resenha circe

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Renilson Rosa Ribeiro* Uma reflexão sobre o livro O saber histórico na sala de aula, organizado pela professora Circe Maria Fernandes Bittencourt (2 a ed. São Paulo, Contexto, 1998), para se repensar a História ensinada no Brasil nas ultimas décadas. O livro O saber histórico na sala de aula (2 a ed. São Paulo, Contexto, 1998) apresenta análises e propostas de autores conceituados que pretendem contribuir para a necessária reflexão dos professores e pesquisadores sobre reformulação das políticas públicas de educação e da disciplina de História na última década que envolvem a redefinição dos conteúdos e dos métodos de ensino. Estes ensaios procuram, dentro de suas especificidades, identificar parte dessa problemática – reforma curricular – e apontam para possibilidades de modificação do fazer histórico na sala de aula na educação básica brasileira. A maioria dos artigos selecionados, organizados e publicados pela pesquisadora na área de história do ensino Circe Maria Fernandes Bittencourt, da Universidade de São Paulo, foi apresentada em forma de comunicações no II Seminário Perspectivas do Ensino de História promovido pela Faculdade de Educação da USP, com o suporte do Núcleo Regional da ANPUH de São Paulo, realizado em fevereiro de 1996[i]. Devemos ressaltar que estes foram selecionados dentre uma quantidade vasta e rica de outras produções debatidas neste seminário[ii]. De acordo com a organizadora, a seleção dos trabalhos feita foi feita a partir da sua relação com duas temáticas básicas que nortearam o evento: propostas curriculares e linguagens no ensino de história. Na sua leitura, “a produção historiográfica e a produção histórica escolar interligam-se em textos distribuídos nas duas partes desta coletânea. A primeira parte trata da permanência da disciplina no currículo e sobre sua relevância na formação política e cultural das novas gerações. A temática da segunda parte refere-se às necessidades e dificuldades na utilização de diferentes recursos no ensino, considerando-se as linguagens escritas e iconografias do livro didático, da literatura, dos objetos, do cinema, da televisão” (p. 08). Sem almejar ser um guia prescritivo para professores do que se deve ensinar na sala de aula, este livro apresenta-se com

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Resenha circe bittencourt o saber histórico na sala de aula

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Page 1: Resenha Circe

Renilson Rosa Ribeiro*Uma reflexão sobre o livro O saber histórico na sala de aula, organizado pela professora Circe Maria Fernandes Bittencourt (2a ed. São Paulo, Contexto, 1998), para se repensar a História ensinada no Brasil nas ultimas décadas.

 

            O livro O saber histórico na sala de aula (2a ed. São Paulo, Contexto,

1998) apresenta análises e propostas de autores conceituados que pretendem

contribuir para a necessária reflexão dos professores e pesquisadores sobre

reformulação das políticas públicas de educação e da disciplina de História na

última década que envolvem a redefinição dos conteúdos e dos métodos de ensino.

Estes ensaios procuram, dentro de suas especificidades, identificar parte dessa

problemática – reforma curricular – e apontam para possibilidades de modificação

do fazer histórico na sala de aula na educação básica brasileira.

 

            A maioria dos artigos selecionados, organizados e publicados pela

pesquisadora na área de história do ensino Circe Maria Fernandes Bittencourt, da

Universidade de São Paulo, foi apresentada em forma de comunicações no II

Seminário Perspectivas do Ensino de História promovido pela Faculdade de

Educação da USP, com o suporte do Núcleo Regional da ANPUH de São Paulo,

realizado em fevereiro de 1996[i]. Devemos ressaltar que estes foram selecionados

dentre uma quantidade vasta e rica de outras produções debatidas neste

seminário[ii].

