reportagem investigativa - falta de médicos: responsabilidade de quem?
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Reportagem produzida na disciplina de Jornalismo Investigativo da Unisinos - São Leopoldo. Fala do caos da saúde, citando como exemplo a falta de médicos em Paverama, interior do RSTRANSCRIPT
UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS
COMUNICAÇÃO SOCIAL: JORNALISMO
DISCIPLINA: JORNALISMO INVESTIGATIVO
PROFESSORA: LUCIANA KRAEMER
PROJETO DE INVESTIGAÇÃO JORNALÍSTICA
Caos na Saúde Pública - Faltam médicos no município de Paverama
Elaborado por
Camila Capelão
Édson Schaeffer
Juliana Litivin
Renata Gomes
SÃO LEOPOLDO/JUNHO DE 2012
Falta de médicos: responsabilidade de quem?
São 13h30min. Patrício Garcia de Almeida (45), Elci Campos de Souza (57), Erica
Koppe (70) e Orfelina Brandão Marques (76), moradores de Paverama, Vale do Taquari
(98 km de Porto Alegre), estão defronte ao posto de saúde de Fazenda São José. A
espera é longa:
“Se não chegamos cedo, não conseguimos atendimento. É um absurdo ter que
chegar este horário, sendo que o posto abre somente às 17h”, lamenta Almeida. Elci
complementa o desabafo do colega de fila. “Temos que ter horário para ficarmos doentes.
Ficamos doentes nas segundas ou quintas, pois senão não temos garantia de
atendimento”, expõe.
Segundo os moradores, o posto de saúde local atende somente quatro horas
semanais, em dois dias na semana: segundas-
feiras, das 13h às 15h, e quintas-feiras, das 17h
às 19h. São 12 fichas de atendimento. A referida
unidade de saúde atende as localidades de
Fazenda São José, Posses, Vila Felipe e Vila do
Sabão, sendo o segundo maior aglomerado
urbano do município. A situação não é muito
diferente no posto de saúde do centro, explicam
Erica e Orfelina: “Um dia fui de manhã ao posto do
Centro. Cheguei cedo, mas sai de lá ao meio-dia e
não consegui atendimento”, diz Orfelina.
Patrício diz que a comunidade da Fazenda São José sofre muito com a falta de
médicos. “Infelizmente em todo o lugar é assim. O posto daqui da localidade já esteve
fechado durante dois meses. Tivemos que batalhar para conseguir reabri-lo, mas os
horários não são suficientes. E um só posto de saúde no Centro não consegue atender
toda a demanda do município”, frisa.
Conforme os moradores, muitas vezes é preciso se deslocar até o hospital da
cidade vizinha Teutônia. “No entanto temos que esperar, uma vez que há prioridades de
atendimento conforme gravidade”, ressalta Patrício.
Moradores de Fazenda São José têm que esperar mais de
quatro horas para garantir o atendimento
Carga horária
Cinco médicos se revezam no
atendimento nos dois postos e, em caso de
emergência, no pronto atendimento do hospital
da cidade, que não possui médico próprio.
Destes, somente um atende 40 horas
semanais. Os demais são contratados por 20
horas semanais.
Mas, conforme é possível ver na tabela abaixo,
foi constatado que há horários que não coincidem com as 20 horas semanais. A
reportagem entrou em contato com o secretário de Saúde. Luís Carlos de Oliveira
informou que os horários não fecham porque alguns médicos também atendem no
hospital da cidade. Oliveira ainda afirmou que a
escala dos médicos no hospital não estava em suas
mãos. Portanto, não confirmou se as cargas horárias
coincidem com os contratos feitos.
O secretário de Saúde do município, Luís
Carlos de Oliveira admite que é necessário contratar
mais médicos. “Se fosse pela nossa vontade,
teríamos mais médicos no Centro e em Fazenda
São José, onde gostaríamos de atender todos os dias. No entanto, em razão dos salários,
os médicos não se interessam em trabalhar aqui”, lamenta.
Conforme artigo 37, Inciso XI da Constituição Federal, nenhum servidor público
pode receber remuneração maior do que a do chefe do Executivo. Em Paverama, a
remuneração do prefeito beira os R$ 6,5 mil. Conforme Oliveira, a referência salarial dos
médicos para 40 horas semanais é de R$ 12 mil, o que inviabiliza a contratação de
concursados. Em outubro do ano passado, a cidade abriu concurso para médicos, mas
ninguém se escreveu. A alternativa foi buscar vaga emergencial com a autorização do
Ministério Público.
Posto de Saúde do Centro
Secretário Luís Carlos de Oliveira, Paverama
O que diz a lei
Conforme artigo 37, Inciso XI da Constituição Federal: "...a remuneração e o subsídio dos
ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e
fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos,
pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as
vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em
espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o
subsídio do Prefeito...”.
