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Raphael Vianna Mannarino Bezerra
Sedimentos de uma história: o passado presente em uma floresta no Rio de Janeiro
Dissertação de Mestrado
Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre pelo Programa de Pós-graduação em Geografia do Centro de Ciências Sociais da PUC-Rio.
Orientador: Prof. Rogério Ribeiro de Oliveira Co-Orientadora: Profa Rita de Cássia Martins
Montezuma
Rio de Janeiro Junho de 2013
Raphael Vianna Mannarino Bezerra
Sedimentos de uma história: o passado presente em uma floresta no Rio de Janeiro
Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre pelo Programa de Pós-graduação em Geografia do Centro de Ciências Sociais da PUC-Rio. Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo assinada.
Prof. Rogério Ribeiro de Oliveira
Orientador Departamento de Geografia – PUC-Rio
Profa. Rita de Cássia Martins Montezuma
Co-Orientadora Departamento de Geografia - UFF
Prof. André de Souza Avelar
Departamento de Geografia – UFRJ
Prof. José Augusto Pádua Departamento de História – IFICS/UFRJ
Profa. Mônica Herz
Vice-Decana de Pós-Graduação do Centro de Ciências Sociais – PUC-Rio
Rio de Janeiro, 03 de junho de 2013
Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem autorização da universidade, do autor e do orientador.
Raphael Vianna Mannarino Bezerra
Graduou-se em Ciências Biológicas pela Universidade Santa Úrsula em 2009. Cursou pós-graduação executiva em meio ambiente pela COPPE/UFRJ em 2013 e participou de projetos de pesquisa em ecossistemas marinhos, lagunares e florestais. Destaca-se como área de interesse atual a realização de pesquisas de história ambiental em ecossistemas florestais.
Ficha Catalográfica
CDD:910
Bezerra, Raphael Vianna Mannarino Sedimentos de um história : o passado presente em uma floresta no Rio de Janeiro / Raphael Vianna Mannarino Bezerra ; orientador: Rogério Ribeiro de Oliveira ; co-orientador: Rita de Cássia Martins Montezuma. – 2013. 125 f. : il. (color.) ; 30 cm Dissertação (mestrado)–Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Geografia, 2013. Inclui bibliografia 1. Geografia – Teses. 2. Floresta Atlântica. 3. História ambiental. 4. Paleoterritórios. 5. Hidrossedimentologia. I. Oliveira, Rogério Ribeiro de. II. Montezuma, Rita de Cássia Martins. III. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Departamento de Geografia. IV. Título.
Aos dois. A gente envelhece quando perde, exceto a lembrança.
Agradecimentos
Agradeço primeiramente ao amigo e orientador Rogério Ribeiro de Oliveira, por ser vento, semente e raiz. Nessa parceria - como em tudo que existe - não há coincidência. À amiga e co-orientadora Rita de Cássia Martins Montezuma, por insistir que este rebelde rio deve lembrar-se sempre de suas nascentes.
Aos amados Dario Mannarino Bezerra e Glória Maria Vianna Bezerra, palavras não são dignas de substituir o beijo de cada noite.
A Rayssa Dias Mouris Lopes, por tolerar, com muito carinho, a inquietude de minha mente.
Aos amigos do Núcleo Interdiscplinar de Estudos da Paisagem (NIPP/PUC-Rio), em especial ao Maxwell Maranhão de Souza, pelas ótimas conversas e caminhadas entre dosséis, serrapilheiras e sedimentos.
Ao pesquisador da sociedade contemporânea Alcyr Cunha, pelos ótimos momentos de reflexão nas bordas do receptáculo de história e estórias do Camorim.
Às caríssimas e incansáveis Márcia Coutinho e Edna do Nascimento, indispensáveis para a conclusão de cada etapa do presente trabalho.
Aos docentes do Departamento de Geografia da PUC-Rio, em especial a Leonardo Name, Augusto Pinheiro, João Rua, Ivaldo Lima e Marcello Mota pelas contribuições durante as disciplinas e conversas sobre os temas abordados no trabalho.
Ao professor e amigo Álvaro Ferreira, por trazer o calor das tardes cariocas para os debates sobre o espaço urbano.
Ao professor André de Souza Avelar pelo papel decisivo na escolha do sítio amostral do presente trabalho e por permitir minha presença nos momentos em que compartilhou com seus alunos da UFRJ sua sabedoria acerca das minúcias da hidrologia florestal.
À amiga Joana Stingel Fraga, que emprestou não somente o banco do carona, mas parte de seu conhecimento que tanto inspirou o presente trabalho.
Ao Dean Berck pelos ótimos momentos de conversas, caminhadas e travessias nas florestas do Maciço da Pedra Branca.
Aos quinze da turma de mestrado em Geografia da PUC-Rio (2011-2013).
Ao Eriomar dos Santos, que emprestou sua força e sabedoria para o desassoreamento do reservatório e início das coletas. Esteja em paz.
Aos membros do Laboratório de História e Ecologia do IFICS/UFRJ, em especial a José Augusto Pádua e Ana Marcela França, pelas contribuições teóricas e conversas inspiradoras diversas sobre a relação entre sociedade e natureza.
Ao Laboratório de Geologia Marinha (Lagemar/UFF), em especial ao Júnior, pelo apoio técnico para a realização dos ensaios granulométricos do presente trabalho.
Ao povo da floresta e a todos aqueles que se sintam impelidos a desvelar os mitos e dogmas que corroem as possibilidades de justiça socioambiental.
Agradeço às agências financiadoras pelos auxílios concedidos. O presente trabalho foi financiado, em seu primeiro estágio, pela bolsa Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior/ projeto Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia - Instituo Geotécnico de Reabilitação do Sistema Encosta-Planicie (CAPES/projeto INCT-REAGEO). O Segundo estágio do presente trabalho, foi financiado pela bolsa Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior/ Programa de Suporte à Pós-Graduação de Instituições de Ensino Superior (CAPES/PROSUP) modalidade 1.
Resumo
Bezerra, Raphael Vianna Mannarino; Oliveira, Rogério Ribeiro de. Sedimentos de uma história: o passado presente em uma floresta no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2013.125p. Dissertação de Mestrado – Departamento de Geografia, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
A floresta do Camorim, localizada no maciço da Pedra Branca, Rio de
Janeiro, é caracterizada pela capacidade de recuperação e importantes funções
ecológicas que influenciam os processos de deposição de sedimentos de origem
continental durante toda a história geomorfológica da região. Os distúrbios
antrópicos pretéritos apresentam um importante papel na organização florestal. O
crescimento urbano se destaca como a principal fonte de pressão antrópica atual
na floresta. A caracterização hidrossedimentológica é fundamental para pensar o
uso e produção do espaço e as precipitações desencadeiam processos erosivos que
permitem a emergência de um passado em movimento. Os resultados demonstram
que o ano de 2012 foi um ano seco, com altura pluviométrica de 911 mm e
ocorrência de oito meses com pluviometria inferior a 100 mm. O primeiro
trimestre de 2013 apresentou características de um ano úmido com tendência de
aumento na ocorrência de eventos chuvosos inseridos nas classes de intensidade
diárias de chuva analisadas. Foi observado um aumento de cerca de 17% de
volume de chuva na área amostral (a 200 m de altitude), em relação à estação
meteorológica do Rio Centro (10 m). No período de setembro de 2012 a março de
2013, o material erodido totalizou 15,92 kg.ha-1 com 90% gerado no primeiro
trimestre de 2013. A ocorrência de maiores quantidades de areia média pode estar
associada com a ocorrência de granitos e gnaisses na região. A paisagem, então,
atua como um importante elemento que permite às diversas maneiras de observá-
la, empiricizar o tempo e revelar uma história.
Palavras-Chave Floresta Atlântica; história ambiental; paleoterritórios;
hidrossedimentologia.
Abstract
Bezerra, Raphael Vianna Mannarino; Oliveira, Rogério Ribeiro de (Advisor). The sediments of a history: the past present in a Rio de Janeiro Forest. Rio de Janeiro, 2013.125p. MSc. Dissertation – Departamento de Geografia, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
The Camorim forest, located in the massif of Pedra Branca, Rio de Janeiro,
is characterized by resilience and important ecological functions that influence the
processes of continental sediment deposition throughout the geomorphological
history of the region. Past anthropic disturbances play an important role in forest
organization. Nowadays the urban growth stands out as the main source of
anthropogenic pressure in the forest. The hydrossedimentological characterization
is essential to think the use and production of space. The activation of erosion
processes by rainfall allows the emergence of a past in movement. The results
show that the year of 2012 was a dry year, with rainfall of 911 mm and with eight
months with rainfall less than 100 mm. The first quarter of 2013 showed
characteristics of a humid year with an upward trend in the occurrence of events
in intensity daily of rainfall analyzed. Was observed an increase of about 17% of
rainfall volume in the sampled area (200 m altitude), in relation to the
meteorological station of the Rio Centro (10 m). In the period from September
2012 to March 2013, the eroded material was 15.92 kg.ha-1 with 90% generated
in the first quarter of 2013. The occurrence of larger quantities of medium sand
may be associated with the occurrence of granite and gneiss in region. The
landscape acts as an important element that allows the several ways to observe it
reveal a history.
Keywords Atlantic Rain Forest; Environmental History; Paleoterritories;
hydrossedimentology
Sumário
Apresentação 11
1. Introdução 12
1.2. O homem e a mata atlântica: Um breve histórico de transformação 15
1.3. O processo de ocupação da baixada de Jacarepaguá 22
1.3.1. A ocupação humana no Camorim 25
1.3.2. Sociedade e natureza na floresta do Camorim 27
1.4. O maciço da Pedra Branca e a baixada de Jacarepaguá: Uma
história geomorfológica 29
1.4.1. Sedimentos de origem continental 32
2.FundamentaçãoTeóricoepistemológica 35
2.1. O simples e o complexo 35
2.2. Complexidade e estabilidade em sistemas naturais 37
2.3. Paleoterritórios e a floresta atual: encontrando um passado presente 42
2.4. O caso de um ecossistema florestal urbano: do simples ao complexo 45
2.5. A paisagem como uma construção social 46
2.6. A emergência das paisagens espetaculares 48
2.7. O metabolismo entre sociedade e natureza 52
2.7.1. O complexo açucareiro, a floresta e a cidade: O Rio de Janeiro nos
séculos XVII e XVIII 53
2.7.2. A cidade do carvão e o carvão da cidade: O metabolismo social na
floresta do Camorim nas décadas de 1930 a 1950 56
3. A dinâmica hidrológica na floresta e na cidade: uma história climática 60
3.1. Hidrologia 60
3.2. Pluviometria no Rio de Janeiro 62
3.3. Funções ecossistêmicas na interface encosta/planície
(floresta/cidade) 67
4. Área de estudo 71
4.1. A estação meteorológica do Rio Centro 74
4.2. Hidrossedimentologia 75
4.3. Procedimentos metodológicos para análise hidrossedimentológica 81
4.3.1. Precipitação direta 81
4.3.2. Taxa de erosão e granulometria 83
4.3.3. Procedimentos Metodológicos de coleta em campo 86
5. Resultados e discussão 88
5.1. Regime pluviométrico no Rio Centro 89
5.1.2. Classes diárias de intensidade da chuva no Rio Centro 91
5.2. Precipitação direta no Caçambe e no Rio Centro 94
5.3. Classes interpluviais da estação meteorológica do Rio Centro 95
5.4. Abastecimento a nível freático, fluxo superficial de saturação e
funções ecossistêmicas na sub-bacia do rio Caçambe 97
5.5. Erosão e granulometria 102
5.5.1. O total erodido 102
5.5.2. Análise granulométrica 106
5.5.3. Observações de campo e influências no processo
hidrosssedimentológico 107
5.5.4. Precipitação e geração de sedimentos 110
6. Considerações finais 116
7. Referências bibliográficas 120
Apresentação
No que consiste a relação entre sociedade e natureza? Existe certa audácia
em levantar esse questionamento nas primeiras linhas do presente trabalho,
notadamente quando o mesmo almeja propor uma reflexão que vem inspirando ao
longo da história paixões, tragédias e fascínios na filosofia, na ética e na cultura.
Estamos nós, seres sociais, incluídos nas “naturezas” que descrevemos? Conforme
descreve Williams (2011), é possível precisar uma história para a associação e
fusão de um nome para qualidade com um nome para as coisas observadas sob o
estigma de natural. As motivações para tais interpretações obedecem a
características notadamente idealísticas, metafísicas e religiosas, exibindo
intrínseca relação com seus respectivos tempos históricos. Este fator justifica, por
exemplo, a busca dos povos ditos primitivos na compreensão da vontade dos
deuses da natureza, encarnados no vento, nas florestas e no mar, que sob a censura
do paganismo, deixou a natureza sob a tutela do Deus único. Destaco como fato
notório para a construção do presente trabalho as modificações oriundas dos
equívocos epistemológicos herdados da modernidade (SANTOS, 1996), que a
partir da cisão entre sujeito e objeto culminou em uma ciência que busca
“apreender o mundo coisificando-o, objetivando-o, homogeneizando-o” (Leff,
2007, p. 192), onde a natureza representada desde antigas tradições como uma
mãe, também se apresenta como uma madrasta, sendo sua fecundidade a
motivação religiosa para uns e a passagem por um mal essencial de suprema
ilusão idealizada por pessimistas como Malthus (LENOBLE, 1969). Herda-se
assim, o sentimento tênue e difuso que habita as mentes humanas quando pensam,
vivem e transformam a natureza, flutuando entre o mistério do milagre
providencial e a dinâmica bruta de suas leis, entre os deuses que nutrem e o deus
que castiga, entre o dom da vida e a hipótese de Oparin, entre o bóson de Higgs e
os anúncios do fim. Assim sendo, objetividade e subjetividade participam
ativamente do diálogo entre naturezas e sociedades, e ofereço-lhes nas linhas que
se seguem a minha contribuição.
12
1 Introdução
Confesso ao leitor, como primeira preocupação, que o presente estudo
escrito propositalmente em primeira pessoa, é uma tentativa do exercício de
inserir o autor que vos fala na qualidade de observante, não isolado do sistema
que estou observando, e consequentemente, interpretando. Coloco nesse primeiro
parágrafo a motivação norteadora da realização dessa dissertação, a partir de uma
interpretação acerca da inseparabilidade entre sociedade e natureza, utilizando
como estudo de caso a floresta urbana presente no Maciço da Pedra Branca no Rio
de Janeiro.
Comecei de fato este projeto quando, em meio a um trabalho de campo no
interior de uma floresta urbana no Maciço da Pedra Branca no Rio de Janeiro, tive
a oportunidade de me deparar com inúmeras heranças de tempos pretéritos tão
evidentes e influentes nos processos ecológicos atuantes na área. Os
remanescentes de Mata Atlântica ali presentes, são percebidos nos dias atuais,
como representantes de uma porção de espaço sacralizado, em uma racionalidade
que frequentemente a isola de seus habitantes e do frenesi urbano metros abaixo
dos sopés do maciço da Pedra Branca. Seria esta racionalidade suficientemente
segura para descrever o que constitui uma floresta urbana? Essas florestas não
estão isentas das urbanidades que as penetram, tampouco de populações que nelas
se estabeleceram durante os diferentes períodos históricos construindo seus
respectivos espaços de reprodução. Conforme descreve Garcia-Montiel (2002) é
frequente a tendência de muitos ecólogos em negligenciar a presença humana nas
florestas contemporâneas, notadamente no que tange ao entendimento de que
diversas florestas permaneceram durante muito tempo isentas de alteração e que
somente agora a atividade humana teria provocado tais alterações observadas.
Entre os estudos que evidenciam a presença humana nas florestas do
Maciço da Pedra Branca no Rio de Janeiro, destacam-se autores como Correa
(1933), Galvão (1957) e Oliveira (2005), que registram nessas florestas uma
13
atmosfera rural com a presença de um modo de vida tradicional no início do
século XX, com estabelecimento da fruticultura, destacando-se a laranja nas
encostas voltadas para o quadrante norte e a banana voltada para o quadrante sul
do Maciço da Pedra Branca. No período de 1940 a 1960, as florestas sofreram um
significativo impacto para exploração da lenha e carvão, que viriam a abastecer o
crescente centro urbano da cidade do Rio de Janeiro. Uma vez abandonadas para
estes fins econômicos, a agricultura de subsistência passou a figurar como a
principal atividade nas florestas do Maciço, sendo praticada por pequenos
proprietários (OLIVEIRA, 2005; GALVÃO 1957; BEZERRA et al, 2010).
A relação entre sociedade e natureza em ambientes de florestas é
evidenciada em distintas práticas de interação, que podem acarretar alterações na
paisagem e nas relações sociais que nestas se desenvolvem. Destacam-se entre os
processos interativos o estabelecimento e evolução da agricultura, da pesca e da
apropriação de recursos para os mais diversos fins, como a exploração de lenha,
carvão, combustíveis fósseis, minérios e recursos hídricos. De fato, com o período
iniciado com a Revolução Industrial no século XVIII, o ritmo das interações
citadas no parágrafo acima foi intensificado, notadamente por avanços
tecnológicos, acarretando em um crescente desequilíbrio entre o tempo econômico
humano e o tempo biológico lançando diversos ecossistemas em um crescente
espiral de degradação em escala planetária1. Em contrapartida, as interações de
populações pretéritas com diversos ecossistemas vêm sendo negligenciadas não
somente no discurso crítico ambiental, como também em estudos de ecologia.
Destaco que, mesmo diante do clamor popular por responsabilidade
ambiental, que ganhou notoriedade no debate europeu e norte-americano na
década de 1970 influenciando fortemente a crítica ambiental brasileira, os relatos
de cuidado ambiental não figuram como um produto exclusivo da sociedade
contemporânea uma vez que a reflexão à cerca da degradação ambiental pela ação
do homem já era observada no país nas últimas décadas do século XVIII e grande
parte do século XIX (PÁDUA, 2002; PÁDUA, 2010).
1 Embora a degradação ambiental já tenha sido descrita em práticas anteriores com limitadas possibilidades técnicas, como a utilização do fogo e domesticação de plantas e animais, a degradação ambiental pós-século XVIII são consideradas mais relevantes no âmbito mundial pelo maior alcance de suas práticas em intervalos temporais cada vez menores.
14
Mesmo estando o discurso ambiental atualmente balizado por fortes
influências objetivas e subjetivas que recaem sobre a ideia de natureza, com a
predominância das noções de refúgio frente ao caos urbano promovido pelo
crescimento das grandes cidades e a preservação de recursos que seria a garantia
de um futuro próspero às gerações vindouras, a “ideia de natureza contém uma
quantidade extraordinária da história humana” (WILLIAMS, 2011, p. 89) e o
ambiente natural brasileiro dos séculos XVIII e XIX não era defendido “com base
em sentimentos de simpatia pelo seu valor intrínseco, seja em sentido estético,
ético ou espiritual, mas sim devido à sua importância para a construção nacional”
(PÁDUA, 2002, p. 13). Embora não obstante as ideias de natureza pretéritas,
destaco as representações da paisagem como importante fator que atua no
imaginário coletivo como um componente digno de investigação, com importante
papel nas incongruências de ordem socioambiental observadas na cidade do Rio
de Janeiro atualmente. Não pretendo discorrer neste primeiro momento a questão
do pensamento ambiental no Brasil ou no mundo, mas é um fato que a sua
emergência tem projetado significativa influência no comportamento científico e
cultural contemporâneo. Negligenciar as críticas ambientais pretéritas e as
informações contidas nas mesmas, assim como os usos que foram destinados aos
ecossistemas no passado, é entendido aqui como um convite à possibilidade de
condenar o presente e o futuro aos equívocos cometidos no passado.
A partir, portanto, dessa breve introdução, pretendo discorrer algumas
possíveis contribuições para serem inseridas no âmbito das questões ambientais,
frequentemente retornando ao estudo de caso das florestas do maciço da Pedra
Branca para evidenciar a intrínseca relação entre as dinâmicas naturais e a
espacialização humana, na pretensão de colaborar para um novo olhar direcionado
a esses ambientes florestais, no presente estudo abordados sob uma perspectiva
geográfica a partir de categorias como espaço, paisagem e território.
Partindo dessa conjuntura, pretendo dar início ao presente estudo com o
histórico da ocupação humana nos ecossistemas de floresta Atlântica no Rio de
Janeiro, para que assim se balizem as hipóteses e métodos a serem adotados nos
demais capítulos do presente trabalho. No capítulo II intitulado “Fundamentação
Teórico Epistemológica”, encontram-se descritos as metodologias analíticas para
que seja possível pensar a complexidade das interações de ordem socioambiental,
sob uma perspectiva histórica de usos do solo na floresta do Camorim, no maciço
15
da Pedra Branca. O terceiro capítulo foi destinado à apresentação da área de
estudo contendo informações sobre as dinâmicas biofísicas que ocorrem na
floresta do Camorim, sua relação com as formas de ocupação humana e
respectivas resultantes ambientais, balizando a análise da dinâmica
hidrossedimentológica que ocorre na sub-bacia do rio Caçambe. No referido
capítulo encontram-se descritas as fundamentações para escolha dos métodos de
análise e instalação dos equipamentos de campo e dos procedimentos de coleta de
dados. No capítulo V estão descritos os resultados e a discussão referentes aos
dados obtidos na análise da dinâmica hidrossedimentológica que ocorre na sub-
bacia do rio Caçambe no período de abril de 2012 a março de 2013.
A distribuição dos tópicos de investigação no presente estudo obedece a
uma lógica de pensamento refletida em uma estratégia metodológica que almeja
inserir o leitor na qualidade de intérprete do meu objeto de investigação. Os
primeiros capítulos do presente estudo foram destinados a uma descrição dos
processos interativos entre sociedade e natureza a partir de relatos históricos que
abordam uma história humana e uma história natural. Os capítulos seguintes
referem-se a minha interpretação do objeto de análise, obedecendo ao
compromisso de um rigor metodológico que vislumbra a aproximação com o real
e, por conseguinte, contribuir na revelação de processos que colaboram para as
ausências de um passado presente, culminando na análise de sedimentos de uma
história.
1.2 O homem e a mata atlântica: Um breve histórico de transformação
Começo esse subcapítulo atentando ao leitor que, mesmo sob um caráter
primordialmente descritivo, evidencia a impossibilidade do rompimento dos elos
entre sociedade e natureza que pretendo desenvolver ao longo do trabalho.
Os seres humanos necessitam usar, transformar e manipular a natureza e
no processo de transformação afetam e são afetados por fenômenos da natureza.
Cada sociedade em seu tempo histórico interfere e é interferida por fenômenos
naturais. Nesse processo humanizam a natureza, conhecem a natureza e tomam
consciência da sua capacidade de auto-organização. A natureza apresenta-se então
como suposto e como condição para a espacialização humana (TOLEDO &
16
MOLINA, 2007). Diante dessa perspectiva, é preciso considerar que a abstração
do homem na interpretação da natureza, obedece a uma historicidade que não
pretendo desenvolver no presente estudo, mas ter a consciência deste processo é
fundamental. Balizo essa importância com uma passagem de Williams (2011,
p.104), que, ao argumentar sobre as ideias de natureza, descreve: Uma parte considerável do que chamamos “paisagem natural” [...] trata-se de um produto do planejamento e do trabalho humano e, ao ser admirado como natural, importa muito se suprimimos dele o trabalho ou se o reconhecemos. Optando pela segunda opção sugerida pelo autor, ofereço a minha
contribuição para revelar um passado presente na floresta do Camorim, no maciço
da Pedra Branca. É importante destacar que qualquer ausência notada pelo leitor
figura na presença de um importante objetivo do presente trabalho, que é
estimular o debate científico na construção de objetos menos segmentados e,
portanto, mais disponíveis ao diálogo. Os exemplos expostos abaixo apresentam
como objetivo demonstrar a importância da presença humana na organização dos
ecossistemas florestais no Rio de Janeiro, de maneira que figure como descrições
que vão de encontro às representações que tendem a conceber as florestas como
porções do espaço isentas de trabalho humano, onde as possíveis alterações
provocadas por sociedades pretéritas estariam restritas ao passado.
Os autores Scheel-Ybert et al. (2013), a partir de análises antracológicas
na região de Morro Grande, Araruama, Rio de Janeiro, indicam fortes evidências
de influência humana em florestas neotropicais. Os fragmentos antracológicos
permitiram identificar os usos dos recursos florestais para finalidades ritualísticas
assim como para atividades do cotidiano de grupos sociais formado por
Tupinambás2. Os autores identificaram a importância do fogo para esses grupos,
tanto para o uso cotidiano como para finalidades ritualísticas, destacando-se a
utilização das cascas de árvores que, embora utilizadas para atividades diárias,
provavelmente apresentava um importante componente simbólico nas práticas
ritualísticas. Os autores sugerem que os grupos Tupiguaranis, que habitaram essa
área por quase 3 milênios interagindo e causando diversos distúrbios, adaptaram o
ambiente às suas crenças, criando uma paisagem que contrasta com a ideia de uma
floresta atlântica prístina. A presença de famílias vegetais características de
2 Segundo os autores Scheel-Ybert et al. (2013), intensas ocupações de Tupiguaranis, provavelmente ancestrais dos Tupinambás, foram registradas no Rio de Janeiro, notadamente em áreas de planície costeira e em regiões mais baixas da Serra do Mar.
17
estágios sucessionais iniciais nas amostras antracológicas sugere a existência
dessa tipologia vegetal nas adjacências da área estudada. Tal fato resulta da
hipótese que os usos conferidos à floresta por esses grupos permitiram a
regeneração da biodiversidade através dos mecanismos de resistência e resiliência
dos ecossistemas afetados. É importante destacar que as amostras dos autores
também indicam a presença de florestas em estágio maduro na área, embora os
usos para as finalidades ritualísticas e cotidianas sejam atribuídos, em maior parte,
às florestas secundárias originadas de práticas de interação pretéritas.
É provável que a caça e a utilização do fogo tenham acarretado
consideráveis transformações nas dinâmicas florestais. Com o declínio das
populações dos grandes animais de caça, é provável que os grupos que praticavam
tais atividades tenham migrado para as regiões das baixadas do continente, com
abundância de ecossistemas estuarinos e manguezais, exigindo pouca energia
despendida na coleta de alimentos. Aqui se destaca um importante fator que pode
evidenciar a ocorrência desses grupos na região adjacente à floresta do Camorim,
notadamente a partir da presença de sambaquis na área da planície de
Jacarepaguá, oriundos do descarte de conchas e fragmentos manipulados por
grupos indígenas e a presença de machados de pedras encontrados na floresta
(Oliveira, 2005).
A substituição das práticas de caça e coleta pela adoção da agricultura
permitiu ao homem um elevado potencial de transformação da paisagem,
notadamente pelo desenvolvimento de processos como a domesticação de
espécies que favoreceu a emergência do sedentarismo. Do ponto de vista
alimentar, a agricultura permitiu, entre outras possibilidades, o aproveitamento de
uma fitomassa impalatável3 para ceder lugar à produção de alimentos. A prática
da agricultura se mostrava muito mais viável e promissora nos solos florestados.
A técnica, segundo Dean (1995, p. 44) consistia em:
Perto do fim da estação seca, a macega de uma faixa de floresta – um hectare mais ou menos – era cortada e deixada secar, e, por meio de machados de pedra, retirava-se um anel da casca dos troncos das árvores maiores. Então pouco antes da chegada das chuvas, a área era queimada, fazendo com que a enorme quantidade de nutrientes na biomassa da floresta caísse sobre a terra na forma de cinzas.
3 O aproveitamento da fitomassa impalatável está referido à utilização do método de transferência de nutrientes contidos na referida biomassa vegetal para o solo, possibilitando o plantio de espécies selecionadas para alimentação.
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O papel das chuvas era fundamental para drenar e permitir a entrada de
nutrientes acumulados em cinzas para fertilização do solo da Mata Atlântica, que
permitia cultivos mais longos, como o exemplo da mandioca, fundamentalmente
cultivada pelos grupos de Tupinambás. Após o abandono da faixa de terra
utilizada para este fim iniciava-se a regeneração desta porção florestal, dinâmica
que veio a caracterizar a prática da agricultura itinerante indígena no Brasil. Os
grupos de Tupiguaranis consistiam no principal grupo com os quais se deparavam
os europeus durante suas primeiras visitas ao longo da costa, tendo considerável
porção de suas práticas itinerantes de agricultura interrompidas pela chegada dos
europeus. A derrubada da floresta para diversos fins ampliou a área de
perturbação, destacando-se o fato de que a utilização do fogo para enfrentar a
infertilidade dos solos na realização de cultivos de subsistência e posteriormente
no estabelecimento de complexos agroeconômicos históricos foi responsável pela
geração de um tipo particular de paisagem florestal dominante no sudeste
brasileiro. É importante destacar que essa prática consistia no método mais
utilizado para o preparo da terra para plantio no país até o final do século XIX4
(OLIVEIRA, 2007; OLIVEIRA, 2008; PÀDUA, 2002).