 

            De acordo com a organizadora, a seleção dos trabalhos feita foi feita a partir

da sua relação com duas temáticas básicas que nortearam o evento: propostas

curriculares e linguagens no ensino de história. Na sua leitura, “a produção

historiográfica e a produção histórica escolar interligam-se em textos distribuídos

nas duas partes desta coletânea. A primeira parte trata da permanência da

disciplina no currículo e sobre sua relevância na formação política e cultural das

novas gerações. A temática da segunda parte refere-se às necessidades e

dificuldades na utilização de diferentes recursos no ensino, considerando-se as

linguagens escritas e iconografias do livro didático, da literatura, dos objetos, do

cinema, da televisão” (p. 08).

 

            Sem almejar ser um guia prescritivo para professores do que se deve

ensinar na sala de aula, este livro apresenta-se com importante instrumento de

apoio para estes profissionais na criação de suas propostas de atividades para a

disciplina no ensino fundamental e médio. A linguagem dos ensaios é bem clara e

objetiva, o que colabora em muito na compreensão das idéias e sugestões lançadas

pelos autores.

 

Page 2: Resenha Circe

            O saber histórico na sala de aula dá continuidade e aprofunda uma

discussão muita intensa que remonta aos anos 1970 e 1980 no Brasil sobre a

necessidade de uma revisão nas práticas, métodos e conteúdos da história

ensinada. Neste período percebemos uma maior abertura para questões ligadas à

educação no país, especialmente após o fim da ditadura militar instaurada desde

1964. Se percorrermos as estantes e prateleiras de livrarias e bibliotecas,

poderemos nos deparar com uma expressiva produção de livros e artigos em

revistas especializadas sobre o assunto. O próprio livro em questão nos oferece

exemplos na suas referências bibliográficas sobre esta produção com quem dialoga,

contrapõe-se, complementa, polemiza, concorda em diversos aspectos.

 

            Muitas das informações presentes neste livro ajudaram na leitura e

compreensão dos Parâmetros Curriculares Nacionais para a educação básica

lançados pelo Ministério da Educação a partir de 1997. Até porque o referido livro

constitui referência significativa, junto com outras obras, para os autores da

referida proposta curricular[iii].

 

            A primeira parte - Propostas Curriculares - é formada por quatro artigos que

se deterão sobre temáticas como currículos, cidadania, políticas públicas, formação

de professores e cotidiano da sala de aula. Temáticas fundamentais para

compreender as reformas curriculares desenvolvidas pelo governo federal, de

Estados e municípios nas últimas duas décadas no Brasil.

 

            O primeiro artigo – “Capitalismo e cidadania nas atuais propostas

curriculares de História”, de autoria de Circe Bittencourt, com base na análise de

diferentes propostas curriculares elaboradas no país entre 1990 e 1995, tem a

finalidade de perceber o alcance das mudanças e continuidade do saber histórico

escolar contido nesta documentação oficial (currículo ideal) oriunda do poder

educacional e nas possíveis articulações com o chamado currículo real, vivenciado

por professores e alunos na sala de aula. Para nortear seu texto, a autora destaca

dois conceitos fundamentais para entender os currículos elaborados neste período:

capitalismo e cidadania.

 

            Na primeira parte, a autora traz um breve histórico e caracterização das

propostas curriculares analisados, articulado com as transformações políticas,

sociais e culturais vividas pela sociedade brasileira neste momento. Para

Bittencourt, as propostas “caracterizam-se como um conjunto bastante

heterogêneo de textos, com acentuadas diversidades na forma como as propostas

foram elaboradas e apresentadas aos leitores, no elenco dos conteúdos

selecionados e nos métodos de ensino sugeridos” (p. 15).

Na diversidade das propostas analisadas, dois aspectos se destacaram ao olhar da

autora: os objetivos são semelhantes e, igualmente, possuem críticas comuns

Page 3: Resenha Circe

quanto ao que denominam de ensino tradicional de História, notadamente quanto

às noções de tempo histórico baseadas em referenciais considerados oriundos do

positivismo. No que concerne aos objetivos do ensino de história nas propostas

curriculares, Bittencourt percebe, na segunda parte do artigo, uma mudança nos

paradigmas que pensam a idéia de identidade nacional e cidadania no Brasil. Aliás,

conceitos como identidade e diferença parecem ocupar maior destaque no corpo

dos referidos textos, principalmente numa era de cultura globalizada e

modificações no estatuto político, econômico, social e cultural que edificavam o

Estado-nação.

