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Raphael Vianna Mannarino Bezerra Sedimentos de uma história: o passado presente em uma floresta no Rio de Janeiro Dissertação de Mestrado Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre pelo Programa de Pós- graduação em Geografia do Centro de Ciências Sociais da PUC-Rio. Orientador: Prof. Rogério Ribeiro de Oliveira Co-Orientadora: Prof a Rita de Cássia Martins Montezuma Rio de Janeiro Junho de 2013

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Raphael Vianna Mannarino Bezerra

Sedimentos de uma história: o passado presente em uma floresta no Rio de Janeiro

Dissertação de Mestrado

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre pelo Programa de Pós-graduação em Geografia do Centro de Ciências Sociais da PUC-Rio.

Orientador: Prof. Rogério Ribeiro de Oliveira Co-Orientadora: Profa Rita de Cássia Martins

Montezuma

Rio de Janeiro Junho de 2013

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Raphael Vianna Mannarino Bezerra

Sedimentos de uma história: o passado presente em uma floresta no Rio de Janeiro

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre pelo Programa de Pós-graduação em Geografia do Centro de Ciências Sociais da PUC-Rio. Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo assinada.

Prof. Rogério Ribeiro de Oliveira

Orientador Departamento de Geografia – PUC-Rio

Profa. Rita de Cássia Martins Montezuma

Co-Orientadora Departamento de Geografia - UFF

Prof. André de Souza Avelar

Departamento de Geografia – UFRJ

Prof. José Augusto Pádua Departamento de História – IFICS/UFRJ

Profa. Mônica Herz

Vice-Decana de Pós-Graduação do Centro de Ciências Sociais – PUC-Rio

Rio de Janeiro, 03 de junho de 2013

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Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem autorização da universidade, do autor e do orientador.

Raphael Vianna Mannarino Bezerra

Graduou-se em Ciências Biológicas pela Universidade Santa Úrsula em 2009. Cursou pós-graduação executiva em meio ambiente pela COPPE/UFRJ em 2013 e participou de projetos de pesquisa em ecossistemas marinhos, lagunares e florestais. Destaca-se como área de interesse atual a realização de pesquisas de história ambiental em ecossistemas florestais.

Ficha Catalográfica

CDD:910

Bezerra, Raphael Vianna Mannarino Sedimentos de um história : o passado presente em uma floresta no Rio de Janeiro / Raphael Vianna Mannarino Bezerra ; orientador: Rogério Ribeiro de Oliveira ; co-orientador: Rita de Cássia Martins Montezuma. – 2013. 125 f. : il. (color.) ; 30 cm Dissertação (mestrado)–Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Geografia, 2013. Inclui bibliografia 1. Geografia – Teses. 2. Floresta Atlântica. 3. História ambiental. 4. Paleoterritórios. 5. Hidrossedimentologia. I. Oliveira, Rogério Ribeiro de. II. Montezuma, Rita de Cássia Martins. III. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Departamento de Geografia. IV. Título.

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Aos dois. A gente envelhece quando perde, exceto a lembrança.

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Agradecimentos

Agradeço primeiramente ao amigo e orientador Rogério Ribeiro de Oliveira, por ser vento, semente e raiz. Nessa parceria - como em tudo que existe - não há coincidência. À amiga e co-orientadora Rita de Cássia Martins Montezuma, por insistir que este rebelde rio deve lembrar-se sempre de suas nascentes.

Aos amados Dario Mannarino Bezerra e Glória Maria Vianna Bezerra, palavras não são dignas de substituir o beijo de cada noite.

A Rayssa Dias Mouris Lopes, por tolerar, com muito carinho, a inquietude de minha mente.

Aos amigos do Núcleo Interdiscplinar de Estudos da Paisagem (NIPP/PUC-Rio), em especial ao Maxwell Maranhão de Souza, pelas ótimas conversas e caminhadas entre dosséis, serrapilheiras e sedimentos.

Ao pesquisador da sociedade contemporânea Alcyr Cunha, pelos ótimos momentos de reflexão nas bordas do receptáculo de história e estórias do Camorim.

Às caríssimas e incansáveis Márcia Coutinho e Edna do Nascimento, indispensáveis para a conclusão de cada etapa do presente trabalho.

Aos docentes do Departamento de Geografia da PUC-Rio, em especial a Leonardo Name, Augusto Pinheiro, João Rua, Ivaldo Lima e Marcello Mota pelas contribuições durante as disciplinas e conversas sobre os temas abordados no trabalho.

Ao professor e amigo Álvaro Ferreira, por trazer o calor das tardes cariocas para os debates sobre o espaço urbano.

Ao professor André de Souza Avelar pelo papel decisivo na escolha do sítio amostral do presente trabalho e por permitir minha presença nos momentos em que compartilhou com seus alunos da UFRJ sua sabedoria acerca das minúcias da hidrologia florestal.

À amiga Joana Stingel Fraga, que emprestou não somente o banco do carona, mas parte de seu conhecimento que tanto inspirou o presente trabalho.

Ao Dean Berck pelos ótimos momentos de conversas, caminhadas e travessias nas florestas do Maciço da Pedra Branca.

Aos quinze da turma de mestrado em Geografia da PUC-Rio (2011-2013).

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Ao Eriomar dos Santos, que emprestou sua força e sabedoria para o desassoreamento do reservatório e início das coletas. Esteja em paz.

Aos membros do Laboratório de História e Ecologia do IFICS/UFRJ, em especial a José Augusto Pádua e Ana Marcela França, pelas contribuições teóricas e conversas inspiradoras diversas sobre a relação entre sociedade e natureza.

Ao Laboratório de Geologia Marinha (Lagemar/UFF), em especial ao Júnior, pelo apoio técnico para a realização dos ensaios granulométricos do presente trabalho.

Ao povo da floresta e a todos aqueles que se sintam impelidos a desvelar os mitos e dogmas que corroem as possibilidades de justiça socioambiental.

Agradeço às agências financiadoras pelos auxílios concedidos. O presente trabalho foi financiado, em seu primeiro estágio, pela bolsa Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior/ projeto Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia - Instituo Geotécnico de Reabilitação do Sistema Encosta-Planicie (CAPES/projeto INCT-REAGEO). O Segundo estágio do presente trabalho, foi financiado pela bolsa Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior/ Programa de Suporte à Pós-Graduação de Instituições de Ensino Superior (CAPES/PROSUP) modalidade 1.

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Resumo

Bezerra, Raphael Vianna Mannarino; Oliveira, Rogério Ribeiro de. Sedimentos de uma história: o passado presente em uma floresta no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2013.125p. Dissertação de Mestrado – Departamento de Geografia, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

A floresta do Camorim, localizada no maciço da Pedra Branca, Rio de

Janeiro, é caracterizada pela capacidade de recuperação e importantes funções

ecológicas que influenciam os processos de deposição de sedimentos de origem

continental durante toda a história geomorfológica da região. Os distúrbios

antrópicos pretéritos apresentam um importante papel na organização florestal. O

crescimento urbano se destaca como a principal fonte de pressão antrópica atual

na floresta. A caracterização hidrossedimentológica é fundamental para pensar o

uso e produção do espaço e as precipitações desencadeiam processos erosivos que

permitem a emergência de um passado em movimento. Os resultados demonstram

que o ano de 2012 foi um ano seco, com altura pluviométrica de 911 mm e

ocorrência de oito meses com pluviometria inferior a 100 mm. O primeiro

trimestre de 2013 apresentou características de um ano úmido com tendência de

aumento na ocorrência de eventos chuvosos inseridos nas classes de intensidade

diárias de chuva analisadas. Foi observado um aumento de cerca de 17% de

volume de chuva na área amostral (a 200 m de altitude), em relação à estação

meteorológica do Rio Centro (10 m). No período de setembro de 2012 a março de

2013, o material erodido totalizou 15,92 kg.ha-1 com 90% gerado no primeiro

trimestre de 2013. A ocorrência de maiores quantidades de areia média pode estar

associada com a ocorrência de granitos e gnaisses na região. A paisagem, então,

atua como um importante elemento que permite às diversas maneiras de observá-

la, empiricizar o tempo e revelar uma história.

Palavras-Chave Floresta Atlântica; história ambiental; paleoterritórios;

hidrossedimentologia.

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Abstract

Bezerra, Raphael Vianna Mannarino; Oliveira, Rogério Ribeiro de (Advisor). The sediments of a history: the past present in a Rio de Janeiro Forest. Rio de Janeiro, 2013.125p. MSc. Dissertation – Departamento de Geografia, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

The Camorim forest, located in the massif of Pedra Branca, Rio de Janeiro,

is characterized by resilience and important ecological functions that influence the

processes of continental sediment deposition throughout the geomorphological

history of the region. Past anthropic disturbances play an important role in forest

organization. Nowadays the urban growth stands out as the main source of

anthropogenic pressure in the forest. The hydrossedimentological characterization

is essential to think the use and production of space. The activation of erosion

processes by rainfall allows the emergence of a past in movement. The results

show that the year of 2012 was a dry year, with rainfall of 911 mm and with eight

months with rainfall less than 100 mm. The first quarter of 2013 showed

characteristics of a humid year with an upward trend in the occurrence of events

in intensity daily of rainfall analyzed. Was observed an increase of about 17% of

rainfall volume in the sampled area (200 m altitude), in relation to the

meteorological station of the Rio Centro (10 m). In the period from September

2012 to March 2013, the eroded material was 15.92 kg.ha-1 with 90% generated

in the first quarter of 2013. The occurrence of larger quantities of medium sand

may be associated with the occurrence of granite and gneiss in region. The

landscape acts as an important element that allows the several ways to observe it

reveal a history.

Keywords Atlantic Rain Forest; Environmental History; Paleoterritories;

hydrossedimentology

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Sumário

Apresentação 11

1. Introdução 12

1.2. O homem e a mata atlântica: Um breve histórico de transformação 15

1.3. O processo de ocupação da baixada de Jacarepaguá 22

1.3.1. A ocupação humana no Camorim 25

1.3.2. Sociedade e natureza na floresta do Camorim 27

1.4. O maciço da Pedra Branca e a baixada de Jacarepaguá: Uma

história geomorfológica 29

1.4.1. Sedimentos de origem continental 32

2.FundamentaçãoTeóricoepistemológica 35

2.1. O simples e o complexo 35

2.2. Complexidade e estabilidade em sistemas naturais 37

2.3. Paleoterritórios e a floresta atual: encontrando um passado presente 42

2.4. O caso de um ecossistema florestal urbano: do simples ao complexo 45

2.5. A paisagem como uma construção social 46

2.6. A emergência das paisagens espetaculares 48

2.7. O metabolismo entre sociedade e natureza 52

2.7.1. O complexo açucareiro, a floresta e a cidade: O Rio de Janeiro nos

séculos XVII e XVIII 53

2.7.2. A cidade do carvão e o carvão da cidade: O metabolismo social na

floresta do Camorim nas décadas de 1930 a 1950 56

3. A dinâmica hidrológica na floresta e na cidade: uma história climática 60

3.1. Hidrologia 60

3.2. Pluviometria no Rio de Janeiro 62

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3.3. Funções ecossistêmicas na interface encosta/planície

(floresta/cidade) 67

4. Área de estudo 71

4.1. A estação meteorológica do Rio Centro 74

4.2. Hidrossedimentologia 75

4.3. Procedimentos metodológicos para análise hidrossedimentológica 81

4.3.1. Precipitação direta 81

4.3.2. Taxa de erosão e granulometria 83

4.3.3. Procedimentos Metodológicos de coleta em campo 86

5. Resultados e discussão 88

5.1. Regime pluviométrico no Rio Centro 89

5.1.2. Classes diárias de intensidade da chuva no Rio Centro 91

5.2. Precipitação direta no Caçambe e no Rio Centro 94

5.3. Classes interpluviais da estação meteorológica do Rio Centro 95

5.4. Abastecimento a nível freático, fluxo superficial de saturação e

funções ecossistêmicas na sub-bacia do rio Caçambe 97

5.5. Erosão e granulometria 102

5.5.1. O total erodido 102

5.5.2. Análise granulométrica 106

5.5.3. Observações de campo e influências no processo

hidrosssedimentológico 107

5.5.4. Precipitação e geração de sedimentos 110

6. Considerações finais 116

7. Referências bibliográficas 120

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Apresentação

No que consiste a relação entre sociedade e natureza? Existe certa audácia

em levantar esse questionamento nas primeiras linhas do presente trabalho,

notadamente quando o mesmo almeja propor uma reflexão que vem inspirando ao

longo da história paixões, tragédias e fascínios na filosofia, na ética e na cultura.

Estamos nós, seres sociais, incluídos nas “naturezas” que descrevemos? Conforme

descreve Williams (2011), é possível precisar uma história para a associação e

fusão de um nome para qualidade com um nome para as coisas observadas sob o

estigma de natural. As motivações para tais interpretações obedecem a

características notadamente idealísticas, metafísicas e religiosas, exibindo

intrínseca relação com seus respectivos tempos históricos. Este fator justifica, por

exemplo, a busca dos povos ditos primitivos na compreensão da vontade dos

deuses da natureza, encarnados no vento, nas florestas e no mar, que sob a censura

do paganismo, deixou a natureza sob a tutela do Deus único. Destaco como fato

notório para a construção do presente trabalho as modificações oriundas dos

equívocos epistemológicos herdados da modernidade (SANTOS, 1996), que a

partir da cisão entre sujeito e objeto culminou em uma ciência que busca

“apreender o mundo coisificando-o, objetivando-o, homogeneizando-o” (Leff,

2007, p. 192), onde a natureza representada desde antigas tradições como uma

mãe, também se apresenta como uma madrasta, sendo sua fecundidade a

motivação religiosa para uns e a passagem por um mal essencial de suprema

ilusão idealizada por pessimistas como Malthus (LENOBLE, 1969). Herda-se

assim, o sentimento tênue e difuso que habita as mentes humanas quando pensam,

vivem e transformam a natureza, flutuando entre o mistério do milagre

providencial e a dinâmica bruta de suas leis, entre os deuses que nutrem e o deus

que castiga, entre o dom da vida e a hipótese de Oparin, entre o bóson de Higgs e

os anúncios do fim. Assim sendo, objetividade e subjetividade participam

ativamente do diálogo entre naturezas e sociedades, e ofereço-lhes nas linhas que

se seguem a minha contribuição.

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1 Introdução

Confesso ao leitor, como primeira preocupação, que o presente estudo

escrito propositalmente em primeira pessoa, é uma tentativa do exercício de

inserir o autor que vos fala na qualidade de observante, não isolado do sistema

que estou observando, e consequentemente, interpretando. Coloco nesse primeiro

parágrafo a motivação norteadora da realização dessa dissertação, a partir de uma

interpretação acerca da inseparabilidade entre sociedade e natureza, utilizando

como estudo de caso a floresta urbana presente no Maciço da Pedra Branca no Rio

de Janeiro.

Comecei de fato este projeto quando, em meio a um trabalho de campo no

interior de uma floresta urbana no Maciço da Pedra Branca no Rio de Janeiro, tive

a oportunidade de me deparar com inúmeras heranças de tempos pretéritos tão

evidentes e influentes nos processos ecológicos atuantes na área. Os

remanescentes de Mata Atlântica ali presentes, são percebidos nos dias atuais,

como representantes de uma porção de espaço sacralizado, em uma racionalidade

que frequentemente a isola de seus habitantes e do frenesi urbano metros abaixo

dos sopés do maciço da Pedra Branca. Seria esta racionalidade suficientemente

segura para descrever o que constitui uma floresta urbana? Essas florestas não

estão isentas das urbanidades que as penetram, tampouco de populações que nelas

se estabeleceram durante os diferentes períodos históricos construindo seus

respectivos espaços de reprodução. Conforme descreve Garcia-Montiel (2002) é

frequente a tendência de muitos ecólogos em negligenciar a presença humana nas

florestas contemporâneas, notadamente no que tange ao entendimento de que

diversas florestas permaneceram durante muito tempo isentas de alteração e que

somente agora a atividade humana teria provocado tais alterações observadas.

Entre os estudos que evidenciam a presença humana nas florestas do

Maciço da Pedra Branca no Rio de Janeiro, destacam-se autores como Correa

(1933), Galvão (1957) e Oliveira (2005), que registram nessas florestas uma

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atmosfera rural com a presença de um modo de vida tradicional no início do

século XX, com estabelecimento da fruticultura, destacando-se a laranja nas

encostas voltadas para o quadrante norte e a banana voltada para o quadrante sul

do Maciço da Pedra Branca. No período de 1940 a 1960, as florestas sofreram um

significativo impacto para exploração da lenha e carvão, que viriam a abastecer o

crescente centro urbano da cidade do Rio de Janeiro. Uma vez abandonadas para

estes fins econômicos, a agricultura de subsistência passou a figurar como a

principal atividade nas florestas do Maciço, sendo praticada por pequenos

proprietários (OLIVEIRA, 2005; GALVÃO 1957; BEZERRA et al, 2010).

A relação entre sociedade e natureza em ambientes de florestas é

evidenciada em distintas práticas de interação, que podem acarretar alterações na

paisagem e nas relações sociais que nestas se desenvolvem. Destacam-se entre os

processos interativos o estabelecimento e evolução da agricultura, da pesca e da

apropriação de recursos para os mais diversos fins, como a exploração de lenha,

carvão, combustíveis fósseis, minérios e recursos hídricos. De fato, com o período

iniciado com a Revolução Industrial no século XVIII, o ritmo das interações

citadas no parágrafo acima foi intensificado, notadamente por avanços

tecnológicos, acarretando em um crescente desequilíbrio entre o tempo econômico

humano e o tempo biológico lançando diversos ecossistemas em um crescente

espiral de degradação em escala planetária1. Em contrapartida, as interações de

populações pretéritas com diversos ecossistemas vêm sendo negligenciadas não

somente no discurso crítico ambiental, como também em estudos de ecologia.

Destaco que, mesmo diante do clamor popular por responsabilidade

ambiental, que ganhou notoriedade no debate europeu e norte-americano na

década de 1970 influenciando fortemente a crítica ambiental brasileira, os relatos

de cuidado ambiental não figuram como um produto exclusivo da sociedade

contemporânea uma vez que a reflexão à cerca da degradação ambiental pela ação

do homem já era observada no país nas últimas décadas do século XVIII e grande

parte do século XIX (PÁDUA, 2002; PÁDUA, 2010).

1 Embora a degradação ambiental já tenha sido descrita em práticas anteriores com limitadas possibilidades técnicas, como a utilização do fogo e domesticação de plantas e animais, a degradação ambiental pós-século XVIII são consideradas mais relevantes no âmbito mundial pelo maior alcance de suas práticas em intervalos temporais cada vez menores.

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Mesmo estando o discurso ambiental atualmente balizado por fortes

influências objetivas e subjetivas que recaem sobre a ideia de natureza, com a

predominância das noções de refúgio frente ao caos urbano promovido pelo

crescimento das grandes cidades e a preservação de recursos que seria a garantia

de um futuro próspero às gerações vindouras, a “ideia de natureza contém uma

quantidade extraordinária da história humana” (WILLIAMS, 2011, p. 89) e o

ambiente natural brasileiro dos séculos XVIII e XIX não era defendido “com base

em sentimentos de simpatia pelo seu valor intrínseco, seja em sentido estético,

ético ou espiritual, mas sim devido à sua importância para a construção nacional”

(PÁDUA, 2002, p. 13). Embora não obstante as ideias de natureza pretéritas,

destaco as representações da paisagem como importante fator que atua no

imaginário coletivo como um componente digno de investigação, com importante

papel nas incongruências de ordem socioambiental observadas na cidade do Rio

de Janeiro atualmente. Não pretendo discorrer neste primeiro momento a questão

do pensamento ambiental no Brasil ou no mundo, mas é um fato que a sua

emergência tem projetado significativa influência no comportamento científico e

cultural contemporâneo. Negligenciar as críticas ambientais pretéritas e as

informações contidas nas mesmas, assim como os usos que foram destinados aos

ecossistemas no passado, é entendido aqui como um convite à possibilidade de

condenar o presente e o futuro aos equívocos cometidos no passado.

A partir, portanto, dessa breve introdução, pretendo discorrer algumas

possíveis contribuições para serem inseridas no âmbito das questões ambientais,

frequentemente retornando ao estudo de caso das florestas do maciço da Pedra

Branca para evidenciar a intrínseca relação entre as dinâmicas naturais e a

espacialização humana, na pretensão de colaborar para um novo olhar direcionado

a esses ambientes florestais, no presente estudo abordados sob uma perspectiva

geográfica a partir de categorias como espaço, paisagem e território.

Partindo dessa conjuntura, pretendo dar início ao presente estudo com o

histórico da ocupação humana nos ecossistemas de floresta Atlântica no Rio de

Janeiro, para que assim se balizem as hipóteses e métodos a serem adotados nos

demais capítulos do presente trabalho. No capítulo II intitulado “Fundamentação

Teórico Epistemológica”, encontram-se descritos as metodologias analíticas para

que seja possível pensar a complexidade das interações de ordem socioambiental,

sob uma perspectiva histórica de usos do solo na floresta do Camorim, no maciço

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da Pedra Branca. O terceiro capítulo foi destinado à apresentação da área de

estudo contendo informações sobre as dinâmicas biofísicas que ocorrem na

floresta do Camorim, sua relação com as formas de ocupação humana e

respectivas resultantes ambientais, balizando a análise da dinâmica

hidrossedimentológica que ocorre na sub-bacia do rio Caçambe. No referido

capítulo encontram-se descritas as fundamentações para escolha dos métodos de

análise e instalação dos equipamentos de campo e dos procedimentos de coleta de

dados. No capítulo V estão descritos os resultados e a discussão referentes aos

dados obtidos na análise da dinâmica hidrossedimentológica que ocorre na sub-

bacia do rio Caçambe no período de abril de 2012 a março de 2013.

A distribuição dos tópicos de investigação no presente estudo obedece a

uma lógica de pensamento refletida em uma estratégia metodológica que almeja

inserir o leitor na qualidade de intérprete do meu objeto de investigação. Os

primeiros capítulos do presente estudo foram destinados a uma descrição dos

processos interativos entre sociedade e natureza a partir de relatos históricos que

abordam uma história humana e uma história natural. Os capítulos seguintes

referem-se a minha interpretação do objeto de análise, obedecendo ao

compromisso de um rigor metodológico que vislumbra a aproximação com o real

e, por conseguinte, contribuir na revelação de processos que colaboram para as

ausências de um passado presente, culminando na análise de sedimentos de uma

história.

1.2 O homem e a mata atlântica: Um breve histórico de transformação

Começo esse subcapítulo atentando ao leitor que, mesmo sob um caráter

primordialmente descritivo, evidencia a impossibilidade do rompimento dos elos

entre sociedade e natureza que pretendo desenvolver ao longo do trabalho.

Os seres humanos necessitam usar, transformar e manipular a natureza e

no processo de transformação afetam e são afetados por fenômenos da natureza.

Cada sociedade em seu tempo histórico interfere e é interferida por fenômenos

naturais. Nesse processo humanizam a natureza, conhecem a natureza e tomam

consciência da sua capacidade de auto-organização. A natureza apresenta-se então

como suposto e como condição para a espacialização humana (TOLEDO &

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MOLINA, 2007). Diante dessa perspectiva, é preciso considerar que a abstração

do homem na interpretação da natureza, obedece a uma historicidade que não

pretendo desenvolver no presente estudo, mas ter a consciência deste processo é

fundamental. Balizo essa importância com uma passagem de Williams (2011,

p.104), que, ao argumentar sobre as ideias de natureza, descreve: Uma parte considerável do que chamamos “paisagem natural” [...] trata-se de um produto do planejamento e do trabalho humano e, ao ser admirado como natural, importa muito se suprimimos dele o trabalho ou se o reconhecemos. Optando pela segunda opção sugerida pelo autor, ofereço a minha

contribuição para revelar um passado presente na floresta do Camorim, no maciço

da Pedra Branca. É importante destacar que qualquer ausência notada pelo leitor

figura na presença de um importante objetivo do presente trabalho, que é

estimular o debate científico na construção de objetos menos segmentados e,

portanto, mais disponíveis ao diálogo. Os exemplos expostos abaixo apresentam

como objetivo demonstrar a importância da presença humana na organização dos

ecossistemas florestais no Rio de Janeiro, de maneira que figure como descrições

que vão de encontro às representações que tendem a conceber as florestas como

porções do espaço isentas de trabalho humano, onde as possíveis alterações

provocadas por sociedades pretéritas estariam restritas ao passado.

Os autores Scheel-Ybert et al. (2013), a partir de análises antracológicas

na região de Morro Grande, Araruama, Rio de Janeiro, indicam fortes evidências

de influência humana em florestas neotropicais. Os fragmentos antracológicos

permitiram identificar os usos dos recursos florestais para finalidades ritualísticas

assim como para atividades do cotidiano de grupos sociais formado por

Tupinambás2. Os autores identificaram a importância do fogo para esses grupos,

tanto para o uso cotidiano como para finalidades ritualísticas, destacando-se a

utilização das cascas de árvores que, embora utilizadas para atividades diárias,

provavelmente apresentava um importante componente simbólico nas práticas

ritualísticas. Os autores sugerem que os grupos Tupiguaranis, que habitaram essa

área por quase 3 milênios interagindo e causando diversos distúrbios, adaptaram o

ambiente às suas crenças, criando uma paisagem que contrasta com a ideia de uma

floresta atlântica prístina. A presença de famílias vegetais características de

2 Segundo os autores Scheel-Ybert et al. (2013), intensas ocupações de Tupiguaranis, provavelmente ancestrais dos Tupinambás, foram registradas no Rio de Janeiro, notadamente em áreas de planície costeira e em regiões mais baixas da Serra do Mar.

