representações sociais de meio ambiente e seu impacto nas...
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Representações Sociais de Meio Ambiente e seu impacto nas
concepções de Educação Ambiental de licenciandos em Ciências
Biológicas de uma Universidade Pública
Juliana Rezende Torres – UFSCar, campus Sorocaba
Winis Henrique Rodrigues de Andrade – UFSCar, campus Sorocaba
Maria Carolina de Almeida – UFSCar, campus Sorocaba
Resumo: Reflexões sobre Meio Ambiente (MA) e Educação Ambiental (EA) passaram
a assumir grande destaque, no Brasil, a partir de 1990. Desde então, destaca-se a
coexistência de inúmeras concepções e práticas de EA. Assim, se faz importante
levantar as Representações Sociais de Meio Ambiente (RSMA) dos sujeitos, a fim de
melhor compreender como estas embasam suas concepções e práticas de EA. Este
trabalho objetivou levantar as RSMA de licenciandos em Ciências Biológicas de uma
universidade pública com o intuito de investigar como estas RSMA impactam suas
concepções de EA, as quais acabam refletindo em suas práticas docentes. Os dados de
pesquisa resultaram das produções didáticas dos licenciandos durante o
desenvolvimento de um componente curricular e foram analisados mediante os
procedimentos da Análise Textual Discursiva. Os resultados sugerem indicativos de
mudanças nas RSMA dos alunos e impactos em suas concepções de EA em uma
perspectiva crítica, bem como na formação inicial docente. Palavras-chave: formação inicial de professores, macrotendências de EA, educação
ambiental crítico-transformadora.
Abstract: Reflections about environment and environmental education have had a
featured place in Brazil since 1990. Since then, it contrasts the coexistence of
innumerous conceptions and practices of people’s environmental education. Therefore,
it is important to bring up people’s social representations of environmental education
(SREE), in order to better understand how these ones are based. This work aimed to
bring up the SREE of undergraduates in Biology of a public university, with the
intention to investigate how these SREE impact their conceptions of environmental
education, which end up reflecting their own teaching practices. The research data
resulted from the undergraduates didactic productions during the development of a
curriculum and were analyzed through the Textual Analysis Discourse procedures. The
results suggests indicative of changes in student’s SREE and impacts on their
conceptions of environmental education in an argumentative perspective, as well as on
their initial training as teachers. Keywords: initial teachers training, macro-trends of environmental education, critical-
transformer environmental education.
IX EPEA Encontro Pesquisa em Educação Ambiental
Juiz de Fora - MG 13 a 16 de agosto de 2017 Universidadre Federal de Juiz de Fora
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Introdução
Discussões e práticas em torno de Meio Ambiente (MA) e Educação Ambiental
(EA) passaram a assumir um papel de destaque, no Brasil, a partir da década de 1990,
com a promulgação da Constituição Federal. Muito embora, de lá para cá, avanços
tenham ocorrido nesta área de pesquisa são muitas as representações sociais de meio
ambiente (RSMA) e as concepções de EA identificadas pelos pesquisadores da área - o
que demonstra diversos conhecimentos e práticas relativas às questões ambientais e,
consequentemente, a existência de distintas vertentes de EA. Reigota (1998) coloca em evidência o papel das Representações Sociais de Meio
Ambiente, sinalizando que as mesmas perpassam por concepções ideológicas, políticas e
culturais, em uma dada realidade, de forma a refletir nas opções teórico-metodológicas
adotadas nos trabalhos educativos, tendo como pano de fundo o desafio de enfrentamen-
to da problemática ambiental.
