remo mannarino filho o método das divisões: a última...

83
Remo Mannarino Filho O método das divisões: a última proposta dialética de Platão Dissertação de mestrado Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Filosofia da PUC-Rio como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Filosofia. Orientadora: Profa. Maura Iglésias Rio de Janeiro Setembro de 2008

Upload: votram

Post on 10-Dec-2018

214 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Remo Mannarino Filho O método das divisões: a última ...livros01.livrosgratis.com.br/cp104005.pdf · Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Departamento de Filosofia da PUC-Rio

Remo Mannarino Filho

O método das divisões:

a última proposta dialética de Platão

Dissertação de mestrado

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Filosofia da PUC-Rio como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Filosofia.

Orientadora: Profa. Maura Iglésias

Rio de Janeiro Setembro de 2008

Page 2: Remo Mannarino Filho O método das divisões: a última ...livros01.livrosgratis.com.br/cp104005.pdf · Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Departamento de Filosofia da PUC-Rio

Livros Grátis

http://www.livrosgratis.com.br

Milhares de livros grátis para download.

Page 3: Remo Mannarino Filho O método das divisões: a última ...livros01.livrosgratis.com.br/cp104005.pdf · Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Departamento de Filosofia da PUC-Rio

2

Remo Mannarino Filho

O método das divisões: a última proposta dialética de Platão

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Filosofia do Departamento de Filosofia do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio. Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo assinada.

Profa. Maura Iglésias Orientadora

Departamento de Filosofia da PUC-Rio

Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Departamento de Filosofia da PUC-Rio

Profa. Irley Fernandes Franco Departamento de Filosofia da PUC-Rio

Prof. Fernando Augusto da Rocha Rodrigues Universidade Federal do Rio de Janeiro

Prof. Paulo Fernando Carneiro de Andrade Coordenador Setorial do Centro

Técnico Científico – PUC-Rio

Rio de Janeiro, 05 de setembro de 2008

Page 4: Remo Mannarino Filho O método das divisões: a última ...livros01.livrosgratis.com.br/cp104005.pdf · Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Departamento de Filosofia da PUC-Rio

3

Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem a autorização da universidade, do autor e do orientador.

Remo Mannarino Filho

Graduou-se em Comunicação Social na PUC-Rio em 2000. É especialista em Filosofia Contemporânea pela PUC-Rio (2005). Cursou mestrado também na PUC-Rio, onde defendeu esta dissertação. Foi pesquisador convidado da Brown University (EUA) em 2008. É professor do Departamento de Filosofia da PUC-Rio.

Ficha Catalográfica Ficha

CDD:100

Mannarino Filho, Remo O método da divisões: a última proposta dialética de Platão / Remo Mannarino Filho; orientadora: Maura Iglésias. – 2008. 80 f. ; 30 cm Dissertação (Mestrado em Filosofia)–Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008. Inclui bibliografia 1. Filosofia – Teses. 2. Platão. 3. Método das divisões. 4. Últimos diálogos. 5. Linguagem. 6. Dialética. I. Iglesias, Maura. II. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Departamento de Filosofia. III. Título.

Page 5: Remo Mannarino Filho O método das divisões: a última ...livros01.livrosgratis.com.br/cp104005.pdf · Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Departamento de Filosofia da PUC-Rio

4

AGRADECIMENTOS

À professora Maura Iglésias, orientadora de paciência infinita, pela atenção e

disponibilidade, e sobretudo pelas aulas inesquecíveis.

À Brown University e à Coordenação Central de Cooperação e Intercâmbio, pela

bolsa de estudos que me permitiu um estágio de pesquisa absolutamente

fundamental para a realização dos presentes estudos, e à professora Mary Louise

Gill, pela presteza e amabilidade com que me recebeu e orientou.

Aos professores Fernando Rodrigues, Irley Franco e Danilo Marcondes, pela

gentileza e disponibilidade de participar da comissão examinadora; aos dois

últimos também pelas aulas indispensáveis à confecção deste trabalho.

A minha esposa Andiara, pelo incentivo e companhia preciosos.

A meus pais, que me incutiram desde cedo o amor pelas letras e pelas ciências, e a

minhas irmãs, pelo apoio constante.

Aos colegas do Núcleo de Filosofia Antiga, especialmente Márcio Corrêa, Eliane

Valente, Rafael Huguenin, Cristina Ribas e Victor Pinheiro, pela companhia

nesses anos de estudos.

Ao CNPq e à PUC-Rio, pelas bolsas de estudos generosamente concedidas.

Page 6: Remo Mannarino Filho O método das divisões: a última ...livros01.livrosgratis.com.br/cp104005.pdf · Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Departamento de Filosofia da PUC-Rio

5

RESUMO

Mannarino Filho, Remo; Iglésias, Maura. O método das divisões: a última proposta dialética de Platão. Rio de Janeiro, 2008. 80 p. Dissertação de Mestrado – Departamento de Filosofia, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

“O método das divisões: a última proposta dialética de Platão” discute e

investiga os fundamentos lógicos e ontológicos que sustentam a última visão

platônica do mundo. A pergunta tí estin, apresentada nos primeiros diálogos,

impôs à filosofia de Platão um objetivo ambicioso, e o desenvolvimento posterior

de sua obra tem como propósito, em grande medida, encontrar uma solução para

essa questão. Os últimos diálogos escritos pelo filósofo trazem uma nova proposta

dialética que será a derradeira tentativa de dar solução a esse problema.

Eminentemente prática, essa nova proposta – o método das divisões – traz em si,

como que compactada, toda uma visão da realidade e da sua relação com a

linguagem humana.

PALAVRAS-CHAVE

Platão; método das divisões; últimos diálogos; linguagem; dialética.

Page 7: Remo Mannarino Filho O método das divisões: a última ...livros01.livrosgratis.com.br/cp104005.pdf · Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Departamento de Filosofia da PUC-Rio

6

ABSTRACT

Mannarino Filho, Remo; Iglésias, Maura (advisor). The method of divisions: Plato’s last dialectical proposal. Rio de Janeiro, 2008. 80 p. MSc Dissertation – Departamento de Filosofia, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

“The method of divisions: Plato’s last dialectical proposal” discusses and

investigates the logical and ontological foundations that sustain Plato’s last

worldview. The question tí estin, presented in the first dialogues, imposes to

Plato’s philosophy an ambicious purpose, and the posterior development of his

work has, in many aspects, the goal of finding an answer to this problem. The last

dialogues written by the philosopher bring up a new dialectical proposal, which

will be his last attempt to solve the matter. Primarily of a practical nature, this

new proposal – the method of divisions – implies a whole way of understanding

reality and also some claims about the relations between language and reality.

KEYWORDS

Plato; method of divisions; last dialogues; language; dialectic.

Page 8: Remo Mannarino Filho O método das divisões: a última ...livros01.livrosgratis.com.br/cp104005.pdf · Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Departamento de Filosofia da PUC-Rio

7

SUMÁRIO

1. Introdução 8

2. A pergunta socrática e sua importância 11

3. Excurso: o Crátilo e uma aproximação alternativa

da relação entre linguagem e realidade 20

4. A teoria das formas e a crise do Parmênides 27

5. O método das divisões entra em cena 38

6. Análise da diairesis como método 49

7. Análise da diairesis como proposta ontológica 63

8. Considerações finais 72

Referências bibliográficas 76

Page 9: Remo Mannarino Filho O método das divisões: a última ...livros01.livrosgratis.com.br/cp104005.pdf · Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Departamento de Filosofia da PUC-Rio

8

1. INTRODUÇÃO

A pergunta tí estin, “o que é?”, é a pedra fundamental da filosofia

socrático-platônica. Ela manifesta inequivocamente uma aposta na inteligibilidade

do mundo e na possibilidade de a linguagem humana apreender e comunicar

verdades essenciais sobre a natureza dos entes e sobre realidade como um todo.

Pode-se dizer que, sob certo aspecto, Platão dedicou grande parte de sua obra e de

seus esforços intelectuais a responder essa problemática questão.

A presente dissertação tem como propósito estudar o método das divisões

– a diairesis, tal como apresentada nos últimos diálogos – como um decisivo

capítulo na evolução dessa questão. Entre outras coisas, pretende-se aqui

demonstrar como a carência de um método próprio para encontrar definições foi

um entrave no caminho da obtenção de respostas satisfatórias a essa questão.

Pretende-se mostrar também que, do ponto de vista puramente metodológico, a

própria teoria das formas, tal como apresentada nos diálogos ditos “da

maturidade”, não apresenta nenhuma contribuição para que se desse uma resposta

concreta e palpável à pergunta “o que é x?”. Por fim, apresenta-se a tese de que a

diairesis, método que supre a grande carência das investigações da juventude e da

maturidade, não é apenas um entre muitos: ele é a articulação final de todos os

métodos propostos ao longo da obra platônica, e portanto a grande culminação

metodológica de tal filosofia. Será essa a razão de as divisões serem consideradas

por Platão como “a” dialética por excelência nos últimos diálogos.

O método das divisões, contudo, não vem apenas sob a forma de um

conjunto funcional de procedimentos; ele vem como a proposição de uma nova

ontologia e de uma nova concepção das unidades inteligíveis. Isto significa

afirmar que ele constitui uma reviravolta na compreensão daquilo que Platão

considerava o grande alvo da investigação filosófica. Parte dessa nova ontologia

está explicitada nos textos que apresentam a fundamentação metafísica da

diairesis; parte tem de ser deduzida das entrelinhas dos diálogos. A essa exegese

também nos propusemos, não obstante a limitação das pouco menos de cem

páginas desta dissertação.

Page 10: Remo Mannarino Filho O método das divisões: a última ...livros01.livrosgratis.com.br/cp104005.pdf · Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Departamento de Filosofia da PUC-Rio

9

Um estudo detalhado do método das divisões nos mostrou que só é possível

compreendê-lo em sua real profundidade e alcance se levarmos em conta o seu

lugar no contexto mais amplo da filosofia de Platão, se o relacionarmos desde o

princípio à pergunta inaugural do pensamento socrático, e se o virmos como

última peripécia no longo e tortuoso percurso que se estabeleceu na busca pelas

essências. Foi por desconsiderar esse contexto mais amplo que a diairesis foi

tantas vezes mal interpretada e freqüentemente subestimada. O célebre exemplo

de Ryle (1965), que reputou o método como mero exercício taxonômico

preliminar para acadêmicos neófitos, e ademais sem nenhuma importância ou

alcance filosófico genuíno, nos deixa a lição da importância da sua

contextualização. E é essa somente a razão de mais de um terço da presente

dissertação dedicar-se à evolução do pensamento platônico, referindo-o sempre à

pergunta tí estin;. É só diante desse contexto, segundo cremos, que fará pleno

sentido a chegada do método das divisões como uma espécie de coroamento final

dessa questão.

Com isso em vista, faremos inicialmente uma apresentação da pergunta “o

que é x?”, salientando a sua crucial importância filosófica e toda a esfera de seu

alcance; apresentaremos a tese de que ela põe um problema fulcral muito antes de

que haja condições de resolvê-lo. Em seguida, ocuparemo-nos de mostrar como a

teoria das formas, imenso capítulo da filosofia platônica, se presta a resolver uma

questão relativa à pergunta (qual seja: o objeto buscado, as eide), mas não outras

tantas questões igualmente relevantes – qual o método para se obter uma fórmula

verbal que expresse as essências, de que maneira pode um logos reproduzir em

seu domínio um modo de ser etc. Veremos por fim como a diairesis constitui a

um só tempo um método para a obtenção de definições, uma reelaboração da

visão que se tinha do objeto buscado e, por fim, uma proposta de relação

fundamental entre linguagem e realidade.

A imensa riqueza do assunto não permite que ele seja esgotado na brevidade

destas páginas e nem tampouco se encerre nos pouco mais de dois dedicados à

presente pesquisa. Um estudo exaustivo da diairesis deveria envolver uma maior

elaboração de cada um desses aspectos, além de outros tantos aqui apenas

vislumbrados ou nem sequer mencionados. Que esta dissertação seja pois tomada

como as considerações iniciais de um futuro estudo mais abrangente e minucioso.

Page 11: Remo Mannarino Filho O método das divisões: a última ...livros01.livrosgratis.com.br/cp104005.pdf · Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Departamento de Filosofia da PUC-Rio

10

Se as próximas páginas servirem para mostrar a importância do assunto em

questão, elas terão então cumprido seu papel.

Registre-se por fim que, por razões de ordem técnica, foram omitidas desta

versão do texto todas as referências ao original grego que acompanhavam as

traduções portuguesas dos trechos de Platão. Algumas dessas referências tinham

bastante relevância para a compreensão de certos pormenores, mas o sentido geral

das teses apresentadas não foi comprometido.

Page 12: Remo Mannarino Filho O método das divisões: a última ...livros01.livrosgratis.com.br/cp104005.pdf · Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Departamento de Filosofia da PUC-Rio

11

2. A PERGUNTA SOCRÁTICA E SUA IMPORTÂNCIA.

2.1) A pergunta e sua relevância.

Aristóteles atribui a Sócrates o não desprezível mérito de ter sido o primeiro

filósofo a “fixar a atenção nas definições” (Metafísica A6, 987b). Refere-se o

Estagirita seguramente às investigações que estariam registradas nos diálogos

platônicos conhecidos como “socráticos” e à famosa questão endereçada a seus

interlocutores: ti estín. Há de fato um padrão que se repete nesses textos: diante de

uma indagação a respeito de determinada propriedade de um certo x (“a virtude é

ensinável?”; “esta ação é piedosa?”), Sócrates faz recuar a questão para: “o que é

x?”. Trata-se de uma questão de tal maneira forte e fundamental que não seria

exagero dizer que ela se encontra na base mesma da filosofia e portanto da ciência

ocidental.

Essa pergunta pode soar como algo simples ou até mesmo óbvio, mas o fato

é que ela traz subentendida uma série de pressuposições filosóficas que expressam

o propósito mesmo do projeto filosófico socrático-platônico. Ela subentende a

aposta de que as coisas têm uma natureza ontológica estável; além disso,

pressupõe que tais naturezas são acessíveis à inteligência humana; por fim, ela

implica ainda que essas realidades são exprimíveis pela linguagem. Apenas com a

apresentação da pergunta tí estin;, há ali compactada toda uma série de

concepções filosóficas suficientemente fortes para que condensem toda uma visão

de mundo – visão esta que poderíamos classificar como uma perfeita antítese das

idéias expressas por Górgias em seu tratado Sobre a natureza ou o não-ser. Para a

filosofia socrático-platônica, as coisas são; sendo, são cognoscíveis; e, sendo

cognoscíveis, são comunicáveis. Saber e expressar tí estin é, conforme as

investigações socráticas ali registradas, a condição de possibilidade de um

discurso coerente e dotado de significado, e portanto de toda e qualquer filosofia e

conhecimento sólidos.

Acrescente-se aqui que o princípio de prioridade da definição, pelo qual se

estabelece a interdição de qualquer investigação que antes não defina a natureza

do objeto investigado, tem sido severamente criticado por intérpretes modernos e

contemporâneos, chegando a ser rotulado de “a falácia socrática” (SANTAS:

1972; BEVERSLUIS: 1974; BENSON: 1990). Um filósofo contemporâneo diria

Page 13: Remo Mannarino Filho O método das divisões: a última ...livros01.livrosgratis.com.br/cp104005.pdf · Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Departamento de Filosofia da PUC-Rio

12

que, com base na experiência, é possível e aliás corriqueiro que digam-se coisas

relevantes a respeito de um ente sem que antes se estabeleça o que é esse ente, ao

menos da forma como Sócrates cobra de seus interlocutores; isso tornaria inválida

a interdição socrática. Essas objeções podem ser pertinentes, mas tal discussão

não tem grande relevância para a presente pesquisa: importa-nos aqui, em

primeiro lugar, interpretar o pensamento platônico. Platão acreditava na

prioridade da definição, e seguiu acreditando nisso até seus últimos escritos; a

esse problema devotou grande parte de seus esforços intelectuais. Além disso,

ainda que a interdição socrática seja um escrúpulo epistemológico excessivo, é

inegável a importância da questão das definições para a história da filosofia, do

pensamento e da ciência ocidentais.

2.2) A atribuição aristotélica. A importância da pergunta extrapola os

limites da filosofia socrático-platônica.

É também muito significativo que Aristóteles faça questão de atribuir a

Sócrates o mérito de descobrir a importância das definições. Como grande

estruturador da lógica ocidental, o Estagirita conhecia a relevância do conceito

definido para o discurso formalizado, e a esse assunto dedicou vários escritos (por

exemplo: Analíticos Posteriores 2.13; Metafísica Z, 12). Das instâncias da lógica

antiga, o conceito definido é o mais fundamental e, ao mesmo tempo, o mais

problemático. Expliquemos: a lógica clássica se compõe de três elementos

básicos: o conceito, a proposição e a inferência (MARITAIN: 2001). É o mesmo

que dizer: em primeiro lugar, as noções elementares; em seguida, as predicações

que se formam a partir da combinação dessas noções; por fim, as conclusões que

se podem inferir de uma série de duas ou mais dessas predicações. Há aí um nível

crescente de complexidade: conceitos se combinam em proposições, e as

proposições, por sua vez, se combinam em inferências. E, no entanto, conforme

cresce esse grau de complexidade, diminui o caráter problemático dos elementos.

A titulo de ilustração, tomemos como exemplo um silogismo extremamente

simples:

1) Todos os humanos são mortais;

2) todos os gregos são humanos;

Page 14: Remo Mannarino Filho O método das divisões: a última ...livros01.livrosgratis.com.br/cp104005.pdf · Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Departamento de Filosofia da PUC-Rio

13

3) logo, todos os gregos são mortais.

A conclusão do silogismo tem caráter tautológico: a proposição “todos os

humanos são mortais” já inclui em sua abrangência a proposição “os gregos são

mortais”, da mesma maneira como atribuir uma característica a todos os membros

de um conjunto já implica atribuí-la a seus subconjuntos. Se ambas as proposições

são verdadeiras, então não é difícil inferir que a conclusão também o é.

Já as proposições “todos os gregos são humanos” e “todos os humanos são

mortais”, consideradas em si mesmas, apresentam caráter um tanto mais

problemático: são juízos universais, válidos para todos os indivíduos que

instanciam os conceitos referidos. Aferir a veracidade das premissas é

significativamente mais complicado do que inferir a partir delas uma conclusão.

Se formos mais ainda em direção aos fundamentos da questão e

empreendermos uma análise do elemento mais básico, veremos que o problema se

agrava. Definir um conceito é, de alguma maneira, estabelecer as fronteiras de

todas as suas predicações possíveis, que estarão ali sintetizadas e como que

compactamente contidas. É o mesmo que dizer: exprimir um conceito é

estabelecer a esfera de todas relações possíveis com os demais conceitos. Talvez

possamos afirmar: de certa forma, a definição de um conceito traz sintetizadas em

si todas as relações lógicas que ele possa vir a estabelecer.

A definição do conceito é portanto um ponto nevrálgico da relação entre

discurso e realidade. É o elo última onde a linguagem pretende ser espelho do

mundo, e também a base onde se assentam as pretensões de conseqüência,

veracidade ou coerência de um discurso.

O fato mesmo de Aristóteles atribuir a Sócrates o mérito de compreender a

importância das definições mostra que a grande primeira questão levantada pelos

peripatéticos extrapola as fronteiras da obra socrático-platônica e torna-se um

problema crucial para o desenvolvimento da filosofia e da ciência ocidentais.

Ainda que a interdição socrática seja contestável, é evidente a imensa importância

das delimitações ontológicas dos objetos do discurso para o conhecimento em

geral e para a filosofia.

Mas seria um equívoco crer que essa é uma questão restrita aos primeiros

diálogos. Sob certo aspecto, a filosofia platônica será toda ela uma vasta

investigação sobre a inteligibilidade do cosmo, e sobre a relação entre essa

Page 15: Remo Mannarino Filho O método das divisões: a última ...livros01.livrosgratis.com.br/cp104005.pdf · Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Departamento de Filosofia da PUC-Rio

14

inteligibilidade e o discurso humano – problema para o qual a questão das

definições é ponto crucial. A grande proposta filosófica com que o pensamento

platônico é mais comumente identificado – a teoria das formas – pode ser

compreendida como uma tentativa de dar resposta a esse complexo problema. Até

os diálogos da chamada última fase, essa questão estará ainda sendo

problematizada em seus diversos níveis, e os herdeiros filosóficos do platonismo,

entre os quais o próprio Aristóteles, darão continuidade a essa investigação. A

diairesis, procedimento metodológico apresentado e vastamente utilizado nas

últimas obras de Platão, estará ainda intimamente ligado a essa empreitada.

2.3) A pergunta tal como aparece nos diálogos.

A famosa questão dos primeiros diálogos platônicos é comumente

compreendida pelos intérpretes, e pelo próprio Aristóteles, como uma busca por

definição. Há aqui certas ressalvas que precisam ser feitas. A primeira delas é que

a palavra grega horismos não é a preferencialmente usada nos primeiros diálogos:

está ainda ausente a noção posterior de “definição”, com as várias distinções que

comporta, mesmo se nos ativermos a suas concepções antigas. Outra importante

observação é que os primeiros diálogos escritos por Platão não trabalham num

nível abstrato, e a própria utilização de funções, como substituir o ente

investigado pela variável “x”, é uma liberalidade por parte dos intérpretes. A

questão posta aos interlocutores é inteiramente crua: “o que é a temperança?”, “o

que é a amizade?” etc.

É claro que não há nada de objetivamente errado em dizer que o que ali se

empreende é uma busca por definições, mas é preciso tomar certos cuidados

quanto às acepções modernas e contemporâneas desse termo. Existe por exemplo

a questão: o que se busca nos diálogos socráticos é a simples delimitação do

objeto do qual se fala ou, especificamente, a expressão da sua essência? De início,

essa distinção não parece clara nos textos; alguns exemplos levam a crer que na

verdade há uma confusão entre essas duas formas de definição, como na ocasião

em que Sócrates define “figura” como “aquilo que sempre acompanha a cor”

(Mênon, 75b), para em seguida redefini-la como “o limite do sólido” (76a).

