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REPRESENTAÇÕES DA RAPARIGA RURAL SOBRE A EDUCAÇÃO ESCOLAR NA ESCOLA PRIMÁRIA COMPLETA DE MAFAMBISSE- MOÇAMBIQUE Sónia Francisca Mussa Ussene PPGEDU/UFRGS 1 INTRODUÇÃO O presente artigo é resultado e recorte da proposta de tese defendida, em Outubro de 2016, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. O trabalho se desenvolve a partir das lentes dos Estudos Culturais em Educação, atravessando temas como: cultura, educação escolar, estudos culturais e gênero. Moçambique é um país, que se localiza na África Austral e como muitos outros do mundo, a questão da educação é crucial para o desenvolvimento do mesmo, em muitas vertentes da vida humana. Essa situação da educação é também e ainda importante, quando se aborda o assunto de gênero, neste caso concreto da mulher e especificamente da rapariga rural. O governo moçambicano tem se preocupado com as políticas atinentes às questões de gênero, na educação e, para o efeito, a nível nacional, essas são levadas em conta. A título de exemplo tem-se a Constituição da República (MOÇAMBIQUE, 2008), que refere no seu artigo 88 que a Educação é um direito e dever de cada cidadão. Sendo assim, o presente postulado constitui um dos suportes para a elaboração das políticas respeitantes às questões de gênero. Vale também referir que Moçambique ratificou várias convenções e declarações internacionais sobre as questões de educação e de gênero, por exemplo: o Protocolo à Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos sobre os Direitos das Mulheres em África, Educação para Todos de 1990, entre outros. O tema desta pesquisa centra-se na zona rural, pelo fato de ser nesta onde existe maior densidade populacional. Segundo Comité de Conselheiros (MOÇAMBIQUE, 2004, p. 29), "[] mais de 70%, vive em condições precárias no campo, []". Adiciona-se o fato de que, de acordo com Huo (2007), a taxa de analfabetismo é elevada, nesta zona, na ordem dos 65.7%. Esses dados juntam-se a constatação de que maior parte da população moçambicana é mulher, 52%. A opção pelo Ensino Primário Completo, deve-se ao fato do Ministério da Educação (MINED) (MOÇAMBIQUE, 2012) ter referido que, no Norte e Centro do país, há necessidade

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REPRESENTAÇÕES DA RAPARIGA RURAL SOBRE A EDUCAÇÃO ESCOLAR

NA ESCOLA PRIMÁRIA COMPLETA DE MAFAMBISSE- MOÇAMBIQUE

Sónia Francisca Mussa Ussene – PPGEDU/UFRGS

1 INTRODUÇÃO

O presente artigo é resultado e recorte da proposta de tese defendida, em Outubro de

2016, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. O trabalho se desenvolve a partir das

lentes dos Estudos Culturais em Educação, atravessando temas como: cultura, educação

escolar, estudos culturais e gênero.

Moçambique é um país, que se localiza na África Austral e como muitos outros do

mundo, a questão da educação é crucial para o desenvolvimento do mesmo, em muitas vertentes

da vida humana. Essa situação da educação é também e ainda importante, quando se aborda o

assunto de gênero, neste caso concreto da mulher e especificamente da rapariga rural.

O governo moçambicano tem se preocupado com as políticas atinentes às questões de

gênero, na educação e, para o efeito, a nível nacional, essas são levadas em conta. A título de

exemplo tem-se a Constituição da República (MOÇAMBIQUE, 2008), que refere no seu artigo

88 que a Educação é um direito e dever de cada cidadão. Sendo assim, o presente postulado

constitui um dos suportes para a elaboração das políticas respeitantes às questões de gênero.

Vale também referir que Moçambique ratificou várias convenções e declarações internacionais

sobre as questões de educação e de gênero, por exemplo: o Protocolo à Carta Africana dos

Direitos Humanos e dos Povos sobre os Direitos das Mulheres em África, Educação para Todos

de 1990, entre outros.

O tema desta pesquisa centra-se na zona rural, pelo fato de ser nesta onde existe maior

densidade populacional. Segundo Comité de Conselheiros (MOÇAMBIQUE, 2004, p. 29),

"[…] mais de 70%, vive em condições precárias no campo, […]". Adiciona-se o fato de que,

de acordo com Huo (2007), a taxa de analfabetismo é elevada, nesta zona, na ordem dos 65.7%.