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estágios sucessionais iniciais nas amostras antracológicas sugere a existência

dessa tipologia vegetal nas adjacências da área estudada. Tal fato resulta da

hipótese que os usos conferidos à floresta por esses grupos permitiram a

regeneração da biodiversidade através dos mecanismos de resistência e resiliência

dos ecossistemas afetados. É importante destacar que as amostras dos autores

também indicam a presença de florestas em estágio maduro na área, embora os

usos para as finalidades ritualísticas e cotidianas sejam atribuídos, em maior parte,

às florestas secundárias originadas de práticas de interação pretéritas.

É provável que a caça e a utilização do fogo tenham acarretado

consideráveis transformações nas dinâmicas florestais. Com o declínio das

populações dos grandes animais de caça, é provável que os grupos que praticavam

tais atividades tenham migrado para as regiões das baixadas do continente, com

abundância de ecossistemas estuarinos e manguezais, exigindo pouca energia

despendida na coleta de alimentos. Aqui se destaca um importante fator que pode

evidenciar a ocorrência desses grupos na região adjacente à floresta do Camorim,

notadamente a partir da presença de sambaquis na área da planície de

Jacarepaguá, oriundos do descarte de conchas e fragmentos manipulados por

grupos indígenas e a presença de machados de pedras encontrados na floresta

(Oliveira, 2005).

A substituição das práticas de caça e coleta pela adoção da agricultura

permitiu ao homem um elevado potencial de transformação da paisagem,

notadamente pelo desenvolvimento de processos como a domesticação de

espécies que favoreceu a emergência do sedentarismo. Do ponto de vista

alimentar, a agricultura permitiu, entre outras possibilidades, o aproveitamento de

uma fitomassa impalatável3 para ceder lugar à produção de alimentos. A prática

da agricultura se mostrava muito mais viável e promissora nos solos florestados.

A técnica, segundo Dean (1995, p. 44) consistia em:

Perto do fim da estação seca, a macega de uma faixa de floresta – um hectare mais ou menos – era cortada e deixada secar, e, por meio de machados de pedra, retirava-se um anel da casca dos troncos das árvores maiores. Então pouco antes da chegada das chuvas, a área era queimada, fazendo com que a enorme quantidade de nutrientes na biomassa da floresta caísse sobre a terra na forma de cinzas.

3 O aproveitamento da fitomassa impalatável está referido à utilização do método de transferência de nutrientes contidos na referida biomassa vegetal para o solo, possibilitando o plantio de espécies selecionadas para alimentação.

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O papel das chuvas era fundamental para drenar e permitir a entrada de

nutrientes acumulados em cinzas para fertilização do solo da Mata Atlântica, que

permitia cultivos mais longos, como o exemplo da mandioca, fundamentalmente

cultivada pelos grupos de Tupinambás. Após o abandono da faixa de terra

utilizada para este fim iniciava-se a regeneração desta porção florestal, dinâmica

que veio a caracterizar a prática da agricultura itinerante indígena no Brasil. Os

grupos de Tupiguaranis consistiam no principal grupo com os quais se deparavam

os europeus durante suas primeiras visitas ao longo da costa, tendo considerável

porção de suas práticas itinerantes de agricultura interrompidas pela chegada dos

europeus. A derrubada da floresta para diversos fins ampliou a área de

perturbação, destacando-se o fato de que a utilização do fogo para enfrentar a

infertilidade dos solos na realização de cultivos de subsistência e posteriormente

no estabelecimento de complexos agroeconômicos históricos foi responsável pela

geração de um tipo particular de paisagem florestal dominante no sudeste

brasileiro. É importante destacar que essa prática consistia no método mais

utilizado para o preparo da terra para plantio no país até o final do século XIX4

(OLIVEIRA, 2007; OLIVEIRA, 2008; PÀDUA, 2002).

Com a chegada dos primeiros colonizadores europeus, a exploração do

Pau Brasil (Caesalpina echinata LAM.) ganhou destaque como uma importante

atividade de devastação da mata atlântica no século XVI. Mesmo diante dos

limitados recursos da Coroa portuguesa, que estavam destinados majoritariamente

ao Oriente, Dom Manuel deixou a nova colônia a cargo de comerciantes com a

função de despachar ao menos seis navios por ano para extração do pau-brasil e

demais recursos passíveis de exploração. Durante esse período, estima-se que

cerca de 1200 toneladas/ano de madeira foi explorada para esse fim. Nos anos que

se seguiam, a crescente exploração do pau-brasil pela coroa portuguesa adida às

incursões de contrabandistas de madeira franceses, espanhóis e ingleses podem ter

acarretado na extração de 12 mil toneladas por ano (DEAN, 1995). O corte do

pau-brasil ganha destaque como “o primeiro elemento da natureza brasileira

passível de exploração pelo mercantilismo europeu” (PÁDUA, 2002, p. 82) e cabe

atentar, conforme sugere o autor, que a carga semântica que o nome Brasil 4 É importante destacar que, embora ocorresse de maneira pontual, a rotação dos cultivos e o período de pousio não foram adotados em grande escala para o cultivo de monoculturas nos empreendimentos agroeconômicos no Brasil, caracterizados por serem fixos e posteriormente substituídos por atividades como a pastagem de animais.

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transmitia estava “associada à busca de ganho fácil, ao uso imediatista das

riquezas do território” (PÁDUA op cit. p. 82) resultando em uma intensa atividade

predatória no território brasileiro.

O verdadeiro valor das florestas brasileiras5 consistia na diversidade de

espécies inteiramente novas para os europeus. Foi em meados de 1650 que a coroa

começou a considerar o potencial das florestas brasileiras às necessidades

marítimas do reino, não devendo esse fato ser desconsiderado como um

importante componente da transformação da paisagem florestal brasileira no

período, notadamente a partir da seletividade para as construções navais, uma vez

que os exemplares de grande porte resultavam em uma unânime sedução aos

olhos dos visitantes das florestas. Sem a madeira, Portugal e outras nações

estariam impossibilitados de exibir seus atributos de uma civilização próspera. A

madeira consistia em um importante combustível para as necessidades do Brasil

colonial, como a produção do açúcar, o rum, a gordura de baleia, couros curtidos,

cal, entre outros. Essas e outras necessidades provavelmente foram suficientes

para a organização de um intenso comércio de madeira ao longo da costa

brasileira (MILLER, 2000).

A destruição das florestas no Brasil teve maciça influência da política

florestal portuguesa, que não provia incentivos para conservação e, por decreto,

estimulava a destruição pelos proprietários de terras de tudo que não pertencia aos

mesmos. Os benefícios das práticas de corte e queima não eram aproveitados, uma

vez que o tempo necessário para recuperação dos solos não era compatível com a

expectativa de retorno imediato dos exploradores. Diante desse cenário de

fragilização ambiental, é importante destacar a contribuição do Rio de Janeiro na

exportação de madeira para Portugal. O Rio de Janeiro exportou 39 % de toda

madeira obtida no território brasileiro no período de 1796 a 1819. Para fins de

comparação, Pernambuco exportou 24,3 % de madeira e a Bahia exportou

somente um pouco mais da metade do quantitativo do Rio de Janeiro, totalizando

em 22,7 %. Os dados indicam que o Rio de Janeiro apresentou um papel

dominante na exportação de madeira durante as duas últimas décadas do período

5 Cabe destacar que embora tenha causado significativas alterações, havia a impossibilidade do abastecimento da imensa demanda Portuguesa de madeira por parte da exploração em território brasileiro. Em contrapartida, no mesmo período, destacava-se a intensa transformação na paisagem social e ambiental em detrimento da exploração de preciosidades como o ouro e a prata, consideradas prioridades pela coroa Portuguesa até o século XIX.

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colonial, provavelmente estendendo-se até o final do século XVIII (MILLER,

2000).

O vislumbre diante da paisagem de mata atlântica conferido aos olhos dos

colonizadores portugueses “acostumados às limitações ecológicas de sua região

de origem” (PÁDUA, 2002), provavelmente resultou em uma racionalidade que

não via limites para exploração dos recursos presentes no território nacional. O

abandono de áreas já devastadas por uma determinada prática de exploração era

rapidamente compensado pela disponibilidade de áreas para posterior exploração

onde “a imagem de uma terra sempre disponível para o avanço horizontal da

produção minimizava a importância do cuidado ambiental” (PÁDUA, 2002. p,

73).

As implicações ecológicas não se restringiam somente aos animais e

plantas da mata atlântica. As transformações nas relações estabelecidas entre os

indígenas e as terras que estes habitavam sofreram severas mudanças,

notadamente através da exploração do pau-brasil, onde os indígenas,

provavelmente motivados pela aquisição de materiais que facilitariam a sua

subsistência, figuravam como a principal força de trabalho para encontrar,

derrubar e carregar os espécimes de pau-brasil, reconfigurando a maneira que

estas populações se relacionavam com a terra durante os anos que precederam à

chegada dos colonizadores, traficantes de escravos, jesuítas e espécies exóticas

introduzidas. Nesse cenário destaca-se a exposição dos nativos ao contato com

organismos patogênicos chegaram a dizimar 90% dessas populações em um

século, fato que segundo Pádua (2002) reconfigurou a paisagem biofísica e

cultural do país e nas Américas como um todo.

É provável que o decréscimo populacional pelo choque epidemiológico

tenha permitido a regeneração de diversas porções dos ecossistemas florestados,

uma vez que essas populações além de agentes ativos na transformação da

paisagem consistiam na principal força de trabalho utilizada pelos colonizadores

para obtenção dos recursos desejados.

Os residentes urbanos presentes na sede do governo, no Rio de Janeiro, e

os excedentes que deviam ser fornecidos à metrópole, resultavam em uma

demanda de alimentos, que frequentemente era suprida pelo crescente cultivo de

produtos como milho e mandioca. Cabe ressaltar que a prática empregada para a

produção dos produtos agrícolas era adaptada da prática de derrubada e queimada

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utilizadas pelos habitantes nativos. Com o aumento no número de residente

urbanos na então sede do governo, a demanda por alimentos era crescente fato que

ocasionou em uma expansão das áreas cultivadas. Nesse contexto, destaca-se a

introdução de espécies como porcos, ovelhas, cabras e o gado bovino para

abastecer o suprimento de carne para os emergentes engenhos de açúcar e

habitantes da cidade, o que acarretou em profundas transformações na paisagem

do Rio de Janeiro, e a floresta do Camorim não está isenta deste processo.

Com participação ativa nesse cenário de transformação, ganham destaque

as práticas de intervenção realizadas por populações caiçaras, alterando estrutura,

composição e a funcionalidade da Mata Atlântica através da agricultura de

subsistência. O trabalho de Oliveira (2008) indica que a agricultura caiçara é

típica das populações indígenas que habitaram o litoral dos Estados do Rio de

Janeiro, São Paulo e Paraná, notadamente pela presença da pesca e agricultura de

subsistência. O sistema de plantação baseado no método de corte da floresta -

queima - plantio para posterior pousio em períodos de 4 a 50 anos, foi

fundamental para preservar a fertilidade dos solos pobres característicos da mata

atlântica. Destacam-se nesse contexto a entrada de nutrientes, a inexistência de

processos erosivos graves e a proximidade com espécies nativas atuando como

bancos de sementes que permitiam a regeneração do sistema.

O crescente abandono da agricultura caiçara, como vem ocorrendo na Ilha

Grande no Rio de Janeiro, em detrimento do turismo e da urbanização acarretou

na substituição do período de pousio pelo estado de abandono, fato que sugere a

acentuada queda desta prática de plantio. Neste caso, a ocorrência de vastas áreas

de florestas secundárias na região testemunha a influência dessas populações na

transformação da paisagem local. O sistema derrubada - pousio favoreceu o

aparecimento de uma comunidade vegetal que rapidamente desenvolveu

estruturas capazes de capturar os nutrientes derivados da atmosfera,

posteriormente incorporados ao solo nas cinzas provenientes das queimas. Uma

evidência que atesta para este fato é a rápida decomposição e liberação de

nutrientes contidos na serrapilheira. Cabe ressaltar que o referido sistema foi

utilizado largamente por caiçaras e em tempos pretéritos por Tupinambás e

Guaranis. No caso dos grupos caiçaras, o referido sistema de plantio resultou em

um tipo de paisagem florestal com sustentabilidade ecológica para um longo

período de usos, mínimos danos erosivos e desenvolvimento de mecanismos

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ativos para captura de nutrientes originando grandes extensões de floresta em

distintos estágios de regeneração. Resulta deste processo a ocorrência de estágios

climáxicos antropogênicos, que atuam como uma importante evidência das

atividades agrícolas praticadas pelas populações caiçaras. (OLIVEIRA, 2008).

É importante destacar que se o período de cultivo fosse muito curto,

provavelmente ocorreria degradação do solo e queda da produção. Esse fato é de

extrema relevância para pensar o rompimento do metabolismo entre sociedade e

natureza, descrito em maiores detalhes no capítulo II do presente estudo. Tal fato

resulta, entre outros fatores, da introdução de outras formas de economia baseadas

na competitividade.

No presente sub-capítulo objetivei demonstrar, em um breve histórico, que

qualquer tentativa de homogeneização e/ou recriações do passado quando se trata

de ecossistemas florestais no Estado do Rio de Janeiro é corroborar para a

ausência de um passado presente. O maior detalhamento das práticas de interação

entre a sociedade a as florestas serão expostas nos capítulos II e III, onde me

proponho a fazer uma verticalização do histórico de ocupação humana em

ecossistemas de floresta atlântica, a partir da análise da Floresta do Camorim, no

Maciço da Pedra Branca.

1.3 O processo de ocupação da baixada de Jacarepaguá

Vislumbrando a aproximação com o estudo de caso da floresta do

Camorim e analisar com maior refino a relação entre sociedade (intencionalidades

humanas) e natureza (dinâmicas naturais) que ocorrem na interface

encosta/planície (floresta/cidade) a partir de uma perspectiva histórica, torna-se

pertinente a descrição do processo de ocupação da planície de Jacarepaguá,

conforme exposto nas linhas que se seguem.

O cultivo da cana de açúcar representou até meados do século XIX a

principal economia da região onde se encontra a baixada de Jacarepaguá. Após a

decadência da referida atividade instalava-se então o período onde figuravam

como principais atividades na área a exploração de carvão e lenha, indústrias

caseiras e pequenas lavouras de subsistência. A partir da terceira década do século

XIX, ganharam destaque a citricultura, praticada com maior sucesso em Campo

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Grande e Santa Cruz e a banana em Jacarepaguá, que passou a ser a lavoura

dominante na referida região que destinava a sua produção para à cidade do Rio

de Janeiro. As obras para a drenagem e saneamento das baixadas iniciados após

1930, permitiram que a lavoura de hortaliças, destinadas ao abastecimento da

cidade, se instalasse nas baixadas de Jacarepaguá. O loteamento das terras

cultivadas, em virtude da rápida valorização, foi destinado à expansão urbana para

a área, sobretudo pela especulação imobiliária vigente na região, que acarretou em

um decréscimo da produção mesmo sob a frequente prática de contratos de

arrendamento entre lavradores e proprietários, o que forçosamente gerou um

“recuo” das práticas agrícolas para as serras e encostas da região, destacando-se a

banana como o produto com o maior valor comercial seguido pelas lavouras

brancas como chuchu, aipim, batata-doce e milho (GALVÃO, 1963).

Notório foi o fato de a especulação imobiliária ter ditado, não somente as

dinâmicas de ocupação dos cultivadores, como também as tipologias de cultivo,

onde os contratos feitos entre proprietários e lavradores comandavam o ritmo das

produções e o tipo de cultivo. Enquanto os trabalhadores localizados nas serras

apresentavam a relativa tranquilidade que refletia a estabilidade econômica em

virtude da segurança do mercado que abasteciam, nos brejos e áreas pantanosas da

região o mesmo não poderia ser dito. Embora a lenta conquista dos pântanos e

brejos por meio de obras de drenagem, por hora, tenha possibilitado a presença de

pequenos grupos de lavradores, destacando-se os portugueses que compraram os

direitos de posse e benfeitorias da terra de pequenos lavradores brasileiros,

instalando nesses locais a horticultura que viria a abastecer a demanda por esses

produtos nas feiras da cidade. Com o avanço da especulação imobiliária na região,

as terras utilizadas para este fim, foram sendo loteadas e vendidas, demandando

aos lavradores da região uma rápida adaptação dos cultivos frente aos contratos

estabelecidos com os proprietários, onde se destacavam as hortaliças que

ofereciam maior rendimento em menor espaço e tempo (GALVÃO, 1963).

A presença de áreas inundadas, pântanos, brejos e lagoas dificultavam o

processo de ocupação da área da Baixada de Jacarepaguá. O corte das matas nas

encostas, para ceder lugar aos canaviais, acelerou o assoreamento das lagoas e rios

da região, que após a utilização para este fim ficou relativamente abandonada,

permitindo razoável regeneração dos ecossistemas locais. O potencial da área para

fins urbanísticos só voltou a ser dimensionado quando o governo iniciou obras

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para saneamento da região, retificando rios e drenando as partes alagadas com a

abertura de diversos canais (NEHAB & BARBOSA, 1984) notadamente a partir

da década de 1960, quando se iniciou uma verdadeira “marcha para o oeste” com

a expansão da cidade em direção às encostas e às baixadas da Zona Oeste.

Destacam-se como fatores que possibilitaram o processo de ocupação

urbana na área o fato da região abrigar uma paisagem composta por praias,

lagunas e montanhas que conferiam um atrativo que satisfazia aos interesses de

projetos do ramo imobiliário6; a concentração da propriedade das terras nas mãos

de quatro proprietários o que facilitou e acelerou o processo de ocupação; os

investimentos do governo federal nas décadas de 70 e 80 por meio do Sistema

Financeiro de Habitação (SFH), fato que beneficiou a ação de grandes

incorporadoras imobiliárias na região; e por fim, porém não obstante, os

investimentos públicos em obras de infraestrutura viária, seguindo o Plano Piloto

de Lúcio costa, notadamente nos anos de 1966 a 1982, facilitou o acesso ao bairro

para a atividade imobiliária (LEITÃO, 1995 apud SILVA, 2007).

É observado no Rio de Janeiro um aumento da cidade rumo a zona Oeste,

na área de planejamento 4 (AP-4) 1, notadamente na região administrativa da

Barra da Tijuca (XXIV RA) 2, onde a Barra da Tijuca destaca-se como o bairro

principal, figurando entre os bairros com o maior índice de crescimento da cidade.

Segundo dados do IPP, a população do bairro da Barra da Tijuca cresceu quase o

seu triplo entre os anos de 1980 e 2000. Em uma análise realizada do ano de 1960

até o ano 2000, foi observado que a população da Barra da Tijuca (XXIV RA)

cresceu 38,5 vezes mais que a população do município e 21,41 vezes mais que a

população de Jacarepaguá (XVI RA). Este crescimento é associado ao

aparecimento de áreas residenciais com implantação de grandes condomínios

fechados, onde 85% dos imóveis são residenciais, dos quais 68,5% são

apartamentos. (IPP, 2001c apud SILVA, 2007).

Entre os anos de 1991 e 2000, as áreas regulares cresceram anualmente

1,7% em Jacarepaguá e 6% na Barra da Tijuca, enquanto que o crescimento de

favelas foi de 7,5% em Jacarepaguá e 10% na Barra da Tijuca (IBGE, 2006 apud

SILVA, 2007).

6 O referido processo encontra-se descrito em maiores detalhes no subcapítulo intitulado “a emergência das paisagens espetaculares”.

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As transformações conferidas às paisagens desta área durante os processos

citados acima, são de extrema relevância nas diretrizes de planejamento urbano

atuais, principalmente quando se contempla a relação de dependência e

susceptibilidade que possui a sociedade diante das dinâmicas naturais e a

negligência perante as funções ecossistêmicas que os ecossistemas inseridos na

paisagem podem comportar, notadamente sob a possível influência de mudanças

climáticas.

1.3.1 A ocupação humana no Camorim

Para o fim de verticalização da análise histórica, o presente sub-capítulo se

destina à descrição da ocupação do que hoje é o bairro do Camorim, área que

abrange e dá nome à floresta que será analisada no presente trabalho.

Segundo Oliveira (2005), evidências da ocupação da região por bando de

caçadores-coletores datam de cerca de 3.000 anos. Na área da baixada de

Jacarepaguá, os sambaquis atuam como importante testemunho do histórico de

ocupação. Esses grupos apresentavam uma economia diversificada com

predomínio da pesca e coleta de moluscos. Nas áreas de encosta, evidências como

machados de pedra sugerem que essas populações subsidiavam seu abastecimento

com a caça nas encostas do maciço da Pedra Branca. Essa cultura perdura até o

contato com o Tupi-guarani em quase todo litoral, sendo lentamente transformada

pelo desenvolvimento das práticas já descritas nos capítulos anteriores.

O processo de colonização iniciado na região que atualmente abrange

Barra da Tijuca e Jacarepaguá foi realizado pela família Correia de Sá, que

embora não tenham sido seus primeiros donos, iniciaram o processo de

transformação da área a partir da posse e do direito de uso dessas terras. O até

então primeiro governador do Rio de Janeiro Salvador Correia de Sá dividiu as

terras da região entre seus filhos e foi Gonçalo correia de Sá que se tornou

proprietário da região onde se localiza hoje a Barra da Tijuca, instalando na

referida região um de seus engenhos. Após o casamento de sua filha D. Vitória, as

terras que atualmente vão do Camorim a Vargem Grande e até a praia foram

dadas como dote, que após a morte de D. Luís Céspedes Xeria, ficaram sob a

administração de D. Vitória (ENGEMANN et al., 2005).

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D. Victoria de Sá, embora tenha doado alguns quinhões de terras em vida,

legou as terras ao Convento de N. S. do Monteserrate. As terras e o engenho que

nelas estava inserido abrangiam desde o rio Pavuna até o mar, inclusive os

montes, campos, restingas, lagoas e rios até as proximidades de Sepetiba. Nota-se

que a partir da aquisição de pequenas porções de terras adjacentes, o engenho de

D. Vitória permitiu a divisão em três grandes fazendas, o que provavelmente

provocou profundas transformações na paisagem da região, com a presença de

inúmeros canaviais e pastos, esses últimos não associados somente à atividade

açucareira, já que os monges beneditinos possuíam currais na região desde tempos

anteriores à instalação dos engenhos (CORRÊA, 1933; ENEGEMANN et al.,

2005).

Para que pudessem ser alimentados os habitantes da região, foram

plantadas diversas mudas de mandioca para a produção, por exemplo, da farinha

de guerra, que constava na base de alimentação da fazenda do Camorim e do

mosteiro. Durante esse período7 um pequeno contingente de índios foi contratado

para auxiliar na derrubada de diversos alqueires de floresta para que cedessem

lugar ao plantio da mandioca.

Cabe aqui o que talvez seja o fato mais relevante do presente subcapítulo,

onde a escassa documentação da população de escravos que viviam e sobreviviam

nessas terras nos permite ceder a uma análise não somente das condições de vida

daqueles que foram por anos, e arrisco dizer que mais que as rodas d´água e

animais de carga, as forças motrizes dos engenhos de açúcar na cidade do Rio de

Janeiro. O engenho do Camorim, no ano de 1864, contava com a presença de 172

escravos, em sua maioria composta por mulheres. As práticas de concessão de

terra para o plantio de hortas pelos escravos atenuavam as pressões pelo intenso

trabalho e permitiam aos escravos a obtenção de algum lucro nos dias santos e aos

sábados, o que provavelmente ocasionou na presença de diversos roçados nas

áreas adjacentes ao engenho. Os laços matrimoniais formados a partir do

casamento de escravos e do compadrio sugerem a solidariedade que ocorria nas

fazendas do Camorim, Vargem Grande e Vargem pequena (ENGEMANN et al.,

2005). Após o fim da escravidão e o subsequente fim da era beneditina, como se

estabeleceriam os “recém ex-escravos” nas terras do Camorim? Sabe-se que após

7 Segundo pesquisa nos Estados da Ordem realizada por Engemman et al. 2005, o referido período correspondia entre os anos de 1772-1777.

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esse período a especulação imobiliária iniciou o seu lento avanço na região

competindo com e fazendo competir os pequenos produtores.

As terras que foram doadas por D. Vitória aos beneditinos foram

hipotecadas, no final do século XVIII, ao Banco Crédito Móvel em Liquidação,

que se tornou senhor das terras e passou a vendê-las, o que gerou um conflito

entre os moradores e os dirigentes do banco. Os moradores, mesmo organizando-

se a partir da constituição de uma Caixa de Pecúlio para defender seus direitos,

não foram suficientes para impedir a venda de suas próprias terras. Quando não

podiam mais subsistir nas terras de sua posse, os moradores eram então expostos à

expulsão pela ação, muitas vezes violenta, de contratados do banco para que

mantivessem seus interesses em prioridade e não interferissem no lucrativo

negócio de vendas de terras do Banco (CORRÊA, 1933).

É um fato que o breve histórico de ocupação do Camorim não reflete a

totalidade de sua complexidade, mas não é possível dissociar os impactos dessas

dinâmicas na maneira que os habitantes vivenciavam e vivenciam seu espaço de

reprodução na área, que embora apresente variações conforme seu tempo

histórico, uma análise mais cuidadosa permite novamente vislumbrar a ausência

de um passado presente, tanto nas representações quanto nas dinâmicas espaciais.

Tal fato encontra-se exposto em maiores detalhes, sob o enfoque da história

ambiental, no sub-capítulo 2.4.

1.3.2 Sociedade e natureza na floresta do Camorim

O histórico de usos da floresta do Camorim provavelmente possui os

registros mais detalhados na obra de Magalhães Correia (1933), denominada O

Sertão Carioca. Os próximos parágrafos do presente projeto serão destinados às

descrições realizadas nessa obra com a finalidade de atuar como objeto de

investigação para identificação de interações antrópicas passíveis de causar

distúrbios na floresta assim como informações valiosas sobre as dinâmicas

naturais descritas pelo autor.

Começa-nos escrevendo Magalhães Corrêa sobre os antigos guardas da

represa do Camorim, que eram os responsáveis pelo controle da distribuição da

água para o abastecimento das terras mais baixas, onde intensas precipitações na

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região já demonstravam potenciais significativos do ponto de vista hidrológico.

