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REPRESENTAÇÕES SOCIAS DE UMA PORTADORA DE LÚPUS ERITEMATOSO SISTEMICO (LES): ALGUMAS REFLEXÕES A CERCA DO PROCESSO SAÚDE-DOENÇA-CUIDADO. RODRIGUES,Camila dos Santos Graduanda do Bacharelado Interdisciplinar em Saúde na UFRB Email: [email protected] SANTANA,Elvira Rodrigues Graduanda do Bacharelado Interdisciplinar em Saúde na UFRB Email:[email protected] SANTANA,Rodolpho Barbosa Alves. Graduando do Bacharelado Interdisciplinar em Saúde na UFRB Email: [email protected] Este trabalho foi desenvolvido no módulo de Qualidade de Vida II do Bacharelado Interdisciplinar em Saúde da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) e teve como objetivo analisar e compreender as representações sociais que um portador de doença crônica tem a cerca do processo saúde-doença-cuidado. Por meio de conveniência e curiosidade dos integrantes do trabalho pela doença, foi escolhido uma portadora do Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES). Essa doença é um distúrbio multissistêmico inflamatório, crônico, do tecido conjuntivo, que afeta principalmente mulheres, envolvendo a pele, articulações, rins e membranas serosas. Ele resulta de um distúrbio de regulação imune que causa uma produção exagerada de anticorpos. A manifestação cutânea mais familiar é a lesão aguda consistindo em um “rash” em forma de borboleta que vai da ponta do nariz

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REPRESENTAÇÕES SOCIAS DE UMA PORTADORA DE LÚPUS

ERITEMATOSO SISTEMICO (LES): ALGUMAS REFLEXÕES A CERCA

DO PROCESSO SAÚDE-DOENÇA-CUIDADO.

RODRIGUES,Camila dos Santos

Graduanda do Bacharelado Interdisciplinar em Saúde na UFRB

Email: [email protected]

SANTANA,Elvira Rodrigues

Graduanda do Bacharelado Interdisciplinar em Saúde na UFRB

Email:[email protected]

SANTANA,Rodolpho Barbosa Alves.

Graduando do Bacharelado Interdisciplinar em Saúde na UFRB

Email: [email protected]

Este trabalho foi desenvolvido no módulo de Qualidade de Vida II do Bacharelado Interdisciplinar

em Saúde da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) e teve como objetivo analisar e

compreender as representações sociais que um portador de doença crônica tem a cerca do processo

saúde-doença-cuidado. Por meio de conveniência e curiosidade dos integrantes do trabalho pela

doença, foi escolhido uma portadora do Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES). Essa doença é um

distúrbio multissistêmico inflamatório, crônico, do tecido conjuntivo, que afeta principalmente

mulheres, envolvendo a pele, articulações, rins e membranas serosas. Ele resulta de um distúrbio de

regulação imune que causa uma produção exagerada de anticorpos. A manifestação cutânea mais

familiar é a lesão aguda consistindo em um “rash” em forma de borboleta que vai da ponta do nariz

às bochechas. As lesões pioram durante exacerbações da doença sistêmica, podendo ser provocadas

pela luz ultravioleta do sol ou artificial.

Cada pessoa tem a sua representação das coisas, delimitando objetos e entidades, estruturando suas

características e fixando seu sentido em contextos sociais. São o “lidando com o caso” do dia-a-dia¹.

No caso de uma portadora de doença crônica sua representação foi influenciada pela doença,

principalmente quando se tratando do Lúpus que além de atingir o físico, atinge também o

psicológico por modificar a “beleza” da pessoa frente à sociedade e perante ela mesma.

Para alcançar o objetivo inicial foi utilizado um estudo de caso, onde foi possível identificar as

diversas faces que envolvem o paciente durante o tratamento, tais como o seu histórico, o cuidado

dispensado a esse indivíduo e também o ambiente no qual ele está inserido, observando essas

interações.² Com o fim específico de analisar os significados do Lúpus, a abordagem qualitativa do

estudo nos levou ao estabelecimento de três proeminentes categorias: a experiência humana da

doença, o curso da vida com o Lúpus e as relações com sua auto-imagem.³

Foram várias as representações que a entrevistada fez do seu adoecer, como o medo de contaminar

a família: “perguntei se tinha perigo de passar para outra pessoa por que eu tenho meus filhos

usando o pente se podia alguém pentear, dormir na mesma cama comigo”,o medo que alguns

membros da família tiveram dela: “Eu só senti preconceito de uma pessoa da família que ficou com

cisma de mim não podia tocar a mão no meu cabelo”, a utilização da religião como forma de

conforto: “ fiquei feliz que Deus me deu uma doença que não foi o câncer” e o apoio aos outros que

passam pela mesma situação: “Quando eu vejo as outras pessoas que tem lúpus no sangue eu faço a

mesma coisa que faço comigo dou força e digo para não ter medo.”

