-mail: [email protected]

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Resenha da variação linguistica

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    Web-Revista SOCIODIALETO: Bach., Linc., Mestrado Letras UEMS/Campo Grande, v. 5, n 14, nov. 2014 197

    O SUJEITO ATIVO-SOCIAL BAKHTINIANO E A VARIAO

    LINGUSTICA NO ENSINO DA LNGUA PORTUGUESA PARA O

    ENSINO MDIO FRENTE AO CONTEXTO DE UMA REGIO DE

    IMIGRANTES EUROPEUS

    Marcia Rejane Kristiuk (PPGL UNIRITTER)1 [email protected]

    RESUMO: A proposta do texto tem o objetivo de realizar estudos sobre a variao lingustica do aluno

    de ensino mdio ao enunciar o seu discurso em um contexto constitudo por imigrantes europeus na

    regio de Frederico Westphalen RS atravs da relao entre a cultura dos imigrantes italianos em contato com a lngua portuguesa. O trabalho tambm veicula a prtica de ensino da disciplina de lngua

    portuguesa no curso tcnico em Agropecuria de escola pblica federal, respeitando a linguagem desta

    comunidade. Esta anlise como se trata de uma breve discusso vou buscar observar os relatrios de

    setores em que os alunos realizam atividades prticas em bovinocultura, fruticultura, suinocultura, entre

    outros e tm que registrar suas observaes em um caderno de campo. Atravs deste caderno de campo

    pode-se observar a produo textual nos relatrios. O discurso do aluno ser analisado aqui levando em

    considerao os pressupostos tericos de Bakhtin.

    PALAVRAS-CHAVE: variao lingustica; lngua portuguesa; cultura de imigrao europeia; produo

    textual; sujeito ativo-social bakhtiniano.

    ABSTRACT: The proposed text aims to carry out research on language variation from high school

    student to enunciate your speech in a context constituted by European immigrants in the area of Frederico

    Westphalen - RS through the relation between the culture of Italian immigrants in touch with language

    Portuguese. The work also conveys the teaching practice of the discipline of Portuguese language in the

    technical course in Agriculture from federal public school, respecting the language of this community.

    This analysis as it is a short discussion will seek to observe the reports of sectors in which students

    undertake practical activities in cattle, fruit, pig farming, among others and they have to register your

    observations on a field notebook. Through this field notebook can observe the textual production in

    reports. The student's speech is here analyzed taking into account the theoretical presumptions of Bakhtin.

    KEYWORDS: language variation; portuguese language; the culture of European immigration; textual

    production; bakhtinians subject active-social.

    1 Mestre em Letras: Estudos Literrios (2008), pela URI - Frederico Westphalen. Doutoranda em Letras:

    Estudos de Linguagem (atual). UNIRITTER - Porto Alegre, RS. E-mail: [email protected]

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    Introduo

    Busca-se realizar um trabalho de reconhecimento da linguagem do aluno para

    direcionar o seu aprendizado na lngua portuguesa padro em um curso tcnico que visa

    profissionaliz-lo para atuar com sucesso no mercado de trabalho. Assim, entender a

    linguagem: um contexto bilngue, em que o aluno est inserido proporcionar maior

    interao no aprendizado da lngua portuguesa, sem deixar de construir a valorizao

    cultural que traz a imigrao. Isso porque um fator que o identifica frente sociedade

    em que est inserido.

    A realidade avaliada de alunos do ensino mdio do curso Tcnico em

    Agropecuria no ensino pblico federal, situado na regio de Frederico Westphalen, em

    que a populao constituda por imigrantes europeus como italianos, poloneses, russos

    em contato com a lngua portuguesa. Assim, discute-se a conscientizao e as formas de

    valorizar a diversidade da lngua falada, facilitando o trabalho do professor na disciplina

    de lngua portuguesa e compreender aes didticas que reconheam essa realidade.

    Como docente de ensino mdio posso dizer que nas produes dos nossos alunos

    encontra-se marcas de contatos de diferentes lnguas ao se pronunciarem em suas

    produes orais e escritas. Objetiva-se investigar as produes dos alunos a fim de

    perceber as marcas da oralidade na escrita que trazem um histrico de fluxo muito

    grande de imigrao europeia, refletindo a histria de formao dessa sociedade e dos

    hbitos, linguagem e diversidade cultural em contato com outra cultura.

