resenha: capital social e empreendedorismo local

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RESENHA DE “CAPITAL SOCIAL E EMPREENDEDORISMO LOCAL” CAMILA MAGALHÃES TEXTO ORIGINAL: ALBAGLI, Sarita e MACIEL, Maria Lucia. Capital social e empreendedorismo local. 28 p. Estudos recentes sobre empreendedorismo despertaram um novo significado a esse conceito que sempre foi associado à qualificação de indivíduos. Nesse artigo, Sarita Albagli e Maria Lucia Maciel legitimam os sistemas de relações com caráter inovador que favorecem mudanças e crescimento. As autoras discutem o papel do capital social para o desenvolvimento local e a importância dos processos interativos e cooperativos de aprendizado e inovação. O empreendedorismo até pouco tempo se caracterizava como um conjunto de atributos pessoais (otimismo, imaginação, habilidade analítica, etc.) independente do contexto em que se situava. Agora, refere-se à criação de novos e pequenos negócios que geram empregos e renda, à capacidade de inovação e aprendizagem (investimento em pesquisa, marketing, etc.) ou ainda iniciativas pertinentes à melhoria das condições de vida locais sempre levando em conta as características do ambiente, ou seja, há melhores condições para o empreendedorismo se desenvolver em locais propícios à colaboração, interação e aprendizado. Já o conceito de capital social difundiu-se tão rapidamente que sua definição é muito abrangente e pouco precisa. Os autores precursores do conceito remontam à

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Page 1: RESENHA: Capital Social e empreendedorismo local

RESENHA DE “CAPITAL SOCIAL E EMPREENDEDORISMO LOCAL”

CAMILA MAGALHÃES

TEXTO ORIGINAL: ALBAGLI, Sarita e MACIEL, Maria Lucia. Capital social e empreendedorismo local. 28 p.

Estudos recentes sobre empreendedorismo despertaram um novo

significado a esse conceito que sempre foi associado à qualificação de indivíduos.

Nesse artigo, Sarita Albagli e Maria Lucia Maciel legitimam os sistemas de relações

com caráter inovador que favorecem mudanças e crescimento. As autoras discutem

o papel do capital social para o desenvolvimento local e a importância dos processos

interativos e cooperativos de aprendizado e inovação.

O empreendedorismo até pouco tempo se caracterizava como um conjunto

de atributos pessoais (otimismo, imaginação, habilidade analítica, etc.) independente

do contexto em que se situava. Agora, refere-se à criação de novos e pequenos

negócios que geram empregos e renda, à capacidade de inovação e aprendizagem

(investimento em pesquisa, marketing, etc.) ou ainda iniciativas pertinentes à

melhoria das condições de vida locais sempre levando em conta as características

do ambiente, ou seja, há melhores condições para o empreendedorismo se

desenvolver em locais propícios à colaboração, interação e aprendizado.

Já o conceito de capital social difundiu-se tão rapidamente que sua definição

é muito abrangente e pouco precisa. Os autores precursores do conceito remontam

à sociologia clássica e outros entendem apenas como uma metáfora que contribui

para evidenciar processos e situações econômicas. Pierre Bordieu utilizou o termo

para referir-se a vantagens de pertencer a uma comunidade (dividido desigualmente

e inerente à conflitos por se tratar de uma estrutura social), já James Coleman o vê

como um processo não-intencional onde os indivíduos trabalham por um bem

comum, trocam informações e/ou confiam uns nos outros. Mas foi Robert Patman

que popularizou o conceito definindo-o como traços da vida social – redes, normas e

confiança – que facilitam a ação e a cooperação na busca de objetivos comuns.

Para alguns teóricos o capital social não existe sem os benefícios dele

esperados, aqui não haveriam possíveis implicações negativas. Outros acreditam

que ele é um bem público (valores e crenças) e que os efeitos esperados podem

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dar-se ou não em casos específicos. Um dos principais desafios para defini-lo é

separar analiticamente suas características, origens e efeitos. E se for entendido

como um conjunto de valores não pode ser medido ou quantificado.

