renda baixa - rede clippingano, para começar a ter crescimento de serviços mais sofisticados...

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Sem Opção Veículo: O Globo - Caderno: Economia - Seção: Não Especificado - Assunto: Trabalho - Página: 1,21,22 - Publicação: 26/01/20 URL Original: Renda baixa RENDA EM BAIXA País não cria vagas com ganhos acima de 2 salários mínimos há 14 anos O Globo 26 Jan 2020 PEDRO CAPETTI [email protected] GABRIEL MONTEIRO Baixa remuneração. Formada em História, Danielle Senna desistiu das aulas O Brasil não cria vagas com rendimento acima de dois salários mínimos há 14 anos. Levantamento feito pelo GLOBO com base nos microdados do Caged, o registro de vagas com carteira assinada do governo, mostra que a partir de 2006 não houve saldo positivo nas contratações para qualquer faixa de renda com remuneração superior a duas vezes o piso nacional. Incluindo os dados de 2019, divulgados na última sexta-feira, o país extinguiu 6,7 milhões de empregos com renda mais alta desde 2006. Ao longo do tempo, o mercado de trabalho passou a trocar vagas de maior qualidade por postos de menor rendimento. Foram criados 19,2 milhões de postos de trabalho desde 2006, porém, todos com renda de até 2 salários mínimos. Considerando o saldo entre vagas fechadas e geradas, o mercado absorveu 12,5 milhões de trabalhadores. O resultado é uma economia que vem se tornando cada vez mais de baixos salários, indiferente até mesmo aos momentos de grande dinamismo, entre 2010 e 2013. Especialistas avaliam que o quadro é estrutural. Parte do fenômeno pode ser explicado pelo modelo de crescimento econômico das últimas décadas, baseado no consumo das famílias e com baixas taxas de investimento. Outro fator importante é a política de valorização do salário mínimo, vigente até 2018. Entre 2005 e 2019, o piso nacional subiu 74% acima da inflação. O ganho real é considerado positivo e necessário pelos economistas. O problema é que não foi acompanhado do aumento da produtividade da economia. No mesmo período, a produtividade da hora trabalhada avançou apenas 18%, segundo dados do Ibre/FGV. — Pela régua do salário mínimo, vamos encontrar cada vez mais pessoas ganhando próximo a ele, pois o piso cresceu mais rápido do que as outras remunerações. E nos últimos anos, o que vimos foram empregos criados com uma remuneração cada vez menor ou estagnada —ressalta Hélio Zylberstajn, professor da FEA/USP e coordenador do Salariômetro da Fipe. A lenta recuperação do mercado de trabalho, com a criação de 1,1 milhão de postos formais de trabalho no acumulado de 2018 e 2019, após a perda de mais de 3 milhões desde a recessão iniciada em 2015, ajuda a entender as dificuldades. GRADUADOS SEM LUGAR O trabalhador volta a assinar a carteira hoje ganhando, em média, 10% menos que antes da demissão. Para o empregador, é uma maneira de ajustar o descolamento entre o crescimento dos salários e o da produtividade, tendo a seu favor uma oferta muito maior de trabalhadores do que vagas disponíveis. —A produtividade cresceu muito menos que o valor do mínimo. Isso significa que o piso ficou muito alto para a economia brasileira. O empregador não vai contratar o trabalhador por mais, a não

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SemOpção

Veículo: O Globo - Caderno: Economia - Seção: Não Especificado - Assunto:Trabalho - Página: 1,21,22 - Publicação: 26/01/20URL Original:

Renda baixaRENDA EM BAIXAPaís não cria vagas com ganhos acima de 2 salários mínimos há 14 anos

O Globo26 Jan 2020PEDRO CAPETTI [email protected]