    A realidade social de um contexto bilngue do contato da lngua portuguesa com a

    do imigrante europeu

    O contato da lngua portuguesa com as lnguas de imigrao europeia j trs um

    histrico longnquo. Nesse contato percebe-se uma realidade em que o imigrante ao

    aprender a lngua portuguesa institui uma variante lingustica particular da fuso das

    duas lnguas. Nesse sentido, na regio de Frederico Westphalen-RS percebe-se

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    caractersticas prprias de linguagem. Mas como percebido isso? Acompanho essa

    realidade sendo professora de portugus e espanhol no curso tcnico em Agropecuria e

    percebo caractersticas particulares na linguagem do aluno.

    Segundo Tarallo (2005, p.6) A cada situao de fala em que nos inserimos e da

    qual participamos, notamos que a lngua falada , a um s tempo, heterognea e

    diversificada. Nessa perspectiva os sociolinguistas entendem que a lngua um veculo

    de comunicao, de informao e de expresso entre as pessoas de uma comunidade.

    William Labov insistia na relao entre lngua e sociedade e tambm a possibilidade,

    virtual e real, em haver a sistematizao da variao lingustica existente que prpria

    da lngua falada.

    Estudar a lngua falada em situaes naturais de comunicao para poder coletar

    a quantidade necessria de material sem que a presena do pesquisador interfira na

    naturalidade que se objetiva da situao de comunicao. Ento o pesquisador da rea

    da sociolingustica deve participar diretamente da interao. Por isso, sendo o principal

    interessado na comunidade como um todo buscar o mtodo da observao no momento

    de contato com a comunidade de falantes. A interao direta uma necessidade imposta

    pela prpria orientao terica.

    O pesquisador sociolinguista sempre busca coletar: 1. Situaes naturais de

    comunicao lingustica e 2. Grande quantidade de material, de boa qualidade sonora.

    Seja qual for a natureza de comunicao, o pesquisador ao selecionar seus informantes

    ter contato com falantes que variam segundo classe social, faixa etria, etnia e sexo

    (TARALLO, 2005, p. 21). Portanto no recorte dessa pesquisa, o que mais relevante

    a questo de etnia, uma vez que se trabalhar com produes escritas de alunos que so

    descendentes de imigrantes europeus.

    Nesse estudo relevante falar do contato da lngua europeia com a lngua

    portuguesa, pois se institui o comportamento bilngue, porque algumas famlias ainda

    conservam a lngua da imigrao. Diante do fato despertou o interesse em investigar

    como o imigrante se sentia ao chegar escola e o professor ignorar sua condio e

    apenas trabalhar com o portugus padro. Logo, pensar no tratamento das lnguas de

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    imigrantes pelo estado representar uma realidade que segundo Altenhofen (2004, p.

    83).

    Ao lado das questes lingusticas ligada ao ensino de portugus, aos direitos

    das populaes indgenas no Brasil e s relaes entre os pases membros do

    Mercosul, as questes ligadas s lnguas de imigrantes talvez sejam as que

    mais se encontram em aberto, no contexto brasileiro, tanto em termos da

    necessidade de uma educao mais adequada s situaes de bilinguismo,

    quanto em relao a prpria defesa dos direitos lingusticos e carncia de

    pesquisas que deem conta da complexidade das relaes sociais e lingusticas

    presentes nessas reas. Historicamente, pode-se dizer, a poltica lingustica

    para essas populaes de imigrantes alternou entre momentos de indiferena

    e de imposio severa de medidas prescritivas e proscritivas.

    O pesquisador Altenhofen (2004) argumenta que falta voz e visibilidade s

    lnguas de imigrantes e s situaes de bilinguismo no Brasil. preciso incluir aos

    dilogos sobre poltica lingustica e ensino de lnguas. Ao mencionar Calvet, declara

    que no importa o grupo que pode elaborar uma poltica lingustica, sendo uma delas a

    famlia por ser uma identidade menor. Portanto, enfatiza que o Estado tem esse poder e

    os meios de passar ao estgio do planejamento, de pr em prtica as escolhas

    lingusticas. (Calvet apud ALTENHOFEN, 2004, P. 85)

    H que se considerar situaes de contatos lingusticos entre o portugus e as

    lnguas de imigrantes. Assim as instncias menores, como escola, famlia, igreja ou

    administrao local devem ser respeitadas em suas decises e escolhas. Se olharmos o

    exemplo da famlia, quando os pais bilngues decidem ou no ensinar aos filhos a lngua

    minoritria, porque assumem uma deciso poltica. No entanto, quando a escola

    probe o uso da lngua minoritria em sala de aula, quando ignora o papel da lngua do

    aluno no processo de alfabetizao e de socializao, assume uma poltica nitidamente

    excludente (ALTENHOFEN, 2004, P. 86)