 

            Ao propor a formação do “cidadão crítico” como principal meta do ensino de

História as propostas retomam presente nos currículos escolares desde 1950, ou

seja, no período pós-guerra. A inovação, segundo a autora, nas propostas dos anos

1990 está na ênfase atual ao papel da História ensinada para a compreensão do

“sentir-se sujeito histórico” e em sua contribuição para “formação de um cidadão

crítico”. Devemos ter em mente que a preocupação com a formação deste novo

conceito de sujeito histórico, no caso do Brasil, está muito influenciado pelas

experiências desagradáveis vividas durante os anos de exceção (1964 e 1984) e

também pelas inovações historiográficas lançadas pela historiografia francesa e

britânica com novos problemas, abordagens e temáticas. Embora abra espaço para

a defesa da cidadania como meta dos objetivos da disciplina, Bittencourt nota que

“a explicitação do conceito de cidadão que aparece nos conteúdos é limitada à

cidadania política, à formação do eleitor dentro das concepções democráticas do

modelo liberal” (p. 21-2). A cidadania social, que abarca conceitos de igualdades,

de justiça, de diferenças, de lutas e conquistas, de compromissos e de rupturas tem

sido pouco explorada e explicitada pela maioria das propostas analisadas. Neste

sentido, a autora sugere que se enfatize e amplie o conceito de cidadania no

interior das propostas curriculares de História.

 

            Na última parte do artigo, a autora identifica que as propostas trazem, em

sua maioria, uma crítica de noções homogêneas do tempo histórico, determinadas

pelo eurocentrismo e sua lógica de periodização fundada no sujeito histórico

Estado-nação. E, nessa perspectiva, propõem-se a trabalhar com as diferentes

temporalidades e diferentes sujeitos. Contudo, há em muitas delas, mesmo as que

propõem uma história com eixos-temáticos, uma periodização alicerçada e

organizada pelo capitalismo.

Dessa maneira, “a questão que decorre desta constatação é, então, a verificação de

como o capitalismo tem se transformado em objeto de estudo no ensino de História.

E, a análise desse processo de produção do conhecimento histórico escolar é

significativo para revelar as clivagens entre os objetivos e a seleção de conteúdos

propostos” (p. 23).

 

Page 4: Resenha Circe

            Ao apresentar o tempo capitalismo como referencial para o estudo da

história, Bittencourt alerta para a necessidade de articulação problematizadora

entre o tempo vivido por alunos e professores e tempo histórico. Ao considerar

como pressuposto a afirmação de que toda história é história contemporânea, “a

cultura capitalista vivenciada por alunos e professores torna-se necessariamente o

referencial constante para se estabelecer a relação presente-passado-presente.

Ora, esta relação só se estabelece por intermédio da compreensão do conceito de

duração em seus variados ritmos” (p. 26).

            Amparada nesta leitura atenta das propostas curriculares, Bittencourt lança

uma série de apontamentos que poderemos encontrar ecos na própria estrutura e

seleção temática dos PCNs de História. Talvez seja esta a razão do demorar-se

sobre o comentário deste artigo[iv].

 

            No segundo artigo, “Currículo de História e políticas públicas”, Kátia Abud,

da Faculdade de Educação da USP, elabora uma história da disciplina no Brasil

desde os primórdios do Império, passando pela os vários momentos do regime

republicano (Primeira República, Era Vargas, Ditadura Militar entre outros), até as

recentes discussões sobre as reformas curriculares realizadas a partir de 1980.