Esses dados juntam-se a constatação de que maior parte da população moçambicana é mulher,

52%.

A opção pelo Ensino Primário Completo, deve-se ao fato do Ministério da Educação

(MINED) (MOÇAMBIQUE, 2012) ter referido que, no Norte e Centro do país, há necessidade

de continuar a expandir a rede escolar, de modo a assegurar o acesso à escola primária.

Acrescenta-se também que, neste nível de ensino, as taxas de desistência interanual, nestas

zonas do país, continuam preocupantes.

Por tudo o que descrevi acima e atendendo aos progressos tidos na educação da rapariga,

em Moçambique, esta continua sendo a que menos acesso tem à escola e que mais cedo desiste

dela. É com base nessa ideia de desistência, que me proponho, neste estudo, analisar as

representações da rapariga rural sobre a educação escolar, na Escola Primária Completa de

Mafambisse. Assim, entende-se por rapariga, uma mulher nova, moça, menina.

Acredito que esta abordagem tem razão de ser, se se olhar para o contexto internacional,

nacional, social, político e histórico vivido no país em relação à centralidade das questões de

gênero, considerando também as práticas socioculturais no espaço geográfico a que me

proponho desenvolver a pesquisa. Isto porque, a adesão à tradição parece ser mais acentuada a

nível das zonas rurais, comparativamente às urbanas.

Deste modo e com a finalidade de promover a igualdade de oportunidades educacionais

entre mulheres e homens em Moçambique, o estudo parte da seguinte pergunta de pesquisa:

quais são as representações sobre a educação escolar da rapariga rural, no Posto Administrativo

de Mafambisse?

Entretanto, o objetivo geral da pesquisa é: analisar as representações da rapariga rural

sobre a educação escolar na Escola Primária Completa de Mafambisse. Deste, desdobram-se os

seguintes específicos: (i) Verificar, nos documentos normativos, as políticas educacionais

existentes no país direcionadas à educação escolar da rapariga e (ii) Identificar as

representações sobre a educação escolar presentes nas narrativas das dos entrevistadas os.

2 UM OLHAR SOBRE E DOS ESTUDOS CULTURAIS EM EDUCAÇÃO

Ao iniciar esta subseção faço-a trazendo o tema de cultura. Veiga-Neto (2003) ao

abordar sobre a centralidade da cultura, afirma que essa centralidade "[…] não significa

necessariamente tomar a cultura como uma instância epistemologicamente superior às demais

instâncias sociais – como a política, a econômica, a educacional; significa, sim, tomá-la como

atravessando tudo aquilo que é do social". (VEIGA-NETO, 2003, p. 5-6).

É produtiva a ideia defendida acima por Veiga-Neto (2003), principalmente para a

questão que me proponho estudar, assim como para o contexto em que a pesquisa ocorrerá. Isto

porque, a tradição é o elemento da cultura que se encontra no cerne das discussões, uma vez

que a mulher, neste caso específico, a rapariga rural, é educada para servir o lar. Assim, parece

que, ao se dar privilégio à essa educação voltada para o lar, isso contribua de certa forma para

que haja essa desistência da rapariga da escola.

Na parte introdutória, referi que o presente trabalho se desenvolve sobre as lentes dos

Estudos Culturais em Educação, que aparecem a partir dos Estudos Culturais. Entretanto, os

Estudos Culturais, de acordo com os autores a seguir, não são uma disciplina acadêmica no

âmbito tradicional. O que lhes carateriza, é serem "um conjunto de abordagens,

problematizações e reflexões situadas na confluência de vários campos já estabelecidos, é

buscarem inspiração em diferentes teorias, é romperem certas lógicas cristalizadas e

hibridizarem concepções consagradas". (COSTA; SILVEIRA; SOMMER, 2003, p. 40).

A ideia dos Estudos Culturais referida anteriormente, remete para a relação com a

educação. Segundo Wortmann (2012), na articulação entre a Educação e Estudos Culturais,

passou-se a relacionar com uma diversidade de instituições, de práticas e de artefatos existentes

nas sociedades contemporâneas. Acrescenta a autora que, "[…] principalmente, passou-se a

pensar nos efeitos produtivos formadores construtivos que tais instituições, práticas e artefatos

têm sobre as sociedades e os sujeitos que neles vivem". (WORTMANN, 2012, p. 116).

Do conteúdo da citação acima, os Estudos Culturais mostraram-se como mais uma

possibilidade de abarcar o debate e prática educativa de outras formas, atendendo as

transformações culturais que se estavam a operar.

