resenha 1 1929 a grande crise dirceu marchini neto

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RESENHAS Revista Científica FacMais, Volume. II, Número 1. Ano 2012/2º Semestre. ISSN 2238-8427. 1929: A GRANDE CRISE Dirceu Marchini Neto 1 Resenha da obra: GALBRAITH, John Kenneth. 1929: A Grande Crise. São Paulo: Larousse do Brasil, 2010 (189 Páginas). John Kenneth Galbraith, economista e filósofo keynesiano 2 , professor da Universidade de Harvard, escritor e ex-embaixador dos Estados Unidos da América na Índia, nascido no Canadá e naturalizado estadunidense, em 1954 escreveu o livro 1929: A Grande Crise, livro que teve inúmeras reimpressões, inclusive em línguas estrangeiras, principalmente em épocas de novas crises de mercado e bolhas especulativas nos Estados Unidos (o original foi publica- do em Inglês, com o título The Great Crash, 1929). A edição que lemos e que resultou nessa resenha é a da Editora Larousse do Brasil, de 2010. Nesta obra, o autor discorre sobre o colapso econômico que abalou a economia norte- americana e a de grande parte do mundo ocidental no final da década de 1920 e ao longo da década de 1930, causado por práticas especulativas, elevação dos preços de ações e de imó- veis, o que atraiu compradores e aumentou ainda mais os preços e as expectativas otimistas, até culminar na crise de 1929. Seria a ilusão dos estadunidenses, que pensavam que a especu- lação de títulos mobiliários traria dinheiro fácil para todos, uma das causas da crise? Seria o desejo de ficarem ricos rapidamente e com pouco esforço a causa da bolha imobiliária? Essas são questões abordadas no livro de Galbraith. O livro possui uma Introdução, datada de 2009, escrita por James Kenneth Galbraith, filho de John Kenneth Galbraith, que compara e analisa as crises de 1929 e de 2008, afirman- do que “em ambos os casos o governo sabia o que devia fazer”, mas não o fez, referindo-se ao governo dos Estados Unidos da América. Para James, a crise de 2008 é consequência de frau- des imobiliárias praticadas pelo governo, bancos, agências de averiguação de riscos e mutuá- rios, que em alguns casos contraíram hipotecas que sabiam que não teriam como pagar. 1 Professor dos cursos de Administração, Ciências Contábeis e Direito da Faculdade de Inhumas (FacMais), Mestre em História pela Universidade do Porto (Portugal) e doutorando em História pela Universidade de Brasília (UnB). 2 “Keynesiano” é todo aquele que é adepto das ideias de John Maynard Keynes, que considerava que o Estado deveria intervir na economia sempre que isso fosse necessário.

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  • RESENHAS

    Revista Cientfica FacMais, Volume. II, Nmero 1. Ano 2012/2 Semestre. ISSN 2238-8427.

    1929: A GRANDE CRISE

    Dirceu Marchini Neto1

    Resenha da obra: GALBRAITH, John Kenneth. 1929: A Grande Crise. So Paulo: Larousse do Brasil, 2010 (189 Pginas).

    John Kenneth Galbraith, economista e filsofo keynesiano2, professor da Universidade de Harvard, escritor e ex-embaixador dos Estados Unidos da Amrica na ndia, nascido no Canad e naturalizado estadunidense, em 1954 escreveu o livro 1929: A Grande Crise, livro que teve inmeras reimpresses, inclusive em lnguas estrangeiras, principalmente em pocas de novas crises de mercado e bolhas especulativas nos Estados Unidos (o original foi publica-do em Ingls, com o ttulo The Great Crash, 1929). A edio que lemos e que resultou nessa resenha a da Editora Larousse do Brasil, de 2010. Nesta obra, o autor discorre sobre o colapso econmico que abalou a economia norte-americana e a de grande parte do mundo ocidental no final da dcada de 1920 e ao longo da dcada de 1930, causado por prticas especulativas, elevao dos preos de aes e de im-veis, o que atraiu compradores e aumentou ainda mais os preos e as expectativas otimistas,

    at culminar na crise de 1929. Seria a iluso dos estadunidenses, que pensavam que a especu-lao de ttulos mobilirios traria dinheiro fcil para todos, uma das causas da crise? Seria o

    desejo de ficarem ricos rapidamente e com pouco esforo a causa da bolha imobiliria? Essas so questes abordadas no livro de Galbraith. O livro possui uma Introduo, datada de 2009, escrita por James Kenneth Galbraith, filho de John Kenneth Galbraith, que compara e analisa as crises de 1929 e de 2008, afirman-do que em ambos os casos o governo sabia o que devia fazer, mas no o fez, referindo-se ao governo dos Estados Unidos da Amrica. Para James, a crise de 2008 consequncia de frau-

    des imobilirias praticadas pelo governo, bancos, agncias de averiguao de riscos e mutu-rios, que em alguns casos contraram hipotecas que sabiam que no teriam como pagar.

