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REPARTIÇÃO DE RISCOS EM CONTRATOS ADMINISTRATIVOS
DE SERVIÇOS REGIDOS PELA LEI FEDERAL 8.666/93
Heitor Becker Mombach*
RESUMO
Este artigo busca pesquisar e compreender os riscos envolvidos nos contratos administrativos
de serviços de caráter continuado, celebrados sob as normas da Lei Federal 8.666/93, bem
como os instrumentos e estratégias que podem ser adotadas pela Administração Pública para a
sua repartição. Para atender aos objetivos estabelecidos, foi realizada a revisão de produções
existentes acerca da temática, visando o aprofundamento nas conceituações e o levantamento
de categorias de risco a serem consideradas para a análise final. A pesquisa foi realizada com
a utilização do método qualitativo classificado como pesquisa exploratória bibliográfica,
sendo desenvolvida a partir dos autores Andrade (2013), Damodaran (2009), Di Pietro (1999),
Führer e Führer (2003), Grilo e Alves (2011), Jabôr (2013), Justen Filho (2012), Miranda e
Rocha (2016), Rocha (2014), Santos (2003) e Santos (2014), bem como a partir das Leis
Federais 8.666/1993 e 11.079/2004 e da Norma Técnica NBR ISO 31000 (2009). A partir das
interpretações promovidas verificou-se que, em maior ou menor grau, os riscos levantados
através do viés gerencial podem resultar em diferentes interpretações quando à sua
classificação através do viés jurídico. Desta forma, restou como solução a proposição de
realização de análise específica e individualizada em cada caso, buscando-se evitar
generalizações prévias quanto à alocação dos riscos.
Palavras-chave: Contratos administrativos. Terceirização de serviços públicos. Repartição de
riscos.
1 INTRODUÇÃO
A Administração Pública, buscando a consecução de um de seus principais objetivos –
o atendimento ao princípio constitucional da eficiência – faz uso do instituto da contratação
* Administrador de Empresas, discente do curso de especialização MBA em Gestão Financeira e Controladoria,
matriculado na disciplina de Orientação ao Trabalho de Conclusão, sob a orientação da Profa. Dra. Adriana
Rivoire Menelli de Oliveira. E-mail: [email protected]
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de entes privados, através da celebração de contratos administrativos. Dentre os principais
motivadores para estes atos estariam a possibilidade de contratação de empresas com
capacidade especializada em determinadas atividades – ocasionando a execução contratual
com melhor qualidade – bem como a incorrência em menores custos trabalhistas e
previdenciários. No entanto, a possibilidade de insucesso na execução dos objetos contratuais
e de cometimento de ilegalidades de cunho trabalhista, pelas partes contratadas, configura-se
em risco para a Administração Pública. Especificamente com vistas à mitigação do risco de
inexecução contratual, a Lei Federal nº 8.666, de 21 de junho de 1993, estabeleceu a
possibilidade de exigência de garantias contratuais a serem apresentadas pelas contratadas. No
entanto, a complexidade envolvida em determinadas execuções contratuais submete a
Administração Pública a riscos de outras naturezas, além daquela prevista pela Lei de
Licitações e Contratos.
A adoção de medidas com vistas a evitar ou minimizar o impacto de riscos que
possam impedir a realização dos objetivos contratuais permite, em última análise, a obtenção
de benefícios além dos esperados. Esta lógica pode ser encontrada e aplicada aos
investimentos privados – em relação ao mercado de capitais e ao investimento em iniciativas
econômicas – bem como encontra sustentação também na esfera de projetos de investimento
público.
Neste sentido, ilustra-se com a legislação voltada às Parcerias Público-Privadas
(PPPs), cuja Lei Federal nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004, versa de maneira bastante
específica ao abordar o conceito de mérito para avaliação de projetos de concessão
administrativa ou patrocinada de obras e serviços públicos, o que remete à busca de menor
custo e/ou melhor qualidade. Tem-se, portanto, que as contratações administrativas regidas
pela Lei 11.079/2004 vislumbram a conquista pela Administração Pública do maior benefício
possível a partir dos investimentos realizados.
Partindo-se para as contratações administrativas realizadas sob as normas da Lei de
Licitação e Contratos, Lei Federal nº 8.666/93, não se encontra paralelo ao conceito de
mérito. No entanto, embora sem uma explícita conceituação, é possível encontrar
similaridades ao buscarmos referência nos princípios constitucionais da Administração
Pública. Recorre-se, para este fim, ao princípio da eficiência, o qual, conforme será
aprofundado ao longo deste trabalho, remete à busca pela maior produtividade possível em
relação aos gastos incorridos, objetivo que também pode ser encontrado nos conceitos de
vantajosidade econômica e economicidade.
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A partir das conceituações apresentadas, sugere-se que o atingimento tanto do mérito
vislumbrado para o estabelecimento das Parcerias Público-Privadas, quanto da vantajosidade
econômica ou economicidade no âmbito das contratações regidas pela Lei 8.666/93, torna-se
possível a partir da adoção de medidas de repartição dos riscos envolvidos. Neste sentido, a
lei voltada às PPPs já estabelece, como uma de suas diretrizes para a celebração de contratos,
a divisão dos riscos entre as partes. Já a Lei 8.666/93 não prevê esta possibilidade e restringe a
mitigação dos riscos emergentes das contratações à prestação, pelas entidades contratadas, de
garantias referentes ao risco de inexecução dos objetos contratuais. No entanto, a
complexidade envolvida em determinadas contratações submete a Administração Pública a
riscos que podem ser considerados muito mais elevados do que somente os riscos de
“insucesso” previstos na Lei de Licitações e Contratos.