Estudos (Reigota, 1998; Moraes, Junior, Schaberle, 2000; Crespo, 1997) atentam
para o fato de que Meio Ambiente seja predominantemente representado como Natureza,
da qual os seres humanos não fazem parte – o que sugere que a dicotomia existente en-
tre natureza e sociedade/cultura ainda se faz presente nas concepções de mundo dos
sujeitos, em tempos contemporâneos. Ou seja, a construção de concepções integradas de
mundo implica na superação da dicotomia sujeito-objeto, sociedade/cultura-natureza,
Homens-mundo em Freire (1974) que tem fundamentado conhecimentos e práticas, ao
longo do tempo. Por outro lado, estes estudos também revelam, mesmo que, em menor
proporção, a existência de RSMA globalizantes, em que, este pode ser compreendido
como “lugar determinado ou percebido onde os elementos naturais e sociais estão em
relações dinâmicas e em interação” (REIGOTA, 1998, p. 14).
Ao observarem a diversidade de atores, de concepções, práticas e posições
político-pedagógicas e o dinamismo que articula esses elementos, Layrargues e Lima
(2011; 2014) identificaram três macrotendências convivendo e disputando a hegemonia
simbólica e objetiva do campo da EA: as macrotendências conservacionista, pragmática
e crítica.
A macrotendência conservacionista possui um viés histórico, uma vez que foi a
partir dela que se iniciou a EA no Brasil. Essa tendência envolve a mudança de
comportamentos para a conservação da natureza e dos recursos naturais e estabelece
uma relação afetiva entre ser humano e natureza. Contudo, compreende o ser humano
externo à natureza e, consequentemente, não questiona a estrutura social vigente,
tornando as mudanças comportamentais vazias de reflexão. Forte e bem consolidada, a
tendência conservacionista se encontra atualizada sob as expressões que vinculam EA à
“pauta verde”, como biodiversidade, ecoturismo, unidades de conservação e biomas
específicos, mas não parece ser a tendência hegemônica no campo na primeira década
do século XXI. Segundo Layrargues (2012) esta macrotendência mantém relação com
filosofia da natureza, ecologia profunda, eco espiritualidade. A macrotendência pragmática tem por base o ambientalismo de resultados,
reforçando também a mudança de ações em prol de uma conservação ambiental
mascarada, uma vez que está ligada ao neoliberalismo e não questiona o modelo de
sociedade do consumo, maior causador da crise ambiental. Essa ausência de reflexão
deriva da crença na neutralidade da ciência e da tecnologia e resulta em uma percepção
superficial e despolitizada das relações sociais e de suas interações com o ambiente
(LAYRARGUES, 2012). A lógica do mercado domina sobre as outras esferas sociais e a
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ideologia do consumo é a principal utopia. São termos comuns o consumo sustentável, a
economia e consumo verde, responsabilidade socioambiental, certificações, mecanismos
de desenvolvimento limpo e ecoeficiência produtiva. Esta é a tendência hegemônica na
EA atualmente. Layrargues e Lima (2014) reconhecem que as vertentes
conservacionista e pragmática representam duas tendências e dois momentos de uma
mesma linhagem de pensamento, o conservador, que se atualizou em função das
transformações do mundo contemporâneo. A vertente conservacionista foi se ajustando
às injunções econômicas e políticas do momento até ganhar a face modernizada,
neoliberal e pragmática que hoje a caracteriza. Já a macrotendência crítica questiona as desigualdades e as injustiças
socioambientais, procurando problematizar as contradições dos modelos de
desenvolvimento e de sociedade. Compreendendo o ser humano como integrante da
natureza, defende que a mudança ambiental não caminha separada da mudança social e
cultural. Se nutre do pensamento Freireano, Educação Popular, Teoria Crítica,
Marxismo e Ecologia Política (LAYRARGUES, 2012). Em decorrência dessa
perspectiva, conceitos-chave como cidadania, democracia, participação, emancipação,
conflito, justiça ambiental e transformação social são introduzidos no debate
(LAYRARGUES e LIMA, 2014). Os autores destacam que a EA Crítica cresceu
significativamente na última década, notadamente no âmbito acadêmico, e que tem
mostrado grande vitalidade para sair da condição de contra hegemonia e ocupar um
lugar central no campo, atualmente ocupado pela macrotendência pragmática. Considerando a importância de investigar como as RSMA impactam as
concepções e práticas de EA de futuros docentes emerge a pergunta norteadora desta
pesquisa: Quais são as representações sociais de meio ambiente de alunos em formação
inicial em Ciências Biológicas de uma universidade pública e seu impacto nas
concepções e práticas de EA e em sua formação docente? Neste sentido, o objetivo deste trabalho consiste em levantar as RSMA dos
alunos de um curso de licenciatura em Ciências Biológicas de uma universidade
pública, com o intuito de investigar como tais RSMA influenciam suas concepções de
EA que, por sua vez, acabam por refletir em suas práticas educativas ambientais.