GABRIEL MONTEIROBaixa remuneração. Formada em História, Danielle Senna desistiu das aulasO Brasil não cria vagas com rendimento acima de dois salários mínimos há 14 anos. Levantamento feito pelo GLOBO com basenos microdados do Caged, o registro de vagas com carteira assinada do governo, mostra que a partir de 2006 não houve saldopositivo nas contratações para qualquer faixa de renda com remuneração superior a duas vezes o piso nacional. Incluindo osdados de 2019, divulgados na última sexta-feira, o país extinguiu 6,7 milhões de empregos com renda mais alta desde 2006. Aolongo do tempo, o mercado de trabalho passou a trocar vagas de maior qualidade por postos de menor rendimento. Foramcriados 19,2 milhões de postos de trabalho desde 2006, porém, todos com renda de até 2 salários mínimos. Considerando osaldo entre vagas fechadas e geradas, o mercado absorveu 12,5 milhões de trabalhadores. O resultado é uma economia quevem se tornando cada vez mais de baixos salários, indiferente até mesmo aos momentos de grande dinamismo, entre 2010 e2013. Especialistas avaliam que o quadro é estrutural. Parte do fenômeno pode ser explicado pelo modelo de crescimentoeconômico das últimas décadas, baseado no consumo das famílias e com baixas taxas de investimento. Outro fator importante éa política de valorização do salário mínimo, vigente até 2018. Entre 2005 e 2019, o piso nacional subiu 74% acima da inflação. Oganho real é considerado positivo e necessário pelos economistas. O problema é que não foi acompanhado do aumento daprodutividade da economia. No mesmo período, a produtividade da hora trabalhada avançou apenas 18%, segundo dados doIbre/FGV. — Pela régua do salário mínimo, vamos encontrar cada vez mais pessoas ganhando próximo a ele, pois o piso cresceumais rápido do que as outras remunerações. E nos últimos anos, o que vimos foram empregos criados com uma remuneraçãocada vez menor ou estagnada —ressalta Hélio Zylberstajn, professor da FEA/USP e coordenador doSalariômetro da Fipe.A lenta recuperação do mercado de trabalho, com a criação de 1,1 milhão de postos formais de trabalho no acumulado de 2018e 2019, após a perda de mais de 3 milhões desde a recessão iniciada em 2015, ajuda a entender as dificuldades.GRADUADOS SEM LUGARO trabalhador volta a assinar a carteira hoje ganhando, em média, 10% menos que antes da demissão. Para o empregador, éuma maneira de ajustar o descolamento entre o crescimento dos salários e o da produtividade, tendo a seu favor uma ofertamuito maior de trabalhadores do que vagas disponíveis. —A produtividade cresceu muito menos que o valor do mínimo. Issosignifica que o piso ficou muito alto para a economia brasileira. O empregador não vai contratar o trabalhador por mais, a não

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ser que ele seja muito qualificado — explica José Márcio Camargo, economista-chefe da Genial Investimentos. Essa dinâmicaacabou expulsando muita gente nos dois extremos do mercado formal, no qual estão os empregos com algum tipo de proteçãosocial. Trabalhadores sem qualificação migraram para a informalidade, enquanto profissionais de maior escolaridade enfrentamdificuldades para encontrar oportunidades com remuneração compatível com a sua formação.Só entre 2012 e 2019, segundo dados da pesquisaEditoria de ArtePnad Contínua, do IBGE, a proporção de profissionais com ensino superior no país saltou de 14% para 19% da força total detrabalhadores. São quase 7 milhões de graduados que entraram no mercado nos últimos oito anos, justamente em um momentoem que as melhores vagas minguaram ano a ano. No ano passado, houve sinaisde reação do mercado de trabalho com a criação de 644 mil vagas, o melhor desempenho em seis anos. O problema é que nosprincipais setores da economia, como comércio, indústria e serviços, não houve saldo positivo em vagas com rendimento acimade 1,5 salário mínimo. Houve criação, ainda que marginal, de postos com renda entre 1,5 e dois pisos nacionais na construçãocivil, que iniciou processo de recuperação após a crise.FRUSTRAÇÃO NO MERCADOGraduada em História e com duas especializações no currículo, Danielle Senna, de 32 anos, teve dificuldades para ganhar, comoprofessora, um salário que consideraria satisfatório para sua formação. A crise na área de educação fez com que ela trocasse adocência pela área administrativa de umhotel,masaindaassimnão ganha mais de R$ 2 mil . — Com asresponsabilidadesdaminhafunção,achoque poderiaganharmais.Porém,o mercado não permite escolher muito. Isso me limita. Foibem decepcionante no início, após a faculdade —lamenta. Um dos resultados dessa insatisfação salarial entre os maisqualificados é o avanço da informalidade entre eles ou outras modalidades de trabalho, como a prestação de serviços comoautônomo ou como microempreendedor individual (MEI). Muitas empresas preferem contratar serviços assim em vez deempregar um trabalhador fixo. Dessa forma, esses profissionais conseguem remuneração mais elevada do que teriam comcarteira assinada. Para José Pastore, sociólogo especialista em relações do trabalho e emprego, a melhora do mercado brasileirosó acontecerá com a retomada do protagonismo do setor industrial e da construção, responsáveis por empregar profissionaismais qualificados e com melhores salários. Entre 2005 e 2018, a participação da indústria perdeu cerca de 8 pontos percentuaisem tudo o que é produzido no país, o PIB. — Precisamos de crescimento sustentável de seis a sete anos, com taxa de 4% aoano, para começar a ter crescimento de serviços mais sofisticados —afirma Pastore. Na avaliação de Zylberstajn, é necessárioque o país invista na melhoria da qualificação profissional e no aumento da produtividade para que o avanço dos salários possase refletir em aumento de poder de compra e da poupança.— É preciso produzir mais para poder consumir mais. O crescimento do valor adicionado nas empresas é o que vai levar aoaumento dos salários, que vai impactar o consumo e o poder de compra — conclui. (Colaborou Gabriela Oliva, estagiária, sob asupervisão de Alexandre Rodrigues)