O presente artigo propõe um aprofundamento na temática sobre as estratégias de
alocação e gestão de riscos possíveis de serem adotadas nos contratos administrativos – sem
recorrer-se a novos entendimentos da legislação vigente –, em especial os estabelecidos com
vistas à contratação de serviços. Buscar-se-á apresentar os principais riscos inerentes a estas
contratações, bem como demonstrar que o potencial de impacto financeiro negativo advindo
dos riscos identificados não é coberto em sua totalidade pelas garantias previstas na Lei
8.666/93 e que, a partir desta realidade, restaria impossibilitado o atendimento ao princípio
constitucional da eficiência.
Para o desenvolvimento do estudo, foi utilizado o método qualitativo classificado
como pesquisa exploratória bibliográfica. Buscou-se, com a adoção deste método, a obtenção
de maior familiaridade com a temática e conceitos abordados para o desenvolvimento das
análises. Foram pesquisados os seguintes assuntos e autores: (1) Contratos administrativos de
serviços. Referencial: Di Pietro (1999), Justen Filho (2012) e as Leis 8.666/1993 e
11.079/2004; (2) Princípio constitucional da eficiência na Administração Pública e demais
entendimentos. Referencial: Justen Filho (2012), Santos (2003), Führer e Führer (2003), Grilo
e Alves (2011); (3) Repartição de riscos em contratos administrativos de serviços.
Referencial: Lei 8.666/1993, Jabôr (2013), Justen Filho (2012), Miranda e Rocha (2016),
Rocha (2014), Santos (2014); (4) Gestão de riscos. Referencial: Norma Técnica NBR ISO
31000 (2009), bem como os autores Andrade (2013), Damodaran (2009).
Por fim, buscou-se promover o relacionamento entre a gestão de riscos e as
contratações realizadas pela Administração Pública, de forma a demonstrar os diversos riscos
inerentes a este instituto, indo além do risco de inexecução contratual previsto pela Lei de
Licitações e Contratos. Tornou-se relevante, portanto, uma análise em específico acerca
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destes riscos, bem como a proposição da possibilidade de repartição dos mesmos com os
entes contratados. O problema de pesquisa para este projeto foi estabelecido com vistas a
lançar luz sobre esta temática, e encontra-se resumido no seguinte questionamento: quais
estratégias podem ser adotadas pela Administração Pública para promover a correta
repartição dos riscos envolvidos nos contratos administrativos de serviços celebrados sob as
normas da Lei Federal 8.666/93? Para responder a esta questão, foi estabelecido o objetivo
principal de pesquisar e compreender os riscos envolvidos nos contratos administrativos de
serviços celebrados sob as normas da Lei Federal 8.666/93, bem como os instrumentos e
estratégias que podem ser adotadas pela Administração Pública para a promoção da sua
repartição.
2 A BUSCA PELA EFICIÊNCIA NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Convém iniciar as conceituações teóricas a partir do entendimento apresentado pela
Associação Brasileira de Normas Técnicas (2009), que expõe claramente que podem ser
considerados como riscos, todos os “eventos que possam criar, aumentar, evitar, reduzir,
acelerar ou atrasar a realização dos objetivos” (p. 17). Complementar a este argumento,
busca-se na literatura empresarial voltada à gestão de riscos, a lógica de que “a efetiva gestão
do risco diz mais respeito às escolhas estratégicas do que às escolhas na esfera financeira, e
manifestam-se no valor na forma de retornos excedentes ao custo de capital”
(DAMODARAN, 2009, p. 301). O entrelaçamento das conceituações apresentadas permite
depreender que iniciativas de gestão de riscos são implementadas não somente com vistas a
evitar desvios em relação à realização dos objetivos estipulados, mas que busca-se, a partir de
sua implementação eficaz, a obtenção de benefícios além dos esperados, a partir dos esforços
despendidos. Esta lógica pode ser encontrada e aplicada aos investimentos privados – em
relação, por exemplo, ao mercado de capitais e ao investimento em iniciativas econômicas –
bem como encontra sustentação na esfera das iniciativas de investimentos públicos.
Neste sentido, é importante apresentar ao leitor o que prevê a legislação própria (Lei
Federal nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004) voltada ao estabelecimento das denominadas
Parcerias Público-Privadas (PPPs)1. A referida lei versa de maneira bastante específica acerca
da busca pela Administração Pública por benefícios além dos esperados, quando aborda o
conceito de mérito para a avaliação de projetos de concessão de obras e serviços públicos.
Neste viés, os autores Grilo e Alves (2011) apresentam que a opção pelo estabelecimento de
uma PPP não deve ser adotada “como aparente solução para restrições ao financiamento dos
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investimentos no âmbito governamental, ou mesmo em função da forma de contabilização das
obrigações assumidas pelo governo” (p. 9), mas que a opção por esta modalidade de
contratação deve ser fundamentada tão somente em seu mérito, justificado por um menor
custo e/ou melhor qualidade, o que demonstraria, por fim, a conveniência e a oportunidade do
projeto. Nota-se, portanto, que as contratações administrativas nas modalidades de concessão
de serviços e obras públicas, regidas pela Lei 11.079/2004, vislumbram a conquista pela
Administração Pública do maior benefício possível a partir dos investimentos realizados e
encontram conceituação quando a referida lei prevê que o mérito de um projeto reside
especificamente em seu menor custo ou em sua melhor qualidade.