Richard Robinson, em sua obra Definition (1950), chega a discernir doze tipos

diferentes de definição aludidos ou buscados nas obras de Platão, o que nos dá

Page 16: Remo Mannarino Filho O método das divisões: a última ...livros01.livrosgratis.com.br/cp104005.pdf · Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Departamento de Filosofia da PUC-Rio

15

idéia de que essa noção teve de ser esclarecida aos poucos. Mas ressalte-se:

seriam todos tipos diferentes de “definição real”; jamais ocorreu a Sócrates ou a

Platão, afirma Robinson, inquirir a respeito de um logos que não correspondesse

em algum nível ao modo de ser da coisa em si mesma1.

Resultado da relativa vagueza da pergunta é a dificuldade em satisfazê-la: o

próprio Sócrates não parece deixar claro o que ele espera ouvir como resposta à

sua indagação – fato que faz com que alguns intérpretes a considerem uma

pergunta insolúvel, e portanto sem o propósito de ser objetivamente respondida,

mas cujo propósito real seria estimular heuristicamente o pensamento

(DELEUZE: 1988). Entre os diálogos que precedem a proposição da teoria das

Formas, entretanto, há dois em que Sócrates parece apresentar algo como

instruções e dizer mais claramente o que ele espera ouvir como resposta a tí estin.

Tais diálogos são o Eutífron e o Mênon.

Em ambos, a mesma situação é descrita: ante a insistência dos interlocutores

em responder a questão com uma listagem ilustrativa ou exaustiva das ocorrências

de “x” (no caso, a piedade e a virtude), Sócrates lhes pede um logos, uma fórmula

verbal que expresse o que todo “x” tem em comum. Ele rejeita aquilo que

anacronicamente chamamos denotata: o propósito não é o de encontrar, como

diríamos hoje, a extensão do conceito, mas sim, num sentido amplo, a sua

definição. Eis o que é literalmente dito no Eutífron (tradução de Enrico

Corvisieri):

Sócrates: Recorda, porém, que não te pedi para demonstrar-me um ou duas dessas coisas, dessas que são piedosas, mas que me explicasse a natureza de todas as coisas piedosas. Porque disseste, salvo engano, que existe algo característico que faz com que todas as coisas ímpias sejam ímpias, e todas as coisas piedosas, piedosas. Recordas-te? Eutífron: Recordo-me. Sócrates: Pois bem, esse caráter distintivo é o que desejo que me esclareças, a fim de que, analisando-o com atenção e servindo-me dele como parâmetro, possa afirmar que tudo o que fazes ou um outro, de igual maneira, é piedoso, enquanto aquilo que se distingue disso não o é. (6d-e)

No Mênon, fica ainda mais claro que Sócrates está em busca daquilo que

hoje entendemos por “definição real”. Depois de caracteristicamente fazer recuar

a questão “a virtude é coisa que se ensine?” (70a) para a questão “o que é a 1 Registre-se uma discordância quanto a isso: Laura Grimm vê, no próprio Mênon, uma confusão entre definições reais e nominais (GRIMM: 1962).

Page 17: Remo Mannarino Filho O método das divisões: a última ...livros01.livrosgratis.com.br/cp104005.pdf · Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Departamento de Filosofia da PUC-Rio

16

virtude?” (71a-b), e depois de mais uma vez rejeitar as tentativas de denotata

(72a-c), o filósofo manifesta inequivocamente esperar de Mênon uma fórmula que

expresse não só características comuns, mas o caráter único (eidos tauton) a todas

as virtudes. E, embora sua intenção seja suficientemente clara, é talvez digno de

menção o fato de que a palavra grega horismos novamente não é aqui jamais

usada. Eis as palavras de Platão (tradução de Maura Iglésias):

Sócrates: Se então eu dissesse depois disso: “nesse caso, dize-me isso aqui, Mênon: aquilo quanto a que elas nada diferem, mas quanto a que são todas o mesmo, que afirmas ser isso?” Poderias, sem dúvida, dizer-me alguma coisa? Mênon: Sim, poderia. Sócrates: Ora, é assim também no que se refere às virtudes. Embora sejam muitas e assumam toda variedade de formas, têm todas um caráter único, <que é> o mesmo, graças ao qual são virtudes, para o qual, tendo voltado seu olhar, a alguém que está respondendo é perfeitamente possível, penso, fazer ver, a quem lhe fez a pergunta, o que vem a ser a virtude. (72c)

E há ainda algo mais a ser notado aqui. No Mênon, Platão não apenas diz

claramente o que uma definição é, mas também estabelece o critério para uma

definição satisfatória: de acordo com o próprio desenvolvimento da discussão, a

boa definição é aquela que apresenta uma fórmula predicável a todos os casos e

apenas aos casos da coisa definida. Em outras palavras, uma predicação do tipo

todo-e-apenas. Tal critério não é apresentado nessas anacrônicas palavras, mas

uma cuidadosa análise de algumas passagens-chave do diálogo nos mostram, para

além de qualquer dúvida, que ele está em uso.

Em 73d, Mênon diz: “Se é verdade pelo menos que procuras uma coisa

única para todos os casos”; Sócrates responde: “Mas é certamente o que procuro”.

Em seguida, Sócrates rejeita a definição de virtude como a capacidade de

comandar os homens, e precisamente porque tal definição excluiria a virtude dos

escravos, que obviamente não exercem comando sobre ninguém. É um claro caso

em que malogra a tentativa de satisfazer o critério “todo”. A seguir, ele acrescenta

à mesma definição uma limitação: virtude seria comandar com justiça, e não

injustamente – com isso corrigindo uma falha no critério “apenas”. Em 78d,

novamente a pretensa definição não consegue satisfazer o critério “apenas”, ao

estabelecer que a virtude é a aquisição de coisas boas e nobres; Sócrates mais uma

vez nota que a definição deveria ser tornada mais estreita com a inclusão da

restrição “justamente”. Com o critério “todo” ainda em mente, ele propõe a

Page 18: Remo Mannarino Filho O método das divisões: a última ...livros01.livrosgratis.com.br/cp104005.pdf · Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Departamento de Filosofia da PUC-Rio

17

inclusão de outras virtudes, tal como a temperança, a piedade etc. Conforme se

nota, Sócrates reiteradas vezes ajusta as tentativas de definição com o intuito de

corrigir falhas em um ou outro critério, de modo a excluir as coisas que não

pertencem ao conjunto traçado pelo logos, ou a incluir outras por ele

negligenciadas. Por fim, em 79b, mais uma vez Sócrates afirma estar em busca da

virtude como um todo.

2.4) O elenchus. A ausência de um método para se encontrar a definição requerida.

O Mênon e o Eutífron trazem portanto passos de grande importância para a

evolução das investigações socrático-platônicas. São os diálogos em que a noção

de definição ganha alguns esclarecimentos, entre os quais um critério para a sua

obtenção. Mas é nosso propósito aqui ressaltar uma ausência fundamental: um

método para se investigar ou para se apresentar uma definição. A pergunta é

posta, segundo cremos, muito antes que houvesse instrumentos intelectuais

capazes de torná-la respondível. Não é de se estranhar que ambos os diálogos

sejam aporéticos.

Em seu clássico Plato’s early dialetic (1966), Richard Robinson propõe que

a totalidade da obra platônica seja dividida em três fases, mas tomando como

critério não o conteúdo das coisas investigadas, e sim os métodos que conduzem

as investigações. Os diálogos ditos socráticos, considerados pela cronologia

tradicional como os mais antigos, seriam conduzidos pelo método conhecido

como elenchus, comumente traduzido como “refutação”; os diálogos ditos “da

maturidade” seriam aqueles em que se aplica o método das hipóteses; os últimos

diálogos, por sua vez, seriam as investigações em que predominam o método das

divisões, assunto de que esta dissertação tratará mais adiante. Tendo em mente tal

proposta interpretativa, detenhamo-nos aqui para acrescentar algumas

observações. Em todos os casos, os métodos utilizados receberão de Platão o

nome de “dialética”; mas, se de fato todos eles envolverão uma interação

dialógica que se baseará no confronto entre concepções divergentes e por vezes

opostas, é preciso também reconhecer que tais métodos, embora possam ser

articulados, têm propósitos e procedimentos diferentes. No caso específico do

elenchus, a sua aplicação numa investigação dialética não almeja mais do que

Page 19: Remo Mannarino Filho O método das divisões: a última ...livros01.livrosgratis.com.br/cp104005.pdf · Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Departamento de Filosofia da PUC-Rio

18

evidenciar as inconsistências e insuficiências das opiniões irrefletidas dos

interlocutores com que Sócrates conversava. Trata-se, evidentemente, de um

método destrutivo, a pars destruens da filosofia, que vai purgar o investigador das

falsas e apressadas pretensões de conhecimento, conduzindo-o ao espanto da

ignorância capaz movê-lo na direção do saber. Nada no elenchus permite ainda

que deduzamos algo sobre a natureza do eidos tauton investigado.

Como conclusão deste arrazoado introdutório, podemos reter que: 1) a

pergunta tí estin subentende uma constante ontológica nas coisas chamadas pelo

mesmo nome; 2) a mesma pergunta subentende que tal constante é cognoscível e

exprimível pela linguagem; 3) uma lista ilustrativa ou exaustiva dos entes

agrupados sob o mesmo nome não é suficiente como expressão dessa constante;

4) tal expressão assumiria a forma de um logos, um fórmula predicativa que seria

aplicável a todos os entes definidos e apenas a eles; 5) embora haja inicialmente

certa nebulosidade em torno do assunto, por fim estabelece-se que a fórmula

deveria expressar não meras características distintivas, mas a própria natureza ou

essência da coisa investigada; 6) identificar e exprimir tal constante essencial é

fundamento e talvez o próprio termo da investigação filosófica, tal como até aqui

apresentada na filosofia socrático-platônica; 7) a essa altura das investigações,

ainda não foi apresentado um método sistemático para a obtenção de tal fórmula.

Page 20: Remo Mannarino Filho O método das divisões: a última ...livros01.livrosgratis.com.br/cp104005.pdf · Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Departamento de Filosofia da PUC-Rio

19

3. EXCURSO: O CRÁTILO E UMA APROXIMAÇÃO ALTERNATIVA DA RELAÇÃO ENTRE LINGUAGEM E REALIDADE. 3.1) Uma nova hipótese a ser investigada.

No capítulo anterior, vimos como a procura da definição nos primeiros

diálogos escritos por Platão era a busca de uma relação entre um logos e a

natureza das coisas. Ou, dito de outra forma: uma investigação acerca da natureza

das coisas e a tentativa de encontrar uma fórmula verbal que a expressasse da

melhor maneira possível. Se não houvesse um elo entre esses dois domínios – o

da linguagem e o da realidade –, inúteis seriam os esforços humanos em direção

ao conhecimento. Tais investigações pareciam ser levadas adiante sem que fosse

posta em questão mais detidamente qual a relação existente entre um grupo de

palavras e o modo de ser de um definiendum.

É no Crátilo, diálogo considerado como ainda pertencente à primeira fase

da filosofia platônica – ou, mais precisamente, como uma das obras intermediárias

entre a primeira e a segunda fases –, a primeira ocasião em que tal relação é posta

em questão. Nele, Platão registra a investigação de um hipótese que hoje

tomaríamos como bastante extravagante: a de que haveria um elo natural entre a

linguagem e a realidade; seria o mesmo que dizer: as palavras poderiam

reproduzir sonoramente a natureza das coisas referidas. Os nomes seriam,

segundo essa hipótese, uma imagem dos entes, apenas rebatida sob a forma de um

som. Corolário dessa tese seria a idéia de que os onoma, unidades significacionais

elementares, poderiam ser “certos” ou “errados”, “justos” ou “injustos” em

relação às coisas nomeadas, o que aliás é enfatizado pelo subtítulo posteriormente

agregado à obra: “Da correção dos nomes”. Conforme se vê, a investigação aí

empreendida é de ordem semântica, isto é, estuda o signo atrelando-o a um

significado específico, e toma os nomes como unidades significacionais

fundamentais.

No início do diálogo, quando os interlocutores parecem exaurir todas as

hipóteses de relação entre signos e coisas significadas, Sócrates equaciona a

questão da seguinte forma: a única maneira de vencer o relativismo sofista e

conferir alguma validade ao conhecimento e ao discurso humanos é estabelecer

Page 21: Remo Mannarino Filho O método das divisões: a última ...livros01.livrosgratis.com.br/cp104005.pdf · Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Departamento de Filosofia da PUC-Rio

20

algum elo necessitante entre linguagem e realidade. Para esse fim, apresenta o

seguinte raciocínio (385b-d, transcrito abaixo na tradução de Carlos Alberto

Nunes): se existem proposições verdadeiras, é necessário que também as suas

partes sejam, todas elas, verdadeiras, pois um todo não pode ter características

contrárias às das partes que o compõem. Sendo o nome a menor parte possível de

uma proposição, também ela pode ser reputada certa ou errada.

Sócrates: Muito bem. Responde-me, agora, ao seguinte: admites que se possa dizer a verdade ou mentir? Hermógenes: Admito. Sócrates: Sendo assim, a proposição que se refere às coisas como elas são, é verdadeira, vindo a ser falsa quando indica o que elas não são. Hermógenes: É isso mesmo. Sócrates: Logo, é possível dizer por meio da palavra o que é e o que não é. Hermógenes: Perfeitamente. Sócrates: E a proposição verdadeira, é verdadeira no todo, não sendo verdadeiras as suas partes? Hermógenes: Não; as partes também o são. Sócrates: Porventura só serão verdadeiras as partes grandes, sem que o sejam as pequenas, ou todas o são igualmente? Hermógenes: Todas, a meu ver. Sócrates: E achas que em qualquer proposição pode haver parte menor do que o nome? Hermógenes: Não; o nome é a parte menor. Sócrates: Assim, numa proposição verdadeira o nome é enunciado? Hermógenes: Sim. Sócrates: E é verdadeiro, segundo o afirmaste. Hermógenes: Sim. Sócrates: E a parte de uma proposição falsa, não será também falsa? Hermógenes: De acordo. Sócrates: Logo, é possível dizer nomes verdadeiros e nomes falsos, uma vez que há proposições de ambas as modalidades. Hermógenes: Como não? (385b-d)

As hipóteses aqui discutidas e as diversas concepções compactadas no

trecho acima são de grande importância no curso de investigação anteriormente

estabelecido. Antes de uma análise mais detalhada do lugar dessas idéias dentro

do contexto da presente pesquisa, vejamos mais detidamente o que Sócrates faz

das duas hipóteses levantadas.

Page 22: Remo Mannarino Filho O método das divisões: a última ...livros01.livrosgratis.com.br/cp104005.pdf · Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Departamento de Filosofia da PUC-Rio

21

3.2) Análise socrática das duas hipóteses2.

Sócrates é convidado a participar de uma discussão entre Crátilo e

Hermógenes acerca da convencionalidade dos nomes. Duas teses são propostas

para dar conta da significação, que passaremos aqui a chamar de tese naturalista e

a tese convencionalista. A primeira delas, defendida pelo personagem que dá

título ao diálogo, consiste em afirmar que palavras e coisas designadas estariam

atadas por uma relação natural: há uma natureza (pyhsis) comum entre nomes e

entes, sendo aqueles como que propriedades naturais destes. Assim, dentro dessa

hipótese, o conhecimento do nome ajudaria no processo de conhecimento da

coisa. Fala-se de uma origem onomatopéica para a linguagem, supondo um

idioma ideal que reproduzisse sonoramente o modo de ser dos entes. Os nomes

seriam portanto uma forma de mimesis da realidade. Essa linguagem ideal teria se

perdido, assim como seu elo com nossa linguagem cotidiana.

É o próprio personagem Crátilo quem, dizendo-se discípulo de Heráclito,

afirma existirem laços naturais que atam os entes às suas denominações

apropriadas. Nomear é expressar a essência e captar a natureza da coisa. Para isso,

postula a existência de uma linguagem ideal, acessível por exame e reconstrução

etimológica.

Eis como a tese é inicialmente exposta, em 383a: “Crátilo sustenta que cada

coisa tem por natureza um nome apropriado, (...) sempre o mesmo, tanto entre os

helenos como entre os bárbaros em geral.” Mais adiante, a tese será elaborada

quanto ao mecanismo de adequação das palavras às coisas: os nomes copiariam os

entes por um processo mimético e onomatopéico que as levariam a reproduzir

traços essenciais da coisa nomeada (430-433), e seriam formados por

composições de elementos constitutivos de natureza sonora.

Trata-se de uma hipótese interessante para o exercício da filosofia, uma vez

que o nome das coisas poderia nos revelar algo sobre os entes nomeados. Mas vê-

se logo, no entanto, que se trata de uma tese muito ousada, difícil de sustentar: a

simples observação do uso humano da linguagem impõe imediatamente uma série

de problemas. Sócrates aponta (394b-c), por exemplo, a existência de diversos

2 Em toda esta seção seguiu-se o mapeamento presente em MARCONDES: 1986.

Page 23: Remo Mannarino Filho O método das divisões: a última ...livros01.livrosgratis.com.br/cp104005.pdf · Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Departamento de Filosofia da PUC-Rio

22

nomes diferentes para designar o mesmo ente (crítica que poderia ser estendida

também à variedade de diferentes línguas):

Assim, no nosso exemplo anterior, Astyánax e Hektor só têm de comum a letra t; no entanto, significam a mesma coisa. E o nome Arquépolis (governador de cidade), que letra tem em comum com os outros dois? No entanto, todos eles querem dizer a mesma coisa.

O nome não pode, portanto, ser mera descrição da coisa designada. Mas

Sócrates apresenta uma objeção ainda mais fundamental: a da própria

possibilidade de imitação (mimesis). As palavras são também entes, como as

coisas que representam; uma representação perfeita seria uma duplicação do

objeto representado, o que é absurdo (essa posição, como outras apresentadas

nesta obra, será revista no diálogo Sofista, quando a Platão pretende provar a

possibilidade da existência de imagens, entes cuja essência consiste em remeter a

outros entes); e, por outro lado, a representação imperfeita logra funcionar,

mesmo sem que se observem semelhanças essenciais com a coisa designada

(433a): “Quando essa imagem está presente, ainda mesmo que não contenha todos

os traços essenciais, nem por isso deixa o objeto de ser nomeado.” Essa

observação refuta o pretenso elo necessário que ataria entes a palavras. Mais

adiante, serão apontados exemplos de nomes cujos sons não reproduzem traços

das coisas designadas (434e-435b): um deles é a presença do fonema lâmbda, de

som “macio”, na palavra skleros, que significa “duro”. Há, por fim, um último

argumento apresentado de passagem: a dificuldade de se representarem os

números, entes abstratos, por meio de palavras concretas (435b-c).

Mas, se Platão rejeita a tese naturalista, nem por isso aceita sem ressalvas a

tese do convencionalismo, apresentada como contrária. Assim Hermógenes

apresenta a tese que, no Crátilo, concorrerá com a naturalista (384c-d, sempre na

tradução de Carlos Alberto Nunes):

Por minha parte, Sócrates, já conversei várias vezes a esse respeito tanto com ele como com outras pessoas, sem que chegasse a convencer-me de que a justeza dos nomes se baseia em outra coisa que não seja convenção e acordo. Para mim, seja qual for o nome que se dê a uma determinada coisa, esse é o seu nome certo.

Page 24: Remo Mannarino Filho O método das divisões: a última ...livros01.livrosgratis.com.br/cp104005.pdf · Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Departamento de Filosofia da PUC-Rio

23

Por seu caráter arbitrário, a linguagem não traria nenhuma contribuição à

filosofia, na medida em que as palavras não nos ajudariam a desvendar a natureza

dos entes. Mas, mesmo rejeitando a tese naturalista, Sócrates também vê

problemas no convencionalismo. São quatro as principais objeções levantadas

contra o convencionalismo, que passamos a enumerar abaixo.

Em primeiro lugar, o caráter arbitrário da convenção lingüística abriria a

possibilidade para a proliferação de significados, já que as convenções podem ser

livremente desobedecidas por indivíduos: “se, ao que hoje chamamos homem, eu

der o nome de cavalo, a mesma coisa passará a ser denominada homem por todos,

e cavalo por mim particularmente” (385a). Ademais, a convencionalidade dos

nomes diluiria o critério de veracidade do discurso, já que, aqui, as palavras são

tidas como unidades significacionais do logos.

O principal argumento de Platão contra o convencionalismo, no entanto,

seria em relação ao caráter mutável e arbitrário dos signos, que por isso não

seriam capazes de dar conta da natureza eterna das essências designadas, e nem

tampouco da necessária estabilidade do conhecimento filosófico. Por fim,

Sócrates apresenta a questão: se os nomes são convencionais, quem estabelece

essa convenção e as transmite? É então trazida à tona a controversa figura do

nomothetes ou onomatourgos, o legislador ou artesão dos nomes. O problema

então se transfere para: como e com base em quais critérios o artesão cunha os

nomes?

Note-se que, havendo problemas em ambas as hipóteses propostas,

apresentadas como antagônicas e excludentes, o Crátilo chega a um fim aporético

e considerado insatisfatório pelo próprio Sócrates, o que talvez fosse uma forma

de evidenciar o caráter infrutífero dessa via de investigação e preparar o caminho

para a apresentação da teoria das Formas.

Como resposta à pergunta inicialmente apresentada (“A linguagem contribui

para o conhecimento?”), propõe-se a tese: os nomes não contribuiriam

propriamente para o conhecimento dos entes, mas serviriam como instrumento

para destacar, discriminar, identificar algo no real (388-389). Não é portanto pela

análise da forma dos nomes que os filósofos alcançarão o conhecimento; os

nomes são um meio, um material sonoro, capaz de referir o conhecimento obtido

por outros meios.