Corrêa (1933, p.41) escreve, durante um evento de precipitação intensa:

O temporal na floresta [...] é a coisa a que mais respeito têm seus frequentadores. Assim que começa a ventar, ouvem-se silvos prolongados, estalidos das árvores, baques de troncos, roncos do trovão, misturados com os uivos dos animaes; é o prologo da tempestade. Mais adiante, quando em conversa com o guarda da represa na época,

obteve um detalhamento de um evento de precipitação intensa que foi descrito

segundo as palavras do guarda:

Outra vez, uma tromba dagua, agitada por turbilhões de vento, passou pelo cume e encosta da Serra do Nogueira8, deixando até hoje uma estrada feita pela sua passagem, carregando o que encontrou e indo, a dois quilômetros, depositar tudo em terras fora das do governo. Curiosamente, no referido evento chuvoso, segundo o guarda florestal, o

proprietário das terras que receberam os fluxos detríticos, recebeu uma boa

quantia em dinheiro a partir da venda da lenha que se destinou as suas terras pela

força das águas. As passagens que relatam certo cuidado ambiental frente aos

impactos da devastação na floresta do Camorim aparecem na obra de Magalhães

Corrêa em diversas passagens do texto, mas é no capítulo intitulado “Os

Machadeiros” que podemos perceber a magnitude de devastação florestal.

Embora Magalhães Corrêa houvesse descrito que a supressão das matas

para utilização da lenha seria um enorme prejuízo às gerações vindouras, pois

estariam essas terras condenadas à esterilização após a derrubada da floresta, o

autor sugere o replantio de madeiras próprias ao corte de lenha como alternativa

para minimizar os danos causados pela devastação da floresta para esse fim. As

madeiras de crescimento rápido e próximas às áreas de entrega eram as mais

apreciadas para o corte, uma vez que os prejuízos no transporte não valeriam ao

lenhador o lucro por cada pedaço de lenha. Considerando que o centro urbano da

cidade encontrava-se sobre intenso crescimento e a floresta presente no maciço da

Tijuca já se encontrava sob proteção legal, é sugestivo pensar a enorme

quantidade de lenha que foi obtida nas florestas do maciço da Pedra Branca, e a

floresta do Camorim não excede a essa dinâmica de exploração.

Os sinais de devastação florestal para a produção do carvão vegetal

realizado in situ, também foram descritos por Magalhães Corrêa (1933, p.86),

quando o autor escreve que: "Um hectare de matta virgem dá uma producção de

quarenta toneladas de carvão vegetal" onde os terrenos mais utilizados para esse 8 Serra localizada na porção sudeste do maciço da Pedra Branca.

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fim eram os de "matta virgem". Destaca-se também a utilização de capoeirões

com oito ou nove anos de formação, anteriormente utilizadas pra o mesmo fim.

Observa-se nessa passagem que a floresta do maciço já havia enfrentado

distúrbios para a obtenção de carvão, porém a sua resiliência demonstrava-se e

ainda demonstra-se considerável, uma vez que, embora profundamente alterada e

provavelmente muito distante das suas condições “naturais”, a referida floresta

apresenta não somente uma notável capacidade de recuperação e estabilidade, mas

importantes funções ecológicas, que foram examinadas no presente trabalho.

Ressalto que é de extrema importância para clarificar as conexões sugeridas no

presente trabalho, que os distúrbios antropogênicos pretéritos, com a exploração

de lenha e carvão, foram fundamentais para que a organização do sistema florestal

se apresente da maneira atual. E as dinâmicas naturais resultantes dos processos

de interação entre sociedade e natureza, embora não sejam estanques no tempo,

estão presentes na paisagem e atuam como um testemunho de uma história de

transformação.

1.4 O maciço da Pedra Branca e a baixada de Jacarepaguá: Uma história geomorfológica

Não é possível realizar a análise de um estudo ecológico sem que seja

vislumbrada a coexistência das distintas temporalidades e suas contribuições para

que os sistemas ecológicos se apresentem da maneira que hoje se encontram.

Partindo dessa perspectiva, e considerando que os sedimentos serão o alvo de

minha investigação de transformação da paisagem, é indispensável a

caracterização dos processos de sedimentação que foram fundamentais para a

espacialização humana na interface encosta/planície (floresta/cidade) nas

adjacências do maciço da Pedra Branca. Há, portanto, que se contemplar uma

história geomorfológica para vislumbrar, mesmo sob a ausência de mapeamentos,

as transformações nos processos de sedimentação que ocorreram na baixada de

Jacarepaguá.

A planície costeira de Jacarepaguá, com 400km2 de extensão, possui em

sua área emersa quatro províncias geomorfológicas distintas (RONCARATI e

NEVES, 1976). A primeira província consiste em uma região montanhosa,

formada por rochas do embasamento cristalino, com cotas até 1.025 m, circunda a

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planície a leste, norte e oeste. A região de transição seguinte, denominada

clinoplano periférico, localiza-se entre as montanhas e as planícies e foi formada a

partir da coalescência de leques aluviais. A referida região apresenta suave

inclinação para o centro da baixada de Jacarepaguá, com cotas altimétricas

variando entre 3 metros e 14 metros. A planície, formada por depósitos marinhos

e lagunares divide-se em uma parte mais extensa limitada pelo clinoplano

periférico e pela restinga interna, onde estão localizadas as lagunas de

Jacarepaguá, Camorim e Tijuca. A outra parte da planície está estendida entre as

duas restingas e nela encontra-se situada a laguna de Marapendi (MAIA et al.,

1984).

As oscilações no nível relativo do mar durante o Quaternário resultaram

em dois conjuntos de terraços marinhos arenosos com características distintas,

formados durante as regressões posteriores às duas últimas fases transgressivas.

O primeiro conjunto de terraços, com topo atingindo cotas de 8 metros a 10

metros, apresentam idades próximas de 120.000 anos BP, e está associada com a

penúltima transgressão com depósitos formados provavelmente na fase final do

evento transgressivo e na regressão que se sucedeu após tal evento (MAIA et al.,

1984).

O segundo conjunto de terraços, localizado nas partes externas dos

terraços mais antigos, apresentam seu topo situado entre 4 metros e 5 metros

acima do nível do mar em seu interior com decréscimo inferior à 1metro nas

partes mais externas, o que figura como importante evidência de sua formação

durante uma fase de transgressão. Os terraços marinhos holocênicos, arenitos de

praia, incrustações de vermetídeos, algas calcárias e corais em promontórios

rochosos, além de atuar como testemunhos associados com a última transgressão,

permitiram construir curvas das oscilações do nível relativo do mar nos últimos

7.000 anos (MAIA et al., 1984). Mesmo do ponto de vista de uma história com

escalas temporais muito superiores à história recente e documentada da planície

de Jacarepaguá, a paisagem atua como o mais importante testemunho de uma

história de transformações.

Durante sua evolução holocênica, desde 17.000 anos BP com o início da

subida do nível do mar (até então com 120 metros abaixo do nível atual) veio a

caracterizar a última transgressão, culminando, em torno de 5.100 anos BP as

cotas entre 4 e 5 metros. Ao final da fase de transgressão, entre 7.000 e 6.000 anos

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BP, a formação de uma ilha barreira isolou do mar aberto uma extensa laguna.

Com a elevação ininterrupta do nível do mar, a ilha barreira migrou para o

continente (no máximo de 5.100 anos BP), no local hoje ocupado pela restinga

interna. A ação erosiva das águas ou o recobrimento por outros sedimentos

trabalham os cordões de praia formados nas fases transgressivas, porém, tais

cordões ainda podem ser preservados, conforme ocorre no topo dos terraços

marinhos regressivos. Os cordões de praia que afloram na baixada de Jacarepaguá

testemunham essa hipótese (MAIA et al., 1984).

A nova fase regressiva, iniciada após o máximo de 5.100 anos BP

possibilitou a formação da restinga interna, a partir da progradação da antiga ilha-

barreira. Com a nova elevação do nível do mar, atingindo seu máximo em 3.500

BP, a restinga interna foi parcialmente erodida e por volta de 3.700 BP uma

segunda ilha barreira já estava formada, responsável pelo isolamento de uma nova

laguna. Com o decréscimo do nível marinho até o zero atual, a segunda ilha

barreira sofreu progradação, resultando na restinga externa (MAIA et al., 1984).

As turfeiras que hoje recobrem consideráveis extensões da planície de

Jacarepaguá, que atuam desde os primórdios do crescimento urbano da área, como

imponente desafio, foram formadas a partir do rebaixamento das águas lagunares,

que ao acompanhar os níveis marinhos originavam as áreas pantanosas, propícias

ao desenvolvimento das turfeiras. Os depósitos sedimentares de origem costeira e

lagunar apresentam fundamental importância para o entendimento da evolução da

paisagem da baixada de Jacarepaguá, até a paisagem atual, que tende a

permanecer estática ao olhar humano, mas a breve descrição no presente sub-

capítulo permite vislumbrar milênios de profundas transformações. Nas linhas

seguintes encontram-se descritos com maior detalhamento os depósitos de origem

continentais, aproximando a descrição da história dos sedimentos.

Os sedimentos continentais estão localizados em toda a periferia da

planície de Jacarepaguá, consistindo em sua maioria de remanescentes erosivos de

leques aluviais coalescentes. Os sedimentos de idade Pliocênica são os mais

antigos. Porém, sob os depósitos de leques aluviais, amostras de sedimentos

lagunares acusam idade na faixa de 5.740 e 5.200 anos BP, que estariam referidos

à primeira fase lagunar holocênica. Estima-se que a deposição de origem

continental tenha ocorrido durante toda a história geológica da região

(RONCARATI e NEVES, 1976; MAIA et al., 1984).

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1.4.1 Sedimentos de origem continental

Para descrição dos sedimentos continentais será utilizado como referência

o trabalho realizado por Roncarati e Neves (1976) onde os mesmos serão

subdivididos em sedimentos pliocênicos, complexo fluvial, leques aluviais,

camadas de areias pretas e depósitos de tálus.

Sedimentos pliocênicos – Sua geometria acompanha a geometria montanhosa do

embasamento cristalino. Consiste em um pacote basal de conglomerados contendo

seixos de rochas ígneas e metamórficas, dispostas em camadas plano-paralelas

assentadas sobre a topografia erosional e irregular do embasamento cristalino.

Não apresenta distribuição uniforme, parecendo estarem restringidos ao

preenchimento de calhas de vales fluviais entalhados no embasamento em épocas

passadas de maior pluviosidade. Os referidos sedimentos foram provavelmente

depositados por corridas de lama, enxurradas e fluxos detríticos. Por se tratar do

primeiro pacote sedimentar depositado na área da baixada de Jacarepaguá e sua

relação estratigráfica com depósitos posteriores, sugere-se que sejam

penecontemporâneos aos sedimentos atribuídos à Formação Barreiras, de idade

pleistocênica que ocorrem no estado do Rio de Janeiro.

Complexo fluvial – Consiste no conjunto de interestratificações de camadas de

areias de canais fluviais e camadas de argilas de planície de inundação. Nos locais

de afloramento, formam uma camada contínua ao longo de toda baixada de

Jacarepaguá, servindo de substrato ao clinoplano periférico. Estão totalmente

cobertos por sedimentos de leques aluviais, exceto nas áreas aflorantes. Os

sedimentos arenosos e conglomeráticos tiveram origem na carga de fundo de

canais fluviais em contínuo processo de migração lateral. Os sedimentos argilosos

depositaram-se nas planícies de inundação ou várzeas, originando-se da carga em

suspensão (silte e argila) transportada pelos rios e espalhadas pela planície de

inundação durante períodos de elevada pluviosidade. É importante frisar que no

complexo fluvial, notadamente nas argilas de planícies de inundação, foi

observada pelos autores a presença de um volume regular de matéria orgânica,

principalmente de origem vegetal, compostas por restos de folhas, galhos e

troncos. Tal fato foi observado no presente estudo, descrito com maiores detalhes

nos resultados da análise hidrossedimentológica realizada na sub-bacia do rio

Caçambe.

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Leques aluviais - Sedimentos compostos por grânulos e seixos, provavelmente

originados na coalescência de diversos leques aluviais depositados em variados

ciclos deposicionais. Os autores sugerem como prováveis agentes deposicionais as

enxurradas (sheet-flows) e torrentes de canal (stream-flows), provavelmente a

partir de regulares quantidades de águas que vertiam dos vales montanhosos do

embasamento e se espraiavam, recobrindo lentamente a superfície ocupada pelo

complexo fluvial, a após os ciclos da referida dinâmica, veio a formar uma

camada contínua e homogênea em espessura e litologia.

Camadas de areias pretas – Consistem em remanescentes de erosão de um corpo

sedimentar de maiores proporções originais e forma relativamente alongada no

sentido norte-sul. Os referidos depósitos encontram-se somente no extremo norte

da Baixada. A sedimentologia consiste em areias aparentemente maciças e

desprovidas de importantes variações texturais. A origem das camadas de areais

pretas está associada a episódios de fluxo de detritos, enxurradas (sheet-flows) e

torrentes em canal (stream floods), o que dá origem a um novo depósito de leques

aluviais, agora restritos ao eixo de um vale maior encaixado no embasamento

cristalino e condicionado a um clima mais úmido, notadamente pela regular

quantidade de material orgânico e pela matriz argilosa, essencialmente caulínica.

Depósito de tálus – Consistem em seixos e matacões de rochas do embasamento

cristalino e encontram-se imersos em resíduos argilo-arenosos. Estão localizados,

em geral, na desembocadura de vales que drenam áreas montanhosas do

embasamento. Os depósitos de tálus são originados por escorregamento nas

encostas montanhosas do embasamento cristalino, notadamente quando o manto

superficial de alteração flui encosta abaixo em decorrência da gravidade e da

plasticidade dos componentes argilosos durante eventos pluviométricos intensos.

Note-se que essa dinâmica está associada com os eventos catastróficos para a

sociedade, em virtude do amplo potencial destrutivo dos seixos e matacões

rochosos.

A descrição dos depósitos sedimentares de origem continental foi obtida no

trabalho de Roncarati e Neves (1976), e consistem em um detalhamento da

história geomorfológica de deposição sedimentar na baixada de Jacarepaguá.

Porém, não obstante, os referidos fenômenos descritos não são estanques no

tempo, tampouco é a história geológica, que atua, geralmente, em uma escala

imperceptível ao modo de relação dos humanos com a paisagem. A inobservância

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e o desconhecimento das dinâmicas de sedimentação podem acarretar em distintas

resultantes negativas à espacialização humana, recorrentes nos períodos de

chuvosos no Rio de Janeiro.

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2 Fundamentação teórico epistemológica

2.1 O simples e o complexo

A autora Esteves de Vasconcellos (2002) apresenta uma proposta

integradora onde a complexidade, a instabilidade e a intersubjetividade, devem

configurar no estabelecimento do pensamento sistêmico. Segundo a autora, o

observador, ampliando o foco não verá mais um fenômeno, mas uma teia de

fenômenos recursivamente interligados e assim estará diante da complexidade do

sistema. A partir da distinção do dinamismo das relações presentes no sistema, o

observador estará assumindo a instabilidade, a imprevisibilidade e a

incontrolabilidade do sistema. E por sua vez, ao reconhecer a sua participação na

constituição da realidade que está trabalhando, o observador se inclui no sistema

que distinguiu e estará atuando nesse espaço de intersubjetividade (ESTEVES de

VASCONCELLOS, 2002).

Em sua proposta de pensamento sistêmico, a autora incide a importância

da ultrapassagem de paradigma, enfatizando a importância desta ultrapassagem

ser realizada não pela ciência mas pelo cientista para configurar uma

epistemologia que:

Implica distinções do observador nas três dimensões: de um cientista que pensa – ou distingue – a complexidade, sem tentar simplificar ou reduzir, buscando entender as conexões; de um cientista que pensa – ou distingue – a auto-organização como característica de todos os sistemas da natureza e assume as implicações de distingui-la; de um cientista que se pensa – ou se distingue – como parte de todo e qualquer sistema com que esteja trabalhando, o qual se constitui (ou se constrói) para ele, a partir de suas próprias distinções” (ESTEVES de VASCONCELLOS, 2002, p. 169).

O Filósofo Edgar Morin (1994 pp. 253,255, 256) quando propôs a análise

sob uma perspectiva complexa de modo a não excluir as individualidades, ou

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rejeitar aquilo que a ciência clássica insistia em “expulsar”, a partir da rejeição do

local e do singular pelo princípio da universabilidade, propôs a

[...] Não eliminalidade daquilo que era eliminação na concepção clássica da inteligibilidade; esta problemática da complexidade deve animar uma busca dos modos de inteligibilidade adequados a esta conjuntura.

O autor sugere então que:

O paradigma da complexidade não produz nem determina a inteligibilidade. Pode somente incitar a estratégia-inteligência do sujeito investigador a considerar a complexidade do problema estudado. Incita a distinguir e fazer comunicar em vez de isolar e de disjuntar, a reconhecer os traços singulares, originais, históricos do fenômeno em vez de ligá-los pura e simplesmente a determinações ou leis gerais [...] Incita a dar conta dos caracteres multidimensionais de toda a realidade estudada. Portanto, no que se refere aos ecossistemas florestais urbanos, optei pela

discriminação de conflitos existentes nesses ecossistemas dispostos em fatores

aparentemente antagônicos, porém complementares, distinguindo-os à luz da

história ambiental e de categorias de análise, notadamente a paisagem, sob uma

perspectiva geográfica. Portanto, antagonismo e complementação estarão

dialogando frequentemente sob a égide do principal compromisso do presente

trabalho, a inseparabilidade entre sociedade e natureza. Encontram-se expostos no

próximo sub-capítulo, alguns fatores que simultaneamente estão influenciando a

estrutura, o comportamento e a funcionalidade desses ecossistemas, que por sua

vez influenciam a espacialização das sociedades que agem sobre os mesmos.

Não almejo pensar a complexidade como uma metodologia indispensável

para apreensão da realidade, uma vez que na condição de observador, tenho a

noção que o filtro da subjetividade impede o entendimento de sua plenitude. Mas

não discordo, no presente momento que conforme sugere Morin (apud FORTIN,

2005), o futuro do mundo físico está sujeito a uma dialógica de ordem, desordem

e organização onde o determinismo deve aceitar a imprevisibilidade dos processos

que ele comanda. Para tal entendimento, destaco os três princípios que permitem

pensar a complexidade, sendo estes:

A recursividade que permite reconhecer os processos onde os produtos e

os efeitos são necessários à sua produção e causação; a dialógica que liga termos

antagônicos para apreender sua realidade e o princípio hologrâmico que indica

que em tudo o que é complexo a parte está no todo e o todo está na parte

(MORIN, 2005 apud FORTIN, 2005).

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Diante das perspectivas apresentadas ao longo do presente sub-capítulo,

destaco que, embora não haja originalidade no que proponho na análise sob uma

perspectiva complexa, a maior contribuição da referida análise para pensar o

presente trabalho figura na não eliminalidade daquilo que era considerado como

um fator de desestabilização da organização dos ecossistemas, uma vez que os

distúrbios antropogênicos não comprometeram a organização do ecossistema

florestal, mas foram fundamentais para o estabelecimento da mesma, que por não

ser estanque no tempo, permite vislumbrar a importância de uma análise sob a

ótica da história ambiental de modo a desvelar a ausência de um passado presente

na paisagem e nos ecossistemas que nestas se inserem.

Vislumbro assim, a tentativa de caracterizar uma complexificação do real,

a partir do “entrelaçamento das ordens física, biológica e cultural; a hibridização

entre a economia, a tecnologia, a vida e o simbólico” (LEFF, 2007, p. 206).

2.2 Complexidade e estabilidade em sistemas naturais

A simples relação entre os elementos não configura um sistema, uma vez

que essas interações não estejam aptas a criar um todo integrado. Nesse caso não é

possível entender o todo sem que sejam entendidas as partes e suas inter-relações

(MATTOS & FILHO, 2004).

Estudos geomorfológicos, biológicos e ecológicos frequentemente utilizam

o termo “complexidade” nos sistemas interpretados, sob uma perspectiva

simplificadora. Admito aqui o difícil exercício de pensar a complexidade de um

ecossistema natural, mas reitero que a utilização de um termo que vislumbra as

individualidades, singularidades e suas relações com o todo não pode ser

negligenciada. Igualmente importante é frisar que a complexidade não deve ser

aplicada somente sob uma perspectiva de que tudo que vemos e estudamos é

complexo, pois assim seria inevitável que viéssemos a cair na degradação da

própria teoria. Portanto a complexidade nos estudos, segundo acredito, deve ser

renovada, reinventada, sempre buscando a sábia utilização da teoria de modo a

evitar simplificações, como é o caso dos frequentes dogmas nas ciências.

Dito isso, pensarei a complexidade sob a perspectiva da estabilidade de

sistemas naturais, o que não figura como nenhuma inovação, mas servirá de base

teórica para que seja exposta a metodologia de análise que proponho adiante.

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Cabe aqui uma referência entre a noção de complexidade e sua relação

com a estabilidade das comunidades e ecossistemas pelo viés da ecologia. Os

autores Begon et al. (2008, p. 355, 356) evidenciam a impossibilidade de

estabelecer uma relação segura entre complexidade e estabilidade dentro de

comunidades biológicas. Segundo os autores: “Estabilidade, naturalmente quer

dizer estabilidade diante de um distúrbio ou perturbação, e a maioria dos

distúrbios é, na prática, a perda de uma ou mais populações de uma comunidade”.

Os autores então complementam: “Foi através de uma argumentação lógica, que

era sugerido que o aumento da complexidade dentro de uma comunidade leva ao

aumento da estabilidade”. Sendo assim, as comunidades mais complexas seriam

mais estáveis diante de um distúrbio. Os modelos matemáticos de teias

alimentares foram se tornando mais sofisticados e sugerem que o aumento da

complexidade tende a diminuir a tendência de populações individuais, que

pertencem a uma comunidade, de retornarem aos seus respectivos estágios

anteriores ao distúrbio, ocorrendo assim a instabilidade populacional a partir do

aumento da complexidade (BEGON et al., 2008, p. 356).

As noções de estabilidade apresentam-se como importantes elementos no

entendimento do comportamento temporal de comunidades ecológicas. Embora

não ocorram regras gerais para pensar a relação entre complexidade e

estabilidade, algumas noções tornam-se pertinentes para o presente estudo,

notadamente a partir da investigação da influência dos distúrbios antropogênicos

no comportamento florestal. Segundo Begon et al. (2008), uma comunidade que

só é estável dentro de uma gama restrita de condições ambientais e uma gama

limitada de características de espécies, é considerada dinamicamente frágil. Por

outro lado, uma comunidade estável diante de uma ampla gama de condições

ambientais e características de espécies, é considerada como dinamicamente

robusta. Segundo os autores, espera-se que as ações humanas apresentem efeitos

mais pronunciados em comunidades complexas e dinamicamente frágeis, ou seja,

comunidades inseridas em condições ambientais estáveis com uma gama limitada

de características de espécies. Tal hipótese resulta da observação que as

comunidades robustas apresentam maior estabilidade em virtude de sua frequente

exposição às perturbações naturais com maiores variáveis, seja de ordem física

quanto das relações inter e intraespecíficas. Já as comunidades frágeis, não

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expostas com frequência às interferências de diferentes condições ambientais,

seriam segundo a referida hipótese, menos resistentes às intervenções humanas.

Atento que é importante ao pesquisador denotar a que tipo de estabilidade

está se referindo, uma vez que o termo pode se traduzir em diferentes

perspectivas. Os autores Mattos e Filho (2004) atentam para este fato quando

descrevem que a estabilidade está referida à capacidade do sistema em manter seu

padrão global, mesmo sob a influência de distúrbios, ou seja, no mesmo estágio

anterior à perturbação. Nesse caso, um sistema capaz de conservar suas

características fundamentais de organização ao longo de sua evolução, pode ser

considerado um sistema estável. Os autores demonstram que os canais hídricos

atuam como exemplo prático da dinâmica que existe na estabilidade onde, mesmo

que os atributos de um canal estejam sobre constantes mudanças, caso se

mantenha a organização do sistema, esse seria considerado estável.

A estabilidade pode se manifestar como resiliência, resistência (inércia) e

multiestabilidade. A estabilidade de resiliência pressupõe que o distúrbio ocasione

uma alteração temporária nas relações estruturais e funcionais do sistema, que

após determinado período retornariam às condições anteriores ao distúrbio e/ou

perturbação. Nesse caso, a estabilidade de resiliência estaria referida à velocidade

de uma comunidade no retorno ao estado anterior à perturbação. A estabilidade de

resistência está relacionada com a capacidade de o sistema permanecer imune às

perturbações, sem alteração dos arranjos estruturais e funcionais. É importante

ressaltar que os mecanismos que garantem estes tipos de estabilidade aos sistemas

são efetivos até um limite crítico, que uma vez ultrapassado, não permite ao

sistema um retorno ao estágio anterior à perturbação (estabilidade de resistência)

ou apresentar a imunidade às perturbações conforme descritos para estabilidade de

resistência, o que recairia em um novo estado de evolução do sistema. Nesse caso,

quanto menores forem os limites do sistema, maior será a probabilidade de deixar

a (s) estabilidade (s) (BEGON et al., 2008; CHRISTOFOLETTI, 1999; MATTOS

e FILHO, 2004;).