Percursos Teórico-Metodológicos
Esta pesquisa foi desenvolvida com 34 alunos de um curso de licenciatura em
Ciências Biológicas de uma Universidade Pública, em uma disciplina com carga horária
de 30 h, caracterizada no âmbito das 400h de prática como componente curricular
(PCC) (BRASIL, 2002a; 2002b) que devem ser ofertadas na matriz curricular dos
cursos de formação inicial. Disciplinas com esta característica objetivam desenvolver
reflexões pedagógicas em torno de conteúdos específicos da área em questão, bem
como articular teoria e prática. Uma especificidade desta disciplina é a possibilidade de
articulação dos conteúdos pedagógicos nela trabalhados com a escola que constitui o
campo de estágio supervisionado em Ciências Biológicas (uma vez que a turma se
encontra no perfil que se inicia o estágio supervisionado no curso). Neste contexto, esta
disciplina tem por intuito articular os fundamentos teórico-práticos entre meio ambiente,
educação ambiental e interdisciplinaridade no contexto escolar, com base na discussão
de artigos de pesquisa relativos a tais assuntos, tendo como pano de fundo a
macrotendência crítica de EA. Inicialmente foi lançada a seguinte questão à turma (grande grupo): O que é MA
para você? As respostas foram sistematizadas, em forma de palavras-chave,
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reapresentadas à turma solicitando-lhes, em pequenos grupos, a elaboração de um mapa
relacional (pautado nestas palavras-chave) com a adoção de um termo central (escolhido
por eles) buscando construir as relações que julgassem pertinentes com os demais
termos. A atividade de elaboração dos mapas teve o intuito de levantar as RSMA iniciais
da turma. Estas foram analisadas e categorizadas com base em Reigota (1998). Na
sequência foram introduzidos um artigo de pesquisa em EA: Representação Social de
meio ambiente e educação ambiental no ensino superior (LUIZ, AMARAL, PAGNO,
2009) e o vídeo História das Coisas (LEONARD, 2005). Após discussões em grande
grupo em torno das atividades acima mencionadas foi solicitado à turma a reelaboração
do mapa relacional, seguindo os mesmos critérios já apontados, deixando-os a vontade
para os reelaborarem. Nosso objetivo com esta atividade foi identificar indicativos de
mudança nas RSMA da turma, com base nos mapas elaborados a priori e a posteriori. Os artigos de pesquisa em EA trabalhados na sequência, em forma de seminário
dos alunos foram As macrotendências político-pedagógicas da educação ambiental
brasileira (LAYRARGUES e LIMA, 2011; 2014) e Atributos da EA escolar no contexto
educacional brasileiro: do movimento ambientalista internacional ao nacional
(TORRES, MAESTRELLI, 2012). Estes visaram fomentar o debate sobre as diferentes
macrotendências de EA, os atributos da EA crítico-transformadora (TORRES e
MAESTRELLI, 2012) e a influência das RSMA nas práticas educativas. A partir das
discussões e fundamentações teóricas construídas pelos licenciandos em torno dos
conteúdos destes textos foi lhes solicitada à produção de sínteses crítico-reflexivas e a
análise de projetos de EA escolar existentes nas escolas campos de estágio e/ou obtidos
na internet. Finalmente, foi introduzida a discussão em torno das diferentes concepções que
giram em torno do termo “interdisciplinaridade”, bem como sobre multi, pluri e
transdisciplinaridade. Com base nestas fundamentações teóricas, foi solicitada à turma
(pequenos grupos) a elaboração de um projeto de EA escolar na perspectiva curricular
por eles defendidas, a avaliação da disciplina e suas autoavaliações. Para a análise dos dados nos pautamos nos seguintes materiais empíricos