Page 25: Remo Mannarino Filho O método das divisões: a última ...livros01.livrosgratis.com.br/cp104005.pdf · Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Departamento de Filosofia da PUC-Rio

24

3.3) A relação dessa investigação com a questão tí estin.

A presente seção tem o propósito de apresentar a hipótese de a investigação

empreendida no Crátilo constituir um capítulo, ainda que um tanto à parte, do

mesmo desenvolvimento da questão tí estin;. Essa tarefa não é simples: se

contrastarmos tal investigação com aquelas anteriormente analisadas, o Crátilo

parece constituir uma espécie de excurso; nada nos demais diálogos ditos

socráticos aponta para a tese segundo a qual o logos que reproduz o eidos tauton

seria o próprio “nome correto” de cada coisa. Pelo próprio decurso do diálogo,

não fica claro se a hipótese debatida no Crátilo é a de que os nomes podem fazer

as vezes de definição ou se seriam apenas elementos dela. Nossa interpretação é a

de que a primeira possibilidade não deve ser descartada: os tais “nomes corretos”

certamente teriam alguns traços que podem ser atribuídos a uma definição:

cumpririam o critério “todo-e-apenas” apresentado no Mênon, uma vez que

seriam aplicáveis, evidentemente, a todas as coisas delimitadas por um mesmo

nome, e apenas a elas; além disso, revelariam algo sobre a natureza das coisas a

que se referem; por fim, reproduziriam em seu devido domínio aquilo que os

entes são no plano do real. A hipótese tem portanto seus atrativos na linha

investigativa anteriormente lançada.

Há, além disso, algumas constâncias nas concepções aqui observadas.

Sócrates defende enfaticamente, especialmente nas páginas finais, a idéia de que

há um núcleo permanente e imutável nos entes, e que é justamente esse núcleo o

objeto de conhecimento dos homens (439c-440e). Ele também mantém a idéia de

que, obtido tal conhecimento a respeito da natureza de um ente, ele é traduzível na

nossa linguagem corriqueira. A análise apresentada deixa duas possibilidades de

interpretação: talvez Sócrates esteja dizendo que as fórmulas predicativas que

definem os entes são, elas próprias, compostas de pequenas imagens desses

mesmos entes, ou talvez proponha que o logos que define um ente não seja uma

fórmula predicativa, mas o seu próprio nome, desde que corretamente

estabelecido. O fato é que essa via investigativa não será retomada na obra

platônica. A questão das definições ganhará novos rumos com a apresentação da

teoria das formas, e com isso outras linhas de investigação serão inauguradas. Já a

relação entre linguagem e realidade, por sua vez, ou a maneira como a linguagem

Page 26: Remo Mannarino Filho O método das divisões: a última ...livros01.livrosgratis.com.br/cp104005.pdf · Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Departamento de Filosofia da PUC-Rio

25

pode reproduzir aspectos do real, será reequacionada, em termos inteiramente

novos, no diálogo Sofista, do qual trataremos mais adiante.

Resta pois a questão: qual a razão desse aparente excurso? As investigações

sobre a definição dos entes parecia seguir um caminho mais intuitivo, mais de

acordo com a forma como a linguagem naturalmente opera. Por que tergiversar a

respeito de uma hipótese tão extravagante quanto a de nomes que expressam a

natureza das coisas? Uma possibilidade que aqui levantamos é a de que Platão

estivesse querendo aferir uma tese que talvez desfrutasse de algum prestígio em

seu tempo. Não devemos esquecer que a hipótese da naturalidade dos nomes, por

extravagante que nos pareça, é uma tese defendida por muitas tradições culturais e

religiosas, entre as quais a nossa própria tradição judaico-cristã (tal como se vê no

próprio livro do Gênesis, capítulo 2, versículo 19). No contexto da inquirição

platônica, entretanto, essa via investigativa se esgota com o encerramento do

diálogo. As obras subseqüentes se valerão de outras ferramentas para investigar a

forma como um logos pode exprimir um modo de ser.

Como última observação a respeito do Crátilo, seria talvez ainda relevante

anotar algumas coisas a respeito da passagem acima destacada: 385b-d. Nela,

Sócrates admite como verdadeiras algumas idéias que serão novamente

problematizadas em suas subseqüentes considerações sobre a relação entre

linguagem e realidade. Entre elas, destacamos, antes de mais nada, a possibilidade

do discurso falso (“a proposição que se refere às coisas como elas são, é

verdadeira, vindo a ser falsa quando indica o que elas não são”), assunto central

do diálogo Sofista. Há também uma curiosa menção à possibilidade de dizer o ser

e o não-ser (“é possível dizer por meio da palavra o que é e o que não é”); tal

distinção não tem aqui o sentido de distinguir o que é do que não é, mas sim o

sentido de produzir um discurso verdadeiro e um discurso falso. O que se

subentende é que, tal como Sócrates o concebe neste diálogo, dizer uma verdade é

sempre “dizer o que é”; quando se diz algo “que não é”, produz-se um discurso

falso. Novamente, é no dialogo Sofista que tais considerações serão retomadas em

maior grau de complexidade e levando em conta possibilidades bem mais sutis.

Page 27: Remo Mannarino Filho O método das divisões: a última ...livros01.livrosgratis.com.br/cp104005.pdf · Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Departamento de Filosofia da PUC-Rio

26

4. A TEORIA DAS FORMAS E A CRISE DO PARMÊNIDES.

4.1) A postulação das formas e suas razões.

De acordo com a cronologia tradicional, o Mênon e o Crátilo estão entre os

diálogos que servem como elementos de transição entre as duas primeiras fases do

pensamento platônico, e que antecedem a apresentação da teoria das formas. É

compreensível: tal teoria guardaria estreita relação com as questões levantadas a

respeito da definição. O propósito do presente capítulo é o de analisar alguns

aspectos da teoria das formas e lê-la como um capítulo do status quaestionis da

definição, e como um passo investigativo que culminaria no método das divisões

apresentado nos diálogos subseqüentes.

De imediato, é preciso dizer que não é só com a questão das definições que

a teoria das formas se relaciona: conforme bem salientou Cherniss (1990), o

atrativo dessa teoria e sua força explicativa estão em sua economia; ela tem a um

só tempo alcance e aplicabilidade em diversos campos, como a ontologia, a

epistemologia e a ética. Charles Kahn (1996, cap. 11) vai ainda mais longe na

delimitação do alcance da teoria, e afirma que nenhuma doutrina da história da

filosofia foi tão ambiciosa, e poucas foram tão influentes. Mas é também o

próprio Kahn quem afirma, na mesma obra (p. 363), que a dialética dos diálogos

da maturidade é, sobretudo e antes de mais nada, a consumação da busca pela

definição esboçada nos primeiros diálogos.

A análise da teoria das formas, tal como apresentada nas obras da

maturidade, é trabalho enormemente complexo, e isso por várias razões. Antes de

mais nada, essa hipótese é aventada e proposta como solução para toda sorte de

problemas epistemológicos em pontos diversos da obra de Platão, mas em

nenhum momento há uma exposição programática que a apresente de maneira

completa e sistematizada. Além disso, em certas ocasiões as formas são

apresentadas como o centro estruturante e imaterial dos entes, enquanto que em

outras elas são qualidades ou predicados hipostasiados3 (Fédon 100b ss). E é

3 A distinção entre predicações essenciais e acidentais, evidentemente, teria de esperar até Aristóteles para ser plenamente explicitada – e aliás seria esse um dos ajustes que o Estagirita faria ao método das divisões como teoria de predicações em vista de uma definição (Analíticos posteriores, 2.13.97a-b). Embora o problema seja sob certo aspecto irrelevante para a presente

Page 28: Remo Mannarino Filho O método das divisões: a última ...livros01.livrosgratis.com.br/cp104005.pdf · Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Departamento de Filosofia da PUC-Rio

27

também bastante evidente que as formas, tal como concebidas pelos diálogos da

maturidade, não são apenas estruturas ontológicas cognoscíveis: são o objeto do

desejo amoroso do filósofo (Fédon 65d) e, mais do que isso, são também o

princípio último do qual emana todo o mundo que conhecemos. No Fédon e na

República, as formas da beleza, da bondade e da justiça são reputadas os

fundamentos do próprio cosmo. Note-se que isso é bem mais do que dizer que a

idéia de árvore é condição de possibilidade da existência das árvores concretas: é

dizer que o mundo como o conhecemos deriva da das idéias do Bem, do Justo e

do Belo.

No espaço deste trabalho, no entanto, vamos nos ater apenas ao papel

desemenhado pelos eide em relação à questão da definição e à pergunta que

inspirou a filosofia socrático-platônica desde o princípio: tí estin. Em mais de uma

ocasião, as formas são apresentadas como aquilo que, nos entes, se apresenta à

cognição humana – ou seja, sua natureza estável e idêntica em todas as suas

ocorrências. A título de ilustração exemplar, citemos a passagem da República

que deixa essa noção perfeitamente clara (596a, tradução de Maria Helena da

Rocha Pereira): “Estamos habituados a admitir uma certa idéia, sempre uma só,

em relação a cada grupo e coisas particulares a que pomos o mesmo nome.” Essa

afirmação deixa suficientemente clara a relação entre a presente teoria e a busca

da definição registrada em toda a série dos primeiros diálogos.

4.2) A caracterização do Fédon e da República.

Se fizermos um inventário das características das formas eternas tal como

esparsamente apresentadas nos mais representativos diálogos da maturidade,

chegaremos a um corpo de noções sólido o suficiente para que possamos

compreender o estado das investigações nessa fase do pensamento platônico. No

Fédon, as formas são antes de mais nada reputadas alvos imateriais da cognição

humana, aquilo que nos entes se volta para o que também é imaterial nos homens,

isto é, sua psyche (65d). Em seguida, são apresentadas como o objeto da

anamnesis ou rememoração de estados pregressos da alma humana (72d-e). São

também o elemento incomposto dos entes, perfeitamente simples e, por isso

pesquisa, uma vez que “o belo” e “o homem”, como conceitos, são ambos passíveis de serem definidos, é inegável que ele ela levanta algumas questões pertinentes.

Page 29: Remo Mannarino Filho O método das divisões: a última ...livros01.livrosgratis.com.br/cp104005.pdf · Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Departamento de Filosofia da PUC-Rio

28

mesmo, indecomponível (78c-d). Além disso, como aquilo que, nas coisas

predicadas, permanece sempre o mesmo, ou, em outras palavras, a invariante

substantivação daquilo que é (100a-e). Por fim, são explicadas como

transcendentes absolutos, que não admitem gradação nem relação (102b-e).

A caracterização do Fédon, se começa a esclarecer algumas das questões

anteriormente levantadas, especialmente a da natureza do núcleo ontológico

permanente e independente das coisas individuais, ainda deixa por resolver

problemas centrais, como o da relação entre formas e entes materiais, e o da

maneira como as mesmas formas se coadunam com a linguagem humana. Há

também ainda uma grande lacuna: o método para que cheguemos a alcançá-las e

expressá-las.

Outra exposição clássica da doutrina das Formas, tal como concebida nos

diálogos da maturidade, encontra-se nos livros VI e VII da República. A

exposição aqui apresentada ao mesmo tempo confirma e complementa a doutrina

apresentada no Fédon, apenas em outro contexto: no diálogo anteriormente

analisado, a discussão girava em torno da relação com a morte; neste, vem como

fundamento de uma estruturação ideal da polis e da educação que deveria ser dada

a seus cidadãos. Os livros VI e VII são de alguma forma o ponto alto da

República e, pode-se dizer, da filosofia platônica na fase madura. É neles que

Platão apresenta as doutrinas epistemológica e ontológica que vinham sendo

tacitamente pressupostas ao longo de toda a discussão a respeito da justiça, da

cidade ideal e do rei-filósofo. É ali exposta a idéia de que o mundo da experiência

é delimitado e estruturado por um domínio ontológica e logicamente anterior, em

que residem a verdadeira beleza, a verdadeira justiça etc. Este último domínio, por

sua vez, seria precedido, também ontológica e logicamente, por um princípio

ainda anterior: a Idéia do Bem, a forma atemporal e imutável da qual todas as

coisas boas participariam. O conhecimento e a contemplação desse princípio, que

é fonte de toda a bondade das coisas e do próprio cosmo, diferiria o rei-filósofo

dos demais guardiães. A famosa alegoria da linha dividida descreve o processo

ascendente que levaria os homens da confusa multiplicidade das imagens e do

cambiante mundo material para o conhecimento perene e estável das formas

eternas. Essa anábasis poderia ser levada a cabo pelo método das hipóteses, a

respeito do qual será dedicada alguma consideração na próxima seção deste

mesmo capítulo.

Page 30: Remo Mannarino Filho O método das divisões: a última ...livros01.livrosgratis.com.br/cp104005.pdf · Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Departamento de Filosofia da PUC-Rio

29

Importante aqui é ressaltar a afirmação segundo a qual deve ser chamado

dialético “aquele que apreende a essência de cada coisa” (534b). Ainda mais

importante: além de apreendê-las, deve também ser capaz de comunicá-las: “E

aquele que não a possui, negarás que quanto menos for capaz de prestar contas

dela a si mesmo ou aos outros, tanto menos terá o entendimento dessa coisa?”

(idem). Por esse trecho vê-se que toda a investigação da República – e portanto de

toda uma ontologia e gnosiologia, bem como de um ambicioso projeto político e

pedagógico – tem estreitas relações com a pergunta lançada nos primeiros

diálogos e pode ser entendida como um desdobramento das questões por ela

levantada. As formas de que aqui se fala, e cuja contemplação garantiria o bom

governo e a estabilidade da polis, seriam exatamente aquilo que se buscava com a

pergunta “o que é x?”, o objeto e o termo dessa empreitada filosófica. Apenas

que, como diz Robinson (1966, p. 53), parece haver um deslocamento da questão

em termos abstrativos: de “qual a essência deste ente?”, passa a se perguntar “o

que são as essências em geral?”. Em outras palavras, passa-se de uma busca por

essências individuais para uma espécie de essenciologia. Acrescentemos aqui: sob

certo aspecto, a teoria das formas é a aplicação do recuo socrático às próprias

essências buscadas; é resultado do dobramento da pergunta tí estin sobre si

própria.

4.3) O método das hipóteses.

Os diálogos da maturidade, em que a teoria das formas é apresentada em sua

versão clássica, são comumente associados ao método das hipóteses.

Mencionamos acima a tese de Richard Robinson segundo a qual as três grandes

fases da obra platônica podem ser divididas não pelo conteúdo filosófico

apresentado, mas pelos métodos investigativos utilizados. Sob essa perspectiva, os

diálogos posteriores à fase do elenchus seriam “os diálogos das hipóteses”. Mas é

o próprio Robinson quem afirma que, nessas mesmas obras, Platão dá muita

importância à metodologia e pouca importância propriamente a métodos

concretos (1966: p.61), com isso querendo dizer que, embora técnicas e

procedimentos sejam teoricamente discutidos em vários textos, a aplicabilidade

dos métodos é ainda um tanto questionável. Certamente são muitas as abstratas

descrições dos processos pelos quais o amigo da sabedoria ascende, patamar a

Page 31: Remo Mannarino Filho O método das divisões: a última ...livros01.livrosgratis.com.br/cp104005.pdf · Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Departamento de Filosofia da PUC-Rio

30

patamar, das incertezas do mundo mutável para a estabilidade do mundo das

formas eternas; mas a verdade é que isso pouco ajuda a compreender

concretamente como se chega à contemplação e expressão das formas que,

segundo vimos, é aquilo cuja expressão pode fazer as vezes de definição.

Analisemos a questão em maior detalhe.

Há três diálogos em que o método das hipóteses é teoreticamente

apresentado: pela ordem, o Mênon, o Fédon e a República. Na primeira aparição,

o método é dito um empréstimo dos procedimentos dos geômetras; consistiria em

estabelecer uma proposição como provisoriamente verdadeira para fins de

investigação, e então analisar a falsidade ou veracidade das conseqüências ou

proposições equivalentes (86e ss). Curiosamente, no mesmo trecho, Sócrates diz

que tal método, usado para uma investigação de aspecto, pode ser uma alternativa

aceitável à busca prioritária pela definição (86d-e, tradução de Maura Iglésias):

Sócrates: Ora, Mênon, se eu comandasse não somente a mim mas também a ti, não examinaríamos antecipadamente se a virtude é coisa que se ensina ou que não se ensina, antes de primeiro ter procurado o que ela é, em si mesma. Mas, já que tu não tratas de comandar-te a ti mesmo, para que sejas livre, enquanto a mim tratas de comandar e comandas, ceder-te-ei – pois que se pode fazer? Parece então que é preciso examinar que tipo de coisa é aquilo que não sabemos ainda o que é. Se mais não fizeres, então, pelo menos relaxa um pouco o comando sobre mim e consente que se examine a partir de uma hipótese se ela é coisa que se ensine ou se é como quer que seja.

Pela natureza mesma do método hipotético, nada impediria que ele fosse

utilizado na tentativa de se estabelecer, por um logos, o que uma coisa é; e, no

entanto, essa possibilidade não é sequer mencionada. A razão, segundo veremos a

seguir, é simples: as formas eternas não devem ser alcançadas por um tão precário

processo de tentativas e erros, mas por contemplação direta.

A principal e mais completa descrição do método hipotético em toda a obra

platônica encontra-se no Fédon (99b-101e). Segundo é dito no texto, hipotetizar é

tomar o logos que se julga o mais forte e estabelecê-lo momentaneamente como

verdade, com o intuito de aceitar ou rejeitar novos logoi aventados conforme

estejam ou não se acordo com o primeiro. A descrição se assemelha em algo

àquela dada no Mênon, mas há aqui uma interessante novidade: em defesa da

primeira hipótese apresentada, seria preciso estabelecer ainda outra hipótese, esta

“mais elevada”. Em outras palavras, a idéia seria aplicar o método hipotético à

Page 32: Remo Mannarino Filho O método das divisões: a última ...livros01.livrosgratis.com.br/cp104005.pdf · Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Departamento de Filosofia da PUC-Rio

31

própria hipótese. A regressão não seria infinita, mas chegaria a um termo quando

o dialético encontrasse, na vaga expressão empregada em 101d, “algo adequado”.

Maiores detalhes não são dados aqui; sabemos no entanto que esse processo seria

novamente descrito na República, onde a série regressaria até o vislumbre de um

“princípio não hipotético”.

De qualquer maneira, é curioso notar que mais uma vez o texto não parece

apontar para a utilização desse método na investigação das definições; a hipótese

discutida não é a natureza particular dessa ou daquela essência, mas a própria

existência das formas em si mesmas (o belo em si, o bom em si, o grande em si

etc.).

O método hipotético é também assunto de uma das mais centrais passagens

do mais famoso diálogo de Platão: o mito da linha no Livro VI da República. O

contexto é o da educação devida aos guardiães da polis ali concebida; eles

deveriam se dedicar ao mais elevado dos estudos, a idéia de Bem (505a). Segue-se

então uma descrição do processo pelo qual a dialética seria um caminho

ascensional, o qual consistiria em desvelar as premissas ocultas da ciência,

tomando-as sempre como hipóteses que implicam hipóteses, e subir como que

sobre degraus até o ponto último, o princípio não-hipotético (511b). O trecho é

obscuro e muito se discute a respeito daquilo que Platão tinha em mente ao

descrever tal processo. Uma coisa á contudo bastante clara: o propósito do método

certamente não é o de concretamente forjar um logos que seja capaz de reproduzir

lingüisticamente a essência das coisas investigadas. Mais uma vez, o objetivo não

é o de produzir proposições consistentes, mas o de levar o amante das formas à

contemplação das verdades eternas. A ilustração da passagem da linha com o mito

da caverna deixará isso claro.

Com tudo quanto foi dito acerca do procedimento das hipóteses, fica

evidente que ele, tal como apresentado até aqui, não supre absolutamente a

necessidade de um método próprio para a obtenção das definições e para que se

possa responder a pergunta fundamental dos primeiros diálogos. É o próprio

Platão quem fala das hipóteses como tendo outros propósitos específicos: o de

investigar “a causa e tudo o mais” (Fédon 100a) e o de inquirir sobre a existência4

dos entes e suas afecções (Parmênides 136a-b), isto é, suas características. Não é

4 O texto usa o verbo “ser” (“se múltiplas coisas são”), mas numa acepção claramente existencial.

Page 33: Remo Mannarino Filho O método das divisões: a última ...livros01.livrosgratis.com.br/cp104005.pdf · Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Departamento de Filosofia da PUC-Rio

32

demais portanto frisar que segue até aqui havendo uma lacuna metodológica em

relação à pergunta fundamental e motora de toda a filosofia socrático-platônica; se

os diálogos da maturidade lograram lançar uma forte hipótese a respeito da

natureza do núcleo ontológico dos entes, a maneira prática de alcançá-los segue

ainda por ser desenvolvida. Nessa fase do seu pensamento, é como se Platão

tomasse por certo que as formas, por sua natureza perfeitamente simples e

inteligível, pudessem se revelar intuitivamente aos dialéticos devidamente

preparados. Em outras palavras, a resposta a “o que as formas são” pareceria

tornar desnecessário um método para encontrá-las. Seria ainda preciso que a crise

do Parmênides viesse para mudar o foco da questão.

4.4) O Parmênides, unidade e multiplicidade e o imperativo epistemológico.