Uma vez que já foram descritas as interações antrópicas pretéritas

(distúrbios) com a floresta do Camorim e a referida floresta continua apresentando

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uma notável capacidade de recuperação9 (estabilidade) pode-se sugerir que os

limites críticos presentes no sistema florestal não foram ultrapassados. Nesse caso,

a estabilidade (resiliência) da floresta não foi afetada ao ponto de uma

transformação profunda que ultrapasse a escala temporal de seu histórico

documentado, embora tenham sido descritas alterações significativas

(ENGEMANN et al., 2005c; OLIVEIRA, 2005; OLIVEIRA, 2010;

SOLÓRZANO et al., 2005), notadamente na forma e estrutura da referida

floresta. Balizando minha hipótese nas informações de Corrêa (1933) e Galvão

(1963), em virtude do abandono das práticas de exploração acentuadas e da

implementação de práticas de cultivo em escala temporal que refletiam uma

atmosfera de tranquilidade, em virtude da estabilidade econômica do mercado que

os produtores abasteciam, sugiro que a resiliência da floresta do Camorim não foi

ultrapassada, o que se reflete na presença da floresta atual. Porém, ressalto que os

distúrbios pretéritos assim como os atuais podem estar exercendo padrões de

transformação no ecossistema florestal que necessitam ser investigados,

notadamente sob a influência de novas fontes de pressão antrópica e da existência

de possíveis alterações climáticas.

O fato exposto no parágrafo acima se torna importante para análises

futuras da referida floresta, notadamente a partir do entendimento que a

capacidade de um sistema se manter estável flutua no tempo. Conforme o sistema

vai sofrendo sucessivos distúrbios, espera-se uma tendência gradativa no tamanho

da bacia de atração. Emerge então o conceito de multiestabilidade onde os

sistemas que possuem estados de alternância da estabilidade podem oscilar entre

esses estados ao longo do tempo. Nesse caso, o sistema possui um ou mais

atratores representando estados distintos, porém estáveis permitindo ao distúrbio

deslocar o sistema de um atrator para o outro (SCHEFFER et al., 2009 apud

MATTOS e FILHO, 2004).

No caso da floresta do Camorim, embora os distúrbios antropogênicos

estejam descritos no texto, aos quais pretendo direcionar a minha análise sob a

perspectiva de sistemas complexos, não é possível negligenciar os distúrbios e/ou

perturbações de origem natural que podem afetar a forma, função e estrutura do

9 A capacidade de recuperação da floresta está referida com a manutenção de uma biomassa vegetal considerável frente aos distúrbios aqui descritos, uma vez que alterações na funcionalidade, como nos sistemas de drenagem, tenham sido observadas na região.

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sistema florestal (e.g. abertura de clareira por ventos ou incêndios). Tal fato,

simultaneamente ou não com os distúrbios antropogênicos, apresenta importante

influência no deslocamento do sistema (floresta) entre os atratores que permitem a

sua estabilidade, aqui interpretada como forma, função e estrutura da floresta, que

por sua vez possibilitam a denominação da floresta do Camorim como

conservada. Há, portanto, que destinar os estudos em sistemas complexos, nesse

caso os florestais, na busca de identificar, ou mesmo aproximar-se, dos atratores

que permitem a estabilidade do sistema, uma vez que se tornam fundamentais

para entendermos as dinâmicas florestais frente aos distúrbios, notadamente em

áreas de expansão urbana, que tendem a ocupar e/ou gerar pressões cada vez mais

invasivas às florestas, podendo afetar sua estabilidade, o que nos remete a, como

indica Esteves de Vasconcellos (2002), imprevisibilidade e a incontrolabilidade

do sistema observado.

Na área da ecologia, mais estudos devem ser destinados ao que se refere à

proporcionalidade entre a complexidade e a instabilidade quando algumas

comunidades ecológicas são analisadas, principalmente com a inserção do

fenômeno humano como um importante agente transformador das mesmas.

Partindo dessa perspectiva, chama a atenção um fator que parece ser unânime nos

estudos ecológicos, a importância de espécies-chave. Estudos ecológicos sugerem

que a remoção da espécie-chave, espécie cujo impacto é desproporcionalmente

grande em relação à sua abundância, provoca o colapso da estrutura (POWER et

al., 1996 apud BEGON et al., 2008, p.355). A identificação de espécies-chave, do

ponto de vista prático, torna-se fundamental, uma vez que sua abundância

apresentará repercussões significativas em diversas espécies. É importante

destacar a dificuldade na identificação dessas espécies, uma vez que a linha que

divide as espécies-chave das demais não se apresente de maneira muito nítida

(BEGON et al. 2008).

Conforme frisei na introdução do presente trabalho, assim como na

descrição de como pretendo abordar a paisagem como categoria de análise, ficou

evidenciado que o fator humano apresenta um papel crucial na transformação e

valorização das paisagens e elementos da natureza, seja na qualidade de suas

ações sobre a paisagem ou na qualidade de observador. Portanto, acredito que a

remoção do fator humano, aqui concebido como uma espécie-chave, dos estudos

ecológicos pode provocar o colapso de seus resultados, muitas vezes

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negligenciando o papel que tiveram as interações humanas com determinados

ecossistemas redefinindo forma, estrutura e provavelmente a funcionalidade dos

mesmos, fato recorrente em ecossistemas florestais. Merece especial atenção

nesse parágrafo, enfatizar que a espécie humana “não se reduz a um indivíduo

biológico, podendo se tornar alvo fácil dos identitarismos mais radicais”

(HAESBAERT,2002). Deixo claro que não objetivo adotar o determinismo de um

conceito de estudos biológicos em um estudo que aborda o fator social e cometer

antigos equívocos epistemológicos que contaminaram a relação entre as ciências

naturais e sociais. O conceito de espécie-chave foi utilizado aqui somente com o

fim metafórico para evidenciar que a negligência da presença humana e as

motivações e necessidades que influenciam suas ações sobre a natureza

transformando paisagens, não consiste em uma análise segura para estudos em

ecossistemas florestais.

2.3 Paleoterritórios e a floresta atual: encontrando um passado presente

Os usos pretéritos do solo geram distintas resultantes ecológicas passíveis

de identificação, e no caso da floresta do Camorim, a exploração para abastecer a

demanda de lenha e madeira na época dos engenhos de cana e posteriormente para

abastecer a demanda energética de carvão na cidade do Rio de Janeiro,

provavelmente foram responsáveis pela geração de extensas áreas de florestas

secundárias, como demonstra o estudo de Oliveira (2005), o que veio a consolidar

a floresta do Camorim como um mosaico de cenários fragmentados em distintos

estágios de sucessão florestal, com ocorrência de espécies pioneiras, secundárias

iniciais e tardias e climáxicas (MONTEZUMA, 2005).

Ressalto também que o uso do solo pode chegar a um dado nível de

saturação que venha a impossibilitar a sucessão, fato observado após o plantio

extensivo do café no Vale do Paraíba, posteriormente substituído pela pecuária.

Não entendo este fato como a redução de complexidade nestas áreas, mas sim o

efeito reverso, onde a ausência de espécies e das dinâmicas de sucessão refletem-

se em uma área com complexidade acrescida pela sobreposição de usos do solo.

Tal fato deriva dos processos de transformação da paisagem em cada momento

histórico. Durante o estabelecimento destas populações, estas deixam marcas que

representam suas respectivas práticas culturais, que se sobrepõe no que Oliveira

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(2007) denomina de paleoterritórios, definido pelo autor como: “a espacialização

das resultantes ecológicas decorrentes do uso dos ecossistemas por populações

passadas”.

O autor Castel (1992) ao trabalhar a complexidade e a biologia, escreve

que os estímulos aleatórios, quando encontram uma estrutura com poder auto-

organizador, ao invés de destruí-la, provoca mudanças no sentido de ampliar a sua

complexidade. Castel recorre então a noção de epigênese, desenvolvida por

Conrad H. Waddington onde, cada etapa embriológica consiste em um processo

de vir-a-ser, dependente do estado imdediatamente anterior, onde em cada estágio

seriam produzidos novos níveis de informação (LURIA, 1992, apud CASTEL,

1992). Optei por aplicar esta ideia ao conceito de paleoterritórios proposto por

Oliveira (2007), principalmente diante do fato dos estímulos aleatórios (usos do

solo) estarem dispostos diante de uma estrutura com poder auto-organizador

(ecossistema florestal) originando a sobreposição de paleoterritórios (Figura 1)

agregando assim, um maior nível de complexidade ao sistema, gerando distintas

resultantes ecológicas dependentes de interações anteriores, porém que não

afetaram a estabilidade do sistema observado.

Agriculturaitinerante indigena

(cerca de 3 mil anos)

Paleoterritórios

Instalação do complexoagroeconômico do açucar

(Séculos XVII e XVIII)10 a 20 ha/ano

Lenha e Carvão(Séculos XVIII, XIX e

meados do século XX)

Citricultura e banana(século XIX até os dias

atuais)

Distintas resultantessocioambientais

Figura 2.1 – Sobreposição de paleoterritórios e acréscimos na complexidade do ecossistema florestal do Camorim.

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É de extrema relevância o fato que a atividade humana não tem ação

exclusiva no que tange às mudanças comportamentais, estruturais e funcionais dos

ecossistemas e consequentes acréscimos no nível de complexidade do sistema. A

noção de distúrbio, que segundo Krebs (2009) consiste em um evento discreto que

perturba a estrutura de uma comunidade e transforma os recursos, substratos

disponíveis ou o ambiente físico, foi utilizada no presente estudo, conforme já

frisado no sub-capítulo anterior, com destinação aos distúrbios de origem

antrópica expostos na figura 1, evidenciando o exercício teórico de desvelar o

passado presente na floresta do Camorim.

Portanto, a complexidade que vislumbro considerar na presente análise

está referida somente (e isso pode ser considerado como uma simplificação) à

sobreposição das distintas resultantes ecológicas oriundas das intervenções

antrópicas descritas no presente trabalho. A distinção das resultantes permite o

entendimento em maiores detalhes do comportamento ecológico atual da floresta

frente aos distúrbios observados. A partir desse cenário busco evidenciar a

inclusão das interações humanas como fatores fundamentais para o

comportamento da floresta atual, que em última análise - e aqui assumo a

simplificação - as interações daqueles que habitaram, subsistiram, refugiaram-se,

atravessaram e até mesmo exploraram a floresta, permitiram à floresta, em virtude

de seus padrões de sucessão e mecanismos de resistência e resiliência, apresentar

em nosso tempo histórico o seu padrão organizacional atual.

É importante ressaltar que não defendo prática alguma de exploração

intensiva de substratos florestais, que sob os imperativos da competitividade

resultam no rompimento do metabolismo entre sociedade e natureza. Mas

considero inegável que tais informações testemunhadas na paisagem nos

permitem vislumbrar a possibilidade de usos racionais do substrato florestal, e

aqui me refiro às práticas agrícolas que não devem ser privadas das populações

que subsistem nesta região, notadamente quando a mesma encontra-se inserida em

uma unidade de conservação10 com uso restrito ou proibido. Nota-se que segundo

Oliveira (2005), após a criação do parque o cultivo familiar e a agricultura de

subsistência adquiriam um papel de semi-clandestinidade. Faço questão de

10 O Parque Estadual da Pedra Branca foi criado em 28 de junho de 1974 pela Lei Estadual n° 2.377.

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ressaltar que tais práticas não devem ceder aos imperativos da competitividade e

estejam destinadas somente à subsistência familiar. A partir das perspectivas de

análise que adotei, entendo que os distúrbios, embora não sejam exclusivos no que

tange à organização florestal atual, não são excludentes, e ignorar a presença dos

mesmos na construção organizacional que caracteriza a relação entre sociedade e

natureza nas florestas do maciço é corroborar para a ausência de um passado

presente.

A prática da história ambiental possibilita considerável contribuição no

diagnóstico e esclarecimento de sistemas com níveis de complexidade acrescidos,

principalmente na realização de uma tarefa que parece ser o maior

comprometimento entre os historiadores ambientais, que é investigar a

inseparabilidade entre sociedade e natureza, em uma interação regida por

intencionalidades humanas e dinâmicas naturais que atuam em um processo co-

evolutivo e ininterrupto da construção da paisagem. Assumo aqui meu

entendimento que a história ambiental não está restrita somente ao passado. Tal

enfoque do campo historiográfico consiste então, em situar no presente o passado

que pode colaborar no entendimento do futuro, em um fluxo processual que vai de

encontro ao que chamo de ausência de um passado presente, fato ainda observado

em alguns estudos no campo da ecologia e no discurso ambiental, que construído

sob a emergência de um “futuro comum” (WCED, 1987) tende à negação de um

passado de diferenças, resistências e conflitos que caracterizam o espaço

geográfico e, as florestas não se isentam deste processo.

2.4 O caso de um ecossistema florestal urbano: do simples ao complexo

No que se refere ao processo evolutivo de uma paisagem e como essas

paisagens se dispõem nos dias atuais, é preciso considerar que a coexistência das

distintas escalas temporais já descritas, corrobora diante de suas respectivas

contribuições, na transformação das paisagens estudadas. Essa interação temporal

tende a escapar da capacidade de compreensão do fenômeno humano, fato que

vou evidenciar adiante a partir da análise dos resultados obtidos na análise

hidrossedimentológica na sub-bacia do rio Caçambe. Dedico então, especial

atenção ao que entendo como o principal comprometimento que adotei no

presente trabalho, que consiste na indissociabilidade entre sociedade e natureza,

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regida por uma ininterrupta interação entre as dinâmicas naturais e o processo

humano de ocupar e construir espaços se lançando em um processo co-construtivo

da paisagem. Ressalto que os princípios metodológicos de uma análise complexa,

já descritos anteriormente, foram utilizados para pensar a complexidade na

interface floresta/cidade nos parágrafos que se seguem, e se algum momento a

simplificação parecer óbvia, a responsabilidade é somente do autor.

No caso dos remanescentes de mata atlântica no Maciço da Pedra Branca,

a ocupação humana evidentemente apresenta um papel crucial na sua

transformação, e será na atividade humana que concentrarei os meus esforços para

pensar a complexidade da floresta do Camorim. Os usos por populações pretéritas

como a agricultura itinerante indígena; o estabelecimento de engenhos de cana

entre os séculos XVI e XIX que segundo Engemann et al. (2005c) demandavam a

derrubada de quatro a 20 hectares de floresta por ano para alimentação de suas

fornalhas; e a retirada de madeira para produção de carvão, que resultou em

intenso desmatamento na região (CORREA, 1933) foram determinantes para o

entendimento da regeneração ecológica da floresta que percebemos na atualidade.

Após o abandono da área para este fim, deu-se início ao processo de sucessão,

dando origem, conforme descreve Oliveira (et al., 2012), a extensas áreas com

predominância de espécies pioneiras e secundárias em detrimento das climáxicas.

Optei, nesse capítulo por ressaltar o caráter complementar daquilo que é

aparentemente antagônico - os pares dialógicos sociedade / natureza e

homogeneidade / heterogeneidade - na tentativa de vislumbrar as motivações das

populações humanas contemporâneas na transformação das paisagens na cidade

do Rio de Janeiro, relacionando-as com os processos de recursividade (as

sociedades transformam a paisagem e as paisagens re-configuram a espacialização

das sociedades) que permitem identificar, no caso do presente estudo, que a

cidade está na floresta e a floresta está na cidade (relação entre partes e todo).

2.5 A paisagem como uma construção social

Discursar sobre o conceito de paisagem sem me referir a como pretendo

abordá-lo teoricamente, não possibilitaria desenvolver uma construção

epistemológica que permite pensar a relação entre paisagem, cultura e floresta.

Portanto, a paisagem, enquanto construção social, carrega consigo uma mensagem

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intencional (CLAVAL, 2004, p.67) não sendo somente base material, mas dotada

de signos e símbolos, onde esta, conforme descreve Brunet (1992, p. 339 apud

CLAVAL, 2004, P. 72) “é aquilo que ela revela a quem sabe olhar”. Contudo, o

gesto, a ação de “olhar”, consiste na manifestação dos diferentes sentidos,

combinados ou não, constituindo uma paisagem multissensorial. Ao analisar a

paisagem somente pela visão, as suas limitações (técnicas, informacionais,

fisiológicas, entre outras) podem corroborar para uma concepção tendenciosa em

virtude de uma dócil alienação, onde a paisagem pode vir a configurar como um

“espetáculo” repleto de símbolos e signos ocultados durante a sua construção.

Conforme descreve Nogué (2007, p. 13) “as paisagens se convertem em

espetáculo quando utilizadas pelo marketing urbano recriando a diferença ou a

semelhança e reinterpretando o passado”.

A “paisagem-espetáculo” aqui sugerida é aquela que tem a sua imagem

apropriada para fins mercadológicos e será retratada em maiores detalhes mais

adiante. A emergência do espetáculo é frequentemente observada na construção

de uma paisagem que passa a adquirir uma nova significação, que tende a

contemplar os interesses hegemônicos, principalmente quando resulta no processo

de gentrificação ou expulsão direta de populações de baixa renda incapacitadas de

subsistir em seus antigos territórios. Tal paisagem então, após o processo de re-

significação adquire o status simbólico espetacular para quem a concebe somente,

ou majoritariamente pelo olhar, onde o espetáculo, conforme descreve Guy

Debord (1997) “não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre

pessoas, mediadas por imagens”, neste caso, as paisagens. O autor Joan Nogué

(2006, p. 12) atenta para o fato de que o olhar costuma não ser gratuito, e por

serem construídas (as paisagens) respondem a uma ideologia que busca transmitir

uma determinada forma de apropriação do espaço. Portanto, a paisagem é aqui

entendida como subjetivada pelo observador (CLAVAL, 2004) e sujeita a todos

os sentidos e modos de relação do indivíduo com o mundo (BERQUE, 1998)

sendo consumada em um imenso palimpsesto (NOGUÉ, 2007) em constante

construção a partir de intencionalidades humanas e dinâmicas naturais.

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2.6 A emergência das paisagens espetaculares

Reflito, no presente subcapítulo, sobre o fato que ganhou relevante

notoriedade durante a execução do presente projeto, afinal a paisagem que

observo e interpreto nas áreas baixas circunvizinhas à floresta do Camorim, está

sendo intensamente transformada pela atividade de empreendimentos,

notadamente do ramo imobiliário na região. Embora não seja possível evidenciar

no presente trabalho a certeza que o discurso da vida no verde esteja atuando

como importante mecanismo de sedução para atrair novos compradores para os

empreendimentos da região, julgo como uma obrigação documentar tal fato para

que fique registrado como uma colboração para futuros trabalhos na região.

A apropriação adquire diferentes rostos que podem disfarçar a sua

estratégia de dominação. A emergência das paisagens espetaculares confere a

determinados lugares e suas respectivas “singularidades naturais”, o apelo

necessário para atrair investimentos que se apropriam de uma paisagem e seus

recursos. Diante da verdolatria11 emergente, em grande parte balizada pelo

discurso sustentável, os investimentos não optam pela transformação dos recursos,

mas diante da “vida no verde” optam por uma re-significação das paisagens. O

que ocorre então é uma apropriação da paisagem e a tentativa de dominação das

práticas espaciais que existiam nesses territórios, atraindo para estes lugares as

populações que se encontravam imersas no “caos urbano”, agora, devidamente

hipnotizadas diante do espetáculo verde emergente.

Tal fato pode se traduzir em uma espécie de êxodo de classes mais

abastadas, que salvo caso de não possuírem residência fixa, se instalam em seus

“refúgios naturais construídos” na busca pela qualidade de vida, enquanto as

comunidades que ali habitavam, são expostas à escalada em ordem geométrica

dos valores de troca de seu cotidiano e quando não são removidas diretamente,

podem abandonar os seus antigos territórios diante do processo de gentrificação.

No caso da floresta do Camorim, uma floresta que apresenta um importante apelo

paisagístico e demonstra uma intrínseca relação com as populações que nela

subsistiram, as histórias dessas populações são frequentemente suprimidas nas

representações da paisagem reduzida aos preços de mercado. 11 O Termo “verdolatria” foi adaptado de Alain Roger (2007, p. 67), porém não configura na mesma abordagem do termo utilizado pelo autor.

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Corrobora-se então, não somente para o abandono das práticas espaciais e

de antigos territórios, mas para o crescimento urbano precário em áreas

longínquas dos grandes centros de expansão imobiliária, com reduzido potencial

produtivo e frequentemente mais suscetíveis aos desastres naturais. Emerge então,

a complexidade que se refere aos fatores oriundos de dinâmicas dessa natureza.

Como exemplo, pode-se pensar em uma demanda crescente de transportes

públicos que venham a permitir a locomoção dos indivíduos por grandes

distâncias e maior tempo, contribuindo para a emissão de gases poluentes,

materiais particulados e agregando aos centros urbanos uma feição que cada vez

mais atua como fator que promove a busca por qualidade de vida de uns e a

precarização espacial de outros, evidenciando, nesse caso, uma divisão social do

ecologismo e uma divisão espacial da degradação ambiental que afetam toda

sociedade.

Tal fato não é meramente especulativo, e a dinâmica descrita acima pode

ter influenciado nos resultados obtidos por Togashi (2011), onde o autor descreve

que na sub-bacia do rio Caçambe, inserida na área amostral do presente estudo,

um elevado valor do cátion Ca+² nos fluxos de precipitação e atravessamento,

sugerem a forte pressão antrópica que estas florestas vêm sofrendo. Os elevados

valores de Ca+² podem estar associados à produção de cimento e queima de

combustível que resultam do elevado crescimento urbano na região. Cabe

ressaltar que se trata de uma região estratégica para a concentração de atividades a

serem realizadas na Copa do Mundo de Futebol de 2014 e nos Jogos Olímpicos de

2016.

Destaco que os conflitos observados nos limites territoriais do Parque

Estadual da Pedra Branca (PEPB), totalizando em 458 ocorrências no período de

1993 a 2008 (VALLEJO et al. 2009) demonstram a necessidade de uma revisão

das questões fundiárias existentes nos limites do Parque ( limites da cota 100 m),

mas ressalto que tais práticas não estão dissociadas das dinâmicas que ocorrem

nas áreas da planície. Há, portanto, a necessidade de destinar um enfoque para

essas questões, e a emergência das paisagens espetaculares, embora aqui esteja

atuando somente como um registro, provavelmente apresenta influência

significativa na questão fundiária dos limites do PEPB.

Tão importante quanto é ressaltar que na medida em que ocorre a apropriação

privada da biodiversidade, semelhante apropriação cultural estaria ocorrendo

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(Moreira, 2004, p. 14), logo, diante da perda de componentes da biodiversidade,

semelhante perda cultural é observada, existindo certa proporcionalidade entre

esses dois aspectos re-configurando a paisagem do lugar. Note-se que a mesma

dinâmica também pode ser observada em locais com ecossistemas distintos, mas

particularmente no caso das florestas tropicais, quando estas se tornam alvo de

apropriações, mesmo sem perda da biodiversidade, resulta em transformações

profundas na memória biocultural do lugar.

Conforme demonstrado nos parágrafos anteriores, a indissociabilidade entre

sociedade e natureza se manifesta nas mais diversas situações, mas um fator que

se mostra pertinente é que a exploração e apropriação de determinados recursos,

quando se encontram sob as finalidades mercadológicas, não estão dissociadas da

precarização de uma determinada vertente social, que salvo em casos específicos,

não vivencia as benesses oriundas dos fins pelos quais determinados recursos

foram explorados.

Sabe-se que diante da problemática perante as sucessivas crises econômico-

ecológicas a palavra/conceito “sustentabilidade” figura como uma alternativa

provida do saber científico para “salvar o futuro” do caos oriundo da exploração

exacerbada dos recursos naturais, porém na tentativa de evitar o

comprometimento do modo de produção capitalista. Portanto, muitas contradições

estão ocultas na divulgação de verdadeiras “receitas” pré-definidas para alcançar

uma prática sustentável. Atento aqui, para o fato que Moreira (2004, p. 14)

evidencia: “A apropriação social do conhecimento científico pode configurar-se

como ideologia de legitimação de forças hegemônicas ou como instrumento

ideológico da própria compreensão da realidade social”.

O autor Moreira (2004, p. 3) descreve esta problemática quando diz que:

Uma ordem capitalista, que impõe à sustentabilidade um planejamento de mercado, ou seja, tende a direcionar a sustentabilidade às disputas políticas do planejamento e às competições técnico-econômicas do mercado. Nesse sentido o discurso da sustentabilidade carrega uma utopia e esconde assimetrias de poderes.

Portanto, o conceito de sustentabilidade não deve se considerar acabado,

pavimentado, como uma receita a ser adotada, pois assim não ultrapassa a

caracterização de uma utopia dentro de um planejamento de futuro. Deve a

sustentabilidade se firmar em uma contínua construção, para que se adeque às

necessidades de cada escala espacial na qual está inserida, com a colaboração

direta de todos os interessados e não somente uma parcela, para que atuem,

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conforme descreve Leff (2007), em uma potencial articulação de uma construção

sinergética da produtividade ecológica, da organização social e da potência

tecnológica. Em contrapartida, deve-se ter a destreza para que não se caia na

falácia de um discurso sustentável conforme praticado em sua origem na Europa

Central, pois mesmo diante de uma razoável sustentabilidade ambiental nos

bosques dos feudos, conforme descreveu Marquart (2006), a sua prática

constantemente se confundia em uma barganha de controle social por intermédio

das relações de poder dentro de cada feudo.

Busquei então, em um rápido trânsito diante da “nebulosa ambiental”

(Moreira, 2004) atentar para o fato da divisão social do ecologismo, que Leff

(2005, p. 69) define como: O “Ecologismo dos pobres” que distinguem-se por seus objetivos (luta pela sobrevivência) dos valores pós-materialistas (qualidade de vida) dos ricos, propõe projetos produtivos e sociais alternativos, onde toda luta por equiidade e pela justiça se trava a partir de princípios de diversidade e diferença, de identidade e autonomia, e não de transações e compensações estabelecidas pelas regras de valorização, negociação, complementação e distribuição da globalização econômico-ecológica.

Esta contribuição, figura como um olhar para o futuro, de maneira a

contemplar algumas intencionalidades das sociedades e suas respectivas

espacializações diante das dinâmicas da natureza, que na condição de objeto da

realização de interesses particulares resultam em nada mais do que

sustentabilidades insustentáveis para toda a sociedade, porém, recaindo as

mazelas dessa prática, e das dinâmicas naturais, majoritariamente sobre as

populações mais precarizadas com limitado poder de decisão.