Neste passeio pela história da História ensinada no país, a referida autora traz-nos

observações sobre debates e polêmicas envolvendo a construção dos currículos

desta disciplina envolvendo intelectuais, políticos, autoridades governamentais e

entidades representativas. Para Abud, os currículos e programas compõem “o

instrumento mais poderoso de intervenção do Estado no ensino, o que significa sua

interferência, em última instância, na formação da clientela escolar para o exercício

da cidadania, no sentido que interessa aos grupos dominantes. Através dos

programas divulgam-se as concepções científicas de cada disciplina, o estado de

desenvolvimento em que as ciências de referência se encontram e, ainda, que

direção devem tomar ao se transformar em saber escolar. Nesse sentido, o discurso

do poder se pronuncia sobre a educação e define seu sentido, forma, finalidade e

conteúdo e estabelece, sobre cada disciplina, o controle da informação a ser

transmitida e da formação pretendida. Assim, a burocracia estatal legisla,

regulamente e controla o trabalho pedagógico” (p. 28).

 

            Na fala da autora percebemos uma valorização do significado do currículo

dentro das políticas públicas do Estado. E embora ele seja produzido considerando

uma escola ideal, representa uma forma de produção de saber que será acessível à

maior parte da população escolarizada no ensino fundamental e médio. Em linhas

gerais, o currículo é “responsável, em grande parte, pela formação e pelo conceito

de história de todos os cidadãos alfabetizados, estabelecendo, em cooperação com

a mídia, a existência de um discurso dominante, que formará a consciência e a

memória coletiva da sociedade” (p. 29).

 

Page 5: Resenha Circe

            Pautada nesta leitura do currículo, Abud irá se debruçar em significativos

momentos da história política da sociedade brasileira para evidenciar o papel

destes documentos na constituirão da história da disciplina. Neste sentido, ela

encerra sua análise afirmando que as novas propostas de reformas curriculares,

centradas nas instituições federais (MEC), representadas por documentos como os

parâmetros curriculares nacionais e conteúdos mínimos para todo o país, são

exemplos de alijamento dos debates sobre a educação. Ou seja, os principais

sujeitos (professores e alunos) são “novamente vistos como objetos incapacitados

de construir sua história e de fazer, em cada momento de sua vida escolar, seu

próprio saber” (p. 40).

 

            O terceiro artigo - “História, Política e Ensino” – de Maria de Lourdes M.

Janotti, do Departamento de História da FFLCH da USP, alerta para necessidade de

se repensar o papel dos conceitos de política, passado e memória dentro do ensino

de História.

Segundo a autora, a desqualificação do passado, como experiência político-social,

tem sido absorvida até pelos intelectuais mais influentes na sociedade

contemporânea. Não se resumindo apenas ao espaço da sala de aula. Temas

recentes da História Imediata, na sua leitura, são mais privilegiados e acatados do

que o estudo dos acontecimentos passados por importantes setores da pesquisa e

ensino, que pensam, dessa forma, “reagir contra o racionalismo positivista e

marxista, ocultador das descontinuidades. Perigosamente a memória vem se

constituindo na própria História e o passado público tornou-se objeto de trabalhos

fora de moda. A singularidade desse fato é tanto mais grave, se pensarmos, como

Hannah Arendt, que “é na participação da esfera do político e do público que se

realiza nossa condição humana” (ARENDT)” (p. 43).

 

            Em linhas gerais, Janotti desenvolve sua argumentação, num debate

intelectual com autores como Eric Hobsbawm, Hannah Arendt entre outros,

criticando a idéia do presente que se explica a partir de si mesmo. Para ela, o

perigo de ignorar o passado público pode também acarretar a perda de uma visão

dialética da História e da vontade política que leva à crítica e à construção de

projetos futuros. O artigo faz uma defesa da História não como terreno do

interessante, do pitoresco ou do mundo privado enquanto tal, pois este “cresce em

relação direta à redução das atividades da vida privada e á consciência da

cidadania, como tão bem explicou Hannah Arendt, podendo levar, como o fez nos

anos 20 e 30, à privatização do próprio Estado pelas ditaduras nazi-fascistas. Tal

experiência deu-se no Brasil num passado muito próximo, durante a ditadura

getulista e ditadura militar, por mais de quarenta e cinco anos, neste século” (p.