No fim, são várias as representações que as pessoas fazem do seu adoecer que são independentes

do saber médico. Vivenciar uma doença é relacionar-se de forma conflituosa com o social. Por

outro lado, é uma forma de conhecer-se, visto que aprende a se superar para enfrentá-la.

Fundamenta-se aí a necessidade das representações serem consideradas, na Educação em Saúde, em

um compartilhamento de saberes 4.

Palavras chave: Representações sociais, Lúpus Eritemaso Sistêmico, Doença crônica.

Introdução

Atualmente, observa-se, que as repercussões do desenvolvimento científico e tecnológico nas

condições de vida da população, têm levado ao aumento da expectativa de vida, expondo a

população a um maior risco de desenvolver doenças crônico-degenerativas, ocupando estas, as

primeiras posições nas estatísticas de mortalidade do Brasil (MARTINS et AL 2006).

A doença crônica pode começar como uma condição aguda, aparentemente insignificante e que

se prolonga através de episódios de exacerbação e remissão. Embora seja passível de controle, o

acúmulo de eventos e as restrições impostas pelo tratamento podem levar a uma drástica

alteração no estilo de vida das pessoas como, por exemplo, as pessoas portadoras de lúpus

(MARTINS et al 2006). O lúpus eritematoso sistêmico (LES) é uma doença inflamatória crônica

que acomete múltiplos órgãos ou sistemas. Sua etiologia é multifatorial, em que a interação da

predisposição genética e diversos fatores, como os hormonais, ambientais e infecciosos, levam à

perda da tolerância imunológica. É uma moléstia com variado espectro de apresentação clínica,

que evolui cronicamente, com fases de exacerbações e períodos de remissões. A manifestação

cutânea mais familiar é a lesão aguda consistindo em um “rash” em forma de borboleta que vai

da ponta do nariz às bochechas. As lesões pioram durante exacerbações da doença sistêmica,

podendo ser provocadas pela luz ultravioleta do sol ou artificial. Acomete, principalmente,

mulheres jovens e seu prognóstico tem melhorado nas últimas décadas (SATO, 2008). O LES é

uma representação de um mecanismo patogênico comum decorrente de diferentes fatores

genéticos e ambientais. Trata-se de síndrome de natureza autoimune caracterizada por processo

inflamatório sistêmico, como pele, articulações, rins, cérebro e coração (SELLA et al., 2001).

Segundo Costallat e cols. (2002), as manifestações clínicas são extremamente diversificadas, e a

evolução não é igual em todos os casos, porém, se não tratada, é na maioria das vezes uma

patologia progressiva e com alto índice de mortalidade.

A sintomatologia do Lúpus é muito diversificada, compreendendo dores nas articulações, febre

alta, tendinite, artrite, fadiga extrema ou prolongada, mal estar, falta de apetite, emagrecimento,

inflamações cutâneas, anemia, dor no tórax ao inspirar profundamente causado pela pleurite,

erupções no nariz e no malar, queda de cabelo, fenômeno de Raynoud, convulsões, irritabilidade,

enxaqueca, depressão, choro fácil, psicose, miosite e ulcerações no nariz e na língua, podendo se

observar eritema e ceratose na mucosa bucal, sendo estas importantes para o diagnóstico da

referida patologia (AFFELDT et al., 2006). Para Schultz e cols. (2002), em consequência dos

problemas que podem ser provocados por essa doença ocorre uma limitação funcional no

desempenho do indivíduo, havendo restrição e ou inaptidão para realizar atividades consideradas

normais para o indivíduo. Geralmente, o tratamento destinado a esses pacientes não possui uma

abordagem integral, sendo esta realizada de forma dissociada, não considerando o aspecto

incapacitante e psicossocial da enfermidade.