Uma antiga tradição interpretativa localiza o diálogo Parmênides entre os

últimos da fase conhecida como “da maturidade”. Tal interpretação condiciona a

compreensão da obra platônica como um todo: nesse diálogo, estariam sendo

registradas as críticas e objeções apresentadas à teoria das formas tal como

exposta nos diálogos antecedentes. Além disso, essa leitura permitira apontar o

Parmênides como um marco de mudança e redirecionamento no pensamento de

Platão: a hipótese das idéias eternas seria, se não abandonada, ao menos

reelaborada em seus fundamentos. Embora comentadores como Charles Taylor

(1961) e Paul Shorey (1960) não vejam nenhuma incompatibilidade entre a teoria

das formas em sua formulação clássica e aquela apresentada nos últimos diálogos,

e embora haja os que, como G. E. Owen (1953), creiam que tal teoria tenha sido

inteiramente abandonada a partir do Parmênides, a maior parte dos intérpretes

aposta numa hipótese intermediária: as objeções ali registradas são levadas em

consideração e a teoria das idéias é então refeita em certos pontos, alguns centrais,

e tornada mais nuançada e complexa nas últimas obras.

A interpretação do Parmênides é tarefa imensamente complexa, e nela não

nos deteremos aqui. Para os fins da presente pesquisa, bastará destacar alguns

pontos centrais e apontar como eles afetam a questão central “o que é x?”, de

maneira a manter-nos fiéis ao cerne da nossa investigação: o método das divisões.

Page 34: Remo Mannarino Filho O método das divisões: a última ...livros01.livrosgratis.com.br/cp104005.pdf · Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Departamento de Filosofia da PUC-Rio

33

Dos vários problemas de enorme importância que são tratados no diálogo e

levantarão significativas questões para a teoria das formas, interessam-nos

particularmente dois problemas: em primeiro lugar, o da articulação das idéias

umas com as outras; além dele, o da possibilidade da coexistência do uno e do

múltiplo e a mútua implicação dessas duas noções. Esse dois problemas estão na

verdade intimamente relacionados e, como veremos, dizem respeito à questão da

pergunta “o que é x?” justamente na medida em que as idéias são concebidas por

Platão como a unidade referencial da multidão de coisas chamadas por um mesmo

nome.

Diz Sócrates, em 129 b-c (tradução de Maura Iglésias e Fernando

Rodrigues):

(...) não parece (...) em nada absurdo (...) se alguém mostra que são um todas as coisas, por participarem do um, e que essas mesmas coisas são múltiplas, por participarem, por outro, da quantidade. Mas se aquilo que é realmente um, alguém demonstrar que isso mesmo é múltiplas coisas, e, de outra parte, que o múltiplo é um, já disso me espantarei. E do mesmo modo com respeito a todas as outras coisas: se alguém mostrar que, em si mesmos, os gêneros mesmos e as formas mesmas são afetados por essas afecções contrárias, isso será digno de espanto. Mas se alguém demonstrar que eu sou um e múltiplas coisas, o que há nisso de espantoso?

A passagem é clara: não há novidade em afirmar que os entes sensíveis

participam ao mesmo tempo do uno e do múltiplo, e que têm portanto esse caráter

algo ambíguo. Espantoso seria provar que as próprias formas, unidades

inteligíveis, também trazem essa imbricação uno-múltiplo em sua constituição. É

aqui pertinente mencionar a advertência feita em nota pelos tradutores e

comentadores Maura Iglésias e Fernando Rodrigues:

(...) poder-se-ia pensar que Sócrates não vê nada de espantoso no fato de uma coisa ser ao mesmo tempo uma e múltipla (problema há muito resolvido), mas que lhe causaria espanto se alguém lhe mostrasse que o Um é também o Múltiplo, coisa que não seria o caso e que ninguém poderia mostrar. O espanto de Sócrates não é esse. Designa antes o maravilhamento que ele antecipa quando alguém conseguir mostrar essa coisa espantosa, mas que é o caso: a implicação mútua do um e do múltiplo, mesmo compreendidos como entidades não sensíveis mas inteligíveis. E é isso que é mostrado não só na segunda parte do Parmênides, mas sobretudo nos diálogos posteriores (Sofista, Político, Filebo)5.

5 Nota 10 da edição de 2003, pp. 136-137.

Page 35: Remo Mannarino Filho O método das divisões: a última ...livros01.livrosgratis.com.br/cp104005.pdf · Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Departamento de Filosofia da PUC-Rio

34

Platão começa aqui portanto a flertar com a possibilidade de que, ao

contrário do que fora anteriormente estabelecido de maneira inequívoca, as

formas eternas não sejam perfeitas unidades encerradas em si mesmas, mas

complexos formados por uma série de relações, e por isso mesmo algo como, de

alguma maneira, “multiplicidades unas” ou “unidades múltiplas”. A tese é

claramente apresentada aqui como possibilidade a ser posteriormente explorada, e

portanto ainda não provada. Ela será desenvolvida e mais profundamente

elaborada nos diálogos subseqüentes.

No trecho do diálogo acima transcrito, resta ainda chamar atenção para a

aparente distinção entre gêneros e formas, no que talvez seja uma antecipação ou

um germe da doutrina explicitada no diálogo Sofista, em que os gêneros supremos

submetem e como que organizam as demais idéias.

Para a evolução do status quaestionis platônico, é importante ainda

mencionar uma passagem-chave que se encontra no “interlúdio” entre as duas

grandes partes do diálogo Parmênides: 135 b-c. Nesse famoso trecho, Parmênides

pondera que, mesmo com todos os problemas expostos da teoria das formas, e

mesmo havendo nela aporias aparentemente incontornáveis, é absolutamente

necessário que exista “de cada coisa uma forma uma”, isto é, um referente

imaterial e imutável para cada conjunto de entes chamados pelo mesmo nome; do

contrário, resta inútil e a rigor impossível o exercício da linguagem (“assim

arruinará absolutamente o poder de dialogar”), assim como a própria pretensão do

conhecimento (“Que farás então da filosofia?”). É curioso que o argumento

assuma as cores de algo como um “imperativo categórico” de caráter

epistemológico: é preciso que haja formas pois, sem elas, não há ciência. Vemos

aqui reiterado o princípio estabelecido nos diálogos iniciais, segundo o qual saber

o que uma coisa é faz-se condição indispensável para as investigações filosóficas

ulteriores. A forma da apresentação da questão, embora modificada, assenta-se no

mesmo princípio: conforme ficou estabelecido nos diálogos da maturidade, só é

possível saber tí estin se as formas existirem; sem isto, é vã a pretensão humana

de conhecer o que quer que seja. Nessa mesma passagem, fica também clara a

crença de Platão na inter-relação dessas questões entre si, assim como volta a se

evidenciar a posição que anteriormente foi aqui chamada de “anti-Górgias”: as

coisas são; sendo, devem ser acessíveis à inteligência humana; e por fim, sendo

inteligíveis, são comunicáveis, isto é, exprimíveis pela linguagem humana.

Page 36: Remo Mannarino Filho O método das divisões: a última ...livros01.livrosgratis.com.br/cp104005.pdf · Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Departamento de Filosofia da PUC-Rio

35

Para compreender o sentido e o propósito dos diálogos da última fase da

produção platônica, é preciso levar em conta a combinação desses dos fatores: por

um lado, todos os problemas e aporias da teoria das formas; por outro, esse

imperativo epistemológico. A pergunta “o que é x?” segue sendo o norte da

empreitada filosófica de Platão, e todo o sofisticado desenvolvimento das obras

tardias tem em vista o propósito de dar uma resposta satisfatória a essa questão.

Page 37: Remo Mannarino Filho O método das divisões: a última ...livros01.livrosgratis.com.br/cp104005.pdf · Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Departamento de Filosofia da PUC-Rio

36

5. O MÉTODO DAS DIVISÕES ENTRA EM CENA

5.1) O Fedro: um caso singular e a primeira apresentação da

diaresis.

Na evolução da questão examinada pela presente pesquisa, o diálogo Fedro

ocupa uma posição de singular destaque. A cronologia tradicional costuma situá-

lo como um dos últimos escritos antes da grande crise trazida com o diálogo

Parmênides, e de fato são bastante ricas as possibilidades nascidas dessa

suposição (uma outra possibilidade será discutida na próxima seção deste mesmo

capítulo). Vejamos. Conforme foi anteriormente dito, desde Robinson tornou-se

uma noção comum crer que a obra platônica pode ser dividida em três grandes

fases, não apenas segundo os assuntos tratados, mas também de acordo com os

métodos empregados nas investigações. Se é verdade que “dialética” é o nome

dado por Platão a qualquer que seja o método utilizado naquele momento para

encontrar as essências dos entes (ROBINSON: 1966, p. 52), então pode-se dizer

que a dialética se revestiria de três diferentes roupagens ao longo da literatura

platônica: a do método do elenchus, nos primeiros diálogos; a do método das

hipóteses, nos da maturidade; e por fim, nos diálogos finais, do método das

divisões. Em linhas gerais, é de fato isso o que se verifica: há uma clara

predominância de cada um desses procedimentos nas grandes fases da obra de

Platão. Mas é preciso observar o notável fato de que o método das divisões tenha

sido enunciado em um diálogo ainda considerado da maturidade, anteriormente

portanto ao grande marco de virada que representa o Parmênides. Isso nos levará

a algumas conclusões a respeito das questões ora investigadas, que exporemos

adiante ainda nesta seção.

Em primeiro lugar, é preciso chamar a atenção para o fato de que a

discussão do Fedro é inaugurada com um recuo à questão da definição,

movimento notadamente característico dos primeiros diálogos: Sócrates se recusa

a discutir se o amor é benéfico ou prejudicial antes que os debatedores cheguem a

uma definição satisfatória do amor (237b-c, tradução de Jorge Paleikat):

Sócrates: (...) em todas as cousas, meu rapaz, para que se tome uma resolução sábia, é mister saber sobre o que se delibera, pois, de outro modo, infalivelmente

Page 38: Remo Mannarino Filho O método das divisões: a última ...livros01.livrosgratis.com.br/cp104005.pdf · Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Departamento de Filosofia da PUC-Rio

37

nos enganamos. A maioria dos homens não nota, entretanto, que ignora a essência das coisas. Isso não os impede de acreditar erroneamente que as conhecem; segue-se daí que no começo de uma pesquisa não definem as suas opiniões, acontecendo depois o que é natural: tais pessoas não concordam nem consigo mesmas, nem umas com as outras. Evitemos, pois, esse defeito que censuramos nos outros. (...) [C]omeçaremos assim estabelecendo uma definição do amor, da sua natureza e dos efeitos (...)

Note-se também que, conforme se diz no trecho acima, fica claramente

estabelecido o lugar das definições na investigação filosófica: aqui, elas já não são

um fim em si mesmo, mas uma espécie de delineamento inicial do discurso para

inquirições ulteriores.

Diferentemente do que acontece nos chamados “diálogos da definição”, o

Fedro não é aporético: a pergunta “o que é o amor?” será investigada em um nível

inteiramente diferente e os interlocutores chegarão a uma série de distinções que

considerarão perfeitamente satisfatórias. E é justamente ao recapitular os êxitos da

investigação que Sócrates os atribui a um procedimento nunca até então

mencionado: o método das coleções e divisões (265c-266b).

É precisamente isso o que faz do Fedro um caso especialíssimo no

desenvolvimento da filosofia platônica. Nele, o pensamento do filósofo talvez

encontre o auge das suas forças: há uma teoria das formas ainda intocada pelas

críticas que seriam apresentadas no Parmênides; há uma clareza depurada da

questão das definições a serem encontradas; por fim, e eis aqui a novidade, há um

método perfeitamente delineado para a obtenção das definições buscadas desde as

primeiras obras. A questão tí estin alcança aqui o cume da elaboração e,

perfeitamente mapeada sob vários aspectos diferentes, pode ser trabalhada com

uma série de sutis distinções. A diairesis, aplicada ao longo do diálogo mas só

explicitada em seu epílogo, permite que sejam feitas todas as discriminações

desejadas na investigação e se alcancem as definições buscadas. Já estamos a

grande distância dos becos-sem-saída aporéticos dos primeiros diálogos.

É interessante também notar a maneira como o método das divisões é pela

primeira vez apresentado. Ele não é trazido à tona como proposta nova, como uma

boa solução aventada ao longo da investigação; Sócrates, ao contrário, o

menciona como procedimento conhecido e familiar, como se estivesse há muito

desenvolvido. Talvez seja essa a razão de alguns comentadores terem buscado

aplicações do método em diálogos anteriores, especialmente o Górgias (454 e

Page 39: Remo Mannarino Filho O método das divisões: a última ...livros01.livrosgratis.com.br/cp104005.pdf · Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Departamento de Filosofia da PUC-Rio

38

464-466). Paul Shorey, célebre advogado de uma interpretação “unitarista” da

obra platônica, foi o mais famoso defensor da tese da existência de uma diairesis

precoce. Podem ser encontrados, além disso, inúmeros exemplos de coleções em

obras anteriores: na maior parte dos primeiros diálogos, a investigação a respeito

da natureza de uma noção inicia-se com um inventário de diversos exemplos

dessa noção. Embora existam de fato exemplos de discernimentos de conceitos

em escritos anteriores ao Fedro, parece temeroso afirmar que havia algo como um

uso sistematizado do método das divisões em qualquer desses escritos, e ainda

menos da sutil visão de mundo que ele viria a implicar nos últimos diálogos.

Pode-se, com mais cuidado, afirmar que a diairesis seria a organização, sob a

forma de um método cuidadosamente delineado, de uma série de procedimentos

que eram antes usados instintiva e talvez irrefletidamente6.

5.2) Uma possibilidade alternativa quanto ao lugar do Fedro na cronologia da obra platônica.

Conforme já foi dito, a cronologia mais comumente aceita das obras de

Platão considera o Fedro como um diálogo da maturidade, talvez dos últimos

compostos nessa fase, e anterior portanto ao diálogo-chave Parmênides. Antes de

passarmos à próxima seção, entretanto, é preciso ainda considerar uma outra

possibilidade. Não são poucos os intérpretes que contam o Fedro entre as obras da

última fase da produção platônica, e já contendo em si reformulações

fundamentais na teoria das formas. Apesar da clássica exposição dessa teoria feita

6 É curioso que nem Shorey nem Jowett tenham destacado um trechos que parece, ainda mais ostensivamente, ser uma aplicação da tese diairética da interabrangência entre formas: Eutífron 11e-12d. Ali, trabalha-se textualmente com a idéia de noções (justiça, piedade, temor e respeito) que são partes de outras noções mais amplas, e apresenta-se uma analogia com a maneira como o conjunto dos números abrange os subconjuntos dos números pares e ímpares. Na tradução de Enrico Corvisieri: “Mas tudo o que é justo é piedoso, ou tudo o que é piedoso é justo, ou somente uma parte do justo o é, e outra não o é?” (...); “o temor é mais abrangente que o respeito, por ser este apenas parte daquele, da mesma maneira que o ímpar é uma parte do número, até o ponto em que não se tem necessariamente o número ímpar onde há número; tem-se, por outro lado, número, onde há número ímpar”; “Se a piedade é uma parte da justiça, parecem-me que convém descobrir que parte da justiça é essa. E, como ocorria no caso anterior, se me tivesses indagado que parte do número é o número par e que é, de fato, esse número, eu teria respondido que é o número não-ímpar, divisível em duas partes iguais.” Uma vez mais, o fato de identificar esse trecho como um vislumbre precoce da metafísica dos últimos diálogos não implica de maneira nenhuma crer que a diairesis e a ontologia que a sustenta já estivessem desenvolvidas à época do Eutífron.

Page 40: Remo Mannarino Filho O método das divisões: a última ...livros01.livrosgratis.com.br/cp104005.pdf · Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Departamento de Filosofia da PUC-Rio

39

em 246a-257b, haveria razões, filosóficas e estilísticas, para considerar que a obra

teria sido escrita posteriormente ao próprio Parmênides.

Entre as razões filosóficas, é preciso destacar o próprio método das

divisões: no Fédon, havia sido explicitamente dito que as idéias inteligíveis

deveriam ser absolutamente simples e incompostas, uma vez que tudo aquilo que

é composto cedo ou tarde estará sujeito à decomposição (80b). A simplicidade

seria característica de tudo o que é eterno e imutável, e a multiplicidade seria um

traço próprio das coisas submetidas ao tempo (tese também afirmada no

Banquete, 211b). Assim sendo, a estrutura do mundo das formas, tal como

descrita no Fedro em 265c-266b, com sua teia de relações, composições e

divisibilidades, seria incompatível com essa primeira concepção das eide como

absolutamente simples. Seria portanto verossímil que o diálogo fosse posterior ao

arrazoado apresentado no Parmênides, que pretende demonstrar a mútua

implicação lógica e ontológica existente entre unidade e multiplicidade, e assim a

impossibilidade da unidade pura e absoluta. Essa ordenação dos diálogos faria da

apresentação da diairesis uma nova proposta, reelaborada e mais complexa, da

teoria das formas: elas seriam unas sob certo aspecto, sendo ao mesmo tempo

múltiplas sob outro.

A segunda razão para que haja dúvidas a respeito do lugar do Fedro na

cronologia platônica é puramente estilística. Sabe-se que Campbell não contou o

diálogo entre os pertencentes ao último grupo, que inclui o Timeu, o Crítias, o

Filebo, o Sofista, o Político e Leis, com base na utilização sobretudo da

recorrência vocabular (CAMPBELL: 1867). Estudiosos posteriores encontraram

critérios ainda mais objetivos para o estabelecimento do conjunto de últimas obras

de Platão, sendo o principal deles o fato de o filósofo, no fim da vida, passar a

evitar em seus escritos o acidente lingüístico conhecido como “hiato” – a

ocorrência de um encontro entre uma vogal que termina uma palavra com outra

que inicia a palavra seguinte. Segundo William Prior (1985, apêndice), que atribui

essa descoberta a Friedrich Blass e a G. Janell (idem, p. 180), os diálogos da

maturidade, como o Parmênides, têm uma média de ocorrência de hiatos superior

a quarenta por página, enquanto que os da última fase têm a bastante inferior

média de 6,71 (Leis) a 0,44 (Político) hiato por página. Por esse critério, o Fedro

constitui uma exceção e um caso especialíssimo: é o único diálogo a escapar dessa

“súbita e abrupta” diferença, contendo uma média de 23,9 hiatos por página

Page 41: Remo Mannarino Filho O método das divisões: a última ...livros01.livrosgratis.com.br/cp104005.pdf · Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Departamento de Filosofia da PUC-Rio

40

(idem, p.185). O próprio Prior toma isso como indício de que o Fedro é uma obra

intermediária e uma espécie de experiência do ponto de vista estilístico, em que o

filósofo experimentaria não muito convictamente a idéia de evitar os hiatos. A

seguir, menciona uma tese defendida por alguns estudiosos segundo a qual, tendo

em vista o fato de que os hiatos não são homogeneamente evitados, mas

escasseiam nas partes dialogadas enquanto ocorrem normalmente nos longos

discursos do início e do meio da obra, o Fedro seja um texto composto na

maturidade e posteriormente revisado com enxertos da última fase.

Como se vê, existem razões para acompanhar Robinson (1966, prefácio) na

opinião de que o Fedro é posterior às considerações anotadas no Parmênides,

especialmente sob o aspecto daquilo que interessa à presente pesquisa: o

procedimento das divisões apresentado no fim do diálogo. Nesse caso, ele seria

não só o complemento metodológico da ontologia das idéias finalmente revelado

aos leitores, mas uma verdadeira revisão de toda a teoria, revisão esta que seria

detalhada e esclarecida nos diálogos posteriores.

5.3) Análise da primeira apresentação do método das divisões.

Essa primeira apresentação do método das divisões na obra platônica,

embora sucinta, já nos permite inferir uma série de concepções tanto a respeito do

procedimento propriamente dito quanto daquilo que ele pressupõe a respeito da

realidade. Façamos aqui uma primeira análise do texto acima mencionado.

Segundo a explicação de Sócrates, o primeiro procedimento do método seria

aquele conhecido como “coleção”, que consistiria em reunir sob uma única forma

uma dispersa diversidade de ocorrências. Em outras palavras, o primeiro passo

seria o de encontrar unidade na pluralidade, estabelecendo um conjunto que possa

abarcá-la sob um eídos comum. O texto não esclarece se a pluralidade reunida é

uma pluralidade de formas ou de indivíduos: podemos apenas inferir com alguma

razoabilidade, pelos exemplos espalhados pela obra platônica, tratar-se do

primeiro caso, já que as listagens que abriam os primeiros diálogos costumavam

ser listagens de noções gerais e não de indivíduos7. Talvez fosse mais preciso

7 Citemos aqui, em primeiro lugar, o exemplo do Mênon, em que são arrolados diversos tipos de virtude diferentes, como “a virtude da mulher”, “a virtude da criança”, “a virtude do escravo” etc.; em segundo lugar, o exemplo mais próximo do Sofista, que, sem mencionar indivíduos

Page 42: Remo Mannarino Filho O método das divisões: a última ...livros01.livrosgratis.com.br/cp104005.pdf · Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Departamento de Filosofia da PUC-Rio

41

dizer que, conforme se vê em vários diálogos, o que se coleciona sob apenas uma

forma é a pluralidade de concepções correntes de uma mesma noção, as maneiras

sob as quais uma mesma idéia é comumente reconhecida e referida na linguagem

ordinária. De qualquer maneira, o propósito, diz-se, é o de encontrar uma

definição para uma idéia comum e com a qual se pretende trabalhar. A menção à

idéia de definição é de fundamental importância: pela primeira vez na obra

platônica apresenta-se um procedimento metodológico efetivamente voltado para

a obtenção das definições tão insistentemente cobradas desde os primeiros

diálogos. No trecho, não é demais frisar, a importância das definições é

reafirmada: é imperativo estabelecê-las, pois sem elas um discurso fica

incapacitado de alcançar “consistência” (265d).