43).

 

Page 6: Resenha Circe

            Contrariando esta tendência do presenteísmo e do esquecimento do

passado, a autora ponta a importância de revisões e estudos historiográficos

realizados no Brasil fundamentais para a mudança do ensino e a pesquisa no Brasil:

“introdução de novos personagens, crítica do saber tradicional e da História

ontológica, maior atenção aos movimentos sociais e à realidade vivida pelos alunos,

crítica ao discurso ideológico moralizante e triunfalista dos livros didáticos etc.” (p.

45).

 

            Estudos, tanto no âmbito nacional e internacional, têm apontado para um

retorno ao político nos estudos históricos e também uma ampliação do conceito de

política, principalmente no que concerne ao período da História do Tempo Presente.

“Os trabalhos de E. P. Thompson, Maurice Aguilhon, Jacques Le Goff, Raymond

Williams, François Furet e Marc Ferro, entre outros, já vinham apontando para o

alargamento da compreensão do domínio do político (...) Essa conceituação,

emergente da prática historiográfica contemporânea interdisciplinarizada, procura

compreender em um mesmo ato de conhecimento a longa e a curta durações, bem

como o lócus por excelência onde se realiza o reconhecimento da essência do

histórico” (p. 50).

 

            Ao levantar tais preocupações em relação ao estudo da história na

sociedade contemporânea, Janotti parece acreditar que “talvez muito da indiferença

que se nota atualmente pela vida política de nosso país esteja relacionado ao

desprezo do assado de nossa vida pública institucional, obscurecido pela prioridade

da atualidade cotidiana. Sem um conhecimento sólido do passado, voltado para a

ação e para a participação democrática, somos levados à ignorância e á omissão

que permitem total liberdade aos detentores do poder” (p. 52).

 

            Maria Auxiliadora Schmidt, da Universidade Federal do Paraná, no quarto

artigo intitulado “A formação do professor de História e o cotidiano da sala de aula”

apresenta uma leitura apurada sobre a imagem do professor, sua formação e

prática cotidiana na sala de aula, dentro das discussões em encontros, congressos,

seminários e publicações especializadas. Para Schmidt, os debates sobre o ensino

de História no Brasil têm levado ao enfrentamento das questões principalmente em

duas linhas: modernização dos currículos de 1o, 2o e 3o graus e a qualificação e

atualização de professores de História. Inúmeros esforços, recursos humanos e

financeiros têm sido dispendidos nesse sentido em diversos Estados brasileiros, por

parte de secretarias de Educação, instituições de ensino superior e de 1o e 2o graus.

Embora não negue os avanços obtidos nestes debates em diferentes espaços, a

autora observa que em termos da prática cotidiana do professor de 1o e 2o graus,

ou seja, àquela instância denominada sala de aula, de uma maneira geral, as

mudanças ainda não foram satisfatoriamente sentidas. Um grande conjunto de

variáveis pode ser tido como responsáveis pelo relativo insucesso da renovação do

Page 7: Resenha Circe

ensino de História, destacando-se, em especial, o pouco caso a quem vem sendo

submetida a educação por parte das autoridades brasileiras da educação. É nesse

contexto de falta de infra-estrutura e condições adequadas de trabalho que a

autora fala do significado da formação do professor e do dia-a-dia da sala de aula,

do seu dilaceramento, embate e fazer histórico. As páginas deste artigo que fecham

a primeira parte do livro são inteiramente dedicadas sobre as imagens sobre o

ofício do professor de História principalmente os dilaceramentos vividos desde a

formação até a sala de aula e embates com as péssimas condições de trabalho e

desvalorização profissional. Para reverter este quadro desfavorável, a autora

propõe uma reforma não apenas estrutural do sistema educacional, mas também

no que concerne ao saber-fazer do profissional da História: “O professor de História

pode ensinar o aluno a adquirir as ferramentas de trabalho necessárias; o saber-

fazer-bem, lançar os germes do histórico. Ele é o responsável por ensinar o aluno a

captar e a valorizar a diversidade dos pontos de vista. Ao professor cabe ensinar o

aluno a levantar problemas e a reintegra-los num conjunto mais vasto de outros

problemas, procurando transformar, em cada aula de História, temas em

problemáticas” (p. 57).