No Estado do Rio, mercado de trabalho só gera vagas deaté R$ 1.497 A recuperação do mercado de trabalho formal no Rio de Janeiro em 2019, que registrou o melhor saldo no balanço entreadmissões e demissões desde 2014, com 16.829 novas vagas, foi puxada pela geração de postos de trabalho de baixaremuneração.Dados do Caged divulgados na última sexta-feira apontam que o estado só obteve saldo positivo para aqueles que recebem até1,5 salário mínimo, o equivalente a R$ 1.497, considerando o piso nacional de 2019. Para os níveis salariais mais elevados, obalanço ficou no vermelho, com a dispensa de trabalhadores maior que o total de contratações. Foram gerados no ano passadocerca de 55 mil postos de trabalho de até 1,5 salário mínimo. Computados com a eliminação de 46 mil vagas de salário superiora esse patamar, culminaram no saldo de empregos no Rio em 2019 (que considera também vencimentos não declarados). O Riosegue a a tendência dos demais estados brasileiros, onde a recuperação econômica ainda não resultou na melhoria dos saláriosofertados.Na capital fluminense, que terminou como a pior cidade do país na geração de postos de trabalho em números absolutos, ocenário se repete. O saldo negativo de 6.640 só não foi pior devido à geração adicional de 23 mil vagas com remuneração até1,5 salário mínimo. Acima desse patamar, houve a eliminação de mais de 30 mil postos com saláriosacima,naindústria,serviços econstrução civil. Entre as capitais, somente Florianópolis (SC) e Vitória (ES) conseguiram obter geração de vagas acima de 1,5salário. Nessas cidades, novas vagas foram criadas para quem ganha até R$ 1.998 —o equivalente a dois mínimos.

Jovens criam seu próprio emprego como MEICom poucas vagas com carteira assinada e boa remuneração, registro comomicroempreendedor individual vira passaporte para o mercado de trabalho.

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Em um ano, foram 85% dos novos CNPJs, aponta pesquisaGLAUCE CAVALCANTI E NAÍSE DOMINGUES* [email protected]