Com a chegada dos primeiros colonizadores europeus, a exploração do
Pau Brasil (Caesalpina echinata LAM.) ganhou destaque como uma importante
atividade de devastação da mata atlântica no século XVI. Mesmo diante dos
limitados recursos da Coroa portuguesa, que estavam destinados majoritariamente
ao Oriente, Dom Manuel deixou a nova colônia a cargo de comerciantes com a
função de despachar ao menos seis navios por ano para extração do pau-brasil e
demais recursos passíveis de exploração. Durante esse período, estima-se que
cerca de 1200 toneladas/ano de madeira foi explorada para esse fim. Nos anos que
se seguiam, a crescente exploração do pau-brasil pela coroa portuguesa adida às
incursões de contrabandistas de madeira franceses, espanhóis e ingleses podem ter
acarretado na extração de 12 mil toneladas por ano (DEAN, 1995). O corte do
pau-brasil ganha destaque como “o primeiro elemento da natureza brasileira
passível de exploração pelo mercantilismo europeu” (PÁDUA, 2002, p. 82) e cabe
atentar, conforme sugere o autor, que a carga semântica que o nome Brasil 4 É importante destacar que, embora ocorresse de maneira pontual, a rotação dos cultivos e o período de pousio não foram adotados em grande escala para o cultivo de monoculturas nos empreendimentos agroeconômicos no Brasil, caracterizados por serem fixos e posteriormente substituídos por atividades como a pastagem de animais.
19
transmitia estava “associada à busca de ganho fácil, ao uso imediatista das
riquezas do território” (PÁDUA op cit. p. 82) resultando em uma intensa atividade
predatória no território brasileiro.
O verdadeiro valor das florestas brasileiras5 consistia na diversidade de
espécies inteiramente novas para os europeus. Foi em meados de 1650 que a coroa
começou a considerar o potencial das florestas brasileiras às necessidades
marítimas do reino, não devendo esse fato ser desconsiderado como um
importante componente da transformação da paisagem florestal brasileira no
período, notadamente a partir da seletividade para as construções navais, uma vez
que os exemplares de grande porte resultavam em uma unânime sedução aos
olhos dos visitantes das florestas. Sem a madeira, Portugal e outras nações
estariam impossibilitados de exibir seus atributos de uma civilização próspera. A
madeira consistia em um importante combustível para as necessidades do Brasil
colonial, como a produção do açúcar, o rum, a gordura de baleia, couros curtidos,
cal, entre outros. Essas e outras necessidades provavelmente foram suficientes
para a organização de um intenso comércio de madeira ao longo da costa
brasileira (MILLER, 2000).
A destruição das florestas no Brasil teve maciça influência da política
florestal portuguesa, que não provia incentivos para conservação e, por decreto,
estimulava a destruição pelos proprietários de terras de tudo que não pertencia aos
mesmos. Os benefícios das práticas de corte e queima não eram aproveitados, uma
vez que o tempo necessário para recuperação dos solos não era compatível com a
expectativa de retorno imediato dos exploradores. Diante desse cenário de
fragilização ambiental, é importante destacar a contribuição do Rio de Janeiro na
exportação de madeira para Portugal. O Rio de Janeiro exportou 39 % de toda
madeira obtida no território brasileiro no período de 1796 a 1819. Para fins de
comparação, Pernambuco exportou 24,3 % de madeira e a Bahia exportou
somente um pouco mais da metade do quantitativo do Rio de Janeiro, totalizando
em 22,7 %. Os dados indicam que o Rio de Janeiro apresentou um papel
dominante na exportação de madeira durante as duas últimas décadas do período
5 Cabe destacar que embora tenha causado significativas alterações, havia a impossibilidade do abastecimento da imensa demanda Portuguesa de madeira por parte da exploração em território brasileiro. Em contrapartida, no mesmo período, destacava-se a intensa transformação na paisagem social e ambiental em detrimento da exploração de preciosidades como o ouro e a prata, consideradas prioridades pela coroa Portuguesa até o século XIX.
20
colonial, provavelmente estendendo-se até o final do século XVIII (MILLER,
2000).
O vislumbre diante da paisagem de mata atlântica conferido aos olhos dos
colonizadores portugueses “acostumados às limitações ecológicas de sua região
de origem” (PÁDUA, 2002), provavelmente resultou em uma racionalidade que
não via limites para exploração dos recursos presentes no território nacional. O
abandono de áreas já devastadas por uma determinada prática de exploração era
rapidamente compensado pela disponibilidade de áreas para posterior exploração
onde “a imagem de uma terra sempre disponível para o avanço horizontal da
produção minimizava a importância do cuidado ambiental” (PÁDUA, 2002. p,
73).
As implicações ecológicas não se restringiam somente aos animais e
plantas da mata atlântica. As transformações nas relações estabelecidas entre os
indígenas e as terras que estes habitavam sofreram severas mudanças,
notadamente através da exploração do pau-brasil, onde os indígenas,
provavelmente motivados pela aquisição de materiais que facilitariam a sua
subsistência, figuravam como a principal força de trabalho para encontrar,
derrubar e carregar os espécimes de pau-brasil, reconfigurando a maneira que
estas populações se relacionavam com a terra durante os anos que precederam à
chegada dos colonizadores, traficantes de escravos, jesuítas e espécies exóticas
introduzidas. Nesse cenário destaca-se a exposição dos nativos ao contato com
organismos patogênicos chegaram a dizimar 90% dessas populações em um
século, fato que segundo Pádua (2002) reconfigurou a paisagem biofísica e
cultural do país e nas Américas como um todo.
É provável que o decréscimo populacional pelo choque epidemiológico
tenha permitido a regeneração de diversas porções dos ecossistemas florestados,
uma vez que essas populações além de agentes ativos na transformação da
paisagem consistiam na principal força de trabalho utilizada pelos colonizadores
para obtenção dos recursos desejados.
Os residentes urbanos presentes na sede do governo, no Rio de Janeiro, e
os excedentes que deviam ser fornecidos à metrópole, resultavam em uma
demanda de alimentos, que frequentemente era suprida pelo crescente cultivo de
produtos como milho e mandioca. Cabe ressaltar que a prática empregada para a
produção dos produtos agrícolas era adaptada da prática de derrubada e queimada
21
utilizadas pelos habitantes nativos. Com o aumento no número de residente
urbanos na então sede do governo, a demanda por alimentos era crescente fato que
ocasionou em uma expansão das áreas cultivadas. Nesse contexto, destaca-se a
introdução de espécies como porcos, ovelhas, cabras e o gado bovino para
abastecer o suprimento de carne para os emergentes engenhos de açúcar e
habitantes da cidade, o que acarretou em profundas transformações na paisagem
do Rio de Janeiro, e a floresta do Camorim não está isenta deste processo.
Com participação ativa nesse cenário de transformação, ganham destaque
as práticas de intervenção realizadas por populações caiçaras, alterando estrutura,
composição e a funcionalidade da Mata Atlântica através da agricultura de
subsistência. O trabalho de Oliveira (2008) indica que a agricultura caiçara é
típica das populações indígenas que habitaram o litoral dos Estados do Rio de
Janeiro, São Paulo e Paraná, notadamente pela presença da pesca e agricultura de
subsistência. O sistema de plantação baseado no método de corte da floresta -
queima - plantio para posterior pousio em períodos de 4 a 50 anos, foi
fundamental para preservar a fertilidade dos solos pobres característicos da mata
atlântica. Destacam-se nesse contexto a entrada de nutrientes, a inexistência de
processos erosivos graves e a proximidade com espécies nativas atuando como
bancos de sementes que permitiam a regeneração do sistema.
O crescente abandono da agricultura caiçara, como vem ocorrendo na Ilha
Grande no Rio de Janeiro, em detrimento do turismo e da urbanização acarretou
na substituição do período de pousio pelo estado de abandono, fato que sugere a
acentuada queda desta prática de plantio. Neste caso, a ocorrência de vastas áreas
de florestas secundárias na região testemunha a influência dessas populações na
transformação da paisagem local. O sistema derrubada - pousio favoreceu o
aparecimento de uma comunidade vegetal que rapidamente desenvolveu
estruturas capazes de capturar os nutrientes derivados da atmosfera,
posteriormente incorporados ao solo nas cinzas provenientes das queimas. Uma
evidência que atesta para este fato é a rápida decomposição e liberação de
nutrientes contidos na serrapilheira. Cabe ressaltar que o referido sistema foi
utilizado largamente por caiçaras e em tempos pretéritos por Tupinambás e
Guaranis. No caso dos grupos caiçaras, o referido sistema de plantio resultou em
um tipo de paisagem florestal com sustentabilidade ecológica para um longo
período de usos, mínimos danos erosivos e desenvolvimento de mecanismos
22
ativos para captura de nutrientes originando grandes extensões de floresta em
distintos estágios de regeneração. Resulta deste processo a ocorrência de estágios
climáxicos antropogênicos, que atuam como uma importante evidência das
atividades agrícolas praticadas pelas populações caiçaras. (OLIVEIRA, 2008).
É importante destacar que se o período de cultivo fosse muito curto,
provavelmente ocorreria degradação do solo e queda da produção. Esse fato é de
extrema relevância para pensar o rompimento do metabolismo entre sociedade e
natureza, descrito em maiores detalhes no capítulo II do presente estudo. Tal fato
resulta, entre outros fatores, da introdução de outras formas de economia baseadas
na competitividade.
No presente sub-capítulo objetivei demonstrar, em um breve histórico, que
qualquer tentativa de homogeneização e/ou recriações do passado quando se trata
de ecossistemas florestais no Estado do Rio de Janeiro é corroborar para a
ausência de um passado presente. O maior detalhamento das práticas de interação
entre a sociedade a as florestas serão expostas nos capítulos II e III, onde me
proponho a fazer uma verticalização do histórico de ocupação humana em
ecossistemas de floresta atlântica, a partir da análise da Floresta do Camorim, no
Maciço da Pedra Branca.
1.3 O processo de ocupação da baixada de Jacarepaguá
Vislumbrando a aproximação com o estudo de caso da floresta do
Camorim e analisar com maior refino a relação entre sociedade (intencionalidades
humanas) e natureza (dinâmicas naturais) que ocorrem na interface
encosta/planície (floresta/cidade) a partir de uma perspectiva histórica, torna-se
pertinente a descrição do processo de ocupação da planície de Jacarepaguá,
conforme exposto nas linhas que se seguem.
O cultivo da cana de açúcar representou até meados do século XIX a
principal economia da região onde se encontra a baixada de Jacarepaguá. Após a
decadência da referida atividade instalava-se então o período onde figuravam
como principais atividades na área a exploração de carvão e lenha, indústrias
caseiras e pequenas lavouras de subsistência. A partir da terceira década do século
XIX, ganharam destaque a citricultura, praticada com maior sucesso em Campo
23
Grande e Santa Cruz e a banana em Jacarepaguá, que passou a ser a lavoura
dominante na referida região que destinava a sua produção para à cidade do Rio
de Janeiro. As obras para a drenagem e saneamento das baixadas iniciados após
1930, permitiram que a lavoura de hortaliças, destinadas ao abastecimento da
cidade, se instalasse nas baixadas de Jacarepaguá. O loteamento das terras
cultivadas, em virtude da rápida valorização, foi destinado à expansão urbana para
a área, sobretudo pela especulação imobiliária vigente na região, que acarretou em
um decréscimo da produção mesmo sob a frequente prática de contratos de
arrendamento entre lavradores e proprietários, o que forçosamente gerou um
“recuo” das práticas agrícolas para as serras e encostas da região, destacando-se a
banana como o produto com o maior valor comercial seguido pelas lavouras
brancas como chuchu, aipim, batata-doce e milho (GALVÃO, 1963).
Notório foi o fato de a especulação imobiliária ter ditado, não somente as
dinâmicas de ocupação dos cultivadores, como também as tipologias de cultivo,
onde os contratos feitos entre proprietários e lavradores comandavam o ritmo das
produções e o tipo de cultivo. Enquanto os trabalhadores localizados nas serras
apresentavam a relativa tranquilidade que refletia a estabilidade econômica em
virtude da segurança do mercado que abasteciam, nos brejos e áreas pantanosas da
região o mesmo não poderia ser dito. Embora a lenta conquista dos pântanos e
brejos por meio de obras de drenagem, por hora, tenha possibilitado a presença de
pequenos grupos de lavradores, destacando-se os portugueses que compraram os
direitos de posse e benfeitorias da terra de pequenos lavradores brasileiros,
instalando nesses locais a horticultura que viria a abastecer a demanda por esses
produtos nas feiras da cidade. Com o avanço da especulação imobiliária na região,
as terras utilizadas para este fim, foram sendo loteadas e vendidas, demandando
aos lavradores da região uma rápida adaptação dos cultivos frente aos contratos
estabelecidos com os proprietários, onde se destacavam as hortaliças que
ofereciam maior rendimento em menor espaço e tempo (GALVÃO, 1963).
A presença de áreas inundadas, pântanos, brejos e lagoas dificultavam o
processo de ocupação da área da Baixada de Jacarepaguá. O corte das matas nas
encostas, para ceder lugar aos canaviais, acelerou o assoreamento das lagoas e rios
da região, que após a utilização para este fim ficou relativamente abandonada,
permitindo razoável regeneração dos ecossistemas locais. O potencial da área para
fins urbanísticos só voltou a ser dimensionado quando o governo iniciou obras
24
para saneamento da região, retificando rios e drenando as partes alagadas com a
abertura de diversos canais (NEHAB & BARBOSA, 1984) notadamente a partir
da década de 1960, quando se iniciou uma verdadeira “marcha para o oeste” com
a expansão da cidade em direção às encostas e às baixadas da Zona Oeste.
Destacam-se como fatores que possibilitaram o processo de ocupação
urbana na área o fato da região abrigar uma paisagem composta por praias,
lagunas e montanhas que conferiam um atrativo que satisfazia aos interesses de
projetos do ramo imobiliário6; a concentração da propriedade das terras nas mãos
de quatro proprietários o que facilitou e acelerou o processo de ocupação; os
investimentos do governo federal nas décadas de 70 e 80 por meio do Sistema
Financeiro de Habitação (SFH), fato que beneficiou a ação de grandes
incorporadoras imobiliárias na região; e por fim, porém não obstante, os
investimentos públicos em obras de infraestrutura viária, seguindo o Plano Piloto
de Lúcio costa, notadamente nos anos de 1966 a 1982, facilitou o acesso ao bairro
para a atividade imobiliária (LEITÃO, 1995 apud SILVA, 2007).
É observado no Rio de Janeiro um aumento da cidade rumo a zona Oeste,
na área de planejamento 4 (AP-4) 1, notadamente na região administrativa da
Barra da Tijuca (XXIV RA) 2, onde a Barra da Tijuca destaca-se como o bairro
principal, figurando entre os bairros com o maior índice de crescimento da cidade.
Segundo dados do IPP, a população do bairro da Barra da Tijuca cresceu quase o
seu triplo entre os anos de 1980 e 2000. Em uma análise realizada do ano de 1960
até o ano 2000, foi observado que a população da Barra da Tijuca (XXIV RA)
cresceu 38,5 vezes mais que a população do município e 21,41 vezes mais que a
população de Jacarepaguá (XVI RA). Este crescimento é associado ao
aparecimento de áreas residenciais com implantação de grandes condomínios
fechados, onde 85% dos imóveis são residenciais, dos quais 68,5% são
apartamentos. (IPP, 2001c apud SILVA, 2007).
Entre os anos de 1991 e 2000, as áreas regulares cresceram anualmente
1,7% em Jacarepaguá e 6% na Barra da Tijuca, enquanto que o crescimento de
favelas foi de 7,5% em Jacarepaguá e 10% na Barra da Tijuca (IBGE, 2006 apud
SILVA, 2007).
6 O referido processo encontra-se descrito em maiores detalhes no subcapítulo intitulado “a emergência das paisagens espetaculares”.
25
As transformações conferidas às paisagens desta área durante os processos
citados acima, são de extrema relevância nas diretrizes de planejamento urbano
atuais, principalmente quando se contempla a relação de dependência e
susceptibilidade que possui a sociedade diante das dinâmicas naturais e a
negligência perante as funções ecossistêmicas que os ecossistemas inseridos na
paisagem podem comportar, notadamente sob a possível influência de mudanças
climáticas.
1.3.1 A ocupação humana no Camorim
Para o fim de verticalização da análise histórica, o presente sub-capítulo se
destina à descrição da ocupação do que hoje é o bairro do Camorim, área que
abrange e dá nome à floresta que será analisada no presente trabalho.
Segundo Oliveira (2005), evidências da ocupação da região por bando de
caçadores-coletores datam de cerca de 3.000 anos. Na área da baixada de
Jacarepaguá, os sambaquis atuam como importante testemunho do histórico de
ocupação. Esses grupos apresentavam uma economia diversificada com
predomínio da pesca e coleta de moluscos. Nas áreas de encosta, evidências como
machados de pedra sugerem que essas populações subsidiavam seu abastecimento
com a caça nas encostas do maciço da Pedra Branca. Essa cultura perdura até o
contato com o Tupi-guarani em quase todo litoral, sendo lentamente transformada
pelo desenvolvimento das práticas já descritas nos capítulos anteriores.
O processo de colonização iniciado na região que atualmente abrange
Barra da Tijuca e Jacarepaguá foi realizado pela família Correia de Sá, que
embora não tenham sido seus primeiros donos, iniciaram o processo de
transformação da área a partir da posse e do direito de uso dessas terras. O até
então primeiro governador do Rio de Janeiro Salvador Correia de Sá dividiu as
terras da região entre seus filhos e foi Gonçalo correia de Sá que se tornou
proprietário da região onde se localiza hoje a Barra da Tijuca, instalando na
referida região um de seus engenhos. Após o casamento de sua filha D. Vitória, as
terras que atualmente vão do Camorim a Vargem Grande e até a praia foram
dadas como dote, que após a morte de D. Luís Céspedes Xeria, ficaram sob a
administração de D. Vitória (ENGEMANN et al., 2005).
26
D. Victoria de Sá, embora tenha doado alguns quinhões de terras em vida,
legou as terras ao Convento de N. S. do Monteserrate. As terras e o engenho que
nelas estava inserido abrangiam desde o rio Pavuna até o mar, inclusive os
montes, campos, restingas, lagoas e rios até as proximidades de Sepetiba. Nota-se
que a partir da aquisição de pequenas porções de terras adjacentes, o engenho de
D. Vitória permitiu a divisão em três grandes fazendas, o que provavelmente
provocou profundas transformações na paisagem da região, com a presença de
inúmeros canaviais e pastos, esses últimos não associados somente à atividade
açucareira, já que os monges beneditinos possuíam currais na região desde tempos
anteriores à instalação dos engenhos (CORRÊA, 1933; ENEGEMANN et al.,
2005).
Para que pudessem ser alimentados os habitantes da região, foram
plantadas diversas mudas de mandioca para a produção, por exemplo, da farinha
de guerra, que constava na base de alimentação da fazenda do Camorim e do
mosteiro. Durante esse período7 um pequeno contingente de índios foi contratado
para auxiliar na derrubada de diversos alqueires de floresta para que cedessem
lugar ao plantio da mandioca.
Cabe aqui o que talvez seja o fato mais relevante do presente subcapítulo,
onde a escassa documentação da população de escravos que viviam e sobreviviam
nessas terras nos permite ceder a uma análise não somente das condições de vida
daqueles que foram por anos, e arrisco dizer que mais que as rodas d´água e
animais de carga, as forças motrizes dos engenhos de açúcar na cidade do Rio de
Janeiro. O engenho do Camorim, no ano de 1864, contava com a presença de 172
escravos, em sua maioria composta por mulheres. As práticas de concessão de
terra para o plantio de hortas pelos escravos atenuavam as pressões pelo intenso
trabalho e permitiam aos escravos a obtenção de algum lucro nos dias santos e aos
sábados, o que provavelmente ocasionou na presença de diversos roçados nas
áreas adjacentes ao engenho. Os laços matrimoniais formados a partir do
casamento de escravos e do compadrio sugerem a solidariedade que ocorria nas
fazendas do Camorim, Vargem Grande e Vargem pequena (ENGEMANN et al.,
2005). Após o fim da escravidão e o subsequente fim da era beneditina, como se
estabeleceriam os “recém ex-escravos” nas terras do Camorim? Sabe-se que após
7 Segundo pesquisa nos Estados da Ordem realizada por Engemman et al. 2005, o referido período correspondia entre os anos de 1772-1777.
27
esse período a especulação imobiliária iniciou o seu lento avanço na região
competindo com e fazendo competir os pequenos produtores.
As terras que foram doadas por D. Vitória aos beneditinos foram
hipotecadas, no final do século XVIII, ao Banco Crédito Móvel em Liquidação,
que se tornou senhor das terras e passou a vendê-las, o que gerou um conflito
entre os moradores e os dirigentes do banco. Os moradores, mesmo organizando-
se a partir da constituição de uma Caixa de Pecúlio para defender seus direitos,
não foram suficientes para impedir a venda de suas próprias terras. Quando não
podiam mais subsistir nas terras de sua posse, os moradores eram então expostos à
expulsão pela ação, muitas vezes violenta, de contratados do banco para que
mantivessem seus interesses em prioridade e não interferissem no lucrativo
negócio de vendas de terras do Banco (CORRÊA, 1933).
É um fato que o breve histórico de ocupação do Camorim não reflete a
totalidade de sua complexidade, mas não é possível dissociar os impactos dessas
dinâmicas na maneira que os habitantes vivenciavam e vivenciam seu espaço de
reprodução na área, que embora apresente variações conforme seu tempo
histórico, uma análise mais cuidadosa permite novamente vislumbrar a ausência
de um passado presente, tanto nas representações quanto nas dinâmicas espaciais.
Tal fato encontra-se exposto em maiores detalhes, sob o enfoque da história
ambiental, no sub-capítulo 2.4.
1.3.2 Sociedade e natureza na floresta do Camorim
O histórico de usos da floresta do Camorim provavelmente possui os
registros mais detalhados na obra de Magalhães Correia (1933), denominada O
Sertão Carioca. Os próximos parágrafos do presente projeto serão destinados às
descrições realizadas nessa obra com a finalidade de atuar como objeto de
investigação para identificação de interações antrópicas passíveis de causar
distúrbios na floresta assim como informações valiosas sobre as dinâmicas
naturais descritas pelo autor.
Começa-nos escrevendo Magalhães Corrêa sobre os antigos guardas da
represa do Camorim, que eram os responsáveis pelo controle da distribuição da
água para o abastecimento das terras mais baixas, onde intensas precipitações na
28
região já demonstravam potenciais significativos do ponto de vista hidrológico.
Corrêa (1933, p.41) escreve, durante um evento de precipitação intensa:
O temporal na floresta [...] é a coisa a que mais respeito têm seus frequentadores. Assim que começa a ventar, ouvem-se silvos prolongados, estalidos das árvores, baques de troncos, roncos do trovão, misturados com os uivos dos animaes; é o prologo da tempestade. Mais adiante, quando em conversa com o guarda da represa na época,
obteve um detalhamento de um evento de precipitação intensa que foi descrito
segundo as palavras do guarda:
Outra vez, uma tromba dagua, agitada por turbilhões de vento, passou pelo cume e encosta da Serra do Nogueira8, deixando até hoje uma estrada feita pela sua passagem, carregando o que encontrou e indo, a dois quilômetros, depositar tudo em terras fora das do governo. Curiosamente, no referido evento chuvoso, segundo o guarda florestal, o
proprietário das terras que receberam os fluxos detríticos, recebeu uma boa
quantia em dinheiro a partir da venda da lenha que se destinou as suas terras pela
força das águas. As passagens que relatam certo cuidado ambiental frente aos
impactos da devastação na floresta do Camorim aparecem na obra de Magalhães
Corrêa em diversas passagens do texto, mas é no capítulo intitulado “Os
Machadeiros” que podemos perceber a magnitude de devastação florestal.
Embora Magalhães Corrêa houvesse descrito que a supressão das matas
para utilização da lenha seria um enorme prejuízo às gerações vindouras, pois
estariam essas terras condenadas à esterilização após a derrubada da floresta, o
autor sugere o replantio de madeiras próprias ao corte de lenha como alternativa
para minimizar os danos causados pela devastação da floresta para esse fim. As
madeiras de crescimento rápido e próximas às áreas de entrega eram as mais
apreciadas para o corte, uma vez que os prejuízos no transporte não valeriam ao
lenhador o lucro por cada pedaço de lenha. Considerando que o centro urbano da
cidade encontrava-se sobre intenso crescimento e a floresta presente no maciço da
Tijuca já se encontrava sob proteção legal, é sugestivo pensar a enorme
quantidade de lenha que foi obtida nas florestas do maciço da Pedra Branca, e a
floresta do Camorim não excede a essa dinâmica de exploração.
Os sinais de devastação florestal para a produção do carvão vegetal
realizado in situ, também foram descritos por Magalhães Corrêa (1933, p.86),
quando o autor escreve que: "Um hectare de matta virgem dá uma producção de
quarenta toneladas de carvão vegetal" onde os terrenos mais utilizados para esse 8 Serra localizada na porção sudeste do maciço da Pedra Branca.
29
fim eram os de "matta virgem". Destaca-se também a utilização de capoeirões
com oito ou nove anos de formação, anteriormente utilizadas pra o mesmo fim.
Observa-se nessa passagem que a floresta do maciço já havia enfrentado
distúrbios para a obtenção de carvão, porém a sua resiliência demonstrava-se e
ainda demonstra-se considerável, uma vez que, embora profundamente alterada e
provavelmente muito distante das suas condições “naturais”, a referida floresta
apresenta não somente uma notável capacidade de recuperação e estabilidade, mas
importantes funções ecológicas, que foram examinadas no presente trabalho.
Ressalto que é de extrema importância para clarificar as conexões sugeridas no
presente trabalho, que os distúrbios antropogênicos pretéritos, com a exploração
de lenha e carvão, foram fundamentais para que a organização do sistema florestal
se apresente da maneira atual. E as dinâmicas naturais resultantes dos processos
de interação entre sociedade e natureza, embora não sejam estanques no tempo,
estão presentes na paisagem e atuam como um testemunho de uma história de
transformação.
1.4 O maciço da Pedra Branca e a baixada de Jacarepaguá: Uma história geomorfológica
Não é possível realizar a análise de um estudo ecológico sem que seja
vislumbrada a coexistência das distintas temporalidades e suas contribuições para
que os sistemas ecológicos se apresentem da maneira que hoje se encontram.
Partindo dessa perspectiva, e considerando que os sedimentos serão o alvo de
minha investigação de transformação da paisagem, é indispensável a
caracterização dos processos de sedimentação que foram fundamentais para a
espacialização humana na interface encosta/planície (floresta/cidade) nas
adjacências do maciço da Pedra Branca. Há, portanto, que se contemplar uma
história geomorfológica para vislumbrar, mesmo sob a ausência de mapeamentos,
as transformações nos processos de sedimentação que ocorreram na baixada de
Jacarepaguá.
A planície costeira de Jacarepaguá, com 400km2 de extensão, possui em
sua área emersa quatro províncias geomorfológicas distintas (RONCARATI e
NEVES, 1976). A primeira província consiste em uma região montanhosa,
formada por rochas do embasamento cristalino, com cotas até 1.025 m, circunda a
30
planície a leste, norte e oeste. A região de transição seguinte, denominada
clinoplano periférico, localiza-se entre as montanhas e as planícies e foi formada a
partir da coalescência de leques aluviais. A referida região apresenta suave
inclinação para o centro da baixada de Jacarepaguá, com cotas altimétricas
variando entre 3 metros e 14 metros. A planície, formada por depósitos marinhos
e lagunares divide-se em uma parte mais extensa limitada pelo clinoplano
periférico e pela restinga interna, onde estão localizadas as lagunas de
Jacarepaguá, Camorim e Tijuca. A outra parte da planície está estendida entre as
duas restingas e nela encontra-se situada a laguna de Marapendi (MAIA et al.,
1984).
As oscilações no nível relativo do mar durante o Quaternário resultaram
em dois conjuntos de terraços marinhos arenosos com características distintas,
formados durante as regressões posteriores às duas últimas fases transgressivas.
O primeiro conjunto de terraços, com topo atingindo cotas de 8 metros a 10
metros, apresentam idades próximas de 120.000 anos BP, e está associada com a
penúltima transgressão com depósitos formados provavelmente na fase final do
evento transgressivo e na regressão que se sucedeu após tal evento (MAIA et al.,
1984).
O segundo conjunto de terraços, localizado nas partes externas dos
terraços mais antigos, apresentam seu topo situado entre 4 metros e 5 metros
acima do nível do mar em seu interior com decréscimo inferior à 1metro nas
partes mais externas, o que figura como importante evidência de sua formação
durante uma fase de transgressão. Os terraços marinhos holocênicos, arenitos de
praia, incrustações de vermetídeos, algas calcárias e corais em promontórios
rochosos, além de atuar como testemunhos associados com a última transgressão,
permitiram construir curvas das oscilações do nível relativo do mar nos últimos
7.000 anos (MAIA et al., 1984). Mesmo do ponto de vista de uma história com
escalas temporais muito superiores à história recente e documentada da planície
de Jacarepaguá, a paisagem atua como o mais importante testemunho de uma
história de transformações.
Durante sua evolução holocênica, desde 17.000 anos BP com o início da
subida do nível do mar (até então com 120 metros abaixo do nível atual) veio a
caracterizar a última transgressão, culminando, em torno de 5.100 anos BP as
cotas entre 4 e 5 metros. Ao final da fase de transgressão, entre 7.000 e 6.000 anos
31
BP, a formação de uma ilha barreira isolou do mar aberto uma extensa laguna.