 

            A aula de História, nessa perspectiva, é o momento em que, consciente do

saber que possui, o professor pode oferecera seu aluno a aquisição do saber

histórico existente, por meio de um esforço e de uma atividade com a qual ele

retorne a atividade que edificou esse saber. A sala de aula é também ”o espaço em

que um embate é travado diante do próprio saber: de um lado, a necessidade do

professor ser o produtor do saber, de ser partícipe da produção do conhecimento

histórico, de contribuir pessoalmente. De outro lado, a opção de tornar-se apenas

um eco do que os outros já disseram” (p. 57).

            Para uma nova concepção de fazer do professor de História, a autora propõe

uma revisão e reforma na concepção de fazer histórico e fazer docente. Um desafio

fundamental a ser enfrentado pelos educadores na sala de aula e na formação

deste profissional. Uma formação que vai além dos cursos da graduação.

 

            A segunda parte – Linguagem e Ensino – é composta de sete ensaios que

abordam os usos de diferentes fontes, métodos e linguagens no ensino de História.

Devemos prestar especial atenção ao destaque dado pelos autores ao uso de fontes

como livros didáticos, pinturas, objetos e artefatos, fotografias, programas de TV e

filmes na sala de aula para a construção do conhecimento histórico.

 

            O primeiro artigo desta parte, “Livros didáticos entre textos e imagens”, de

Circe Bittencourt, realiza uma leitura apurada sobre o uso de ilustrações nos livros

didáticos de História do Brasil, dando ênfase para a análise de um conjunto de

imagens mais comuns no cotidiano escolar e as de mais fácil acesso por alunos e

professores. Embora a introdução de gravuras e mapas no ensino de História há

Page 8: Resenha Circe

cerca de um século, e a multiplicação de imagens apresentadas atualmente como

material didático demonstre a relevância desse recurso na cultura histórica escolar,

a reflexão, segundo a autora, sobre o papel que efetivamente exercem no processo

de ensino aprendizagem é escassa. Ao longo do artigo Bittencourt analisa as

tendências, concepções e caracterizações sobre os livros didáticos por

pesquisadores sobre o assunto nos últimos anos. Para ela, o interesse que o livro

didático suscita e as polêmicas e discussões que provoca em encontros e

conferências tem demonstrado que é um objeto de múltiplas facetas e possui uma

natureza muito complexa. Após esta reflexão sobre a natureza do objeto estudado,

a autora reconstrói a história da trajetória de algumas ilustrações nas páginas de

livros didáticos clássicos de História adotados no sistema escolar brasileiro no final

do século XIX e início do XX. No final, ela propõe uma leitura crítica sobre as

representações das populações indígenas nas ilustrações dos livros didáticos. Este

exercício de reflexão sobre imagens e texto na construção da narrativa histórica

nos livros didáticos de História constitui-se me fonte riquíssima de pesquisa e de

atividade para o professor realizar em sala de aula. Segundo Bittencourt, “fazer os

alunos refletirem sobre as imagens que lhes são postas diante dos olhos é uma das

tarefas urgentes da escola e cabe ao professor criar as oportunidades, em todas as

circunstâncias, sem esperar a socialização de suportes tecnológicos mais

sofisticados para as diferentes escolas e condições de trabalho que enfrenta,

considerando a manutenção das enormes diferenças sociais, culturais e econômicas

pela política vigente” (p. 89).