produzidos pelos licenciandos: mapas relacionais (a priori e a posteriori), sínteses
reflexivas em torno de artigos de pesquisa e análise de práticas escolares de EA (campo
de estágio), proposição de projetos de EA escolar elaborados como atividade final e,
autoavaliações produzidas pelos alunos ao longo do curso. A análise destes dados foi
fundamentada nos procedimentos teórico-metodológicos da Análise Textual Discursiva
(ATD) (MORAES, GALLIAZI, 2011) com base nas categorias a priori:
“Representações sociais de meio ambiente a priori e a posteriori”, bem como na
categoria emergente “As influências das RSMA nas concepções de Educação Ambiental
e seus impactos na formação docente”. Os trechos selecionados com base nas produções
dos alunos foram identificados a partir do sistema alfanumérico: L1, L2, L3, ..., L12 (L=
Licenciando), a fim de preservar suas identidades. A ATD consiste da etapa de
unitarização que permiti a desconstrução dos textos do corpus; da etapa de
categorização que propicia o estabelecimento de relações entre os elementos unitários,
tendo em vista o captar de um novo emergente mediante a etapa de comunicação, em
que a nova compreensão pode ser comunicada. Após a análise do material empírico coletado pudemos identificar indicativos de
mudanças de RSMA, bem como identificamos concepções de EA Crítica de alguns
licenciandos.
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Representações Sociais de Meio Ambiente a priori e a posteriori Inicialmente foi lançada a seguinte questão à turma (grande grupo): O que é MA
para você? As respostas foram sistematizadas, em forma de palavras-chave:
Espaço onde tudo se conecta;
Complexo;
Tudo e todos;
Mato;
Exploração da natureza; Recursos utilizáveis; floresta; Visão romântica do ambiente; Relação ser humano – meio am-
biente;
Vida;
Água acabando; Espaço com recursos para serem
utilizados; Relação homem-natureza;
Ser humano;
Meio em que vivemos;
Exploração do meio ambiente;
Ambição;
Espaço-tempo; qualidade de vi-
da para todos os indivíduos; Espaço que acontece interações; Qualidade de vida;
Cuidado e saúde; Dependência mútua;
Planeta;
Natureza;
Área urbanizada;
Proteção do meio ambiente;
Educação;
Mudança;
Harmonia;
Equilíbrio;
Ambiente físico;
Preservação;
Meio que precisamos para so-
breviver;
Relação micro-macro;
Espaço;
Lugar;
Suporte do mundo;
Contexto;
Amazônia;
Homem egocêntrico.
Na sequência, as mesmas foram reapresentadas à turma solicitando-lhes, em peque-
nos grupos, a elaboração de um mapa relacional (pautado nestas palavras-chave) com a
adoção de um termo central (escolhido por eles) buscando construir as relações que jul-
gassem pertinentes com os demais termos. Seguem dois exemplos:
Figura1: Exemplares de mapas relacionais produzidos pelos licenciandos, ressaltando suas
RSMA a priori.
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É possível observar nos mapas relacionais produzidos a adoção dos temas
centrais Vida e Ser Humano, a partir dos quais as relações estabelecidas são
unidirecionais, partindo dos temas centrais. O uso das palavras-chave sugere apresentar
indicativos de RSMA naturalistas (planeta, natureza, ser humano, preservação,
dependência mútua) e antropocêntricas (Ser humano, exploração do meio
ambiente/natureza, recursos utilizáveis, ambição), além de alguns elementos que
sugerem uma RSMA globalizante, como educação, complexo, relação homem-natureza
e as dimensões espaço-tempo. Contudo, ao buscarmos entender as relações
estabelecidas entre as palavras-chave, estas acenam para a preponderância de RSMA
naturalistas e antropocêntricas.