Com a elevação ininterrupta do nível do mar, a ilha barreira migrou para o
continente (no máximo de 5.100 anos BP), no local hoje ocupado pela restinga
interna. A ação erosiva das águas ou o recobrimento por outros sedimentos
trabalham os cordões de praia formados nas fases transgressivas, porém, tais
cordões ainda podem ser preservados, conforme ocorre no topo dos terraços
marinhos regressivos. Os cordões de praia que afloram na baixada de Jacarepaguá
testemunham essa hipótese (MAIA et al., 1984).
A nova fase regressiva, iniciada após o máximo de 5.100 anos BP
possibilitou a formação da restinga interna, a partir da progradação da antiga ilha-
barreira. Com a nova elevação do nível do mar, atingindo seu máximo em 3.500
BP, a restinga interna foi parcialmente erodida e por volta de 3.700 BP uma
segunda ilha barreira já estava formada, responsável pelo isolamento de uma nova
laguna. Com o decréscimo do nível marinho até o zero atual, a segunda ilha
barreira sofreu progradação, resultando na restinga externa (MAIA et al., 1984).
As turfeiras que hoje recobrem consideráveis extensões da planície de
Jacarepaguá, que atuam desde os primórdios do crescimento urbano da área, como
imponente desafio, foram formadas a partir do rebaixamento das águas lagunares,
que ao acompanhar os níveis marinhos originavam as áreas pantanosas, propícias
ao desenvolvimento das turfeiras. Os depósitos sedimentares de origem costeira e
lagunar apresentam fundamental importância para o entendimento da evolução da
paisagem da baixada de Jacarepaguá, até a paisagem atual, que tende a
permanecer estática ao olhar humano, mas a breve descrição no presente sub-
capítulo permite vislumbrar milênios de profundas transformações. Nas linhas
seguintes encontram-se descritos com maior detalhamento os depósitos de origem
continentais, aproximando a descrição da história dos sedimentos.
Os sedimentos continentais estão localizados em toda a periferia da
planície de Jacarepaguá, consistindo em sua maioria de remanescentes erosivos de
leques aluviais coalescentes. Os sedimentos de idade Pliocênica são os mais
antigos. Porém, sob os depósitos de leques aluviais, amostras de sedimentos
lagunares acusam idade na faixa de 5.740 e 5.200 anos BP, que estariam referidos
à primeira fase lagunar holocênica. Estima-se que a deposição de origem
continental tenha ocorrido durante toda a história geológica da região
(RONCARATI e NEVES, 1976; MAIA et al., 1984).
32
1.4.1 Sedimentos de origem continental
Para descrição dos sedimentos continentais será utilizado como referência
o trabalho realizado por Roncarati e Neves (1976) onde os mesmos serão
subdivididos em sedimentos pliocênicos, complexo fluvial, leques aluviais,
camadas de areias pretas e depósitos de tálus.
Sedimentos pliocênicos – Sua geometria acompanha a geometria montanhosa do
embasamento cristalino. Consiste em um pacote basal de conglomerados contendo
seixos de rochas ígneas e metamórficas, dispostas em camadas plano-paralelas
assentadas sobre a topografia erosional e irregular do embasamento cristalino.
Não apresenta distribuição uniforme, parecendo estarem restringidos ao
preenchimento de calhas de vales fluviais entalhados no embasamento em épocas
passadas de maior pluviosidade. Os referidos sedimentos foram provavelmente
depositados por corridas de lama, enxurradas e fluxos detríticos. Por se tratar do
primeiro pacote sedimentar depositado na área da baixada de Jacarepaguá e sua
relação estratigráfica com depósitos posteriores, sugere-se que sejam
penecontemporâneos aos sedimentos atribuídos à Formação Barreiras, de idade
pleistocênica que ocorrem no estado do Rio de Janeiro.
Complexo fluvial – Consiste no conjunto de interestratificações de camadas de
areias de canais fluviais e camadas de argilas de planície de inundação. Nos locais
de afloramento, formam uma camada contínua ao longo de toda baixada de
Jacarepaguá, servindo de substrato ao clinoplano periférico. Estão totalmente
cobertos por sedimentos de leques aluviais, exceto nas áreas aflorantes. Os
sedimentos arenosos e conglomeráticos tiveram origem na carga de fundo de
canais fluviais em contínuo processo de migração lateral. Os sedimentos argilosos
depositaram-se nas planícies de inundação ou várzeas, originando-se da carga em
suspensão (silte e argila) transportada pelos rios e espalhadas pela planície de
inundação durante períodos de elevada pluviosidade. É importante frisar que no
complexo fluvial, notadamente nas argilas de planícies de inundação, foi
observada pelos autores a presença de um volume regular de matéria orgânica,
principalmente de origem vegetal, compostas por restos de folhas, galhos e
troncos. Tal fato foi observado no presente estudo, descrito com maiores detalhes
nos resultados da análise hidrossedimentológica realizada na sub-bacia do rio
Caçambe.
33
Leques aluviais - Sedimentos compostos por grânulos e seixos, provavelmente
originados na coalescência de diversos leques aluviais depositados em variados
ciclos deposicionais. Os autores sugerem como prováveis agentes deposicionais as
enxurradas (sheet-flows) e torrentes de canal (stream-flows), provavelmente a
partir de regulares quantidades de águas que vertiam dos vales montanhosos do
embasamento e se espraiavam, recobrindo lentamente a superfície ocupada pelo
complexo fluvial, a após os ciclos da referida dinâmica, veio a formar uma
camada contínua e homogênea em espessura e litologia.
Camadas de areias pretas – Consistem em remanescentes de erosão de um corpo
sedimentar de maiores proporções originais e forma relativamente alongada no
sentido norte-sul. Os referidos depósitos encontram-se somente no extremo norte
da Baixada. A sedimentologia consiste em areias aparentemente maciças e
desprovidas de importantes variações texturais. A origem das camadas de areais
pretas está associada a episódios de fluxo de detritos, enxurradas (sheet-flows) e
torrentes em canal (stream floods), o que dá origem a um novo depósito de leques
aluviais, agora restritos ao eixo de um vale maior encaixado no embasamento
cristalino e condicionado a um clima mais úmido, notadamente pela regular
quantidade de material orgânico e pela matriz argilosa, essencialmente caulínica.
Depósito de tálus – Consistem em seixos e matacões de rochas do embasamento
cristalino e encontram-se imersos em resíduos argilo-arenosos. Estão localizados,
em geral, na desembocadura de vales que drenam áreas montanhosas do
embasamento. Os depósitos de tálus são originados por escorregamento nas
encostas montanhosas do embasamento cristalino, notadamente quando o manto
superficial de alteração flui encosta abaixo em decorrência da gravidade e da
plasticidade dos componentes argilosos durante eventos pluviométricos intensos.
Note-se que essa dinâmica está associada com os eventos catastróficos para a
sociedade, em virtude do amplo potencial destrutivo dos seixos e matacões
rochosos.
A descrição dos depósitos sedimentares de origem continental foi obtida no
trabalho de Roncarati e Neves (1976), e consistem em um detalhamento da
história geomorfológica de deposição sedimentar na baixada de Jacarepaguá.
Porém, não obstante, os referidos fenômenos descritos não são estanques no
tempo, tampouco é a história geológica, que atua, geralmente, em uma escala
imperceptível ao modo de relação dos humanos com a paisagem. A inobservância
34
e o desconhecimento das dinâmicas de sedimentação podem acarretar em distintas
resultantes negativas à espacialização humana, recorrentes nos períodos de
chuvosos no Rio de Janeiro.
35
2 Fundamentação teórico epistemológica
2.1 O simples e o complexo
A autora Esteves de Vasconcellos (2002) apresenta uma proposta
integradora onde a complexidade, a instabilidade e a intersubjetividade, devem
configurar no estabelecimento do pensamento sistêmico. Segundo a autora, o
observador, ampliando o foco não verá mais um fenômeno, mas uma teia de
fenômenos recursivamente interligados e assim estará diante da complexidade do
sistema. A partir da distinção do dinamismo das relações presentes no sistema, o
observador estará assumindo a instabilidade, a imprevisibilidade e a
incontrolabilidade do sistema. E por sua vez, ao reconhecer a sua participação na
constituição da realidade que está trabalhando, o observador se inclui no sistema
que distinguiu e estará atuando nesse espaço de intersubjetividade (ESTEVES de
VASCONCELLOS, 2002).
Em sua proposta de pensamento sistêmico, a autora incide a importância
da ultrapassagem de paradigma, enfatizando a importância desta ultrapassagem
ser realizada não pela ciência mas pelo cientista para configurar uma
epistemologia que:
Implica distinções do observador nas três dimensões: de um cientista que pensa – ou distingue – a complexidade, sem tentar simplificar ou reduzir, buscando entender as conexões; de um cientista que pensa – ou distingue – a auto-organização como característica de todos os sistemas da natureza e assume as implicações de distingui-la; de um cientista que se pensa – ou se distingue – como parte de todo e qualquer sistema com que esteja trabalhando, o qual se constitui (ou se constrói) para ele, a partir de suas próprias distinções” (ESTEVES de VASCONCELLOS, 2002, p. 169).
O Filósofo Edgar Morin (1994 pp. 253,255, 256) quando propôs a análise
sob uma perspectiva complexa de modo a não excluir as individualidades, ou
36
rejeitar aquilo que a ciência clássica insistia em “expulsar”, a partir da rejeição do
local e do singular pelo princípio da universabilidade, propôs a
[...] Não eliminalidade daquilo que era eliminação na concepção clássica da inteligibilidade; esta problemática da complexidade deve animar uma busca dos modos de inteligibilidade adequados a esta conjuntura.
O autor sugere então que:
O paradigma da complexidade não produz nem determina a inteligibilidade. Pode somente incitar a estratégia-inteligência do sujeito investigador a considerar a complexidade do problema estudado. Incita a distinguir e fazer comunicar em vez de isolar e de disjuntar, a reconhecer os traços singulares, originais, históricos do fenômeno em vez de ligá-los pura e simplesmente a determinações ou leis gerais [...] Incita a dar conta dos caracteres multidimensionais de toda a realidade estudada. Portanto, no que se refere aos ecossistemas florestais urbanos, optei pela
discriminação de conflitos existentes nesses ecossistemas dispostos em fatores
aparentemente antagônicos, porém complementares, distinguindo-os à luz da
história ambiental e de categorias de análise, notadamente a paisagem, sob uma
perspectiva geográfica. Portanto, antagonismo e complementação estarão
dialogando frequentemente sob a égide do principal compromisso do presente
trabalho, a inseparabilidade entre sociedade e natureza. Encontram-se expostos no
próximo sub-capítulo, alguns fatores que simultaneamente estão influenciando a
estrutura, o comportamento e a funcionalidade desses ecossistemas, que por sua
vez influenciam a espacialização das sociedades que agem sobre os mesmos.
Não almejo pensar a complexidade como uma metodologia indispensável
para apreensão da realidade, uma vez que na condição de observador, tenho a
noção que o filtro da subjetividade impede o entendimento de sua plenitude. Mas
não discordo, no presente momento que conforme sugere Morin (apud FORTIN,
2005), o futuro do mundo físico está sujeito a uma dialógica de ordem, desordem
e organização onde o determinismo deve aceitar a imprevisibilidade dos processos
que ele comanda. Para tal entendimento, destaco os três princípios que permitem
pensar a complexidade, sendo estes:
A recursividade que permite reconhecer os processos onde os produtos e
os efeitos são necessários à sua produção e causação; a dialógica que liga termos
antagônicos para apreender sua realidade e o princípio hologrâmico que indica
que em tudo o que é complexo a parte está no todo e o todo está na parte
(MORIN, 2005 apud FORTIN, 2005).
37
Diante das perspectivas apresentadas ao longo do presente sub-capítulo,
destaco que, embora não haja originalidade no que proponho na análise sob uma
perspectiva complexa, a maior contribuição da referida análise para pensar o
presente trabalho figura na não eliminalidade daquilo que era considerado como
um fator de desestabilização da organização dos ecossistemas, uma vez que os
distúrbios antropogênicos não comprometeram a organização do ecossistema
florestal, mas foram fundamentais para o estabelecimento da mesma, que por não
ser estanque no tempo, permite vislumbrar a importância de uma análise sob a
ótica da história ambiental de modo a desvelar a ausência de um passado presente
na paisagem e nos ecossistemas que nestas se inserem.
Vislumbro assim, a tentativa de caracterizar uma complexificação do real,
a partir do “entrelaçamento das ordens física, biológica e cultural; a hibridização
entre a economia, a tecnologia, a vida e o simbólico” (LEFF, 2007, p. 206).
2.2 Complexidade e estabilidade em sistemas naturais
A simples relação entre os elementos não configura um sistema, uma vez
que essas interações não estejam aptas a criar um todo integrado. Nesse caso não é
possível entender o todo sem que sejam entendidas as partes e suas inter-relações
(MATTOS & FILHO, 2004).
Estudos geomorfológicos, biológicos e ecológicos frequentemente utilizam
o termo “complexidade” nos sistemas interpretados, sob uma perspectiva
simplificadora. Admito aqui o difícil exercício de pensar a complexidade de um
ecossistema natural, mas reitero que a utilização de um termo que vislumbra as
individualidades, singularidades e suas relações com o todo não pode ser
negligenciada. Igualmente importante é frisar que a complexidade não deve ser
aplicada somente sob uma perspectiva de que tudo que vemos e estudamos é
complexo, pois assim seria inevitável que viéssemos a cair na degradação da
própria teoria. Portanto a complexidade nos estudos, segundo acredito, deve ser
renovada, reinventada, sempre buscando a sábia utilização da teoria de modo a
evitar simplificações, como é o caso dos frequentes dogmas nas ciências.
Dito isso, pensarei a complexidade sob a perspectiva da estabilidade de
sistemas naturais, o que não figura como nenhuma inovação, mas servirá de base
teórica para que seja exposta a metodologia de análise que proponho adiante.
38
Cabe aqui uma referência entre a noção de complexidade e sua relação
com a estabilidade das comunidades e ecossistemas pelo viés da ecologia. Os
autores Begon et al. (2008, p. 355, 356) evidenciam a impossibilidade de
estabelecer uma relação segura entre complexidade e estabilidade dentro de
comunidades biológicas. Segundo os autores: “Estabilidade, naturalmente quer
dizer estabilidade diante de um distúrbio ou perturbação, e a maioria dos
distúrbios é, na prática, a perda de uma ou mais populações de uma comunidade”.
Os autores então complementam: “Foi através de uma argumentação lógica, que
era sugerido que o aumento da complexidade dentro de uma comunidade leva ao
aumento da estabilidade”. Sendo assim, as comunidades mais complexas seriam
mais estáveis diante de um distúrbio. Os modelos matemáticos de teias
alimentares foram se tornando mais sofisticados e sugerem que o aumento da
complexidade tende a diminuir a tendência de populações individuais, que
pertencem a uma comunidade, de retornarem aos seus respectivos estágios
anteriores ao distúrbio, ocorrendo assim a instabilidade populacional a partir do
aumento da complexidade (BEGON et al., 2008, p. 356).
As noções de estabilidade apresentam-se como importantes elementos no
entendimento do comportamento temporal de comunidades ecológicas. Embora
não ocorram regras gerais para pensar a relação entre complexidade e
estabilidade, algumas noções tornam-se pertinentes para o presente estudo,
notadamente a partir da investigação da influência dos distúrbios antropogênicos
no comportamento florestal. Segundo Begon et al. (2008), uma comunidade que
só é estável dentro de uma gama restrita de condições ambientais e uma gama
limitada de características de espécies, é considerada dinamicamente frágil. Por
outro lado, uma comunidade estável diante de uma ampla gama de condições
ambientais e características de espécies, é considerada como dinamicamente
robusta. Segundo os autores, espera-se que as ações humanas apresentem efeitos
mais pronunciados em comunidades complexas e dinamicamente frágeis, ou seja,
comunidades inseridas em condições ambientais estáveis com uma gama limitada
de características de espécies. Tal hipótese resulta da observação que as
comunidades robustas apresentam maior estabilidade em virtude de sua frequente
exposição às perturbações naturais com maiores variáveis, seja de ordem física
quanto das relações inter e intraespecíficas. Já as comunidades frágeis, não
39
expostas com frequência às interferências de diferentes condições ambientais,
seriam segundo a referida hipótese, menos resistentes às intervenções humanas.
Atento que é importante ao pesquisador denotar a que tipo de estabilidade
está se referindo, uma vez que o termo pode se traduzir em diferentes
perspectivas. Os autores Mattos e Filho (2004) atentam para este fato quando
descrevem que a estabilidade está referida à capacidade do sistema em manter seu
padrão global, mesmo sob a influência de distúrbios, ou seja, no mesmo estágio
anterior à perturbação. Nesse caso, um sistema capaz de conservar suas
características fundamentais de organização ao longo de sua evolução, pode ser
considerado um sistema estável. Os autores demonstram que os canais hídricos
atuam como exemplo prático da dinâmica que existe na estabilidade onde, mesmo
que os atributos de um canal estejam sobre constantes mudanças, caso se
mantenha a organização do sistema, esse seria considerado estável.
A estabilidade pode se manifestar como resiliência, resistência (inércia) e
multiestabilidade. A estabilidade de resiliência pressupõe que o distúrbio ocasione
uma alteração temporária nas relações estruturais e funcionais do sistema, que
após determinado período retornariam às condições anteriores ao distúrbio e/ou
perturbação. Nesse caso, a estabilidade de resiliência estaria referida à velocidade
de uma comunidade no retorno ao estado anterior à perturbação. A estabilidade de
resistência está relacionada com a capacidade de o sistema permanecer imune às
perturbações, sem alteração dos arranjos estruturais e funcionais. É importante
ressaltar que os mecanismos que garantem estes tipos de estabilidade aos sistemas
são efetivos até um limite crítico, que uma vez ultrapassado, não permite ao
sistema um retorno ao estágio anterior à perturbação (estabilidade de resistência)
ou apresentar a imunidade às perturbações conforme descritos para estabilidade de
resistência, o que recairia em um novo estado de evolução do sistema. Nesse caso,
quanto menores forem os limites do sistema, maior será a probabilidade de deixar
a (s) estabilidade (s) (BEGON et al., 2008; CHRISTOFOLETTI, 1999; MATTOS
e FILHO, 2004;).
Uma vez que já foram descritas as interações antrópicas pretéritas
(distúrbios) com a floresta do Camorim e a referida floresta continua apresentando
40
uma notável capacidade de recuperação9 (estabilidade) pode-se sugerir que os
limites críticos presentes no sistema florestal não foram ultrapassados. Nesse caso,
a estabilidade (resiliência) da floresta não foi afetada ao ponto de uma
transformação profunda que ultrapasse a escala temporal de seu histórico
documentado, embora tenham sido descritas alterações significativas
(ENGEMANN et al., 2005c; OLIVEIRA, 2005; OLIVEIRA, 2010;
SOLÓRZANO et al., 2005), notadamente na forma e estrutura da referida
floresta. Balizando minha hipótese nas informações de Corrêa (1933) e Galvão
(1963), em virtude do abandono das práticas de exploração acentuadas e da
implementação de práticas de cultivo em escala temporal que refletiam uma
atmosfera de tranquilidade, em virtude da estabilidade econômica do mercado que
os produtores abasteciam, sugiro que a resiliência da floresta do Camorim não foi
ultrapassada, o que se reflete na presença da floresta atual. Porém, ressalto que os
distúrbios pretéritos assim como os atuais podem estar exercendo padrões de
transformação no ecossistema florestal que necessitam ser investigados,
notadamente sob a influência de novas fontes de pressão antrópica e da existência
de possíveis alterações climáticas.
O fato exposto no parágrafo acima se torna importante para análises
futuras da referida floresta, notadamente a partir do entendimento que a
capacidade de um sistema se manter estável flutua no tempo. Conforme o sistema
vai sofrendo sucessivos distúrbios, espera-se uma tendência gradativa no tamanho
da bacia de atração. Emerge então o conceito de multiestabilidade onde os
sistemas que possuem estados de alternância da estabilidade podem oscilar entre
esses estados ao longo do tempo. Nesse caso, o sistema possui um ou mais
atratores representando estados distintos, porém estáveis permitindo ao distúrbio
deslocar o sistema de um atrator para o outro (SCHEFFER et al., 2009 apud
MATTOS e FILHO, 2004).
No caso da floresta do Camorim, embora os distúrbios antropogênicos
estejam descritos no texto, aos quais pretendo direcionar a minha análise sob a
perspectiva de sistemas complexos, não é possível negligenciar os distúrbios e/ou
perturbações de origem natural que podem afetar a forma, função e estrutura do
9 A capacidade de recuperação da floresta está referida com a manutenção de uma biomassa vegetal considerável frente aos distúrbios aqui descritos, uma vez que alterações na funcionalidade, como nos sistemas de drenagem, tenham sido observadas na região.
41
sistema florestal (e.g. abertura de clareira por ventos ou incêndios). Tal fato,
simultaneamente ou não com os distúrbios antropogênicos, apresenta importante
influência no deslocamento do sistema (floresta) entre os atratores que permitem a
sua estabilidade, aqui interpretada como forma, função e estrutura da floresta, que
por sua vez possibilitam a denominação da floresta do Camorim como
conservada. Há, portanto, que destinar os estudos em sistemas complexos, nesse
caso os florestais, na busca de identificar, ou mesmo aproximar-se, dos atratores
que permitem a estabilidade do sistema, uma vez que se tornam fundamentais
para entendermos as dinâmicas florestais frente aos distúrbios, notadamente em
áreas de expansão urbana, que tendem a ocupar e/ou gerar pressões cada vez mais
invasivas às florestas, podendo afetar sua estabilidade, o que nos remete a, como
indica Esteves de Vasconcellos (2002), imprevisibilidade e a incontrolabilidade
do sistema observado.
Na área da ecologia, mais estudos devem ser destinados ao que se refere à
proporcionalidade entre a complexidade e a instabilidade quando algumas
comunidades ecológicas são analisadas, principalmente com a inserção do
fenômeno humano como um importante agente transformador das mesmas.
Partindo dessa perspectiva, chama a atenção um fator que parece ser unânime nos
estudos ecológicos, a importância de espécies-chave. Estudos ecológicos sugerem
que a remoção da espécie-chave, espécie cujo impacto é desproporcionalmente
grande em relação à sua abundância, provoca o colapso da estrutura (POWER et
al., 1996 apud BEGON et al., 2008, p.355). A identificação de espécies-chave, do
ponto de vista prático, torna-se fundamental, uma vez que sua abundância
apresentará repercussões significativas em diversas espécies. É importante
destacar a dificuldade na identificação dessas espécies, uma vez que a linha que
divide as espécies-chave das demais não se apresente de maneira muito nítida
(BEGON et al. 2008).
Conforme frisei na introdução do presente trabalho, assim como na
descrição de como pretendo abordar a paisagem como categoria de análise, ficou
evidenciado que o fator humano apresenta um papel crucial na transformação e
valorização das paisagens e elementos da natureza, seja na qualidade de suas
ações sobre a paisagem ou na qualidade de observador. Portanto, acredito que a
remoção do fator humano, aqui concebido como uma espécie-chave, dos estudos
ecológicos pode provocar o colapso de seus resultados, muitas vezes
42
negligenciando o papel que tiveram as interações humanas com determinados
ecossistemas redefinindo forma, estrutura e provavelmente a funcionalidade dos
mesmos, fato recorrente em ecossistemas florestais. Merece especial atenção
nesse parágrafo, enfatizar que a espécie humana “não se reduz a um indivíduo
biológico, podendo se tornar alvo fácil dos identitarismos mais radicais”
(HAESBAERT,2002). Deixo claro que não objetivo adotar o determinismo de um
conceito de estudos biológicos em um estudo que aborda o fator social e cometer
antigos equívocos epistemológicos que contaminaram a relação entre as ciências
naturais e sociais. O conceito de espécie-chave foi utilizado aqui somente com o
fim metafórico para evidenciar que a negligência da presença humana e as
motivações e necessidades que influenciam suas ações sobre a natureza
transformando paisagens, não consiste em uma análise segura para estudos em
ecossistemas florestais.
2.3 Paleoterritórios e a floresta atual: encontrando um passado presente
Os usos pretéritos do solo geram distintas resultantes ecológicas passíveis
de identificação, e no caso da floresta do Camorim, a exploração para abastecer a
demanda de lenha e madeira na época dos engenhos de cana e posteriormente para
abastecer a demanda energética de carvão na cidade do Rio de Janeiro,
provavelmente foram responsáveis pela geração de extensas áreas de florestas
secundárias, como demonstra o estudo de Oliveira (2005), o que veio a consolidar
a floresta do Camorim como um mosaico de cenários fragmentados em distintos
estágios de sucessão florestal, com ocorrência de espécies pioneiras, secundárias
iniciais e tardias e climáxicas (MONTEZUMA, 2005).
Ressalto também que o uso do solo pode chegar a um dado nível de
saturação que venha a impossibilitar a sucessão, fato observado após o plantio
extensivo do café no Vale do Paraíba, posteriormente substituído pela pecuária.
Não entendo este fato como a redução de complexidade nestas áreas, mas sim o
efeito reverso, onde a ausência de espécies e das dinâmicas de sucessão refletem-
se em uma área com complexidade acrescida pela sobreposição de usos do solo.
Tal fato deriva dos processos de transformação da paisagem em cada momento
histórico. Durante o estabelecimento destas populações, estas deixam marcas que
representam suas respectivas práticas culturais, que se sobrepõe no que Oliveira
43
(2007) denomina de paleoterritórios, definido pelo autor como: “a espacialização
das resultantes ecológicas decorrentes do uso dos ecossistemas por populações
passadas”.
O autor Castel (1992) ao trabalhar a complexidade e a biologia, escreve
que os estímulos aleatórios, quando encontram uma estrutura com poder auto-
organizador, ao invés de destruí-la, provoca mudanças no sentido de ampliar a sua
complexidade. Castel recorre então a noção de epigênese, desenvolvida por
Conrad H. Waddington onde, cada etapa embriológica consiste em um processo
de vir-a-ser, dependente do estado imdediatamente anterior, onde em cada estágio
seriam produzidos novos níveis de informação (LURIA, 1992, apud CASTEL,
1992). Optei por aplicar esta ideia ao conceito de paleoterritórios proposto por
Oliveira (2007), principalmente diante do fato dos estímulos aleatórios (usos do
solo) estarem dispostos diante de uma estrutura com poder auto-organizador
(ecossistema florestal) originando a sobreposição de paleoterritórios (Figura 1)
agregando assim, um maior nível de complexidade ao sistema, gerando distintas
resultantes ecológicas dependentes de interações anteriores, porém que não
afetaram a estabilidade do sistema observado.
Agriculturaitinerante indigena
(cerca de 3 mil anos)
Paleoterritórios
Instalação do complexoagroeconômico do açucar
(Séculos XVII e XVIII)10 a 20 ha/ano
Lenha e Carvão(Séculos XVIII, XIX e
meados do século XX)
Citricultura e banana(século XIX até os dias
atuais)
Distintas resultantessocioambientais
Figura 2.1 – Sobreposição de paleoterritórios e acréscimos na complexidade do ecossistema florestal do Camorim.
44
É de extrema relevância o fato que a atividade humana não tem ação
exclusiva no que tange às mudanças comportamentais, estruturais e funcionais dos
ecossistemas e consequentes acréscimos no nível de complexidade do sistema. A
noção de distúrbio, que segundo Krebs (2009) consiste em um evento discreto que
perturba a estrutura de uma comunidade e transforma os recursos, substratos
disponíveis ou o ambiente físico, foi utilizada no presente estudo, conforme já
frisado no sub-capítulo anterior, com destinação aos distúrbios de origem
antrópica expostos na figura 1, evidenciando o exercício teórico de desvelar o
passado presente na floresta do Camorim.
Portanto, a complexidade que vislumbro considerar na presente análise
está referida somente (e isso pode ser considerado como uma simplificação) à
sobreposição das distintas resultantes ecológicas oriundas das intervenções
antrópicas descritas no presente trabalho. A distinção das resultantes permite o
entendimento em maiores detalhes do comportamento ecológico atual da floresta
frente aos distúrbios observados. A partir desse cenário busco evidenciar a
inclusão das interações humanas como fatores fundamentais para o
comportamento da floresta atual, que em última análise - e aqui assumo a
simplificação - as interações daqueles que habitaram, subsistiram, refugiaram-se,
atravessaram e até mesmo exploraram a floresta, permitiram à floresta, em virtude
de seus padrões de sucessão e mecanismos de resistência e resiliência, apresentar
em nosso tempo histórico o seu padrão organizacional atual.
É importante ressaltar que não defendo prática alguma de exploração
intensiva de substratos florestais, que sob os imperativos da competitividade
resultam no rompimento do metabolismo entre sociedade e natureza. Mas
considero inegável que tais informações testemunhadas na paisagem nos
permitem vislumbrar a possibilidade de usos racionais do substrato florestal, e
aqui me refiro às práticas agrícolas que não devem ser privadas das populações
que subsistem nesta região, notadamente quando a mesma encontra-se inserida em
uma unidade de conservação10 com uso restrito ou proibido. Nota-se que segundo
Oliveira (2005), após a criação do parque o cultivo familiar e a agricultura de
subsistência adquiriam um papel de semi-clandestinidade. Faço questão de
10 O Parque Estadual da Pedra Branca foi criado em 28 de junho de 1974 pela Lei Estadual n° 2.377.
45
ressaltar que tais práticas não devem ceder aos imperativos da competitividade e
estejam destinadas somente à subsistência familiar. A partir das perspectivas de
análise que adotei, entendo que os distúrbios, embora não sejam exclusivos no que
tange à organização florestal atual, não são excludentes, e ignorar a presença dos
mesmos na construção organizacional que caracteriza a relação entre sociedade e
natureza nas florestas do maciço é corroborar para a ausência de um passado
presente.