    1 Professor dos cursos de Administrao, Cincias Contbeis e Direito da Faculdade de Inhumas (FacMais),

    Mestre em Histria pela Universidade do Porto (Portugal) e doutorando em Histria pela Universidade de Braslia (UnB).

    2 Keynesiano todo aquele que adepto das ideias de John Maynard Keynes, que considerava que o Estado

    deveria intervir na economia sempre que isso fosse necessrio.

  • Dirceu MARCHINI NETO. 1929: A Grande Crise.

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    Alm da recente Introduo escrita pelo seu filho, John Galbraith, numa Introduo: a viso dos anos 1990, escrita por ele na edio de 1997, ainda compara a crise econmica da dcada de 1990 Grande Crise de 1929, e chega concluso de que:

    Estamos passando por uma importante onda especulativa enquanto este texto escrito. Isto bvio para qualquer pessoa que no esteja apegada a um gnero de otimismo vazio. H agora muito mais dinheiro no mercado de aes do que informaes para orientar seu fluxo. H muito mais fundos mtuos do que homens e mulheres com agudeza financeira e conscincia histrica para admi-nistr-los. No sou propenso a fazer predilees. A previso de algum logo esquecida, somente seus erros so bem lembrados. Mas h aqui um processo bsico e recorrente. Surge com preos em elevao, seja das aes, seja dos imveis, seja das obras de arte ou de qualquer outra coisa. Esse aumento atrai ateno e compradores, o que produz o efeito adicional de preos ainda mais elevados. Expectativas so assim justificadas pela prpria atividade que faz os preos subirem. O processo continua; o otimismo, com seu efeito de mercado, a ordem do dia. Os preos sobem ainda mais. Ento, por razes que sero in-terminavelmente debatidas, chega o fim. A queda sempre mais sbita que o aumento; um balo que tenha sido furado no se desinfla de modo regular (GALBRAITH, 2010, p. 16).

    O autor utilizou-se de um mtodo de pesquisa muito claro e eficiente, deixando o lei-tor a par das referncias utilizadas por ele, que so, conforme ele mesmo explicou, documen-tos pblicos, livros, artigos de revistas, jornais e outras fontes.

    No incio do livro, John Kenneth Galbraith comea contando que o presidente Calvin

    Coolidge, em 1928, enviou uma mensagem otimista ao Congresso dos Estados Unidos, tran-quilizando todos os parlamentares com relao situao econmica da Unio. E, logo nas

    primeiras pginas, Galbraith ainda critica os historiadores que condenaram Coolidge, ao longo do sculo XX, por no ter conseguido prever a depresso econmica que seu pas e o exterior sofreriam ao longo dos anos seguintes, o que para Galbraith injusto, tendo em vista que a situao financeira, a produo e o emprego estavam elevados e em ascenso naquele

    ano.

    Entretanto, talvez, o erro do presidente Coolidge foi no ter assumido (e at provavel-mente nem desconfiado) que algo estava errado com os preos dos imveis, que desde mea-dos da dcada de 1920 j comearam a aumentar por causa da especulao, principalmente na Flrida, e por causa do boom especulativo no mercado de aes. pouco provvel que Coo-lidge j soubesse da existncia de uma bolha especulativa em 1928, mas no podemos afastar totalmente essa hiptese, pois em 1926 o nmero de compradores de imveis, essenciais para o aumento dos preos, comeou a se tornar escasso, principalmente depois que dois furaces

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    arrasaram a Riviera dos Estados Unidos. Em 1928, as compensaes bancrias em Miami j haviam cado para 143.364 milhes de dlares, quando em 1925 o valor era de 1.066 bilho de dlares. Segundo John Galbraith:

    O boom da Flrida foi a primeira indicao da atmosfera da dcada de 1920, e a convico de que Deus pretendia que a classe mdia americana ficasse rica. Mas que essa atmosfera tenha sobrevivido ao colapso na Flrida ainda mais notvel. Compreendia-se amplamente que a situao desandara na Flrida. Embora o nmero de especuladores fosse certamente pequeno se comparado a sua posterior participao no mercado de aes, em quase todas as comunida-des havia um homem conhecido por ter levado prejuzo Flrida. Por um s-culo aps o colapso da South Sea Bubble, os ingleses contemplavam as mais conceituadas sociedades acionrias com alguma suspeita. Mesmo quando o boom da Flrida sofreu um colapso, a f dos americanos no enriquecimento rpido e sem esforo no mercado de aes tornava-se a cada dia mais evidente (GALBRAITH, 2010, pp. 25-26).