Partindo-se para as contratações administrativas realizadas à luz da Lei de Licitação e
Contratos, não se encontra paralelo ao conceito de mérito. No entanto, embora não exista esta
explícita conceituação, é possível encontrar similaridades ao buscarmos referência nos
princípios constitucionais da Administração Pública. Recorre-se, para este fim, ao princípio
da eficiência, o qual passou a vigorar2 a partir da Constituição Federal de 1988 (SANTOS,
2003, p. 182) como um dos princípios norteadores dos atos praticados pela Administração
Pública federal, estadual, do Distrito Federal e municipal. Considera-se importante, neste
momento, apresentar a proposição conceitual para o princípio constitucional da eficiência:
[...] em qualquer organização (seja pública ou privada) deve-se sempre buscar o
melhor resultado com o menor esforço ou custo possíveis, com a diferença de que a
procura pelo menor gasto o maior lucro pode ser livremente perseguida pelo
administrador privado, desde que não encontre vedação legal em sentido contrário,
ao passo que no âmbito da Administração Pública, a busca será pelo menor gasto
com a maior produtividade no atendimento do interesse público (SANTOS, 2003,
p. 190, grifo do autor).
Complementar a este entendimento, é relevante também a conceituação da
vantajosidade econômica apresentada pelo autor Justen Filho (2012), o qual define que “a
vantajosidade pode ser enfocada sob uma dimensão econômica, o que conduzirá a uma
avaliação da questão sob o prisma da eficiência” (p. 61) e elucida que, nos casos de
contratações realizadas pela Administração Pública através de licitações3, a busca da
vantajosidade “trata-se de determinar a proposta que assegurará o aproveitamento
racionalmente mais satisfatório dos bens econômicos” (p. 61). Para o autor, é obrigação da
Administração Pública realizar suas contratações observando sempre o “ponto de vista da
economicidade”, a qual é atingida caso “o Estado desembolse o mínimo e obtenha o máximo
e o melhor” (2012, p. 62).
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A partir dos conceitos abordados, sugere-se que o atingimento tanto do efetivo mérito
vislumbrado para o estabelecimento das Parcerias Público-Privadas, quanto da efetiva
vantajosidade econômica ou economicidade no âmbito das contratações regidas pela
Lei 8.666/93, torna-se possível a partir de uma eficiente repartição dos riscos envolvidos nas
contratações. É exatamente neste sentido que a lei voltada às PPPs estabelece4 como uma de
suas sete diretrizes para a celebração de contratos, a “repartição objetiva de riscos entre as
partes”. Já a Lei 8.666/93 não prevê tal mecanismo e restringe a mitigação dos riscos
envolvidos nas contratações à prestação, pelas contratadas, de garantias para acionamento e
aplicação na ocorrência de eventos que possam prejudicar a entrega e execução dos objetos
contratuais.
3 RISCOS NOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS DE SERVIÇOS
Conforme exposto na Introdução, tem-se que a Administração Pública, buscando o
atendimento ao princípio constitucional da eficiência adota, também, o instituto da
contratação de entidades privadas. A autora Di Pietro (1999) esclarece que, junto das
modalidades de “desregulação”, “desmonopolização”, “privatização de serviços públicos” e
“concessão de serviços públicos”, tem-se a “contratação de terceiros” como uma das formas
de “buscar a colaboração do setor privado”, através da celebração de contratos de obras e
serviços (p. 162). Tais avenças são estabelecidas através de contratos administrativos,
modalidade específica de contratos que não somente atendem às previsões legais pertinentes
aos contratos em geral, mas também estão condicionadas a “certas características especiais”,
conforme apresentado pelos autores Führer e Führer (2003, p. 49). Além de atenderem,
portanto, às exigências de “acordo de vontades, agente capaz, objeto lícito e forma prescrita
ou não proibida na lei” (p. 49), os autores apresentam que as contratações realizadas pela
Administração Pública devem (2003, p. 49): ser objeto de “licitação prévia”; receber a devida
publicidade para sua plena eficácia; possuir “prazo determinado”, com vedação para prazos
indeterminados; prever a possibilidade de “prorrogabilidade” e possuir as denominadas
“cláusulas exorbitantes”, as quais preveem poderes para a Administração Pública superiores
aos poderes das contratadas.
Já conforme apresentado por Di Pietro (2009), os contratos administrativos devem ser
estabelecidos observando questões referentes à “capacidade técnica e administrativa” (p. 164)
da contratada para a execução dos serviços, bem como em relação ao correto enquadramento
legal da entidade. Devem ser observadas, ainda, questões relativas à mão-de-obra empregada,
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em aspectos como correta remuneração, nível de conhecimento e capacidade técnica, bem
como se as obrigações trabalhistas estão sendo devidamente cumpridas.
A partir destes entendimentos, é possível identificar que a obediência aos corretos
procedimentos legais, a perfeita execução técnica e o atendimento às leis trabalhistas são
fatores que exigem especial atenção por parte da Administração Pública. A possibilidade de
desvios procedimentais, de insucesso na execução do objeto contratual e de cometimento de
ilegalidades de cunho trabalhista, pelas contratadas, configuram-se, para os fins do
entendimento aqui proposto, em riscos para a parte contratante. Principalmente pela
compreensão de que, referente a inadimplementos trabalhistas por parte das contratadas, tem-
se o previsto pelo autor Rocha (2014), em relação à responsabilidade subsidiária do público
frente às demandas legais. O autor elucida a motivação para tal entendimento:
O argumento é de que a Administração contrata mal seus prestadores de serviços, a
despeito de dispor de uma série de instrumentos que a Lei nº 8.666/93 lhe assegura
para evitar a contratação de empresas inidôneas e para se garantir em caso de
descumprimento das obrigações por parte da contratada (ROCHA, 2014).
Como devidamente apontado na citação, a Administração Pública possui, com vistas à
mitigação dos riscos que emergem de suas contratações, os instrumentos previstos na Lei
Federal nº 8.666, de 21 de junho de 1993. A referida lei estabeleceu a possibilidade de
exigência de garantias contratuais que visam permitir à Administração Pública “cercar-se de
todas as cautelas para evitar o insucesso da contratação” (JUSTEN FILHO, 2012, p. 824) ou,
ainda, para servir como “um instrumento adicional para eliminar riscos de insucesso”. No
entanto, a complexidade envolvida na execução de determinadas contratações submete a
Administração Pública a riscos de outras naturezas, que não somente a de inexecução
contratual.