A prática da história ambiental possibilita considerável contribuição no
diagnóstico e esclarecimento de sistemas com níveis de complexidade acrescidos,
principalmente na realização de uma tarefa que parece ser o maior
comprometimento entre os historiadores ambientais, que é investigar a
inseparabilidade entre sociedade e natureza, em uma interação regida por
intencionalidades humanas e dinâmicas naturais que atuam em um processo co-
evolutivo e ininterrupto da construção da paisagem. Assumo aqui meu
entendimento que a história ambiental não está restrita somente ao passado. Tal
enfoque do campo historiográfico consiste então, em situar no presente o passado
que pode colaborar no entendimento do futuro, em um fluxo processual que vai de
encontro ao que chamo de ausência de um passado presente, fato ainda observado
em alguns estudos no campo da ecologia e no discurso ambiental, que construído
sob a emergência de um “futuro comum” (WCED, 1987) tende à negação de um
passado de diferenças, resistências e conflitos que caracterizam o espaço
geográfico e, as florestas não se isentam deste processo.
2.4 O caso de um ecossistema florestal urbano: do simples ao complexo
No que se refere ao processo evolutivo de uma paisagem e como essas
paisagens se dispõem nos dias atuais, é preciso considerar que a coexistência das
distintas escalas temporais já descritas, corrobora diante de suas respectivas
contribuições, na transformação das paisagens estudadas. Essa interação temporal
tende a escapar da capacidade de compreensão do fenômeno humano, fato que
vou evidenciar adiante a partir da análise dos resultados obtidos na análise
hidrossedimentológica na sub-bacia do rio Caçambe. Dedico então, especial
atenção ao que entendo como o principal comprometimento que adotei no
presente trabalho, que consiste na indissociabilidade entre sociedade e natureza,
46
regida por uma ininterrupta interação entre as dinâmicas naturais e o processo
humano de ocupar e construir espaços se lançando em um processo co-construtivo
da paisagem. Ressalto que os princípios metodológicos de uma análise complexa,
já descritos anteriormente, foram utilizados para pensar a complexidade na
interface floresta/cidade nos parágrafos que se seguem, e se algum momento a
simplificação parecer óbvia, a responsabilidade é somente do autor.
No caso dos remanescentes de mata atlântica no Maciço da Pedra Branca,
a ocupação humana evidentemente apresenta um papel crucial na sua
transformação, e será na atividade humana que concentrarei os meus esforços para
pensar a complexidade da floresta do Camorim. Os usos por populações pretéritas
como a agricultura itinerante indígena; o estabelecimento de engenhos de cana
entre os séculos XVI e XIX que segundo Engemann et al. (2005c) demandavam a
derrubada de quatro a 20 hectares de floresta por ano para alimentação de suas
fornalhas; e a retirada de madeira para produção de carvão, que resultou em
intenso desmatamento na região (CORREA, 1933) foram determinantes para o
entendimento da regeneração ecológica da floresta que percebemos na atualidade.
Após o abandono da área para este fim, deu-se início ao processo de sucessão,
dando origem, conforme descreve Oliveira (et al., 2012), a extensas áreas com
predominância de espécies pioneiras e secundárias em detrimento das climáxicas.
Optei, nesse capítulo por ressaltar o caráter complementar daquilo que é
aparentemente antagônico - os pares dialógicos sociedade / natureza e
homogeneidade / heterogeneidade - na tentativa de vislumbrar as motivações das
populações humanas contemporâneas na transformação das paisagens na cidade
do Rio de Janeiro, relacionando-as com os processos de recursividade (as
sociedades transformam a paisagem e as paisagens re-configuram a espacialização
das sociedades) que permitem identificar, no caso do presente estudo, que a
cidade está na floresta e a floresta está na cidade (relação entre partes e todo).
2.5 A paisagem como uma construção social
Discursar sobre o conceito de paisagem sem me referir a como pretendo
abordá-lo teoricamente, não possibilitaria desenvolver uma construção
epistemológica que permite pensar a relação entre paisagem, cultura e floresta.
Portanto, a paisagem, enquanto construção social, carrega consigo uma mensagem
47
intencional (CLAVAL, 2004, p.67) não sendo somente base material, mas dotada
de signos e símbolos, onde esta, conforme descreve Brunet (1992, p. 339 apud
CLAVAL, 2004, P. 72) “é aquilo que ela revela a quem sabe olhar”. Contudo, o
gesto, a ação de “olhar”, consiste na manifestação dos diferentes sentidos,
combinados ou não, constituindo uma paisagem multissensorial. Ao analisar a
paisagem somente pela visão, as suas limitações (técnicas, informacionais,
fisiológicas, entre outras) podem corroborar para uma concepção tendenciosa em
virtude de uma dócil alienação, onde a paisagem pode vir a configurar como um
“espetáculo” repleto de símbolos e signos ocultados durante a sua construção.
Conforme descreve Nogué (2007, p. 13) “as paisagens se convertem em
espetáculo quando utilizadas pelo marketing urbano recriando a diferença ou a
semelhança e reinterpretando o passado”.
A “paisagem-espetáculo” aqui sugerida é aquela que tem a sua imagem
apropriada para fins mercadológicos e será retratada em maiores detalhes mais
adiante. A emergência do espetáculo é frequentemente observada na construção
de uma paisagem que passa a adquirir uma nova significação, que tende a
contemplar os interesses hegemônicos, principalmente quando resulta no processo
de gentrificação ou expulsão direta de populações de baixa renda incapacitadas de
subsistir em seus antigos territórios. Tal paisagem então, após o processo de re-
significação adquire o status simbólico espetacular para quem a concebe somente,
ou majoritariamente pelo olhar, onde o espetáculo, conforme descreve Guy
Debord (1997) “não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre
pessoas, mediadas por imagens”, neste caso, as paisagens. O autor Joan Nogué
(2006, p. 12) atenta para o fato de que o olhar costuma não ser gratuito, e por
serem construídas (as paisagens) respondem a uma ideologia que busca transmitir
uma determinada forma de apropriação do espaço. Portanto, a paisagem é aqui
entendida como subjetivada pelo observador (CLAVAL, 2004) e sujeita a todos
os sentidos e modos de relação do indivíduo com o mundo (BERQUE, 1998)
sendo consumada em um imenso palimpsesto (NOGUÉ, 2007) em constante
construção a partir de intencionalidades humanas e dinâmicas naturais.
48
2.6 A emergência das paisagens espetaculares
Reflito, no presente subcapítulo, sobre o fato que ganhou relevante
notoriedade durante a execução do presente projeto, afinal a paisagem que
observo e interpreto nas áreas baixas circunvizinhas à floresta do Camorim, está
sendo intensamente transformada pela atividade de empreendimentos,
notadamente do ramo imobiliário na região. Embora não seja possível evidenciar
no presente trabalho a certeza que o discurso da vida no verde esteja atuando
como importante mecanismo de sedução para atrair novos compradores para os
empreendimentos da região, julgo como uma obrigação documentar tal fato para
que fique registrado como uma colboração para futuros trabalhos na região.
A apropriação adquire diferentes rostos que podem disfarçar a sua
estratégia de dominação. A emergência das paisagens espetaculares confere a
determinados lugares e suas respectivas “singularidades naturais”, o apelo
necessário para atrair investimentos que se apropriam de uma paisagem e seus
recursos. Diante da verdolatria11 emergente, em grande parte balizada pelo
discurso sustentável, os investimentos não optam pela transformação dos recursos,
mas diante da “vida no verde” optam por uma re-significação das paisagens. O
que ocorre então é uma apropriação da paisagem e a tentativa de dominação das
práticas espaciais que existiam nesses territórios, atraindo para estes lugares as
populações que se encontravam imersas no “caos urbano”, agora, devidamente
hipnotizadas diante do espetáculo verde emergente.
Tal fato pode se traduzir em uma espécie de êxodo de classes mais
abastadas, que salvo caso de não possuírem residência fixa, se instalam em seus
“refúgios naturais construídos” na busca pela qualidade de vida, enquanto as
comunidades que ali habitavam, são expostas à escalada em ordem geométrica
dos valores de troca de seu cotidiano e quando não são removidas diretamente,
podem abandonar os seus antigos territórios diante do processo de gentrificação.
No caso da floresta do Camorim, uma floresta que apresenta um importante apelo
paisagístico e demonstra uma intrínseca relação com as populações que nela
subsistiram, as histórias dessas populações são frequentemente suprimidas nas
representações da paisagem reduzida aos preços de mercado. 11 O Termo “verdolatria” foi adaptado de Alain Roger (2007, p. 67), porém não configura na mesma abordagem do termo utilizado pelo autor.
49
Corrobora-se então, não somente para o abandono das práticas espaciais e
de antigos territórios, mas para o crescimento urbano precário em áreas
longínquas dos grandes centros de expansão imobiliária, com reduzido potencial
produtivo e frequentemente mais suscetíveis aos desastres naturais. Emerge então,
a complexidade que se refere aos fatores oriundos de dinâmicas dessa natureza.
Como exemplo, pode-se pensar em uma demanda crescente de transportes
públicos que venham a permitir a locomoção dos indivíduos por grandes
distâncias e maior tempo, contribuindo para a emissão de gases poluentes,
materiais particulados e agregando aos centros urbanos uma feição que cada vez
mais atua como fator que promove a busca por qualidade de vida de uns e a
precarização espacial de outros, evidenciando, nesse caso, uma divisão social do
ecologismo e uma divisão espacial da degradação ambiental que afetam toda
sociedade.
Tal fato não é meramente especulativo, e a dinâmica descrita acima pode
ter influenciado nos resultados obtidos por Togashi (2011), onde o autor descreve
que na sub-bacia do rio Caçambe, inserida na área amostral do presente estudo,
um elevado valor do cátion Ca+² nos fluxos de precipitação e atravessamento,
sugerem a forte pressão antrópica que estas florestas vêm sofrendo. Os elevados
valores de Ca+² podem estar associados à produção de cimento e queima de
combustível que resultam do elevado crescimento urbano na região. Cabe
ressaltar que se trata de uma região estratégica para a concentração de atividades a
serem realizadas na Copa do Mundo de Futebol de 2014 e nos Jogos Olímpicos de
2016.
Destaco que os conflitos observados nos limites territoriais do Parque
Estadual da Pedra Branca (PEPB), totalizando em 458 ocorrências no período de
1993 a 2008 (VALLEJO et al. 2009) demonstram a necessidade de uma revisão
das questões fundiárias existentes nos limites do Parque ( limites da cota 100 m),
mas ressalto que tais práticas não estão dissociadas das dinâmicas que ocorrem
nas áreas da planície. Há, portanto, a necessidade de destinar um enfoque para
essas questões, e a emergência das paisagens espetaculares, embora aqui esteja
atuando somente como um registro, provavelmente apresenta influência
significativa na questão fundiária dos limites do PEPB.
Tão importante quanto é ressaltar que na medida em que ocorre a apropriação
privada da biodiversidade, semelhante apropriação cultural estaria ocorrendo
50
(Moreira, 2004, p. 14), logo, diante da perda de componentes da biodiversidade,
semelhante perda cultural é observada, existindo certa proporcionalidade entre
esses dois aspectos re-configurando a paisagem do lugar. Note-se que a mesma
dinâmica também pode ser observada em locais com ecossistemas distintos, mas
particularmente no caso das florestas tropicais, quando estas se tornam alvo de
apropriações, mesmo sem perda da biodiversidade, resulta em transformações
profundas na memória biocultural do lugar.
Conforme demonstrado nos parágrafos anteriores, a indissociabilidade entre
sociedade e natureza se manifesta nas mais diversas situações, mas um fator que
se mostra pertinente é que a exploração e apropriação de determinados recursos,
quando se encontram sob as finalidades mercadológicas, não estão dissociadas da
precarização de uma determinada vertente social, que salvo em casos específicos,
não vivencia as benesses oriundas dos fins pelos quais determinados recursos
foram explorados.
Sabe-se que diante da problemática perante as sucessivas crises econômico-
ecológicas a palavra/conceito “sustentabilidade” figura como uma alternativa
provida do saber científico para “salvar o futuro” do caos oriundo da exploração
exacerbada dos recursos naturais, porém na tentativa de evitar o
comprometimento do modo de produção capitalista. Portanto, muitas contradições
estão ocultas na divulgação de verdadeiras “receitas” pré-definidas para alcançar
uma prática sustentável. Atento aqui, para o fato que Moreira (2004, p. 14)
evidencia: “A apropriação social do conhecimento científico pode configurar-se
como ideologia de legitimação de forças hegemônicas ou como instrumento
ideológico da própria compreensão da realidade social”.
O autor Moreira (2004, p. 3) descreve esta problemática quando diz que:
Uma ordem capitalista, que impõe à sustentabilidade um planejamento de mercado, ou seja, tende a direcionar a sustentabilidade às disputas políticas do planejamento e às competições técnico-econômicas do mercado. Nesse sentido o discurso da sustentabilidade carrega uma utopia e esconde assimetrias de poderes.
Portanto, o conceito de sustentabilidade não deve se considerar acabado,
pavimentado, como uma receita a ser adotada, pois assim não ultrapassa a
caracterização de uma utopia dentro de um planejamento de futuro. Deve a
sustentabilidade se firmar em uma contínua construção, para que se adeque às
necessidades de cada escala espacial na qual está inserida, com a colaboração
direta de todos os interessados e não somente uma parcela, para que atuem,
51
conforme descreve Leff (2007), em uma potencial articulação de uma construção
sinergética da produtividade ecológica, da organização social e da potência
tecnológica. Em contrapartida, deve-se ter a destreza para que não se caia na
falácia de um discurso sustentável conforme praticado em sua origem na Europa
Central, pois mesmo diante de uma razoável sustentabilidade ambiental nos
bosques dos feudos, conforme descreveu Marquart (2006), a sua prática
constantemente se confundia em uma barganha de controle social por intermédio
das relações de poder dentro de cada feudo.
Busquei então, em um rápido trânsito diante da “nebulosa ambiental”
(Moreira, 2004) atentar para o fato da divisão social do ecologismo, que Leff
(2005, p. 69) define como: O “Ecologismo dos pobres” que distinguem-se por seus objetivos (luta pela sobrevivência) dos valores pós-materialistas (qualidade de vida) dos ricos, propõe projetos produtivos e sociais alternativos, onde toda luta por equiidade e pela justiça se trava a partir de princípios de diversidade e diferença, de identidade e autonomia, e não de transações e compensações estabelecidas pelas regras de valorização, negociação, complementação e distribuição da globalização econômico-ecológica.
Esta contribuição, figura como um olhar para o futuro, de maneira a
contemplar algumas intencionalidades das sociedades e suas respectivas
espacializações diante das dinâmicas da natureza, que na condição de objeto da
realização de interesses particulares resultam em nada mais do que
sustentabilidades insustentáveis para toda a sociedade, porém, recaindo as
mazelas dessa prática, e das dinâmicas naturais, majoritariamente sobre as
populações mais precarizadas com limitado poder de decisão.
A contradição se expressa quando a florestas do Camorim, que apresenta
importantes funções ecológicas e notável capacidade de recuperação frente aos
distúrbios pretéritos, ironicamente, quando apropriadas por sua “exuberância
paisagística” adquirem o status de importante componente motivador da elevada
especulação imobiliária na região, sendo esse fator, aquele que se destaca como
importante fonte da pressão antrópica que essa floresta vem sofrendo atualmente.
52
2.7 O metabolismo entre sociedade e natureza
Optei, neste sub-capítulo, por enfatizar a questão da apropriação de
recursos (ecossistemas e culturas) e do trabalho (tempo e energia) através do
rastreamento das demandas energéticas e recursos naturais para suprir a cidade
durante dado tempo histórico, e consequente exploração de determinada
população e/ou vertente social através da apropriação de determinado recurso,
onde a energia despendida no trabalho de algumas vertentes sociais foi
fundamental para o estabelecimento de outras, caso evidenciado com maior
clareza no sub-capítulo intitulado A cidade do carvão e o carvão da cidade: O
metabolismo social da floresta do Camorim nas décadas de 1930 a 1950. É
importante frisar que os usos florestais descritos nos sub-capítulos que se seguem,
embora não exclusivamente, ocorreram na floresta do Camorim e, portanto, serão
descritos com maior acuidade para evidenciar as resultantes socioambientais na
referida floresta e áreas adjacentes no Maciço da Pedra Branca.
Para descrever o tal fato, e consequentemente os processos de (in)
sustentabilidade social e ecológica de determinados sistemas produtivos se torna
pertinente o conceito de metabolismo social que conforme descrevem Casado &
Molina (2007), consiste em uma alternativa de se apreender a lógica dos métodos
de produção e relações sociais a partir dos fluxos de energia e materiais no
processo de retirada, transformação e devolução à natureza. Portanto, Toledo e
Molina (2007) propõem cinco processos a serem compreendidos no metabolismo
social que consistem em: apropriação, transformação, distribuição, consumo e
excreção.
Para fins analíticos, entendo que o rompimento do metabolismo entre
sociedade e natureza ocorre quando determinado ecossistema não apresenta mais
a capacidade, mesmo que temporária, de resiliência, estabilidade ou resistência,
frente aos distúrbios de origem antropogênica, que quando dotados de uma
intencionalidade direcionada à exploração de um determinado recurso,
notadamente a partir dos imperativos da competitividade, ultrapassam as relações
que permitem a coexistência entre sociedade e natureza (ecossistemas). Ressalto
que a análise exposta nos parágrafos seguintes aqui se insere como um importante
registro que revela a ausência de um passado presente na floresta do Camorim.
53
2.7.1 O complexo açucareiro, a floresta e a cidade: O Rio de Janeiro nos séculos XVII e XVIII
Não é possível dissociar os impactos de devastação sofridos nos
ecossistemas de floresta atlântica na região do Rio de Janeiro e a instalação do
complexo econômico do açúcar no início do século XVII. O rápido crescimento
no número de engenhos observados nas quatro primeiras décadas do referido
século denunciam condições favoráveis aos negócios açucareiros que ocorriam na
capitania (ABREU, 2010). A utilização da floresta para suprir as necessidades de
cada engenho será o principal alvo de investigação nesse tópico, uma vez que os
complexos açucareiros dos engenhos apresentam influência na maneira que a
floresta no maciço da Pedra Branca se comporta atualmente, destacando-se o fato
que esta floresta representou uma importante matriz de matérias primas que
sustentavam as demandas dos engenhos, destacando-se a oferta de lenha e
madeira.
A lenha da floresta era destinada em grande parte para alimentar o fogo
nos tonéis onde o açúcar era cristalizado. Segundo Dean (2005) cerca de quinze
quilos de lenha eram queimados para produzir cada quilo de açúcar, acarretando
na utilização de cerca de 210 mil toneladas de florestas e manguezais cortados
anualmente para esse fim. São poucas as documentações a respeito das
quantidades de açúcar produzidos no Rio de Janeiro no século XVII, fator
dificultado pelos quantitativos destinados à produção de aguardente, que
constituía em uma fonte de renda para os senhores de engenho e moeda de troca
no tráfico de escravos africanos. Destaca-se para a análise de utilização da
floresta, o fato do açúcar ter sido transportado para Portugal em caixas de
madeira, predominando até a década de 70 do século XVII as caixas de
aproximadamente 20 arrobas (294 quilos) enquanto que nas décadas restantes,
predominaram as caixas de 30 arrobas (441 quilos) (ABREU, 2010).
Em um estudo realizado na floresta do Camorim, Engemann (et al. 2005)
estimam a produção de açúcar no engenho do Camorim entre 220 a 300 toneladas
de açúcar sendo fabricadas, por safra, com cerca de 400 a 600 caixas de madeira
para transportar o açúcar produzido, o que veio a consumir anualmente cerca de
56 a 84 m³ de madeira serradas em tábuas. A partir de dados referentes aos
exemplares arbóreos encontrados no período do referido estudo, os autores
54
estimaram o abate de cerca de 12 árvores com diâmetro superior a 70 cm para este
fim. Embora provavelmente praticada de maneira seletiva e pontual, o abate de
árvores para obtenção de madeira provavelmente demandou a exploração de um
vasto território florestado. Destaco que segundo os autores, as demandas mais
significativas de madeira eram destinadas para as necessidades energéticas do
engenho. O estudo quantitativo realizado na floresta do Camorim revelou a
necessidade do abate anual de oito a 15 hectares de floresta para alimentação das
fornalhas (ENGEMANN et al. op cit).
O quantitativo apresentado por Abreu (2011, p. 62) (Tabela 2.1) apontam
para dados que sugerem intensa exploração de madeira para a produção de açúcar
no Rio de Janeiro entre 1643 e 1710. Os dados de caixas de açúcar e capacidade
em arrobas totalizam em 54.970 caixas de açúcar, sendo 16.470 caixas com
capacidade de 30 arrobas (441 quilos). A produção total em arrobas, para o
período analisado pelo autor foi de 1.264.100, onde constavam 770.000 arrobas
em caixas que comportavam 294 quilos (20 arrobas) totalizando 11.319.000
toneladas e 494.100 arrobas distribuídas em caixas de 441 quilos totalizando
7.263.270 toneladas (30 arrobas). O total produzido para o período, em toneladas,
segundo as informações contidas no trabalho de Abreu (op. cit) foi de 18.582.270
toneladas de açúcar. Os números observados demonstram que o Rio de Janeiro do
século XVII estava integrado no sistema da grande lavoura canavieira, que se
encontrava estabelecido em Pernambuco e na Bahia, mas quais seriam os
impactos socioambientais observados na capitania em detrimento da atividade
açucareira e da policultura para subsistência no Rio de Janeiro?
55
Tabela 2.1 – Quantitativos da produção de açúcar, em arrobas, no Rio de Janeiro durante o período de 1643 a 1710. Adaptado de Abreu (2010).
Ano Quantidade de caixas Capacidade das caixas
(em arrobas) Produção (em arrobas)
1643 7.500 20 150.000 1647 8.000 20 160.000 1651 11.000 20 220.000 1659 5.500 20 110.000 1671 6.500 20 130.000 1688 6.250 30 187.500 1710 10.220 30 306.600
Total 54.970 160 1.264.100
Torna-se até difícil imaginar os impactos socioambientais originados a
partir da instalação do sistema da grande lavoura canavieira no território
brasileiro. Evidências e relatos históricos apontam para uma atmosfera de caos
onde as perdas de substrato florestado para possibilitar o estabelecimento de tal
atividade foi devastador. A partir do anteriormente exposto, que não explora a
totalidade das resultantes socioambientais da instalação do complexo açucareiro
na floresta do Camorim, é possível especular, a partir das dinâmicas descritas no
capítulo I do presente trabalho, que a transformação da paisagem pela atividade
açucareira e da exploração de lenha e madeira não ficou restrita somente às áreas
florestadas nas encostas, afetando diretamente as áreas de baixadas, assim como
os mangues, lagunas e restingas da região. É provável que alterações
significativas nos processos de sedimentação das áreas mais baixas tenham sido
desencadeadas, notadamente a partir da perda de substrato vegetal nas áreas de
encosta e desencadeamento de processos erosivos a partir da diminuição da
evapotranspiração e interceptação florestal, notadamente nos períodos com
maiores intensidades de chuvas. Tal fato, provavelmente afetou a estabilidade da
referida floresta, que após o abandono da área para este fim, permitiu a resiliência
da floresta, mas sob uma nova organização, que provavelmente afetou os modos
de relação das sociedades com a floresta a partir do referido período.
Emerge novamente, a relação entre partes e todo que compõem o sistema,
mas não dissociados de motivações de uma ordem econômica, que não fosse o
caso de abandono das atividades para as finalidades expostas acima,
56
invariavelmente resultaria na re-significação das relações entre sociedade e
natureza presentes na cidade do Rio de Janeiro nos dias atuais. Para pensar tal
associação, peço que o leitor, inserido em nosso tempo histórico, pense em áreas
extensamente devastadas e cobertas por um mosaico de gramíneas e solos
visivelmente desnutridos, e a partir desse exercício que vislumbra o rompimento
do metabolismo entre sociedade e natureza ofereço a retórica: Existe espetáculo
sem a construção de uma imagem?
2.7.2 A cidade do carvão e o carvão da cidade: O metabolismo social na floresta do Camorim nas décadas de 1930 a 1950
No caso das antigas carvoarias presentes nas florestas do Maciço da Pedra
Branca no Rio de Janeiro, destaca-se o estudo de Oliveira & Fraga (2012) que
analisam o metabolismo social de três sistemas produtivos históricos no Rio de
Janeiro, as carvoarias do Maciço da Pedra Branca, o Engenho de Açúcar do
Camorim, localizado no piemonte do maciço da Pedra Branca, e os Engenhos de
Rio dos Meros e Rio Turvo localizados em Paraty. Esse método de análise sugere
importante contribuição para uma abordagem socioambiental sob uma perspectiva
histórica, notadamente sobre as populações de carvoeiros onde a paisagem em sua
forma, função e estrutura pode auxiliar na reconstrução histórica dessas
populações revelando um passado presente nestas florestas.
É provável que as populações de carvoeiros presentes nas encostas do
maciço da Pedra Branca fossem compostas principalmente por alforriados e
pequenos agricultores e que a utilização de materiais para a produção de carvão
fosse relativamente pequena, consistindo basicamente em um machado, um
enxadão, um ciscador e uma pederneira. Destaca-se que o carvão constitui uma
fonte de energia cujo custo de produção é composto quase exclusivamente do
trabalho investido nele (OLSON, 1991). No caso específico do carvão oriundo do
Maciço da Pedra Branca, os cinco processos referentes ao metabolismo social
consistiam segundo Fraga e Oliveira (2012) em:
Apropriação – Consistia em um processo simples pelos carvoeiros com o a
escavação do solo em determinado ponto da encosta para posterior
estabelecimento do balão de carvão utilizando a enxada para limpeza e
57
aplainamento e o corte não seletivo de madeira para posterior transformação em
carvão.
Transformação – Via combustão abafada com redução da matéria (lenha) para
facilitar a distribuição.
Distribuição – Ocorria em distância relativamente curta (cerca de 40 km) do
Maciço da Pedra Branca até a cidade, transportado por burros nas regiões
montanhosas do percurso.
Consumo - Destinado a diferentes unidades de apropriação, como fogões
domésticos e crescentes indústrias para posterior excreção através da combustão.
Após o abandono da área para os fins citados nos parágrafos anteriores, é
provável que tenha ocorrido uma razoável regeneração das florestas do maciço,
gerando extensas áreas de florestas secundárias, assim como razoável regeneração
de mangues e lagunas que circunscrevem a região. A análise antracológica
realizada por Oliveira (2010) na bacia do rio Caçambe, sugere que a atividade
carvoeira não afetou a floresta do divisor de drenagem de maneira significativa,
enquanto que no fundo de vale, área amostral do presente estudo, a diversidade
pode ter sido reduzida. A autora baliza essa hipótese a partir da ampla ocorrência
de carrapetas (Guarea guidonia) atualmente presentes na área, conforme
demonstrado no levantamento fitossociológico de Solórzano (et al., 2005).
Segundo as análises da autora em uma antiga carvoaria localizada no fundo de
vale, a referida espécie não apresentou a mesma dominância quando comprada
com a floresta atual e a ausência de indícios que indiquem seletividade para
produção de carvão fortalece essa hipótese.
Porém, mesmo diante da estabilidade da floresta após a exploração desta
área pelos carvoeiros, como estas populações, composta de uma mão de obra
pouco qualificada dada a simplicidade necessária para a atividade de carvoeiro,
viriam a se estabelecer na cidade?
Neste caso a paisagem florestal influenciada pela atividade dos carvoeiros
em meados dos séculos XIX e XX no Maciço da Pedra Branca foi igualmente
transformadora da paisagem da cidade do Rio de Janeiro, que carecia da fonte de
energia fornecida pelo carvão. Tal fato, durante e após o término dessa atividade,
agregou um maior nível de complexidade tanto ao espaço da cidade, como ao
espaço das florestas da região. Novamente emergem os preceitos de uma análise
58
complexa, é possível observar a recursividade, a relação entre as partes e o todo e
a dialógica, que permite apreender a realidade do que é complexo.
Portanto a cidade do Rio de Janeiro e a floresta do maciço não estão
isoladas uma da outra. A paisagem, como porção do espaço, possui uma memória,
expressa em um complexo interativo entre sociedades e “natureza”, onde cada
sociedade, em determinado tempo histórico, imprime na paisagem práticas que
refletem suas necessidades biológicas, culturais e simbólicas que em confluência
com a dinâmica natural, conferem ao sistema um aumento no que se refere à
complexidade, instabilidade e imprevisibilidade.
A aplicação do conceito de metabolismo social se torna extremamente
relevante para a elaboração de um diagnóstico ambiental que não venha a
priorizar somente as resultantes ecológicas de determinadas práticas de
apropriação, e através da investigação de cada processo pode-se elaborar
alternativas que venham a descrever o metabolismo entre sociedades e natureza, e
servir de fundamentação teórico-metodológica no entendimento das resultantes
socioambientais de determinadas práticas, assim como uma importante
contribuição nas diretrizes que regem as práticas de manejo em ecossistemas
florestais, notadamente quando inseridos em unidades de conservação.