A solicitação de elaboração de novos mapas relacionais produzidos após leitura e
discussão de artigos de pesquisa em EA com ênfase nos fundamentos teórico-
metodológicos da área e na apresentação e discussão de um vídeo que abarca aspectos
inerentes ao modelo de produção e reprodução da vida na sociedade capitalista de
consumo, nos permitiu evidenciar indicativos de mudanças em suas RSMA. Um
exemplo pode ser identificado na figura abaixo:
Figura 2: Exemplar de mapa relacional produzido por um grupo de licenciandos,
ressaltando suas RSMA a posteriori.
Um primeiro aspecto a ser destacado é o fato de o grupo ter adotado como tema
central “espaço que acontece interações”, que nos permitem pensar na dimensão espaço-
tempo envolvendo de modo a trazer a ideia da “relação entre micro e macro” estrutura
onde se situam “tudo e todos”, sugerindo a consideração da existência do meio abiótico
e biótico, respectivamente, onde a “sociedade” se faz presente e capaz de realizar uma
“mudança” através de uma “educação” que propicie uma “qualidade de vida para todos
os indivíduos”. Isto acena para uma concepção mais ampla e crítica de que os seres
humanos ao serem transformados pelo processo educativo passarão a considerar não
apenas sua própria qualidade de vida, mas de todos os seres vivos dando uma ideia de
respeito à biodiversidade. Por outro lado o grupo ainda representa MA por um viés
naturalista expressa através da palavra-chave “visão romântica do ambiente”, bem como
uma RSMA antropocêntrica ao explicitar a relação entre “homem egocêntrico” que visa
a “exploração da natureza”, em que ambas RSMA devem ser transformadas através de
processos educativos (educação) que resultem em “qualidade de vida para todos os
indivíduos”. Em nossa concepção o grupo está sugerindo que as RSMA naturalista e
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antropocêntrica sejam transformadas no âmbito de uma sociedade que busque mudanças
(cultural e social) mediante processos formativos educacionais – o que aponta para
relações entre aspectos naturais, sociais e culturais do ambiente, o que configuraria uma
RSMA globalizante.
Buscamos através da apresentação e análise dos mapas sinalizar para a existência
de indicativos de mudanças ocorridas nas RSMA dos licenciandos. A análise dos demais
materiais por eles produzidos nos permitiu localizar trechos que corroboram tais
indicativos:
(...) como a maioria da sala meu conceito inicial desde que entrei na
faculdade era naturalista, de imaginar o meio ambiente como algo que
não se pode tocar, e tem que ser totalmente preservado. Mas também
já tive a visão antropocêntrica, de acreditar que o homem tem algum
direito sob (sic) a natureza, e que ela só existe para a sobrevivência do
ser humano. Porém depois da matéria passei a pensar diferente (L4). Quando chegamos, apesar de estarmos no terceiro ano de um curso de
biologia, tínhamos uma representação social de meio ambiente
naturalista ou antropocêntrica. Percebemos que uma forma
globalizante de entender o meio ambiente é mais ética que as
anteriores, por isso muitos de nós abandonamos a visão de mundo
contraditória e tomamos um novo posicionamento, que influenciará
nossa prática educativa enquanto professores de ciência e biologia
(L5).
Quando iniciei a disciplina eu tinha noção de que o conceito “meio
ambiente” envolve também seres humanos e suas diversas formas de
ocupar o ambiente. Na disciplina, consegui construir argumentos
consistentes acerca do conceito Meio Ambiente (L7).