    So frequentes os juzos de valor depreciativo sobre as lnguas minoritrias e

    colocada na condio de submissa lngua oficial, o portugus. As pesquisas aqui

    visam buscar uma compreenso maior por parte do professor da disciplina de portugus

    veiculada em um local de imigrao. Uma vez que se tenha maior compreenso de

    aspectos como defendidos por Altenhofen (2004): a) opresso ou distoro do

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    bilinguismo na escola: preconceitos lingusticos; b) generalizao do monolinguismo:

    ideologias e concepes ligadas lngua oficial e c) omisso ou ausncia do

    bilinguismo no planejamento escolar: a metfora do campo de silncio; poder se ter

    uma educao mais justa e adequada. Dessa forma, a ao docente se pautar no

    respeito aos direitos lingusticos do aluno e no desenvolvimento pleno de suas

    capacidades.

    Reflexes sobre a constituio do sujeito bakhtiniano

    necessrio que haja um redirecionamento do olhar do professor de lngua

    portuguesa em sala de aula, uma vez que o ensino-aprendizagem envolve o

    conhecimento cultural do aluno. No caso a discusso pautada na situao do contato

    da lngua do imigrante com o do portugus e isso no um mundo parte para o

    aprendizado do aluno, e sim sua realidade. Refletem, nesse meio, questes de formao

    de cultura e o bilinguismo que surge a partir do contato com duas lnguas.

    O linguista Ferdinand Saussure (apud SILVA, 2000) j dizia que a linguagem

    fundamentalmente um sistema de diferenas. Esta ideia se assemelha com a identidade e

    a diferena como elementos que possuem sentido no interior de uma cadeia de

    diferenciao lingustica, em que ser isto significa no ser isto e no ser aquilo e

    no ser mais aquilo. Observa ainda que os signos no tm valor absoluto e que no

    tem sentido se considerarmos isoladamente. E que s adquire valor, ou sentido, quando

    est numa cadeia infinita de outras marcas grficas ou fonticas que so diferentes dele.

    Ao mesmo tempo se questiona a linguagem, porque ela vacila muito

    ocasionando indeterminaes. A linguagem entendida como um sistema de

    significaes tambm uma estrutura instvel, pois tericos ps-estruturalistas como

    Jacques Derrida vm tentando dizer isso nos ltimos anos. A linguagem vacila. Ou, nas

    palavras do linguista Edward Sapir (1921), todas as gramticas vazam (SILVA,

    2000, p. 78).

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    A tentativa trabalhar com um sujeito que rompe a hegemonia da significao

    interna do sistema lingustico e abra caminho para se destacar elementos que remetem

    ao exterior. Dessa forma, desenvolveu-se o estudo da linguagem na direo da

    subjetividade de um sujeito que busca a funo comunicativa na interao social.

    A teoria da enunciao considera o sujeito como centro de reflexo da

    linguagem, distinguindo enunciado (o j realizado) de enunciao (ato de produzir o

    enunciado). Nesse processo, buscando o sujeito em pressupostos tericos bakhtinianos,

    aparece a enunciao como fenmeno social, em vez de individual, na relao com a

    sociedade. Aqui a palavra dialgica e determinada por quem a emite quanto para

    quem emitida.

    As formas de manifestao da conscincia do sujeito no so idnticas, ou seja,

    variam de acordo com as relaes sociais que o indivduo estabelece. Isso o que

    Bakhtin (1981, p. 115) afirma: quanto mais forte, mais bem organizada e diferenciada

    for a coletividade no interior do qual o indivduo se orienta, mais distinto e complexo

    ser o seu mundo interior. Assim, a conscincia do sujeito tem origem social.

    O sujeito se constitui como tal medida que interage com os outros. Sua

    conscincia e seu conhecimento do mundo resultam como produto sempre inacabado

    deste mesmo processo no qual o sujeito internaliza a linguagem e constitui-se como ser

    social.

    Sendo a palavra um fenmeno social justifica a escolha de trabalhar neste texto a

    produo textual dos relatrios de campo dos alunos de ensino mdio. A linguagem que

    expressam e a forma como interpem seus discursos demonstra valores e marcas na fala

    com variaes lingusticas provenientes do meio social em que vivem, sendo esta

    situao de bilinguismo, do contato da lngua portuguesa com a do imigrante europeu.

    Procurar-se- compilar alguns pontos da teoria de Bakhtin que demonstra a

    intersubjetividade da linguagem, em que se estabelece as relaes entre os participantes

    da interao. Neste sentido, far com que o outro irrompa na linguagem (BAKHTIN,

    1981).