Para sabermos mais sobre essa enfermidade nada melhor que analisar essa patologia não do

ponto de vista clínico, laboratorial, patológico e funcional da doença, mas do ponto de vista do

enfermo, daquele que vivencia no próprio corpo o mal, buscando de alguma maneira enxergar a

dificuldade, tristeza, dor, angústia, o isolamento social que atinge essas pessoas, a partir de seus

próprios relatos (RANUZZI 2010). Pois cada pessoa tem a sua representação das coisas,

delimitando objetos e entidades, estruturando suas características e fixando seu sentido em

contextos sociais. Representações sociais são vistas como atributos individuais, como estruturas

de conhecimento individualmente acessíveis, embora compartilhadas. Elas delimitam objetos e

entidades, estruturam suas características e fixa seu sentido em contextos sociais Esse ponto de

vista do conceito o torna versátil, dando margem a várias interpretações e práticas que nem

sempre são compatíveis umas com as outras(MOREIRA E OLIVEIRA,2000). A representação

social é um saber de caráter dinâmico que estabelece a relação entre sujeito e objeto para

desvendar o caminho e produção e reprodução de determinado conhecimento identificado em

quatro categorias: a cultura, a linguagem, a comunicação e a sociedade (MOSCOVICI 2003). A

representação social é sempre representação de alguma coisa (objeto) ou de alguém (sujeito) e as

características do sujeito e do objeto nela se manifestam. Apresenta com o seu objeto uma

relação de simbolização e de interpretação e estas significações resultam de uma atividade que

faz da representação uma construção e uma expressão do sujeito (JODELET 2001).

Melhor do que qualquer outro objeto cultural, o corpo relata imagens que refletem a

integração da experiência pessoal subjetiva e das relações sociais. O corpo humano é o ponto de

referência para estados individuais de sentimentos. Prazer e dor são definitivamente campos

pessoais de experiência. No caso de uma portadora de doença crônica as suas representações

sociais são influenciada pela doença, principalmente tratando do Lúpus que além de atingir o

físico, atinge também o psicológico por modificar a “beleza” da pessoa frente à sociedade e

perante ela mesma. Diferentes maneiras de conceber e lidar com o mundo geram formas distintas

de perceber e interpretar significados e sentidos do processo saúde-doença (RANUZZI 2010).

Falar sobre saúde não equivale a falar sobre não-doença, e falar sobre doença não equivale a

falar sobre não-saúde, e saúde e doença não são situações polares. Temos consciência que a cada

ano novos problemas de ordem física, mental e social acometem a população mundial e, neste

contexto, algo que tem preocupado as autoridades de saúde e já se transformou em problema de

saúde pública são as doenças autoimunes (PAIM, 2005). A saúde coletiva propõe um novo modo

de organização do processo de trabalho em saúde que enfatiza a promoção da saúde, a prevenção

de riscos e agravos, a reorientação da assistência a doentes e a melhoria da qualidade de vida,

privilegiando mudanças nos modos de vida e nas relações entre os sujeitos sociais envolvidos no

cuidado à saúde da população (PAIM, 2005).

Estratégias da saúde pública surgiram como uma reação à medicalização da saúde na sociedade,

em geral, e no interior do próprio sistema de saúde. Vem-se delineando um novo paradigma para

o entendimento do processo saúde—doença que privilegia a ideia de que esse processo é

resultado de uma produção social. Assim, a saúde de cada indivíduo, dos vários grupos sociais e

de cada comunidade depende das ações humanas, das interações sociais, das políticas públicas e

sociais implementadas, dos modelos de atenção à saúde, das intervenções sobre o meio ambiente

e de vários outros fatores (Mendes, 1999;Santos e Westphal, 1999). Fica claro então que

promover saúde e humanizar a atenção à saúde são trabalhos processuais de longo prazo,

dinâmicos e intimamente relacionados com o contexto em que se desenvolvem. São processos

amplos, demorados e complexos, ao qual se oferecem resistências, pois envolvem, entre outras

coisas, mudanças de comportamento, que sempre despertam insegurança, principalmente no que

diz respeito às doenças crônicas, ao passo que os padrões culturais, institucionais e

comportamentais já conhecidos parecem mais seguros (NOGUEIRA - MARTINS, 2002a;

2002b).

E por ser um processo tão complexo e amplo, se torna um desafio na formação e

desenvolvimento dos trabalhadores de saúde, pois cabe a eles não dicotomizar a atenção

individual da atenção coletiva, as doenças e adoecimentos da vigilância da saúde; a qualidade de

vida (biologia) do andar da vida (produção subjetiva); não fragmentar os grupos de trabalhadores

(da gestão, da atenção e da vigilância); não perder o conceito de atenção integral à saúde e

realizar o trabalho educativo junto à população e, finalmente, aceitar que há incerteza na

definição dos papéis profissionais, onde há alternância de saberes e práticas de cada núcleo

constituído das profissões de saúde e do campo da atenção integral à saúde ( LAPPIS 2004)

E é nesse sentido que uma nova formação no campo da saúde, busca orientar-se, formação

interdisciplinar que vai além do conhecimento fisiológico da doença, compromete-se em

considerar todo o processo saúde-doença-cuidado que está vivenciando o portador da doença.