Com isso foi possível contratar um profissional por 20 horas semanais, cuja
remuneração está em torno dos R$ 6 mil, para atender nas unidades de saúde do Centro
e de Fazenda São José. No entanto, esta contratação ainda não é o suficiente, pois cerca
de 60 pessoas, segundo o secretário Luís Carlos, procuram diariamente o Posto de
Saúde do Centro. De acordo com o Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio
Grande do Sul (Cremers), a cidade de Paverama conta com apenas um médico
registrado. “Isso não significa que não tenha médico trabalhando na cidade, pois a maioria
dos profissionais que moram e trabalham no interior circulam muito entre vários
municípios”, esclarece a assessora de imprensa do Cremers Viviane Schwäger.
Horários de atendimento dos médicos em Paverama
Funcionários Segunda Terça Quarta Quinta Sexta Horário Total
Ademar 16h30min– 19h 15h30min–19h 13h-19h 17h–19h
Fazenda São José
14 horas semanais
Gustavo 13h–15h
Fazenda São José
13h – 15h 13h-15h 13h-15h 8 horas semanais
Luiz Augusto 8h–12h
13h–19h
8h-12h
13h-19h
20 horas semanais
Marcelo 11h30min-19h 11h30min-19h 15 horas semanais
Raul 07h12min–12h
15h–19h
07h12min–12h
15h – 19h
07h12min – 12h
Não atende
07h12min-12h
15h-19h
07h12min-12h
15h-19h
38 horas semanais
Tabela com os horários de atendimento dos médicos em Paverama
Fazenda Vilanova – uma realidade diferente
O município de Fazenda Vilanova
encontra-se a 20 quilômetros de Paverama e a
95 quilômetros de Porto Alegre. A cidade de
3.697 habitantes também enfrentou problemas
com a falta de médicos. Entretanto, diferente da
vizinha Paverama, conseguiu reverter à situação
na localidade. A secretária de Saúde de Fazenda
Vilanova Ana Paula Schwertner explica as
medidas realizadas. “Foi feito um concurso para
carga horária de 20h semanais, para que os profissionais sentissem mais segurança no
trabalho, pois assim adquirem estabilidade. O problema maior era conseguirmos médico
da família, porque a carga horária exige dedicação exclusiva ao Posto de Saúde (40h
semanais).”
O desafio da Administração Municipal era motivar os profissionais, visto que a Lei
Federal exige que nenhum funcionário receba salário maior que o prefeito. “Decidimos
licitar uma empresa para contratação de profissionais. Há mais ou menos 11 meses foi
firmado o Convênio com a Fundação Araucária. Com isso, o problema foi resolvido
completamente, pois o médico recebe salário bem mais alto que o chefe do Executivo.
Quase toda semana recebo ligações e currículos de médicos se oferecendo para
trabalharem em nosso município”, declara.
Fazenda Vilanova conta com a estrutura e
os serviços de uma Unidade Básica de Saúde,
responsável por atender uma demanda de
aproximadamente 820 consultas/mês. De acordo
com a secretária Ana Paula o Centro de Saúde
da cidade atende das 07h30min até às 21h, sem
fechar ao meio dia. “Temos dois médicos
concursados trabalhando 20h semanais cada.
Um ginecologista (atende uma vez por semana),
um pediatra (atende duas vezes por semana), um cardiologista (atende uma vez por
semana) e o médico ESF (trabalha 40h semanais). Das 17h até às 21 horas temos
Posto de Saúde de Fazenda Vilanova
Secretária Ana Paula Schwertner, Fazenda Vilanova
atendimentos de farmácia, médico, odontológico, equipe de enfermagem para
procedimentos e motorista”, revela Ana Paula.
Os moradores de Fazenda Vilanova relatam a situação do município. Elenir
Azevedo (45) observa que a falta de médicos era um problema na cidade. “Mas hoje a
situação é diferente. Quando chegamos ao Posto, raramente temos que esperar para
sermos atendidos”, comenta. Arcila Rodrigues (45) complementa Elenir. “O atendimento
em si é bom, independente para quem mora no interior, como eu, ou para quem mora na
cidade. Não está 100%, mas temos a certeza de sermos atendidos”, frisa. “Quando não é
possível o atendimento, somos bem esclarecidos. Se ficamos doentes no final de semana
ou à noite, contamos com o plantão da Saúde. Por isso, é muito bom”, salienta Erondina
Lemos (72).
Dados Gerais sobre a Saúde
Segundo registros do Conselho Federal de Medicina (CFM) o Brasil tem uma
média de 1,95 médicos registrados para cada mil habitantes, com diferenças regionais
significativas. O Rio Grande do Sul possui a razão de 2,31 médicos para mil habitantes.