A contradição se expressa quando a florestas do Camorim, que apresenta

importantes funções ecológicas e notável capacidade de recuperação frente aos

distúrbios pretéritos, ironicamente, quando apropriadas por sua “exuberância

paisagística” adquirem o status de importante componente motivador da elevada

especulação imobiliária na região, sendo esse fator, aquele que se destaca como

importante fonte da pressão antrópica que essa floresta vem sofrendo atualmente.

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2.7 O metabolismo entre sociedade e natureza

Optei, neste sub-capítulo, por enfatizar a questão da apropriação de

recursos (ecossistemas e culturas) e do trabalho (tempo e energia) através do

rastreamento das demandas energéticas e recursos naturais para suprir a cidade

durante dado tempo histórico, e consequente exploração de determinada

população e/ou vertente social através da apropriação de determinado recurso,

onde a energia despendida no trabalho de algumas vertentes sociais foi

fundamental para o estabelecimento de outras, caso evidenciado com maior

clareza no sub-capítulo intitulado A cidade do carvão e o carvão da cidade: O

metabolismo social da floresta do Camorim nas décadas de 1930 a 1950. É

importante frisar que os usos florestais descritos nos sub-capítulos que se seguem,

embora não exclusivamente, ocorreram na floresta do Camorim e, portanto, serão

descritos com maior acuidade para evidenciar as resultantes socioambientais na

referida floresta e áreas adjacentes no Maciço da Pedra Branca.

Para descrever o tal fato, e consequentemente os processos de (in)

sustentabilidade social e ecológica de determinados sistemas produtivos se torna

pertinente o conceito de metabolismo social que conforme descrevem Casado &

Molina (2007), consiste em uma alternativa de se apreender a lógica dos métodos

de produção e relações sociais a partir dos fluxos de energia e materiais no

processo de retirada, transformação e devolução à natureza. Portanto, Toledo e

Molina (2007) propõem cinco processos a serem compreendidos no metabolismo

social que consistem em: apropriação, transformação, distribuição, consumo e

excreção.

Para fins analíticos, entendo que o rompimento do metabolismo entre

sociedade e natureza ocorre quando determinado ecossistema não apresenta mais

a capacidade, mesmo que temporária, de resiliência, estabilidade ou resistência,

frente aos distúrbios de origem antropogênica, que quando dotados de uma

intencionalidade direcionada à exploração de um determinado recurso,

notadamente a partir dos imperativos da competitividade, ultrapassam as relações

que permitem a coexistência entre sociedade e natureza (ecossistemas). Ressalto

que a análise exposta nos parágrafos seguintes aqui se insere como um importante

registro que revela a ausência de um passado presente na floresta do Camorim.

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2.7.1 O complexo açucareiro, a floresta e a cidade: O Rio de Janeiro nos séculos XVII e XVIII

Não é possível dissociar os impactos de devastação sofridos nos

ecossistemas de floresta atlântica na região do Rio de Janeiro e a instalação do

complexo econômico do açúcar no início do século XVII. O rápido crescimento

no número de engenhos observados nas quatro primeiras décadas do referido

século denunciam condições favoráveis aos negócios açucareiros que ocorriam na

capitania (ABREU, 2010). A utilização da floresta para suprir as necessidades de

cada engenho será o principal alvo de investigação nesse tópico, uma vez que os

complexos açucareiros dos engenhos apresentam influência na maneira que a

floresta no maciço da Pedra Branca se comporta atualmente, destacando-se o fato

que esta floresta representou uma importante matriz de matérias primas que

sustentavam as demandas dos engenhos, destacando-se a oferta de lenha e

madeira.

A lenha da floresta era destinada em grande parte para alimentar o fogo

nos tonéis onde o açúcar era cristalizado. Segundo Dean (2005) cerca de quinze

quilos de lenha eram queimados para produzir cada quilo de açúcar, acarretando

na utilização de cerca de 210 mil toneladas de florestas e manguezais cortados

anualmente para esse fim. São poucas as documentações a respeito das

quantidades de açúcar produzidos no Rio de Janeiro no século XVII, fator

dificultado pelos quantitativos destinados à produção de aguardente, que

constituía em uma fonte de renda para os senhores de engenho e moeda de troca

no tráfico de escravos africanos. Destaca-se para a análise de utilização da

floresta, o fato do açúcar ter sido transportado para Portugal em caixas de

madeira, predominando até a década de 70 do século XVII as caixas de

aproximadamente 20 arrobas (294 quilos) enquanto que nas décadas restantes,

predominaram as caixas de 30 arrobas (441 quilos) (ABREU, 2010).

Em um estudo realizado na floresta do Camorim, Engemann (et al. 2005)

estimam a produção de açúcar no engenho do Camorim entre 220 a 300 toneladas

de açúcar sendo fabricadas, por safra, com cerca de 400 a 600 caixas de madeira

para transportar o açúcar produzido, o que veio a consumir anualmente cerca de

56 a 84 m³ de madeira serradas em tábuas. A partir de dados referentes aos

exemplares arbóreos encontrados no período do referido estudo, os autores

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estimaram o abate de cerca de 12 árvores com diâmetro superior a 70 cm para este

fim. Embora provavelmente praticada de maneira seletiva e pontual, o abate de

árvores para obtenção de madeira provavelmente demandou a exploração de um

vasto território florestado. Destaco que segundo os autores, as demandas mais

significativas de madeira eram destinadas para as necessidades energéticas do

engenho. O estudo quantitativo realizado na floresta do Camorim revelou a

necessidade do abate anual de oito a 15 hectares de floresta para alimentação das

fornalhas (ENGEMANN et al. op cit).

O quantitativo apresentado por Abreu (2011, p. 62) (Tabela 2.1) apontam

para dados que sugerem intensa exploração de madeira para a produção de açúcar

no Rio de Janeiro entre 1643 e 1710. Os dados de caixas de açúcar e capacidade

em arrobas totalizam em 54.970 caixas de açúcar, sendo 16.470 caixas com

capacidade de 30 arrobas (441 quilos). A produção total em arrobas, para o

período analisado pelo autor foi de 1.264.100, onde constavam 770.000 arrobas

em caixas que comportavam 294 quilos (20 arrobas) totalizando 11.319.000

toneladas e 494.100 arrobas distribuídas em caixas de 441 quilos totalizando

7.263.270 toneladas (30 arrobas). O total produzido para o período, em toneladas,

segundo as informações contidas no trabalho de Abreu (op. cit) foi de 18.582.270

toneladas de açúcar. Os números observados demonstram que o Rio de Janeiro do

século XVII estava integrado no sistema da grande lavoura canavieira, que se

encontrava estabelecido em Pernambuco e na Bahia, mas quais seriam os

impactos socioambientais observados na capitania em detrimento da atividade

açucareira e da policultura para subsistência no Rio de Janeiro?

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Tabela 2.1 – Quantitativos da produção de açúcar, em arrobas, no Rio de Janeiro durante o período de 1643 a 1710. Adaptado de Abreu (2010).

Ano Quantidade de caixas Capacidade das caixas

(em arrobas) Produção (em arrobas)

1643 7.500 20 150.000 1647 8.000 20 160.000 1651 11.000 20 220.000 1659 5.500 20 110.000 1671 6.500 20 130.000 1688 6.250 30 187.500 1710 10.220 30 306.600

Total 54.970 160 1.264.100

Torna-se até difícil imaginar os impactos socioambientais originados a

partir da instalação do sistema da grande lavoura canavieira no território

brasileiro. Evidências e relatos históricos apontam para uma atmosfera de caos

onde as perdas de substrato florestado para possibilitar o estabelecimento de tal

atividade foi devastador. A partir do anteriormente exposto, que não explora a

totalidade das resultantes socioambientais da instalação do complexo açucareiro

na floresta do Camorim, é possível especular, a partir das dinâmicas descritas no

capítulo I do presente trabalho, que a transformação da paisagem pela atividade

açucareira e da exploração de lenha e madeira não ficou restrita somente às áreas

florestadas nas encostas, afetando diretamente as áreas de baixadas, assim como

os mangues, lagunas e restingas da região. É provável que alterações

significativas nos processos de sedimentação das áreas mais baixas tenham sido

desencadeadas, notadamente a partir da perda de substrato vegetal nas áreas de

encosta e desencadeamento de processos erosivos a partir da diminuição da

evapotranspiração e interceptação florestal, notadamente nos períodos com

maiores intensidades de chuvas. Tal fato, provavelmente afetou a estabilidade da

referida floresta, que após o abandono da área para este fim, permitiu a resiliência

da floresta, mas sob uma nova organização, que provavelmente afetou os modos

de relação das sociedades com a floresta a partir do referido período.

Emerge novamente, a relação entre partes e todo que compõem o sistema,

mas não dissociados de motivações de uma ordem econômica, que não fosse o

caso de abandono das atividades para as finalidades expostas acima,

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invariavelmente resultaria na re-significação das relações entre sociedade e

natureza presentes na cidade do Rio de Janeiro nos dias atuais. Para pensar tal

associação, peço que o leitor, inserido em nosso tempo histórico, pense em áreas

extensamente devastadas e cobertas por um mosaico de gramíneas e solos

visivelmente desnutridos, e a partir desse exercício que vislumbra o rompimento

do metabolismo entre sociedade e natureza ofereço a retórica: Existe espetáculo

sem a construção de uma imagem?

2.7.2 A cidade do carvão e o carvão da cidade: O metabolismo social na floresta do Camorim nas décadas de 1930 a 1950

No caso das antigas carvoarias presentes nas florestas do Maciço da Pedra

Branca no Rio de Janeiro, destaca-se o estudo de Oliveira & Fraga (2012) que

analisam o metabolismo social de três sistemas produtivos históricos no Rio de

Janeiro, as carvoarias do Maciço da Pedra Branca, o Engenho de Açúcar do

Camorim, localizado no piemonte do maciço da Pedra Branca, e os Engenhos de

Rio dos Meros e Rio Turvo localizados em Paraty. Esse método de análise sugere

importante contribuição para uma abordagem socioambiental sob uma perspectiva

histórica, notadamente sobre as populações de carvoeiros onde a paisagem em sua

forma, função e estrutura pode auxiliar na reconstrução histórica dessas

populações revelando um passado presente nestas florestas.

É provável que as populações de carvoeiros presentes nas encostas do

maciço da Pedra Branca fossem compostas principalmente por alforriados e

pequenos agricultores e que a utilização de materiais para a produção de carvão

fosse relativamente pequena, consistindo basicamente em um machado, um

enxadão, um ciscador e uma pederneira. Destaca-se que o carvão constitui uma

fonte de energia cujo custo de produção é composto quase exclusivamente do

trabalho investido nele (OLSON, 1991). No caso específico do carvão oriundo do

Maciço da Pedra Branca, os cinco processos referentes ao metabolismo social

consistiam segundo Fraga e Oliveira (2012) em:

Apropriação – Consistia em um processo simples pelos carvoeiros com o a

escavação do solo em determinado ponto da encosta para posterior

estabelecimento do balão de carvão utilizando a enxada para limpeza e

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aplainamento e o corte não seletivo de madeira para posterior transformação em

carvão.

Transformação – Via combustão abafada com redução da matéria (lenha) para

facilitar a distribuição.

Distribuição – Ocorria em distância relativamente curta (cerca de 40 km) do

Maciço da Pedra Branca até a cidade, transportado por burros nas regiões

montanhosas do percurso.

Consumo - Destinado a diferentes unidades de apropriação, como fogões

domésticos e crescentes indústrias para posterior excreção através da combustão.

Após o abandono da área para os fins citados nos parágrafos anteriores, é

provável que tenha ocorrido uma razoável regeneração das florestas do maciço,

gerando extensas áreas de florestas secundárias, assim como razoável regeneração

de mangues e lagunas que circunscrevem a região. A análise antracológica

realizada por Oliveira (2010) na bacia do rio Caçambe, sugere que a atividade

carvoeira não afetou a floresta do divisor de drenagem de maneira significativa,

enquanto que no fundo de vale, área amostral do presente estudo, a diversidade

pode ter sido reduzida. A autora baliza essa hipótese a partir da ampla ocorrência

de carrapetas (Guarea guidonia) atualmente presentes na área, conforme

demonstrado no levantamento fitossociológico de Solórzano (et al., 2005).

Segundo as análises da autora em uma antiga carvoaria localizada no fundo de

vale, a referida espécie não apresentou a mesma dominância quando comprada

com a floresta atual e a ausência de indícios que indiquem seletividade para

produção de carvão fortalece essa hipótese.

Porém, mesmo diante da estabilidade da floresta após a exploração desta

área pelos carvoeiros, como estas populações, composta de uma mão de obra

pouco qualificada dada a simplicidade necessária para a atividade de carvoeiro,

viriam a se estabelecer na cidade?

Neste caso a paisagem florestal influenciada pela atividade dos carvoeiros

em meados dos séculos XIX e XX no Maciço da Pedra Branca foi igualmente

transformadora da paisagem da cidade do Rio de Janeiro, que carecia da fonte de

energia fornecida pelo carvão. Tal fato, durante e após o término dessa atividade,

agregou um maior nível de complexidade tanto ao espaço da cidade, como ao

espaço das florestas da região. Novamente emergem os preceitos de uma análise

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complexa, é possível observar a recursividade, a relação entre as partes e o todo e

a dialógica, que permite apreender a realidade do que é complexo.

Portanto a cidade do Rio de Janeiro e a floresta do maciço não estão

isoladas uma da outra. A paisagem, como porção do espaço, possui uma memória,

expressa em um complexo interativo entre sociedades e “natureza”, onde cada

sociedade, em determinado tempo histórico, imprime na paisagem práticas que

refletem suas necessidades biológicas, culturais e simbólicas que em confluência

com a dinâmica natural, conferem ao sistema um aumento no que se refere à

complexidade, instabilidade e imprevisibilidade.

A aplicação do conceito de metabolismo social se torna extremamente

relevante para a elaboração de um diagnóstico ambiental que não venha a

priorizar somente as resultantes ecológicas de determinadas práticas de

apropriação, e através da investigação de cada processo pode-se elaborar

alternativas que venham a descrever o metabolismo entre sociedades e natureza, e

servir de fundamentação teórico-metodológica no entendimento das resultantes

socioambientais de determinadas práticas, assim como uma importante

contribuição nas diretrizes que regem as práticas de manejo em ecossistemas

florestais, notadamente quando inseridos em unidades de conservação.

Cabe ressaltar aqui, a importância da variável tempo durante cada etapa do

metabolismo social, que permite acompanhar as transformações originadas a

partir das respectivas etapas. Um exemplo claro deste quesito é a maximização de

proveitos oriundos do uso do solo, por exemplo, de uma determinada atividade

agrícola, exigindo uma redução no intervalo de tempo para sua execução. Este

fato expõe todo o sistema em questão à incapacidade de recuperação, rompe-se

com os atratores que conferiam resistência e/ou resiliência, e quando estes usos

são sobrepostos em intervalos temporais cada vez menores chega-se então a um

dado nível de saturação que lança a respectiva porção de terra à insustentabilidade

ecológica, econômica e social, fato que pode ser observado nos mares de morros

que compõem a paisagem do vale do Paraíba após a exploração excessiva do café

e posterior substituição pela pecuária.

Novamente, a partir do exercício que me propus a realizar, ofereço ao

leitor a reflexão para pensar a intrínseca relação da espacialização dos carvoeiros

nas encostas do maciço com os sedimentos analisados. Um único argumento pode

balizar esta relação, uma vez que não fosse a partir de processos investigativos em

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campo, da distribuição espacial dos agregados de sedimentos e matéria orgânica

nas encostas do maciço, a história dessas populações não escapariam escassas

referências, tais como descritas na obra de Magalhães Correa (1933). Portanto, a

contribuição que ofereço, é igualmente compromissada a um relato, por menor

que seja, vislumbrando a memória dessas populações que habitaram as encostas

do maciço, onde ruínas, objetos e sedimentos contam parte de uma história. Cabe

ressaltar que essas populações, a partir de suas ações, contribuíram diretamente

para a organização do sistema florestal atual, que sob a égide das

homogeneizações e/ou recriações do passado e das singularidades, resultam na

omissão de uma história escrita na paisagem, evidenciando a ausência de um

passado presente.

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3 A dinâmica hidrológica na floresta e na cidade: uma história climática

3.1 Hidrologia

A análise hidrológica apresentada no presente capítulo, embora dotada de

forte componente histórico, uma vez que está associada com uma temporalidade

climática, e as precipitações são mensuradas a partir de uma relação de quantidade

(expressa em altura milimétrica) por unidade de tempo, apresenta fundamental

influência no desencadeamento de processos erosivos e preenchimento de

aquíferos, fundamentais para se pensar a espacialização humana. Outro fator

merece destaque nessa perspectiva, uma vez que as dinâmicas hidrológicas, diante

dos processos erosivos e de intemperismo, são fundamentais para estabelecer a

conexão com o passado, expressa, por exemplo, em padrões morfológicos e

distribuição dos sedimentos. Portanto, as linhas que se seguem são destinadas à

descrição das dinâmicas de ordem hidrológica passíveis de influenciar na relação

entre sociedades (intencionalidades) e natureza (dinâmicas naturais).

A Hidrologia é a ciência que aborda o estudo da água na natureza,

abrangendo as propriedades, fenômenos e distribuição da água na atmosfera,

superfície terrestre e no subsolo. A água representa um elemento físico de extrema

importância na composição da paisagem terrestre, apresentando o papel de agente

modelador do relevo da superfície terrestre e exercendo controle na formação e no

comportamento mecânico dos mantos de solos e rochas. A intrínseca relação entre

o progresso e o crescente grau de utilização dos recursos hídricos evidencia a

relevância da hidrologia na complementação dos conhecimentos necessários ao

seu melhor aproveitamento (PINTO, 1978; COELHO-NETTO, 1994).

As dinâmicas que regem o ciclo hidrológico carregam consigo um elevado

nível de complexidade, onde cada etapa referente ao mesmo apresenta

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particularidades dignas de serem estudadas sob a perspectiva de diversas áreas do

saber, conferindo assim, aos estudos hidrológicos, a característica de um crescente

campo de debate interdisciplinar. Cabe aqui a contribuição na descrição das

dinâmicas de cada etapa referente ao ciclo hidrológico para que seja contemplada

a relevância do tema no entendimento da relação entre sociedade e natureza que

ocorre nas encostas e planícies da cidade do Rio de Janeiro.

A água no estado líquido é referida como elemento principal dos estudos

hidrológicos e se apresenta na superfície sob a forma de chuvas na atmosfera,

lagos, lagunas, rios e oceanos, enquanto que abaixo da superfície se apresenta

como água no solo e aqüíferos subterrâneos (COELHO-NETTO, 2005, p. 95).

Por se tratar de um ciclo fechado, qualquer que seja o ponto de partida

para caracterização do mesmo se configura em uma opção para interpretação e

descrição do ciclo hidrológico. Configuram como os elementos representativos do

referido ciclo os processos de precipitação, escoamento superficial ou

subterrâneo, evaporação e evapotranspiração, que evidenciam, por exemplo, a

partir de uma distribuição equilibrada a constância do nível médio dos mares

(PINTO, 1978).

A precipitação é caracterizada pela água proveniente do vapor de água da

atmosfera depositada na superfície terrestre, onde ocorre sob a forma de chuva,

granizo, neblina, neve ou geada. A formação das precipitações está associada à

ascensão de massas de ar, onde a influência da convecção térmica, do relevo e da

ação frontal das massas apresenta extrema relevância para o entendimento deste

fenômeno. A ascensão do ar provoca um resfriamento que pode fazer o mesmo

atingir o seu ponto de saturação para posterior condensação do vapor de água em

forma de gotículas mantidas em suspensão sob a forma de nuvens ou nevoeiros.

Para que ocorra a precipitação é necessário que essas gotas adquiram crescimentos

a partir de seus núcleos de condensação formados pela ação de micropartículas,

sais procedentes do mar, cristais de gelo, produtos de combustão contendo ácidos

nítrico e sulfúrico (BERTONI e TUCCI, 2001), até que alcancem o peso

suficiente para vencer as forças de sustentação que as mantêm suspensas. O

retorno à superfície se dá na forma de chuvas, neblina ou gelo e neve, fatores que

dependem das condições de temperatura na sua zona de precipitação. Parte da

precipitação não atinge o solo, em virtude da evaporação durante a queda das

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gotas e interceptação pela vegetação ou até mesmo por construções de origem

antrópica. No que se refere ao volume que atinge o solo, um determinado volume

se infiltra no mesmo, parte escoa sobre a superfície e parte evapora diretamente

e/ou pela transpiração das plantas no processo de evapotranspiração. Após o

preenchimento do déficit hídrico no solo, pode ocorrer o escoamento

subsuperficial. A água então preenche as depressões do terreno para que

posteriormente se inicie o fluxo superficial, canalizado ou não canalizado, quanto

que abaixo da superfície, a água se move lentamente em direção aos rios ou

oceanos (PINTO, 1978; HOLTZ, 1978; COELHO-NETTO, 2005).

Os tipos de precipitação são caracterizados em frontais, quando ocorrem

ao longo da linha de descontinuidade separando duas massas de características

diferentes; orográficas, quando o ar é forçado a transpor barreiras físicas de

montanhas e convectivas, ocasionadas pela ascensão de ar devida às diferenças de

temperatura na camada vizinha na atmosfera. As duas primeiras estão mais

presentes em grandes áreas estando às precipitações convectivas associadas às

pequenas áreas (HOLTZ,1978). Segundo Togashi (2011) a dinâmica de massas é

o principal fator determinante da dinâmica pluviométrica no Maciço da Pedra

Branca. No Sudeste Brasileiro as massas que influenciam no clima, em diferentes

magnitudes, são a massa equatorial continental (MEC), massa tropical Atlântica

(MTA) e a massa polar atlântica (MPA) (MENDONÇA e DANNI-OLIVEIRA,

2007). 3.2 Pluviometria no Rio de Janeiro

Conforme descrevem Dereckynski et al.(2009), entre os anos de 1997 e

2006 na cidade do Rio de Janeiro, os eventos de chuvas intensas foram

ocasionados em maior parte por sistemas frontais (SF´s), correspondendo a 77%

dos casos. Os fenômenos de sistemas quase estacionários (ZCAS) correspondeu a

13% dos casos, declinando de janeiro a março e sendo quase nula de abril a

setembro, com posterior elevação de outubro a dezembro. Os sistemas

convectivos de mesoescala (SMMs) corresponderam a 8% dos eventos e

apresentaram declínio somente no inverno. Os casos de precipitação intensa

provocados por correntes marítimas foram apenas 2%. O valor mais elevado de

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frequência de eventos intensos foi em 1998 com 25 casos enquanto no ano 2000

foi observada a menor frequência com 10 casos. (DERECZYNSKI et al. , 2009)

O efeito orográfico se apresenta como um fator influente na ocorrência da

precipitação local. Os maciços da Pedra Branca, da Tijuca e do Gericinó-Medanha

recebem os máximos pluviométricos de toda a cidade (DERECZYNSKI et al .,

2009; COELHO-NETTO, 2007). A área do maciço da Pedra Branca se caracteriza

pela propensão a elevados valores pluviométricos e o efeito orográfico adido à

proximidade de fonte de umidade e de sais, figura como um dos principais

formadores dos núcleos de condensação.

Os estudos no campo da hidrologia são indispensáveis para cidades como

é o caso do Rio de Janeiro, que desde a sua fundação apresenta uma estreita

relação com variáveis ambientais relacionadas à escassez e excesso de água nas

baixadas e planícies. Segundo Abreu (2006, p. 35) a transformação radical da

forma urbana no Rio de Janeiro, a partir do século XIX é caracterizada como “um

chão duramente conquistado à natureza, através de um processo de dessecamento

de brejos e mangues que já durava mais de três séculos”. No Atlas da Evolução da

Cidade do Rio de Janeiro, Barreiros (1965 apud LEONARDOS, 1974, p. 3) indica

que até o começo do século XVII, o centro da cidade atual era um extenso alagadiço com meia dúzia de lagoas remanescentes: Boqueirão da Ajuda, Santo Antônio, Desterro, Lampadosa, Sentinela e Dona Carlota. Os sucessivos aterros desses alagados resolveram precariamente a urbanização da cidade antiga, porém ficaram dependendo de saneamento a Lagoa de Sacopenapã (Rodrigo de Freitas), em cuja margem o fidalgo Rodrigo de Freitas de Melo e Castro abriu fazenda e as lagunas da Tijuca, Marapendi e Jacarepaguá.

O aterro das antigas lagunas e braços de mar apresenta importante

negligência no que se referia às funções que esses ecossistemas poderiam prover,

pois atualmente, diversas áreas baixas da cidade, estão sujeitas aos riscos de

inundação, em virtude da proximidade do lençol freático e a dificuldade de

drenagem desses locais (NACARATTI, 2008). Igualmente importante à tarefa de

evidenciar o fato de a ocupação humana possuir um papel crucial na

transformação da paisagem é contemplar a contribuição das diferentes escalas

temporais, conforme descritas ao longo do presente trabalho, principalmente no

que se refere ao crescente número de projetos e empreendimentos urbanos, onde

existe a possibilidade de um aumento significativo na ocorrência de desastres

oriundos da complexa interação entre a crescente espacialização humana e as

dinâmicas da natureza, notadamente diante do cenário de mudanças climáticas.

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Segundo dados da coordenação de Defesa civil da cidade do Rio de

Janeiro de 2006, mais de 68% dos atendimentos relacionados a fatores ambientais

ocorrem em áreas de encostas com suscetibilidade a acidentes geotécnicos de

fatores climáticos, topográficos e geológicos (PCRJ, 2007 apud NACARATTI,

2008). Segundo a descrição de Costa (2002) a maioria os rios que drenam o

Maciço da Pedra Branca apresentam regime torrencial de escoamento durante o

verão com consequente aumento da vazão em decorrência da elevada

pluviosidade, onde o seu contato abrupto com a baixada gera condições favoráveis

às inundações.