Entender as representações destes em relação á sua situação, em relação ao outro e a sociedade, é

um conhecimento que está intimamente alicerçado ao cuidado (MACHADO et al 2007).

A construção do conhecimento com base nas reflexões da práxis de educação em saúde aponta

para a necessidade de efetivar um processo educativo em saúde envolvendo a comunidade por

meio de um processo participativo que permita uma reflexão crítica da realidade e dos fatores

determinantes de um viver saudável. A educação em saúde como processo político pedagógico

requer o desenvolvimento de um pensar crítico e reflexivo, permitindo desvelar a realidade e

propor ações transformadoras que levem o indivíduo a sua autonomia e emancipação enquanto

sujeito histórico e social capaz de propor e opinar nas decisões de saúde para o cuidar de si, de

sua família e da coletividade (MACHADO et al 2007) . Dessa forma, ações que pretendam

alcançar o “empoderamento”, ou seja, o ganho de poder por alguém. Poder para tomar decisões,

para realizar ações, individuais e coletivas. Implica em auto estima, motivação, consciência e

compromisso social. É o empoderamento dos grupos sociais - sujeitos das ações dos serviços de

saúde - implicam na negação do assistencialismo como prática centrada em si mesma. Seu

oposto são ações que valorizam a participação e a inclusão como estratégias (MARTINS et al

2004).

Com base no que foi exposto, este estudo teve a intenção de analisar e compreender as

representações sociais que um portador de doença crônica tem a cerca do processo saúde-

doença-cuidado relacionando todo o longo e complexo processo de lidar com um mal incurável,

com as reflexões e representações da portadora da doença.

Metodologia

Este trabalho foi desenvolvido no módulo de Qualidade de Vida II do Bacharelado

Interdisciplinar em Saúde da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), com o

objetivo de entender as representações sociais de um portador de alguma doença crônica. A

escolha da pessoa pesquisada foi feita por conveniência, tendo como único critério ser

portadora de alguma doença crônica. Devido à forma de escolha do pesquisado, acabou sendo

entrevistada uma pessoa próxima a um dos pesquisadores, a qual era portadora de Lúpus

Eritematoso Sistêmico (LES), porém isso não prejudicou a pesquisa devido ao fato dos outros

pesquisadores, os quais também analisaram a entrevista, não terem nenhum contato anterior

com a entrevistada minimizando os problemas e maximizando as vantagens causadas devido

a essa proximidade (DUARTE, 2002). Entender o LES como experiência cultural vivenciada

no universo feminino é uma das intenções centrais desta pesquisa. A abordagem escolhida foi

o método qualitativo, nas pesquisas qualitativas é frequente que o pesquisador procure

entender os fenômenos segundo a perspectiva dos participantes da situação estudada e, a

partir daí situe sua interpretação dos fenômenos estudados (RANUZZI apud NEVES, 1996).

E através desse método qualitativo que procuramos entender o processo pelo qual a

entrevistada constrói significados e os descreve. Não coube a nós explicar as ocorrências

individuais ou coletivas, listando e mensurando seus comportamentos ou correlacionando

quantitativamente eventos de sua vida. Mas, pretendemos conhecer a fundo suas vivências e

que representações ela tem de suas experiências de vida. (TURATO 2005).

A entrevista foi realizada no período de abril a maio do ano de 2011, na residência da

entrevistada com o intuito de minimizar o constrangimento que poderia ocorrer e

possibilitando uma sensação de proteção, aconchego em um ambiente familiar. O depoimento

foi áudio gravado, com o consentimento da entrevistada (RANUZZI, 2010). Para analisar

melhor a entrevista foram estabelecidas três categorias de análise: a experiência humana da

doença, o curso da vida com o Lúpus e as relações com sua autoimagem.