JORGE WILLIAMDesde 2014. A arquiteta Mariana Freitas virou MEI e trabalha em casa, em BrasíliaNa falta de vagas formais com boa remuneração, o registro de microempreendedor individual (MEI) passou a funcionar paramuita gente como uma alternativa à carteira de trabalho. Entre julho de 2018 e junho de 2019, 85% dosnovosnegóciosabertosnoBrasil eram de MEIs, que têm alíquotas de impostos reduzidas em relação às outras empresas. À frente dessa nova safra demicroempresas estão, em sua maioria, jovens de até 35 anos. Quatro em cada dez novos empreendedoresnuncativeramcarteiraassinada.É o que mostra um levantamento da BigData Corp, plataforma de análise de dados, que avaliouinformações de 2,62 milhões de CNPJs.Após anos de turbulência na economia e taxas de desemprego em torno de 12%, a pesquisa identifica dois perfis principais deMEI, diz Thoran Rodrigues, diretor executivo da BigData: — O primeiro é o daquele que inventou o próprio empregoempreendendo. O outro é o dos que atuam como prestadores de serviço a empresas.Entre as atividades dessas microempresas compostas de uma só pessoa estão o comérciodeartigoscomovestuário e acessórios(13%), cosméticos, produtos de perfumaria e higiene pessoal (8%). Também há um grande número de pessoas trabalhandocomo cabeleireiro, manicure e pedicure (8%) como autônomos, em vez de serem contratados nos salões em que atuam. Novarejo de bebidas estão 7% dos MEIs identificados, e outros 6,7% se dedicam à promoção de vendas. O estudo indica que muitagente qualificada com remuneração mais alta atua como autônomo em vez de ser contratado por empresa. Quase 95% dos MEIstêm renda acima de dois salários mínimos, e 30% ganham mais de quatro. — O estudo mostra ainda um grande conjunto depessoas e jovens sem experiência prévia nas áreas em que passam a atuar abrindo seu próprio negócio. É indicador direto dadificuldade de inserção no mercado de trabalho formal —destaca Rodrigues. Moradora de Niterói, Mariana Marins, de 26 anos, sóteve a carteira assinada como estagiária numa empresa de publicidade. Decidiu se registrar como MEI quando começou atrabalhar com marketing digital como freelancer, movida pela necessidade de emitir notas fiscais pelos serviços prestados.—Quandovocêéempresa,é visto com outros olhos pelos clientes. A percepção de autoridade é infinitamente maior, você éclassificado como empresa e tem CNPJ —diz.VANTAGENS E DESVANTAGENSA arquiteta Mariana Freitas, de 30 anos, também decidiu trabalhar como autônoma em Brasília. Ela fez o registro como MEIainda em 2014, quando foi contratada como prestadora de serviço em um escritório de arquitetura, um setor que não costumaoferecer muitas vagas formais. Ela vê vantagens e desvantagens. Tem mais flexibilidade, mas menos previsibilidade. Além denão ter uma renda fixa, seu lucro mensal depende do andamento da economia do país. Por não prestar um serviço tido comoessencial, explica, na hora do aperto financeiro, muitas pessoas deixam de contratá-la para reformas: — Eu trabalho cominteriores. Quando é fim de ano, tenho muito trabalho, porque as pessoas estão mais abertas a gastar em reformas. Mas minharenda flutua muito, em alguns meses recebo mais de R$ 4 mil; em outros, nada. NaépocaemquevirouMEI, precisou se cadastrarem outra atividade, porque sua profissão não constava das categorias listadas como microempreendedor individual. No anopassado, o governo federal trabalhava para anunciar mudanças no programa. A equipe econômicapretenderevisaras 500atividades enquadradas no regime para que sejam adequadasaoconceitode“empresário”, de acordo com o Código Civil. Não seencaixaria na definição quem exerce profissão intelectual,denaturezacientífica e literária. No fim de 2019,contudo,apóspolêmicacriada pela exclusão de 14 profissões doprograma,amaioriadaárea cultural, o governo adiou para 2021 amudança no MEI. Rodrigues, do BigData, lembra que contar com CNPJ traz vantagensparaquemnãoquer ou não consegue umemprego formal, como acesso a planos de saúde com preços mais acessíveis e à Previdência. No entanto, ele avalia que ogoverno precisa encarar a dificuldade de a economia gerar mais empregos formais e renda: — Se a pessoa se tornamicroempreendedor para ter o benefício da alíquota fiscal reduzida, é mais um problema relacionado ao valor dos impostos nopaís do que sobre definir quem pode ou não ser MEI. Existe um problema com a carga tributária. O governo precisa olhar maispara dar condição de trabalho ao profissional prestador de serviço e menos para o perfil no MEI —avalia o executivo. MarianaMarins e Mariana Freitas citam como vantagem do MEI a possibilidade de contribuir à Previdência e garantir, no futuro, aaposentadoria. *Estagiária, sob a supervisão de Alexandre Rodrigues

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