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    Se formos olhar o sujeito que Benveniste (GUIMARES, 1995) constri,

    distancia-se do que prope Bakhtin. Emile Benveniste ressalta que o sentido do

    enunciado sempre determinado pelo falante, uma vez que a apropriao da lngua se

    d pelo individual e no pelo social. Dessa forma, o locutor se apropria dela para

    enunciar a sua posio, manifestando-se atravs de marcas lingusticas. O sujeito

    determinado como fonte do dizer, como fonte do sentido.

    Ao contrrio de Benveniste, Bakhtin destaca o carter social da lngua, elegendo

    como objeto de estudo a fala. Esta est ligada s estruturas sociais, considerando a

    constituio ideolgica do enunciado.

    A verdadeira substncia da lngua no constituda nem por um sistema abstrato

    (objetivismo), nem pela enunciao monolgica isolada (individualismo), mas se

    constitui na interao verbal que se realiza na enunciao (BAKHTIN, 1981). A ideia

    de sujeito, na viso de Bakhtin, aquele que concebe o dialogismo como constitutivo da

    linguagem e condio de sentido do discurso.

    O dilogo no se limita apenas comunicao entre pessoas colocadas face a

    face, mas abrange todo o processo verbal (falado ou escrito) e no verbal. Percebe-se na

    afirmao de Bakhtin (1981, p. 123) que qualquer enunciao,

    por mais significativa e completa que seja, constitui apenas uma frao de

    uma corrente de comunicao verbal ininterrupta (concernente vida

    cotidiana, literatura, ao conhecimento, poltica, etc.). Mas essa

    comunicao verbal ininterrupta constitui, por sua vez, apenas um momento

    na evoluo contnua, em todas as direes de um grupo social determinado.

    A linguagem est sempre em movimento (BAKHTIN, 1992, p. 290), ou seja, ela

    sempre inacabada, suscetvel de renovao pela dependncia da compreenso que

    acontece no dilogo. Como o sujeito traz em si as vozes que o antecedem, um mundo

    que j foi articulado e compreendido, logo, estabelece-se no dialogismo. Nesse sentido,

    constri-se sujeitos produtores de sentido, em que h uma ruptura da viso de sujeito

    inofensivo insero social, como com a viso de sujeito assujeitado, submetido ao

    ambiente scio histrico. Defende-se aqui um sujeito constitudo nas prticas sociais

    concretas, capaz de fazer escolhas, ainda mais, capaz de intervir na realidade, tendo

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    sucesso nessa interveno quanto maior for o conhecimento que a subjetividade tiver na

    objetividade posta.

    A palavra sempre apresenta duas faces. Ela determinada tanto pelo fato de que

    precede de algum, como pelo fato de que se dirige para algum. Constitui-se o produto

    da interao do locutor e do ouvinte. Toda palavra serve de expresso a um em relao a

    outro (BAKHTIN, 1981, p. 113).

    A enunciao um elo na cadeia dos atos da fala (BAKHTIN, 1981, p. 98).

    Assim como, a alteridade constitutiva do sujeito, isso quer dizer, na fala de um sempre

    h a fala do outro. Assim, o eu no apenas aquele que se enuncia como eu, mas pode

    ser o porta-voz de muitas outras vozes.

    A enunciao enquanto tal um puro produto da interao social, quer se

    trate de um ato de fala determinado pela situao imediata ou pelo contexto

    mais amplo que constitui o conjunto das condies de vida de uma

    determinada comunidade lingustica. (Bakhtin, 1981, p. 107).

    As relaes sociais so fundamentos dos sujeitos. As relaes Eu-Outro o

    princpio constitutivo do sujeito (BAKHTIN, 1992). Logo, a alteridade e a dialogia so

    os pilares do pensamento bakhtiniano. O autor russo salienta a diferena de lugares, de

    posies e de valores de cada sujeito.

    O pensamento dialgico percebido por Amorin (2003, p. 14) enfatiza que

    Meu olhar sobre o outro no coincide nunca com o olhar que ele tem de si mesmo.

    Desse modo, Bakhtin pressupe o Outro como existente, ser expressivo e falante que

    nunca coincide consigo mesmo e por isso inesgotvel em seu sentido e significado.

    A realidade contextual do sentido no enunciado est determinado pela

    interao de vozes, representantes de diferentes posies sociais e ideolgicas na

    sociedade. Alm disso, a lngua na perspectiva da interao demonstra que o social

    inseparvel do ideolgico e o signo caracteriza-se como varivel e flexvel. Nesse

    sentido, a enunciao orientada pelo contexto, por situaes precisas (BARROS,

    1997).