 

            “História e Dialogismo”, de autoria de Antonio Terra, inspirado nas

proposições de Mikhail Bakhtin no campo da Lingüística, Filosofia e Literatura, traz

uma nova proposta de uso de diferentes fontes como a pintura nas aulas de

História, ou seja, uma outra possibilidade de estudo utilizando documentos como

recurso didático. Ao propor a leitura de um quadro ou pintura na sala de aula, Terra

defende que “não é apenas o conteúdo que faz uma obra, mas fundamentalmente

a forma como o autor reconstrói o conteúdo e o seu enunciado (novo contexto),

impingindo-lhe os múltiplos diálogos travados com outros autores, com sua época e

outras épocas e, principalmente, a sua originalidade” (p. 102).

 

            No terceiro artigo, “Por que visitar museus”, de Adriana M. Almeida e Camilo

de Mello Vasconcellos, discute-se as potencialidades educativas dos museus para a

História ensinada. Potencialidade presente no contato de professores e alunos com

a discussão histórica a partir dos objetos, da cultura material. O artigo começa com

uma breve explicação sobre algumas características dos museus para que, a partir

delas, possa perceber as possibilidades pedagógicas de uma visita. No que diz

respeito ao museu, os autores consideram “o papel do educador e os serviços

oferecidos pelo seu setor educativo” (p. 105). Como exemplo para auxiliar sua

argumentação, eles analisam as atividades educativas desenvolvidas pelo Museu

Page 9: Resenha Circe

Arqueologia e Etnologia e o Museu Paulista, ambos da Universidade de São Paulo. E,

no final, apresentam sugestões de como o professor pode proceder ao selecionar

um museu para visitação. Elias Thomé Saliba, do Departamento de História da

FFLCH da USP, analisa no quarto artigo – “Experiências e representações sociais:

reflexões sobre o uso e o consumo das imagens” – os usos e apropriações das

imagens de programas de TV e filmes no ensino de História. Na era das inovações

tecnológicas, o autor dedica especial atenção ao significado e importância do visual

– as imagens – têm na construção do saber histórico. Este artigo traz reflexões

sobre a indústria cultural, mídia, consumo de imagens e recepção amparados em

estudos desenvolvidos por pesquisas na área nos últimos anos. Michel de Certeau,

na sua leitura, configura-se entre os mais destacados autores que se debruçaram

sobre os usos cotidianos da cultura na sociedade contemporânea. Sua maior

contribuição está numa nova leitura da idéia de recepção – como uma prática ativa

e transformadora.    

O quinto artigo, “Memória e ensino de História”, de Ricardo Oriá, trata da

importância dos patrimônios culturais (e ambientais) para o ensino de História. O

autor tem o objetivo de discutir questões relacionadas com a possibilidade de se

trabalhar com os bens culturais do patrimônio histórico no processo ensino-

aprendizagem de História, a fim de estimular, nos alunos, o senso de preservação

da memória social coletiva, como condição essencial para a construção de uma

nova cidadania e identidade nacional e plural.

 

            Oriá considera que a escola e, em especial a aula de história, tem um papel

fundamenta nesse processo. É ela, na sua leitura, “o locus privilegiado para o

exercício e formação da cidadania, que se traduz, também, no conhecimento e na

valorização dos elementos que compõem o nosso patrimônio cultural. Ao socializar

o conhecimento historicamente produzido e preparar as atuais e futuras gerações

para construção de novos conhecimentos, a escola está cumprindo seu papel

social” (p. 130). 

No sexto artigo, “A televisão como documento”, Marcos Napolitano, do

Departamento de História da Universidade Federal do Paraná, apresenta uma

análise sobre a necessidade de encarar a TV como elemento chave para a

ampliação das fronteiras do conhecimento histórico.

            Napolitano rompe as barreiras do preconceito e das demonizações sobre a

TV e lança um olhar de professor/historiador que a enxerga como rica fonte de

trabalho para as aulas de História e pesquisas acadêmicas. A TV faz parte do

cotidiano da sociedade contemporânea, constituindo num meio de comunicação de

massa extraordinário com alcance mundial. Algo que não deve ser deixado de lado

pelos que se preocupam em pensar o mundo contemporâneo. Além de uma breve

reflexão sobre o fenômeno da TV, o autor elabora uma proposta bem detalhada de

trabalho com programas de TV no ensino de História.