Cabe ressaltar aqui, a importância da variável tempo durante cada etapa do
metabolismo social, que permite acompanhar as transformações originadas a
partir das respectivas etapas. Um exemplo claro deste quesito é a maximização de
proveitos oriundos do uso do solo, por exemplo, de uma determinada atividade
agrícola, exigindo uma redução no intervalo de tempo para sua execução. Este
fato expõe todo o sistema em questão à incapacidade de recuperação, rompe-se
com os atratores que conferiam resistência e/ou resiliência, e quando estes usos
são sobrepostos em intervalos temporais cada vez menores chega-se então a um
dado nível de saturação que lança a respectiva porção de terra à insustentabilidade
ecológica, econômica e social, fato que pode ser observado nos mares de morros
que compõem a paisagem do vale do Paraíba após a exploração excessiva do café
e posterior substituição pela pecuária.
Novamente, a partir do exercício que me propus a realizar, ofereço ao
leitor a reflexão para pensar a intrínseca relação da espacialização dos carvoeiros
nas encostas do maciço com os sedimentos analisados. Um único argumento pode
balizar esta relação, uma vez que não fosse a partir de processos investigativos em
59
campo, da distribuição espacial dos agregados de sedimentos e matéria orgânica
nas encostas do maciço, a história dessas populações não escapariam escassas
referências, tais como descritas na obra de Magalhães Correa (1933). Portanto, a
contribuição que ofereço, é igualmente compromissada a um relato, por menor
que seja, vislumbrando a memória dessas populações que habitaram as encostas
do maciço, onde ruínas, objetos e sedimentos contam parte de uma história. Cabe
ressaltar que essas populações, a partir de suas ações, contribuíram diretamente
para a organização do sistema florestal atual, que sob a égide das
homogeneizações e/ou recriações do passado e das singularidades, resultam na
omissão de uma história escrita na paisagem, evidenciando a ausência de um
passado presente.
60
3 A dinâmica hidrológica na floresta e na cidade: uma história climática
3.1 Hidrologia
A análise hidrológica apresentada no presente capítulo, embora dotada de
forte componente histórico, uma vez que está associada com uma temporalidade
climática, e as precipitações são mensuradas a partir de uma relação de quantidade
(expressa em altura milimétrica) por unidade de tempo, apresenta fundamental
influência no desencadeamento de processos erosivos e preenchimento de
aquíferos, fundamentais para se pensar a espacialização humana. Outro fator
merece destaque nessa perspectiva, uma vez que as dinâmicas hidrológicas, diante
dos processos erosivos e de intemperismo, são fundamentais para estabelecer a
conexão com o passado, expressa, por exemplo, em padrões morfológicos e
distribuição dos sedimentos. Portanto, as linhas que se seguem são destinadas à
descrição das dinâmicas de ordem hidrológica passíveis de influenciar na relação
entre sociedades (intencionalidades) e natureza (dinâmicas naturais).
A Hidrologia é a ciência que aborda o estudo da água na natureza,
abrangendo as propriedades, fenômenos e distribuição da água na atmosfera,
superfície terrestre e no subsolo. A água representa um elemento físico de extrema
importância na composição da paisagem terrestre, apresentando o papel de agente
modelador do relevo da superfície terrestre e exercendo controle na formação e no
comportamento mecânico dos mantos de solos e rochas. A intrínseca relação entre
o progresso e o crescente grau de utilização dos recursos hídricos evidencia a
relevância da hidrologia na complementação dos conhecimentos necessários ao
seu melhor aproveitamento (PINTO, 1978; COELHO-NETTO, 1994).
As dinâmicas que regem o ciclo hidrológico carregam consigo um elevado
nível de complexidade, onde cada etapa referente ao mesmo apresenta
61
particularidades dignas de serem estudadas sob a perspectiva de diversas áreas do
saber, conferindo assim, aos estudos hidrológicos, a característica de um crescente
campo de debate interdisciplinar. Cabe aqui a contribuição na descrição das
dinâmicas de cada etapa referente ao ciclo hidrológico para que seja contemplada
a relevância do tema no entendimento da relação entre sociedade e natureza que
ocorre nas encostas e planícies da cidade do Rio de Janeiro.
A água no estado líquido é referida como elemento principal dos estudos
hidrológicos e se apresenta na superfície sob a forma de chuvas na atmosfera,
lagos, lagunas, rios e oceanos, enquanto que abaixo da superfície se apresenta
como água no solo e aqüíferos subterrâneos (COELHO-NETTO, 2005, p. 95).
Por se tratar de um ciclo fechado, qualquer que seja o ponto de partida
para caracterização do mesmo se configura em uma opção para interpretação e
descrição do ciclo hidrológico. Configuram como os elementos representativos do
referido ciclo os processos de precipitação, escoamento superficial ou
subterrâneo, evaporação e evapotranspiração, que evidenciam, por exemplo, a
partir de uma distribuição equilibrada a constância do nível médio dos mares
(PINTO, 1978).
A precipitação é caracterizada pela água proveniente do vapor de água da
atmosfera depositada na superfície terrestre, onde ocorre sob a forma de chuva,
granizo, neblina, neve ou geada. A formação das precipitações está associada à
ascensão de massas de ar, onde a influência da convecção térmica, do relevo e da
ação frontal das massas apresenta extrema relevância para o entendimento deste
fenômeno. A ascensão do ar provoca um resfriamento que pode fazer o mesmo
atingir o seu ponto de saturação para posterior condensação do vapor de água em
forma de gotículas mantidas em suspensão sob a forma de nuvens ou nevoeiros.
Para que ocorra a precipitação é necessário que essas gotas adquiram crescimentos
a partir de seus núcleos de condensação formados pela ação de micropartículas,
sais procedentes do mar, cristais de gelo, produtos de combustão contendo ácidos
nítrico e sulfúrico (BERTONI e TUCCI, 2001), até que alcancem o peso
suficiente para vencer as forças de sustentação que as mantêm suspensas. O
retorno à superfície se dá na forma de chuvas, neblina ou gelo e neve, fatores que
dependem das condições de temperatura na sua zona de precipitação. Parte da
precipitação não atinge o solo, em virtude da evaporação durante a queda das
62
gotas e interceptação pela vegetação ou até mesmo por construções de origem
antrópica. No que se refere ao volume que atinge o solo, um determinado volume
se infiltra no mesmo, parte escoa sobre a superfície e parte evapora diretamente
e/ou pela transpiração das plantas no processo de evapotranspiração. Após o
preenchimento do déficit hídrico no solo, pode ocorrer o escoamento
subsuperficial. A água então preenche as depressões do terreno para que
posteriormente se inicie o fluxo superficial, canalizado ou não canalizado, quanto
que abaixo da superfície, a água se move lentamente em direção aos rios ou
oceanos (PINTO, 1978; HOLTZ, 1978; COELHO-NETTO, 2005).
Os tipos de precipitação são caracterizados em frontais, quando ocorrem
ao longo da linha de descontinuidade separando duas massas de características
diferentes; orográficas, quando o ar é forçado a transpor barreiras físicas de
montanhas e convectivas, ocasionadas pela ascensão de ar devida às diferenças de
temperatura na camada vizinha na atmosfera. As duas primeiras estão mais
presentes em grandes áreas estando às precipitações convectivas associadas às
pequenas áreas (HOLTZ,1978). Segundo Togashi (2011) a dinâmica de massas é
o principal fator determinante da dinâmica pluviométrica no Maciço da Pedra
Branca. No Sudeste Brasileiro as massas que influenciam no clima, em diferentes
magnitudes, são a massa equatorial continental (MEC), massa tropical Atlântica
(MTA) e a massa polar atlântica (MPA) (MENDONÇA e DANNI-OLIVEIRA,
2007). 3.2 Pluviometria no Rio de Janeiro
Conforme descrevem Dereckynski et al.(2009), entre os anos de 1997 e
2006 na cidade do Rio de Janeiro, os eventos de chuvas intensas foram
ocasionados em maior parte por sistemas frontais (SF´s), correspondendo a 77%
dos casos. Os fenômenos de sistemas quase estacionários (ZCAS) correspondeu a
13% dos casos, declinando de janeiro a março e sendo quase nula de abril a
setembro, com posterior elevação de outubro a dezembro. Os sistemas
convectivos de mesoescala (SMMs) corresponderam a 8% dos eventos e
apresentaram declínio somente no inverno. Os casos de precipitação intensa
provocados por correntes marítimas foram apenas 2%. O valor mais elevado de
63
frequência de eventos intensos foi em 1998 com 25 casos enquanto no ano 2000
foi observada a menor frequência com 10 casos. (DERECZYNSKI et al. , 2009)
O efeito orográfico se apresenta como um fator influente na ocorrência da
precipitação local. Os maciços da Pedra Branca, da Tijuca e do Gericinó-Medanha
recebem os máximos pluviométricos de toda a cidade (DERECZYNSKI et al .,
2009; COELHO-NETTO, 2007). A área do maciço da Pedra Branca se caracteriza
pela propensão a elevados valores pluviométricos e o efeito orográfico adido à
proximidade de fonte de umidade e de sais, figura como um dos principais
formadores dos núcleos de condensação.
Os estudos no campo da hidrologia são indispensáveis para cidades como
é o caso do Rio de Janeiro, que desde a sua fundação apresenta uma estreita
relação com variáveis ambientais relacionadas à escassez e excesso de água nas
baixadas e planícies. Segundo Abreu (2006, p. 35) a transformação radical da
forma urbana no Rio de Janeiro, a partir do século XIX é caracterizada como “um
chão duramente conquistado à natureza, através de um processo de dessecamento
de brejos e mangues que já durava mais de três séculos”. No Atlas da Evolução da
Cidade do Rio de Janeiro, Barreiros (1965 apud LEONARDOS, 1974, p. 3) indica
que até o começo do século XVII, o centro da cidade atual era um extenso alagadiço com meia dúzia de lagoas remanescentes: Boqueirão da Ajuda, Santo Antônio, Desterro, Lampadosa, Sentinela e Dona Carlota. Os sucessivos aterros desses alagados resolveram precariamente a urbanização da cidade antiga, porém ficaram dependendo de saneamento a Lagoa de Sacopenapã (Rodrigo de Freitas), em cuja margem o fidalgo Rodrigo de Freitas de Melo e Castro abriu fazenda e as lagunas da Tijuca, Marapendi e Jacarepaguá.
O aterro das antigas lagunas e braços de mar apresenta importante
negligência no que se referia às funções que esses ecossistemas poderiam prover,
pois atualmente, diversas áreas baixas da cidade, estão sujeitas aos riscos de
inundação, em virtude da proximidade do lençol freático e a dificuldade de
drenagem desses locais (NACARATTI, 2008). Igualmente importante à tarefa de
evidenciar o fato de a ocupação humana possuir um papel crucial na
transformação da paisagem é contemplar a contribuição das diferentes escalas
temporais, conforme descritas ao longo do presente trabalho, principalmente no
que se refere ao crescente número de projetos e empreendimentos urbanos, onde
existe a possibilidade de um aumento significativo na ocorrência de desastres
oriundos da complexa interação entre a crescente espacialização humana e as
dinâmicas da natureza, notadamente diante do cenário de mudanças climáticas.
64
Segundo dados da coordenação de Defesa civil da cidade do Rio de
Janeiro de 2006, mais de 68% dos atendimentos relacionados a fatores ambientais
ocorrem em áreas de encostas com suscetibilidade a acidentes geotécnicos de
fatores climáticos, topográficos e geológicos (PCRJ, 2007 apud NACARATTI,
2008). Segundo a descrição de Costa (2002) a maioria os rios que drenam o
Maciço da Pedra Branca apresentam regime torrencial de escoamento durante o
verão com consequente aumento da vazão em decorrência da elevada
pluviosidade, onde o seu contato abrupto com a baixada gera condições favoráveis
às inundações.
Diante de um possível aumento da ocorrência das cheias urbanas,
ocasionados pela ineficiência do sistema de drenagem adido ao maior alcance das
marés nas áreas litorâneas em função da prevista elevação do nível do mar, a
emergência da realização de estudos nessas áreas se torna essencial para a
previsão e conhecimento de fatores atenuantes de impactos sociais e ambientais
providos de eventos chuvosos extremos.
No ano de 2001 o Instituto Pereira Passos indicava que o nível do mar se
elevaria segundo uma variação de 9 a 88 cm nos próximos 100 anos. Em fevereiro
de 2007, o quarto relatório de avaliação do Intergovernmental Panel on Climate
Change (IPCC) apresenta um aumento no nível de certeza de 60% para 90% para
tais previsões. Caso se confirme essas previsões, na região Sudeste as variações de
marés poderiam provocar o empilhamento de até 20 cm de água na costa do Rio
de Janeiro danificando grande parte da infraestrutura urbana à beira mar
(NACARATTI, op cit).
Nas áreas mais baixas um fator se destaca no caso de alterações climáticas,
passíveis de causar importantes impactos nos sistemas de tratamento de esgotos e
de abastecimento de água na cidade. O autor Volschan Jr (2007) propôs a
subdivisão em três cenários possíveis como: modificações pluviométricas,
elevação do nível do mar e elevação da temperatura, onde distintas resultantes
são esperadas. Destacam-se para o primeiro caso de modificações pluviométricas
com períodos de estiagem prolongados, uma tendência ao comprometimento da
disponibilidade de água para os mais diversos usos e a redução do efeito da
diluição de poluentes provenientes de esgotos sanitários e efluentes industriais não
tratados, reduzindo a qualidade dos recursos hídricos disponíveis. No caso de
65
chuvas concentradas, ocorreria a elevação da turbidez e contaminações diversas
que afetariam a potabilidade da água. Com a elevação dos níveis freáticos
subterrâneos pode ocorrer em uma crescente infiltração de águas subterrâneas nas
redes coletoras de esgotos, o que poderia comprometer a capacidade hidráulica
dos elementos que compõem o sistema de esgotamento sanitário, podendo
corroborar para a degradação de corpos de água adjacentes, como rios e lagunas.
Embora o tempo histórico seja outro, os cenários sugerem, em uma interpretação
mais apurada, que o passado não está ausente.
A elevação do nível médio do mar pode acarretar em um
comprometimento da qualidade da água das áreas de abastecimento intermitente e
atendidas por sistemas individuais de extração de água subterrânea pela intrusão
salina de água do mar. A elevação do nível do mar poderá interferir também no
escoamento hidráulico de efluentes tratados de estações de tratamento de esgotos
em corpos d´água receptores. Nas áreas urbanas desprovidas de sistemas públicos
e coletivos de esgotamento sanitário poderá ocorrer comprometimento no
escoamento hidráulico do efluente de seus sistemas privados de tratamento de
esgotos tipo fossa-filtro e/ou ETE´s compactas. No caso de aumento da
temperatura, a principal conseqüência seria o aumento da demanda de água sobre
os sistemas públicos de abastecimento, potencializada ainda pelas perdas por
evaporação nos reservatórios (VOLSCHAN Jr. 2007).
Inserido no cenário de provável aumento do nível do mar, é possível
especular a cerca de possíveis impactos nos ecossistemas costeiros, seja pela
intrusão de águas salinas nos corpos hídricos da região, afetando a vegetação, que
já se encontra sob forte pressão pelo crescimento urbano, precário e não precário.
As florestas de mangues que ocorrem nas margens do complexo lagunar de
Jacarepaguá estariam susceptíveis em virtude da necessidade de substrato para
fixação, atualmente em progressiva diminuição pela crescente urbanização, e
impossibilidade de resiliência de resistência diante do aumento da salinidade
provida pelo provável aumento do nível médio dos mares. Para o cenário de
aumento de eventos pluviométricos extremos, Soares (2007) descreve que o
assoreamento provido de processos erosivos que ocorrem nas montanhas
adjacentes a esse sistema, pode acarretar na estagnação de água doce em áreas
aonde o intercâmbio entre águas salinas e doces era mais eficiente, o que
66
acarretaria em um intenso distúrbio que não só afetaria a resiliência das florestas
de mangue, sensíveis às variações de salinidade, como permitiriam a ocorrência,
em maior escala, de espécies vegetais invasoras, como a samambaia do brejo
(Acrostichum aureum).
Tal fato reconfiguraria a organização do sistema em questão e acarretaria
em profundas transformações na paisagem local, afetando os espaços de
reprodução de populações humanas assim como suas intencionalidades perante a
apropriação da natureza, seja no âmbito das representações como no âmbito das
práticas espaciais. Conforme já citado anteriormente, o processo histórico de
expansão da cidade do Rio de Janeiro por intermédio de sucessivos aterros com a
ocupação das margens dos cursos d´água, consolidados pela ocupação das
planícies de inundação, afetou a manutenção das calhas de drenagens agravando
os eventos de cheias na cidade. A ocupação e o desmatamento das encostas, não
isentos da influência dos processos descritos anteriormente, corroboram para essa
dinâmica na medida em que permite um aumento significativo da velocidade de
escoamento da água que se acumula nas áreas mais baixas da cidade. Diante desse
cenário de aparente antagonismo entre espacialização humana e as dinâmicas
naturais, o conceito de funções ecossistêmicas contribui para o resgate da
interdependência existente entre sociedade e natureza, que embora evidente, tende
a escapar a capacidade de compreensão do fenômeno humano frente às
temporalidades (geológica, climática e biológica) que está inserido.
Defendo aqui, que a ideia de cenário, mesmo que balizada por evidências
científicas, não escapa a prática de uma interpretação, que salvo quando se
considera a impossibilidade do alcance do real pelo filtro da subjetividade e pela
presença da imprevisibilidade, pode se traduzir em argumentos que favorecem os
mecanismos de apropriação e planejamento que, em virtude da sua inserção na
órbita da nebulosa ambiental (MOREIRA, 2004), pode recair sobre a divisão
social do ecologismo (LEFF, 2005) e da divisão espacial da degradação ambiental
(ACSELHAD & BEZERRA, 2009) e deve o pesquisador, ao interpretar o seu
objeto, atentar para essas possibilidades.
67
3.3 Funções ecossistêmicas na interface encosta/planície (floresta/cidade)
As funções ecossistêmicas apresentam intrínseca relação com a espacialização
humana, e apresentam-se como uma importante manifestação da relação entre
sociedade e natureza. No caso do presente estudo, é importante vislumbrar que as
funções ecossistêmicas hoje observadas nas florestas do maciço da Pedra Branca,
manifestadas sob a forma de resiliência e estabilidade florestal, discutidas com
mais propriedade em parágrafos anteriores, culminam em uma organização
originada do jogo entre ordem e desordem e, portanto, apresentam importante
legado histórico, que a prática da história ambiental permite vislumbrar. Destaco,
a partir dessa perspectiva, que as benesses oriundas das funções ecossistêmicas
devem ser um direito de todas as vertentes sociais que se relacionam com os
respectivos ecossistemas provedores das referidas funções, notadamente quando
as referidas sociedades apresentam um papel fundamental na organização dos
ecossistemas na atualidade. Ressalto que, conforme descrito anteriormente, as
práticas sociais devem contemplar o metabolismo entre sociedade natureza
permitindo a coexistência das sustentabilidades ambiental e social.
O autor Marândola Jr. (2005) atenta para a importância do entendimento da
dinâmica dos desastres naturais e de suas consequências no que se refere à
inseparabilidade das características do evento físico com a capacidade de resposta
do grupamento humano afetado, e destaca a vulnerabilidade e a resiliência do
meio como aspectos básicos para essa análise. Segundo o mesmo, a
vulnerabilidade dos lugares consiste em um conjunto de conhecimento de
características de microclima, geomorfologia, vegetação, solo entre outras
referentes ao meio natural relacionando-as com a ocupação humana (densidade),
manejo dos recursos e fatores culturais, políticos, econômicos e institucionais que
virão a determinar a preparação das populações para o enfrentamento das
situações de perigo. A resiliência, já discutida em maiores detalhes no capítulo II,
segundo o autor, está associada à capacidade de recuperação após a ocorrência dos
perigos, uma vez que alguns ecossistemas apresentam maior fragilidade do que
outros. Sendo assim, os danos decorrentes de eventos extremos devem ser
analisados partindo da relação sociedade/natureza e não como um episódio de azar
(MARÂNDOLA Jr., 2005).
68
Cabe ressaltar, que a relação entre sociedade e natureza não possui um caráter
de antagonismo, tampouco um fator exclui o outro, mas se complementam, em
uma interação regida pela intencionalidade humana e a dinâmica natural. Para
exemplificar tal fato se torna pertinente o conceito de funções ecossistêmicas12,
qualificados por Begon et al. (2008 p. 478) em provedores, que incluem fontes de
alimentos, água potável e produtos agrícolas em sistemas agro-produtivos;
culturais, contemplando a satisfação estética e oportunidades educacionais e
recreacionais; reguladores, referindo-se a capacidade do ecossistema de decompor
ou filtrar poluentes e atenuação de distúrbios como inundações e a capacidade do
ecossistema de regular o clima e sustentadores, que se refere à ciclagem de
nutrientes sobre a qual se baseia a produtividade e a formação do solo.
Portanto, há de se convir que as funções ecossistêmicas devem ser
consideradas na tarefa de sugerir alternativas para planejamento do espaço urbano,
de forma a contemplar as populações que venham a se inserir nessas regiões assim
como as populações que habitam esses lugares. Porém, emerge daí a importância
da história ambiental, onde não se pode negligenciar que tais funções são
diretamente dependentes das relações de ordem e desordem que permitem as
organizações dos sistemas, sejam eles florestais e/ou urbanos, e os distúrbios
antropogênicos pretéritos, no caso da floresta do Camorim, foram fundamentais
para o estabelecimento das funções ecossistêmicas hoje observadas nessa área.
Portanto, isentar os antigos habitantes de seus territórios e modos de relação com
as florestas, mesmo que por força legal, não contempla uma verdadeira
sustentabilidade dos referidos ecossistemas. Cabe ressaltar que são específicas as
condicionantes para manutenção de práticas de subsistência e abastecimento de
pequenos mercados, notadamente quando não culmina em práticas de extinção de
espécies, superexplotação de bancos de sementes e alterações que impossibilitem
a resistência e resiliência florestal, permitindo as populações humanas usufruírem
das benesses oriundas das funções ecossistêmicas.
No que se refere às funções ecossistêmicas providas pela floresta atlântica
no Maciço da Pedra Branca, destacam-se o fornecimento da água contida nos rios
e a atenuação de processos hidrológicos, passíveis de causar danos à população
12 O termo “serviços ecossistêmicos”, frequentemente utilizado em estudos ecológicos, será substituído no presente trabalho por funções ecossistêmicas, evitando assim atribuir aos ecossistemas uma categoria de trabalho e/ou servidão únicas às questões humanas.
69
das áreas mais baixas que encontram-se sob a influência de constantes aterros e
impermeabilizações.
As lagunas do complexo lagunar de Jacarepaguá, presentes nas áreas
baixas de planície, possuem um importante papel na absorção e no despejo do
excedente de águas que descem pelas encostas dos maciços da Tijuca e da Pedra
Branca nos períodos chuvosos. Esses ecossistemas apresentam como
característica a presença das zonas de inundação, áreas alagáveis que absorvem os
excedentes de água suavizando e muitas vezes impedindo as inundações. Estas
zonas, esculpidas e moldadas em períodos milenares de transformação e relação
com as montanhas, atualmente são frequentemente negligenciadas nos processos
de urbanização. Emerge então a imprevisibilidade e incontrolabilidade do sistema,
principalmente em um tempo de dúvida diante das dificuldades a serem
enfrentadas pelos centros urbanos por mudanças climáticas.
Com a proximidade da Copa do Mundo de Futebol em 2014 e os Jogos
Olímpicos de 2016, espera-se a intensificação da expansão urbana região da
baixada de Jacarepaguá, o que traz consigo a incógnita a cerca das futuras ações
que venham a contribuir ou prejudicar na recuperação dos ecossistemas
atualmente fragilizados presentes nesta área, como é o caso das lagunas e florestas
de mangues. Cabe aos empreendimentos de infraestrutura, uma justa adaptação às
condições naturais que coexistem nesta região, pois estas foram fatores
condicionantes para a implantação do crescimento urbano na sua gênese. As
tentativas de recriar, artificialmente, as condições ambientais na busca por funções
ambientais já perdidas têm sido constantes. Porém, os referidos ecossistemas se
encontram sob novas dinâmicas, apontando para a imprevisibilidade diante de
uma crescente pressão antropogênica, notadamente pela implementação de
empreendimentos, que na região se destacam pela predominância do ramo
imobiliário, onde se inserem as dinâmicas já descritas anteriormente, como a
sobreposição de paleoterritórios e a emergência das paisagens espetaculares
corroborando para a ausência de um passado presente.
A intensificação dos processos erosivos pelo desmatamento, incêndios e
ocupação nas encostas, que emergem a partir do rompimento do metabolismo
entre sociedade e natureza, contribuem para o assoreamento dos rios e das lagoas,
assim como o comprometimento das áreas alagáveis. Estas questões tornam-se
indispensáveis no planejamento para a expansão urbana nas regiões que
70
circunscrevem o Maciço da Pedra Branca. Portanto, de acordo com Oliveira (et. al
2012) a paisagem deve passar então, a figurar em um novo patamar na
constituição urbana, onde a colaboração advinda das funções ecossistêmicas para
a segurança pública também devem ser consideradas. Diante dessa perspectiva,
foi realizada no presente estudo, a análise da dinâmica hidrossedimentológica que
ocorre na sub-bacia do rio Caçambe, localizado no Maciço da Pedra Branca no
período de abril de 2012 a março de 2013.
Nota-se, conforme descrito em diversos momentos do presente estudo, que
a paisagem atual é resultante de complexas interações entre intencionalidades
humanas, traduzidas em ações, e as dinâmicas naturais, neste caso, a partir da
coexistência dos tempos geológico, climático, biológico e humano, onde neste
último encontra-se a capacidade de interpretar a transformação da paisagem.
Conforme avança em sua leitura do presente trabalho, o leitor poderá notar que o
método de análise que adotei para interpretar a transformação da paisagem na
floresta do Camorim apresenta intrínseca relação com as transformações que
ocorrem na cidade do Rio de Janeiro. Tal fato revela, sob a minha perspectiva de
análise, a ausência de um passado presente13, onde interdependência e autonomia
dialogam em uma complexa interação que permitiu, e permite, a floresta e a
cidade serem apresentadas e representadas conforme são atualmente.
Ressalto que, diante das perspectivas aqui sugeridas, me comprometi no
presente trabalho, em última análise, a interpretar a relação entre sociedade e
natureza sob distintas perspectivas, traduzidas em um objetivo ininterrupto de
pensar a produção do espaço de reprodução de distintas sociedades em seus
respectivos tempos históricos, onde os sedimentos, embora não sejam o produto
final dessas interações, foram determinantes e determinados nos processos da
espacialização humana na área estudada, e encontram-se, portanto, plenos de
importante valor histórico.
13 As ausências de um passado presente estão aqui relacionadas com os processos que influenciam na tendência da sociedade atual em negligenciar a influência de temporalidades distintas na atual produção de seu espaço de reprodução. Destaco que quando identificadas, as ausências serão alvo de uma reflexão no presente estudo.
71
4 Área de estudo
A área de estudo está localizada floresta do Camorim no Maciço da Pedra
Branca, apresentando diferentes estágios sucessionais compondo um mosaico de
fragmentos (MONTEZUMA, 2005) resultantes de distintos usos pretéritos já
descritos anteriormente. O pico da Pedra Branca, com 1025 metros de altitude
como o ponto culminante do Município do Rio de Janeiro, estando o maciço
situado entre as coordenadas 22°53` e 23°00` latitude sul, 43°23` e 43° 32`
longitude oeste. Para análise da dinâmica hidrossedimentológica, foi escolhida a
sub-bacia do Rio Caçambe (Figura 2), um tributário de primeira ordem do Rio
Camorim, situada em meia encosta com altitude entre 160 e 180 m acima do nível
do mar.
A área é caracterizada pela presença de inúmeros matacões, em sua
maioria depositados nos fundos de vales. O substrato litológico da área amostral
apresenta-se segmentado, com um quinhão de uma unidade sienogranítica
composta por sienogranito a microclina em fáceis média/homogênea e parte
pertencente a uma unidade tonalítica com rochas básicas a intermediárias com
pouca incidência de processos metamórficos. No que se refere ao substrato
pedológico, as encostas do maciço da Pedra Branca são compostas por latossolos
rasos associados a cambissolos e neossolos litólicos indiscriminados nas encostas
mais elevadas, argissolos rasos associados a neossolos litólicos com textura média
argilosa recobrindo a maior parte do maciço (33%) e planossolos Gleis restritos às
encostas mais suaves e ocupadas do maciço. Destaca-se a pouca espessura do
manto coluvionar e saprolitos que recobrem a média/alta encosta do maciço,
sendo esses pouco espessos com incidência de blocos soltos ou parcialmente
inseridos no material mais fino caracterizando o depósito de tálus recorrente nas
bases dos vales do maciço (COSTA, 2002).
72
72
Figura 4.1 – Imagem Geoeye da sub-bacia do rio Caçambe (Fonte: LabGIS/NIPP/PUC-Rio, 2011).