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    Percebendo o dialogismo como permanente dilogo (BRAIT, 1997), vai-se

    destacar comportamentos nem sempre simtricos e harmoniosos, isto porque os

    diferentes discursos existentes configuram uma comunidade, uma cultura, uma

    sociedade. Temos ento, instituda a natureza interdiscursiva da linguagem. Em outra

    perspectiva, o dialogismo segundo Brait (1997, p. 98) estabelece relaes entre o eu e

    o outro nos processos discursivos instaurados historicamente pelos sujeitos, que, por sua

    vez instauram-se e so instaurados por esses discursos.

    Por isso o dialogismo no apenas a orientao da palavra ao outro, vai alm.

    Isso quer dizer, o confrontamento, no enunciado, de vozes ideolgicas de um grupo

    social, num momento e lugar historicamente determinados. O sujeito percorre um

    processo de tenso entre o eu e o tu, sendo o dialogismo bakhtiniano a interao

    entre locutor e destinatrio. Nas palavras de Bakhtin (1992, p. 316) O enunciado est

    repleto dos ecos e lembranas de outros enunciados, aos quais est vinculado no interior

    de uma esfera comum da comunicao verbal.

    Ao fazer o percurso enunciativo neste texto pretende-se colocar o sujeito no

    centro da reflexo da linguagem. O destaque pretendido o sujeito pautado nos

    pressupostos tericos de Bakhtin. O terico russo v o sujeito como constitutivo do

    sentido. Defende a interao entre o locutor e o alocutrio, em que o sentido instala-se

    no espao entre o eu e o tu, ou entre eu e o outro. Assim, a enunciao configura-se

    como um fenmeno social e no individual.

    A cultura local representa essa convivncia de diferentes lnguas em que a lngua

    portuguesa prevaleceu. O sujeito, aluno de ensino mdio, que queremos analisar

    representa seus escritos expressando sua realidade. O imigrante influenciado pela

    cultura local a instituir como primeira lngua o Portugus, deixando a sua lngua, a do

    lar, de lado. Nisso se constitui a lngua falada na regio com variantes peculiares.

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    Produes textuais dos alunos refletindo a enunciao caracterizada pela cultura

    local (repensando o Ensino da Lngua Portuguesa como disciplina no ensino mdio

    diante a variao lingustica local)

    Para falar da disciplina de Lngua Portuguesa frente realidade de uma

    comunidade de imigrantes europeus, com variao lingustica especfica e a situao de

    bilinguismo local, necessrio situarmos a instituio que se est atuando na

    comunidade de Frederico Westphalen, RS. A anlise desse texto de natureza breve, at

    porque se quisssemos aprofundar a temtica renderia uma longa pesquisa e se relaciona

    a turmas do ensino mdio do curso Tcnico em Agropecuria do ensino pblico federal.

    Sero avaliadas as produes textuais dos relatrios dos cadernos de campo que so

    realizados semanalmente devido s aulas prticas que ocorrem em setores de produo

    animal e vegetal.

    Como docente de lngua portuguesa nessa instituio, busca-se realizar o

    reconhecimento cultural do aluno para posteriormente trabalhar com aprendizagem do

    portugus. A profissionalizao dos cursos tcnicos traz como um de seus parmetros

    de conhecimentos bsicos a comunicao na lngua oficial. Ento necessrio que o

    professor de portugus no ignore o seu aluno bilngue ou a prpria variao lingustica

    que a linguagem dele apresenta. O ideal mostrar a ele a importncia de conhecer

    lnguas diferentes e assim desenvolver variadas funes na sociedade.

    No devemos nos iludir pensando que nossos alunos saibam falar a lngua do

    imigrante, ou melhor, a herana que muitos receberam foram as influncias de

    ortografia e fontica que leva a sua linguagem a ser construda de forma diferenciada.

    Isso ocorre devido ao fato de que aprenderam algumas frases e palavras isoladas da

    lngua de imigrao. A LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional n

    9394/96) flexvel propondo que se coloquem nos currculos escolares lnguas

    estrangeiras que faam parte da realidade do aluno. Aqui no acontece isso, uma vez

    que as lnguas trabalhadas so ingls e espanhol. Ento, no lar o aluno j tem uma

    realidade negada em que pouco ou nada aprende de seus pais porque as lnguas

    universais no so as do italiano, ou do polons, ou at russo. E na escola continua a

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    negao, no trabalhada a lngua dos imigrantes. Penso no caso de meus pais: minha

    me fala italiano, meu pai russo e polons e no ensinaram para os filhos e na escola

    nem lembraram que essas lnguas existiam.