O procedimento seguinte é o “contrário do anterior” (265e): se antes era

preciso encontrar unidade na pluralidade caótica das concepções correntes, a

tarefa agora é a de encontrar nessa unidade a sua pluralidade interna e natural, as

partes de que objetivamente se compõe. O uso da expressão “juntas naturais” é

profundamente significativo e da mais alta importância: ela indica que os pontos

de divisão e discernimento estão presentes na própria realidade e não são meras

convenções da linguagem ou da percepção habitual dos homens (conforme

veremos adiante, esse esclarecimento torna-se absolutamente fundamental na

análise das divisões do Sofista). Como exemplo de uma divisão bem levada a

cabo, como se por um açougueiro hábil, Sócrates menciona a que foi feita

anteriormente no próprio diálogo: primeiro, a reunião de uma série de ocorrências

sob a forma geral de “delírio”, as quais puderam ser divididas em dois grandes

tipos, um bom e um mau, e em seguida subdivididas nos tipos de amor. Por fim,

pôde-se distinguir o amor verdadeiramente divino, fonte dos maiores bens.

A breve apresentação do método das divisões é encerrada com uma nada

insignificante afirmação: a de que Sócrates dá aos hábeis nesse procedimento o

nome de “dialéticos”. Conhece-se o apreço que Platão reservava a esse complexo

e polissêmico termo: em suas obras, a dialética era reputada a via de acesso

privilegiado às verdades mais altas. Os procedimentos que merecem o nome de particulares, apresenta várias formas dispersas ou atividades gerais no início do diálogo (“o caçador de jovens ricos”, “o comerciante de saber” etc.) para depois reuni-los sob uma forma apenas. A menção aqui feita ao Mênon não é extemporânea: de fato, todas as investigações de definição empreendidas nos primeiros diálogos se iniciam com uma coleção, e não há razão para crer, como foi dito acima, que o método das divisões não seja exatamente a sistematização de procedimentos já anteriormente utilizados.

Page 43: Remo Mannarino Filho O método das divisões: a última ...livros01.livrosgratis.com.br/cp104005.pdf · Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Departamento de Filosofia da PUC-Rio

42

“dialética” variam muito ao longo da obra platônica; em comum, eles têm o fato

de serem sempre processos de interação, em que os amantes da verdade buscam,

em regime de colaboração, ajudar-se mutuamente na percepção de aspectos da

realidade. A afirmação feita em 266b leva a crer que o método da diairesis seja a

última proposta dialética de Platão: investigar unidades e multiplicidades naturais

da realidade, mesmidades e alteriadades que, coadunadas, engendram o mundo tal

como o conhecemos.

Há, por fim, uma observação importante observação a ser feita. O método

apresentado deixa transparecer algo a respeito da própria estrutura do real, algo

que até então, na obra platônica, não havia sido considerado: a relação das formas

entre si. Os diálogos anteriores falam das eide como a unidade inteligível da

multiplicidade sensível, como o eterno e imutável que ordena o cambiante mundo

sensível. As alegorias como as presentes no Fedro e na República em momento

nenhum levantam o problema de como se estruturaria o mundo das idéias, nem de

como elas se relacionariam mutuamente. A própria enunciação do método das

divisões nos dá uma pista nesse sentido: haveria uma articulação segundo a qual

formas mais gerais (como, no caso, a do delírio) abarcaria sob si uma certa

quantidade de outras formas fronteiriças e mutuamente excludentes. Esse é um

esboço, ainda bastante conciso, da ontologia das formas que será desenvolvida no

diálogo Sofista, ontologia esta da qual dependerá toda a teoria da predicação e,

portanto, a possibilidade do discurso na filosofia de Platão.

5.4) A trilogia inacabada: um aprofundamento metodológico e a reavaliação da relação nome-coisa.

Uma das grandes dificuldades na análise do método das divisões é

justamente uma certa carência de exposições teóricas no texto platônico. Como

vimos, é brevíssima a sua teorização no Fedro, e pouco será acrescentado a esse

respeito nos diálogos subseqüentes. Mas se, por um lado, as considerações

teoréticas são escassas, serão abundantes as aplicações e exemplificações do

método, especialmente nos diálogos daquilo que ficou conhecido como “trilogia

inacabada”: o Sofista e o Político. Depois de uma exposição daquilo que nesses

diálogos diz respeito à presente pesquisa, passaremos a uma análise do método

Page 44: Remo Mannarino Filho O método das divisões: a última ...livros01.livrosgratis.com.br/cp104005.pdf · Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Departamento de Filosofia da PUC-Rio

43

das divisões que permita esclarecer algumas das questões levantadas, sempre com

base naquilo que o texto platônico nos fornece.

A discussão que se inicia no Sofista apresenta-se com a proposta de ser uma

longa investigação que tem por fim discernir três proeminentes figuras da Atenas

do séc. V: o sofista, o político e o filósofo. A questão extrapolará os limites da

obra, e o texto faz supor que cada uma dessas figuras ganharia uma análise

independente em seu próprio diálogo8. O que se busca, em todos os casos, é uma

definição de cada um dos tipos mencionados; de alguma forma, o tema dos

diálogos é simplesmente: “o que é o sofista?”, “o que é o político?” e “o que é o

filósofo?”. Como sói acontecer na obra platônica, a investigação encontrará

inúmeros percalços, e o rumo da discussão deixará como rastro uma série de

discernimentos e construções intelectuais que transcendem o assunto proposto. A

discussão em torno do sofista, em particular, será ocasião para que Platão exponha

o que parece ser toda uma nova versão da sua ontologia e da teoria das formas9.

É curioso notar a importância dada à questão da definição e a relevância,

política inclusive, desse discernimento. No início do Sofista (218b-c), o

estrangeiro de Eléia adverte a Teeteto que ambos podem usar o mesmo nome (no

caso, “sofista”) para designar coisas distintas. Aqui vê-se a importância prática da

questão da definição: Sócrates é tomado, por muitos em Atenas, como um sofista, 8 Com efeito, o sofista e o politico têm cada um seu diálogo homônimo. Não chegou a nós nem nunca se teve notícia da existência de uma obra intitulada Filósofo, que deveria completar a trilogia. Tal ausência causa de imediato grande estranhamento: por que Platão anunciaria um diálogo que jamais seria escrito, e logo um cujo tema lhe seria tão caro? Para um mapeamento das teses levantadas a respeito, ver Gill, Mary Louise “Division and definition in Plato’s Sophist and Statesman”, 2008. Basicamente, as hipóteses arroladas são: 1) o diálogo foi escrito e se perdeu, assim como todas as menções feitas a ela em outros documentos e listas de escritos do autor (particularmente inverossímil, pois as obras de Platão parecem ter sido cuidadosamente preservadas por seus discípulos e leitores na Antigüidade, e o diálogo perdida seria logo o que traz um título tão importante e que foi reiteradamente anunciado em escritos anteriores como o coroamento de uma longa investigação); 2) Platão pretendia escrevê-lo mas, talvez atemorizado pela importância da obra, adiou o projeto e terminou por morrer sem realizá-lo; 3) os ensinamentos que constariam do Filósofo, por muito elevados, foram reservados a círculos internos em transmissões orais; 4) Platão considerou que aquilo que falou sobre o filósofo no Sofista e no Político seria suficiente para elucidar a questão; 5) o Filebo faz as vezes de terceiro elemento da trilogia. No artigo citado, Gill discorda de todas essas teses e levanta uma nova: a de que, apresentadas as lições do Sofista e do Político, investigar e deduzir a natureza do filósofo seria uma espécie de lição de casa para o leitor. O propósito da trilogia é pedagógico, e por isso seria imprescindível que ela restasse inacabada; caberia ao estudante terminá-la como exercício filosófico. 9 Não só isso: nesse diálogo são apresentadas as teorias platônicas da definição e da proposição (dois dos elementos fundamentais da lógica clássica); a teoria dos gêneros supremos e a nova estrutura do mundo das formas; uma definição do sofista e da arte sofística; uma vasta discussão sobre o ser, o não-ser, a existência de imagens e o discurso falso etc. Esse precário inventário é suficiente para que se avalie a importância dessa obra para o pensamento de Platão, em particular, e para a filosofia ocidental de um modo geral.

Page 45: Remo Mannarino Filho O método das divisões: a última ...livros01.livrosgratis.com.br/cp104005.pdf · Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Departamento de Filosofia da PUC-Rio

44

e aliás é por isso condenado (cf. Mênon, Apologia de Sócrates, As nuvens etc.). A

necessidade do aperfeiçoamento de um método para a obtenção das definições

indica claramente o afastamento da crença na “sabedoria implícita” da linguagem,

conforme a hipótese analisada no Crátilo. Aqui, o tom da discussão é bem mais

pessimista em relação à linguagem ordinária, e o foco da investigação muda

completamente: não mais dar “o nome correto a cada coisa”, no sentido de um

nome que sonoramente corresponda à coisa nomeada, mas agrupar corretamente

os entes sob o mesmo nome. A análise da noção comum sobre o termo definido,

assim como da etimologia da palavra, de fato são empreendidas no início das

investigações tanto a respeito do sofista (221c-d) quanto a respeito do político

(305e), mas como pontos de apoio para o início das inquirições, e não como

soluções para o problema posto.

Depois de treinar o novo método de obtenção de definições em um modelo

deliberadamente escolhido por sua simplicidade – o pescador que utiliza anzóis,

definido como o caçador de criaturas aquáticas que usa um tipo especial de anzol

(218e-221c) –, os interlocutores passam a buscar a definição do sofista. De

semelhante, ambos têm o fato de serem artesãos e, mais do que isso, praticantes

da caça, uma arte aquisitiva (221d). Ao cabo da divisão o sofista é definido como

um caçador de jovens ricos (dentre as artes, pratica as aquisitivas; entre estas, a da

captura; pela caça; de seres animados; terrestres; domésticos; pela persuasão; que

visa aos indivíduos; com intenção de lucro; sob o pretexto de ensinar virtudes

(223b). Ao fim dessa primeira divisão, algo inesperado se dá. O Estrangeiro

observa que a arte sofística é complicada, e por isso deveriam voltar a defini-la

sob outro ponto de vista (223c). Partindo sempre das “artes aquisitivas”, quatro

outras definições alternativas são propostas, todas aparentemente válidas segundo

os critérios estabelecidos pelo método das divisões. O sofista é seguidamente

definido como um comerciante, atravessador e atacadista, das ciências relativas às

virtudes (224c-d); como um comerciante, atravessador e varejista, dessas mesmas

ciências (224d-e); como produtor e vendedor da mesma mercadoria (idem); por

fim, como um atleta do discurso que lutava em troca de dinheiro, utilizando para

isso a arte da erística (226a). Em cada uma dessas definições, o sofista é

encontrado no fim de um ramo do galho das artes aquisitivas.

Na sexta definição, particularmente curiosa, parte-se de um novo galho: o da

arte do discernimento (226c), que nem sequer havia sido apontada na divisão

Page 46: Remo Mannarino Filho O método das divisões: a última ...livros01.livrosgratis.com.br/cp104005.pdf · Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Departamento de Filosofia da PUC-Rio

45

dicotômica original entre artes produtivas e aquisitiva (219b-c). Aqui, o sofista é

definido como aquele que purifica as almas das crenças que as distanciam do

conhecimento (231b). A referência evidente é o próprio Sócrates, e essa divisão

claramente explora o fato de que os olhos não treinados do vulgo o tomavam por

um sofista. O Estrangeiro então acrescenta o qualificativo “nobre” a essa arte

sofística para discerni-la das anteriormente estipuladas.

Assim, se mapeássemos a divisão das formas em um diagrama, veríamos

que o sofista se espalha e pode ser encontrado em vários pontos diferentes. Qual a

razão dessas múltiplas definições? Seria uma limitação do método ou uma

possibilidade contida na própria realidade? Ou ainda uma dificuldade trazida pela

própria natureza obscura da coisa aqui definida? As definições são todas

igualmente válidas? O fato de que, ao fim do diálogo, encontra-se uma definição

considerada mais satisfatória (234e-235a) invalida as anteriores? Ou elas

permanecem válidas, apenas menos adequadas? As respostas a tais perguntas

determinarão a forma como se interpreta a filosofia tardia de Platão, sua última

teoria das formas e aquilo que mereceu receber por fim o nome de “dialética”.

Curiosamente, o diálogo Político, em que o método das divisões é também

amplamente aplicado, apresenta, sob certo aspecto, o problema oposto ao do

Sofista: se neste o definiendum se espalha por toda a parte e aparece em inúmeros

ramos de diversos galhos da árvore, naquele o objeto da definição aparece sob

uma única forma, mas ao lado de outros tantos tipos que com ele concorrem. A

definição inicial parte do gênero “conhecimento teórico” , passa pela divisão

“conhecimento diretivo” (258d), e “com fim de produzir algo” (260c-261b), de

“seres animados” (261c), “em rebanho” (261d),

“de homens” (262a). O problema imediatamente encontrado é: todos os homens

que se ocupam de aspectos práticos no cuidado humano podem reclamar também

a definição de “pastores de homens”, e entre estes podem se contar comerciantes,

agricultores, moleiros, professores de ginástica e médicos (267e). Serão

necessárias longas explanações metodológicas (262a-263b) e o uso do complexo

paradigma da tecedura (279c-283b) para se chegar a uma definição mais precisa e

que capte a natureza essencial do político – aquele que dirige todas as ciências

referentes ao governo, que tem o cuidado das leis e dos assuntos referentes à polis

e que as une todas em um tecido perfeito (305e).

Page 47: Remo Mannarino Filho O método das divisões: a última ...livros01.livrosgratis.com.br/cp104005.pdf · Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Departamento de Filosofia da PUC-Rio

46

É significativo que nos dois diálogos, como no Fedro, os interlocutores

possam chegar finalmente, ainda que com grande custo, à resposta da pergunta tí

estin; inicialmente proposta. A grande diferença que separa tais investigações

daquelas apresentadas nos primeiros diálogos está tanto na articulação de diversos

métodos diferentes num único grande método, chamado diairesis, como também

em uma nova e mais acessível concepção das unidades inteligíveis a que

chamamos “formas”. O próximo capítulo desta dissertação será justamente

dedicado a uma análise das divisões como método e como concepção de mundo.

Page 48: Remo Mannarino Filho O método das divisões: a última ...livros01.livrosgratis.com.br/cp104005.pdf · Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Departamento de Filosofia da PUC-Rio

47

6. ANÁLISE DA DIAIRESIS COMO MÉTODO

6.1) A importância histórica do método.

Não são de pouco peso as palavras que Platão usa para falar da importância

do método das divisões em seus diálogos. No Fedro (265d), Sócrates diz que a

diairesis torna “claro” e “consistente” o discurso; diz também ser “muito amigo

desta maneira de compor e decompor as idéias”, que é “a melhor maneira de

aprender a falar e a pensar” (266b); por fim, faz a famosa afirmação que identifica

as divisões à própria arte dialética, e afirma, não sem certa dramaticidade, que

segue o bom manejador das divisões por onde quer que ele vá (266b, tradução de

Jorge Paleikat):

Sócrates: E quando me convenço de que alguém é capaz de aprender ao mesmo tempo o conjunto e os detalhes de um objeto, sigo esse homem como se caminhasse nas pegadas de um deus. E aos que têm esse talento – deus sabe se tenho razão em assim falar – sempre chamei de “dialéticos”.

Em seguida, contrasta a dialética, aqui identificada com a diairesis como o

método filosófico por excelência, com a retórica de Lísias e do próprio Fedro

(266b ss). O domínio das divisões é pois o traço distintivo do filósofo e o que o

separa dos meros produtores de belos discursos; é o que separa a busca da verdade

da simples persuasão.

As palavras escolhidas no Sofista não são menos assertivas. Em 253c-254b,

ao falar sobre a necessidade de um método capaz de distinguir mesmidades e

alteridades, e ao novamente descrever o método das divisões, o Estrangeiro

assente com a afirmação de Teeteto segundo a qual essa é a “suprema ciência”;

afirma ser ela “a ciência dos homens livres”, aquela própria dos filósofos; afirma

serem as divisões a “obra da ciência dialética”; diz que tal maestria não se atribui

“a nenhum outro, acredito, senão àquele que filosofa em toda pureza e justiça”,

cujos raciocínios “à forma do ser se dirigem perpetuamente”. Se ele é difícil de

ser encontrado, é porque “os olhos da alma vulgar não suportam, com

persistência, a contemplação das coisas divinas”.

Essa pequena coleção de vindicações ao método das divisões, não exaustiva

mas, creio, suficiente, é aqui apresentada sobretudo com o propósito de mostrar a

Page 49: Remo Mannarino Filho O método das divisões: a última ...livros01.livrosgratis.com.br/cp104005.pdf · Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Departamento de Filosofia da PUC-Rio

48

ênfase que Platão dá à sua importância – importância já contestada por alguns

comentadores (RYLE: 1965). Além do enaltecimento exacerbado do método e

daquele que o domina, a importância da diairesis resta também evidente se

levarmos em conta o esmero que Platão devota a ensinar por exemplos os

procedimentos da divisão. São dois diálogos, o Sofista e o Político, dedicados

quase que exclusivamente a demonstrar o modo de utilização do método e seus

fundamentos ontológicos e lingüísticos. Que o propósito dessas obras é o de

treinar o discípulo nessa arte, afirma-o o próprio Estrangeiro de Eléia (Político

285c-d, tradução de Jorge Paleikat e João Cruz Costa):

Estrangeiro: Supõe que nos proponham a seguinte questão: nas classes onde se aprende a ler, quando se pergunta a alguém de que letras é formada esta ou aquela palavra, fazemo-lo com o intuito de levá-lo a resolver esse problema particular ou com o intuito de torná-lo mais apto a resolver todos os problemas gramaticais possíveis? Jovem Sócrates: Todos os problemas possíveis, evidentemente. Estrangeiro: Que diremos, então, de nossa pesquisa sobre o político? É ela ditada diretamente pelo interesse que nos inspira, ou existe para nos tornar melhores dialéticos a propósito de todos os assuntos possíveis? Jovem Sócrates: Aqui, ainda, evidentemente para a formação geral.

Tal zelo devotado aos leitores não seria certamente negligenciado aos

discípulos próximos. De fato, são abundantes os registros de que a diairesis era

uma das principais ocupações intelectuais da Academia platônica. Diógenes

Laércio menciona três tratados sobre o método escritos por Espeusipo10, sucessor

de Platão à frente da escola, e também estudos sobre o tema deixados por

Xenócrates e Teofrasto (Diog. Laert. 4.5). O próprio Aristóteles é herdeiro das

divisões: ele as adota criticamente e produz uma versão aperfeiçoada como meio

de obter definições: os Analíticos posteriores 2.13 é uma seção dedicada à teoria

das definições e trata de regras para um bom procedimento diairético, discutindo

inclusive as regras divisórias de Espeusipo11; o capítulo 12 do Livro Z da

Metafísica é também ele uma teoria própria das divisões que pretende corrigir e

aperfeiçoar a de Platão12.

10 Diz Cherniss (1946, p. 42): “for Speusippus, however, the essential nature of each thing is identical with the complex of all its relations to all other things, so that the content of existence is nothing but the whole network os relations itself, plotted out in an universal diairetical [sc. divisional] scheme.” 11 Ver FALCON: 2000. 12 Para uma análise da absorção crítica do método das divisões por Aristóteles, ver HANKINSON: 1996.

Page 50: Remo Mannarino Filho O método das divisões: a última ...livros01.livrosgratis.com.br/cp104005.pdf · Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Departamento de Filosofia da PUC-Rio

49

Tão importante quanto esses documentos internos são alguns testemunhos

exteriores ao mundo da Academia. Entre eles, mencione-se um fragmento de uma

comédia de Epícrates preservado por Atheneus13, em que os acadêmicos Platão,

Espeusipo e Menedemo são retratados no exercício de classificar diaireticamente

uma moranga. Tal testemunho cômico, juntamente com a famosa anedota de

Diógenes Laércio e sua galinha depenada para ridicularizar a definição do homem

como “bípede implume”, nos dá uma idéia da maneira como a imagem popular da

Academia estava intimamente associada a esse método, que de fato devia soar um

tanto extravagante aos ouvidos do vulgo. Para seus contemporâneos, os

acadêmicos pareciam em grande medida ser “os homens que dividiam”. Tais

considerações são suficientes para atestar a relevância do presente objeto de

estudos nos meios filosóficos e intelectuais da Atenas do séc. V, relevância esta

atribuída por Platão e seus discípulos e também percebida por observadores

externos.

6.2) Um inventário teórico a partir dos diálogos14.

Façamos agora um pequeno inventário das descrições teóricas do método

das divisões apresentado no texto dos diálogos platônicos. O propósito é o de

recolher todas as instruções dispersas nas obras de maneira a articulá-las

conjuntamente e obter uma descrição ordenada e hierarquizada dos procedimentos

propostos por Platão. Isso nos permitirá obter uma visão geral do propósito do

filósofo ao apresentar sua última proposta dialética, e permitirá também que se

faça um cotejamento com os exemplos dados na aplicação concreta do método,

especialmente no Sofista e no Político, de maneira a esclarecer os pontos vagos ou

obscuros.

13 2.59d-f; T. Kock, Comicorum Atticorum Fragmenta 2, fr. 11, 287, apud FALCON: 2000. 14 Levaremos em consideração, aqui e nas demais análises da diairesis, os trechos práticos e teóricos presentes nos diálogos Fedro, Sofista e Político, e deliberadamente não será mencionado o método apresentado no Filebo. Mary Louise Gill, em seu artigo The divine method in Plato’s Philebus, defende tratar-se de um método diferente. Gosling (1975) mapeia as possíveis interpretações da passagem metodológica do Filebo e levanta os problemas que existem em considerar o procedimento ali apresentado como a mesma diairesis dos diálogos anteriores. Como se trata de questão controversa, e como as passagens contidas nas obras arroladas são suficientes para uma caracterização tanto do método quanto de suas implicações ontológicas, fez-se a opção por não ir além delas.