No que respeita a quebra de fronteiras e que atravessa este artigo estão as questões de

gênero. Na pesquisa, o foco é o gênero feminino, particularmente a rapariga. É sobre a

desistência da rapariga da escola que o estudo se orienta. A constatação abaixo elucida como o

assunto de gênero é um tema que quebrou fronteiras e que é tratado nos Estudos Culturais.

Nessa perspectiva, é preciso incluir, no debate, princípios e práticas de um processo

de inclusão social não homogeneizante, que, além de garantir o acesso à escola,

considere nos seus projetos pedagógicos a diversidade humana, social, cultural,

econômica das crianças e dos jovens que estão hoje na escola, muito dos quais

pertencentes aos grupos historicamente excluídos. Ao falar de tais grupos, estão sendo

referidas as questões de classe, de gênero , de raça, etnia, geração, que se entrelaçam

na vida social dos pobres, das mulheres, dos afro-descendentes, dos indígenas, dos

chamados portadores de necessidades especiais, […]. (XAVIER, 2010, p. 101).

Nos Estudos Culturais focalizo o conceito de representação, pois o assunto desta

pesquisa está relacionado às representações sobre a mulher, na sociedade, e ainda as

representações da mulher, rapariga, sobre educação escolar. Contudo, a escolha dessa

ferramenta teórica não me impede de buscar outras, que julgo merecer atenção ao longo da

discussão.

Hall (1997, p. 16), ao representar os seres humanos, afirma que: "Os seres humanos são

seres interpretativos instituidores de sentidos". Os significados são instituídos a partir da

linguagem, que dão sentidos às coisas que nos rodeiam, à nossa visão do mundo. Por isso, o

autor considera que

[…] os objetos certamente existem, mas eles não podem ser definidos como "pedra",

ou como qualquer outra coisa, a não ser que haja uma linguagem ou sistema de

significação capaz de classificá-los dessa forma, dando-lhes um sentido, ao distingui-

los de outros objetos: (HALL, 1997, p. 28).

Por sua vez, Wortmann (2001, p. 155) refere que "[…] a representação social volta-se

às afirmações explicações originadas nas interações sociais, […]". O conceito de representação

faz parte das pessoas e assume-se como fundamental nos Estudos Culturais. Esta ideia encontra

sustentação na seguinte afirmação:

Nos Estudos Culturais a representação é uma das práticas centrais na produção da

cultura e um "momento"chave no chamado "circuito da cultura", no qual os

significados são produzidos, e circulam, através de diversos processos e práticas.

(WORTMANN, 2001, p. 156).

Num outro ângulo, os conceitos de representação expostos - e o que a seguir se apresenta

- convergem ao colocar os seres humanos como agentes da ação de representar. Contudo, essa

ideia de ação humana é apresentada de maneira mais explícita em Woodward (2014, p. 17), ao

afirmar que: "A representação inclui as práticas de significação e os sistemas simbólicos por

meio dos quais os significados são produzidos, posicionando-nos como sujeitos".

Geralmente, quem representa o outro é quem se mantém numa situação assimétrica em

relação ao outro. Assim, no campo dos Estudos Culturais, o poder é produtivo, intrínseco à

posição que se ocupa. Nesse fio de pensamento, diria que a relação de poder que os homens

construíram em relação às mulheres, possibilitou-os e possibilita-os representarem as mulheres

como frágeis, que devem por isso permanecer em casa, no espaço doméstico, privado.

Hall (1997) acrescenta que os sentidos dados às nossas ações, em seu conjunto,

constituem nossas culturas. Em suma, parafraseando o autor, toda a ação social é cultural.

Assim, esta ilação corrobora com o que julgo e defendo, neste trabalho, que as ações em relação

à mulher, rapariga, derivam das representações a que esta foi submetida no passado e na relação

com o homem.

Em síntese, segundo Louro (2014) é nas e pelas relações de poder que se produzem os

gêneros. Assim, ao me preocupar com as razões que se prendem com a desistência da rapariga

da escola, busco essas razões no espaço mais amplo, na sociedade, onde se dão as relações de

poder e não me circunscrevo somente ao espaço escolar.

Considero que a desistência da rapariga da escola é uma questão que ultrapassa o espaço

físico da escola, na medida em que envolve questões ligadas à educação cultural, tradicional e

da própria rapariga. De acordo com Cipire (1996, p. 64) "[…] a ela cabe além dos trabalhos

agrícolas e domésticos, gerar o maior número possível de filhos […]".