    Fao essa discusso porque quero chegar a um ponto importante do texto, uma

    vez que venho falando em bilinguismo: esse ponto so os dialetos dos imigrantes

    porque tiveram grande influncia na forma de falar na regio, portanto, no momento de

    trabalhar o portugus, ns professores classificamos a linguagem do aluno como

    errada. O que ento devemos fazer? Considerar o meio social que o aluno vive,

    reforando as ideias de Bakhtin em que a linguagem do aluno provm da interao

    social. E no podemos negar mais uma vez para o aluno a sua construo lingustica.

    Devemos mostrar a ele que pertence a variao lingustica e que vamos conhecer na

    escola uma das formas de variao que a lngua padro, ou podemos chamar a lngua

    acadmica, dos trabalhos escolares e da linguagem tcnica. Assim no podemos deixar

    de perceber a fala dele como uma construo que enuncia a sua interao social.

    Chagas (2007) quando se refere que as lnguas mudam afirma que a lngua

    escrita sempre mais conservadora que a falada. Alm disso, limitando-se a forma da

    escrita como se vai registrar a pronncia dos sons das palavras do portugus. Assim,

    podemos constatar facilmente que j h algum tempo vrios tipos de palavras tiveram

    sua pronncia alterada, mas continuam da mesma forma (CHAGAS, 2007, p. 141).

    Ento, pode-se citar palavras como ouro, beijo ou cadeira que no so citadas pela

    maioria dos falantes com ditongo na slaba tnica e mesmo assim continuam sendo

    grafadas da mesma forma. A afirmao do autor julga normal este afastamento da

    lngua escrita com a lngua falada, uma vez que isso pode ser verificado em qualquer

    lngua que seja representada graficamente.

    O aluno, sendo sujeito de um contexto social, representa em seus relatrios de

    campo a escrita com marcas da fala. Ao enunciar os termos: podemo as planta, o

    sujeito constri o seu texto e no quer expressar o verbo poder. Ele entende que quer

    podar a rvore e isto. Culturalmente, em sua comunidade familiar e de amigos esse

    podemo de valor semntico de realizar a poda. Tem-se uma situao importante

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    para o professor trabalhar como o caso da diferena da palavra poder e podar,

    relacionado com a prtica do aluno e com o contexto a que vai aplicar.

    Destaca-se a entoao de frases curtas, como na fala, sem muitas explicaes.

    Foi realizado o manejo. Organizamos o setor. No setor de caprinocultura ajudamos

    a carnear uma ovelha. Limpamos nos arredores do setor da avicultura. A

    elaborao textual dos alunos torna-se uma sequncia de frases breves e dispostas em

    um mesmo pargrafo, sem a preocupao de organizar por assunto e realizar mais

    explicaes. Perceba a palavra aredores que foi grafada apenas com um R, esse tipo

    de situao acontece muito na regio, devido influncia das lnguas de imigrao

    europeia, principalmente imigrantes italianos. muito frequente as famlias falarem as

    palavras com dois R com apenas um, e nossos alunos vem para escola e assim o fazem

    em seus textos escritos. Ou seja, representam a fala na produo textual.

    O direcionamento da anlise leva-nos a perceber traos na linguagem do aluno

    descendente de imigrantes italianos. A discusso visa observara escrita dos relatrios

    dos cadernos de campo dos alunos do Curso Tcnico em Agropecuria e esses alunos

    vm de diferentes municpios do RS, de SC e do PR. Ento procuro fazer o recorte da

    observao em relao aos municpios da regio de Frederico Westphalen, onde h

    maior concentrao de imigrantes italianos e a maior parte dos alunos da instituio so

    dessa regio.

    Um dos traos que mais evidenciam a interferncia dos dialetos italianos falados

    pelos descendentes residentes nessa regio a no produo da vibrante mltipla em

    contextos em que prev o padro fonolgico do portugus brasileiro. Por exemplo, a

    produo de caro em contextos de carro.

    Ao corrigir os relatrios (esses so corrigidos pelo grupo de docentes do curso)

    reconhece-se na escrita a presena da variao lingustica observado na oralidade. Em

    frases como: no setor de agroecologia revolvemos a tera dos canteiros e irigamos as

    plantas; aparece transposta na escrita a dificuldade comum na oralidade dos

    descendentes de italianos na produo da vibrante mltipla /R/, emprega apenas um /R/

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    na maioria dos contextos no qual uma vibrante esperada. No caso exemplificado, para

    dizer terra, o grupo produz tera e para irrigamos produz irigamos.