Page 51: Remo Mannarino Filho O método das divisões: a última ...livros01.livrosgratis.com.br/cp104005.pdf · Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Departamento de Filosofia da PUC-Rio

50

Conforme já vimos, o primeiro relato teórico do método é feito no Fedro,

no passo 265d-266b (trad. Jorge Paleikat), que reproduzimos abaixo:

Fedro: E quais são esses processos? Sócrates: O primeiro é este: é abarcar num só golpe de vista todas as idéias esparsas de um lado e de outro e reuni-las em uma só idéia geral [ε�ς µ�αν τε �δ�αν] a fim de poder compreender, graças a uma definição [�ριζ�µενος] exata, o assunto que se deseja tratar. Assim foi que ainda há pouco demos do amor uma definição que podia ser boa ou má mas que ao menos serviu para trazer clareza e ordem ao nosso discurso. Fedro: Mas qual é o outro processo? Sócrates: É saber dividir novamente a idéia geral nos seus elementos, nas suas articulações naturais, evitando, porém, mutilar qualquer dos elementos primitivos como faz um mau trinchador. Os nossos dois discursos de há pouco, apresentaram, primeiro, como vimos, uma idéia geral do delírio. A seguir, do mesmo modo que a unidade do nosso corpo compreende, sob o mesmo nome, os membros do lado esquerdo e os membros do lado direito, assim também esses nossos discursos fizeram derivar dessa definição geral do delírio, duas noções distintas: uma que distinguiu tudo que era errado e cumulou o amor infeliz de injúrias bem merecidas. Outra, que tomou o lado direito, certo e foi ao encontro de um outro amor, que tem o mesmo nome mas cujo princípio é divino e que, cumulando-o de elogios, o apresentou como sendo a fonte de maiores bens.

Note-se que, neste ponto, o método é referido como o das “coleções” e

“divisões”. Ele é aqui descrito como um procedimento que consiste em duas

fases, mas curiosamente a primeira etapa, a das coleções, passa a ser talvez um

tanto negligenciada nos exemplos posteriores. O gênero mais amplo, que será

dividido em subgêneros e na forma-alvo a ser definida, é normalmente intuído de

maneira mais ou menos imediata. As coleções, quando feitas, são breves e pouco

discutidas.

Nessa primeira apresentação teórica, é exposta e enfatizada a regra mais alta

e que submeterá todas as demais regras da diairesis: a de respeitar as juntas

naturais da realidade e não proceder como um mau trinchador. Tal regra mostra

como o método das divisões, se chega a apresentar uma teoria das definições

talvez um pouco mais flexível do que as anteriormente mencionadas nos diálogos,

jamais chega a constituir propriamente um nominalismo. A base das

classificações e distinções não será nunca o puro arbítrio humano, mas a própria

realidade. Note-se também que a menção à simetria do corpo humano e de seus

membros aos pares pode ser uma antecipação da regra dicotômica, mas ainda não

é a sua explicitação.

Page 52: Remo Mannarino Filho O método das divisões: a última ...livros01.livrosgratis.com.br/cp104005.pdf · Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Departamento de Filosofia da PUC-Rio

51

O Sofista apresenta também algumas considerações teóricas sobre as

divisões. A mais explícita e abstrata é a presente em 253d-e (trad. Jorge Paleikat e

João Cruz Costa):

Estrangeiro: Aquele que assim é capaz discerne, em olhar penetrante, uma forma única desdobrada em todos os sentidos, através de uma pluralidade de formas, das quais cada uma permanece distinta; e mais: um pluralidade de formas diferentes umas das outras envolvidas exteriormente por uma forma única repartida através de pluralidade de todos e ligadas à unidade; finalmente, numerosas formas inteiramente isoladas e separadas; e assim sabe discernir, gêneros por gêneros, as associações que para cada um deles são possíveis ou impossíveis.

Aqui, como se vê, o método descrito ganha em pujança e em complexidade.

Já não se trata de apenas encontrar tipos dentro de gêneros e subtipos dentro de

tipos, como no Fedro. Segundo tal descrição, a percepção de mesmidades e

alteridades traz como corolário o discernimento de uma teia de possíveis relações,

uma articulação de necessidades, possibilidades e impossibilidades entre as

formas. Essa tessitura havia sido logo antes aludida metaforicamente em uma

comparação com a arte gramática de combinar consoantes e vogais passíveis de

combinação (2522e-253c). Do ponto de vista metodológico, note-se que a coleção

já é um tanto deixada de lado: é um “olhar penetrante”, alusão a uma intuição

imediata (CORNFORD: 1960, p. 267), que permite enxergar a unidade da

pluralidade das formas.

Outro importante trecho metodológico que é preciso levar em conta aqui é

aquele presente no Político 262a-263c, o qual, por muito longo, não será

transcrito aqui. Em síntese, o que ali se passa é que os interlocutores haviam

chegado a uma divisão que estabelecia o político como parte da forma “pastor de

rebanhos”; o Estrangeiro então pede que o jovem Sócrates continue a divisão, ao

que este propõe dividir a forma “rebanho” em “homens” e “demais animais”,

sendo o político evidentemente o “pastor de homens” (262a). O Estrangeiro

mostra insatisfação com esse recorte: não se pode dividir o gênero animal em

“humanos” e “demais”, pois isso seria como dividir o próprio gênero humano em

“gregos” e “bárbaros” (262d), ou os números em “dez mil” e “todos os outros

demais” (262d-e). É mais seguro, afirma o mestre, “proceder por partes, dividindo

as metades” (262b). Diz também textualmente: “Creio que a divisão seria melhor;

que seguiria às formas específicas e seria mais dicotômica se, dividindo os

Page 53: Remo Mannarino Filho O método das divisões: a última ...livros01.livrosgratis.com.br/cp104005.pdf · Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Departamento de Filosofia da PUC-Rio

52

números em ‘pares’ e ‘ímpares’, dividíssemos, do mesmo modo, o gênero

humano em machos e fêmeas.” (262e).

Dessas correções, costumam ser retiradas duas regras: a interdição da

divisão por propriedade negativa e a prescrição de divisões dicotômicas. É curioso

que Aristóteles, na obra Partes dos animais (I, 2-3; 642b 22-23), diga que esses

dois critérios se excluem mutuamente, e que divisões dicotômicas

necessariamente implicam classificações negativas: “Novamente, termos

privativos inevitavelmente constituem um lado da divisão dicotômica”. Ele

menciona as “dicotomias publicadas”, certamente uma referência aos tratados dos

acadêmicos que circulavam em seu tempo.

Seja como for, essas duas regras metodológicas merecem uma análise mais

detida. Comecemos pela regra dicotômica. A necessidade de proceder por

metades tem sido motivo de severas críticas à diairesis desde os tempos antigos

até o os nossos dias (RYLE: 1965 e GILL: 2008). Para compreendermos melhor o

alcance e a força dessa prescrição, é preciso analisar mais cuidadosamente as

instruções passadas pelo Estrangeiro. Depois de recomendar o procedimento

dicotômico com expressões como “é mais seguro” (262b) e “melhor seguiria às

formas específicas” (262e), ele complementa com a instrução: “e se nos

decidíssemos a não separar nem caracterizar, relativamente aos demais, os Lídios,

os Frígios, ou outras unidades senão quando já não fosse mais possível obter uma

divisão em que cada um dos termos seria, ao mesmo tempo, gênero e parte”

(262e-263a). Apresenta-se aqui uma distinção entre “gênero” e “parte” que o

Estrangeiro se recusa a explicar de pronto (263c), limitando-se a esclarecer que

uma mesma espécie pode ser parte daquilo de que é espécie e espécie de suas

próprias partes. De toda forma, essa instrução parece dizer que a última divisão,

quando as formas divididas forem apenas parte e não gênero de mais nada, pode

não ser dicotômica. Mais adiante, durante a diairesis da arte da tecelagem,

apresentada como paradigma, o Estrangeiro afirma (287b-c):

“Sabes que é difícil dividi-las em duas? (...) Sendo impossível a divisão em duas, temos que dividi-las membro a membro, como a uma vítima. Pois é necessário sempre dividir no menor número de partes possível.”

Com razão Ackrill (1970) ponderou que, feita essa atenuação, a regra em

sua inteireza pode simplesmente ser compreendida como um critério de economia:

Page 54: Remo Mannarino Filho O método das divisões: a última ...livros01.livrosgratis.com.br/cp104005.pdf · Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Departamento de Filosofia da PUC-Rio

53

sempre que possível, dividir em metades, número mínimo de partes em que se

pode dividir um todo; quando isso não for viável, buscar o mais próximo disso

possível. Seja qual for o caso, a regra da quantidade das partes divididas estará

sempre submetida à regra hierarquicamente superior apresentada no Fedro:

respeitar as juntas naturais e jamais proceder como um açougueiro inábil. É bem

verdade que os próprios discípulos de Platão parecem ter levado mais ao pé da

letra o imperativo dicotômico (TARÁN: 1981, pp. 65-66); e no entanto, conforme

foi visto, não é isso o que diz o próprio texto de Platão.

As classificações negativas constituem todo um problema à parte. Vimos

como parece ser intenção do Estrangeiro interditá-las na passagem em que trata de

“gregos” e “bárbaros” e da hipotética distinção entre o número “dez mil” e “todos

os demais”. Mas mesmo um leitor desatento notaria que, nas divisões que se

seguem, mais de uma classificação negativa é feita: animais com chifres e sem

chifres (265c), os que se procriam por cruzamento e os demais (265e), os com

penas e os implumes (266e). E esses não são os únicos exemplos nas divisões

platônicas (citemos de passagem a dos objetos de captura, discernidos entre

animados e inanimados, em Sofista 220a).

Mary Louise Gill (2008) chama atenção para o fato de que as divisões

privativas estão inteiramente de acordo com aquilo que havia sido estabelecido no

Sofista (isto é, poucas horas antes, do ponto de vista dramático) a respeito das

proposições negativas. Segundo ali se discutiu, uma negação não significa o

oposto do termo negado, mas algo diferente dele dentro de um certo domínio (o

gênero que os abarca); a classificação não-belo não delimita o oposto do belo, mas

o outro do belo (257c-258c). Ambos, o belo e o não-belo, são igualmente seres

(257e), e o não-belo é uma forma com uma natureza própria (258b-c). Dessa

maneira, “bárbaro” e “os demais números que não dez mil” poderiam ser

consideradas formas no Sofista.

Sob certo aspecto, concorda com essa idéia a objeção feita por Aristóteles às

prescrições de Espeusipo, que exigia que as divisões exaurissem, em um gênero,

todas as espécies antes de prosseguir (Analíticos Posteriores 2-13). Bastaria, diz

Aristóteles, isolar a espécie que concerne à investigação e ignorar as que não são

pertinentes15. De fato, o próprio Estrangeiro não parece se preocupar em ser

15 Para uma detalhda análise das discordâncias entre Espeusipo e Aristóteles quanto ao método das divisões, ver FALCON: 2000.

Page 55: Remo Mannarino Filho O método das divisões: a última ...livros01.livrosgratis.com.br/cp104005.pdf · Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Departamento de Filosofia da PUC-Rio

54

exaustivo na distinção das espécies internas de um gênero antes de dar

prosseguimento às divisões, e isso mesmo quando as espécies são positivamente

delimitadas. Um exemplo bastante claro disso é a divisão das artes no diálogo

Sofista: inicialmente dividida entre as “produtivas” e “aquisitivas” (219a-c),

distinção que vai servir às cinco primeiras definições do sofista, ela é mais tarde,

na sexta definição, acrescida de uma nova espécie, a “arte da separação” (226c).

Como não há menção de corrigir a divisão anterior, que aliás voltará a ser usada

na sétima definição, é razoável supor que o método não exige a divisão exaustiva

de cada gênero.

Anotadas tais observações, ganha força a ponderação de Moravcsik (1971,

pp. 163-164), segundo a qual o trecho destacado do Político não pretende

interditar as classificações privativas, mas apenas orientar o dialético a procurar as

juntas naturais, positivas ou negativas, sem que haja um critério ou procedimento

padronizado que o faça perceber onde essas juntas estão.

6.3) Descrição sucinta do método a partir do inventário teórico.

Lapidadas todas as instruções e feitas as observações acima, é possível

descrever sucintamente o método das divisões, tal como exposto no Fedro, no

Sofista e no Político. Antes de mais nada, está claro que o propósito do método é

o de definir uma forma específica, propósito esse que se articula de maneira

evidente com a pergunta dos primeiros diálogos – “o que é x?” – e com a teoria

das idéias das obras da maturidade16. O método chega a tal definição pelo

expediente de alcançar o termo de uma ramificação do tipo gênero/espécie que

pretende reproduzir as articulações ontológicas do real. Um procedimento inicial

coleciona sob uma única forma uma série de tipos diversos que tenham algum

traço característico em comum. O estabelecimento dessa forma generalizante

parece ser mais ou menos arbitrário, uma noção comum e imediatamente

16 No capítulo “The nature of Socratic definition” do livro Socrates (1971), Guthrie chama atenção para o fato de que as definições dos primeiros diálogos, sendo definições de noções éticas – coragem, justiça, virtude –, têm sempre um caráter valorativo, e portanto retórico. Seriam aquilo que alguns comentadores chamam “definição persuasiva”: elas teriam menos o propósito de expressar a natureza de um ente do que o de convencer o interlocutor a adotar algum comportamento. Acrescento aqui: é interessante notar como o método das divisões se presta a definições perfeitamente “neutras” do ponto de vista moral. Ainda que as definições do sofista e do político possam comportar alguma espécie de valoração, os exemplos do pescador com anzóis e da arte de tecer são suficientes para prová-lo.

Page 56: Remo Mannarino Filho O método das divisões: a última ...livros01.livrosgratis.com.br/cp104005.pdf · Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Departamento de Filosofia da PUC-Rio

55

compreendida por todos. Tal forma é depois dividida em subtipos mutuamente

excludentes, de acordo com características comuns que as diferenciem. Articula-

se então um jogo de semelhanças (que fazem desses subtipos participantes de uma

mesma forma geral) e diferenças (que as separam em subtipos). As coleções

podem ocorrer em qualquer ponto da divisão, como se vê pelos exemplos dados;

vê-se que, no meio de uma diairesis, o Estrangeiro comumente se detém com o

intuito de recolher ocorrências que se aglutinem como um subtipo da forma

anteriormente discernida. Como exemplo, escolheremos dentre muitos o ocorrido

na sexta definição do sofista (226a-c), uma vez estabelecido que partiam do

gênero “arte”:

“Estrangeiro: (...) não temos nome para designar os trabalhos domésticos? (...) filtrar, peneirar, escolher, debulhar. (...) Além deles, cardar, desembaraçar, entrelaçar, e mil outros (...) É à separação que se referem todas estas palavras. (...) Assim, deduzo que há uma arte incluída em todos eles (...) A arte de separar.”

Essa forma geral é então dividida em partes, preferencialmente duas. A

instrução de proceder por “juntas naturais” pode dar a entender que exista apenas

uma maneira de dividir tal forma, mas os exemplos arrolados dão testemunho de

algo diverso. Se no Sofista as artes são divididas em duas, e depois surge um

terceiro subtipo, no início do Político o Estrangeiro propõe que comecem, como

anteriormente, dividindo o conhecimento, mas não do mesmo modo (258b). Aqui,

o conhecimento é dividido entre “prático” e “teórico”. A maneira como se recorta

uma forma é escolhida pela espécie a ser definida, e as juntas da realidade

parecem mais complexas do que as de um simples animal.

As divisões devem proceder separando o menor número possível de partes,

segundo a regra de economia estabelecida acima. Elas podem também ser feitas

com base em critérios privativos, como se vê por vários exemplos apresentados

nos dois diálogos, mas devem sempre respeitar as possibilidades deixadas pela

realidade. As divisões podem mesmo ser muitas, “por membros”, como num rito

sacrificial (Político 287c), o que, ao menos nos exemplos dados, geralmente

ocorre no fim das divisões (tal procedimento aparece na última divisão da arte da

tecelagem e na última divisão do político, que o discerne dos demais tipos que

cuidam dos homens). O método prossegue até que, por fim, se alcance a forma

procurada. A definição poderá ser apresentada como uma série de qualificativos

Page 57: Remo Mannarino Filho O método das divisões: a última ...livros01.livrosgratis.com.br/cp104005.pdf · Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Departamento de Filosofia da PUC-Rio

56

para a forma inicial (arte “da aquisição, da troca, da troca comercial, da

importação, da importação espiritual, que negocia discursos e ensinos relativos à

virtude, eis, em seu segundo aspecto, o que é a sofística”, Sofista 224c-d), ou de

forma mais abreviada (“comerciante, por atacado, das ciências relativas à alma”,

Sofista 231d); a rigor, como veremos a seguir, pouco importa o nome dado à

forma delimitada.

6.4) A diairesis como articulação final de todos os métodos de Platão.

Se o método adotado por um filósofo é sempre um ponto fundamental na

análise da sua obra, na filosofia platônica esse assunto é especialmente decisivo.

Não se pode jamais esquecer que o autor da República fez uma clara opção pelos

diálogos, e não por tratados expositivos, como forma literária e veículo do seu

pensamento. E, se o fez, é porque manifestamente pretendia registrar e exibir os

processos de aquisição do conhecimento, e não simplesmente transmitir

conteúdos doutrinários. Observar cuidadosamente o processo de investigação,

desde o levantamento dos problemas até a proposição e análise das soluções, é

absolutamente imprescindível; abster-se de fazê-lo é desrespeitar frontalmente as

escolhas feitas pelo próprio Platão. Aliás, tão somente a multiplicidade das

doutrinas apresentadas ao longo dos diálogos – a variedade de mitos

escatológicos, as muitas contradições na caracterização da teoria das formas, a

constância com que teses são adotadas e abandonadas – deveria servir como pista

dessa grande obviedade: a de que Platão quer ensinar seu leitor e discípulo a

pensar, e não meter-lhe idéias na cabeça.

É também por essa razão que é especialmente meritória e rica em

possibilidades a proposta de Richard Robinson, apresentada em seu clássico

Plato’s early dialectics (1966), de dividir a obra platônica pelos métodos

utilizados. Dividir a obra, contudo, não é o suficiente; seria preciso empreender

um minucioso trabalho de análise desses métodos e de seus propósitos, e também

da relação que uns têm com os outros. Em seu livro, Robinson chega a realizar

esse trabalho com o método do elenchus e com o método das hipóteses, e

argutamente faz ver que este último é um tipo especial daquele: não é possível

trabalhar com hipóteses sem igualmente trabalhar com refutação e com o

Page 58: Remo Mannarino Filho O método das divisões: a última ...livros01.livrosgratis.com.br/cp104005.pdf · Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Departamento de Filosofia da PUC-Rio

57

constante propósito de testar os limites e as resistências das teses levantadas (p.

177). O próprio título da obra anuncia que o estudo dos métodos platônicos não

irá até os escritos da última fase, e se deterá nos últimos diálogos da maturidade.

Assim, ali nada se diz a respeito da articulação desses dois métodos com a

diairesis.

O propósito desta seção é o de apresentar uma proposta de complementar

esse trabalho, sucintamente mostrando que o método das divisões é como que a

culminação desse processo; ele não substitui o elenchus e as hipóteses, mas antes

os supõe, os articula e os complementa. Ao fim e ao cabo, poderemos concluir

que Platão não desenvolveu três métodos distintos, mas apenas um método

tornado gradualmente mais e mais complexo, método este que passa a envolver

diversos procedimentos intelectuais distintos. Com isso, poderemos chegar mais

perto de um sentido unitário para o termo “dialética”, que, conforme apontou o

próprio Robinson (idem, p. 52), apesar de se revestir de significados diversos ao

longo da obra platônica, parece sempre ser o nome dado a qual fosse o meio

utilizado no momento para chegar às essências imutáveis.

Vimos nas primeiras páginas deste trabalho que o método do elenchus se

associa aos primeiros diálogos platônicos e à pergunta “o que é x?”. O

procedimento refutativo não tem como propósito chegar a uma resposta para a

questão, mas simplesmente o de pôr à prova as crenças do interlocutor, expondo

suas fragilidades, inconsistências e contradições. Ele não é em absoluto um

método de obtenção das definições.

Já o método das hipóteses, característico dos diálogos posteriores à

apresentação da teoria das formas, consiste em levantar e estabelecer

temporariamente como verdadeira determinada afirmação a respeito da estrutura

do real, para fins de investigação e teste de consistência. Ele envolve o elenchus

justamente na medida em que expõe as proposições a constantes tentativas de

refutação e põe à prova, da mesma maneira como acontecia nos primeiros

diálogos, a consistência e a veracidade das proposições. Os dois métodos, em

conjunto, formam a pars destruens e a pars construens de um mesmo processo.

Curiosamente, em nenhum dos diálogos o método das hipóteses é utilizado com

fins de obtenção das definições. Ele se associa à teoria das formas transcendentes,

que aliás é, ela própria, apresentada como uma hipótese (Fédon 100b-101d); é

Page 59: Remo Mannarino Filho O método das divisões: a última ...livros01.livrosgratis.com.br/cp104005.pdf · Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Departamento de Filosofia da PUC-Rio

58

significativo que um novo método surja justamente no momento em que tal teoria

entra em crise.

O método das divisões é apresentado no Fedro como o método dialético por

excelência, aquele que foi responsável pelo êxito da investigação ali empreendida.

A tese aqui apresentada é a de que a diairesis é na verdade a articulação de todos

esses métodos, mas já com o propósito específico de encontrar as definições

buscadas desde os primeiros diálogos. Dessa maneira, ele é uma espécie de

culminação de todo o projeto filosófico socrático-platônico; é o recurso pelo qual

a grande questão tí estin; pode finalmente ser respondida.

Vejamos. O método das divisões é uma maneira de articular proposições

encadeadas, de modo a torná-las mais e mais restritivas. Concatenadas entre si,

elas formam uma série apofântica de afirmações sobre a realidade, que aos poucos

delimitam o objeto estudado. Para chegarmos a uma definição como “o sofista é

um caçador de jovens ricos”, foi preciso encadearmos uma série de proposições

como “a caça é uma arte aquisitiva” e “a arte aquisitiva é uma arte”; afirmar que

“a sofísitica é uma caça” já implica afirmar que “a sofística é uma arte aquisitva”,

e também “uma arte” etc. Cada uma das predicações é uma delimitação no modo

de ser do ente definido; cada uma restringe mais o campo em que se encontra o

definiendum, e cada uma das divisões (isto é, das possibilidades de predicações)

exige que se opte por uma delimitação onde encaixar aquilo que se investiga. E

eis o que é fundamental frisar aqui: cada uma dessas predicações tem caráter

hipotético. Dada uma série de tal forma encadeada de afirmações sobre a

realidade, uma única hipótese derrubada põe em xeque toda a complexa teia de

que resulta a definição.