 

Page 10: Resenha Circe

            No início do artigo, autor deixa uma importante observação a ser levada em

consideração para aqueles que se debruçarem sobre proposta de utilizar este tipo

de fonte no ensino de História: “Se o professor optar por trabalhar com as ”novas”

linguagens aplicadas ao ensino de História, ele deve ter claro que esta “novidade”

não vai resolver os problemas didático-pedagógicos dos eu curso. A incorporação

deste tipo de documento/linguagem não deve ser tomada como panacéia para

salvar o ensino de História e torna-lo mais “moderno”. Muito menos deve ser vista

como substituição dos conteúdos de aprendizado por atividades pedagógicas

fechadas em si mesmas. Todo o cuidado com a incorporação de “novas linguagens”

é pouco, principalmente numa época de desvalorização do conteúdo socialmente

acumulado pelo conhecimento específico” (p. 149).

 

            O último artigo, de autoria de Carlos Alberto Vesentini, intitulado “História e

Ensino: O tema do sistema de fábrica visto através de filmes”, trata do uso do

cinema como fonte para estudo da história da industrialização na sala de aula.

O autor traz uma proposta de trabalho com filmes para compreender as

interpretações do cinema sobre sistema fabril. Entre os filmes selecionados para

atividades de reflexão com os alunos em sala de aula, Vesentini sugere

“Metrópolis”, de Fritz Lang (1926); “A Nós a Liberdade”, de René Clair (1931);

“Tempos Modernos”, de Charles Chaplin (1936); e “A Classe Operária Vai ao

Paraíso”, de Elio Petri. A partir destas fontes de pesquisa e amparado em

bibliografia de referência sobre o mundo trabalho fabril, ele propõe alguns temas as

serem abordados com os alunos: trabalho coletivo; a organização espacial; corpo e

trabalho; corpo e cotidiano; ciência, técnica, trabalho manual e trabalho intelectual;

alienação no processo de trabalho e proposta política.

 

            Esta segunda parte do livro constitui um belo canteiro de várias propostas

de trabalho que podem ser apropriadas de acordo com os interesses e

necessidades de professores e alunos nas aulas de História. Estas propostas

representam uma parte das muitas experiências que podem ser elaboradas para a

produção do saber histórico na sala de aula. 

 

Agradecimentos:

Agradeço as leituras e sugestões apresentadas para este artigo feitas por Marili

Bassini, Mairon Escorsi Valério e Leila Massarão, amigos e pesquisadores da Pós-

Graduação do IFCH/UNICAMP. Aos professores de História dos cursos preparatórios

para o PEB II – 2003 das cidades de Indaiatuba e Mogi-Mirim, que debateram e

comentaram conosco o livro analisado neste artigo. Devo ressaltar, no entanto, que

possíveis incoerências presentes no texto são de inteira responsabilidade de seu

autor.

 

Page 11: Resenha Circe

* Renilson Rosa Ribeiro é Bacharel, Licenciado e Mestrando em História –

IFCH/UNICAMP. Correio eletrônico: [email protected]

[i] O I Seminário Perspectivas do Ensino de História foi realizado na Faculdade de

Educação da USP, em setembro de 1988. Conferir: Anais do I Seminário

Perspectivas do Ensino de História. São Paulo, FEUSP, 1988. 

[ii] Para os interessados em conferir outros trabalhos apresentados neste evento,

conferir: Anais do II Seminário Perspectivas do Ensino de História. São Paulo, FEUSP,

1996.

[iii] Este livro constituiu referência básica na bibliografia para o Concurso Público

para Provimento de Cargos de Professor Educação Básica II, na área de História,

promovido pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, a ser realizado em

novembro de 2003. Conferir URL:<http://www.educacao.sp.gov.br>.

[iv] Devemos anotar que Circe M. F. Bittencourt fez parte da comissão responsável

pela criação e elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais de História do

ensino fundamental e médio.