    Os imigrantes italianos optaram por tentar uma nova vida em terras distantes e

    junto com a leva imigratria vieram diferentes dialetos italianos falados. Um estudo

    desenvolvido em 1975, Frosi traa um mapa com ndices da representatividade dos

    imigrantes italianos no Rio Grande do Sul. Assim, caracteriza os dialetos falados por

    eles: vnetos, 54%; lombardos, 33%; trentinos, 7%; friulanos, 4,5%; outros 1,5%

    (FROSI, 1983, p. 110). O dialeto vneto foi o que se sobreps aos demais grupos.

    Com o passar do tempo, devido a fatores extralingusticos, o dialeto vneto foi

    perdendo espao para a lngua portuguesa falada (FROSI, 1987). A fora repressiva do

    governo brasileiro foi o principal fator que interferiu, uma vez que houve a proibio da

    comunicao nos dialetos italianos durante o perodo da Campanha de Nacionalizao

    do Governo Vargas e na poca da Segunda Guerra Mundial. Logo aps, outro fator

    surgiu com a abertura de novas vias de comunicao da regio dos Pampas com o

    Estado e o restante do Brasil, ampliando o contato entre os falantes de portugus (entre

    eles descendentes de africanos).

    O portugus adquiriu mais prestgio como lngua oficial, pois era ensinada nas

    escolas e era usada nos meios de comunicao. O advento da eletrificao rural fez com

    que se adquirissem mais aparelhos de rdio e televiso e isso intensificou o uso da

    lngua oficial. Dessa forma, ocasionou mudanas em relao aos dialetos italianos: a

    fala deles foi desprestigiada e relacionada a termos como contadine (melhorar de

    vida) e cucagna (buscavam fortuna), o que remetia a uma viso de desprezo aos

    forasteiros que vieram em busca de riqueza (FROZI, 1987).

    Na dcada de 1960, Gerhard Rohlfs desenvolveu estudos demonstrando que os

    dialetos no norte da Itlia no possuem a vibrante geminada. As pesquisas de Rohlfs

    (1966, p. 336, apud FROSI, 1983) conforme as caractersticas gerais do

    desenvolvimento fontico setentrional, em toda Itlia setentrional /RR/ sofre a lenizao

    em /R/, resultando em palavras como Tra, Gura.

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    Os dialetos vnetos no que diz respeito a /R/, tem-se em geral uma vibrante

    simples apicodental, enquanto o standart possui a vibrante mltipla (Zamboni, 1974, p.

    14 apud FROSI, 1983). Os autores apontam para uma produo intermediria, criada

    pelos italianos que esto no Brasil pelo contato com a lngua local.

    A inexistncia da vibrante mltipla como fonema do dialeto e, por outro lado,

    a existncia da mesma no sistema fonolgico da lngua portuguesa,

    estabelecendo oposio distintiva com a vibrante simples, acarreta, do ponto

    de vista fonmico, o uso inadequado das duas vibrantes nos emprstimos do

    portugus. Tomando-se os emprstimos garrafa e cerrao, observa-se que a

    vibrante mltipla foi sistematicamente substituda, quer pela vibrante

    simples, quer pela vibrante que se caracteriza como um tipo intermedirio

    entre a mltipla e a simples (Frosi, 1983, p. 347).

    H uma espcie de gradao em relao ao imigrante italiano no portugus

    brasileiro (E. Tin, 1997 apud ORLANDI, 2002). Primeiro o sujeito fala italiano com

    alguns traos do portugus, depois passa para a pardia, possuindo algum domnio da

    nova lngua. O prximo passo a integrao sem a perda da origem, por fim fala o

    portugus com leves traos da lngua de origem. Por isso articulo a ideia da variao

    lingustica do contato da lngua do imigrante com a lngua portuguesa, em que se

    apresenta marcas deste contexto nos escritos dos alunos.

    Deve-se levar em conta aspectos da escrita do aluno nos relatrios de cadernos

    de campo dos setores do curso de Agropecuria a fim de reconhecer caractersticas

    locais para o ensino e aprendizagem da lngua portuguesa. Proporcionar ao sujeito uma

    reao frente realidade objetiva, em que possa discordar, modificar e transformar em

    novas perguntas para as quais vai procurar respostas. Deve-se orientar a ao do sujeito,

    sem o anular, pois sendo um ser que responde ao seu ambiente, ter a autonomia de dar

    respostas possveis nos momentos em que se apresentem limitaes e possibilidades

    diante de uma realidade objetiva. Esse conjunto de perguntas e respostas vo formar

    gradativamente os nveis de mediaes a fim de aprimorar e enriquecer a atividade do

    homem, ou seja, do sujeito para que transforme sua existncia.