O capita social tem ainda duas outras perspectivas: individual, em que

indivíduos tem acesso a informações e relações de confiança para obter ganhos; e

comunitário, um ativo coletivo que pode melhorar a qualidade de vida de uma

comunidade (tanto dentro da comunidade – bonding – quanto entre grupos

heterogêneos – bridging). Sobre a discussão “intencional/espontâneo” há uma falsa

dicotomia, pois, resultado da construção social ao longo de processos históricos de

colaboração, competição e conflito, não é um mero produto de planejamento,

embora a colaboração e confiança possam ser construídas em prol de benefício

próprio.

No âmbito dos benefícios econômicos, estudos de Putman sobre a Itália

revelaram que a interação dos atores sociais empenhados em uma combinação de

competição e cooperação trouxe resultados positivos e que as diferenças regionais

independem da riqueza, mas sim, do grau de engajamento cívico. Alguns autores

também afirmam que o capital social proporciona menores custos na disseminação

da informação, maior conhecimento mútuo e estabilidade organizacional.

As empresas locais constituem o veículo pelo qual as relações sociais, a

cultura e os códigos da população incidem diretamente sobre a atividade produtiva,

logo, determinam as condições para o empreendedorismo, o desenvolvimento local

e a capacidade de inovação e aprendizado.

Aqui atentamos para pontos importantes nos processos de constituição de

sistemas produtivos locais:

Primeiramente, a educação (formal e informal). Estudos comprovam que há

uma correlação entre nível de instrução, aprendizado e interação produtiva. Não por

acaso, os sistemas mais desenvolvidos e bem-sucedidos tiveram a preocupação de

implantar instituições de ensino. O conhecimento é crucial ao desenvolvimento de

um sistema de inovação e o aprendizado interativo é parte importante do capital

social, pois, além de ser um fator de competitividade e desenvolvimento, esse

conhecimento não-formalizado é transmitido em contatos interpessoais.

Podemos citar ainda, apoiados em pesquisas, a importância de uma

liderança para mobilização de grupos sociais locais.

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Ao avançar na explanação das autoras, nos deparamos com o item coesão

social (trata de identidade, desigualdade e interesses). A desigualdade econômica

não contribui para o sentimento de pertencimento a uma comunidade, eliminando a

construção de interesses coletivos.

Essa característica aliada à interação mobilizou esforços em iniciativas

comunitárias, temos como exemplo as cooperativas auto-gestionárias, que

aumentam a renda, reduzem desigualdades, geram empregos e elevam o nível de

qualidade de vida, além de contribuir para o desenvolvimento socioeconômico local

e garantir a sustentabilidade de longo prazo da empresa (por estar inserida na

dinâmica econômica local e envolver diversos atores e instituições sociais).

Embora teóricos questionem se essa economia solidária é um caminho para

mudanças econômico-sociais do país, ou é apenas uma estratégia social

compensatória, ou ainda um processo de terceirização e barateamento de mão-de-

obra. É fato que as experiências comunitárias têm contribuído para a redução de

problemas sociais e geram empreendimentos produtivos que contribuem para o

desenvolvimento local sustentável.

Entretanto, essas iniciativas oferecem ao Estado a oportunidade de eximir-

se de responsabilidades na provisão do bem-estar social, enquanto os governos

deveriam proporcionar condições propícias ao desenvolvimento do capital social, e

se valer dele em estratégias de superação da pobreza e desenvolvimento local.

As autoras contextualizaram cada característica própria do capital social de

maneira muito coesa e inteligente. Suas observações podem ser confirmadas pelas

pesquisas de Carlos Milani (cientista político e doutor em Socioeconomia do

Desenvolvimento, pesquisador NEPOL/UFBA). Para ele, capital social é,

resumidamente, o somatório de recursos inscritos nos modos de organização da

vida social de uma população. É um bem coletivo que garante o respeito de normas

de confiança mútua e de comportamento social em vigor.

Logo, a afirmação das autoras de que o capital social serve como base para

a promoção do empreendedorismo, da inovação, aprendizado e desenvolvimento

local é reforçada ao ser entendida como um tipo de empreendedorismo econômico.