De fato, é exatamente isso o que se vê acontecer com as definições de

objetos de difícil análise, como os do Sofista e do Político, que só são

estabelecidas depois de diversas tentativas temporariamente postas e

abandonadas17. Depois de cinco predicações que apontavam o sofista como

pertencente à região das “artes aquisitivas”, e de uma sexta que o localizava entre

as “artes separativas”, finalmente a definição final é encontrada entre as “artes

17 Discutiremos a seguir a tese segundo a qual todas as definições do sofista são igualmente válidas por tratar-se na verdade de “caracterizações únicas” (MORAVIKSIC: 1973). Ainda que tal tese fosse verdadeira, e não cremos que seja, isso não parece invalidar a idéia de que elas são apresentadas como uma série de proposições hipotéticas.

Page 60: Remo Mannarino Filho O método das divisões: a última ...livros01.livrosgratis.com.br/cp104005.pdf · Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Departamento de Filosofia da PUC-Rio

59

produtivas”. Todas as sete definições são hipotéticas, e a rigor exponencialmente

hipotéticas, na medida em que envolvem hipóteses sobre hipóteses. Só a sétima

definição passa no teste de ter todas elas simultaneamente verificadas pelo critério

“todo e apenas” – o de abarcar todos os sofistas e apenas eles. E o mesmo poderia

ser observado no caso do Político, já que mais de uma definição é recusada no

curso da investigação até que se encontre a delimitação final, tida como

satisfatória.

Uma vez envolvendo e sintetizando todos os métodos desenvolvidos na

filosofia socrático-platônica, não espanta pois que a diairesis seja a última arte a

receber de Platão o nome de dialética. De fato, se dialetizar é a atividade de

buscar as essências, de encontrar a unidade inteligível na multiplicidade sensível,

de discernir nos entes as suas mesmidades e alteridades, aquilo que os une e o que

os separa, então o método das divisões é a dialética por excelência. Com isso se

chega à articulação de necessidades, possibilidades e impossibilidades (Sofista

235e) que constitui o núcleo ontológico dos entes, núcleo este que pode ser

traduzido sob a forma de um logos que articule uma série de predicações

compactadas.

Page 61: Remo Mannarino Filho O método das divisões: a última ...livros01.livrosgratis.com.br/cp104005.pdf · Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Departamento de Filosofia da PUC-Rio

60

7. ANÁLISE DA DIAIRESIS COMO PROPOSTA ONTOLÓGICA

7.1) Definição essencial ou “caracterização única”?

Um dos pontos mais controversos de toda a obra de Platão é a razão das

diversas definições do sofista dadas no início do diálogo homônimo. A questão é

sumamente relevante e, com razão, da interpretação que se dá a essa passagem

dependerá a maneira como entendemos a última fase do pensamento platônico.

Existem basicamente dois grandes grupos de interpretação. O primeiro deles, cujo

grande representante é Moravcsik, toma todas as sete definições como igualmente

válidas, por não se tratar de definições essenciais, mas sim de “caracterizações

únicas”. Segundo essa leitura, da mesma maneira como a forma do número dois

pode ser igualmente delimitada pelas expressões “antecessor do três na série dos

números naturais” ou “raiz cúbica de oito” ou “o primeiro número primo”, assim

também o sofista poderia ser igualmente caracterizado como “varejista do

conhecimento” ou “caçador de jovens ricos” ou ainda “produtor de imagens”.

Moravcsik admite a existência de uma hierarquia entre essas caracterizações, que

seria a razão do prosseguimento da discussão mesmo depois de encontradas várias

delimitações válidas; mas isso contudo não significa que houvesse uma definição

certa e outras erradas. O termo moderno “definição”, aliás, não seria

apropriadamente empregado nesse caso, diz o intérprete: ele levaria a pressupor a

delimitação de uma essência em sentido forte. Diz Moravcsik (1973, p. 165):

This way of construing the ‘logoi’ leaves it quite open whether an art like sophistry is to be grasped through one division or many. The ‘logos’ is simply a unique characterization; nothing is said about synonymy, equivalence, etc. hence the retuctance of this writer to use the expression ‘definition’ in this context.18

18 Tradução minha: “Essa maneira de construir os ‘logoi’ deixa bastante em aberto se uma arte como a sofística deve ser alcançada por uma divisão ou por muitas. O ‘logos’ é apenas uma caracterização única; nada se diz a respeito de sinonímia, equivalência etc. e daí a relutância deste autor em usar a expressão ‘definição’ nesse contexto.”

Page 62: Remo Mannarino Filho O método das divisões: a última ...livros01.livrosgratis.com.br/cp104005.pdf · Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Departamento de Filosofia da PUC-Rio

61

Outros intérpretes, como Cornford (1960) e Taylor (1961), crêem que não:

as primeiras definições do sofista são tentativas malogradas que não atingem o

propósito de circunscrever a essência do objeto investigado. Elas ajudam a

elucidar a questão na medida em que apresentam aspectos pelos quais os sofistas

são comumente reconhecidos, mas são fundamentalmente tentativas erradas de

definição, hipóteses que devem ser abandonadas.

A controvérsia tem naturalmente conseqüências importantes. Afirmar que as

definições são caracterizações únicas não implica necessariamente dizer que os

entes são desprovidos de uma essência em sentido forte, mas certamente abriria

essa possibilidade. Se se aceita essa tese, o último Platão poderia estar flertando

com uma espécie de nominalismo: os entes poderiam ser compreendidos como

agregados de propriedades ontológicas sem hierarquia ou sem um centro forte e

estruturante, e como tais poderiam ser alvos de diferentes recortes

epistemológicos. A diferença entre o último Platão e aquele dos grandes diálogos

da maturidade seria grande, quase abismal. Se, ao contrário, crê-se na hipótese

contrária, as incompatibilidades entre a teoria das formas clássica e sua versão

tardia são bem mais tênues, e podem ser encaradas como uma mera revisão ou

ajuste interno.

Existem fortes razões, creio, para desconsiderar a hipótese das

caracterizações únicas igualmente válidas. A principal delas é a que se segue. Tal

hipótese supõe que um mesmo conjunto de entes esteja sendo delimitado pelas

diversas definições. Da mesma maneira como é o mesmo “número dois” que se

delimita com as fórmulas “metade de quatro” e “dobro de um”, assim deveriam

ser os mesmos indivíduos abrangidos pelas sete definições do Sofista. Em termos

anacrônicos, poderíamos dizer que as diversas definições deveriam ter intenções

diferentes, porém com a mesma extensão em todos os casos. Ora, o que se vê nas

sucessivas definições do Sofista é que elas estabelecem conjuntos mutuamente

excludentes. A primeira (“caçador de jovens ricos”) e a quinta definições

(“contraditor que ganha dinheiro para se exibir em público”, paráfrase) até podem

ser coadunadas entre si e com as demais; a segunda, a terceira e a quarta,

entretanto, parecem necessariamente se excluir reciprocamente. Um mesmo

indivíduo não pode ao mesmo tempo ser vendedor exclusivo de seus próprios

Page 63: Remo Mannarino Filho O método das divisões: a última ...livros01.livrosgratis.com.br/cp104005.pdf · Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Departamento de Filosofia da PUC-Rio

62

produtos e atravessador de produtos alheios, ou comerciante do varejo e

simultaneamente do atacado. Excludentes entre si, elas não podem ser

indiferentemente válidas. A esse respeito, aliás, é bastante interessante a

proposição de Cornford (1960, pp. 173-177), segundo a qual algumas das

definições iniciais do diálgo tinham como alvo sofistas específicos, ilustres

figuras contemporâneas de Platão; outras poderiam visar a grupos de indivíduos

também facilmente reconhecíveis pelo leitor de sua época. “Caçador de jovens

ricos” seria uma referência a Protágoras; Hípias se enquadraria entre os

comerciantes de sabedoria; a quinta definição, como aliás percebe qualquer leitor

familiarizado com a obra de Platão, parece ser uma referência aos irmãos

Eutidemo e Dionisodoro.

O fato de que as definições não se equivalem, e de que é preciso buscar a

única proposição capaz de expressar a essência do ente investigado, fica também

bastante claro pelo passo 231b-c: “Mas sinto-me hesitante ante a multiplicidade

de seus aspectos: como deverei realmente definir a sofística se quiser dar uma

fórmula verídica e segura?” E mais adiante, em 232a:

Estrangeiro: Não crês, que, quando um homem se nos apresenta dotado de múltiplos misteres, ainda que para designá-lo baste o nome de uma única arte, trata-se apenas de uma aparência, que não é uma aparência verdadeira, e que ela, evidentemente, só se impõe, a propósito de uma dada arte, porque não sabemos nela encontrar o centro em que todos esses misteres vêm unificar-se, ficando nós, dessa forma, obrigados a dar, a quem for assim dotado, vários nomes em lugar de um só?

Há pois, no entender do Estrangeiro, uma essência a ser buscada, a qual,

encontrada e expressa em palavras, unificaria todas as aparências enganosas de

que o sofista se revestiu. Essa essência unificadora, conforme veremos a seguir,

pode não ser uma unidade pura, autônoma e incomposta, tal como concebida

anteriormente, mas certamente existe e merece esse nome. A diferença entre as

definições portanto não é a de uma gradação entre uma caracterização boa e outra

melhor; é a significativa diferença entre uma definição essencial correta e outras

inadequadas. O que se busca nos diálogos da trilogia inacabada é uma definição

essencial, com todo o peso dessa palavra. As seis primeiras definições do sofista

Page 64: Remo Mannarino Filho O método das divisões: a última ...livros01.livrosgratis.com.br/cp104005.pdf · Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Departamento de Filosofia da PUC-Rio

63

são portanto hipóteses abandonadas, e não caracterizações indiferentemente

válidas.

7.2) A symploké ton eidon, a estrutura do real e a relação entre

linguagem e mundo.

Se tomarmos o diálogo Sofista como um todo e analisarmos os assuntos de

que ele trata, veremos que, por trás da aparência de heterogeneidade, existe entre

eles uma íntima relação, e que não é mera contingência o fato de serem todos eles

abordados na mesma obra. Logo no início, diz-se que o propósito da investigação

é o de discutir a natureza da arte sofística; para tanto, utiliza-se o método das

divisões; fala-se da possibilidade da existência de imagens; aborda-se o tema da

symploke ton eidon, isto é, a tessitura das formas imateriais; apresenta-se uma

teoria da predicação e, a partir dela, uma teoria da predicação negativa. O fundo

que une todos esses assuntos é uma complexa visão da estrutura da realidade e da

relação entre essa complexa estrutura e o discurso humano. Todas elas têm

relação, conforme veremos, com o método das divisões.

Platão parece ter três preocupações principais no mencionado diálogo: 1)

falar da estrutura ontológica do real; 2) falar do tecido da linguagem; 3) e,

sobretudo, expor a forma como o tecido da linguagem seria capaz de reproduzir as

articulações existentes no real. A idéia é estabelecer a tese do isomorfismo,

segundo a qual mundo e logos têm um fundo estrutural semelhante, e com isso

superar a tese contrária, adotada pelos sofistas, de que a linguagem seria uma

esfera independente e inteiramente autônoma em relação ao real. Tal tese era

especialmente conveniente para o exercício da sofística, uma vez que "liberaria" a

palavra para o exercício do livre discurso, sem que ele fosse constrangido pela

obrigação de se reportar ao real. Em outros termos, as palavras jamais seriam o

instrumento de uma verdadeira ciência.

Page 65: Remo Mannarino Filho O método das divisões: a última ...livros01.livrosgratis.com.br/cp104005.pdf · Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Departamento de Filosofia da PUC-Rio

64

Essa relação não será porém investigada na mesma clave com que havia

sido abordada no Crátilo, em que o elo fundamental entre discurso e realidade se

daria atomisticamente pela relação entre palavras e coisas. Platão faz questão de

pôr na boca do Estrangeiro reiteradamente a afirmação da irrelevância da relação

entre as noções investigadas e os nomes que lhes são dados. Em 218c, o

Estrangeiro afirma que a distinção nominal é insuficiente para apreender a

verdadeira diferença ontológica entre os entes. Referindo-se ao filósofo e ao

sofista, afirma: "Contudo, é preciso instaurar um acordo quanto à coisa mesma,

através do logos, mais do quanto ao simples nome, separado do logos". No

decorrer do diálogo, por mais de uma vez esbarra-se em uma forma perfeitamente

discernida (e portanto existente) que no entanto não dispõe de nenhum nome

(Sofista 226d); complementarmente, no célebre trecho da divisão da humanidade

entre “gregos” e “bárbaros”, no Político, o Estrangeiro dá ênfase ao fato de que a

existência desses nomes não significa em absoluto a existência de unidades

formais correspondentes. O que fica aí implícito é que o entendimento vulgar

pode reunir sob um único nome uma falsa unidade, puramente arbitrária, sem

respeitar as juntas do real; cabe ao filósofo discernir corretamente as formas

independentemente das noções correntes.

Conforme já vimos, a mera proposição da diairesis como método para obter

definições já traz implícita uma determinada concepção da relação das formas

entre si e, portanto, uma nova visão da própria estrutura da realidade. Dividir o

mundo das idéias e estabelecer entre elas uma teia de relações implica afirmar que

elas não são puras unidades estanques, que não são mônadas isoladas umas das

outras. A relação das idéias entre si é o que vai permitir que, na linguagem,

estabeleçamos relações entre conceitos; é o fundamento das predicações e

portanto de todo o conhecimento. A combinação de conceitos não seria senão uma

imagem da combinação entre as formas, e é exatamente isso o que permite o

surgimento da primeira teoria da predicação da história do pensamento ocidental.

Na estrutura diairética da realidade, as formas serão discernidas como uma

articulação de necessidades, possibilidades e impossibilidades ontológicas (Sofista

253d-e), isto é, de combinações com outra formas. É dessa forma que a limitação

do ente é reproduzida pelo discurso humano: a pergunta “o que é x?” deve então

ser respondida com uma série compacta de predicações encadeadas; cada uma

dessas predicações delimita ontologicamente o lugar do ente em questão,

Page 66: Remo Mannarino Filho O método das divisões: a última ...livros01.livrosgratis.com.br/cp104005.pdf · Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Departamento de Filosofia da PUC-Rio

65

estabelecendo uma esfera de possíveis relações. Podemos ilustrar essa noção com

o exemplo da caça, uma forma intermediária na primeira divisão apresentada no

Sofista: ela é necessariamente uma arte, pois é uma subdivisão de uma subdivisão

dela; é possivelmente uma pesca, que é uma das suas próprias subdivisões; e é

necessariamente uma arte não-produtiva, pois se enquadra na subdivisão “arte

aquisitiva”, que exclui in limine todas as artes produtivas. Assim, uma única

forma é ontologicamente delimitada nessa teia por uma série de outras formas, e

só pode ser compreendida em relação a todas elas.

O método das divisões vai permitir que aos poucos se circunscrevam as

fronteiras ontológicas do ente, numa operação que permitirá ao discurso e ao

pensamento alcançar. O ser limitado dos entes pertencentes à mesma espécie

encontra perfeita correspondência na forma verbal conhecida como predicação –

ou melhor, na série de predicações que estabelecem as definições, que nada mais

são do que a expressão de essências determinadas. Ao estabelecer essas fronteiras,

a diairesis reserva ao ente a pequena porção de ser que lhe cabe e a imensamente

maior porção de não-ser que o delimita. Daí que a discussão a respeito da

proposição negativa ganhe tamanho relevo na discussão do Sofista: as divisões só

serão possíveis se o logos for capaz de integrar o elemento negativo a si – trazer o

não-ser à fala, integrá-lo a um discurso. A única maneira de prosseguir seria violar

a interdição parmenídica e seguir a vereda que investiga a maneira misteriosa com

que ser e não-ser entrelaçam-se nos entes (é nesse ponto da investigação que surge

o célebre termo symploke, em 240c). Há aqui uma busca em dois sentidos: a

singularidade e a identidade do ente (aquilo que ele de fato é) e aquilo que o

delimita, que o encerra e que, por outro lado, o torna apreensível (aquilo que ele

não é). Trata-se pois de um processo de divisão e de reunião (265d-266d). E o

propósito da dialética é o de, na qualidade de “ciência do ser”, abarcar o campo de

possibilidades no qual se mostram as conjugações e separações estruturais.

Para esclarecer essa passagem, recuemos um pouco no processo que conduz

o diálogo. O sofista é acusado de produzir “imagens com as palavras” (236c); o

próprio Estrangeiro levanta a contra-tese apelando para Parmênides: não existem

imagens; cada coisa é o que é (237a). Como não é possível dizer o não-ser (237e),

todo discurso diz o ser, o que é o mesmo que dizer: todo discurso é verdadeiro.

Seria preciso observá-lo como pura positividade, sem nada nele projetar. Tal

proposta poria em xeque rigorosamente toda a ontologia platônica, uma vez que,

Page 67: Remo Mannarino Filho O método das divisões: a última ...livros01.livrosgratis.com.br/cp104005.pdf · Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Departamento de Filosofia da PUC-Rio

66

nela, não só a linguagem é imagem do mundo, mas o próprio mundo seria uma

imagem das formas, estas a verdadeira realidade. Para salvaguardar a

possibilidade de existência de discursos e opiniões falsas, e a rigor a possibilidade

do próprio discurso referencial, seria preciso cometer o parricídio e questionar a

interdição parmenídica (241d-242a).

A partir daí o Estrangeiro propõe toda uma ontologia que prova ser possível

dizer o falso. Ele apresenta então o “não-ser como outro” (256b): os entes são e

infinitamente não são (256e), porque, para serem algo, elas têm de não ser uma

infinidade de outros algos. É o avesso do tecido: o “não ser todo o resto” é parte

estruturante do “ser algo”; é o que estabelece os seus limites ontológicos. Platão

aqui discorda de Parmênides quanto a isso: o não ser ajuda a delimitar o ser. Com

isso, ele afirma a possibilidade do discurso negativo verdadeiro: “isto não é y” faz

parte, negativamente, da verdade do ente “x”. E, conforme diz Iglésias (1997),

fica assim provada a possibilidade do falso: o negativo integra a positividade do

ente; cada outro-do-ente é uma parte, ainda que infinitesimal, da definição

negativa do ente. E o discurso falso seria aquele que reproduz uma imbricação

inexistente, que perverte a relação positivo/negativo, ou que inverte essa relação

predicativa entre ser e não ser algo. Para os eleatas, isso seria a projeção de uma

ausência; para Platão, é a delimitação ontológica do ente. Partindo de uma

premissa anti-intuitiva (sob certo aspecto, o não-ser é), Platão logra salvar os

fenômenos e a possibilidade do discurso.

Como se vê, a simples proposição do método das divisões pôs a necessidade

de uma série de considerações de imenso alcance lógico e ontológico. O ser por

ele implicado é um ser plural, com uma infinidade de modos de ser entrelaçados

entre si, e o discurso humano é tido como algo que pode ou não reproduzir em sua

esfera esses entrelaçamentos. Tais considerações obrigam Platão a encontrar uma

forma de ultrapassar o beco-sem-saída eleático no que concerne à realidade, a

linguagem e a relação entre ambos. Essa é a lição principal do Sofista e a grande

conseqüência necessária da proposição do método das divisões e da symploke ton

eidon: a inscrição do negativo e da alteridade na tessitura do real, não como mero

artifício da linguagem, mas como elemento estruturante do mundo.

Page 68: Remo Mannarino Filho O método das divisões: a última ...livros01.livrosgratis.com.br/cp104005.pdf · Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Departamento de Filosofia da PUC-Rio

67

A diairesis implica um mundo das formas que é como que um entrelaçado

entre várias outras formas; se o inteligível imaterial é uma teia, então a unidade

significacional também o é. A proposição é uma nova unidade, e só ela pode ser

verdadeira ou falsa, nunca um nome arbitrário isoladamente considerado. Onoma

e rhema formam uma symploke, um tecido, uma imbricação. O primeiro

identifica, o segundo descreve, atribui ou predica. Daí que a questão da

diversidade lingüística se torne irrelevante: pouco importa o nome associado à

coisa; importa antes saber se esses nomes, convencionais ou não, estabelecem

entre si uma relação efetivamente existente da realidade.

Esse é o fundamento da relação entre linguagem e ontologia em que se

sustenta a última dialética platônica: há uma forma semelhante entre essas duas

esferas, e as imbricações da realidade se reproduzem nas imbricações da fala. Eis

aí a famosa noção de isomorfismo, tão fundamental na sua filosofia: a linguagem

é uma imagem do mundo e o mundo é um modelo para a linguagem. Ambos,

linguagem e mundo da experiência, estão delimitados pelas mesmas fronteiras da

tessitura das formas; ambas as esferas teriam fundo estrutural semelhante e seriam

imagens refletidas das eide eternas, apenas rebatidas em “superfícies” diferentes19.

Haveria assim uma estrutura lógica – isto é, discursiva – na própria realidade

sensível. Para a pretensão da filosofia platônica, e a rigor da ciência em geral, o

discurso tem de ser uma imagem, um ente cuja essência é ser referente,

reprodução; e o mesmo poderia ser dito do próprio mundo da experiência.

Encontrar um lugar ontológico para as imagens é, por conseqüência, encontrar um

lugar ontológico para a própria realidade sensível, integrá-la no campo do

cognoscível.

19 Vê-se que não são gratuitas as comparações entre a gramática e a maneira como as formas se organizam (Sofista 252e-253c).