Ao longo das aulas de Prática de Pesquisa em Ensino de Ciências 4,
venho desconstruindo a concepção de meio ambiente antecedente,
para uma nova forma de se olhar o meio ambiente, sendo ele (neste
novo prisma) totalizado não apenas pelos fatores bióticos e abióticos
da natureza, mas também as dimensões humanas, compreendendo que
nós também fazemos parte deste ambiente, tanto na esfera política,
cultural, econômica, etc. Assim, nós não apenas transformamos o
meio (relações entre a natureza e a sociedade) em que vivemos, mas
ele também nos transforma enquanto seres históricos (L12).
A análise em torno da fala de L4 sugere indicativos de um reconhecimento
pessoal sobre a necessidade de mudança de RSMA que sejam para além da naturalista e
antropocêntrica. Já L5 reconhece a predominância das RSMA naturalista e
antropocêntrica da turma (uma vez que o levantamento, discussão e aprofundamento
teórico se deram em pequenos grupos e grande grupo, respectivamente), bem como que
alguns licenciandos avançaram na direção de uma RSMA globalizante por ser mais ética
e mais efetiva no exercício da docência. Por outro lado, L7 reconhece ter já, no início da
disciplina, uma RSMA globalizante, mas considera que a mesma lhe possibilitou a
construção de argumentos consistentes sobre MA. Por fim, L12 reconhece que a
disciplina desencadeou um processo de desconstrução de sua concepção prévia de MA
pautada em aspectos essencialmente naturais, sinalizando para a construção de uma
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concepção de MA globalizante que envolve várias dimensões do ambiente e considera o
papel dialético da transformação dos sujeitos históricos em sua relação com o meio
natural e social.
Uma vez constatados alguns indicativos de mudanças das RSMA naturalistas e
antropocêntricas em direção a globalizante (mediante os fragmentos de textos acima
explicitados), a ideia agora é apresentar possíveis influências das mudanças nessas
RSMA, nas concepções de EA dos licenciandos e seu impacto na formação docente.
As influências das RSMA nas concepções de Educação Ambiental e seus impactos
na formação docente
Ressaltamos que durante a disciplina objetivou-se propiciar aos alunos a
possibilidade deles próprios traçarem paralelos entre as concepções de MA e de EA
(mediante leitura e discussão de artigos de pesquisa em EA), no sentido de destacar que
a forma que se concebe MA tem influência direta nas práticas educativas de EA. Um
dos artigos de fundamental importância para a construção desta percepção foi relativo às
macrotendências pedagógicas de EA.
A produção de outras atividades pelos licenciandos (sínteses reflexivas, análise e
produção de projetos interdisciplinares de EA escolar e as autoavaliações), sugere ter
ajudado na compreensão da concepção dos licenciandos sobre as macrotendências
político-pedagógicas de EA. Destacamos que as análises foram feitas pelos próprios
alunos da disciplina sobre algum projeto de EA nas escolas em que eles realizaram o
estágio docente obrigatório – cujo projeto eles mesmos escolheram. O objetivo da
análise dos projetos foi levantar as possíveis potencialidades e limites dos mesmos, bem
como propor possibilidades de adequação na direção de um projeto de EA em uma
perspectiva interdisciplinar crítica. Como esta análise foi realizada como atividade final
da disciplina, as concepções de EA e RSMA aparecem de uma maneira melhor
elaborada e crítica. Nesta direção seguem alguns extratos que representam as
concepções de EA construídas pelos alunos, ao longo da disciplina:
Pensar em educação ambiental, o que vem a cabeça? Primeiramente
era a natureza e o homem, dois seres que isoladamente formavam o
meio ambiente, onde a relação homem para com a natureza era
unidirecional, homem sempre dependendo da natureza. Pensando que
a única forma de ajudar o meio ambiente era reciclar, jogar o lixo no
lugar certo e economizar água. Mas como dizem o ser humano é
constituído e pode mudar a qualquer momento, ideais e concepções do
certo e errado estão em constante construção e assim mudando o ser.