Desta forma, é necessária uma mudança de atitude em ambos os gêneros. Esta mudança

é reforçada por Costa (2007, p. 95) quando afirma que: "A assertiva corrente é a de que é preciso

produzir conhecimentos não só para conhecer a realidade, mas também para transformá-la". Na

verdade é com o propósito de conhecer as razões da desistência da rapariga da escola que me

proponho enveredar por este assunto, avançando com a ideia de que as questões tradicionais

estão no centro da discussão. Além de analisar este tema, procuro, a partir deste estudo, chamar

atenção sobre o assunto e contribuir para que haja uma transformação em relação ao mesmo.

No entanto, as mudanças são lentas e também tem-se o aspecto de resistência às mudanças. Esta

ideia de mudança induz-me ao pressuposto de que:

Os sujeitos do presente são sujeitos às condições culturais do presente. É pelas

pedagogias tentarem corresponder às exigências sociais de cada tempo-espaço que

elas precisam ser pensadas em relação aos tipos de sujeitos que querem produzir.

(CAMOZZATO, 2014, p. 590).

A citação anterior leva-me a pensar que há uma pretensão de produzir novos sujeitos.

Se aliarmos as políticas internacionais sobre o assunto de gênero, que foram ratificadas pelo

Governo moçambicano, as políticas moçambicanas sobre o assunto, as estratégias criadas e as

ONGs que lutam por esta causa, pode-se afirmar que se quer produzir um sujeito que tenha

consciência da igualdade de direito à educação para ambos os gêneros. Ademais, em relação a

dotar as pessoas de conhecimentos para reivindicarem os seus direitos, a IBIS1 Moçambique,

no seu programa, concretamente no objetivo específico, refere que:

1 IBIS é o nome de uma Organização Não Governamental, que opera em Moçambique.

[…] visa contribuir directamente para elevar à prática a Estratégia de Educação para

a Mudança da IBIS, utilizando uma abordagem baseada em direitos para dar a adultos

e crianças pobres e marginalizadas a capacidade de reivindicarem a satisfação dos

direitos a uma educação de qualidade em Moçambique. (IBIS MOÇAMBIQUE, 2011,

p. 1).

Importa realçar que a ideia de políticas internacionais e, neste caso concreto, políticas

nacionais, induz-me a relacionar tais políticas com um dos elementos do circuito da cultura: a

regulação. A cultura regula as ações humanas, visto que: "Toda a nossa conduta e todas as

nossas ações são modeladas, influenciadas e, desta forma, reguladas normativamente pelos

significados culturais" (HALL, 1997, p. 41).

A ideia da regulação mencionada acima, relaciona-se com o que abordarei na subseção

"Em torno das políticas de gênero na educação – Moçambique" mais não só. Aqui, refiro-me

concretamente aos documentos normativos que orientam as ações humanas, desde as

declarações internacionais até as leis específicas de cada país.

No entanto, muito ainda há por se fazer. Não basta que existam documentos normativos.

É preciso uma divulgação e sensibilização, uma maior ação, e envolvimento de todas os e

também uma maior implementação das políticas.

3 EM TORNO DAS POLÍTICAS DE GÊNERO NA EDUCAÇÃO – MOÇAMBIQUE

Referi na seção 1 desse artigo que, a nível nacional, há preocupação do governo

moçambicano em traçar políticas atinentes às questões de gênero, na educação. Nesta seção,

centralizo minha atenção para algumas dessas políticas, de modo a ilustrar que, em termos de

leis, estas são levadas a cabo, internamente.

Como resultados dos documentos provenientes do topo, o Ministério da Educação

elaborou seus documentos para que atendessem os aspectos concretos das questões de gênero

na educação. Um dos documentos orientadores das políticas educativas é o Plano Estratégico

da Educação (PEE). Este plano surge como resultado do Decreto Presidencial nº 13/05, de 4 de

Fevereiro, aquando da criação do Ministério da Educação e Cultura (MEC). Segundo MEC

(MOÇAMBIQUE, 2006), para além da criação do referido ministério, o Decreto também

incumbiu ao setor a função de: “[…] planificar, coordenar, dirigir e desenvolver actividades no

âmbito da Educação e Cultura, contribuindo deste modo, para a elevação da consciência

patriótica, para o reforço da unidade nacional e da moçambicanidade”. (MOÇAMBIQUE,

2006, p. 9).