    Quanto ao mercado de aes, o autor afirma que no comeo da dcada de 1920, os preos das aes eram baixos, e os rendimentos, favorveis (GALBRAITH, 2010, p. 26). Foi no segundo semestre de 1924 que as cotaes dos ttulos mobilirios comearam a subir, aumento que continuou durante 1925. A partir de 1926 que comeou o recuo nos negcios. Contudo, em 1927 o mercado se reaqueceu e as aes aumentaram consideravelmente. Galbraith critica, tambm, as interpretaes de estudiosos que afirmam que foi somente a par-tir das aes de autoridades do Federal Reserve, em 1927, que a especulao e o colapso tiveram in-

    cio, pois essa explicao exonera tanto o povo americano quanto seu sistema econmico de qualquer censura substancial (GALBRAITH, 2010, p. 29). Explicando: em 1927, o presiden-te do Banco da Inglaterra, o presidente do Reichsbank e o vice-presidente do Banco da Frana foram at os Estados Unidos para solicitar uma poltica monetria mais branda, o que foi acei-

    to pelo Federal Reserve, que reduziu a taxa de redesconto do Federal Reserve de Nova Iorque de 4% para 3,5%. Com isso, ttulos mobilirios do governo foram adquiridos em larga escala e com a inteno de sobrar dinheiro para os bancos e para os indivduos que os haviam vendi-do. De acordo com Kenneth Galbraith,

    Os fundos disponibilizados pelo Federal Reserve foram investidos em aes ordinrias ou (e mais importante) ficaram disponveis para ajudar a financiar a aquisio de aes ordinrias por terceiros. Assim, dispondo de fundos, as pessoas correram para o mercado acionrio (GALBRAITH, 2010, p. 28).

    O ano de 1928, apesar de algumas quedas no mercado mobilirio, teve altos picos de investimentos e bateu todos os recordes positivos de nmero de aes, chegando a Bolsa de

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    Valores de Nova Iorque a computar, em 16 de novembro, aps a eleio do presidente Herbert Hoover, 6.641.250 aes negociadas apenas neste dia.

    Para os estadunidenses, j em 1928, todos os aspectos da propriedade de bens tor-nam-se irrelevantes, exceto a perspectiva de um aumento prximo do preo. Segue-se que a

    nica recompensa proporcionada pela propriedade ao possuidor, na poca do boom, reside no aumento dos valores (GALBRAITH, 2010, p. 35). A especulao que era o grande neg-cio.

    Foi em 1929 que os preos pararam de aumentar e o nmero de pessoas que compra-vam na expectativa de novas altas comeou a diminuir. Com isso, as aquisies a termo se tornaram sem significado e os investidores comearam a querer vender seus bens, culminando

    na Quinta-feira Negra, 24 de outubro de 1929, dia em que o mercado de aes dos Estados Unidos quebrou. Apesar disso, a doutrina dominante afirmava que o mercado de valores era

    apenas um espelho que refletia uma imagem da situao econmica do pas: em 1929, os n-dices da produo industrial e da produo fabril comearam a decrescer e a produo de ao declinou.

    Contudo, Galbraith nega que a crise de Wall Street fosse um mero reflexo de uma cri-se fundamental anterior, como mencionado acima, concedendo um papel substancial ao mo-vimento especulativo.

    Em 1929, havia boas razes, ou ao menos estratgicas, para essa viso, e f-cil compreender por que ela se tornou doutrina dominante. Em Wall Street, como em toda parte durante aquele ano, poucas pessoas queriam uma depres-so grave. Em Wall Street, como em toda parte, h uma f profunda no poder da magia. Quando o mercado caiu, muitos cidados em Wall Street logo senti-ram o perigo real, indicando que a renda e o emprego a prosperidade em ge-ral seriam adversamente afetados. Era preciso impedir que isso acontecesse. A magia preventiva requeria que um importante nmero de pessoas repetisse com o mximo de firmeza que isso no aconteceria. E foi o que fizeram. Ex-plicaram como o mercado de valores era apenas a espuma e que a substncia real da vida econmica residia na produo, no emprego e nos gastos, os quais, todos, continuariam no sendo afetados. Certeza disso ningum tinha. Como um instrumento da poltica econmica, a magia no permite dvidas nem escrpulos menores (GALBRAITH, 2010, pp. 93-94).