4 PESQUISAS CORRELATAS
Encontra-se sustentação para a conclusão proposta no parágrafo anterior, em trabalho
dos autores Miranda e Rocha (2016, p. 67), no qual estes apresentam ser “necessária uma
releitura acerca dos riscos nos contratos administrativos” regidos pela Lei 8.666/93. Em seu
artigo, os autores buscaram analisar conceituações quanto à repartição de riscos entre “o
particular contratado e a administração pública”, nos contratos administrativos celebrados à
luz da Lei de Licitações e Contratos, salientando, no entanto, que “doutrina a jurisprudência
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majoritárias negam veementemente essa possibilidade”. Mesmo assim, concluem que existe a
possibilidade de uma melhor precificação, pelas entidades contratadas, dos riscos que lhe
competem, bem como condenam o que denominam de “negação da alocação de riscos nos
contratos regidos pela Lei nº 8.666/93”.
Similar à temática proposta para o presente trabalho, e permitindo aprofundar na
necessidade de lançar novo olhar sobre os riscos nos contratos administrativos, busca-se
oportuna referência em trabalho desenvolvido por Santos (2014), que procurou adentrar nos
entendimentos sobre os riscos envolvidos na terceirização de serviços públicos. O autor
expõe, claramente, que existe uma “relação indissociável entre repartição de riscos e garantia
da eficiência” (p. 183). Para os casos em que estão presentes “circunstâncias facilmente
administradas pelo Estado” (p. 186), o autor salienta que “a divisão de riscos deveria se
manter conforme a praxe utilizada no campo das contratações estatais” (p. 186). No entanto,
promovendo reflexões maiores acerca dos riscos envolvidos, é apresentado que, além de
atender ao princípio da eficiência, cabe ao público orientar-se, também, pelo princípio da
sustentabilidade para a realização de suas contratações. Restaria ao poder público, portanto,
buscar a “prévia apuração dos impactos decorrentes dos contratos firmados [...] englobando a
análise de riscos destinada à quantificação e qualificação das contingências”
(p. 188). De forma correlata, o autor apresenta como necessário o levantamento prévio dos
“influxos de natureza técnica, econômica, operacional, financeira, mercadológica, ambiental,
regulatório, fiscal, política, jurídica e tecnológica, capazes de incidir sobre o projeto
delineado” (p. 184), para a celebração de contratos administrativos. Este argumento encontra
corroboração, também, no que o autor denomina de “curso evolutivo da Administração
Pública” (p. 189), apresentando que “a despolitização das decisões acresceu rigor técnico-
científico à propriedade das escolhas para adequá-las aos parâmetros de eficácia, efetividade e
eficiência” (p. 189), entendimento que demonstra a necessidade da adoção de práticas de
gestão tecnicamente fundamentadas. Ao final de seu trabalho, o autor conclui que a divisão de
riscos deve ser considerada nas contratações públicas, tendo em vista as incertezas inerentes a
estes institutos, pois “não há como garantir contratações sustentáveis sem levar em conta
flexibilidade no regime de repartição de riscos” (p. 194). Neste entendimento e demonstrando
grande utilidade como fundamento para o trabalho aqui desenvolvido, o autor considera,
ainda, que a proposição de repartição de riscos prevista pela Lei 8.666/93 para as contratações
“cuja especificidade técnica exija conhecimento apurado sobre determinadas contingências”
(p. 194), seria, em última análise, “descabida” (p. 194). Em sua conclusão, apresenta:
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O emprego do Procedimento Manifestação de Interesse (PMI), a metodologia Fuzzy,
os estudos de impacto, as audiências e consultas públicas, o mapeamento de riscos, a
definição de estratégias para minimização das perdas e os demais mecanismos de
contenção de danos são indispensáveis à Administração contemporânea para que se
possa atingir a eficiência, sob uma perspectiva constitucional (SANTOS, 2014,
p. 194).
5 CATEGORIAS DE RISCOS
Ante a premissa de que a falta de repartição de riscos entre as partes impossibilita o
atendimento ao princípio constitucional da eficiência – tese que encontra sustentação em
outros trabalhos desenvolvidos sobre a mesma temática –, pretende-se pesquisar e apresentar
os riscos advindos dos contratos administrativos.
Parte-se, primeiramente, do levantamento de categorias gerais de riscos, identificadas
principalmente na literatura empresarial. Andrade (2013) apresenta que os riscos surgem
devido à “incerteza nas estimativas, tanto nos gastos para implantação quanto nos benefícios
auferidos” (p. 168) e que “os processos decisórios das empresas não contemplam
explicitamente o tratamento da incerteza presente nas informações” (p. 169). Em relação à
categorização, o autor apresenta duas perspectivas. A primeira faz referência à disponibilidade
de dados para a estimativa de probabilidades de eventos, categoria que o autor denomina de
“decisão sob risco” e que envolve a utilização de metodologias de “análise do valor esperado
e da variância” ou por “análise de simulação”. Já a segunda é denominada pelo autor de
“decisão sob incerteza”, e ocorre quando não é possível “associar probabilidades aos valores
possíveis dos parâmetros do projeto de investimento”. De qualquer forma, dispondo ou não de
probabilidades atribuíveis à ocorrência de eventos, o autor expõe cinco categorias de riscos às
quais “todos os projetos são submetidos” (p. 173). São elas:
“Risco do fluxo de receitas”: refere-se à incerteza quanto à geração das receitas
previstas no projeto;
“Riscos de construção”: o autor considera que, durante a implementação de projetos,
surgem riscos de atrasos diversos e de custos não previstos, bem como riscos técnicos e
gerenciais das contratadas;
“Riscos legais e políticos”: advêm de possíveis alterações em leis e marcos
regulatórios e de mudanças em políticas do governo (incluindo a monetária e a fiscal), bem
como da flutuação da taxa de juros;
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“Riscos ambientais”: referem-se aos riscos de falhas no “planejamento prévio para
levantamento das questões ambientais e sua mitigação” (p. 174), bem como a mudanças nas
exigências ambientais;
“Riscos financeiros”: surgem a partir de possíveis mudanças no mercado financeiro
que afetem a capacidade de crédito das contratadas ou de sua liquidez.