O novo PEE 2012-2016 prima pela continuidade da expansão do Sistema Educativo, em

todas as vertentes. Ademais, um dos grandes enfoques, segundo este documento, é o acesso e

retenção, em que se pretende assegurar a inclusão e equidade. Destaco apenas esse enfoque por

ser o que se relaciona diretamente com o presente artigo.

Em 1998, o Ministério da Educação elaborou um documento complementar ao primeiro

Plano Estratégico da Educação, que se denomina Plano de Acção para a Integração da

Perspectiva de Género no Plano Estratégico de Educação (PAIPG), com objetivo de orientar o

Plano Estratégico da Educação nos assuntos de gênero.

Existe também a Política Nacional de Género no Sector da Educação e Cultura. De

acordo com MEC (MOÇAMBIQUE, 2009), as suas ações são, por exemplo: concessão de

bolsas de estudo para as raparigas; acréscimo do número de professoras, nas zonas rurais;

trabalho com o Conselho de Escola para influenciar os pais ao uso de metodologia que promova

direitos iguais para raparigas e rapazes e uma cultura de não-violência e exploração da mulher;

inclusão de estratégia de gênero na formação de professores e revisão dos livros e manuais do

ensino para a integração do gênero.

O tema da pesquisa que desenvolvo centra-se na zona rural, pelo fato de ser nesta onde

existe maior densidade populacional. O tema se circunscreve igualmente ao Ensino Primário

porque de acordo com MINED (MOÇAMBIQUE, 2012), no Norte e Centro do país, há

necessidade de continuar a expandir a rede escolar, de modo a assegurar o acesso à escola

primária. Acrescenta-se também que, neste nível de ensino, as taxas de desistência interanual,

nestas zonas do país, continuam preocupantes.

Após a explicitação sobre as políticas existentes no país sobre as questões de gênero,

fica evidente que os documentos reguladores estão efetivamente criados para que se dê

visibilidade à lei. Desta forma, socialmente, leis favoráveis e ações concretas são necessárias,

porque segundo Louro (2014, p. 26) e corroborando com a estudiosa,

As justificativas para as desigualdades precisariam ser buscadas não nas diferenças

biológicas (se é que mesmo essas podem ser compreendidas fora de sua constituição

social), mas sim nos arranjos sociais, na história, nas condições de acesso aos recursos

da sociedade, nas formas de representação. (LOURO, 2014, p. 26).

Ademais, o impulsionamento para as políticas e ações vigentes ao seu cumprimento,

inserem-se numa determinada sociedade, visto que é nas relações sociais que se constroem as

relações de gênero.

4 CAMINHOS METODOLÓGICOS

Com o propósito de responder aos objetivos traçados e a pergunta de pesquisa

apresentada, o estudo será do tipo qualitativo. Na abordagem qualitativa vou usar a

documentação indireta, abrangendo a pesquisa documental,"[…] a fonte de coleta de dados está

restrita a documentos, escritos ou não, constituindo o que se denomina de fontes primárias".

(MARCONI; LAKATOS, 2010, p. 157). Ainda de acordo com estas autoras, a pesquisa

bibliográfica "[…] ou fontes secundárias, abrange toda bibliografia já tornada pública em

relação ao tema de estudo, […]". (MARCONI; LAKATOS, 2010, p. 166).

Adicionalmente irei me socorrer da documentação direta intensiva, usando técnicas da

observação não participante e da entrevista. A observação não se limita em ver e ouvir, mas

inclusive examina os fatos ou fenômenos que se deseja estudar, isto é, as causas da desistência

da rapariga da escola. A entrevista será semiestruturada pela flexibilidade que ela permite e será

efetuada a um grupo de 18 entrevistadas os, a partir de grupos de: alunas, raparigas que não se

encontram a estudar e mães pais e encarregadas os de educação.

4.1 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS

Após a conclusão do trabalho de campo, a análise dos dados produzidos e a interpretação

será baseada no método qualitativo. Ademais, Marconi e Lakatos afirmam que: “Análise e

interpretação são duas atividades distintas, mas estreitamente relacionadas […]” (2010, p. 151).

O tratamento dos dados qualitativos, segundo as autoras anteriormente referidas, será a

partir dos seguintes passos: (i) Seleção que consiste no exame criterioso dos dados, de modo a

averiguar as informações e assim evitar as ambiguidades. (ii) Codificação, classificando os

dados e agrupando-os sob determinadas categorias.