Page 69: Remo Mannarino Filho O método das divisões: a última ...livros01.livrosgratis.com.br/cp104005.pdf · Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Departamento de Filosofia da PUC-Rio

68

No diálogo Timeu, essa idéia ganhará o primeiro plano, e o mundo criado

será descrito como o produto de uma inteligência, da Inteligência por excelência,

e assim permeado de racionalidade. O real é conceitualmente estruturado, e

portanto é não só acessível à inteligência humana como, a rigor, foi feito para ela.

E, sendo um elo entre duas inteligências, o mundo criado se assemelha

maximamente, ele próprio, a uma linguagem20.

20 Ver a respeito BRISSON: 2003, capítulo “O discurso como universo e o universo como discurso”.

Page 70: Remo Mannarino Filho O método das divisões: a última ...livros01.livrosgratis.com.br/cp104005.pdf · Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Departamento de Filosofia da PUC-Rio

69

8. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Platão dedicou grande parte de sua obra e de seus esforços filosóficos a

encontrar uma resposta para a pergunta “o que é x?”. A mera apresentação dessa

pergunta, já em seus primeiros escritos, constitui por si própria um mérito

filosófico inestimável a ser creditado ao empreendimento socrátco-platônico, e

também um imenso passo para o estabelecimento da filosofia e da ciência

ocidentais.

Ao longo dos diálogos, essa questão foi abordada de maneiras diferentes e a

partir de ângulos diversos. Entre os primeiros escritos, parece imperar uma certa

vagueza em torno da pergunta fundamental, tanto em relação ao método de se

obter uma resposta satisfatória quanto em relação ao próprio objeto investigado.

Tal vagueza não deve ser causa de espanto: a pergunta tí estin, inteiramente nova,

punha uma questão ainda inaudita na história do pensamento humano, e a reação

dos interlocutores dos primeiros diálogos dá testemunho do caráter

vertiginosamente inesperado da questão.

Nas obras que se seguem às chamadas “socráticas”, Platão volta sua atenção

para a discussão da existência ou não daquilo que procurava nos entes: um núcleo

ontológico imutável e imaterial. Essa noção é apresentada sob a forma de uma

hipótese, uma possibilidade de explicação para o real e de fundamentação para o

conhecimento. O filósofo passa então a discursar sobre o modo de ser das eide,

sobre a sua relação com o mundo, com a polis e com aqueles que se propõem a

encontrá-las. Deixa de se perguntar a respeito das essências e passa a elaborar

uma “essenciologia”. Curiosamente, há ainda uma grande ausência: um método

claro e distinto com o qual o amigo das formas possa encontrar a unidade

inteligível que faz com que os entes sejam o que são.

É só na última fase de seu pensamento, e sintomaticamente depois que o

próprio Platão registrou e assimilou muitas das críticas que se faziam à primeira

versão da teoria das formas, que o filósofo apresenta a nova proposta dialética que

caracterizaria seus escritos tardios: o método das divisões. A diairesis é, ao

mesmo tempo, um método de encontrar definições e uma sutil e complexa

proposta de descrição da realidade. Sua utilização tem alcance a um só tempo

Page 71: Remo Mannarino Filho O método das divisões: a última ...livros01.livrosgratis.com.br/cp104005.pdf · Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Departamento de Filosofia da PUC-Rio

70

lógico, ontológico e epistemológico, na medida em que: 1) supõe uma

determinada estruturação do real; 2) permite forjar discursos que pretendem

descrever acuradamente tal estrutura; e 3) tem o propósito de levar o

entendimento humano a compreender tudo o que um determinado ente é. Assim, o

método das divisões é simultaneamente a satisfação de uma carência

metodológica há muito existente e uma revisão de alguns dos mais fundamentais

pontos da cosmovisão dos diálogos da maturidade.

Através de um inventário teórico espalhado por diversos textos, vimos quais

são os procedimentos envolvidos na diairesis: de um lado, a maneira como Platão

pretende encontrar unidade na multiplicidade caótica das noções comuns; de

outro, como propõe dividir essa unidade em suas “juntas naturais”. Conforme foi

analisado, alguns dos principais procedimentos são apresentados de modo não

inteiramente claro, e é preciso recorrer aos muitos exemplos para compreender o

verdadeiro intuito do filósofo. Algumas das regras mais comumente associadas ao

método – as divisões dicotômicas e a interdição das classificações negativas – não

são em momento nenhum explicitamente estabelecidas, e são ambas

desobedecidas pelo Estrangeiro, que nos escritos faz as vezes de mestre do

método.

Também apresentamos uma hipótese que pretende explicar por que, na

última fase da sua obra, Platão considera o método das divisões como a dialética

por excelência: ele não é apenas um método entre outros, mas uma forma de

concatenar todos os métodos até então desenvolvidos pela filosofia socrático-

platônica. Ele envolve e articula tanto a refutação metódica do elenchus quanto o

exame de proposições provisórias das hipóteses, simplesmente pelo expediente de

encadear uma série de proposições que, uma a uma, delimitam o “lugar

ontológico” do ente investigado. Se “dialética” é o nome dado por Platão a

qualquer que seja o procedimento usado para encontrar e expressar as essências,

então o método das divisões é de fato a grande proposta dialética apresentada na

obra platônica.

Page 72: Remo Mannarino Filho O método das divisões: a última ...livros01.livrosgratis.com.br/cp104005.pdf · Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Departamento de Filosofia da PUC-Rio

71

Por fim, vimos qual a metafísica implicada pelo método das divisões. As

unidades inteligíveis não são puras mônadas incompostas, mas imbricadas

tessituras ontológicas que comportam complexas relações entre si. São unidades

múltiplas ou multiplicidades unas, se quisermos assim nos expressar. E é

exatamente isso o que permite à linguagem humana circunscrever a essência dos

entes: as predicações, que são relações entre conceitos, reproduzem as relações de

mútuo pertencimento das formas entre si. Cada predicação é um corte delimitador

no modo de ser das coisas, na medida em que afirmar que um dado ente é algo é

também, simultaneamente, afirmar que ele não é uma infinidade de outros algos;

o que cada divisão faz é interditar pelo menos metade da “região ontológica” em

questão; as divisões portanto mais excluem do que incluem; mais estabelecem

não-ser do que ser.

E será justamente esse o fundamento último da relação estabelecida por

Platão entre linguagem e realidade: o ser limitado dos entes pertencentes a uma

mesma espécie encontra perfeita correspondência na forma verbal conhecida

como predicação; ou, melhor dizendo, na série encadeada de predicações que

delimitam uma definição (que não é senão a expressão lingüística de uma essência

particular). A série encadeada de predicações que vai resultar na definição de um

ente será um longo processo de exclusões e delimitações que terminará por

estabelecer a pequena porção de ser que cabe ao ente. Daí que, para o bom

funcionamento das divisões, seja fundamental o estabelecimento de uma

consistente teoria da predicação negativa, ou do discurso sobre o não-ser, que, no

diálogo Sofista, ocupará parte substancial da discussão.

Uma noção especialmente importante no último Platão se assentará nessa

visão da linguagem e da realidade estabelecida nos diálogos das divisões. Porque

é nessa concepção da relação entre logos e mundo que se assenta a tese

isomórfica: eles têm um fundo estrutural comum e uma forma semelhante, que

permite que ambos corram paralelamente. A fala humana reproduz aspectos do

real e portanto é capaz de produzir e comunicar saber. Existe, por fim, algo ainda

mais forte nessa concepção: dizer que a linguagem é semelhante à realidade é

também dizer, sob outro aspecto, que o real é semelhante à linguagem. O mundo

da experiência é inteligível porque é produto de uma inteligência, coisa que ficará

especialmente evidenciada no mito do Timeu. Oriundo de uma inteligência (a

divina), e dirigida a outra inteligência (a humana), a realidade constituiria então

Page 73: Remo Mannarino Filho O método das divisões: a última ...livros01.livrosgratis.com.br/cp104005.pdf · Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Departamento de Filosofia da PUC-Rio

72

um elo entre inteligências, que é a definição mesma de linguagem. O mundo

ganha portanto ares de um discurso divino dirigido aos homens; cada ser limitado

é uma série de predicações divinas que nos cabe compreender e traduzir em logos

humano.

Page 74: Remo Mannarino Filho O método das divisões: a última ...livros01.livrosgratis.com.br/cp104005.pdf · Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Departamento de Filosofia da PUC-Rio

73

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. TEXTOS DE PLATÃO

PLATÃO. Complete works. 12v. The Loeb Classical Library. Cambridge:

Harvard University Press; Londres: William Heinemann Ltd.

_______. Oeuvres complètes. 14v. Collection des Universités de France. Paris:

Lês Belles Lettres, 1920-1964.

_______. Oeuvres complètes. Traduction et notes Leon Robin, avec la

collaboration de M. J. Moreau, 2v., Bibliothéque de la Pléiade. Paris: Gallimard,

1950.

_______. The collected dialogues of Plato: including the letters. Edited by Edith

Hamilton and Huntington Cairns, with introduction, prefatory and notes.

Princeton: Princeton University Press, 1963.

_______. Crátilo. Tradução de Carlos Alberto Nunes. Belém: EDUFPA, 2001.

_______. Eutífron. Tradução de Enrico Corvisieri. São Paulo: Nova Cultural,

2000.

_______. Fédon. Tradução de Jorge Paleikat e João Cruz Costa. São Paulo: Abril

Cultural, 1972.

_______. Fedro. Tradução de Jorge Paleikat. Rio de Janeiro: Livraria do Globo,

1945.

Page 75: Remo Mannarino Filho O método das divisões: a última ...livros01.livrosgratis.com.br/cp104005.pdf · Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Departamento de Filosofia da PUC-Rio

74

_______. Mênon. Tradução, apresentação e notas de Maura Iglésias. Rio de

Janeiro: Editora PUC-Rio e Edições Loyola, 2001.

_______. Parmênides. Tradução, apresentação e notas de Maura Iglesias e

Fernando Rodrigues. Rio de Janeiro: Editora PUC-Rio e Edições Loyola, 2003.

_______. Parmenides. Tradução, introcução e notas de Mary Louise Gill. Hackett

Publishing Company, 1996.

_______. Político. Tradução de Jorge Paleikat e João Cruz Costa. São Paulo:

Abril Cultural, 1972.

_______. República. Tradução e notas de Maria Helena da Rocha Pereira. Lisboa:

Fundação Calouste Gulbenkian, 1949.

_______. Sofista. Tradução de Jorge Paleikat e João Cruz Costa. São Paulo: Abril

Cultural, 1972.

_______. The sophist & The Statesman. Tradução e introdução de CharlesTaylor.

Londres: Thomas Nelson and Sons, 1961.

_______. Timeu. Tradução de Maria José Figueiredo. Lisboa: Instituto Piaget,

2004.

2. DICIONÁRIOS

BAILLY, A. Dictionnaire Grec-Français. Édition revue par L. Séchan et P.

Chantraine. Paris: Hachette, 1957.

LIDDELL, H. G. & SCOTT, R. Greek-English Lexicon – With a revised

supplement. Oxford: Clarendon Press, 1996.

Page 76: Remo Mannarino Filho O método das divisões: a última ...livros01.livrosgratis.com.br/cp104005.pdf · Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Departamento de Filosofia da PUC-Rio

75

3. ESTUDOS E ARTIGOS

ACKRILL, J. L. “In defence of platonic division”, in Essays on Plato and

Aristotle. Oxford: Oxford University Press, 1970.

ANNAS, Julia (ed.). Oxford Studies in Ancient Philosophy – Vol VIII. Oxford:

Clarendon Press, 1990.

ARÊAS, James Bastos. A instauração ontológica no ‘Sofista’ de Platão. Tese de

doutorado. Departamento de Filosofia. Pontifícia Universidade Católica do Rio de

Janeiro. Rio de Janeiro, 1999.

ARISTÓTELES. Complete works. Edited by Jonathan Barnes. Princeton:

Princeton University Press, 1998.

____________. Metafísica. Tradução trilingue Valentim García Yebra. Madrid:

Gredos, 1990.

____________. Metafísica. Ensaio introdutório, texto grego com tradução e

comentário de Giovanni REale. Tradução Marcelo Perine, 3v.. São Paulo: Edições

Loyola, 2001-2002.

____________. Órganon. Tradução, textos adcionais e notas de Edson Bini. São

Paulo: EDIPRO, 2005.

AUBENQUE, Pierre (org.). Etudes sur le Sophiste de Platon. Paris: Bibliopolis,

1991.

BARNES, J. (org.). The Cambridge Companion to Aristotle. Cambridge:

Cambridge University Press, 1995.

BENSON, Hugh H. “The priority of definition and the socratic elenchus”, in

Oxford studies in ancient philosophy, v. VIII, 1990, 19-65.

Page 77: Remo Mannarino Filho O método das divisões: a última ...livros01.livrosgratis.com.br/cp104005.pdf · Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Departamento de Filosofia da PUC-Rio

76

BEVERSLUIS, J. “Socratic Definition”, in American Philosophical Quarterly,

1974, 331-6.

BRISSON, Luc. Leituras de Platão. Trad. Sonia Maria Maciel. Porto Alegre:

EDIPUCRS, 2003.

CAMPBELL, L. The Sophistes and Politicus of Plato. Oxford: Claredon Press,

1867.

CHERNISS, H. F. “A economia filosófica da teoria das idéias”. Trad. Irley

Fernandes Franco, in: O que nos faz pensar, n° 07. Rio de Janeiro: PUC-Rio,

janeiro de 1990.

______________. The Riddle of the Early Academy. Berkeley & Los Angeles:

University of California Press, 1946.

COHEN. S. M. “Plato’s method of division”, in Patterns in Plato’s Thought.

Boston: D. Reidel Publishing Company, 1973.

CORNFORD, F. M. Plato’s theory of knowledge. Londres: Routledge & Kegan

Paul, 1960.

CROMBIE, I. M. An examination of Plato’s doctrines, 2v. New York: Routledge

& Kegan Paul, 1979.

DELEUZE, Gilles. Diferença e repetição. Trad. Luiz Orlandi e Roberto Machado.

Rio

de Janeiro: Graal, 1988.

FALCON, A. “Aristotle, Speusippus, and the method of division”, in Classical

Quarterly 50.2. Londres: 2000.

Page 78: Remo Mannarino Filho O método das divisões: a última ...livros01.livrosgratis.com.br/cp104005.pdf · Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Departamento de Filosofia da PUC-Rio

77

GILL, M. L. “Division and definition in Plato’s Sophist and Statesman”, in D.

Charles (ed.), Definition in Greek Philosophy. Oxford: Clarendon Press, 2008.

_________. “Method and Metaphysics in Plato’s Sophist and Statesman”, in

Stanford Encyclopedia of Philosophy, 2008.

_________. “The divine method in Plato’s Philebus”, não publicado.

_________. “Method and Metaphysics in Plato’s Sophist and Statesman”, in The

Stanford Encyclopedia of Philosophy, 2005.

_________. “Plato on Being a Not-Being: The Text of Parmenides 162A-B”, in

Noctes Atticae. Copenhagen: Museum Tusculanum Press, 2002.

_________. “Plato's Phaedrus and the Method of Hippocrates”, in The Modern

Schoolman 80 (2003).

_________. “Problems for Forms”, in A Companion to Plato. Oxford/Boston:

Blackwell, 2006.

GILL, Cristopher & McCABE, M. M (eds.). Form and argument in late Plato.

Oxford: Clarendon Press, 1996.

GORSKY, D. P. Definition – logico-methodological problems. Moscow: Progress

Publishers, 1974.

GOSLING, J. C. B. Platô: Philebus. Oxford: Clarendon Press, 1975.

GRIMM, Laura. Definition in Plato’s Meno. An inquiry in the light of logic and

semantics into the kind of definition intended by Socrates when he asks “what is

virtue?”. Oslo: Oslo University Press, 1962.

GUTHRIE, W. C. K. Socrates. Cambridge: Cambridge University Press, 1971.

Page 79: Remo Mannarino Filho O método das divisões: a última ...livros01.livrosgratis.com.br/cp104005.pdf · Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Departamento de Filosofia da PUC-Rio

78

HANKINSON, R. J. “Philosophy of science”, in The Cambridge Companion to

Aristotle. Cambridge: Cambridge University Press, 1995.

HEIDEGGER, Martin. Plato’s Sophist. Tradução de Richard Rojcewicz e André

Schuwer. Bloomington: Indiana University Press, 1997.

IGLÉSIAS, Maura. “A relação entre o não ser como negativo e o não ser como

falso no ‘Sofista’ de Platão”, in: O que nos faz pensar, nº 11, Vol. II, abril de

1997, pp. 5-44.

______________. “A relação necessária entre a primeira parte e a parte central do

Sofista de Platão”, in Boletim do Centro de Pensamento Antigo, v.15. Campinas:

Unicamp, 2003.

______________. “Conhecimento, linguagem e pensamento em Platão”, in

Idéias, v. ano XI, n. 2. Campinas: Unicamp, 2005.

JACKSON, Henry. "Plato's Later Theory of Ideas. I. The Philebus and Aristotle's

Metaphysics I, 6”, in The Journal of Philology, X, 1882.

_______________. “Plato's Later Theory of Ideas. III. The Timaeus”, in The

Journal of Philology, XIII, 1885.

_______________. “Plato's Later Theory of Ideas. V. The Sophist”. The Journal

of Philology, XIV, 1885.

KAHN, Charles. Plato and the Socratic Dialogue: The philosophical use of a

literary form. Cambridge: Cambridge University Press, 1996.

KRAUT, R. (org.). The Cambridge Companion to Plato. Cambridge: Cambridge

University Press, 1992.

MARCONDES, Danilo. “A concepção de linguagem no ‘Crátilo’ de Platão”, in

Leopoldianum, Vol. XIII, n° 36, 1986.

Page 80: Remo Mannarino Filho O método das divisões: a última ...livros01.livrosgratis.com.br/cp104005.pdf · Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Departamento de Filosofia da PUC-Rio

79

MARITAIN, Jacques. A ordem dos conceitos. Lógica menor. Rio de Janeiro:

Agir, 2001.

McCABE, M. M. Plato’s Individuals. Princeton: Princeton University Press,

1999.

MORAVCSIK, J. M. E. “Plato’s method of division”, in Patterns in Plato’s

Thought. Boston: D. Reidel Publishing Company, 1973.

NOTOMI, N. The unity of Plato’s Sophist. Cambridge: Cambridge University

Press, 1999.

OWEN, G. E. L. “The place of the Timaeus in Plato’s dialogues”, in The

Classical Quarterly, New Series, Vol. 3, No. 1/2, pp. 79-95. Cambridge:

Cambridge University Press, 1953.

PRIOR, William. Unity and development in Plato’s metaphysics, London: Croom

Helm, 1985.

ROBINSON, R. Definition. Oxford: Clarendon Press, 1950.

____________. Plato’s early dialectic. Oxford: Clarendon Press, 1966.

ROSEN, Stanley. Plato’s Sophist. The drama of original and image. New Haven:

Yale University Press, 1983.

RYLE, G. “Plato’s Parmênides”, in Studies in Plato’s Metaphysics, R. E. Allen

(ed.). London: Routledge & Kegan Paul, 1965.

SALLIS, John. Being and logos. Reading the platonic dialogues. Bloomington:

Indiana University Press, 1996.

Page 81: Remo Mannarino Filho O método das divisões: a última ...livros01.livrosgratis.com.br/cp104005.pdf · Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Departamento de Filosofia da PUC-Rio

80

SANTAS, Gerasimos. “The Socratic fallacy”, in Journal of the History of

Philosophy, 1972, 124-41.

SHOREY, Paul. The unity of Plato’s tought. Chicago: University of Chicago

Press, 1960.

TARÁN, L. Speusipus of Athens. A critical study with a collection of the related

texts and commentary. Leiden, 1981.

VLASTOS, G. (ed.). The philosophy of Socrates. A collection of critical essays. Notre Dame: University of Notre Dame Press, 1980.

Page 82: Remo Mannarino Filho O método das divisões: a última ...livros01.livrosgratis.com.br/cp104005.pdf · Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Departamento de Filosofia da PUC-Rio

Livros Grátis( http://www.livrosgratis.com.br )

Milhares de Livros para Download: Baixar livros de AdministraçãoBaixar livros de AgronomiaBaixar livros de ArquiteturaBaixar livros de ArtesBaixar livros de AstronomiaBaixar livros de Biologia GeralBaixar livros de Ciência da ComputaçãoBaixar livros de Ciência da InformaçãoBaixar livros de Ciência PolíticaBaixar livros de Ciências da SaúdeBaixar livros de ComunicaçãoBaixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNEBaixar livros de Defesa civilBaixar livros de DireitoBaixar livros de Direitos humanosBaixar livros de EconomiaBaixar livros de Economia DomésticaBaixar livros de EducaçãoBaixar livros de Educação - TrânsitoBaixar livros de Educação FísicaBaixar livros de Engenharia AeroespacialBaixar livros de FarmáciaBaixar livros de FilosofiaBaixar livros de FísicaBaixar livros de GeociênciasBaixar livros de GeografiaBaixar livros de HistóriaBaixar livros de Línguas

Page 83: Remo Mannarino Filho O método das divisões: a última ...livros01.livrosgratis.com.br/cp104005.pdf · Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho Departamento de Filosofia da PUC-Rio

Baixar livros de LiteraturaBaixar livros de Literatura de CordelBaixar livros de Literatura InfantilBaixar livros de MatemáticaBaixar livros de MedicinaBaixar livros de Medicina VeterináriaBaixar livros de Meio AmbienteBaixar livros de MeteorologiaBaixar Monografias e TCCBaixar livros MultidisciplinarBaixar livros de MúsicaBaixar livros de PsicologiaBaixar livros de QuímicaBaixar livros de Saúde ColetivaBaixar livros de Serviço SocialBaixar livros de SociologiaBaixar livros de TeologiaBaixar livros de TrabalhoBaixar livros de Turismo