Nota-se que as categorias apresentadas abrangem, em cada uma, diferentes ocorrências
e que os eventos apresentados não esgotam as possibilidades dos riscos existentes. Neste
sentido, Damodaran (2009) apresenta entendimento de grande utilidade para o presente
trabalho, quando expõe que “a lista de todos os riscos que uma empresa enfrenta pode ser
enorme” e que “uma maneira de tornar administráveis os riscos consiste em separá-los em
categorias amplas” (p. 308). Completa o entendimento apresentando que a correta
categorização dos riscos é uma condição essencial para a adoção de estratégias voltadas à sua
gestão. Para o autor, após ser realizada a listagem detalhada de todos os riscos em algum
projeto, os mesmos devem ser enquadrados de acordo com as seguintes premissas:
É um “risco de mercado” (referentes às condições às quais “muitas ou todas as
empresas” estão sujeitas), ou representa um “risco específico” (afetam somente a empresa, ou
uma reduzida quantidade de empresas)?
É um “risco operacional” (riscos que decorrem de mudanças que possuem impacto nas
operações das empresas, como os preços de insumos, por exemplo) ou é um “risco financeiro”
(riscos decorrentes, por exemplo, das decisões de estrutura de capital nas empresas)?
É um “risco contínuo” (riscos aos quais as empresas estão constantemente expostas,
como por exemplo as flutuações nas taxas de juros) ou é um “risco de evento” (o autor os
define como “eventos desagradáveis que têm consequências econômicas”, exemplificando
com situações como “revolução política ou a nacionalização” de determinadas atividades)?
É um “risco catastrófico” ou é um “risco menor” (o enquadramento pode variar de
empresa para empresa e refere-se ao grau de impacto negativo que algum risco pode causar)?
Complementar ao viés gerencial apresentado nas categorizações de risco propostas
pelos autores Andrade (2013) e Damodaran (2009), a autora Di Pietro (2008, p. 286, apud
Miranda e Rocha, 2016, p. 60) apresenta, por um viés jurídico, a divisão dos riscos advindos
dos contratos administrativos em apenas duas categorias: ordinários e extraordinários. Os
primeiros, de simples conceituação, referem-se a eventos resultantes “da própria flutuação do
mercado” e são considerados como “previsíveis em que o particular contratado responde
integralmente pelos possíveis prejuízos que vier a sofrer”. Já a segunda categoria, no entanto,
possui maior complexidade conceitual, tendo em vista possuir dois níveis de subcategorias.
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Ainda conforme Miranda e Rocha (2016), em um primeiro nível tem-se a subdivisão em
riscos extraordinários pertencentes à denominada álea econômica, bem como aqueles
pertencentes à álea administrativa. Os riscos extraordinários pertencentes à álea econômica
são “aqueles que, em um panorama de razoabilidade, afastam-se do limite de ordinariedade de
ocorrência” (p. 65) e que consistem em eventos “externos ao contrato, estranhos à vontade das
partes, imprevisíveis e inevitáveis, que causam um desequilíbrio grande na avença, com
consequências incalculáveis” (p. 64). Já os riscos extraordinários da álea administrativa, por
sua vez, apresentam três outras subcategorias, denominadas de: “alteração unilateral do
contrato pela administração pública” (respeitando certos limites legais); “fato do príncipe”;
“fato da Administração”.
Para Jabôr (2013), o risco da ocorrência do “fato do príncipe” deve ser suportado pela
Administração Pública, pois este “representa uma das hipóteses de desequilíbrio econômico-
financeiro do contrato administrativo” (p. 83), pois torna o contrato “mais oneroso para o co-
contratante particular, que deve, por isso, ser compensado economicamente” (p. 84). No
entanto, Miranda e Rocha (2016) apresentam que os efeitos advindos de eventos classificados
como “fato do príncipe” podem ser previamente estabelecidos em contrato e que, portanto,
caso sejam assumidos pela parte contratada, não exigirão que sejam suportados pela
Administração Pública através da concessão de reequilíbrio econômico-financeiro ao
contrato. Os autores consideram ser “plenamente possível a alocação de riscos oriundos de
fatos do príncipe nos contratos regidos pela Lei n 8.666/93” (p. 63). Em suma, o “fato do
príncipe” consiste em “fato relacionado a fatores econômicos imprevisíveis, oriundos de
norma editada pelo Estado” (TANAKA, 2007, p. 175). O autor salienta, no entanto, que os
efeitos decorrentes devem possuir “relação imediata com o contrato em vigor” (p. 175).
Já em relação aos “fatos da Administração”, Miranda e Rocha (2016) descartam
qualquer estratégia de repartição de riscos, por compreenderem que tais eventos são
decorrentes puramente por descumprimento contratual por parte da Administração Pública,
situação que gera direito a reequilíbrio econômico-financeiro do contrato a ser suportado pela
parte contratante.
6 METODOLOGIA
Conforme apresentado, este trabalho trata da proposição de estratégias de alocação e
gestão de riscos para os contratos administrativos referentes à contratação de serviços. Para
atender aos objetivos estabelecidos, foi promovida a revisão de produções existentes acerca da
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temática e dos conceitos envolvidos, visando o aprofundamento nas conceituações e o
levantamento de categorias de risco a serem consideradas para o desenvolvimento da análise
final.