Como educadores temos o dever de ser crítico e fazer com que esse
pensamento contamine e sirva de mudança para outras pessoas e isso
gere uma grande mudança (L9).
Ao serem normativas e conteudistas, as macrotendências
conservadoras apostam que o simples contato com o conhecimento
elitista produzido na academia irá solucionar a problemática
ambiental. O que, na verdade, enxergo como uma forma de limitar a
autonomia e criticidade dos alunos, pois, enquanto estou ocupada
ouvindo um monólogo sobre “reciclagem e interdependência”, nega-
se espaço para problematizar as verdades dadas como naturais e
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inevitáveis de um sistema econômico que é concebido somente na
desigualdade. Nega-se, portanto, a possibilidade de mudança dessa
realidade, pois a ideia é dar lugar a adequação e a reprodução da
realidade vigente (L3).
Pude perceber então que todas essas vertentes possuíam dois únicos
viés sendo um hegemônico e outro não-hegemônico. A educação
ambiental crítica é de um viés não-hegemônico, e é a única visão que
busca entender a realidade socioambiental da população de maneira
politizada, tentando desvelar o quão funcional seria as práticas
inocentes da educação hegemônica. Esta encontra-se de fato
preocupada em solucionar os problemas sociais relacionados com o
ambiente e ao meu ver é a única forma concreta de que se possa
alcançar esses objetivos citados (L11).
A nova forma de se ver/ensinar/construir a Educação Ambiental,
envolvendo a criticidade, a inserção do homem na visão de meio
ambiente, inserindo o social, a transformação, faz com que se traga a
tona a ideia de que o homem faz parte do mundo, assim como
qualquer outro ser e que em sociedade todos somos capazes e temos o
direito de agir sobre a nossa realidade e a realidade de todo o mundo
(L1).
Em L9 observa-se, primeiramente, o reconhecimento do licenciando de mudança
em sua RSMA e tece críticas às macrotendências conservacionista e pragmática de EA
ao citar práticas de EA, que acabam por ser ingênuas, uma vez que não abordam os
mecanismos de produção e reprodução do modelo de organização social pautado no
capitalismo. Em um segundo momento, reconhece o papel do sujeito histórico e da
educação como transformadores do modelo social vigente. L3 tece críticas às
macrotendências de EA conservacionista e pragmática questionando o papel do
conhecimento científico de caráter meramente transmissivo (por exemplo, em torno de
assuntos como reciclagem e interdependência) e legitimador dessas concepções
ingênuas de EA. Já L11 para além de denunciar estas macrotendências não-críticas
sinaliza a possibilidade única de a macrotendência crítica desvelar e “entender a
realidade socioambiental da população de maneira politizada”. Nesta mesma direção,
L1 corrobora a construção de uma concepção crítica de EA em que o ser humano é o
agente da transformação social.
Além dos indicativos de mudanças nas RSMA dos licenciandos e a influência
destas na construção de suas concepções de EA, outro aspecto importante pode ser
ressaltado, a saber: o impacto na formação docente destes licenciandos resultantes da
construção de conhecimentos fundamentados em uma perspectiva que envolva a
reflexão-ação em torno do modelo de produção material, social e cultural da sociedade
contemporânea. Segue um exemplo:
Os conteúdos trabalhados foram relevantes para a construção de um
conhecimento mais embasado sobre educação ambiental, conhecendo
as concepções de meio ambiente (RS) e entendendo o quanto essas
concepções influenciam diretamente a prática educativa (L6).