73
Segundo Togashi (2011), a partir da análise de uma série temporal de uma
década de dados pluviométricos da estação da GEORIO localizada no Riocentro,
destaca-se um aumento das chuvas no decorrer da década de 2001-2010,
apontando para a expansão do período de chuvas e acréscimo no volume das
chuvas do final do verão e início do outono. Os eventos chuvosos de grandes
magnitudes, com intensidades diárias acima de 50 mm.dia-¹, apresentaram
tendência de crescimento para os meses de dezembro, janeiro, março e abril,
corroborando para o acréscimo da intensidade dos seus eventos no decorrer da
década analisada no estudo. No período de um ano, entre 04/11/2009 e
04/11/2010, a sub-bacia do rio Caçambe apresentou o total pluviométrico de
2357,07 mm, um valor muito acima da média da zona oeste do Rio de Janeiro,
que apresenta valores entre 1000 e 1.200 mm anuais. A mesma área de análise
apresentou um valor acima da média observada na década no Rio Centro com
1390 mm anuais. Embora os regimes chuvosos do Caçambe e do Rio Centro
tenham apresentado elevado grau de similaridade no período de 04/11/09 a
04/11/10, a diferença nas alturas pluviométricas foram atribuídas à altitude e ao
relevo.
Nos resultados obtidos por Bastos (2011) confirma-se o papel de barreira
geográfica exercido pelo maciço da Pedra Branca, o que foi comprovado pela
média de chuva no Rio Centro e em Bangu. O Rio Centro possui uma média de
1.400 mm.ano-1 e Bangu possui uma média de 1.109 mm.ano-1. As variações
locais dentro do quadro regional sugerem respostas do fator relevo, que faz com
que haja uma diferença na variação quantitativa entre as duas estações
trabalhadas. As duas estações mostraram tendências de aumento das chuvas a
partir de 2003. Os anos de 2001 e 2002 foram os mais secos e 2010 o mais
chuvoso. É possível perceber que, através da análise da variabilidade mensal as
estações, apesar de terem os meses mais chuvosos e mais secos em comum, não
apresentam um padrão semelhante de distribuição das chuvas.
A capacidade de interceptação (I) florestal no Caçambe, estudada por
Togashi (2011), apresentou aumento para dosséis mais densos. O atravessamento
decresceu conforme o gradiente mata secundária inicial (SI) – borda – floresta
secundária avançada (SA). A cobertura vegetal de SA apresentou maior
eficiência na interceptação de diferentes intensidades de chuva (em torno de 25%
de um total de 2.537 mm no período de 2009/2010). A resultante sistêmica desse
74
processo é exemplificada na capacidade de armazenamento de água na bacia do
rio Caçambe, que aponta para uma estimativa de armazenamento de
aproximadamente 140 mm/ha/ano em apenas 795 ha de vegetação medianamente
preservada (TOGASHI et al., 2012). Se considerarmos a capacidade de estocagem
da serrapilheira na mesma área, em torno de 158% a 600% do seu peso seco
(SANTOS, 2009 e SOUSA et al., 2009) a estocagem total de água dessas florestas
será bem superior. Tendo conhecimento da dinâmica hidrológica que ocorre no
Maciço da Pedra Branca, assim como um aumento observado na ocorrência de
chuvas de diferentes intensidades, associado à crescente urbanização que ocorre
no e ao redor do maciço, pode acarretar em um aumento significativo no número
de acidentes originados pela dinâmica hidrológico-erosiva nas encostas do maciço
da Pedra Branca, fator que se destaca como objeto de observação no presente
estudo.
4.1 A estação meteorológica do Rio Centro
A estação meteorológica do Rio Centro foi instalada em 1997 e está
localizada na latitude sul 22° 00’ 52”, longitude oeste 43° 31’ 08” no nível do
mar. O endereço de localização é Centro de Convenções – Av. Salvador Allende,
6555 – Barra da Tijuca, rio de Janeiro. A estação do Rio Centro está distante da
área de análise (180 m acima do nível do mar) em aproximadamente 1,8 km em
linha reta.
A estação Rio Centro está equipada com um pluviômetro automático
tipping-bucket, um computador para aquisição de dados, rádio UHF, antena,
painel solar e bateria. Os dados são enviados via rádio para estação central em um
intervalo de 15 minutos. A resolução da precipitação pluviométrica mensurada é
de 0,2 mm. As consulta dos dados pluviométricos foram realizadas no site da
GEORIO14.
14 Fundação Instituto de Geotécnica do município do Rio de Janeiro (GEORIO) http://www0.rio.rj.gov.br/alertario/
75
4.2 Hidrossedimentologia
Nas próximas linhas encontram-se descritas as etapas de fundamental
importância para o entendimento da dinâmica hidrossedimentológica que por sua
vez, vão balizar as análises dos resultados encontrados no presente trabalho.
Os processos que regem as dinâmicas hidrossedimentológicas apresentam
intrínseca relação com as etapas do ciclo hidrológico, notadamente em ambientes
florestados. Portanto, do ponto de vista teórico, assim como é possível discriminar
as etapas do ciclo hidrológico, também é possível identificar os processos que
constituem a dinâmica hidrossedimentológica, sendo estes a desagregação,
separação ou erosão, transporte, decantação, depósito e consolidação. As referidas
etapas encontram-se descritas a seguir, conforme sugeridas por Bordas e
Semmelmann (1993).
A desagregação está referida ao desprendimento de partículas sólidas do
meio do qual estão inseridas. Embora possam ocorrer pelo efeito de fatores que
não envolvem o ciclo hidrológico, o impacto das gotas da chuva, após a ação do
homem, é o processo que mais contribui para a desagregação.
Após o processo de desagregação, uma massa de partículas sólidas
encontra-se passível de ser posto em movimento pelas águas superficiais ou
outros processos de escoamento. O estoque de material sólido é composto por
elementos de tamanhos e feições distintas, comumente distinguidos em argila,
com diâmetro inferior a 0,002 mm; silte, com diâmetro entre 0,002 mm e 0,060
mm; areia, com diâmetro entre 0,060 mm e 2 mm; cascalho com diâmetro entre 2
mm e 60 mm; seixo com diâmetro entre 60 mm e 200 mm e
pedras/pedregulho/matacão com diâmetros superiores a 200 mm. É importante
ressaltar que conjuntos de elementos primários podem encontrar-se unidos, por
exemplo, pela ação de partículas de argila e matéria orgânica, conforme descrito
por Roncaratti e Neves (1976), referindo-se aos sedimentos continentais que
compõem o complexo fluvial, notadamente a partir de análises das argilas das
planícies de inundação, onde os autores encontraram regular volume de matéria
orgânica, principalmente de origem vegetal, composta por restos de folhas, galhos
e troncos.
76
A erosão refere-se ao processo de deslocamento de partículas sólidas da
superfície do solo ou das paredes do leito de corpos d´água, ativos ou não, pelo
efeito do escoamento. O deslocamento das partículas ocorre quando as forças
hidrodinâmicas do escoamento sobre uma partícula excedem a resistência
oferecida pela mesma. A resistência, por sua vez, se traduz em coesão, no caso de
partículas mais finas, enquanto para partículas mais grossas, o peso constitui a
principal força de resistência às forças hidrodinâmicas.
O transporte do material erodido pode ocorrer de maneiras distintas. A
caracterização das formas de transporte sólido foi, no presente trabalho, descrita
em três grupos, conforme sugerem Silva et al., (2007), sendo estes: i) carga sólida
do leito ou de arrasto: consiste em partículas de sedimentos que rolam
longitudinalmente no curso de água junto ao leito; ii) carga sólida saltitante:
partículas que saltam ao longo do curso de água em virtude da correnteza ou pelo
impacto de outras partículas; iii) carga sólida em suspensão: essas partículas de
tamanho reduzido, que geralmente representam a maior quantidade da carga
sólida do curso de água, são suportadas por componentes verticais das velocidades
do escoamento turbulento. O seu tamanho reduzido permite o deslocamento das
mesmas no fluido.
A decantação, também reconhecida como sedimentação, está referida ao
restabelecimento do contato com o fundo do leito, por partículas mais finas, sob o
efeito da gravidade. O depósito refere-se à parada total da partícula transportada
em suspensão sobre o fundo. A consolidação, por sua vez, ocorre após o depósito
das partículas. Está associada ao acúmulo de partículas sobre o fundo e a
compactação do depósito, principalmente a partir do peso dos sedimentos e da
pressão hidrostática.
Segundo Bordas e Semmelmann (1993), em uma bacia hidrográfica,
predomina a erosão no trecho superior da rede de drenagem, o transporte no
trecho médio e os depósitos nos trechos mais a jusante da bacia. Ressalta-se que,
mantidas as condições de isenção de distúrbios capazes de afetar a organização do
sistema hidrográfico, notadamente de ordem antropogênica, climática e tectônica,
os processos erosivos desencadeados a montante apresentam-se em ritmo
compatível com a formação do solo.
É preciso salientar que os sedimentos, quando chegam a um curso de água,
apresentam granulometria e fenômenos diversos respeitando as condições locais e
77
do escoamento. As partículas podem encontrar-se mantidas em suspensão ou no
fundo do rio, saltando do leito para o escoamento, deslizando ou rolando pela
ação de forças atuantes sobre cada partícula. A diversidade no comportamento de
cada partícula depende de seu tamanho, peso e forma; do regime do escoamento;
velocidade da corrente; obstáculos no leito e demais variáveis inter-relacionadas
entre si como a composição química das águas fluviais que obedecem a litologia,
vegetação e usos do solo de uma determinada bacia, afetando a proporção
existente entre sólidos dissolvidos e sólidos particulados. Portanto, caracteriza-se
o transporte do rio principal no alto curso com uma carga em suspensão maior que
a carga de fundo. Espera-se um aumento no quantitativo da carga de fundo com a
diminuição da erosão na bacia e redução da declividade do leito do curso de água,
sendo essa dinâmica dependente da granulometria do sedimento transportado
(CARVALHO, 1994; SILVA et al., 2007).
Alguns dados merecem destaque para realização da análise granulométrica
na sub-bacia do rio Caçambe. Embora não tenham sido realizados estudos
relativos às especificidades do comportamento hidrossedimentológico do rio
Caçambe, estudos com o referido fim foram realizados na bacia do rio Camorim.
Atento aqui, conforme o leitor pode observar ao longo do presente estudo, que as
extrapolações não escapam o caráter de uma simplificação, porém, nesse caso, na
ausência de estudos que contemplem as especificidades do rio Caçambe, as
informações contidas em estudos da bacia do Camorim, que além da proximidade,
apresenta o histórico de ocupação e características geo-hridroecológicas
semelhantes à do Caçambe podem auxiliar na interpretação dos resultados.
O rio Camorim é caracterizado como um rio de 3° ordem que possui 16,6
km de perímetro e 6,96 km2 de área, apresentando 50 segmentos de canais
(COSTA, 2002). Tal fato permite especular sobre a impermeabilidade da região,
uma vez que em uma análise qualitativa, a permeabilidade é inversamente
proporcional à presença de canais. Este fato mostra-se importante, uma vez que
fornece informações cruciais para especular a cerca do abastecimento a nível
freático observado em campo, discutido em maiores detalhes no capítulo V. O rio
Caçambe é uma das sete sub-bacias presentes no rio Camorim, constando como
um tributário de primeira ordem do rio Camorim.
O estudo realizado por Marques (1990 apud COSTA, 2002) no período de
julho de 1985 a dezembro de 1986, indicou que a bacia do rio Camorim, em sua
78
vazão máxima (6,487 m³/s) na data de 30/12/1986 apresentou um quantitativo de
4,21 kg de sedimentos por segundo na seção analisada, conforme exposto na
tabela 2.
O trabalho de Costa (2002) destaca algumas características da bacia do rio
Camorim, sob o ponto de vista de assinaturas ambientais15, destacando os
principais problemas e potencialidades no maciço da Pedra Branca, a partir da
ocorrência de categorias ambientais. Para análise no presente trabalho as
informações contidas nas descrições dos deslizamentos de solo e rochas mostram-
se de extrema relevância. A autora destaca que deslizamentos e desmoronamentos
ocorreram em praticamente todas as classes de altitudes, com exceção da faixa
acima de 1000 m. As cotas entre 200m e 400m e entre 500 m a 700 m
concentraram mais de 50% da ocorrência destes processos (Tabela 4.1). No que se
refere às declividades, os deslizamentos na bacia do Camorim concentraram-se
em sua maioria nas áreas com declividade entre 25° e 40° (Tabela 4.2). As
encostas que apresentaram maior ocorrência de deslizamentos são compostas por
feições côncava-retilínea, retilínea-retilínea e retilínea-côncava. Sob o ponto de
vista do substrato litológico, os deslizamentos de solo e rochas na bacia do rio
Camorim apresentaram 100% de participação dos sienogranitos do batólito Pedra
Branca. Tal fato sugere a elevada ocorrência do material arenoso obtido nas
análises granulométricas realizadas no presente trabalho.
A participação dos solos nos processos erosivos na bacia do rio Camorim,
foi restrita aos latossolos vermelho-amarelo pouco profundos em associação com
cambissolos e solos litóticos (Lva4) e argissolos vermelho-amarelo associados à
neossolos litóticos (PVA2) (Tabela 4.3). No que se refere à participação da
cobertura vegetal na ocorrência dos deslizamentos, a autora aponta que um
número significativo dos processos ocorreu sob as áreas florestadas. Na bacia do
Camorim, 82 % dos processos ocorreram em áreas com cobertura de florestas,
enquanto 18% ocorreram em áreas de culturas (Tabela 4.5). Do ponto de vista
histórico, esse dado demonstra extrema relevância para a análise de sistemas
complexos, onde a análise da sobreposição de paleoterritórios, conforme sugerido
no capítulo anterior, pode auxiliar no entendimento da ocorrência dos referidos
processos erosivos.
15 Segundo a autora, o termo assinaturas ambientais foi utilizado para fazer inferências sobre os principais problemas e potencialidades da área de estudo.
79
Reitero que o desencadeamento de processos erosivos em áreas florestadas
gera certa descrença, afetando a ideia de natureza nas sociedades atuais e, por
conseguinte, as suas relações com as florestas. Tal fato colabora para o
entendimento de que as florestas da cidade não são todas iguais e a identificação
de um passado presente pode auxiliar na apreensão do real a partir da
interpretação de processos erosivos.
80
Tabela 4.1 – Área da seção, vazão máxima, vazão mínima e sedimentos transportados no rio Camorim no período de julho de 1985 a dezembro de 1986. Adaptado de Marques (1990) e Costa (2002).
Tabela 4.2 - Participação das classes de altitude na ocorrência de deslizamentos de solo e rochas na bacia do rio Camorim. Adaptado de Costa (2002).
Classes de Altitude ( %)
Bacia do rio Camorim Área (ha) 200-300
300-400
400-500
500-600
600-700
800-900
Deslizamento solo + rocha
1,44 - - 43,65 56,35 - -
1,49 2,68 83,39 13,96 - - -
Tabela 4.3 - Participação da declividade na ocorrência de deslizamentos de solo e rochas na bacia do rio Camorim. Adaptado de Costa (2002).
Classes de Declividade (%)
Bacia do rio Camorim Área (ha) 0-5° 5-15° 15-25° 25-45°
Deslizamento solo + rocha
1,44 13,4 - 5,21 81,39
1,49 18,96 - - 81,04
Tabela 4.4 - Participação dos tipos de solo na ocorrência de deslizamentos de solo e rochas na bacia do rio Camorim. Adaptado de Costa (2002).
Tipos de solo (%)
Bacia do rio Camorim Área (ha) PVA2 Lva4
Deslizamento solo + rocha 1,44 47,65 52,35
1,49 80,37 19,63
Bacia do rio Camorim
Data Área da seção Velocidade
Vazão máxima
Sedimentos
(m²) (m/s) (m³ /s) (Kg/s) Natureza
Vazão máxima
30/12/1986 5,641 1,15 6,487 4,21 Siltes
Vazão mínima
01/08/1985 1,292 0,19 0,24 - -
81
Tabela 4.5 - Participação da cobertura vegetal florestada na ocorrência de deslizamentos de solo e rochas na bacia do Rio Camorim. Adaptado de Costa (2002).
Classe cobertura vegetal (%)
Bacia do rio Camorim Área (ha) Floresta Cultura
Deslizamento solo + rocha 1,44 100 -
1,49 81,88 18,12
As informações expostas acima tornam-se de extrema relevância para
justificar a escolha da área de estudo, uma vez que os solos na região da bacia do
Camorim, que se encontra sob o mesmo divisor de drenagem da sub-bacia do rio
Caçambe, apresentam em suas encostas mais elevadas a presença de latossolos
rasos associados a cambissolos, solos litóticos e podzólicos, estando estes últimos
mais presentes nas encostas mais suaves e de menor altitude (SANTOS, 2009).
Estes tipos de solo apresentam importante contribuição nos deslizamentos na
bacia do Camorim estudados por Costa (2002). Outro fator que também ganha
destaque sob a perspectiva dos deslizamentos analisados por Costa (op. cit) é
relativo à localização da área amostral na meia encosta entre 160 m e 180 m, uma
vez que a autora encontrou a contribuição majoritária de classes de altitude
superiores a 300 m na ocorrência dos deslizamentos estudados.
4.3 Procedimentos metodológicos para análise hidrossedimentológica 4.3.1 Precipitação direta
Para monitoramento da precipitação direta foram utilizados três
pluviômetros cilíndricos simples (Figura 3) conforme descritos por Sato (2008) e
Togashi (2011) feitos a partir de tubos de PVC com 100 mm em seu diâmetro
cortados em peças de 300 mm de altura. Para cada peça produzida a partir dos
cortes do tubo original, foi adicionada uma base de encaixe, posteriormente selada
com silicone para evitar perdas de água e permitir o armazenamento da água
incidente. Para evitar o “splash” das gotas de água, as bordas localizadas na parte
de cima do pluviômetro foram esmerilhadas. Para cada pluviômetro foi
82
adicionado um funil contendo uma bola de pingue-pongue para diminuir as perdas
por evaporação. Os pluviômetros foram instalados em estacas de madeira de
1,20m por intermédio de arames e, após sua fixação no substrato, encontram-se
dispostos em cerca de 80 cm do solo para evitar o salpico. Com o auxílio de uma
trena, foram instalados três pluviômetros distantes entre si em 1 metro em uma
área sujeita à precipitação direta próxima ao reservatório.
A precipitação direta foi aferida com uma proveta de 500 ml graduada a
cada 5 ml, para posterior conversão para mm utilizando a metodologia adotada
por Togashi (2011) e Cunha e Guerra (1996) onde o volume (mm³) = π.r².h,
correspondendo a [1ml = 1.000 mm³]; sendo “r” o raio do coletor e “h” a altura
do mesmo. Sendo assim, a medição [(ml)= 3,14115927. 50².300.1000-¹] resulta na
equação utilizada no trabalho onde [ 1 ml = 0,1273 mm (cerca de 0,13 L. m-2)]. As
coletas foram iniciadas em abril de 2012, sendo realizadas após os eventos de
precipitação até a conclusão no mês de março de 2013.
Figura 4.2 – Localização dos pluviômetros instalados na área de precipitação direta. Fonte: Arquivo pessoal.
83
4.3.2 Taxa de erosão e granulometria Para a avaliação da dinâmica hidrológico-erosiva que ocorre na sub-bacia
do rio Caçambe, foi adotado um antigo reservatório (Figura 4) localizado em um
fundo de vale suspenso localizado em um eixo de concavidade, caracterizado por
processos de deposição oriundos da convergência de fluxos
hidrossedimentológicos, o que justifica a escolha deste local para o referido fim.
Segundo Semmelmann e Bordas (1995): Os reservatórios interceptam a maior parte das descargas sólidas transportadas na rede fluvial. A determinação dos volumes de sedimentos neles depositados fornece indicações preciosas e às vezes decisivas sobre a produção de sedimentos pelas bacias hidrográficas.
Conforme já citado anteriormente, a sub-bacia do rio Caçambe se
caracteriza por ser um tributário de primeira ordem do rio Camorim, que deságua
na laguna de Jacarepaguá, apresentando uma considerável contribuição no
processo de sedimentação da referida laguna. O rio Camorim apresenta a
dinâmica descrita por Marques (1990) apud Costa (2002) com aumento da vazão
nos períodos chuvosos e consequente maior transporte de sedimentos
corroborando com a verificação de Carvalho (1994) e Silva et al (2007) que
apontam para cerca de 70% a 90% do total de sedimentos transportados pelos
cursos de água nos períodos chuvosos, notadamente durante as fortes
precipitações.
84
Figura 4.3 – Reservatório utilizado para coleta de sedimentos, localizado no fundo de vale da sub-bacia do rio Caçambe. Fonte: Arquivo pessoal.
As coletas do material depositado no reservatório foram realizadas após o
esvaziamento do mesmo por intermédio de um tubo (Figura 4.4) que, quando
vedado, permite a estagnação da água e sedimentos gerados nos períodos
chuvosos. Após o esvaziamento do reservatório (figura 4.5) os sedimentos foram
removidos com auxílio de uma vasoura de piaçava e armazenados em bombonas
plásticas hermeticamente vedadas com capacidade de 2 litros de volume para
posterior análise granulométrica em laboratório.
79 cm
44 cm
276 cm
85
Figura 4.4 – Detalhe da localização e altura do tubo para escoamento da água retida no reservatório. Fonte: Arquivo pessoal.
Figura 4.5 – Esvaziamento do reservatório para coleta de sedimentos. Foto: Rogério Ribeiro de Oliveira.
5 cm
86
4.3.3 Procedimentos Metodológicos de coleta em campo
Para análise dos sedimentos, destaco especial atenção ao fato que o
reservatório utilizado para recolher as amostras estava inteiramente assoreado
antes do início das medições. Foi observada em campo, a ocorrência do fluxo
superficial de saturação durante as primeiras coletas, formado pela convergência
de fluxos subterrâneos e subsuperficiais originados nas encostas a partir das
precipitações. Por se localizar em um fundo de vale, a área amostral recebe a
funcionalidade da área descrita por Dunne (1970) como preferencial para a
ocorrência do fluxo superficial de saturação. Esta dinâmica encontra-se descrita
em maiores detalhes no sub-capítulo 5.4. A hipótese da ocorrência do fluxo
superficial de saturação emergiu a partir da identificação de algumas zonas de
exfiltração (Figura 4.6) verificadas também em tocas oriundas da atividade de
fauna escavadora.
Figura 4.6 – Detalhe da zona de exfiltração na região a montante do reservatório. Fonte: Arquivo pessoal.
A umidade antecedente do solo apresenta influência no comportamento da
água no solo. A proporção inversa entre umidade antecedente e taxa de infiltração
demonstra essa dinâmica. É importante ressaltar que o escoamento superficial
87
também se mostrou presente na área amostral, principalmente após os eventos
chuvosos no primeiro trimestre de 2013, onde o canal que desemboca no
reservatório permaneceu ativo até o final das coletas. Igualmente importante é o
fato de que as particularidades das regiões, tais como características do substrato,
tipo de vegetação, condições climáticas e histórico de usos podem apresentar
importante influência no comportamento da água no solo.
Destaco também que, após os eventos chuvosos dos meses de junho e
julho de 2012, deu-se início a intensidade do fluxo de água no canal da sub-bacia
do rio Caçambe que desemboca no reservatório, enchendo o mesmo com água até
cerca de 2/3 de seu volume total (estimativa visual). Durante esse período de
coletas, a metodologia de esvaziamento do reservatório através do tubo localizado
a jusante mostrou-se ineficiente, evidenciada quando a água retida dentro do
reservatório alcançava a altura mínima para permitir o seu escoamento através do
tubo localizado a 5,0 centímetros de altura (Figura 6) era impossibilitada pelo
ininterrupto fluxo de água, provavelmente oriundo do fluxo de saturação, não
permitia o esvaziamento completo do reservatório. A mesma situação se repetiu
durante as coletas seguintes até as coletas do mês de setembro. Tal fato, descrito
acima, não permitiu a realização eficaz das coletas nos meses de junho, julho e
agosto de 2012, em virtude do fluxo de água no interior do reservatório,
revolvendo sedimentos e ocasionando perda dos mesmos durante o processo de
seu esvaziamento parcial. Nestes casos optou-se por aguardar o encerramento do
fluxo de superfície para que os sedimentos retidos no reservatório fossem
coletados.
No mês de setembro de 2012, foi adotada uma pequena alteração no
método de coleta, onde o esvaziamento do reservatório foi realizado com o auxílio
de uma mangueira com 12 metros de comprimento que, em virtude da diferença
de altura na direção montante/jusante do reservatório, pela dinâmica de coluna de
água, permitiu o esvaziamento pleno do reservatório. Os sedimentos gerados nos
eventos dos meses de junho, julho e agosto, foram coletados no mês de setembro
de 2012, onde a partir do qual, as coletas não foram mais interrompidas até a
conclusão do presente estudo em março de 2013.
88
5 Resultados e discussão
Embora tenha sido discutida nos parágrafos anteriores a abordagem
complexa encontra-se inserida nos resultados que se seguem, notadamente pela
ocorrência das três perspectivas de análise vislumbradas no presente projeto:
1) A complexidade em si, que a partir da sobreposição de paleoterritórios
acarretou em significativa influência nos mecanismos de resiliência e estabilidade
florestal.
2) A resiliência e estabilidade florestal estão associadas com os tipos de distúrbios
antropogênicos (intencionalidades humanas) e os processos de sucessão florestal
(dinâmicas naturais).
3) A abordagem sistêmica, que permite vislumbrar a dinâmica de dependência do
sistema observado quando sob a influência de sistemas com abrangência
hierárquica superiores, neste caso a partir da sobreposição de escalas
espaço/temporais.
Para exemplificar tal fato, de maneira simplificada, penso nas alterações
climáticas. Por exemplo, a ocorrência do fenômeno El Niño Oscilação Sul sugere
a correlação com dinâmica pluviométrica na cidade do Rio de Janeiro
(FIGUEIRÓ, 2005), que por sua vez apresenta variações locais ou regionais
segundo particularidades como, por exemplo, a orografia, proximidade com o mar
e evapotranspiração florestal. Com a aproximação para uma escala local as
resultantes ambientais de interações antrópicas e sobreposições de paleoterritórios
vão apresentar dinâmicas distintas no desencadeamento de processos erosivos,
preenchimento dos aquíferos entre outros. Em virtude da característica de auto-
organização dos sistemas naturais, a análise complexa permite vislumbrar uma
aproximação com o real, que embora não seja plena, permite ao pesquisador
relacionar os temas que interferem na interpretação do seu objeto de análise, no
que vem a culminar conforme descritos nas próximas linhas, nos sedimentos de
uma história.
89
5.1 Regime pluviométrico no Rio Centro
Figura 5.1 - Variabilidade pluviométrica no Rio Centro no período de janeiro de 2012 a março de 2013.
Os dados analisados no período amostral de janeiro de 2012 a março de
2013 sugerem que o ano de 2012 foi um ano seco, com altura pluviométrica total
de 911 mm (Figura 5.1), enquanto o primeiro trimestre do ano de 2013 apresentou
características de um ano úmido. Tal fato aparece nos resultados obtidos para o
primeiro trimestre do ano de 2013, que apresentou 575,6 mm de altura
pluviométrica, correspondendo a aproximadamente 204,5 % de superioridade
quando comparado ao mesmo trimestre de 2012, que apresentou o total
pluviométrico de 281,4 mm.
Segundo Togashi (2011) a média pluviométrica no Rio Centro para o
intervalo temporal de 2001 a 2010 foi 1.390 mm, onde os cinco anos de maior
altura pluviométrica foram 2003, 2005, 2006, 2009 e 2010 e os menos chuvosos
os anos de 2001, 2002, 2004, 2007 e 2008. O autor observou que o mês de
dezembro foi o mês mais chuvoso, apresentando 172,4 mm de média para o
período de análise e sugeriu aumento das médias nos meses de El Niño, fato
semelhante ao observado por Figueiró (2005), o que pode ser um indício de um
aumento das temperaturas atmosféricas para região sudeste, o que fortaleceria a
ZCAS, notadamente no período de verão.
90
No dia 03 de janeiro de 2013 fortes precipitações atingiram a cidade do
Rio de Janeiro, mais precisamente a zona norte da capital, a região serrana (nas
cidades de Petrópolis e Teresópolis) e o sul do estado na região de Angra dos
Reis, em virtude da entrada de uma frente fria. Segundo dados do CEPETEC, no
decorrer do mês de dezembro de 2013, (http://enos.cptec.inpe.br/) as
características observadas no Oceano Pacífico Equatorial refletiram uma condição
de neutralidade do fenômeno El Niño Oscilação Sul (ENOS) e as condições
próximas à neutralidade em grande parte do Oceano Pacífico contribuíram para
manter os padrões de circulação em grande escala próximos às condições
climatológicas em quase toda a faixa equatorial. Portanto, merece destaque no
presente estudo que segundo análise da estação pluviométrica do Rio Centro, o
mês de dezembro mostrou-se atípico e excedendo a tendência de mês mais
chuvoso, conforme observado por Togashi (2011). Porém, se considerada a
neutralidade do ENOS no referido mês que embora não seja um fator
determinante, pode ter contribuído para a ausência de médias pluviométricas
elevadas. Em contrapartida, a neutralidade do referido fenômeno nos meses de
janeiro, fevereiro e março não foi determinante para que o mesmo padrão de
meses com baixa pluviometria fosse observado neste período trimestral. Não
figura como objetivo do presente estudo analisar as minúcias da influência do
referido fenômeno no regime pluviométrico observado, mas o registro figura
como uma contribuição para futuros estudos climatológicos na área.