A pesquisa foi realizada com a utilização do método qualitativo classificado como
pesquisa exploratória bibliográfica. Gil (2002) apresenta que o caráter exploratório consiste
em “proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito”
(p. 41). Em relação ao caráter bibliográfico, a autor elucida que “a pesquisa bibliográfica é
desenvolvida a partir de material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos
científicos” (p. 44). A pesquisa foi realizada, portanto, a partir do estudo dos materiais citados
pelo autor, buscando os devidos aprofundamentos teóricos nos conceitos envolvidos na
temática proposta.
A partir dos autores e produções selecionadas, foi realizada revisão de produções
existentes, buscado o aprofundamento nos conceitos apresentados a seguir:
(1) Contratos administrativos de serviços. Referencial: Di Pietro (1999), Justen Filho
(2012) e as Leis 8.666/1993 e 11.079/2004;
(2) Princípio constitucional da eficiência na Administração Pública e demais
entendimentos. Referencial: Justen Filho (2012), Santos (2003), Führer e Führer (2003), Grilo
e Alves (2011);
(3) Repartição de riscos em contratos administrativos de serviços. Referencial: Lei
8.666/1993, Jabôr (2013), Justen Filho (2012), Miranda e Rocha (2016), Rocha (2014),
Santos (2014);
(4) Gestão de riscos. Referencial: Norma Técnica NBR ISO 31000 (2009), bem como
os autores Andrade (2013) e Damodaran (2009).
6.1 Análise dos resultados
A partir das categorizações dos riscos obtidas através dos vieses gerencial e jurídico,
foi formulado um quadro demonstrativo apresentando proposição de interpretação, pelo viés
jurídico, quanto a cada tipo de risco identificado na literatura revisada. O Quadro 1, a seguir,
apresenta os resultados:
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Quadro 1 – Intepretações das categorizações de riscos levantadas
Autor Denominação pelo
viés gerencial
Interpretação pelo viés jurídico, sob o
ponto de vista da parte contratada Alocação
Andrade
(2013)
“Risco de fluxo de
receitas”
a) Risco ordinário, em condições de
mercado estáveis. Contratado
b) Risco extraordinário, da álea
econômica, caso resulte de eventos
macroeconômicos imprevisíveis e
inevitáveis.
Contratante
c) Risco extraordinário, da álea
administrativo, caso decorra de alteração
unilateral do contrato pela Administração
Pública ou, ainda, de “fato da
administração”, quando esta, por
exemplo, descumprir o contrato ao não
realizar os pagamentos devidos à
contratada, ou deixar de conceder
reajustes e reequilíbrios econômico-
financeiros, caso devidos.
Contratante
“Riscos de
construção”
Risco ordinário, pois resulta da atuação
do contratado. Contratado
“Riscos legais e
políticos”
a) Risco ordinário, em condições estáveis
de mercado, como por exemplo relativo
às flutuações da taxa de juros, mudanças
em políticas governamentais, dentre
outros.
Contratado
b) Risco extraordinário, da álea
econômica, caso resulte de eventos
imprevisíveis e inevitáveis que causem
grande desequilíbrio nas condições
previamente acordadas entre as partes,
como por exemplo alterações expressivas
em taxas de juros, mudanças
significativas na legislação, dentre outras
possibilidades que impeçam ao
contratado manter as condições da
proposta inicial.
Contratante
c) Risco extraordinário, da álea
administrativa, quando decorrente de
“fato do príncipe”, “fato da
administração” ou de alteração unilateral
do contrato pela Adm. Pública.
Analisar
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“Riscos ambientais”
a) Risco ordinário, quando decorrente de
falhas incorridas pela contratada em seu
planejamento.
Contratada
b) Risco extraordinário, da álea
econômica, quando advindo de eventos
externos ao contrato.
Contratante
c) Risco extraordinário, da álea
administrativa, quando advindo de “fato
do príncipe” em relação à legislação
ambiental.
Contratante
“Riscos financeiros”
Enquanto mudanças nas políticas
públicas monetária e fiscal são
consideradas como riscos "legais e
políticos" (conforme apresentado
anteriormente neste quadro), resta à
categoria de riscos "financeiros"
contemplar aqueles advindos da dinâmica
do mercado, sem a influência externa.
Logo, podem ser considerados como
pertencentes à categoria de riscos
"ordinários" pelo viés jurídico.
Contratado
Damodaran
(2009)
“Riscos de
mercado”
Como a própria denominação sugere, são
riscos advindos da própria dinâmica do
mercado de atuação da contratada. Desta
forma, pode ser considerado como um
risco “ordinário”, pelo viés jurídico de
interpretação.
Contratado
“Risco específico”
Tal qual o risco “de mercado”, os riscos
“específicos” referem-se tão somente à
dinâmica interna da contratada, ou
algumas poucas empresas similares.
Desta forma, os riscos inerentes ao
negócio devem ser de conhecimento
prévio da contratada devido à sua
expertise em seu mercado de atuação e,
portanto, devem restar devidamente
precificados em suas propostas.
Configuram-se, portanto, como riscos
“ordinários” pelo víes jurídico.
Contratado
“Risco operacional”
a) Via de regra, toda empresa incorre em
riscos denominados “operacionais”, pois
são riscos advindos de mudanças que
afetam as operações. Conforme
Damodaran (2009), variações nos preços
Contratado
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de insumos são considerados riscos
“operacionais”. Desta forma, resta a
correta compreensão dos motivos que
ocasionam a mudanças de preços. Caso
seja motivada por fatores advindos da
própria dinâmica de mercado, tais riscos
podem ser considerados como
“ordinários” pelo viés jurídico.
b) Caso sejam resultantes de eventos
imprevisíveis na esfera macroeconômica
ou outras ocorrências sobre as quais a
contratada não possua controle ou
influência e que fujam da normalidade, os
mesmos podem ser considerados como
riscos “extraordinários” da álea
econômica.