Finalizados os passos anteriores, segue a análise do material, em que farei a

interpretação, a síntese da informação recolhida, determinando as tendências em relação ao

propósito da pesquisa e aos seus significados. Os resultados serão apresentados em forma de

narração.

Importa referir, que na análise dos dados, terei como foco o conceito de representação.

Assim, o conceito será uma ferramenta analítica, em que discutirei as representações presentes

nas narrativas das os entrevistadas os.

4.2 QUESTÕES ÉTICAS

De acordo com Creswell (2010) as questões éticas estão relacionadas em todas as etapas

do processo de pesquisa. Assim, a autora refere que: “Considerando-se os participantes, os

locais de pesquisa e os potenciais leitores, é possível planejar estudos contendo práticas éticas”.

(CRESWELL, 2010, p. 123).

Desta feita, para o início da pesquisa será requerida uma declaração à Universidade

Federal do Rio Grande do Sul – PPGEDU, que será apresentada às instituições e aos

participantes da pesquisa. A mesma fará menção ao vínculo que possuo com a instituição, o

propósito do trabalho a desenvolver, sob orientação de quem se encontrava a proposta de

pesquisa, o provável período para o trabalho de campo, entre outros.

Em Moçambique, a declaração acima referida será apresentada ao Serviço Distrital de

Educação Juventude, Tecnologia de Dondo. No entanto, à professora ou ao professor

encarregue de me receber e encaminhar no trabalho, explicarei o que se pretendo e quais os

passos para os dias seguintes. Acrescentar que à professora ou ao professor pedirei que explique

previamente o assunto da entrevista aos convidados.

As entrevistas decorrerão todas na escola e serão realizadas uma de cada vez. Antes de

iniciar cada uma das entrevistas eu me apresentarei, explicarei o propósito da pesquisa e pedirei

autorização para gravar a conversa. Só com autorização para a gravação é que efetuarei a

entrevista.

No seguimento das questões éticas elaborarei um documento para a escola, denominado

Autorização da Direção da Escola, em que mencionarei: o meu nome completo, a que

universidade estou veiculada e sob quem está sendo orientada a pesquisa. O tema da pesquisa,

o objetivo geral que norteia a pesquisa, quem são as os entrevistadas os, que será protegida a

identidade das os respondentes, que as pessoas são livres de participarem, que as respostas

dadas na entrevista serão exclusivamente para o estudo em questão e que terão acesso ao

trabalho final.

Em relação à aluna, mãe, pai, encarregada e encarregado de educação, a rapariga que

não se encontram a estudar, solicitarei à professora ou ao professor, que for destacado pela

direção em me auxiliar, de convidá-las los para fazerem parte da entrevista. Acrescentar que

será recomendado a o professora professor que as os entrevistadas os devem participar de

livre vontade e que será protegida a identidade dos respondentes. Adicionalmente, as pessoas

que se disponibilizarem para a entrevista assinarão o Termo de Assentimento. Para as crianças,

a assinatura será também dos seus responsáveis.

Enfim, espera-se que ao trabalho de campo decorra de acordo com as condições do local

e sem sobressaltos, assim a pesquisadora deverá ser grata a todo o apoio, contribuição que

obtiver durante a realização da mesma. Para a análise dos dados, após as entrevistas, estas serão

transcritas, mantendo-me fiel à passagem do discurso oral ao escrito. Contudo, evitarei

repetições e informações que não se enquadrem na pergunta, de modo a tornar mais

compreensível a leitura dos excertos. Os resultados finais da pesquisa serão apresentados sem

se distorcer o seu conteúdo, também serão referenciadas todas as fontes, de acordo com a

recomendação exigida num trabalho científico.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Chegada a esta parte final, importa destacar que o artigo tem como motivação a

desistência da rapariga da escola, no Ensino Primário Completo e especificamente na zona

rural, em Moçambique. Ao analisar as causas dessa desistência da escola, não desconsidero a

questão da educação tradicional, uma vez que a mulher, rapariga é educada para o lar e na zona

rural, a adesão à tradição parece ser mais acentuada. Simultaneamente, a representação a que a

mulher, rapariga, tem da educação escolar é deveras importante para a presente análise; por

isso, a pesquisa em desenvolvimento visa analisar as representações da rapariga rural sobre a

educação escolar na Escola Primária Completa de Mafambisse.

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