    No livro 1929: A Grande Crise, John Galbraith ainda discorre sobre o papel do Estado durante os anos do boom especulativo na dcada de 1920 e apresenta crticas aos funcionrios pblicos que tinham a responsabilidade de tentar diminuir a bolha da especulao: o presi-

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    dente dos Estados Unidos, o secretrio do Tesouro, o Conselho do Federal Reserve em Wa-shington e o presidente e os diretores do banco Federal Reserve de Nova Iorque.

    A regulamentao da atividade econmica sem dvida o mais deselegante e o mais ingrato dos encargos pblicos. Quase todos se opem a ela por princ-pio; sua justificativa sempre se baseia na defesa pouco agradvel do mal me-nor. A regulamentao se origina de speros debates no Congresso, no qual os interesses desnudos dos grupos de presso envolvem e expem, revelaes que se avizinham do obsceno. A promulgao e a aplicao de normas se fa-zem por uma burocracia esmagadora que criticada sem cessar. Em pocas recentes, tornou-se obrigatrio para os reguladores em todas as oportunidades confessarem sua incompetncia, que, em qualquer caso evidente demais (GALBRAITH, 2010, p. 41).

    No final de sua obra, o autor discorre sobre os anos da Grande Depresso econmica que vieram logo aps a Quinta-feira Negra, de 24 de outubro de 1929, e que afetou grande parte do mundo ocidental por cerca de dez anos. Nestes captulos finais ele aborda, entre ou-tros temas, a questo do mito dos suicdios, e apresenta nmeros que afastam a teoria da onda

    de suicdios aps o colapso do mercado e s por causa disso, pois o ndice de suicdios j es-tava crescendo gradualmente desde anos anteriores, o que continuou a acontecer por diversos motivos, dentre eles, tambm, os econmicos.

    Outra consequncia do colapso foi o dano causado s reputaes. A crise foi um golpe

    na crena da sensatez, da previso e da honestidade das pessoas proeminentes. Segundo o autor:

    No conjunto, aqueles que haviam proclamado durante o colapso que os neg-cios eram fundamentalmente slidos deixaram de ser considerados respon-sveis por suas palavras. A natureza ritual das declaraes foi reconhecida; en-to, assim como hoje, ningum supunha que tais porta-vozes soubessem se os negcios eram sadios ou no. Uma exceo era Hoover. Sem dvida ele sofreu em consequncia das previses repetidas de prosperidade iminente. Entretan-to, Hoover convertera o simples ritual de tranquilizao prprio aos negcios num instrumento maior da poltica pblica. Era certo, por consequncia, que seria alvo de comentrios polticos (GALBRAITH, 2010, p. 141).

    Por fim, Kenneth Galbraith analisa as causas dessa Grande Depresso e conclui que

    para se chegar a esta resposta preciso dividir o problema em duas partes. Primeiro, preciso saber por que a atividade econmica foi reduzida em 1929 e, segundo, identificar por que, depois de ter comeado a cair, a produo caiu cada vez mais e permaneceu baixa por vrios anos. As ltimas pginas do livro so dedicadas a estas anlises.

  • Dirceu MARCHINI NETO. 1929: A Grande Crise.

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    Podemos dizer ainda que este livro de John Galbraith trata, sobretudo, de investimen-tos de mercado e seus riscos, sendo indispensvel para todos os que se dizem investidores e para estudantes das mais diversas reas do conhecimento e da natureza humana. O que torna este livro to interessante, alm da anlise da especulao e da grande depresso econmica

    de 1929, a observao da natureza humana, que ao longo das dcadas do sculo XX se mos-trou pouco suscetvel a mudanas, tanto que por motivos muito semelhantes diversas crises

    econmicas surgiram, at chegarmos ao sculo XXI, na profunda crise iniciada em 2008, mo-vida, talvez, pela ganncia das pessoas. bem provvel que a repetio quase secular de alguns dos motivos da Grande Crise de 1929 e a necessidade de se compreender uma economia globalizada, fazem com que este livro seja to procurado e analisado por estudiosos, polticos e economistas do mundo todo, mais de cinquenta anos depois da publicao da primeira edio.