Contratante
c) Caso decorram de mudanças em
políticas públicas que afetem de maneira
significativa o contrato, tais riscos podem
ser classificados como “extraordinários”
da álea administrativa.
Contratante
“Risco financeiro”
Enquanto o autor Andrade (2013) utiliza
esta denominação para riscos advindos do
mercado, o autor Damodaran (2009) os
apresenta como advindos decisões
internas das empresas, referentes a seus
aspectos financeiros. Desta forma, sua
ocorrência depende basicamente do
ambiente interno da contratada e,
portanto, pode ser classificado como um
risco “ordinário” pelo viés jurídico.
Contratado
“Risco contínuo”
Sendo riscos aos quais as empresas estão
constantemente expostas, propõe-se que
os mesmos devem ser de conhecimento
da contratada e, portanto, devem estar
devidamente precificados nas propostas.
Desta forma, podem ser classificados
como riscos “ordinários” pelo viés
jurídico.
Contratado
“Risco de evento”
Pertencem à categoria de riscos
“extraordinários” da álea econômica, pois
são apresentados por Damodaran (2009)
como advindos de eventos específicos
que afetam a economia e, assim o sendo,
pode-se considerar que “em um panorama
de razoabilidade, afastam-se do limite de
Contratante
16
ordinariedade de ocorrência” (Miranda e
Rocha, 2016, p. 65).
“Risco catastrófico”
Quando advindos de eventos “externos ao
contrato, estranhos à vontade das partes,
imprevisíveis e invitáveis, que causam
um desequilíbrio grande na avença, com
consequências incalculáveis” (Miranda e
Rocha, 2016, p. 64), tais riscos podem ser
classificados como “extraordinários” e
pertencentes à álea econômica ou, tendo
como causa atos da Administração
Pública, como pertencentes à álea
administrativa.
Contratante
“Risco menor”
Conforme o autor Damodaran (2009), são
riscos que não apresentam o mesmo grau
de impacto dos riscos “catastróficos”. Por
este motivo, podem ser previamente
previstos nas propostas e caracterizados
como riscos “ordinários”.
Contratado
Fonte: elaborado pelo autor, 2017.
Conforme pode ser depreendido a partir das interpretações de riscos disponíveis no
Quadro 1, as categorias de riscos compreendidas através do viés gerencial proposto poderiam
assumir diferentes categorizações quando analisadas sob a ótica do viés jurídico. Neste
sentido, por exemplo, tem-se que os “riscos de fluxo de receitas”, conforme proposição de
Andrade (2013), poderiam ser compreendidos como riscos ordinários e alocados à parte
contratada, quando os eventos que os configuram surgissem em condições de mercado
consideradas estáveis. No entanto, na ocorrência de eventos macroeconômicos imprevisíveis e
inevitáveis, os riscos podem ser considerados como extraordinários, da álea econômica e
sendo devido, portanto, a concessão de reequilíbrio econômico-financeiro pela parte
contratante. As mesmas alterações no fluxo de receitas poderiam surgir, ainda, de alterações
unilaterais no contrato por parte da Administração Pública, pela ocorrência de um “fato da
administração” ou, ainda, pela ocorrência de “fato do príncipe”. Nestas ocasiões, os riscos
advindos de tais eventos poderiam ser classificados como extraordinários, da álea
administrativa e, portanto, sujeitos ao reequilíbrio econômico-financeiro.
Tem-se que, em maior ou menor grau, os riscos gerenciais levantados a partir dos
autores revisados poderiam resultar em diferentes interpretações quando à sua classificação
através do viés jurídico. Desta forma, restaria como solução a realização de análise específica
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e individualizada em cada caso, buscando-se evitar generalizações prévias quanto à alocação
dos riscos nos contratos administrativos celebrados sob as normas da Lei Federal 8.666/93.
No entanto, algumas estratégias podem mostrar-se como pertinentes para a mitigação
de alguns riscos. Por exemplo, os chamados “fatos da administração” referem-se, conforme já
apresentado, aos eventos de descumprimento contratual por parte da Administração Pública.
Neste sentido, a correta gestão contratual, de modo a evitar equívocos quanto aos pagamentos
tempestivos à contratada e quanto à concessão dos devidos reajustes e reequilíbrios são
medidas que permitiriam, por exemplo, afastar a possibilidade de aplicação de multas pela
parte contratada, evitando que o contrato viesse a se tornar mais oneroso do que o
inicialmente previsto.
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme Miranda e Rocha (2016), à parte contratada é possível a precificação dos
“riscos que lhe competem, assim como fazem nos contratos de PPP” (p. 67). Logo, uma
primeira conclusão para responder aos objetivos do presente artigo seria a recomendação
quanto à inserção, pela Administração Pública, de exigência nos Editais de Licitações para
que os contratados apresentassem suas matrizes de risco e os instrumentos que pudessem
adotar para a mitigação destes riscos. Desta forma, a Administração Pública estaria, em
prática, transferindo os riscos identificados para o privado, exigindo do mesmo as medidas de
gestão de riscos e sua prévia precificação nas propostas. Com atenção às limitações impostas
pela omissão da Lei 8.666/93 nesta questão, acredita-se encontrar parte da solução para a
problemática através da transferência, à parte contratada, dos riscos inerentes à execução
contratual, além das garantias exigidas e dos mecanismos de penalização previstos em lei.