Porém, dados do Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio Grande do Sul
(Cremers) apontam que apenas 82 dos 496 municípios gaúchos se enquadram na média
estipulada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), órgão ligado à Organização das
Nações Unidas (ONU), que estabelece o padrão mínimo desejável de um médico para
cada mil habitantes.
No total, 257 cidades gaúchas possuem um índice pior que o recomendado pela ONU.
A maioria dos profissionais de saúde prefere atuar em cidades grandes. Prova
disso, é que Porto Alegre tem um médico para cada 119 habitantes. Uma média
surpreendente, quase nove vezes maior que o padrão da ONU. A assessora de imprensa
do Cremers Viviane Schwäger diz que há anos a entidade chama atenção dos governos
para a elaboração de um plano de carreira para o SUS. “Esse plano deveria ser nos
mesmos moldes dos planos de carreiras dos juízes, por exemplo, que recebem incentivos
e condições para trabalharem no interior. Muitos municípios pequenos não têm condições
mínimas para garantir o bom atendimento e, consequentemente, o trabalho do médico.
Muitas vezes, até a comunicação com outros colegas ou a busca por informações é difícil.
Por isso - falta de plano de carreira, precariedade de condições e dificuldade de acesso a
informações médicas - muitos profissionais preferem continuar estabelecidos na capital,
região metropolitana ou grandes centros.”
Quando se analisa a distribuição médica em ambientes públicos e privados nota-se
a deficiência do setor. A clientela da saúde privada conta com 3,9 vezes mais postos de
trabalho médico disponíveis, do que os usuários da rede pública. No Estado, a situação é
complicada. Segundo pesquisa do Conselho Federal de Medicina, moradores de
Roraima, por exemplo, que utilizam serviço público, contam com 35% mais postos de
trabalho médico do que a população gaúcha.
Setor público tem 4 vezes menos médicos que o privado
O Conselho Federal de Medicina afirma, no estudo sobre a demografia médica do
Brasil, que os postos de trabalho médico disponíveis para a clientela dos planos de
saúde, são 26% maior que o número dos postos em estabelecimentos públicos. A
população que depende exclusivamente do Sistema Único de Saúde (SUS) é 3,25 vezes
maior que a dos planos.
Segundo o Conselho Regional de Medicina do Estado há 20.726 médicos
especialistas no RS. Cirurgia Geral, Clínica Médica e Cardiologia são as áreas que mais
possuem profissionais registrados. Estes serviços contam com 1712, 1051 e 961 registros
respectivamente. Por outro lado, especialidades como Toco-Ginecologia, Sexologia e
Foniatria, contam com apenas um registro no RS.
O diretor de Assistência Hospitalar da Secretaria Estadual de Saúde Marcos
Antônio Lobato acredita que o maior problema é a oferta desigual desses profissionais. “A
falta de especialistas é preocupante. Tentamos contrabalançar isso com centros clínicos
no interior. Alguns médicos relutam em ir para pequenas cidades porque buscam
conforto. Por isso, se sujeitam a receber R$ 800 por 24 horas de plantão em hospitais da
capital, quando no interior poderiam conseguir o dobro”, esclarece.
O que pensam os futuros profissionais da saúde?
Daiana Menote, 24 anos, estudante de medicina, está estagiando no hospital Santa Casa em
Porto Alegre, mas em seu currículo há Cristo Redentor e Hospital de Pronto Socorro (HPS).
Segundo Daiana o problema da saúde pública no Estado está ligado diretamente com a
ineficiência do sistema primário, o posto de saúde. Com isso a demanda no setor terciário,
hospital, só aumenta. “A pediatria está é o setor que mais precisa de médicos, mas como o salário
é baixo e a carga horária é alta, muitos desistem”, diz a estudante do quinto período. A futura
médica, ainda não se decidiu quanto à sua especialidade, mas acredita que será psiquiatria ou
pediatria, e acredita que irá trabalhar em hospitais. Diferente da grande maioria de seus colegas,
que pensam em trabalhar em clinicas com horários definidos e rentabilidade mais alta.
Nicolle de Souza Zanetti, 23 anos, estuda na Ulbra e se forma no final deste ano. Terminada a
faculdade ela pretende fazer residência em cirurgia geral e depois talvez em cirurgia plástica.
“Essa foi à área que mais me interessou. Na minha turma acredito que a mais procurada seja a
medicina interna e a traumatologia, a menos desejada acredito que seja infectologia ou geriatria.
Muitos profissionais fogem do serviço público devido à má remuneração e péssimas condições de
trabalho, como a falta de leitos, de medicação, de funcionários, de material de limpeza, do
essencial para um bom atendimento. Com certeza existe uma preferência pela área privada, onde
o profissional é melhor remunerado e todas as carências podem ser sanadas.”