91
5.1.2 Classes diárias de intensidade da chuva no Rio Centro
Figura 5.2 – Classes diárias de intensidade de chuva e linhas de tendência segundo dados da estação meteorológica do Rio Centro, no período de janeiro de 2012 a março de 2013.
Algumas observações se destacam para nortear as análises dos resultados
obtidos (Figura 5.2):
1) O mês de janeiro de 2013 foi o mais chuvoso, com altura pluviométrica de
276,8mm, enquanto o mês de fevereiro de 2012 foi o menos chuvoso com 14,2
mm. As linhas de tendência sugerem um aumento na ocorrência de eventos
chuvosos inseridos nas classes de intensidade observadas, sendo mais expressivo
para Ci2.
2) Dentre os dias com chuva no período amostral, 104 dias enquadraram-se em
Ci1, 42 dias enquadram-se em Ci2 e quatro dias enquadraram-se em Ci3.
3) A maior ocorrência de eventos com classe de intensidade Ci1 foi no mês de
março de 2013 com 14 eventos inseridos na referida classe.
4) O mês com maior ocorrência de eventos inseridos na Ci2 foi janeiro de 2012
com 6 eventos. O mês de fevereiro de 2012 com 14,2 mm de altura pluviométrica
e o mês de dezembro de 2012 com 22 mm de altura pluviométrica, foram os
92
meses com menores alturas pluviométricas registradas e não apresentaram eventos
enquadrados na classe de intensidade diária Ci2.
5) Os meses que apresentaram ocorrência de classes de intensidade diária Ci3
foram março e setembro no ano de 2012 e janeiro e março do ano de 2013,
destacando-se que embora o mês de janeiro tenha apresentado maior altura
pluviométrica com 276,8 mm, o mês de março de 2013, com altura pluviométrica
de 208,4 mm, foi o único que apresentou a ocorrência de dois eventos
enquadrados na classe diária de intensidade Ci3.
Tabela 5.1 – Classes diárias de intensidade de chuva segundo altura pluviométrica da estação do Rio Centro, no período de janeiro de 2012 a março de 2013.
Classes de intensidade
diária
Mês Rio Centro Ci1 Ci2 Ci3
(mm) Janeiro 142 10 2 - Fevereiro 14,2 3 - - Março 125,2 8 2 1 Abril 107,2 8 3 - Maio 88,2 8 3 - Junho 118,2 7 4 - Julho 51,8 3 2 - Agosto 19,2 4 - - Setembro 98 4 1 1 Outubro 46,8 3 3 - Novembro 78,2 14 3 - Dezembro 22 6 - - Janeiro 276,8 9 8 1 Fevereiro 91,6 3 4 - Março 208,4 14 3 2 Total 1487,8 104 38 5
O estudo de Togashi16 (2011), a partir de uma análise decenal (2001 a
2010), demonstrou que o regime pluviométrico no Rio Centro é principalmente
determinado por chuvas com intensidade diária entre 10,1 mm e 50 mm (classe de
intensidade diária Ci2). As chuvas com intensidade entre 50,1 mm e 100 mm
16 A semelhança entre o comportamento pluviométrico do rio Centro e do Caçambe está associada, notadamente, pelo controle da chuva por dinâmica de massas de ar (Togashi, 2011).
93
(classe Ci3) contribuíram menos que as chuvas com intensidade inferior à 10 mm
(classe Ci1).
O ano de 2007 apresentou-se como exceção, uma vez que o volume de
chuvas com intensidade diária enquadrada na classe Ci2 foi baixo, fato que
determinou o referido ano como o menos chuvoso na análise decenal de 2001 a
2010. Em contrapartida, os anos mais chuvosos (2002,2006 e 2010), apesar da
restrição de ocorrência de eventos de classe Ci4, foram determinados pela
frequência de classes diárias Ci2 e Ci3. Nota-se que, embora a ocorrência de
maiores volumes de Ci4 e Ci2 no ano de 2010, este não foi o ano mais chuvoso
pela baixa ocorrência de chuvas de classe Ci3, que segundo o autor, determina o
maior volume de chuvas no verão (estação chuvosa) e no início do outono. Cabe
ressaltar que, embora determinante por não elevar o ano de 2010 como o mais
chuvoso, a classe de intensidade Ci3, muito atuante em eventos potencialmente
geradores de movimentos de massa, apresentou tendência de crescimento de
eventos enquadrados nesta classe (Ci3) nos meses de dezembro a abril, onde o
mês de janeiro apresentou-se como exceção.
Os dados obtidos sugerem que embora o ano de 2012 tenha sido um ano
seco, com altura pluviométrica total de 911 mm, a maior ocorrência de chuvas
com intensidade Ci2 no mês de janeiro pode ter determinado o mesmo com o mais
chuvoso do referido ano, enquanto a ausência de eventos enquadrados nessa
classe nos meses menos chuvosos (fevereiro e dezembro), pode ter determinado o
ano de 2012 como um ano seco, uma vez que o estudo da análise decenal de
Togashi (2011) apontou esses meses como os mais úmidos. A ocorrência de dois
eventos inseridos na Ci3 nos meses de março e setembro de 2012, não foi
determinante para considerar nenhum dos dois meses citados como o mais úmido
no ano, embora do ponto de vista de processos erosivos, a ocorrência de chuvas
dessa classe de intensidade diária apresentou-se relacionada com os meses de
maior produtividade de sedimentos, conforme serão descritos mais adiante.
94
5.2 Precipitação direta no Caçambe e no Rio Centro
Os resultados obtidos são relativos ao período amostral de abril de 2012 a
março de 2013, totalizando um ano de amostragem. As observações que vão
nortear as análises dos dados (Figura 5.3) no presente subcapítulo são as seguintes
expostas: 1) Durante o período amostral, a sub-bacia do Caçambe apresentou total
pluviométrico de 1410 mm, enquanto que a estação do Rio Centro apresentou
1206 mm. 2) Foi observado um aumento de 204 mm de volume de chuva no
Caçambe (a 200 m de altitude) o que corresponde a aproximadamente 17% de
superioridade em relação ao regime pluviométrico do Rio Centro (10 m). 3) O
valor de r²= 0,96 e a disposição das linhas de tendência sugerem a similaridade do
regime pluviométrico entre as áreas.
Figura 5.3 - Precipitação mensal e linhas de tendência no período de abril de 2012 a março de 2013, no Rio Centro e no Caçambe.
A autora Nogueira (2008) encontrou para o período de fevereiro de 2007 a
novembro do mesmo ano, o total de precipitação direta no Caçambe de 956,7 mm
e 721 mm no Rio Centro, caracterizando o ano de 2007 como um ano pouco
chuvoso. O estudo de Togashi (2011) encontrou para o período de novembro de
2010 a novembro de 2011 os totais pluviométricos de 1931 mm para o Rio Centro
e 2.537 mm para o Caçambe, constando em 22% a mais de volume de chuva do
que o total pluviométrico observado no Rio Centro. O resultado estatístico de
Nogueira (2008), na correlação entre Caçambe e Rio Centro, foi para R2 = 0,95. O
95
estudo de Togashi (2011) encontrou para a mesma correlação o valor r2 = 0,9450
e para correlação de Spearman = 0,93. Os dados sugerem confiabilidade
estatística para análise do regime pluviométrico na área, embora o autor não tenha
encontrado valores que indicassem confiança em r2 e Spearman para o período do
inverno, com aumento dos valores percentuais provavelmente associados à
ocorrência de eventos de baixa magnitude. As demais distinções das alturas
pluviométricas entre as áreas provavelmente está associada ao efeito orográfico.
5.3 Classes interpluviais da estação meteorológica do Rio Centro A análise dos dias sem chuva permite avaliar a interferência da ocorrência
do fluxo superficial observado em campo e possível abastecimento a nível
freático. Do ponto de vista ecológico, a identificação das referidas classes se
mostra extremamente relevante, onde a susceptibilidade dos ecossistemas aos
distúrbios, de ordem natural ou antrópica, apresenta influência pela ocorrência de
períodos secos, como exemplo da susceptibilidade a incêndios. As classes
interpluviais propostas por Figueiró (2005) consistem em um total de quatro
classes onde a classe 1 (Sc1) enquadra 1 a 3 dias consecutivos sem ocorrência de
chuva; a classe Sc2 enquadra 5 a 7 dias sem chuva; a classe Sc3 enquadra 8 a 12
dias sem chuva e a classe Sc4 acima de 12 dias sem ocorrência de chuva.
96
Tabela 5.2 – Classes interpluviais segundo dados da estação meteorológica do Rio Centro, no período de janeiro de 2012 a março de 2013.
Classes Interpluviais
Mês Sc1 Sc2 Sc3 Sc4
Janeiro 2 - 1 - Fevereiro - - 1 1 Março 4 2 - - Abril 2 2 - - Maio 1 1 - 1 Junho 2 1 1 Julho 2 1 - 1 Agosto 1 2 - 1 Setembro 2 - - 1 Outubro 2 1 1 Novembro 7 - - - Dezembro 1 1 1 Janeiro 6 1 - - Fevereiro 2 - - 1 Março 8 - - - Total 40 12 5 8
Para análise das classes interpluviais no período amostral de janeiro de
2012 a março de 2013 (Tabela 5.2), destacam-se algumas observações:
1) O ano de 2012 apresentou, segundo dados do Rio Centro, pluviometria de 911
mm com ocorrência de 8 meses com pluviometria inferior a 100 mm.
2) Dentre os 8 meses que apresentaram pluviometria inferior a 100 mm, seis
meses considerados secos (<100 mm) se apresentaram consecutivos, sendo estes
julho, agosto, setembro, outubro, novembro e dezembro.
3) No ano de 2012, o mês mais seco foi fevereiro com altura pluviométrica
registrada em 14,2 mm, enquanto o mês mais chuvoso foi janeiro com 142,6 mm.
4) O fluxo superficial observado em campo reforça a hipótese que o
abastecimento freático observado na área, provavelmente está associado com
características locais, destacando-se a geomorfologia composta por solos rasos e
declividades acentuadas que, associadas à presença de fraturas nas rochas do
embasamento cristalino, provavelmente direcionaram os fluxos para locais como
o observado em campo.
97
5) Ao contrário do fluxo de superfície observado em junho e início de julho de
2012, o fluxo de superfície observado durante o primeiro trimestre de 2013,
provavelmente resultou da ocorrência de eventos pluviométricos com menor
frequência e maior intensidade, como observados em janeiro e março do referido
ano. Cabe ressaltar que o fluxo superficial, iniciado em janeiro de 2013, se
apresentou de maneira intermitente até a conclusão do presente estudo.
6) O período analisado no ano de 2013, entre os meses de janeiro e março,
sugerem que o referido ano será um ano com pluviometria superior ao ano de
2012, onde o total da altura pluviométrica dos referidos meses (576,8 mm)
correspondem à aproximadamente 63% do total pluviométrico observado no ano
de 2012 (911 mm).
O estudo de Togashi (2011) apresentou resultados que sugerem uma
diminuição no número de dias sem chuva no período decenal de 2011 a 2010 e
um aumento da intensidade dos eventos de chuva. O autor utilizou o critério de
Figueiró (2005) para análise de distribuição de meses secos (<100 mm.mês-1). O
autor indicou que no período de uma década (2011-2011) os intervalos sem chuva
mais frequentes foram os enquadrados na classe Sc1, seguidos por períodos
enquadrados na classe Sc2. As classes Sc3 e Sc4 apresentaram redução no período
de análise, embora Sc3 tenha se apresentado ligeiramente mais frequente que Sc4.
Os resultados do autor indicaram a redução de períodos mais longos de seca no
decênio.
5.4 Abastecimento a nível freático, fluxo superficial de saturação e funções ecossistêmicas na sub-bacia do rio Caçambe
A hipótese de abastecimento a nível freático foi levantada a partir de
observação em campo, portanto figura como objeto de uma reflexão, porém digna
de registro no presente trabalho. Estudos relacionados ao abastecimento do lençol
freático são de extrema relevância, uma vez que os problemas oriundos da
escassez hídrica acarretam nas mais diversas manifestações de sociedades frente
às dinâmicas naturais. Sabe-se que diversas sociedades se estabeleceram em
regiões vislumbrando a disponibilidade de água, o que permitiu desde o
desenvolvimento da agricultura e domesticação de animais até disputas territoriais
intensas que culminam em guerras e mecanismos de exploração. Tais fatos,
embora não menos importantes e provavelmente cruciais nos processos de
98
territorialização, excedem o alvo de investigação do presente estudo que será aqui
descrito somente sob a perspectiva de um registro das observações em campo.
Os grupos de rochas cristalinas apresentam como principais meios de
ocorrência de água subterrânea o manto de intemperismo e as descontinuidades,
como exemplo das falhas e planos de foliação. Duas subzonas se destacam nos
aquíferos fraturados de zonas úmidas, sendo estas a rocha fraturada e o manto de
intemperismo (regolito), que atua como um aquífero de porosidade granular que
interfere nas condições de circulação, armazenamento e infiltração da água
subterrânea antes de atingir a rocha fraturada (NEVES, 2005).
Autores como Lachassange et al.(2001), (apud NEVES, 2005), indicam
que a espessura do manto de alteração é um importante componente para
manutenção da disponibilidade de água subterrânea por longos períodos em
substratos cristalinos. Os referidos autores sugerem que em níveis de
sobreposição, da base para o topo, i) a rocha sã, permeável apenas localmente nos
locais afetados por fraturamento tectônico; ii) a zona intermediária, alterada e
fissurada com gênese na descompressão dos processos de alteração; iii) a camada
alterada superficial, que consiste na composição argilo-arenosa que confere baixa
permeabilidade, mas significativa capacidade de retenção de água.
Embora a porosidade seja maior nas regiões próximas ao topo do saprolito,
a condutividade é maior na interface entre o saprolito e o topo da rocha sã, onde a
condutividade é dependente da presença de fraturas abertas. Para níveis de
observação teórica, a porosidade da rocha sã varia entre 0,1% e 1%, enquanto a
rocha alterada pode apresentar até 45% de porosidade. A condutividade hidráulica
varia em uma ordem de 10-6 a 10-3 ms-1, o que depende do grau de fraturamento e
intensidade do intemperismo que por sua vez dependem da profundidade e
causam variações na distribuição da capacidade específica. Partindo desse
princípio, uma simples fratura de 1,0 mm de abertura pode transmitir mais água
do que 900 fraturas planares de 0,1 mm de abertura (NEVES, 2005).
Em virtude da impossibilidade de realizar estudos geológicos que
permitam vislumbrar as dinâmicas descritas acima, a relação com fontes exógenas
como clima e pluviometria, atua aqui como importante registro para futuro
estudos na área que almejam identificar as minúcias de abastecimento ao nível
freático na região. Embora indicadores como a densidade de canais, conforme
observado por Costa (2002) na bacia do rio Camorim, com 50 segmentos de
99
canais em uma área de 6,96 km2, permitam vislumbrar uma análise qualitativa da
permeabilidade de uma região, uma vez que rochas impermeáveis tendem a
estabelecer mais canais, o enfoque apresentado foi direcionado somente a partir da
relação entre as observações de campo e os eventos pluviométricos.
Embora não tenham sido realizadas análises que permitissem discutir com
maior acurácia a ocorrência do fluxo superficial de saturação, ressalto que a
hipótese de abastecimento a nível freático resulta principalmente de três
observações:
1) A umidade antecedente e a saturação do solo a partir da ocorrência de eventos
chuvosos subsequentes, evidenciadas em testemunhos do aumento da vazão do rio
observados em campo, notadamente a partir do transporte de grandes quantidades
de sedimentos grosseiros depositados nas margens do rio (Figura 5.4).
2) A ocorrência de fluxo superficial está associada com dinâmicas locais, uma vez
que não foi observada nas demais regiões a montante na floresta da sub-bacia do
rio Caçambe. Esta dinâmica, provavelmente está associada com o substrato
litológico, notadamente a partir da presença e direcionamento de fraturas,
notadamente sob a influência de declividades mais acentuadas na montante.
3) O fluxo superficial observado após os períodos com volumes pluviométricos
elevados, a partir da identificação de zonas de exfiltração, sugerem a ocorrência
do fluxo superficial de saturação descrito por Dunne (1970), evidenciado no
afloramento do lençol freático na área amostral. Outro fator ganha destaque nessa
perspectiva, a partir da evidência de atividade de bioescavação (toca),
provavelmente abandonada por submersão, atuando como uma zona de
exfiltração.
100
Figura 5.4 – Sedimentos depositados na margem do rio Caçambe após os eventos de janeiro de 2013. Foto: Rogério Ribeiro de Oliveira.
Negreiros (2011) observou para três estágios sucessionais florestais no
maciço da Tijuca, diferentes razões entre escoamento superficial e precipitação.
As diferenças nas razões encontradas estão associadas com as distintas dinâmicas
de regeneração e diferenças na cobertura vegetal afetando os processos
hidrológicos. Para a área de revegetação induzida, a razão
escoamento/precipitação apresentou-se na ordem de 3,98%, enquanto que para
revegetação espontânea e borda florestal, apresentaram-se com 3,23% e 1,52%,
respectivamente. A razão média entre escoamento/atravessamento para os três
estágios de regeneração foram 5,2% para revegetação induzida, 3,8% para
revegetação espontânea e 3,3% para borda florestal. Embora qualquer
extrapolação para comparação com o escoamento observado na área amostral na
sub-bacia do rio Caçambe, seja somente em virtude da localização em um maciço
montanhoso na cidade do Rio de Janeiro, esse dado observado por Negreiros
(2011), torna-se deveras pertinente para a discussão do presente estudo. Mesmo
sob distintos históricos de ocupação e particularidades de ordem geo-
hidroecológicas que revelam as diferenças entre os dois maciços, cabe ressaltar
que os maiores valores de escoamento encontrados na tipologia revegetação
induzida, coforme sugere o autor, podem estar associados com o aporte de
serrapilheira com características de decomposição mais lenta nesta tipologia
101
quando comparada com as demais. Nesse caso, a interação entre as dinâmicas
naturais e intencionalidades humanas, resulta em uma organização que
absolutamente não seria a escolhida, caso pudesse fosse, nas ações de replantio.
Tal fato é sugerido pela maior ocorrência do escoamento superficial, uma vez que
o referido processo apresenta-se como um importante componente desencadeador
de processos erosivos.
Diante dessa perspectiva, ressalto novamente que a capacidade de
interceptação (I) florestal no Caçambe, estudada por Togashi (2011), apresentou,
conforme esperado, um aumento para dosséis mais densos. O atravessamento
decresceu conforme o gradiente mata secundária inicial (SI) – borda – floresta
secundária avançada (SA). A cobertura vegetal de SA apresentou maior
eficiência na interceptação de diferentes intensidades de chuva (em torno de 25%
de um total de 2.537 mm no período de 2009/2010). A resultante sistêmica desse
processo é exemplificada na capacidade de armazenamento de água na bacia do
rio Caçambe, que aponta para uma estimativa de armazenamento de
aproximadamente 140 mm/ha/ano em apenas 795 ha de vegetação medianamente
preservada (TOGASHI et al., 2012). Se considerarmos a capacidade de estocagem
da serrapilheira na mesma área, em torno de 158% a 600% do seu peso seco
(SANTOS, 2009 e SOUSA et al., 2009) a estocagem total de água dessas florestas
será bem superior, o que se reflete em uma função ecossistêmica que justifica a
importância dessa floresta e seu histórico para a sociedade.
Os dados encontrados por Negreiros (2011), Togashi (2011), Santos
(2009) e Sousa et al.(2009), sugerem não somente a importância das funções
ecossistêmicas, mas também que, a partir de investigações de interações humanas
e naturais, descritas no comportamento da floresta do Camorim, as dinâmicas
naturais (e.g. produção de serrapilheira e processos erosivos) podem auxiliar na
conexão do passado com o futuro, onde o fator temporal, representado nas
análises de eventos chuvosos, contam a história de um ecossistema. Ressalto que
essa história apresentará influência determinante na maneira como as distintas
sociedades, em seus respectivos tempos históricos, vão apresentar padrões de
espacialização a partir da transformação de uma paisagem condicionante e
condicionada a esses padrões.
102
5.5 Erosão e granulometria
Algumas observações se destacam na análise dos resultados obtidos:
1) O objetivo desta análise foi verificar a taxa de material erodido por
hectare no período de um ano na sub-bacia do rio Caçambe. Algumas
complicações metodológicas relativas à coleta dos sedimentos foram sanadas após
o mês de setembro de 2012, a partir de adequações no procedimento de coleta. A
ocorrência do fluxo de superfície e a ausência de uma metodologia que
possibilitasse o esvaziamento pleno do reservatório retardaram o período de
coleta, que veio a ser solucionado pela utilização da mangueira, conforme
demonstrado no subcapítulo 4.3.2.
2) Não obstante ao referido fato do atraso nas coletas, as observações de
campo permitiram vislumbrar o início de um processo investigativo para levantar
hipóteses de abastecimento ao nível freático, conforme demonstradas no
subcapítulo 5.4.
3) O material mensurado em campo (em quilogramas) conteve a presença
de matéria orgânica de origem vegetal e de água, que apresentaram influência nas
mensurações de campo.
4) A presença de atividades de escavação pela fauna fossorial e tocas nas
adjacências do reservatório provavelmente apresentaram influência nas análises
granulométricas, assim como nas dinâmicas de infiltração e exfiltração de água no
solo. Tal fato justifica a importância de atentar para esses fatores.
5.5.1 O total erodido Os resultados indicam que no período de setembro de 2012 a março de
2013, o quantitativo de material erodido foi de 315,9 kg. Considerando a área de
contribuição na bacia, acima da cota 180 m, de 19,84 hectares, pode-se dizer que a
quantidade de material erodido durante o período amostral foi de 15,92 kg.ha-1.
Por se tratar de uma paisagem compostas por mosaicos, resultantes de distintas
interações em diferentes temporalidades, embora não seja possível discriminar
com segurança as áreas de maiores contribuições de sedimentos, algumas
observações destacam-se nesse contexto, sendo estas:
103
1) Embora o período amostral possa ser considerado reduzido para a análise de
padrões de geração de sedimentos, os resultados sugerem que, embora não
dissociados das particularidades de cada área analisada, os processos erosivos
apresentam seus maiores quantitativos em eventos únicos.
2) Os resultados obtidos no primeiro trimestre do ano de 2013 demonstram esse
fato. O material coletado nos meses de janeiro e fevereiro correspondeu a
aproximadamente 55% do total erodido no período de coletas e o material
coletado no mês de março correspondeu a aproximadamente 38 % do total
coletado no período amostral. Os dados obtidos no referido trimestre
corresponderam a aproximadamente 93% do total obtido no período amostral.
3) A análise dos resultados permite observar que a produção de sedimentos
apresentou relação com o aumento da intensidade dos eventos pluviométricos.
Porém, a partir da análise conjunta com os dados de classes diárias de chuva e
períodos de intervalos pluviais (sub-capítulos 5.3 e 5.4, respectivamente) foi
possível relacionar a produção de sedimentos com a umidade antecedente do solo.
No mês de janeiro de 2013, a ocorrência de chuvas consecutivas, provavelmente
favoreceu a atenuação das forças de coesão do material particulado no solo,
permitindo o desencadeamento dos processos erosivos com elevadas cargas de
sedimentos. As figuras 5.4 e 5.5 demonstram esse fato.
Figura 5.5 – Amostras de sedimentos gerados em janeiro de 2013, pesados in situ na sub-bacia do rio Caçambe. Foto: Rogério Ribeiro de Oliveira.
104
O trabalho de Avelar (2003), realizado no alto curso dos rios Bananal e
Paca Grande, localizados na área montanhosa do município de Bananal (SP),
indicou que a partir da análise comparativa entre três coberturas vegetais distintas
(gramínea, gramínea com herbácea e floresta secundária tardia à clímaxica)
presentes nas duas bacias analisadas, os maiores valores de transporte de
sedimentos e escoamento superficial observados na bacia do rio Paca Grande
estavam relacionados com a maior frequência e volume de chuvas. O autor indica
que a umidade antecedente do solo permitiu a perda de coesão aparentemente
promovida pela sucção permitindo o arrasto de partículas de solo nas áreas de
maior ocorrência do escoamento superficial e transporte de sedimentos, neste caso
na bacia do rio Paca Grande. Os valores de perda de solo (erosão) para a cobertura
florestal foram de 0,15g/litro, destacando-se que as sequências de dias chuvosos
culminavam em chuvas com aproximadamente 25 mm.
Nacinovic (2009), em um trabalho realizado na bacia do córrego sujo, em
Teresópolis no Rio de Janeiro, analisou os processos erosivos em distintas
coberturas vegetais. O resultado de produção de sedimentos para área de floresta,
caracterizada como Ombrófila Densa Montana, secundária com distintos estágios
sucessionais foi de 0,61 kg/ha/ano-1. Para a cobertura vegetal de pasto, o autor
encontrou 4,55 kg/ha.ano-1, enquanto que para a cobertura vegetal de floresta em
estágio de recuperação, a produção de sedimentos foi 25,01 kg/ha.ano-1. A média
do potencial de arraste de sedimentos para cobertura florestal foi de 1,5 kg/ha.ano-
1. Para área de pasto, a média do potencial de arraste foi de 0,41 kg/ha.ano-1 e para
área de cobertura vegetal de floresta em estágio de recuperação foi de 1,5
kg/ha.ano-1. O autor indica que as menores taxas de escoamento superficial e de
produção de sedimentos na área de cobertura vegetal de floresta estão associadas
com a presença de grandes quantidades de serrapilheira e raízes, que no primeiro
caso, protegem e conferem ao solo melhor estruturação decorrente da
decomposição de material orgânico, e em ambos os casos permitem melhor
infiltração da água da chuva e adquirem a funcionalidade de barreiras físicas que
diminuem as potencialidades dos processos erosivos pela ação do escoamento
superficial.
Coelho-Netto (1985), em um trabalho realizado na bacia do rio Cachoeira,
no maciço da Tijuca, Rio de Janeiro, encontrou, a partir de mensurações somente
nos períodos chuvosos, a produção de sedimentos de 975 ton.ano-1, com uma taxa
105
de 278 ton/km2/ano. A autora ressalta que a presença de clareiras pode ter
apresentado dominância na contribuição de sedimentos na bacia analisada. A
referida autora, em um trabalho posterior, realizado na Capela Mayrink, localizada
na Floresta da Tijuca, observou que durante um evento de precipitação de 380 mm
em menos de 24 horas ocorrido em fevereiro de 1996, acarretou na ocorrência de
cicatrizes erosivas superiores a 500 m2, onde foram transportados
aproximadamente 1.000.000 m3 de solo (COELHO-NETTO, 1985, 1996 apud
NEGREIROS, 2011).
Negreiros (2011), ao analisar as resultantes hidro-erosivas em clareiras de
deslizamentos no maciço da Tijuca, no Rio de Janeiro, indicou que as cargas de
sedimentos aumentam na mesma proporção do escoamento superficial, fato que,
mesmo sob uma estimativa visual, foi observado no presente estudo. Para os
períodos analisados na bacia do rio Fazenda, o autor observou rápida resposta da
bacia durante os eventos pluviométricos com maior intensidade. Os acúmulos de
sedimentos transportados pela carga de fundo foram de 5,9 m3 durante um único
evento em abril de 2010 com 138 mm de chuvas; 0,67 m3 no período de dezembro
a maio de 2011 e 3,90 m3 no período de abril a maio de 2011. Para os relativos
períodos analisados, os valores de transporte de carga de fundo, na área da bacia
foram de 2,6 x 10-5 m3/m2; 3,0 x 10-6 m3/m2 e 1,7 x 10-5 m3/m2, respectivamente.
O autor analisou os mesmos parâmetros no riacho Solidão, também no maciço da
Tijuca e encontrou para o período de abril de 2011 (em único evento), janeiro a
abril de 2011 e abril a maio de 2011, os respectivos valores de sedimentos
transportados por carga de fundo na bacia: 1,3 x 10-4 m3/m2; 4,1 x 10-5 m3/m2 e
5,13 x 10 m3/m2.
Os dados acima expostos sugerem que os padrões de geração de
sedimentos, embora associados com as intensidades e variabilidades dos eventos
pluviométricos, demonstram importante relação com as particularidades e o
componente histórico de ocupação das áreas estudadas. Conforme descrito ao
longo do trabalho, a estrutura e a funcionalidade florestal apresentam forte
influência da sobreposição de usos em distintos tempos históricos, porém atuantes
em nossa contemporaneidade. Novamente emerge o fato que a transformação da
paisagem a partir da relação entre intencionalidades humanas e dinâmicas
naturais, não deve ser negligenciada como um elemento crucial para análise de
estudos hidrossedimentológicos, onde o pesquisador apresenta um importante
106
papel na desconstrução da ideia de uma natureza homogênea e simplificada, caso
recorrente na constante recriação do imaginário e práticas de apropriação das
florestas no Estado do Rio de Janeiro.