Salienta-se, no entanto, o exposto por Justen Filho (2012), quando o mesmo apresenta
que “como se não bastasse, o particular engloba, na formação de seus custos, os encargos
necessários à obtenção da garantia” (p. 824), interpretando que “sob essa abordagem, a
garantia produz malefícios”, com as consequências de que “tanto reduz o número de licitantes
como acarreta elevação dos custos para a Administração”. Contrário a este entendimento,
tem-se o apresentado por Di Pietro (1999), que considera que “a alegação de que o excesso de
garantias afasta os possíveis interessados não pode ser aceita sem colocar em risco o interesse
público” (p. 85), trazendo à luz o princípio constitucional da razoabilidade, o qual refere-se,
em essência, à “proporcionalidade dos meios aos fins” (p. 85). A autora apresenta que os
interesses das partes envolvidas, particular e administração pública, devem ser conciliados “de
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tal modo que as imposições aparentemente discriminatórias, como é o caso da exigência de
garantia, sejam feitas na medida necessária e suficiente para proteger o interesse público”.
Sabe-se que todas as contratações realizadas pela Administração Pública,
independente da modalidade adotada e da lei específica que as rege, estão submetidas à Lei
Maior. Desta forma, devem objetivar a conquista de vantajosidade econômica, tendo esta
premissa como um de seus objetivos norteadores, com vistas a atender ao princípio
constitucional da eficiência. Em específico quanto às contratações através de licitações
públicas, esta diretriz resta claramente apresentada pela Lei 8.666/1993, em seu Art. 3º, onde
é previsto que “a licitação destina-se a [...] selecionar a proposta mais vantajosa para a
Administração” (BRASIL, 1993). A repartição dos riscos, atendendo ao princípio da
razoabilidade, conforme exposto por Di Pietro (2012), seria necessária para atender ao
interesse público. Desta forma, o presente trabalho busca demonstrar que a garantia contratual
limitada pela Lei de Licitações e Contratos não permite à Administração a eficiente alocação
de riscos entre as partes, não garantindo às contratações o atingimento da citada eficiência
nem tampouco o atendimento da razoabilidade. Propôe-se, portanto, que deveria ser realizada
a correta identificação dos riscos específicos advindos de cada contratação pretendida, bem
como sua categorização em relação à natureza dos eventos, de acordo com as classificações
gerenciais e jurídica apresentadas por Andrade (2013), Damodaran (2009) e Miranda e Rocha
(2012). Identificados e categorizados os riscos, tornar-se-ia possível a compreensão da
estratégia a ser adotada para a contratação, em relação à alocação ao contratado ou à
contratante, dos riscos inerentes ao contrato. Tal medida condiz com o previsto por Tanaka
(2007), quando este apresenta que “a caracterização do desequilíbrio econômico-financeiro do
contrato não é imediata e nem tão simples de se averiguar na prática”, completando que
“caberá sempre a análise pormenorizada [...] para ser constatada, ou não, sua existência”
(p. 177). A forma proposta para abordagem dos riscos teria, inclusive, caráter preventivo para
a Administração Pública em relação ao exposto por Andrade (2013), quando este apresenta
que “os processos decisórios das empresas não contemplam explicitamente o tratamento da
incerteza presente nas informações” (p. 169). Na esfera pública, as medidas aqui apresentadas
tornariam os processos decisórios de contratação menos vulneráveis à incerteza das
informações, ao passo que tornaria transparentes e previsíveis os riscos presentes nos
contratos administrativos.
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RISK-SHARING IN ADMINISTRATIVE CONTRACTS COVERING SERVICES
UNDER THE NORMS OF FEDERAL LAW 8,666/93
ABSTRACT
This article seeks to research and understand risks involved in administrative contracts
covering services, under the norms of Federal Law 8,666/93 as well as means and
proceedings adopted by the Public Administration in the risk-sharing associated with such
contracts. In order to achieve the established goal, an appraisal of pre-existing works on the
theme was carried out, viewing a deeper conceptualization and a survey of risk categories to
be considered before the final analysis. Research was carried out by means of a qualitative
methodology classified as bibliographical exploratory research, starting with authors Andrade
(2013), Damodaran (2009), Di Pietro (1999), Führer and Führer (2003), Grilo and Alves
(2011), Jabôr (2013), Justen Filho (2012), Miranda and Rocha (2016), Rocha (2014), Santos
(2003) and Santos (2014), plus Federal Laws 8 666/1993 and 11,079/2004, as well as
Technical Norm NBR ISO 3,000 (2009). Based on this interpretation, it was verified that, to a
greater or lesser extent, those risks identified through a managerial outlook can result from
different application due to judiciary outlook and legal bias. In conclusion, the resulting
solution is the proposal of a specific and individual analysis for each case and contract,
aiming to avoid a pre-conceived generalization regarding inherent risks.
Keywords: Administrative Contracts; Outsourcing of Public Services; Risk-Sharing.
NOTAS EXPLICATIVAS
1 Conforme apresentado pela Lei Federal nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004, as parcerias público-privadas
são também estabelecidas através de contratos administrativos, mas cujos objetos referem-se a concessão de
serviços e obras públicas (BRASIL, 2004). 2 O autor CORREA DOS SANTOS (2003) apresenta que o “o princípio da eficiência foi introduzido
expressamente no caput do art. 37 da Constituição Federal através da Emenda Constitucional n. 19, de
4.6.1998”. 3 Visando não se afastar das devidas conceituações de Justen Filho (2012), cabe salientar que o autor apresenta
que as licitações não são realizadas pela Administração Pública com o objetivo específico de buscar a
vantajosidade econômica, mas que tal objetivo deve sempre ser orientador das contratações (2012, p. 68). 4 Conforme Art. 4º da Lei Federal nº 11.079 de 30 dezembro de 2004.
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