    De acordo com as Orientaes curriculares de Ensino Mdio, na aprendizagem

    da lngua portuguesa deve-se promover o debate sobre o fato de que as lnguas variam

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    no espao e mudam ao longo do tempo. Ento o processo de ensino e aprendizagem de

    uma lngua nos diferentes estgios de escolarizao no pode furtar-se de considerar

    tal fenmeno. O debate que se estabeleceu de considerar a variao e a mudana

    lingusticas como

    fatos intrnsecos aos processos sociais de uso da lngua deveria contribuir

    para que a escola entendesse as dificuldades dos alunos e pudesse atuar mais

    pontualmente para que eles viessem a compreender quando e onde

    determinados usos tm ou no legitimidade e pudessem, tendo alcanado essa

    conscincia social e lingustica, atuar de forma tambm mais consciente nas

    interaes de que participassem, fossem elas vinculadas s prticas orais ou

    s prticas escritas de interao (BRASIL, 2006, p.20)

    O poder autoritrio deve ser evitado em uma realidade em que o professor de

    lngua portuguesa no busque a individualidade de s ensinar a sua disciplina, mas olhar

    para a realidade em que o aluno est inserido. Aqui a situao de uma cultura local

    que traz a lngua e a cultura como conhecimento, experincia vivida pelo educando.

    Ento, deve-se valorizar essa realidade para apresentar a variao lingustica e o aluno

    poder entender a importncia dela em sua vida e se sentir motivado em sua

    aprendizagem.

    A valorizao de que se fala vai permitir que no se incorra a preconceitos

    lingusticos. Muitas vezes a prtica pedaggica do ensino do portugus se preocupa em

    ensinar somente uma variedade como a correta, desconsiderando outras formas. O que

    contribui para excluir os alunos que chegam escola com variedades que so parte do

    seu meio social.

    O no reconhecimento da linguagem do aluno pelo sistema formal de ensino

    desencadeia o preconceito lingustico como assinalado pelo linguista Marcos Bagno.

    Os professores precisam se conscientizar da relevncia de sua prtica pedaggica para

    proporcionar transformaes sociais. Como afirma Bagno (2006, p.9), tratar da lngua

    tratar de um tema poltico, j que tambm tratar de seres humanos. Nesse sentido,

    ser discutido o papel do professor no ensino de lngua portuguesa frente realidade da

    variao lingustica surgida do contato da lngua do imigrante com a portuguesa.

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    CONSIDERAES FINAIS

    Analisar a realidade local ir contribuir para que se entenda como a lngua

    europeia (italiana especificamente) em contato com a portuguesa construiu uma

    variao especfica, principalmente, devido a um contexto interiorano, longe dos

    grandes centros citadinos. Dessa forma demonstra-se um sujeito bakthtiniano, que traz

    em seu discurso enunciativo a interao verbal ligado ao meio social em que vive.

    H uma lacuna na formao do professor em relao ao entendimento da

    construo lingustica de seus alunos, uma vez que ele sai da graduao em Letras e vai

    para a sala de aula priorizando a norma culta no ensino da Lngua Portuguesa. Assim, a

    experincia cultural de linguagem do aluno considerada errada, condiciona-se que

    ele fala e escreve mal. Esse mesmo aluno pensa assim e perde o estimulo em aprender a

    lngua portuguesa. Por isso o professor deve mostrar a variao lingustica e seu uso em

    diferentes contextos para depois proporcionar o conhecimento padro-cientfico e fazer

    com que o aluno se estimule a aprender. Principalmente quando valoriza uma realidade

    especfica da vivncia do aluno. Isso leva a reconhecer diferentes realidades, contextos

    bilngues e uma forma especfica do ensino-aprendizagem do portugus.

    Em funo das questes aqui formuladas, e para respond-las de maneira

    abrangente, como demanda a natureza do assunto, esta discusso foi construda para

    conhecer e valorizar a cultura local, buscando o reconhecimento do sujeito bakhtiniano,

    ou seja, de descobrir o aluno enquanto sujeito inserido em um contexto social. na

    relao entre o mundo e o homem e marcado ideologicamente pelas estruturas sociais

    que os sujeitos se constituem. Assim, o sujeito no se assujeita diante das

    determinaes sociais, mas provoca mudanas, faz escolhas e cria novas possibilidades

    na rede de relaes.

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    Recebido Para Publicao em 12 de setembro de 2014.

    Aprovado Para Publicao em 23 de novembro de 2014.