 

 

 

Resultados e Discussões

A portadora de Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES) tem 75 anos convive com o LES a 12 anos ,

e faz consultas periódicas . A entrevista foi realizada no período de abril a maio do ano de 2011,

na residência da entrevistada com o intuito de minimizar o constrangimento que poderia ocorrer

e possibilitando uma sensação de proteção, aconchego em um ambiente familiar. O depoimento

foi áudio gravado, com o consentimento da entrevistada (RANUZZI,2010).

Ao analisar o relato de caso foi possível identificar as seguintes categorias na entrevista: o curso

da vida com o Lúpus, a representação sobre a doença (LES), e as relações com a auto-imagem.

Neste trabalho daremos enfoque à representação sobre a doença e manteremos a fala original da

entrevistada. Ao falar sobre sua experiência vivenciando a doença, a portadora de Lúpus revelou

suas idéias e crenças principalmente em relação ao que é o Lúpus para ela, como se manifestou

em sua vida, e as conseqüências trazidas e os sentimentos que surgiram a partir de então.

A primeira questão a ser tratada foi saber como surgiu a doença, os primeiros sintomas e

diagnóstico.

“depois de muito tempo que vim sentir esse problema: começou a coçar o couro

cabeludo na parte da frente e ai pensei que fosse caspa ou piolho e quando eu

tomava sol e esquentava o tempo eu ficava pior , ai eu fui a Salvador com minha

filha ao médico(...) ele passou uma pomada um “cremesinho” para usar para ver se

melhorava ou não. Não melhorou e passado um bom tempo minha filha procurou

outro dermatologista e essa dermatologista descobriu que eu tinha que fazer uma

biópsia para saber se era Lúpus ou não , ai ela marcou a data nos fomos depois de

um mês feita a biópsia foi constatado que era o Lúpus Eritematoso”.

O relato mostrou a existência de certas dificuldades de diagnosticar o lúpus por ser uma doença

facilmente confundida com outras doenças de pele. A relação médico-paciente em um momento

tão difícil, como o de saber do diagnóstico de uma doença incurável, é extremamente

significativa para o paciente.(RANUZZI,2010)

Outra questão que está diretamente relacionada à anterior relacionou-se ao sentimento da

entrevistada ao saber do diagnóstico:

“ Perguntei a medica se tinha perigo de passar para outra pessoa por que eu tenho

meus filhos usando o pente se podia alguém pentear , dormir na mesma cama

comigo , porque eu não sabia se era hereditária ou uma coisa minha , ela disse que

não, que era do organismo e eu tinha que tomar Cloroquina por resto da vida(...)não

dói nada eu não sinto dor em lugar nenhum só tenho uma manchinha preta numa

orelha o corpo nunca manchou”

Segundo Araújo e Traverso-yépez (2007) o sentido atribuído pelos doentes ao lúpus é de algo

ruim, que apareceu do nada e podem a qualquer momento surgir novas exacerbações,

sentimentos de preocupação e medo de contaminar outras pessoas. As narrativas das

participantes revelam que os variados sintomas físicos e suas conseqüências são os que causam

mais sofrimento.

Turato e Mattje (2006) ressaltam que os conflitos interpessoais e familiares dos pacientes com

lúpus parecem estar associados com a idéia de que a família e os amigos não compreendem a

natureza da doença e as causas potenciais. Percebeu-se que o conhecimento da enfermidade

causou medo aos familiares:

“só teve um filho que teve uma “duvidazinha” que era perigoso que eu ia morrer

fácil, ia perder os rins,mas eu nasci para morrer e a gente não fica complexado com

besteira”

Agindo no sistema de representação, os membros de um grupo criam o objeto representando,

dão-lhe significado e realidade. A “duvidazinha” que o filho da portadora de lúpus teve em

relação a doença ser perigosa expressa e confirma suas crenças subjacentes; de fato, a

representação social é sempre uma unidade do que as pessoas pensam e do modo como

fazem.(MOREIRA E OLIVEIRA,2000)

Outro sentimento presente na fala da entrevistada é um sentimento de alivio pela doença não ser

um câncer:

(...)eu fiquei feliz que Deus me deu uma doença que não foi o câncer”

Esse relato é um reflexo da representação social que é atribuído ao câncer na sociedade, a idéia

de algo que cresce e destrói a vitalidade, incerteza da cura, a possibilidade de morte iminente,

aliada a grande sofrimento, sendo associado em muitas culturas à punição e ao castigo.