5.5.2 Análise granulométrica
Os resultados das amostras granulométricas17 (Tabela 5.3) sugerem
aumento da quantidade (em gramas) de sedimentos mais grosseiros, com diâmetro
entre 1 mm e 4 mm, conforme aumento do período chuvoso. Tal fato pode estar
relacionado com a diminuição da força de coesão entre as partículas de solo,
promovida pela umidade antecedente. Os espaços maiores entre os grânulos de
maior tamanho exigem uma maior força de sucção para permitir o não
desprendimento das partículas (erosão). Como a presença dos grânulos de maior
tamanho (em quilogramas) se deu nos períodos com menores intervalos
pluviométricos (classes interpluviais) associados com a ocorrência do escoamento
superficial conforme observado em campo, tal hipótese pode ser reforçada. A
ocorrência de maiores quantidades de areia média - > 25 mm e < 1 mm - pode
estar associada com a ocorrência de granitos e gnaisses na região, que por
apresentarem grandes quantidades de quartzo, podem resultar na produção de
maiores quantidades de sedimentos arenosos. Cabe considerar que, segundo o
trabalho de Costa (2002), sob o ponto de vista do substrato litológico, os
deslizamentos de solo e rochas na bacia do rio Camorim apresentaram 100% de
participação dos sienogranitos do batólito Pedra Branca.
Tabela 5.3 - Percentuais granulométricos obtidos em coletas mensais na sub-bacia do rio Caçambe no período de setembro de 2012 a fevereiro de 2013.
Presença dos grãos (%)
Grânulo Areia muito
sss grossa Areia grossa Areia média Areia fina
Areia muito nnnn fina
Silte e argila
Setembro 5,75 8,62 21,18 27,12 13,98 19,26 3,82 Outubro 3,01 6,91 19,46 30,77 16,17 19,59 4,04 Novembro 7,17 6,89 18,73 30,28 16,59 17,25 3,04 Janeiro 19,96 6,58 16,99 23,69 13,51 16,51 2,73 Fevereiro 29,11 7,09 18,07 26,11 9,37 8,41 1,89
17 Cabe destacar que durante os eventos com maiores precipitações os resultados granulométricos aqui expostos estão sujeitos a alterações, notadamente pelo transporte do material mais fino durante o transbordamento do reservatório.
107
5.5.3 Observações de campo e influências no processo hidrossedimentológico
Destaco como importante observação anteriormente referenciada, a
presença de uma fauna composta por mamíferos escavadores na borda do
reservatório. A ocorrência da atividade de escavação, identificada a partir dos
vestígios e presença de toca, provavelmente apresentaram influência nos
resultados hidrossedimentológicos. Esta atividade provavelmente afetou os
resultados granulométricos e quantitativos nas coletas, notadamente nos períodos
de baixas precipitações. Nos períodos de precipitações elevadas, conforme
descrito anteriormente, foi observada a ocorrência do fluxo de subsuperfície nas
tocas, adquirindo a funcionalidade de uma zona de exfiltração.
Amaral et al. (2009), indicam que a distribuição de mamíferos no maciço
da Pedra Branca, em uma escala local, está associada com o gradiente altitudinal,
o grau de perturbação ambiental e a proximidade com áreas habitadas e
antropizadas, que figuram como importantes fatores na seleção e estabelecimento
de espécies de mamíferos florestais. Os autores observaram que as áreas entre a
cota 150 m a 400 m, apresentaram os maiores números de mamíferos capturados,
onde se destacam a presença de corpos d´água e áreas de bananeiras, atuando
como um corredor para estes animais. Essas características são observadas na área
amostral. Foi realizado um ensaio granulométrico (Tabela 10) em uma amostra
gerada a partir dessa atividade. O material foi obtido a partir de uma toca
localizada na borda do reservatório, influenciando a distribuição espacial dos
sedimentos dentro do mesmo, notadamente nos períodos de baixas precipitações,
destacando-se nessa micropaisagem. Os dados demonstram diferenças mais
expressivas nas classificações areia muito fina, grânulos e areia muito grossa,
quando comparados com os resultados obtidos nas análises granulométricas. Tabela 5.4 – Ensaio granulométrico do material originado pela atividade de bioescavação na sub-bacia do rio Caçambe.
Presença dos grãos (%)
Grânulo Areia muito grossa Areia grossa Areia média Areia
fina Areia muito fina Silte e argila
32,49 9,44 17,51 23,46 9,54 6,77 0,75
108
Destaco também a presença de anuros em estágio reprodutivo, onde a
característica de reprodução (disposição dos ovos em substância hidrofóbica)
afetou a presença dos sedimentos no interior do reservatório. Tal fato resultou da
concentração dos mesmos em uma pequena área que atuou como uma micro
barreira que impedia sua chegada ao interior reservatório. Destaco que esse fato
somente foi observado em dezembro de 2012, período que apresentou a menor
altura pluviométrica. Outro fator que ganha destaque nas observações de campo é
a ocorrência de formigueiros, principalmente em áreas de pasto abandonado, fato
que apresenta influência nos processos erosivos, notadamente a partir dos pipes
que permitem a injeção de água nas camadas abaixo da superfície do solo
atenuando as pressões que geram o escoamento superficial. Embora estes fatos
não tenham sido analisados de maneira quantitativa, é importante registrar a
ocorrência dessa fauna no sítio amostral, que em última análise, a partir da
dinâmica de cadeia trófica afetam diretamente os processos erosivos e a
disposição granulométrica que ocorre na área.
A ocorrência de matéria orgânica em decomposição nas análises
amostradas, provavelmente foi a variável que apresentou maior influência nos
resultados obtidos. O estudo de Freitas (2002), realizado no Parque Estadual de
Grumari, no maciço da Pedra Branca, indicou, a partir da comparação entre três
tipologias vegetais (bananal, regeneração e floresta) que
o teor de matéria orgânica no solo apresentou-se decrescente conforme o gradiente
floresta/regeneração/banana em amostras realizadas em uma amplitude de 0 a 60
cm no solo que variaram de 2,71% a 3,41%. Embora os usos pretéritos do
substrato florestal possam apresentar semelhanças, é considerável que cada área
apresente resultados distintos no que se refere à disposição de matéria orgânica no
solo, mas os resultados de Freitas (2002) permitem pensar a importância de não
negligenciar tal fato, que embora alvo de observação de campo, provavelmente
apresenta importante papel no que se refere aos processos erosivos,
principalmente a partir da agregação das partículas de solo, o que pode conferir
maior resistência à desagregação a partir do impacto de gotas da chuva.
As amostras coletadas, para análise granulométrica e pesagem in situ,
apresentaram, notadamente após os eventos de fortes precipitações, grandes
quantidades de matéria orgânica, ainda em estágios iniciais de decomposição.
Destaco que o teor de matéria orgânica no solo não foi mensurado, mas ressalto
109
que no que se refere aos processos erosivos a matéria orgânica apresenta um papel
importante em como vão se desencadear tais processos. A partir de observações
em campo foi possível identificar a ocorrência de fragmentos de galhos e folhas
de embaúba (Cecropia glaziovii), bananeiras (Musa sp.) e carrapetas (Guarea
guidonia). A presença de matéria orgânica no solo foi observada nos resultados de
Roncaratti e Neves (1976) quando analisaram os sedimentos de origem
continental que compõem o complexo fluvial, notadamente nas análises das
argilas das planícies de inundação, onde os autores encontraram regular volume
de matéria orgânica de origem vegetal, composta por restos de folhas, galhos e
troncos. Do ponto de vista de processos erosivos a presença de matéria orgânica
em decomposição atua como importante atenuante da erosão, principalmente por
conferir proteção ao solo diante do impacto de gotas da chuva, resistência ao solo
a partir da estruturação de agregados e aumento na capacidade de infiltração. Do
ponto de vista histórico, por se tratar de espécies pioneiras, a carrapeta e a
embaúba, se beneficiaram de clareiras abertas na floresta, principalmente oriundas
de atividades antrópicas pretéritas, tais como descritas ao longo do presente
trabalho. Novamente, a paisagem enquanto testemunho de processos interativos
entre intencionalidades humanas e dinâmicas naturais, conta uma história de
transformação, que por sua vez afetam os espaços de reprodução de sociedades
que se inserem nesse recorte territorial (o maciço da Pedra Branca) e nas áreas
adjacentes conforme observamos atualmente. Emerge então uma nova
organização, ressaltando a complementaridade e a recursividade entre sociedade e
natureza, onde os processos erosivos podem atuar como um importante
componente que permite vislumbrar a relação entre partes e todo na complexa
relação entre sociedade e natureza na inexorável construção da paisagem.
110
5.5.4 Precipitação e geração de sedimentos Tabela 5.5 – Dados de precipitação no Rio Centro e na sub-bacia do Caçambe, enquadramento em classes diárias de intensidade e classes interpluviais segundo dados do Rio Centro e quantitativos de sedimentos coletados na sub-bacia do rio Caçambe.
Conforme já citado anteriormente, a análise da dinâmica
hidrossedimentológica nos conta uma história, uma vez que apresenta
variabilidades segundo distintas temporalidades climáticas e as precipitações são
mensuradas a partir de uma relação de quantidade (altura milimétrica) por unidade
de tempo, apresentando fundamental influência no desencadeamento de processos
erosivos e preenchimento de aquíferos, elementos cruciais para pensar a
espacialização humana. Portanto, a análise da relação entre as precipitações e a
produção de sedimentos, figura aqui como importante elemento histórico que se
revela em uma paisagem profundamente transformada na complexa relação entre
dinâmicas naturais e intencionalidades humanas.
Classes de intensidade
diária Classes Interpluviais
Mês
Rio Centro Rio Caçambe Ci1 Ci2 Ci3 Sc1 Sc2 Sc3 Sc4 Sedimentos (mm) (mm) (Kg)
Janeiro 142 - 10 2 - 2 - 1 -
Fevereiro 14,2 - 3 - - - - 1 1 Março 125,2 - 8 2 1 4 2 - - Abril 107,2 125 8 3 - 2 2 - - Maio 88,2 105 8 3 - 1 1 - 1 Junho 118,2 150 7 4 - 2 1 1 Julho 51,8 70 3 2 - 2 1 - 1
Agosto 19,2 25 4 - - 1 2 - 1 Setembro 98 110 4 1 1 2 - - 1 12 Outubro 46,8 65 3 3 - 2 1 1 5
Novembro 78,2 120 14 3 - 7 - - - 4,1 Dezembro 22 20 6 - - 1 1 1 0,8
Janeiro 276,8 315 9 8 1 6 1 - - 174
Fevereiro 91,6 115 3 4 - 2 - - 1
Março 208,4 205 14 3 2 8 - - - 120
Total 1487,8 1425 104 38 5 40 12 5 8 315,9
111
A pluviometria total para o período de janeiro de 2012 a março de 2013 na
estação pluviométrica do Rio Centro foi de 1487,8 mm. A pluviometria total para
o período de abril de 2012 a março de 2013 na sub-bacia do rio Caçambe foi de
1425 mm. Quando as pluviometrias obtidas nas duas áreas são comparadas sob o
mesmo período de mensuração (abril de 2012 a março de 2013), a sub-bacia do
Caçambe apresentou superioridade de aproximadamente 18% na altura
pluviométrica total em relação ao Rio Centro. É importante ressaltar que nos
meses de dezembro de 2012 e março de 2013 o Rio Centro apresentou altura
pluviométrica superior ao Caçambe com respectivas diferenças de 5 mm e 10 mm.
Embora a similaridade entre os regimes pluviométricos tenham sido sugeridas por
Nogueira (2008) e Togashi (2011), este último atenta para ressalvas no período do
inverno. Por se tratar de um trabalho com uma série temporal relativamente
pequena, ressalto que as informações das análises dos dados pluviométricos não
são representativas quando comparadas com as temporalidades descritas ao longo
do mesmo.
Os dados de enquadramento do regime pluviométrico em classes diárias de
intensidade de chuva, segundo informações na estação pluviométrica do Rio
Centro, sugerem que o ano de 2012 foi considerado um ano seco com
pluviometria total de 911 mm. Aproximadamente 75,7% dos 103 eventos de
chuva registrados no Rio Centro no ano encontram-se inseridos na Ci1;
aproximadamente 22,3% dos eventos na Ci2 e aproximadamente 1,9% na Ci3.
Para os dados referentes ao ano de 2013 (janeiro a março) a análise dos mesmos
sugere que o referido ano, quando comparado ao mesmo período do ano anterior,
poderá ser um ano com pluviometria superior, conforme exposto nas linhas de
tendência da Figura 10. A análise dos dados demonstra que no referido trimestre,
o ano de 2012 apresentou total pluviométrico de 281,4 mm enquanto que o ano de
2013 apresentou 575,6 mm, correspondendo a aproximadamente 204,5 % de
superioridade da altura pluviométrica registrada para o mesmo período no ano
anterior. Os registros nas classes de intensidade diária de chuva sugerem que a
maior ocorrência de Ci2 no ano de 2013 pode ter sido determinante para o regime
pluviométrico superior observado no trimestre do referido ano. A ocorrência de 3
eventos inseridos em Ci3 sugere um aumento na intensidade dos eventos de
chuva, notadamente quando dois eventos com pluviometria acima de 50 mm.dia-1
foram registrados no mês de março de 2013, com 57 mm precipitados em um
112
intervalo de 6 horas no dia 17/03/12 e 53 mm precipitados no intervalo de uma
hora no dia 05/03/2013.
A análise das classes interpluviais podem fornecer informações precisas
para correlação com os processos erosivos, notadamente a partir da investigação
de processos como a umidade antecedente do solo. Para o ano de 2012, segundo
os dados da estação do Rio Centro, os meses com pluviometria abaixo de 50
mm.mês-1 corresponderam a fevereiro (14,2 mm), agosto (19,2 mm), dezembro
(22 mm) e outubro (46,8 mm). A única classe interpluvial presente em todos os
meses citados foi a Sc4, o que pode ter determinado os referidos meses como
secos. O mês de fevereiro apresentou até 16 dias consecutivos sem chuvas, o mês
de agosto com até 22 dias sem chuvas e os meses de dezembro e outubro com até
13 dias consecutivos sem chuva. Ressalto que, ainda para a análise dos meses
secos, as chuvas acima de 10 mm.dia-1 (Ci2) só ocorreram no mês de outubro com
3 eventos de 11,8 mm.dia-1; 12,8 mm.dia-1 e 16,2 mm.dia-1.
Para os meses com pluviometria acima de 100 mm.mês-1 que ocorreram no
ano de 2012, correspondendo aos meses de abril, junho e março com respectivas
alturas pluviométricas de 107,2 mm, 118,2 mm e 125,2 mm, não foi observada a
ocorrência de classes interpluviais Sc4. A classe Sc3 apareceu somente no mês de
junho, com 8 dias consecutivos sem chuva. Comparando os dados apresentados
com o enquadramento de classes de intensidade diária de chuva, os meses de abril
e junho de 2012 apresentaram um aumento na ocorrência de classes Ci2 com três e
4 eventos respectivamente. O mês de março apresentou somente dois eventos
enquadrados em Ci2, porém foi o único mês entre os mais chuvosos de 2012 que
apresentou a ocorrência de um evento enquadrado em Ci3, com precipitação de
51,8 mm.dia-1. Esses dados sugerem um aumento da intensidade nos eventos de
chuva que ocorreram no ano de 2012, que embora tenha se apresentado como um
ano seco, do ponto de vista da influência das dinâmicas de ordem hidrológica na
interface com a sociedade, um único evento pode afetar a memória coletiva, as
ideias de natureza e os padrões de espacialização humana.
O enquadramento em classes interpluviais no período de janeiro a março
do ano de 2013 sugere uma importante diminuição nos períodos sem chuva
quando comparados ao mesmo período do ano anterior. Os meses de janeiro e
março de 2013, com respectivas alturas pluviométricas de 276,8 mm e 208,4 mm,
não apresentaram a ocorrência de classes interpluviais Sc3 e Sc4, enquanto o mês
113
de fevereiro, com altura pluviométrica de 91,6 mm, apresentou a ocorrência da
classe interpluvial Sc4, com 12 dias consecutivos sem chuva. Tal fato pode ter
influência no comportamento pluviométrico do mês de fevereiro como o de um
mês seco, com pluviometria abaixo de 100 mm.mês-1.
O mês de janeiro de 2013, apesar de ter apresentado a ocorrência de um
período de 4 dias consecutivos sem chuva, portanto inserido em Sc2,
provavelmente apresentou maior altura pluviométrica em virtude da presença de
oito eventos inseridos em Ci2, correspondendo ao maior número de ocorrência de
Ci2 no período de janeiro de 2012 a março de 2013, e de um evento inserido em
Ci3 com 66,8 mm de altura pluviométrica registrada no dia 26/01/2013.
O mês de fevereiro de 2013, embora referido como um mês seco – com
pluviometria de 91,6 mm segundo dados do Rio Centro - provavelmente não
afetou o comportamento do abastecimento hídrico na área estudada, uma vez que
uma possível escassez hídrica causada por 18 dias sem ocorrência de chuva possa
ter sido atenuada, não somente pelo referido mês ser antecedido por um mês com
elevada pluviometria, mas também pela ocorrência de quatro eventos inseridos em
Ci2. A ausência de estresse por escassez hídrica ficou evidenciada pela ocorrência
do fluxo superficial ininterrupto observado em campo.
O mês de março de 2013 apresentou as classes pluviais inseridas somente
em Sc1, com o maior período sem chuva constando em 3 dias. A ocorrência de
dois eventos de chuva enquadrados em Ci3 demonstra um importante aumento na
intensidade das chuvas, principalmente sob a ocorrência de eventos como o do dia
05/03/2013 com 53 mm precipitados no intervalo de uma hora e do dia 17/03 com
57 mm precipitados no intervalo de 6 horas.
Para análise comparativa com os dados acima expostos, do ponto de vista
de processos erosivos os maiores quantitativos de material coletado no presente
estudo foram nos meses com maiores alturas pluviométricas. Tal fato já era
esperado, mas algumas observações se destacam:
1) No período de setembro a dezembro do ano de 2012, o total de material
mensurado in situ foi de 21,9 kg. Uma análise balizada pelos dados expostos nos
parágrafos anteriores permite observar que a umidade antecedente do solo
apresentou um importante papel no desencadeamento de processos erosivos.
2) Os meses de março, abril e junho de 2012 apresentaram pluviometria com
valores acima de 100 mm.mês-1. Embora as coletas tenham se iniciado de forma
114
efetiva em setembro de 2012, após resolução dos problemas causados pela
ocorrência do escoamento superficial, os referidos meses apresentaram um
importante papel no quantitativo de sedimentos coletados em setembro de 2012
que com o somatório de 12 kg de material erodido, correspondeu a 54,7% do
material coletado no ano de 2012. Destaco que esse quantitativo correspondeu ao
material gerado nos meses de abril, maio, junho e julho de 2012, onde abril e
junho constaram, conforme já exposto acima, em dois dos três meses mais
chuvosos do ano e apresentaram uma discreta tendência para o aumento da
intensidade de chuvas e menores períodos sem ocorrência de chuvas. Tal fato
torna-se relevante para pensar a ocorrência do fluxo superficial de saturação
observado em campo, que mesmo associado com dinâmicas hidro-geoecológicas
locais, embora pareça óbvio, sugere uma relação com o aumento da intensidade
dos eventos de chuva e redução dos períodos sem ocorrência de eventos chuvosos.
3) Os dados analisados apresentam um caráter descritivo, refletindo-se em uma
análise, que embora balizada em dados numéricos, é de base qualitativa, uma vez
que a incapacidade de correlacionar os dados com os demais sistemas que podem
influenciar nos resultados obtidos não fornecem a segurança necessária para
escapar de análises falaciosas traduzidas em determinismos numéricos.
4) A umidade antecedente do solo parece ter fornecido um importante papel no
desencadeamento de processos erosivos e geração de sedimentos a partir da perda
das forças de coesão. Tal fato pode ser sugerido pela presença de grãos mais
grosseiros nos períodos com maior pluviosidade.
5) Do ponto de vista histórico de transformação da paisagem e sua influência na
espacialização humana, a potencialidade de um único evento para desencadear
processos erosivos de grandes magnitudes, associado à complexidade da área
(organização a partir da relação entre ordem e desordem), é suficiente para ficar
marcado na memória humana, atravessando escalas temporais de distintas
gerações. Tal fato resulta, entre outras ideias, em reações mais imediatistas aos
eventos, corroborando para a ausência de um passado presente. Neste caso, o
evento pode se traduzir como apocalipses representados na brutalidade de uma lei
natural, afetando diretamente a sociedade e seus padrões de espacialização.
Destaco que os danos desse processo, em nosso tempo histórico, tendem a se
destinar às populações com menor poder de decisão. A ausência de um passado
presente emerge também quando essas populações acabam por vivenciar situações
115
semelhantes nos períodos chuvosos seguintes. Resulta desse cenário a importância
dos processos investigativos que venham a contemplar a complexidade de áreas
sujeitas a essas situações, onde o pesquisador, não isolado do seu objeto de
análise, apresenta um papel fundamental na interpretação do mesmo, fato que
tentei reproduzir no presente estudo.
Ressalto que as ideias aqui expostas resultam de uma interpretação de
algumas representações da paisagem e dos ecossistemas que nela se inserem. A
complexidade se instala tanto na ordem dos processos (dinâmicas naturais) quanto
das ideias (intencionalidades humanas) onde homogeneidade e heterogeneidade
dialogam nos processos de representação da paisagem. Embora estas associações
sejam somente uma simplificação de tais processos, as mesmas atuam como uma
justificativa da análise complexa que optei por realizar no presente estudo, onde
os elementos apresentados, da ideia ao objeto, afirmam a importância
indispensável na revelação de fragmentos de um passado presente, contados em
sedimentos de uma história.
116
6 Considerações finais
As conclusões do presente estudo encontram-se expostas abaixo e estão
referidas à relação de presença/ausência do passado identificado no trabalho. As
ausências de um passado presente, em última análise, estão referidas com os
processos que isentam ou negligenciam a presença de um passado que não é
estanque no tempo. Portanto, as considerações finais aqui expostas estão
relacionadas não somente com a identificação do passado atuante em nosso
tempo, mas também com processos que podem velar, intencionalmente ou não,
essa presença e corroborar para a perpetuação das ausências. Destaco que as
considerações aqui expostas não refletem a totalidade dessas relações e qualquer
identificação das mesmas pelo leitor figura como uma possibilidade de futuras
contribuições para estudos na região.
1) A coexistência de uma história geomorfológica, climática, biológica e humana,
aqui descritas, permitiu identificar que as distintas temporalidades atuam por
intermédio de suas respectivas contribuições temporais nos processos de
transformação da paisagem. É preciso evidenciar a necessidade do fator humano
para permitir a existência da paisagem enquanto construção social. Os processos
de produção do espaço podem negligenciar a referida coexistência temporal,
resultando nas ausências de um passado presente que estão descritas
detalhadamente nos tópicos seguintes.
2) A sobreposição de paleoterritórios pode atuar como importante ferramenta
analítica para interpretação das transformações conferidas às florestas pela
atividade humana. A distinção das referidas interações permite contar uma história
de transformações, regidas por intencionalidades humanas e dinâmicas naturais
testemunhadas na paisagem. É importante destacar que a complexidade
representada em níveis, figurou apenas como uma demonstração teórica que não
representa a sua totalidade. A complexidade não se apresenta em níveis, ela reside
117
em si, e se apresenta como fundamental na organização dos sistemas florestais e
sua relação com as sociedades. Não há a criação de um novo estágio florestal e
sim transformação, um processo e, portanto, uma história. A sobreposição de
paleoterritórios foi aqui descrita não somente para demonstrar o papel crucial que
tiveram as populações nos processos de transformação da paisagem, mas
corrobora também para a desmistificação do termo exclusão social, uma vez que a
inexistência (exclusão) não deixa marcas. Esta afirmação aplica-se principalmente
às populações de carvoeiros do maciço. As marcas na paisagem participam
ativamente na organização dos ecossistemas e testemunham uma história que
revela que as ausências aqui identificadas não escapam o caráter de uma
representação espacial.
3) A análise dos pares dialógicos - sociedade / natureza e homogeneidade /
heterogeneidade - permitiu vislumbrar algumas motivações nas representações
atuais das paisagens na cidade do Rio de Janeiro. Os processos de recursividade
foram pensados a partir da seguinte sentença: as sociedades transformam a
paisagem e as paisagens re-configuram a espacialização das sociedades. Essa
perspectiva de análise permitiu identificar que a cidade está na floresta e a floresta
está na cidade (relação entre partes e todo). Destaco que esta análise foi balizada
nos três princípios da análise complexa sugeridos por Morin (apud Fortin, 2005),
sendo estes: o princípio dialógico, o princípio da recursividade e o princípio
hologrâmico. Um fator destaca-se nesta perspectiva e adquire o caráter de uma
importante consideração. A análise aqui realizada ressaltou a importância de
investigar com maior acurácia as diferenças, recusando uma tendência de busca
única por padrões, que embora não menos importantes, são frequentemente os
alvos principais em pesquisas ecológicas.
4) A floresta atual organiza-se através do elo entre ordem e desordem. Os
distúrbios antropogênicos, embora não representem a totalidade das interações
que ocorrem dentro do sistema, apresentam fundamental influência na
organização florestal atual. Daí resulta a possibilidade das representações da
paisagem evidenciadas em recriações do passado e tentativas de homogeneização
se traduzirem em ausências de um passado presente, e assim, ocultar uma história.
5) A emergência das paisagens espetaculares atuam como um importante
componente da ideia de natureza contemporânea. No caso da floresta do
Camorim, a exuberância paisagística de uma floresta profundamente impregnada
118
de atividade humana, atua como importante componente que promove a crescente
especulação imobiliária na região. O crescimento urbano, notadamente a partir
dos imperativos da competitividade, atua como a principal fonte de pressão
antrópica identificada na fragilização ambiental das florestas da região. O
metabolismo entre sociedade e natureza então demonstra o agravamento de seu
rompimento. Nesse caso, destaca-se a substituição sistemática, mas não total, do
vivido pela representação, conforme observado por Guy Debord (1997).
6) A caracterização hidrológica, além de fundamental para pensar a espacialização
humana, figurou como um importante componente histórico, uma vez que está
associada com uma temporalidade climática e as precipitações são mensuradas a
partir da relação de quantidade por unidade de tempo. Outro fator também ganha
destaque nessa perspectiva. O desencadeamento de processos erosivos,
notadamente pela ação das chuvas, permite a emergência de um passado em
movimento contido nos processos de deposição sedimentológica que contam parte
da história geomorfológica do maciço e da planície de Jacarepaguá.
7) Os processos erosivos mostraram forte dependência dos fatores climáticos. Por
representarem a maioria dos desastres de ordem ambiental no Estado do Rio de
Janeiro, contam uma história e afetam diretamente a ideia de natureza. Os eventos
climáticos extremos fazem parte da história da cidade. As ausências de um
passado presente se revelam principalmente em reações imediatistas às situações
catastróficas que atingem a cidade desde a sua criação e na crescente exposição
dos grupos mais precarizados aos danos ambientais desses processos. O exemplo
ocorrido na região serrana do Rio de Janeiro, conforme exposto a seguir, atesta
para essa possibilidade.
Em janeiro de 2011, a região serrana do Rio de Janeiro foi acometida por
uma intensa chuva que desencadeou movimentos de massas acarretando na perda
de milhares de vidas. Eventos com elevadas pluviometrias nos meses de janeiro e
março de 2013 também culminaram na perda de vidas na região. Nas áreas onde o
desencadeamento dos movimentos de massa foram mais intensos não houve
distinção pelo dano (não há intencionalidade, mas dinâmicas naturais) aos grupos
afetados, embora possa haver ocorrência de afetações a posteriori quando da
ocorrência do evento. Neste caso, embora os danos no instante de sua ocorrência
não tenham atingido um grupo social específico, é inegável que as populações
menos privilegiadas ficam mais expostas ao perigo, notadamente a partir das
119
intencionalidades humanas que tendem à manutenção do status quo das
vulnerabilidades e riscos que essas populações com limitado poder de decisão
estão inseridas, aumentando sua fragilidade diante da ocorrência de novos eventos
pluviométricos extremos, perpetuando o processo descrito no presente tópico.
8) Os processos de transformação da paisagem, regidos por intencionalidades
humanas e dinâmicas naturais, afetam e são diretamente afetados pela ideia de
natureza. A ocorrência de eventos pluviométricos extremos, comuns no Rio de
Janeiro, resulta em especulações diversas que flutuam desde esferas religiosas às
científicas, que não estão isentas da bagagem cultural de nossa sociedade
contemporânea. As resultantes desse processo no âmbito da interface
sociedade/natureza, pode se traduzir na descrença a partir das funcionalidades que
as florestas poderiam apresentar diante de situações como estas. A partir de
processos investigativos dos elementos historicizados na paisagem, emerge a
possibilidade de respostas para as referidas descrenças assim como a revelação
das intencionalidades das representações. A paisagem, então, atua como um
importante elemento que permite às diversas maneiras de observá-la, empiricizar
o tempo e revelar uma história. Portanto, a pergunta a ser respondida diante do
que foi aqui apresentado é: que florestas são essas? Talvez, e assim espero, o
estudo dos sedimentos de uma história possa contribuir nessa resposta.
120
7 Referências bibliográficas
ACSELRAD, H & BEZERRA, G. das N. Desregulação, Deslocalização e Conflito Ambiental – Considerações sobre o controle das demandas sociais no Brasil contemporâneo. In: XIII Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional. Florianópolis, Santa Catarina, 2009.
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