Diante de um possível aumento da ocorrência das cheias urbanas,

ocasionados pela ineficiência do sistema de drenagem adido ao maior alcance das

marés nas áreas litorâneas em função da prevista elevação do nível do mar, a

emergência da realização de estudos nessas áreas se torna essencial para a

previsão e conhecimento de fatores atenuantes de impactos sociais e ambientais

providos de eventos chuvosos extremos.

No ano de 2001 o Instituto Pereira Passos indicava que o nível do mar se

elevaria segundo uma variação de 9 a 88 cm nos próximos 100 anos. Em fevereiro

de 2007, o quarto relatório de avaliação do Intergovernmental Panel on Climate

Change (IPCC) apresenta um aumento no nível de certeza de 60% para 90% para

tais previsões. Caso se confirme essas previsões, na região Sudeste as variações de

marés poderiam provocar o empilhamento de até 20 cm de água na costa do Rio

de Janeiro danificando grande parte da infraestrutura urbana à beira mar

(NACARATTI, op cit).

Nas áreas mais baixas um fator se destaca no caso de alterações climáticas,

passíveis de causar importantes impactos nos sistemas de tratamento de esgotos e

de abastecimento de água na cidade. O autor Volschan Jr (2007) propôs a

subdivisão em três cenários possíveis como: modificações pluviométricas,

elevação do nível do mar e elevação da temperatura, onde distintas resultantes

são esperadas. Destacam-se para o primeiro caso de modificações pluviométricas

com períodos de estiagem prolongados, uma tendência ao comprometimento da

disponibilidade de água para os mais diversos usos e a redução do efeito da

diluição de poluentes provenientes de esgotos sanitários e efluentes industriais não

tratados, reduzindo a qualidade dos recursos hídricos disponíveis. No caso de

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chuvas concentradas, ocorreria a elevação da turbidez e contaminações diversas

que afetariam a potabilidade da água. Com a elevação dos níveis freáticos

subterrâneos pode ocorrer em uma crescente infiltração de águas subterrâneas nas

redes coletoras de esgotos, o que poderia comprometer a capacidade hidráulica

dos elementos que compõem o sistema de esgotamento sanitário, podendo

corroborar para a degradação de corpos de água adjacentes, como rios e lagunas.

Embora o tempo histórico seja outro, os cenários sugerem, em uma interpretação

mais apurada, que o passado não está ausente.

A elevação do nível médio do mar pode acarretar em um

comprometimento da qualidade da água das áreas de abastecimento intermitente e

atendidas por sistemas individuais de extração de água subterrânea pela intrusão

salina de água do mar. A elevação do nível do mar poderá interferir também no

escoamento hidráulico de efluentes tratados de estações de tratamento de esgotos

em corpos d´água receptores. Nas áreas urbanas desprovidas de sistemas públicos

e coletivos de esgotamento sanitário poderá ocorrer comprometimento no

escoamento hidráulico do efluente de seus sistemas privados de tratamento de

esgotos tipo fossa-filtro e/ou ETE´s compactas. No caso de aumento da

temperatura, a principal conseqüência seria o aumento da demanda de água sobre

os sistemas públicos de abastecimento, potencializada ainda pelas perdas por

evaporação nos reservatórios (VOLSCHAN Jr. 2007).

Inserido no cenário de provável aumento do nível do mar, é possível

especular a cerca de possíveis impactos nos ecossistemas costeiros, seja pela

intrusão de águas salinas nos corpos hídricos da região, afetando a vegetação, que

já se encontra sob forte pressão pelo crescimento urbano, precário e não precário.

As florestas de mangues que ocorrem nas margens do complexo lagunar de

Jacarepaguá estariam susceptíveis em virtude da necessidade de substrato para

fixação, atualmente em progressiva diminuição pela crescente urbanização, e

impossibilidade de resiliência de resistência diante do aumento da salinidade

provida pelo provável aumento do nível médio dos mares. Para o cenário de

aumento de eventos pluviométricos extremos, Soares (2007) descreve que o

assoreamento provido de processos erosivos que ocorrem nas montanhas

adjacentes a esse sistema, pode acarretar na estagnação de água doce em áreas

aonde o intercâmbio entre águas salinas e doces era mais eficiente, o que

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acarretaria em um intenso distúrbio que não só afetaria a resiliência das florestas

de mangue, sensíveis às variações de salinidade, como permitiriam a ocorrência,

em maior escala, de espécies vegetais invasoras, como a samambaia do brejo

(Acrostichum aureum).

Tal fato reconfiguraria a organização do sistema em questão e acarretaria

em profundas transformações na paisagem local, afetando os espaços de

reprodução de populações humanas assim como suas intencionalidades perante a

apropriação da natureza, seja no âmbito das representações como no âmbito das

práticas espaciais. Conforme já citado anteriormente, o processo histórico de

expansão da cidade do Rio de Janeiro por intermédio de sucessivos aterros com a

ocupação das margens dos cursos d´água, consolidados pela ocupação das

planícies de inundação, afetou a manutenção das calhas de drenagens agravando

os eventos de cheias na cidade. A ocupação e o desmatamento das encostas, não

isentos da influência dos processos descritos anteriormente, corroboram para essa

dinâmica na medida em que permite um aumento significativo da velocidade de

escoamento da água que se acumula nas áreas mais baixas da cidade. Diante desse

cenário de aparente antagonismo entre espacialização humana e as dinâmicas

naturais, o conceito de funções ecossistêmicas contribui para o resgate da

interdependência existente entre sociedade e natureza, que embora evidente, tende

a escapar a capacidade de compreensão do fenômeno humano frente às

temporalidades (geológica, climática e biológica) que está inserido.

Defendo aqui, que a ideia de cenário, mesmo que balizada por evidências

científicas, não escapa a prática de uma interpretação, que salvo quando se

considera a impossibilidade do alcance do real pelo filtro da subjetividade e pela

presença da imprevisibilidade, pode se traduzir em argumentos que favorecem os

mecanismos de apropriação e planejamento que, em virtude da sua inserção na

órbita da nebulosa ambiental (MOREIRA, 2004), pode recair sobre a divisão

social do ecologismo (LEFF, 2005) e da divisão espacial da degradação ambiental

(ACSELHAD & BEZERRA, 2009) e deve o pesquisador, ao interpretar o seu

objeto, atentar para essas possibilidades.

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3.3 Funções ecossistêmicas na interface encosta/planície (floresta/cidade)

As funções ecossistêmicas apresentam intrínseca relação com a espacialização

humana, e apresentam-se como uma importante manifestação da relação entre

sociedade e natureza. No caso do presente estudo, é importante vislumbrar que as

funções ecossistêmicas hoje observadas nas florestas do maciço da Pedra Branca,

manifestadas sob a forma de resiliência e estabilidade florestal, discutidas com

mais propriedade em parágrafos anteriores, culminam em uma organização

originada do jogo entre ordem e desordem e, portanto, apresentam importante

legado histórico, que a prática da história ambiental permite vislumbrar. Destaco,

a partir dessa perspectiva, que as benesses oriundas das funções ecossistêmicas

devem ser um direito de todas as vertentes sociais que se relacionam com os

respectivos ecossistemas provedores das referidas funções, notadamente quando

as referidas sociedades apresentam um papel fundamental na organização dos

ecossistemas na atualidade. Ressalto que, conforme descrito anteriormente, as

práticas sociais devem contemplar o metabolismo entre sociedade natureza

permitindo a coexistência das sustentabilidades ambiental e social.

O autor Marândola Jr. (2005) atenta para a importância do entendimento da

dinâmica dos desastres naturais e de suas consequências no que se refere à

inseparabilidade das características do evento físico com a capacidade de resposta

do grupamento humano afetado, e destaca a vulnerabilidade e a resiliência do

meio como aspectos básicos para essa análise. Segundo o mesmo, a

vulnerabilidade dos lugares consiste em um conjunto de conhecimento de

características de microclima, geomorfologia, vegetação, solo entre outras

referentes ao meio natural relacionando-as com a ocupação humana (densidade),

manejo dos recursos e fatores culturais, políticos, econômicos e institucionais que

virão a determinar a preparação das populações para o enfrentamento das

situações de perigo. A resiliência, já discutida em maiores detalhes no capítulo II,

segundo o autor, está associada à capacidade de recuperação após a ocorrência dos

perigos, uma vez que alguns ecossistemas apresentam maior fragilidade do que

outros. Sendo assim, os danos decorrentes de eventos extremos devem ser

analisados partindo da relação sociedade/natureza e não como um episódio de azar

(MARÂNDOLA Jr., 2005).

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Cabe ressaltar, que a relação entre sociedade e natureza não possui um caráter

de antagonismo, tampouco um fator exclui o outro, mas se complementam, em

uma interação regida pela intencionalidade humana e a dinâmica natural. Para

exemplificar tal fato se torna pertinente o conceito de funções ecossistêmicas12,

qualificados por Begon et al. (2008 p. 478) em provedores, que incluem fontes de

alimentos, água potável e produtos agrícolas em sistemas agro-produtivos;

culturais, contemplando a satisfação estética e oportunidades educacionais e

recreacionais; reguladores, referindo-se a capacidade do ecossistema de decompor

ou filtrar poluentes e atenuação de distúrbios como inundações e a capacidade do

ecossistema de regular o clima e sustentadores, que se refere à ciclagem de

nutrientes sobre a qual se baseia a produtividade e a formação do solo.

Portanto, há de se convir que as funções ecossistêmicas devem ser

consideradas na tarefa de sugerir alternativas para planejamento do espaço urbano,

de forma a contemplar as populações que venham a se inserir nessas regiões assim

como as populações que habitam esses lugares. Porém, emerge daí a importância

da história ambiental, onde não se pode negligenciar que tais funções são

diretamente dependentes das relações de ordem e desordem que permitem as

organizações dos sistemas, sejam eles florestais e/ou urbanos, e os distúrbios

antropogênicos pretéritos, no caso da floresta do Camorim, foram fundamentais

para o estabelecimento das funções ecossistêmicas hoje observadas nessa área.

Portanto, isentar os antigos habitantes de seus territórios e modos de relação com

as florestas, mesmo que por força legal, não contempla uma verdadeira

sustentabilidade dos referidos ecossistemas. Cabe ressaltar que são específicas as

condicionantes para manutenção de práticas de subsistência e abastecimento de

pequenos mercados, notadamente quando não culmina em práticas de extinção de

espécies, superexplotação de bancos de sementes e alterações que impossibilitem

a resistência e resiliência florestal, permitindo as populações humanas usufruírem

das benesses oriundas das funções ecossistêmicas.

No que se refere às funções ecossistêmicas providas pela floresta atlântica

no Maciço da Pedra Branca, destacam-se o fornecimento da água contida nos rios

e a atenuação de processos hidrológicos, passíveis de causar danos à população

12 O termo “serviços ecossistêmicos”, frequentemente utilizado em estudos ecológicos, será substituído no presente trabalho por funções ecossistêmicas, evitando assim atribuir aos ecossistemas uma categoria de trabalho e/ou servidão únicas às questões humanas.

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das áreas mais baixas que encontram-se sob a influência de constantes aterros e

impermeabilizações.

As lagunas do complexo lagunar de Jacarepaguá, presentes nas áreas

baixas de planície, possuem um importante papel na absorção e no despejo do

excedente de águas que descem pelas encostas dos maciços da Tijuca e da Pedra

Branca nos períodos chuvosos. Esses ecossistemas apresentam como

característica a presença das zonas de inundação, áreas alagáveis que absorvem os

excedentes de água suavizando e muitas vezes impedindo as inundações. Estas

zonas, esculpidas e moldadas em períodos milenares de transformação e relação

com as montanhas, atualmente são frequentemente negligenciadas nos processos

de urbanização. Emerge então a imprevisibilidade e incontrolabilidade do sistema,

principalmente em um tempo de dúvida diante das dificuldades a serem

enfrentadas pelos centros urbanos por mudanças climáticas.

Com a proximidade da Copa do Mundo de Futebol em 2014 e os Jogos

Olímpicos de 2016, espera-se a intensificação da expansão urbana região da

baixada de Jacarepaguá, o que traz consigo a incógnita a cerca das futuras ações

que venham a contribuir ou prejudicar na recuperação dos ecossistemas

atualmente fragilizados presentes nesta área, como é o caso das lagunas e florestas

de mangues. Cabe aos empreendimentos de infraestrutura, uma justa adaptação às

condições naturais que coexistem nesta região, pois estas foram fatores

condicionantes para a implantação do crescimento urbano na sua gênese. As

tentativas de recriar, artificialmente, as condições ambientais na busca por funções

ambientais já perdidas têm sido constantes. Porém, os referidos ecossistemas se

encontram sob novas dinâmicas, apontando para a imprevisibilidade diante de

uma crescente pressão antropogênica, notadamente pela implementação de

empreendimentos, que na região se destacam pela predominância do ramo

imobiliário, onde se inserem as dinâmicas já descritas anteriormente, como a

sobreposição de paleoterritórios e a emergência das paisagens espetaculares

corroborando para a ausência de um passado presente.

A intensificação dos processos erosivos pelo desmatamento, incêndios e

ocupação nas encostas, que emergem a partir do rompimento do metabolismo

entre sociedade e natureza, contribuem para o assoreamento dos rios e das lagoas,

assim como o comprometimento das áreas alagáveis. Estas questões tornam-se

indispensáveis no planejamento para a expansão urbana nas regiões que

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circunscrevem o Maciço da Pedra Branca. Portanto, de acordo com Oliveira (et. al

2012) a paisagem deve passar então, a figurar em um novo patamar na

constituição urbana, onde a colaboração advinda das funções ecossistêmicas para

a segurança pública também devem ser consideradas. Diante dessa perspectiva,

foi realizada no presente estudo, a análise da dinâmica hidrossedimentológica que

ocorre na sub-bacia do rio Caçambe, localizado no Maciço da Pedra Branca no

período de abril de 2012 a março de 2013.

Nota-se, conforme descrito em diversos momentos do presente estudo, que

a paisagem atual é resultante de complexas interações entre intencionalidades

humanas, traduzidas em ações, e as dinâmicas naturais, neste caso, a partir da

coexistência dos tempos geológico, climático, biológico e humano, onde neste

último encontra-se a capacidade de interpretar a transformação da paisagem.

Conforme avança em sua leitura do presente trabalho, o leitor poderá notar que o

método de análise que adotei para interpretar a transformação da paisagem na

floresta do Camorim apresenta intrínseca relação com as transformações que

ocorrem na cidade do Rio de Janeiro. Tal fato revela, sob a minha perspectiva de

análise, a ausência de um passado presente13, onde interdependência e autonomia

dialogam em uma complexa interação que permitiu, e permite, a floresta e a

cidade serem apresentadas e representadas conforme são atualmente.

Ressalto que, diante das perspectivas aqui sugeridas, me comprometi no

presente trabalho, em última análise, a interpretar a relação entre sociedade e

natureza sob distintas perspectivas, traduzidas em um objetivo ininterrupto de

pensar a produção do espaço de reprodução de distintas sociedades em seus

respectivos tempos históricos, onde os sedimentos, embora não sejam o produto

final dessas interações, foram determinantes e determinados nos processos da

espacialização humana na área estudada, e encontram-se, portanto, plenos de

importante valor histórico.

13 As ausências de um passado presente estão aqui relacionadas com os processos que influenciam na tendência da sociedade atual em negligenciar a influência de temporalidades distintas na atual produção de seu espaço de reprodução. Destaco que quando identificadas, as ausências serão alvo de uma reflexão no presente estudo.

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4 Área de estudo

A área de estudo está localizada floresta do Camorim no Maciço da Pedra

Branca, apresentando diferentes estágios sucessionais compondo um mosaico de

fragmentos (MONTEZUMA, 2005) resultantes de distintos usos pretéritos já

descritos anteriormente. O pico da Pedra Branca, com 1025 metros de altitude

como o ponto culminante do Município do Rio de Janeiro, estando o maciço

situado entre as coordenadas 22°53` e 23°00` latitude sul, 43°23` e 43° 32`

longitude oeste. Para análise da dinâmica hidrossedimentológica, foi escolhida a

sub-bacia do Rio Caçambe (Figura 2), um tributário de primeira ordem do Rio

Camorim, situada em meia encosta com altitude entre 160 e 180 m acima do nível

do mar.

A área é caracterizada pela presença de inúmeros matacões, em sua

maioria depositados nos fundos de vales. O substrato litológico da área amostral

apresenta-se segmentado, com um quinhão de uma unidade sienogranítica

composta por sienogranito a microclina em fáceis média/homogênea e parte

pertencente a uma unidade tonalítica com rochas básicas a intermediárias com

pouca incidência de processos metamórficos. No que se refere ao substrato

pedológico, as encostas do maciço da Pedra Branca são compostas por latossolos

rasos associados a cambissolos e neossolos litólicos indiscriminados nas encostas

mais elevadas, argissolos rasos associados a neossolos litólicos com textura média

argilosa recobrindo a maior parte do maciço (33%) e planossolos Gleis restritos às

encostas mais suaves e ocupadas do maciço. Destaca-se a pouca espessura do

manto coluvionar e saprolitos que recobrem a média/alta encosta do maciço,

sendo esses pouco espessos com incidência de blocos soltos ou parcialmente

inseridos no material mais fino caracterizando o depósito de tálus recorrente nas

bases dos vales do maciço (COSTA, 2002).

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Figura 4.1 – Imagem Geoeye da sub-bacia do rio Caçambe (Fonte: LabGIS/NIPP/PUC-Rio, 2011).

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Segundo Togashi (2011), a partir da análise de uma série temporal de uma

década de dados pluviométricos da estação da GEORIO localizada no Riocentro,

destaca-se um aumento das chuvas no decorrer da década de 2001-2010,

apontando para a expansão do período de chuvas e acréscimo no volume das

chuvas do final do verão e início do outono. Os eventos chuvosos de grandes

magnitudes, com intensidades diárias acima de 50 mm.dia-¹, apresentaram

tendência de crescimento para os meses de dezembro, janeiro, março e abril,

corroborando para o acréscimo da intensidade dos seus eventos no decorrer da

década analisada no estudo. No período de um ano, entre 04/11/2009 e

04/11/2010, a sub-bacia do rio Caçambe apresentou o total pluviométrico de

2357,07 mm, um valor muito acima da média da zona oeste do Rio de Janeiro,

que apresenta valores entre 1000 e 1.200 mm anuais. A mesma área de análise

apresentou um valor acima da média observada na década no Rio Centro com

1390 mm anuais. Embora os regimes chuvosos do Caçambe e do Rio Centro

tenham apresentado elevado grau de similaridade no período de 04/11/09 a

04/11/10, a diferença nas alturas pluviométricas foram atribuídas à altitude e ao

relevo.

Nos resultados obtidos por Bastos (2011) confirma-se o papel de barreira

geográfica exercido pelo maciço da Pedra Branca, o que foi comprovado pela

média de chuva no Rio Centro e em Bangu. O Rio Centro possui uma média de

1.400 mm.ano-1 e Bangu possui uma média de 1.109 mm.ano-1. As variações

locais dentro do quadro regional sugerem respostas do fator relevo, que faz com

que haja uma diferença na variação quantitativa entre as duas estações

trabalhadas. As duas estações mostraram tendências de aumento das chuvas a

partir de 2003. Os anos de 2001 e 2002 foram os mais secos e 2010 o mais

chuvoso. É possível perceber que, através da análise da variabilidade mensal as

estações, apesar de terem os meses mais chuvosos e mais secos em comum, não

apresentam um padrão semelhante de distribuição das chuvas.

A capacidade de interceptação (I) florestal no Caçambe, estudada por

Togashi (2011), apresentou aumento para dosséis mais densos. O atravessamento

decresceu conforme o gradiente mata secundária inicial (SI) – borda – floresta

secundária avançada (SA). A cobertura vegetal de SA apresentou maior

eficiência na interceptação de diferentes intensidades de chuva (em torno de 25%

de um total de 2.537 mm no período de 2009/2010). A resultante sistêmica desse

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processo é exemplificada na capacidade de armazenamento de água na bacia do

rio Caçambe, que aponta para uma estimativa de armazenamento de

aproximadamente 140 mm/ha/ano em apenas 795 ha de vegetação medianamente

preservada (TOGASHI et al., 2012). Se considerarmos a capacidade de estocagem

da serrapilheira na mesma área, em torno de 158% a 600% do seu peso seco

(SANTOS, 2009 e SOUSA et al., 2009) a estocagem total de água dessas florestas

será bem superior. Tendo conhecimento da dinâmica hidrológica que ocorre no

Maciço da Pedra Branca, assim como um aumento observado na ocorrência de

chuvas de diferentes intensidades, associado à crescente urbanização que ocorre

no e ao redor do maciço, pode acarretar em um aumento significativo no número

de acidentes originados pela dinâmica hidrológico-erosiva nas encostas do maciço

da Pedra Branca, fator que se destaca como objeto de observação no presente

estudo.

4.1 A estação meteorológica do Rio Centro

A estação meteorológica do Rio Centro foi instalada em 1997 e está

localizada na latitude sul 22° 00’ 52”, longitude oeste 43° 31’ 08” no nível do

mar. O endereço de localização é Centro de Convenções – Av. Salvador Allende,

6555 – Barra da Tijuca, rio de Janeiro. A estação do Rio Centro está distante da

área de análise (180 m acima do nível do mar) em aproximadamente 1,8 km em

linha reta.

A estação Rio Centro está equipada com um pluviômetro automático

tipping-bucket, um computador para aquisição de dados, rádio UHF, antena,

painel solar e bateria. Os dados são enviados via rádio para estação central em um

intervalo de 15 minutos. A resolução da precipitação pluviométrica mensurada é

de 0,2 mm. As consulta dos dados pluviométricos foram realizadas no site da

GEORIO14.

14 Fundação Instituto de Geotécnica do município do Rio de Janeiro (GEORIO) http://www0.rio.rj.gov.br/alertario/

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4.2 Hidrossedimentologia

Nas próximas linhas encontram-se descritas as etapas de fundamental

importância para o entendimento da dinâmica hidrossedimentológica que por sua

vez, vão balizar as análises dos resultados encontrados no presente trabalho.

Os processos que regem as dinâmicas hidrossedimentológicas apresentam

intrínseca relação com as etapas do ciclo hidrológico, notadamente em ambientes

florestados. Portanto, do ponto de vista teórico, assim como é possível discriminar

as etapas do ciclo hidrológico, também é possível identificar os processos que

constituem a dinâmica hidrossedimentológica, sendo estes a desagregação,

separação ou erosão, transporte, decantação, depósito e consolidação. As referidas

etapas encontram-se descritas a seguir, conforme sugeridas por Bordas e

Semmelmann (1993).

A desagregação está referida ao desprendimento de partículas sólidas do

meio do qual estão inseridas. Embora possam ocorrer pelo efeito de fatores que

não envolvem o ciclo hidrológico, o impacto das gotas da chuva, após a ação do

homem, é o processo que mais contribui para a desagregação.

Após o processo de desagregação, uma massa de partículas sólidas

encontra-se passível de ser posto em movimento pelas águas superficiais ou

outros processos de escoamento. O estoque de material sólido é composto por

elementos de tamanhos e feições distintas, comumente distinguidos em argila,

com diâmetro inferior a 0,002 mm; silte, com diâmetro entre 0,002 mm e 0,060

mm; areia, com diâmetro entre 0,060 mm e 2 mm; cascalho com diâmetro entre 2

mm e 60 mm; seixo com diâmetro entre 60 mm e 200 mm e

pedras/pedregulho/matacão com diâmetros superiores a 200 mm. É importante

ressaltar que conjuntos de elementos primários podem encontrar-se unidos, por

exemplo, pela ação de partículas de argila e matéria orgânica, conforme descrito

por Roncaratti e Neves (1976), referindo-se aos sedimentos continentais que

compõem o complexo fluvial, notadamente a partir de análises das argilas das

planícies de inundação, onde os autores encontraram regular volume de matéria

orgânica, principalmente de origem vegetal, composta por restos de folhas, galhos

e troncos.

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A erosão refere-se ao processo de deslocamento de partículas sólidas da

superfície do solo ou das paredes do leito de corpos d´água, ativos ou não, pelo

efeito do escoamento. O deslocamento das partículas ocorre quando as forças

hidrodinâmicas do escoamento sobre uma partícula excedem a resistência

oferecida pela mesma. A resistência, por sua vez, se traduz em coesão, no caso de

partículas mais finas, enquanto para partículas mais grossas, o peso constitui a

principal força de resistência às forças hidrodinâmicas.

O transporte do material erodido pode ocorrer de maneiras distintas. A

caracterização das formas de transporte sólido foi, no presente trabalho, descrita

em três grupos, conforme sugerem Silva et al., (2007), sendo estes: i) carga sólida

do leito ou de arrasto: consiste em partículas de sedimentos que rolam

longitudinalmente no curso de água junto ao leito; ii) carga sólida saltitante:

partículas que saltam ao longo do curso de água em virtude da correnteza ou pelo

impacto de outras partículas; iii) carga sólida em suspensão: essas partículas de

tamanho reduzido, que geralmente representam a maior quantidade da carga

sólida do curso de água, são suportadas por componentes verticais das velocidades

do escoamento turbulento. O seu tamanho reduzido permite o deslocamento das

mesmas no fluido.

A decantação, também reconhecida como sedimentação, está referida ao

restabelecimento do contato com o fundo do leito, por partículas mais finas, sob o

efeito da gravidade. O depósito refere-se à parada total da partícula transportada

em suspensão sobre o fundo. A consolidação, por sua vez, ocorre após o depósito

das partículas. Está associada ao acúmulo de partículas sobre o fundo e a

compactação do depósito, principalmente a partir do peso dos sedimentos e da

pressão hidrostática.

Segundo Bordas e Semmelmann (1993), em uma bacia hidrográfica,

predomina a erosão no trecho superior da rede de drenagem, o transporte no

trecho médio e os depósitos nos trechos mais a jusante da bacia. Ressalta-se que,

mantidas as condições de isenção de distúrbios capazes de afetar a organização do

sistema hidrográfico, notadamente de ordem antropogênica, climática e tectônica,

os processos erosivos desencadeados a montante apresentam-se em ritmo

compatível com a formação do solo.