(CASCAIS,2008)

As representações sociais da doença são socialmente construídas por meio de discursos públicos

nos grupos. As formas como as pessoas pensam sobre essas coisas “reais e imaginárias” do seu

mundo, isto é, o conhecimento que as pessoas têm do universo, é o resultado de processos

discursivos e por tanto socialmente construídos. (MOREIRA E OLIVEIRA,2000)

Segundo Silber (1984), a discriminação e o sentimento de rejeição podem levar ao agravamento

da doença. A vida social das entrevistadas foi severamente prejudicada e, neste sentido, dois

fatores mostraram-se de extrema relevância em relação ao convívio com outras pessoas. Deve

ser considerada a questão da discriminação e sua íntima relação com a estética, que, por sua vez,

liga-se à vaidade, beleza física, forma do corpo, cabelos, pele etc., fatores de extrema relevância

no universo feminino. A entrevistada relata que foi discriminada por vizinhos, supostos amigos e

até mesmo pessoas da família:

“Eu só senti preconceito de uma pessoa da família que ficou com cisma de mim não

podia tocar a mão no meu cabelo, mas as minhas manicures me tratam com muito

carinho não tem nada ver uma coisa com outra de vez enquanto elas fazem

penteado, olham meu cabelo como é que ta dá uma pranchinha”.

“Uma vez eu tava passando na rua de boné e de sombrinha ai um homem rindo me

chamou e disse: ei ta chovendo ai é? E eu só respondi que se ele soubesse o que eu

tinha ele não ria, ele chorava, o rapaz ficou sem graça e me pediu desculpas e

tudo”.

A discriminação está diretamente associada ao tipo de lesão causada pelo lúpus, a falta de

informação das pessoas sobre a doença, o medo de contrair algo desconhecido.

Em relação à estética, a todo o momento mesmo sem perceber, fazemos julgamentos sobre

várias questões, sobre o que enxergamos, sejam objetos, pessoas, até mesmo paisagens. Critérios

de julgamento de beleza são construções sociais que variam no tempo No caso de uma portadora

de doença crônica sua representação foi influenciada pela doença, principalmente quando se

tratando do Lúpus que além de atingir o físico, atinge também o psicológico por modificar a

“beleza” da pessoa frente à sociedade e perante ela mesma (RANUZZI,2010).

“(...) pedi a Deus que nascesse o cabelo no lugar que tinha caído e nasceu, não foi

muito não mais deu um “toquezinho” bom”.

A transformação física imposta pelo Lúpus à nossa entrevistada pode ser considerada em sua

gravidade e no impacto causado sobre as subjetividades.

Ao fim da entrevista foi constatado que ela quer ser feliz e fazer as coisas simples que todo

mundo faz:

(...) “Estou com artrose, mas já ando até 1 km , ando de bicicleta, de “Biz ” e só me

falta um carrinho pra andar por ai pra descansar as pernas.”

Considerações Finais

Conhecer as representações sociais que uma portadora de Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES)

tem a cerca do processo saúde-doença-cuidado constituem dados importantes para entender as

dificuldades que ela passa, para poder conviver com a doença desde quando descoberta até a

aceitação. Com base no que foi visto concluímos que há diferentes representações a cerca da

doença que geram formas distintas de perceber e interpretar significados e sentidos do objeto

pesquisado.

Pensando muito além de uma expressão quantitativa, a experiência em abordar um tema tão

delicado como a forma de lidar com uma doença incurável, o preconceito vivido devido à

doença, a relação que ela faz entre o LES e as outras doenças, a vontade que ela tem de poder

fazer coisas simples e como ela vive feliz mesmo diante dos problemas apresentados, nos

serviu de rica experiência acadêmica, por ser algo único e gratificante, e que irá resultar numa

formação diferenciada, nos tornando profissionais capazes de lidar com a angústia de uma

doença crônica. Pois é de fundamental importância que os profissionais de saúde, que tratam

desse tipo de doença ou de qualquer doença auto-imune, entendam não somente da clínica, ou

seja, dos sintomas da doença, esses profissionais precisam enxergar não só a doença, mas sim

o doente. Deve ser enfatizado quanto a isso que o comprometimento do ânimo da paciente

pode repercutir no esforço terapêutico e, portanto, na evolução da doença. Os profissionais de

saúde envolvidos no cuidado para com os pacientes de lúpus precisam enxergá-los em toda a

sua complexidade.

Este trabalho possibilitará análises posteriores mais detalhadas sobre as representações sociais

no processo saúde-doença-cuidado, pois apesar de ter sido muito importante o que fizemos,

ainda sentimos a necessidade de fazer mais entrevistas para poder comparar as diversas

representações sociais que se tem do processo.

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