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Em L6 é possível destacar a criação de um paralelo entre conteúdos teóricos
trabalhados na disciplina e a influência desses conteúdos na prática educativa como um
todo, evidenciando o resultado e o potencial crítico de uma articulação teoria-prática
presente como componente curricular na formação de futuros docentes. A percepção de
uma visão mais totalizante e transformadora da realidade também se deve a essa
articulação. Portanto:
Compreender as macrotendências pedagógicas (de EA) é crucial para
a formação escolar clara, crítica e libertadora, que faça com que os
indivíduos realmente entendam a realidade em que vivem e
transformem essa realidade, e não somente mantenham essa situação,
que no fundo, é a que gera todos os problemas ambientais, logo, nesta
perspectiva (crítica e libertadora considera-se), além dos problemas
ambientais da natureza, as desigualdades sociais, o desemprego, a
violência em todas as suas formas (L10).
Em L10, o diálogo criado entre as RSMA a priori e a posteriori dos licenciandos
e as tendências críticas de EA propiciou a compreensão da potencialidade crítico-
transformadora da EA (TORRES, 2010), que compreende que o levantamento e a
análise dos problemas ambientais se dão em âmbito local em articulação com a
macroestrutura social, tendo em vista a transformação dos problemas ambientais locais.
Nesta mesma direção segue outro trecho:
As concepções de educação ambiental conservadoras estão a favor da
manutenção do modelo de produção capitalista e, consequentemente,
da manutenção de todos os privilégios construídos pela classe
dominante em detrimento da classe dominada, que, por conta disso
sofre com diversas práticas discriminatórias como sexismo, racismo,
homotransfobias, feminicídio. Isso, porque a sociedade capitalista
construiu a cultura do preconceito para justificar a exploração do
trabalho de pessoas como os negros ou se apropriou de discursos
discriminatórios como o sexismo, tudo isso para a geração do lucro.
Portanto, construir uma visão crítica de meio ambiente (e de EA) é
questionar as estruturas capitalistas em todos os seus parâmetros (L2). Em L2 destaca-se a concepção de EA em uma perspectiva crítica, uma vez que,
aponta os problemas sociais (para além dos naturais) como sendo resultantes do modelo
de organização social em que vivemos, pautado no capitalismo.
Considerações finais A forte presença das RSMA Naturalistas e Antropocêntricas apontadas na
sociedade pelos pesquisadores da área, bem como a dicotomia existente entre o pensar a
relação sociedade, cultura e natureza, que tem fundamentado conhecimentos e práticas,
ao longo do tempo, foi corroborada neste trabalho com base nas análises dos materiais
produzidos por licenciandos do curso de Ciências Biológicas, de uma universidade
federal. Sistematizar as RSMA e as concepções de EA e fazer discussões acerca de
artigos de pesquisa da área e de práticas escolares de EA pode ser um meio de construir
uma concepção de EA crítica, visando alcançar uma concepção de EA crítico-
transformadora (TORRES, 2010), que leve em consideração um posicionamento
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político-pedagógico. As falas que emergiram das atividades realizadas onde os licenciandos
procuraram se posicionar e fazer denúncias daquilo que acreditavam ser contraditório
no âmbito da área de EA, indicam justamente esse movimento de compreensão da
existência de diferentes concepções de EA, da dicotomia entre natureza, cultura e
sociedade pautada por visões conservadoras de mundo. Os licenciandos ao fazerem reflexões baseadas nas discussões e artigos de
pesquisa, construíram paralelos entre suas próprias concepções e suas práticas de EA
como docentes em formação, o que pode evitar essa dicotomização da realidade
ambiental, permitindo o estreitamento das dimensões sociedade/cultura e natureza e a
formação de uma visão crítica e globalizante de meio ambiente, em que o sujeito, ao
mesmo tempo em que transforma o meio ambiente é também transformado por ele. Portanto, observa-se que trazer à tona a possibilidade de mais de uma única
representação social de MA resulta em uma reflexão sobre as próprias ações, ou seja, as
próprias práticas educativas, as quais podem agora, diante deste novo prisma, serem
transformadas, transformando também a visão de mundo dos sujeitos, num constante
processo de ação-reflexão-ação, fundamentados em perspectivas político-filosóficas
que consideram em suas análises o modelo de organização social, material e cultural da
sociedade contemporânea.
Referências
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