É preciso salientar que os sedimentos, quando chegam a um curso de água,

apresentam granulometria e fenômenos diversos respeitando as condições locais e

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do escoamento. As partículas podem encontrar-se mantidas em suspensão ou no

fundo do rio, saltando do leito para o escoamento, deslizando ou rolando pela

ação de forças atuantes sobre cada partícula. A diversidade no comportamento de

cada partícula depende de seu tamanho, peso e forma; do regime do escoamento;

velocidade da corrente; obstáculos no leito e demais variáveis inter-relacionadas

entre si como a composição química das águas fluviais que obedecem a litologia,

vegetação e usos do solo de uma determinada bacia, afetando a proporção

existente entre sólidos dissolvidos e sólidos particulados. Portanto, caracteriza-se

o transporte do rio principal no alto curso com uma carga em suspensão maior que

a carga de fundo. Espera-se um aumento no quantitativo da carga de fundo com a

diminuição da erosão na bacia e redução da declividade do leito do curso de água,

sendo essa dinâmica dependente da granulometria do sedimento transportado

(CARVALHO, 1994; SILVA et al., 2007).

Alguns dados merecem destaque para realização da análise granulométrica

na sub-bacia do rio Caçambe. Embora não tenham sido realizados estudos

relativos às especificidades do comportamento hidrossedimentológico do rio

Caçambe, estudos com o referido fim foram realizados na bacia do rio Camorim.

Atento aqui, conforme o leitor pode observar ao longo do presente estudo, que as

extrapolações não escapam o caráter de uma simplificação, porém, nesse caso, na

ausência de estudos que contemplem as especificidades do rio Caçambe, as

informações contidas em estudos da bacia do Camorim, que além da proximidade,

apresenta o histórico de ocupação e características geo-hridroecológicas

semelhantes à do Caçambe podem auxiliar na interpretação dos resultados.

O rio Camorim é caracterizado como um rio de 3° ordem que possui 16,6

km de perímetro e 6,96 km2 de área, apresentando 50 segmentos de canais

(COSTA, 2002). Tal fato permite especular sobre a impermeabilidade da região,

uma vez que em uma análise qualitativa, a permeabilidade é inversamente

proporcional à presença de canais. Este fato mostra-se importante, uma vez que

fornece informações cruciais para especular a cerca do abastecimento a nível

freático observado em campo, discutido em maiores detalhes no capítulo V. O rio

Caçambe é uma das sete sub-bacias presentes no rio Camorim, constando como

um tributário de primeira ordem do rio Camorim.

O estudo realizado por Marques (1990 apud COSTA, 2002) no período de

julho de 1985 a dezembro de 1986, indicou que a bacia do rio Camorim, em sua

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vazão máxima (6,487 m³/s) na data de 30/12/1986 apresentou um quantitativo de

4,21 kg de sedimentos por segundo na seção analisada, conforme exposto na

tabela 2.

O trabalho de Costa (2002) destaca algumas características da bacia do rio

Camorim, sob o ponto de vista de assinaturas ambientais15, destacando os

principais problemas e potencialidades no maciço da Pedra Branca, a partir da

ocorrência de categorias ambientais. Para análise no presente trabalho as

informações contidas nas descrições dos deslizamentos de solo e rochas mostram-

se de extrema relevância. A autora destaca que deslizamentos e desmoronamentos

ocorreram em praticamente todas as classes de altitudes, com exceção da faixa

acima de 1000 m. As cotas entre 200m e 400m e entre 500 m a 700 m

concentraram mais de 50% da ocorrência destes processos (Tabela 4.1). No que se

refere às declividades, os deslizamentos na bacia do Camorim concentraram-se

em sua maioria nas áreas com declividade entre 25° e 40° (Tabela 4.2). As

encostas que apresentaram maior ocorrência de deslizamentos são compostas por

feições côncava-retilínea, retilínea-retilínea e retilínea-côncava. Sob o ponto de

vista do substrato litológico, os deslizamentos de solo e rochas na bacia do rio

Camorim apresentaram 100% de participação dos sienogranitos do batólito Pedra

Branca. Tal fato sugere a elevada ocorrência do material arenoso obtido nas

análises granulométricas realizadas no presente trabalho.

A participação dos solos nos processos erosivos na bacia do rio Camorim,

foi restrita aos latossolos vermelho-amarelo pouco profundos em associação com

cambissolos e solos litóticos (Lva4) e argissolos vermelho-amarelo associados à

neossolos litóticos (PVA2) (Tabela 4.3). No que se refere à participação da

cobertura vegetal na ocorrência dos deslizamentos, a autora aponta que um

número significativo dos processos ocorreu sob as áreas florestadas. Na bacia do

Camorim, 82 % dos processos ocorreram em áreas com cobertura de florestas,

enquanto 18% ocorreram em áreas de culturas (Tabela 4.5). Do ponto de vista

histórico, esse dado demonstra extrema relevância para a análise de sistemas

complexos, onde a análise da sobreposição de paleoterritórios, conforme sugerido

no capítulo anterior, pode auxiliar no entendimento da ocorrência dos referidos

processos erosivos.

15 Segundo a autora, o termo assinaturas ambientais foi utilizado para fazer inferências sobre os principais problemas e potencialidades da área de estudo.

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Reitero que o desencadeamento de processos erosivos em áreas florestadas

gera certa descrença, afetando a ideia de natureza nas sociedades atuais e, por

conseguinte, as suas relações com as florestas. Tal fato colabora para o

entendimento de que as florestas da cidade não são todas iguais e a identificação

de um passado presente pode auxiliar na apreensão do real a partir da

interpretação de processos erosivos.

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Tabela 4.1 – Área da seção, vazão máxima, vazão mínima e sedimentos transportados no rio Camorim no período de julho de 1985 a dezembro de 1986. Adaptado de Marques (1990) e Costa (2002).

Tabela 4.2 - Participação das classes de altitude na ocorrência de deslizamentos de solo e rochas na bacia do rio Camorim. Adaptado de Costa (2002).

Classes de Altitude ( %)

Bacia do rio Camorim Área (ha) 200-300

300-400

400-500

500-600

600-700

800-900

Deslizamento solo + rocha

1,44 - - 43,65 56,35 - -

1,49 2,68 83,39 13,96 - - -

Tabela 4.3 - Participação da declividade na ocorrência de deslizamentos de solo e rochas na bacia do rio Camorim. Adaptado de Costa (2002).

Classes de Declividade (%)

Bacia do rio Camorim Área (ha) 0-5° 5-15° 15-25° 25-45°

Deslizamento solo + rocha

1,44 13,4 - 5,21 81,39

1,49 18,96 - - 81,04

Tabela 4.4 - Participação dos tipos de solo na ocorrência de deslizamentos de solo e rochas na bacia do rio Camorim. Adaptado de Costa (2002).

Tipos de solo (%)

Bacia do rio Camorim Área (ha) PVA2 Lva4

Deslizamento solo + rocha 1,44 47,65 52,35

1,49 80,37 19,63

Bacia do rio Camorim

Data Área da seção Velocidade

Vazão máxima

Sedimentos

(m²) (m/s) (m³ /s) (Kg/s) Natureza

Vazão máxima

30/12/1986 5,641 1,15 6,487 4,21 Siltes

Vazão mínima

01/08/1985 1,292 0,19 0,24 - -

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Tabela 4.5 - Participação da cobertura vegetal florestada na ocorrência de deslizamentos de solo e rochas na bacia do Rio Camorim. Adaptado de Costa (2002).

Classe cobertura vegetal (%)

Bacia do rio Camorim Área (ha) Floresta Cultura

Deslizamento solo + rocha 1,44 100 -

1,49 81,88 18,12

As informações expostas acima tornam-se de extrema relevância para

justificar a escolha da área de estudo, uma vez que os solos na região da bacia do

Camorim, que se encontra sob o mesmo divisor de drenagem da sub-bacia do rio

Caçambe, apresentam em suas encostas mais elevadas a presença de latossolos

rasos associados a cambissolos, solos litóticos e podzólicos, estando estes últimos

mais presentes nas encostas mais suaves e de menor altitude (SANTOS, 2009).

Estes tipos de solo apresentam importante contribuição nos deslizamentos na

bacia do Camorim estudados por Costa (2002). Outro fator que também ganha

destaque sob a perspectiva dos deslizamentos analisados por Costa (op. cit) é

relativo à localização da área amostral na meia encosta entre 160 m e 180 m, uma

vez que a autora encontrou a contribuição majoritária de classes de altitude

superiores a 300 m na ocorrência dos deslizamentos estudados.

4.3 Procedimentos metodológicos para análise hidrossedimentológica 4.3.1 Precipitação direta

Para monitoramento da precipitação direta foram utilizados três

pluviômetros cilíndricos simples (Figura 3) conforme descritos por Sato (2008) e

Togashi (2011) feitos a partir de tubos de PVC com 100 mm em seu diâmetro

cortados em peças de 300 mm de altura. Para cada peça produzida a partir dos

cortes do tubo original, foi adicionada uma base de encaixe, posteriormente selada

com silicone para evitar perdas de água e permitir o armazenamento da água

incidente. Para evitar o “splash” das gotas de água, as bordas localizadas na parte

de cima do pluviômetro foram esmerilhadas. Para cada pluviômetro foi

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adicionado um funil contendo uma bola de pingue-pongue para diminuir as perdas

por evaporação. Os pluviômetros foram instalados em estacas de madeira de

1,20m por intermédio de arames e, após sua fixação no substrato, encontram-se

dispostos em cerca de 80 cm do solo para evitar o salpico. Com o auxílio de uma

trena, foram instalados três pluviômetros distantes entre si em 1 metro em uma

área sujeita à precipitação direta próxima ao reservatório.

A precipitação direta foi aferida com uma proveta de 500 ml graduada a

cada 5 ml, para posterior conversão para mm utilizando a metodologia adotada

por Togashi (2011) e Cunha e Guerra (1996) onde o volume (mm³) = π.r².h,

correspondendo a [1ml = 1.000 mm³]; sendo “r” o raio do coletor e “h” a altura

do mesmo. Sendo assim, a medição [(ml)= 3,14115927. 50².300.1000-¹] resulta na

equação utilizada no trabalho onde [ 1 ml = 0,1273 mm (cerca de 0,13 L. m-2)]. As

coletas foram iniciadas em abril de 2012, sendo realizadas após os eventos de

precipitação até a conclusão no mês de março de 2013.

Figura 4.2 – Localização dos pluviômetros instalados na área de precipitação direta. Fonte: Arquivo pessoal.

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4.3.2 Taxa de erosão e granulometria Para a avaliação da dinâmica hidrológico-erosiva que ocorre na sub-bacia

do rio Caçambe, foi adotado um antigo reservatório (Figura 4) localizado em um

fundo de vale suspenso localizado em um eixo de concavidade, caracterizado por

processos de deposição oriundos da convergência de fluxos

hidrossedimentológicos, o que justifica a escolha deste local para o referido fim.

Segundo Semmelmann e Bordas (1995): Os reservatórios interceptam a maior parte das descargas sólidas transportadas na rede fluvial. A determinação dos volumes de sedimentos neles depositados fornece indicações preciosas e às vezes decisivas sobre a produção de sedimentos pelas bacias hidrográficas.

Conforme já citado anteriormente, a sub-bacia do rio Caçambe se

caracteriza por ser um tributário de primeira ordem do rio Camorim, que deságua

na laguna de Jacarepaguá, apresentando uma considerável contribuição no

processo de sedimentação da referida laguna. O rio Camorim apresenta a

dinâmica descrita por Marques (1990) apud Costa (2002) com aumento da vazão

nos períodos chuvosos e consequente maior transporte de sedimentos

corroborando com a verificação de Carvalho (1994) e Silva et al (2007) que

apontam para cerca de 70% a 90% do total de sedimentos transportados pelos

cursos de água nos períodos chuvosos, notadamente durante as fortes

precipitações.

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Figura 4.3 – Reservatório utilizado para coleta de sedimentos, localizado no fundo de vale da sub-bacia do rio Caçambe. Fonte: Arquivo pessoal.

As coletas do material depositado no reservatório foram realizadas após o

esvaziamento do mesmo por intermédio de um tubo (Figura 4.4) que, quando

vedado, permite a estagnação da água e sedimentos gerados nos períodos

chuvosos. Após o esvaziamento do reservatório (figura 4.5) os sedimentos foram

removidos com auxílio de uma vasoura de piaçava e armazenados em bombonas

plásticas hermeticamente vedadas com capacidade de 2 litros de volume para

posterior análise granulométrica em laboratório.

79 cm

44 cm

276 cm

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Figura 4.4 – Detalhe da localização e altura do tubo para escoamento da água retida no reservatório. Fonte: Arquivo pessoal.

Figura 4.5 – Esvaziamento do reservatório para coleta de sedimentos. Foto: Rogério Ribeiro de Oliveira.

5 cm

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86

4.3.3 Procedimentos Metodológicos de coleta em campo

Para análise dos sedimentos, destaco especial atenção ao fato que o

reservatório utilizado para recolher as amostras estava inteiramente assoreado

antes do início das medições. Foi observada em campo, a ocorrência do fluxo

superficial de saturação durante as primeiras coletas, formado pela convergência

de fluxos subterrâneos e subsuperficiais originados nas encostas a partir das

precipitações. Por se localizar em um fundo de vale, a área amostral recebe a

funcionalidade da área descrita por Dunne (1970) como preferencial para a

ocorrência do fluxo superficial de saturação. Esta dinâmica encontra-se descrita

em maiores detalhes no sub-capítulo 5.4. A hipótese da ocorrência do fluxo

superficial de saturação emergiu a partir da identificação de algumas zonas de

exfiltração (Figura 4.6) verificadas também em tocas oriundas da atividade de

fauna escavadora.

Figura 4.6 – Detalhe da zona de exfiltração na região a montante do reservatório. Fonte: Arquivo pessoal.

A umidade antecedente do solo apresenta influência no comportamento da

água no solo. A proporção inversa entre umidade antecedente e taxa de infiltração

demonstra essa dinâmica. É importante ressaltar que o escoamento superficial

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também se mostrou presente na área amostral, principalmente após os eventos

chuvosos no primeiro trimestre de 2013, onde o canal que desemboca no

reservatório permaneceu ativo até o final das coletas. Igualmente importante é o

fato de que as particularidades das regiões, tais como características do substrato,

tipo de vegetação, condições climáticas e histórico de usos podem apresentar

importante influência no comportamento da água no solo.

Destaco também que, após os eventos chuvosos dos meses de junho e

julho de 2012, deu-se início a intensidade do fluxo de água no canal da sub-bacia

do rio Caçambe que desemboca no reservatório, enchendo o mesmo com água até

cerca de 2/3 de seu volume total (estimativa visual). Durante esse período de

coletas, a metodologia de esvaziamento do reservatório através do tubo localizado

a jusante mostrou-se ineficiente, evidenciada quando a água retida dentro do

reservatório alcançava a altura mínima para permitir o seu escoamento através do

tubo localizado a 5,0 centímetros de altura (Figura 6) era impossibilitada pelo

ininterrupto fluxo de água, provavelmente oriundo do fluxo de saturação, não

permitia o esvaziamento completo do reservatório. A mesma situação se repetiu

durante as coletas seguintes até as coletas do mês de setembro. Tal fato, descrito

acima, não permitiu a realização eficaz das coletas nos meses de junho, julho e

agosto de 2012, em virtude do fluxo de água no interior do reservatório,

revolvendo sedimentos e ocasionando perda dos mesmos durante o processo de

seu esvaziamento parcial. Nestes casos optou-se por aguardar o encerramento do

fluxo de superfície para que os sedimentos retidos no reservatório fossem

coletados.

No mês de setembro de 2012, foi adotada uma pequena alteração no

método de coleta, onde o esvaziamento do reservatório foi realizado com o auxílio

de uma mangueira com 12 metros de comprimento que, em virtude da diferença

de altura na direção montante/jusante do reservatório, pela dinâmica de coluna de

água, permitiu o esvaziamento pleno do reservatório. Os sedimentos gerados nos

eventos dos meses de junho, julho e agosto, foram coletados no mês de setembro

de 2012, onde a partir do qual, as coletas não foram mais interrompidas até a

conclusão do presente estudo em março de 2013.

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5 Resultados e discussão

Embora tenha sido discutida nos parágrafos anteriores a abordagem

complexa encontra-se inserida nos resultados que se seguem, notadamente pela

ocorrência das três perspectivas de análise vislumbradas no presente projeto:

1) A complexidade em si, que a partir da sobreposição de paleoterritórios

acarretou em significativa influência nos mecanismos de resiliência e estabilidade

florestal.

2) A resiliência e estabilidade florestal estão associadas com os tipos de distúrbios

antropogênicos (intencionalidades humanas) e os processos de sucessão florestal

(dinâmicas naturais).

3) A abordagem sistêmica, que permite vislumbrar a dinâmica de dependência do

sistema observado quando sob a influência de sistemas com abrangência

hierárquica superiores, neste caso a partir da sobreposição de escalas

espaço/temporais.

Para exemplificar tal fato, de maneira simplificada, penso nas alterações

climáticas. Por exemplo, a ocorrência do fenômeno El Niño Oscilação Sul sugere

a correlação com dinâmica pluviométrica na cidade do Rio de Janeiro

(FIGUEIRÓ, 2005), que por sua vez apresenta variações locais ou regionais

segundo particularidades como, por exemplo, a orografia, proximidade com o mar

e evapotranspiração florestal. Com a aproximação para uma escala local as

resultantes ambientais de interações antrópicas e sobreposições de paleoterritórios

vão apresentar dinâmicas distintas no desencadeamento de processos erosivos,

preenchimento dos aquíferos entre outros. Em virtude da característica de auto-

organização dos sistemas naturais, a análise complexa permite vislumbrar uma

aproximação com o real, que embora não seja plena, permite ao pesquisador

relacionar os temas que interferem na interpretação do seu objeto de análise, no

que vem a culminar conforme descritos nas próximas linhas, nos sedimentos de

uma história.

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5.1 Regime pluviométrico no Rio Centro

Figura 5.1 - Variabilidade pluviométrica no Rio Centro no período de janeiro de 2012 a março de 2013.

Os dados analisados no período amostral de janeiro de 2012 a março de

2013 sugerem que o ano de 2012 foi um ano seco, com altura pluviométrica total

de 911 mm (Figura 5.1), enquanto o primeiro trimestre do ano de 2013 apresentou

características de um ano úmido. Tal fato aparece nos resultados obtidos para o

primeiro trimestre do ano de 2013, que apresentou 575,6 mm de altura

pluviométrica, correspondendo a aproximadamente 204,5 % de superioridade

quando comparado ao mesmo trimestre de 2012, que apresentou o total

pluviométrico de 281,4 mm.

Segundo Togashi (2011) a média pluviométrica no Rio Centro para o

intervalo temporal de 2001 a 2010 foi 1.390 mm, onde os cinco anos de maior

altura pluviométrica foram 2003, 2005, 2006, 2009 e 2010 e os menos chuvosos

os anos de 2001, 2002, 2004, 2007 e 2008. O autor observou que o mês de

dezembro foi o mês mais chuvoso, apresentando 172,4 mm de média para o

período de análise e sugeriu aumento das médias nos meses de El Niño, fato

semelhante ao observado por Figueiró (2005), o que pode ser um indício de um

aumento das temperaturas atmosféricas para região sudeste, o que fortaleceria a

ZCAS, notadamente no período de verão.

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No dia 03 de janeiro de 2013 fortes precipitações atingiram a cidade do

Rio de Janeiro, mais precisamente a zona norte da capital, a região serrana (nas

cidades de Petrópolis e Teresópolis) e o sul do estado na região de Angra dos

Reis, em virtude da entrada de uma frente fria. Segundo dados do CEPETEC, no

decorrer do mês de dezembro de 2013, (http://enos.cptec.inpe.br/) as

características observadas no Oceano Pacífico Equatorial refletiram uma condição

de neutralidade do fenômeno El Niño Oscilação Sul (ENOS) e as condições

próximas à neutralidade em grande parte do Oceano Pacífico contribuíram para

manter os padrões de circulação em grande escala próximos às condições

climatológicas em quase toda a faixa equatorial. Portanto, merece destaque no

presente estudo que segundo análise da estação pluviométrica do Rio Centro, o

mês de dezembro mostrou-se atípico e excedendo a tendência de mês mais

chuvoso, conforme observado por Togashi (2011). Porém, se considerada a

neutralidade do ENOS no referido mês que embora não seja um fator

determinante, pode ter contribuído para a ausência de médias pluviométricas

elevadas. Em contrapartida, a neutralidade do referido fenômeno nos meses de

janeiro, fevereiro e março não foi determinante para que o mesmo padrão de

meses com baixa pluviometria fosse observado neste período trimestral. Não

figura como objetivo do presente estudo analisar as minúcias da influência do

referido fenômeno no regime pluviométrico observado, mas o registro figura

como uma contribuição para futuros estudos climatológicos na área.

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5.1.2 Classes diárias de intensidade da chuva no Rio Centro

Figura 5.2 – Classes diárias de intensidade de chuva e linhas de tendência segundo dados da estação meteorológica do Rio Centro, no período de janeiro de 2012 a março de 2013.

Algumas observações se destacam para nortear as análises dos resultados

obtidos (Figura 5.2):

1) O mês de janeiro de 2013 foi o mais chuvoso, com altura pluviométrica de

276,8mm, enquanto o mês de fevereiro de 2012 foi o menos chuvoso com 14,2

mm. As linhas de tendência sugerem um aumento na ocorrência de eventos

chuvosos inseridos nas classes de intensidade observadas, sendo mais expressivo

para Ci2.

2) Dentre os dias com chuva no período amostral, 104 dias enquadraram-se em

Ci1, 42 dias enquadram-se em Ci2 e quatro dias enquadraram-se em Ci3.

3) A maior ocorrência de eventos com classe de intensidade Ci1 foi no mês de

março de 2013 com 14 eventos inseridos na referida classe.

4) O mês com maior ocorrência de eventos inseridos na Ci2 foi janeiro de 2012

com 6 eventos. O mês de fevereiro de 2012 com 14,2 mm de altura pluviométrica

e o mês de dezembro de 2012 com 22 mm de altura pluviométrica, foram os

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meses com menores alturas pluviométricas registradas e não apresentaram eventos

enquadrados na classe de intensidade diária Ci2.

5) Os meses que apresentaram ocorrência de classes de intensidade diária Ci3

foram março e setembro no ano de 2012 e janeiro e março do ano de 2013,

destacando-se que embora o mês de janeiro tenha apresentado maior altura

pluviométrica com 276,8 mm, o mês de março de 2013, com altura pluviométrica

de 208,4 mm, foi o único que apresentou a ocorrência de dois eventos

enquadrados na classe diária de intensidade Ci3.

Tabela 5.1 – Classes diárias de intensidade de chuva segundo altura pluviométrica da estação do Rio Centro, no período de janeiro de 2012 a março de 2013.

Classes de intensidade

diária

Mês Rio Centro Ci1 Ci2 Ci3

(mm) Janeiro 142 10 2 - Fevereiro 14,2 3 - - Março 125,2 8 2 1 Abril 107,2 8 3 - Maio 88,2 8 3 - Junho 118,2 7 4 - Julho 51,8 3 2 - Agosto 19,2 4 - - Setembro 98 4 1 1 Outubro 46,8 3 3 - Novembro 78,2 14 3 - Dezembro 22 6 - - Janeiro 276,8 9 8 1 Fevereiro 91,6 3 4 - Março 208,4 14 3 2 Total 1487,8 104 38 5

O estudo de Togashi16 (2011), a partir de uma análise decenal (2001 a

2010), demonstrou que o regime pluviométrico no Rio Centro é principalmente

determinado por chuvas com intensidade diária entre 10,1 mm e 50 mm (classe de

intensidade diária Ci2). As chuvas com intensidade entre 50,1 mm e 100 mm

16 A semelhança entre o comportamento pluviométrico do rio Centro e do Caçambe está associada, notadamente, pelo controle da chuva por dinâmica de massas de ar (Togashi, 2011).

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(classe Ci3) contribuíram menos que as chuvas com intensidade inferior à 10 mm

(classe Ci1).

O ano de 2007 apresentou-se como exceção, uma vez que o volume de

chuvas com intensidade diária enquadrada na classe Ci2 foi baixo, fato que

determinou o referido ano como o menos chuvoso na análise decenal de 2001 a

2010. Em contrapartida, os anos mais chuvosos (2002,2006 e 2010), apesar da

restrição de ocorrência de eventos de classe Ci4, foram determinados pela

frequência de classes diárias Ci2 e Ci3. Nota-se que, embora a ocorrência de

maiores volumes de Ci4 e Ci2 no ano de 2010, este não foi o ano mais chuvoso

pela baixa ocorrência de chuvas de classe Ci3, que segundo o autor, determina o

maior volume de chuvas no verão (estação chuvosa) e no início do outono. Cabe

ressaltar que, embora determinante por não elevar o ano de 2010 como o mais

chuvoso, a classe de intensidade Ci3, muito atuante em eventos potencialmente

geradores de movimentos de massa, apresentou tendência de crescimento de

eventos enquadrados nesta classe (Ci3) nos meses de dezembro a abril, onde o

mês de janeiro apresentou-se como exceção.

Os dados obtidos sugerem que embora o ano de 2012 tenha sido um ano

seco, com altura pluviométrica total de 911 mm, a maior ocorrência de chuvas

com intensidade Ci2 no mês de janeiro pode ter determinado o mesmo com o mais

chuvoso do referido ano, enquanto a ausência de eventos enquadrados nessa

classe nos meses menos chuvosos (fevereiro e dezembro), pode ter determinado o

ano de 2012 como um ano seco, uma vez que o estudo da análise decenal de

Togashi (2011) apontou esses meses como os mais úmidos. A ocorrência de dois

eventos inseridos na Ci3 nos meses de março e setembro de 2012, não foi

determinante para considerar nenhum dos dois meses citados como o mais úmido

no ano, embora do ponto de vista de processos erosivos, a ocorrência de chuvas

dessa classe de intensidade diária apresentou-se relacionada com os meses de

maior produtividade de sedimentos, conforme serão descritos mais adiante.

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5.2 Precipitação direta no Caçambe e no Rio Centro

Os resultados obtidos são relativos ao período amostral de abril de 2012 a

março de 2013, totalizando um ano de amostragem. As observações que vão

nortear as análises dos dados (Figura 5.3) no presente subcapítulo são as seguintes

expostas: 1) Durante o período amostral, a sub-bacia do Caçambe apresentou total

pluviométrico de 1410 mm, enquanto que a estação do Rio Centro apresentou

1206 mm. 2) Foi observado um aumento de 204 mm de volume de chuva no

Caçambe (a 200 m de altitude) o que corresponde a aproximadamente 17% de

superioridade em relação ao regime pluviométrico do Rio Centro (10 m). 3) O

valor de r²= 0,96 e a disposição das linhas de tendência sugerem a similaridade do

regime pluviométrico entre as áreas.

Figura 5.3 - Precipitação mensal e linhas de tendência no período de abril de 2012 a março de 2013, no Rio Centro e no Caçambe.

A autora Nogueira (2008) encontrou para o período de fevereiro de 2007 a

novembro do mesmo ano, o total de precipitação direta no Caçambe de 956,7 mm

e 721 mm no Rio Centro, caracterizando o ano de 2007 como um ano pouco

chuvoso. O estudo de Togashi (2011) encontrou para o período de novembro de

2010 a novembro de 2011 os totais pluviométricos de 1931 mm para o Rio Centro

e 2.537 mm para o Caçambe, constando em 22% a mais de volume de chuva do

que o total pluviométrico observado no Rio Centro. O resultado estatístico de

Nogueira (2008), na correlação entre Caçambe e Rio Centro, foi para R2 = 0,95. O

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estudo de Togashi (2011) encontrou para a mesma correlação o valor r2 = 0,9450

e para correlação de Spearman = 0,93. Os dados sugerem confiabilidade

estatística para análise do regime pluviométrico na área, embora o autor não tenha

encontrado valores que indicassem confiança em r2 e Spearman para o período do

inverno, com aumento dos valores percentuais provavelmente associados à

ocorrência de eventos de baixa magnitude. As demais distinções das alturas

pluviométricas entre as áreas provavelmente está associada ao efeito orográfico.

5.3 Classes interpluviais da estação meteorológica do Rio Centro A análise dos dias sem chuva permite avaliar a interferência da ocorrência

do fluxo superficial observado em campo e possível abastecimento a nível

freático. Do ponto de vista ecológico, a identificação das referidas classes se

mostra extremamente relevante, onde a susceptibilidade dos ecossistemas aos

distúrbios, de ordem natural ou antrópica, apresenta influência pela ocorrência de

períodos secos, como exemplo da susceptibilidade a incêndios. As classes

interpluviais propostas por Figueiró (2005) consistem em um total de quatro

classes onde a classe 1 (Sc1) enquadra 1 a 3 dias consecutivos sem ocorrência de

chuva; a classe Sc2 enquadra 5 a 7 dias sem chuva; a classe Sc3 enquadra 8 a 12

dias sem chuva e a classe Sc4 acima de 12 dias sem ocorrência de chuva.

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Tabela 5.2 – Classes interpluviais segundo dados da estação meteorológica do Rio Centro, no período de janeiro de 2012 a março de 2013.

Classes Interpluviais

Mês Sc1 Sc2 Sc3 Sc4

Janeiro 2 - 1 - Fevereiro - - 1 1 Março 4 2 - - Abril 2 2 - - Maio 1 1 - 1 Junho 2 1 1 Julho 2 1 - 1 Agosto 1 2 - 1 Setembro 2 - - 1 Outubro 2 1 1 Novembro 7 - - - Dezembro 1 1 1 Janeiro 6 1 - - Fevereiro 2 - - 1 Março 8 - - - Total 40 12 5 8

Para análise das classes interpluviais no período amostral de janeiro de

2012 a março de 2013 (Tabela 5.2), destacam-se algumas observações:

1) O ano de 2012 apresentou, segundo dados do Rio Centro, pluviometria de 911

mm com ocorrência de 8 meses com pluviometria inferior a 100 mm.

2) Dentre os 8 meses que apresentaram pluviometria inferior a 100 mm, seis

meses considerados secos (<100 mm) se apresentaram consecutivos, sendo estes

julho, agosto, setembro, outubro, novembro e dezembro.

3) No ano de 2012, o mês mais seco foi fevereiro com altura pluviométrica

registrada em 14,2 mm, enquanto o mês mais chuvoso foi janeiro com 142,6 mm.

4) O fluxo superficial observado em campo reforça a hipótese que o

abastecimento freático observado na área, provavelmente está associado com

características locais, destacando-se a geomorfologia composta por solos rasos e

declividades acentuadas que, associadas à presença de fraturas nas rochas do

embasamento cristalino, provavelmente direcionaram os fluxos para locais como

o observado em campo.

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5) Ao contrário do fluxo de superfície observado em junho e início de julho de

2012, o fluxo de superfície observado durante o primeiro trimestre de 2013,

provavelmente resultou da ocorrência de eventos pluviométricos com menor

frequência e maior intensidade, como observados em janeiro e março do referido

ano. Cabe ressaltar que o fluxo superficial, iniciado em janeiro de 2013, se

apresentou de maneira intermitente até a conclusão do presente estudo.

6) O período analisado no ano de 2013, entre os meses de janeiro e março,

sugerem que o referido ano será um ano com pluviometria superior ao ano de

2012, onde o total da altura pluviométrica dos referidos meses (576,8 mm)

correspondem à aproximadamente 63% do total pluviométrico observado no ano

de 2012 (911 mm).

O estudo de Togashi (2011) apresentou resultados que sugerem uma

diminuição no número de dias sem chuva no período decenal de 2011 a 2010 e

um aumento da intensidade dos eventos de chuva. O autor utilizou o critério de

Figueiró (2005) para análise de distribuição de meses secos (<100 mm.mês-1). O

autor indicou que no período de uma década (2011-2011) os intervalos sem chuva

mais frequentes foram os enquadrados na classe Sc1, seguidos por períodos

enquadrados na classe Sc2. As classes Sc3 e Sc4 apresentaram redução no período

de análise, embora Sc3 tenha se apresentado ligeiramente mais frequente que Sc4.

Os resultados do autor indicaram a redução de períodos mais longos de seca no

decênio.

5.4 Abastecimento a nível freático, fluxo superficial de saturação e funções ecossistêmicas na sub-bacia do rio Caçambe

A hipótese de abastecimento a nível freático foi levantada a partir de

observação em campo, portanto figura como objeto de uma reflexão, porém digna

de registro no presente trabalho. Estudos relacionados ao abastecimento do lençol

freático são de extrema relevância, uma vez que os problemas oriundos da

escassez hídrica acarretam nas mais diversas manifestações de sociedades frente

às dinâmicas naturais. Sabe-se que diversas sociedades se estabeleceram em

regiões vislumbrando a disponibilidade de água, o que permitiu desde o

desenvolvimento da agricultura e domesticação de animais até disputas territoriais

intensas que culminam em guerras e mecanismos de exploração. Tais fatos,

embora não menos importantes e provavelmente cruciais nos processos de

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territorialização, excedem o alvo de investigação do presente estudo que será aqui

descrito somente sob a perspectiva de um registro das observações em campo.

Os grupos de rochas cristalinas apresentam como principais meios de

ocorrência de água subterrânea o manto de intemperismo e as descontinuidades,

como exemplo das falhas e planos de foliação. Duas subzonas se destacam nos

aquíferos fraturados de zonas úmidas, sendo estas a rocha fraturada e o manto de

intemperismo (regolito), que atua como um aquífero de porosidade granular que

interfere nas condições de circulação, armazenamento e infiltração da água

subterrânea antes de atingir a rocha fraturada (NEVES, 2005).

Autores como Lachassange et al.(2001), (apud NEVES, 2005), indicam

que a espessura do manto de alteração é um importante componente para

manutenção da disponibilidade de água subterrânea por longos períodos em

substratos cristalinos. Os referidos autores sugerem que em níveis de

sobreposição, da base para o topo, i) a rocha sã, permeável apenas localmente nos

locais afetados por fraturamento tectônico; ii) a zona intermediária, alterada e

fissurada com gênese na descompressão dos processos de alteração; iii) a camada

alterada superficial, que consiste na composição argilo-arenosa que confere baixa

permeabilidade, mas significativa capacidade de retenção de água.

Embora a porosidade seja maior nas regiões próximas ao topo do saprolito,

a condutividade é maior na interface entre o saprolito e o topo da rocha sã, onde a

condutividade é dependente da presença de fraturas abertas. Para níveis de

observação teórica, a porosidade da rocha sã varia entre 0,1% e 1%, enquanto a

rocha alterada pode apresentar até 45% de porosidade. A condutividade hidráulica

varia em uma ordem de 10-6 a 10-3 ms-1, o que depende do grau de fraturamento e

intensidade do intemperismo que por sua vez dependem da profundidade e

causam variações na distribuição da capacidade específica. Partindo desse

princípio, uma simples fratura de 1,0 mm de abertura pode transmitir mais água

do que 900 fraturas planares de 0,1 mm de abertura (NEVES, 2005).

Em virtude da impossibilidade de realizar estudos geológicos que

permitam vislumbrar as dinâmicas descritas acima, a relação com fontes exógenas

como clima e pluviometria, atua aqui como importante registro para futuro

estudos na área que almejam identificar as minúcias de abastecimento ao nível

freático na região. Embora indicadores como a densidade de canais, conforme

observado por Costa (2002) na bacia do rio Camorim, com 50 segmentos de

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canais em uma área de 6,96 km2, permitam vislumbrar uma análise qualitativa da

permeabilidade de uma região, uma vez que rochas impermeáveis tendem a

estabelecer mais canais, o enfoque apresentado foi direcionado somente a partir da

relação entre as observações de campo e os eventos pluviométricos.

Embora não tenham sido realizadas análises que permitissem discutir com

maior acurácia a ocorrência do fluxo superficial de saturação, ressalto que a

hipótese de abastecimento a nível freático resulta principalmente de três

observações:

1) A umidade antecedente e a saturação do solo a partir da ocorrência de eventos

chuvosos subsequentes, evidenciadas em testemunhos do aumento da vazão do rio

observados em campo, notadamente a partir do transporte de grandes quantidades

de sedimentos grosseiros depositados nas margens do rio (Figura 5.4).

2) A ocorrência de fluxo superficial está associada com dinâmicas locais, uma vez

que não foi observada nas demais regiões a montante na floresta da sub-bacia do

rio Caçambe. Esta dinâmica, provavelmente está associada com o substrato

litológico, notadamente a partir da presença e direcionamento de fraturas,

notadamente sob a influência de declividades mais acentuadas na montante.

3) O fluxo superficial observado após os períodos com volumes pluviométricos

elevados, a partir da identificação de zonas de exfiltração, sugerem a ocorrência

do fluxo superficial de saturação descrito por Dunne (1970), evidenciado no

afloramento do lençol freático na área amostral. Outro fator ganha destaque nessa

perspectiva, a partir da evidência de atividade de bioescavação (toca),

provavelmente abandonada por submersão, atuando como uma zona de

exfiltração.

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Figura 5.4 – Sedimentos depositados na margem do rio Caçambe após os eventos de janeiro de 2013. Foto: Rogério Ribeiro de Oliveira.

Negreiros (2011) observou para três estágios sucessionais florestais no

maciço da Tijuca, diferentes razões entre escoamento superficial e precipitação.

As diferenças nas razões encontradas estão associadas com as distintas dinâmicas

de regeneração e diferenças na cobertura vegetal afetando os processos

hidrológicos. Para a área de revegetação induzida, a razão

escoamento/precipitação apresentou-se na ordem de 3,98%, enquanto que para

revegetação espontânea e borda florestal, apresentaram-se com 3,23% e 1,52%,

respectivamente. A razão média entre escoamento/atravessamento para os três

estágios de regeneração foram 5,2% para revegetação induzida, 3,8% para

revegetação espontânea e 3,3% para borda florestal. Embora qualquer

extrapolação para comparação com o escoamento observado na área amostral na

sub-bacia do rio Caçambe, seja somente em virtude da localização em um maciço

montanhoso na cidade do Rio de Janeiro, esse dado observado por Negreiros

(2011), torna-se deveras pertinente para a discussão do presente estudo. Mesmo

sob distintos históricos de ocupação e particularidades de ordem geo-

hidroecológicas que revelam as diferenças entre os dois maciços, cabe ressaltar

que os maiores valores de escoamento encontrados na tipologia revegetação

induzida, coforme sugere o autor, podem estar associados com o aporte de

serrapilheira com características de decomposição mais lenta nesta tipologia

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quando comparada com as demais. Nesse caso, a interação entre as dinâmicas

naturais e intencionalidades humanas, resulta em uma organização que

absolutamente não seria a escolhida, caso pudesse fosse, nas ações de replantio.

Tal fato é sugerido pela maior ocorrência do escoamento superficial, uma vez que

o referido processo apresenta-se como um importante componente desencadeador

de processos erosivos.

Diante dessa perspectiva, ressalto novamente que a capacidade de

interceptação (I) florestal no Caçambe, estudada por Togashi (2011), apresentou,

conforme esperado, um aumento para dosséis mais densos. O atravessamento

decresceu conforme o gradiente mata secundária inicial (SI) – borda – floresta

secundária avançada (SA). A cobertura vegetal de SA apresentou maior

eficiência na interceptação de diferentes intensidades de chuva (em torno de 25%

de um total de 2.537 mm no período de 2009/2010). A resultante sistêmica desse

processo é exemplificada na capacidade de armazenamento de água na bacia do

rio Caçambe, que aponta para uma estimativa de armazenamento de

aproximadamente 140 mm/ha/ano em apenas 795 ha de vegetação medianamente

preservada (TOGASHI et al., 2012). Se considerarmos a capacidade de estocagem

da serrapilheira na mesma área, em torno de 158% a 600% do seu peso seco

(SANTOS, 2009 e SOUSA et al., 2009) a estocagem total de água dessas florestas

será bem superior, o que se reflete em uma função ecossistêmica que justifica a

importância dessa floresta e seu histórico para a sociedade.

Os dados encontrados por Negreiros (2011), Togashi (2011), Santos

(2009) e Sousa et al.(2009), sugerem não somente a importância das funções

ecossistêmicas, mas também que, a partir de investigações de interações humanas

e naturais, descritas no comportamento da floresta do Camorim, as dinâmicas

naturais (e.g. produção de serrapilheira e processos erosivos) podem auxiliar na

conexão do passado com o futuro, onde o fator temporal, representado nas

análises de eventos chuvosos, contam a história de um ecossistema. Ressalto que

essa história apresentará influência determinante na maneira como as distintas

sociedades, em seus respectivos tempos históricos, vão apresentar padrões de

espacialização a partir da transformação de uma paisagem condicionante e

condicionada a esses padrões.

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5.5 Erosão e granulometria

Algumas observações se destacam na análise dos resultados obtidos:

1) O objetivo desta análise foi verificar a taxa de material erodido por

hectare no período de um ano na sub-bacia do rio Caçambe. Algumas

complicações metodológicas relativas à coleta dos sedimentos foram sanadas após

o mês de setembro de 2012, a partir de adequações no procedimento de coleta. A

ocorrência do fluxo de superfície e a ausência de uma metodologia que

possibilitasse o esvaziamento pleno do reservatório retardaram o período de

coleta, que veio a ser solucionado pela utilização da mangueira, conforme

demonstrado no subcapítulo 4.3.2.

2) Não obstante ao referido fato do atraso nas coletas, as observações de

campo permitiram vislumbrar o início de um processo investigativo para levantar

hipóteses de abastecimento ao nível freático, conforme demonstradas no

subcapítulo 5.4.

3) O material mensurado em campo (em quilogramas) conteve a presença

de matéria orgânica de origem vegetal e de água, que apresentaram influência nas

mensurações de campo.

4) A presença de atividades de escavação pela fauna fossorial e tocas nas

adjacências do reservatório provavelmente apresentaram influência nas análises

granulométricas, assim como nas dinâmicas de infiltração e exfiltração de água no

solo. Tal fato justifica a importância de atentar para esses fatores.

5.5.1 O total erodido Os resultados indicam que no período de setembro de 2012 a março de

2013, o quantitativo de material erodido foi de 315,9 kg. Considerando a área de

contribuição na bacia, acima da cota 180 m, de 19,84 hectares, pode-se dizer que a

quantidade de material erodido durante o período amostral foi de 15,92 kg.ha-1.

Por se tratar de uma paisagem compostas por mosaicos, resultantes de distintas

interações em diferentes temporalidades, embora não seja possível discriminar

com segurança as áreas de maiores contribuições de sedimentos, algumas

observações destacam-se nesse contexto, sendo estas:

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1) Embora o período amostral possa ser considerado reduzido para a análise de

padrões de geração de sedimentos, os resultados sugerem que, embora não

dissociados das particularidades de cada área analisada, os processos erosivos

apresentam seus maiores quantitativos em eventos únicos.

2) Os resultados obtidos no primeiro trimestre do ano de 2013 demonstram esse

fato. O material coletado nos meses de janeiro e fevereiro correspondeu a

aproximadamente 55% do total erodido no período de coletas e o material

coletado no mês de março correspondeu a aproximadamente 38 % do total

coletado no período amostral. Os dados obtidos no referido trimestre

corresponderam a aproximadamente 93% do total obtido no período amostral.

3) A análise dos resultados permite observar que a produção de sedimentos

apresentou relação com o aumento da intensidade dos eventos pluviométricos.

Porém, a partir da análise conjunta com os dados de classes diárias de chuva e

períodos de intervalos pluviais (sub-capítulos 5.3 e 5.4, respectivamente) foi

possível relacionar a produção de sedimentos com a umidade antecedente do solo.

No mês de janeiro de 2013, a ocorrência de chuvas consecutivas, provavelmente

favoreceu a atenuação das forças de coesão do material particulado no solo,

permitindo o desencadeamento dos processos erosivos com elevadas cargas de

sedimentos. As figuras 5.4 e 5.5 demonstram esse fato.

Figura 5.5 – Amostras de sedimentos gerados em janeiro de 2013, pesados in situ na sub-bacia do rio Caçambe. Foto: Rogério Ribeiro de Oliveira.

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O trabalho de Avelar (2003), realizado no alto curso dos rios Bananal e

Paca Grande, localizados na área montanhosa do município de Bananal (SP),

indicou que a partir da análise comparativa entre três coberturas vegetais distintas

(gramínea, gramínea com herbácea e floresta secundária tardia à clímaxica)

presentes nas duas bacias analisadas, os maiores valores de transporte de

sedimentos e escoamento superficial observados na bacia do rio Paca Grande

estavam relacionados com a maior frequência e volume de chuvas. O autor indica

que a umidade antecedente do solo permitiu a perda de coesão aparentemente

promovida pela sucção permitindo o arrasto de partículas de solo nas áreas de

maior ocorrência do escoamento superficial e transporte de sedimentos, neste caso

na bacia do rio Paca Grande. Os valores de perda de solo (erosão) para a cobertura

florestal foram de 0,15g/litro, destacando-se que as sequências de dias chuvosos

culminavam em chuvas com aproximadamente 25 mm.

Nacinovic (2009), em um trabalho realizado na bacia do córrego sujo, em

Teresópolis no Rio de Janeiro, analisou os processos erosivos em distintas

coberturas vegetais. O resultado de produção de sedimentos para área de floresta,

caracterizada como Ombrófila Densa Montana, secundária com distintos estágios

sucessionais foi de 0,61 kg/ha/ano-1. Para a cobertura vegetal de pasto, o autor

encontrou 4,55 kg/ha.ano-1, enquanto que para a cobertura vegetal de floresta em

estágio de recuperação, a produção de sedimentos foi 25,01 kg/ha.ano-1. A média

do potencial de arraste de sedimentos para cobertura florestal foi de 1,5 kg/ha.ano-

1. Para área de pasto, a média do potencial de arraste foi de 0,41 kg/ha.ano-1 e para

área de cobertura vegetal de floresta em estágio de recuperação foi de 1,5

kg/ha.ano-1. O autor indica que as menores taxas de escoamento superficial e de

produção de sedimentos na área de cobertura vegetal de floresta estão associadas

com a presença de grandes quantidades de serrapilheira e raízes, que no primeiro

caso, protegem e conferem ao solo melhor estruturação decorrente da

decomposição de material orgânico, e em ambos os casos permitem melhor

infiltração da água da chuva e adquirem a funcionalidade de barreiras físicas que

diminuem as potencialidades dos processos erosivos pela ação do escoamento

superficial.

Coelho-Netto (1985), em um trabalho realizado na bacia do rio Cachoeira,

no maciço da Tijuca, Rio de Janeiro, encontrou, a partir de mensurações somente

nos períodos chuvosos, a produção de sedimentos de 975 ton.ano-1, com uma taxa

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de 278 ton/km2/ano. A autora ressalta que a presença de clareiras pode ter

apresentado dominância na contribuição de sedimentos na bacia analisada. A

referida autora, em um trabalho posterior, realizado na Capela Mayrink, localizada

na Floresta da Tijuca, observou que durante um evento de precipitação de 380 mm

em menos de 24 horas ocorrido em fevereiro de 1996, acarretou na ocorrência de

cicatrizes erosivas superiores a 500 m2, onde foram transportados

aproximadamente 1.000.000 m3 de solo (COELHO-NETTO, 1985, 1996 apud

NEGREIROS, 2011).

Negreiros (2011), ao analisar as resultantes hidro-erosivas em clareiras de

deslizamentos no maciço da Tijuca, no Rio de Janeiro, indicou que as cargas de

sedimentos aumentam na mesma proporção do escoamento superficial, fato que,

mesmo sob uma estimativa visual, foi observado no presente estudo. Para os

períodos analisados na bacia do rio Fazenda, o autor observou rápida resposta da

bacia durante os eventos pluviométricos com maior intensidade. Os acúmulos de

sedimentos transportados pela carga de fundo foram de 5,9 m3 durante um único

evento em abril de 2010 com 138 mm de chuvas; 0,67 m3 no período de dezembro

a maio de 2011 e 3,90 m3 no período de abril a maio de 2011. Para os relativos

períodos analisados, os valores de transporte de carga de fundo, na área da bacia

foram de 2,6 x 10-5 m3/m2; 3,0 x 10-6 m3/m2 e 1,7 x 10-5 m3/m2, respectivamente.

O autor analisou os mesmos parâmetros no riacho Solidão, também no maciço da

Tijuca e encontrou para o período de abril de 2011 (em único evento), janeiro a

abril de 2011 e abril a maio de 2011, os respectivos valores de sedimentos

transportados por carga de fundo na bacia: 1,3 x 10-4 m3/m2; 4,1 x 10-5 m3/m2 e

5,13 x 10 m3/m2.

Os dados acima expostos sugerem que os padrões de geração de

sedimentos, embora associados com as intensidades e variabilidades dos eventos

pluviométricos, demonstram importante relação com as particularidades e o

componente histórico de ocupação das áreas estudadas. Conforme descrito ao

longo do trabalho, a estrutura e a funcionalidade florestal apresentam forte

influência da sobreposição de usos em distintos tempos históricos, porém atuantes

em nossa contemporaneidade. Novamente emerge o fato que a transformação da

paisagem a partir da relação entre intencionalidades humanas e dinâmicas

naturais, não deve ser negligenciada como um elemento crucial para análise de

estudos hidrossedimentológicos, onde o pesquisador apresenta um importante

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papel na desconstrução da ideia de uma natureza homogênea e simplificada, caso

recorrente na constante recriação do imaginário e práticas de apropriação das

florestas no Estado do Rio de Janeiro.

5.5.2 Análise granulométrica

Os resultados das amostras granulométricas17 (Tabela 5.3) sugerem

aumento da quantidade (em gramas) de sedimentos mais grosseiros, com diâmetro

entre 1 mm e 4 mm, conforme aumento do período chuvoso. Tal fato pode estar

relacionado com a diminuição da força de coesão entre as partículas de solo,

promovida pela umidade antecedente. Os espaços maiores entre os grânulos de

maior tamanho exigem uma maior força de sucção para permitir o não

desprendimento das partículas (erosão). Como a presença dos grânulos de maior

tamanho (em quilogramas) se deu nos períodos com menores intervalos

pluviométricos (classes interpluviais) associados com a ocorrência do escoamento

superficial conforme observado em campo, tal hipótese pode ser reforçada. A

ocorrência de maiores quantidades de areia média - > 25 mm e < 1 mm - pode

estar associada com a ocorrência de granitos e gnaisses na região, que por

apresentarem grandes quantidades de quartzo, podem resultar na produção de

maiores quantidades de sedimentos arenosos. Cabe considerar que, segundo o

trabalho de Costa (2002), sob o ponto de vista do substrato litológico, os

deslizamentos de solo e rochas na bacia do rio Camorim apresentaram 100% de

participação dos sienogranitos do batólito Pedra Branca.

Tabela 5.3 - Percentuais granulométricos obtidos em coletas mensais na sub-bacia do rio Caçambe no período de setembro de 2012 a fevereiro de 2013.

Presença dos grãos (%)

Grânulo Areia muito

sss grossa Areia grossa Areia média Areia fina

Areia muito nnnn fina

Silte e argila

Setembro 5,75 8,62 21,18 27,12 13,98 19,26 3,82 Outubro 3,01 6,91 19,46 30,77 16,17 19,59 4,04 Novembro 7,17 6,89 18,73 30,28 16,59 17,25 3,04 Janeiro 19,96 6,58 16,99 23,69 13,51 16,51 2,73 Fevereiro 29,11 7,09 18,07 26,11 9,37 8,41 1,89

17 Cabe destacar que durante os eventos com maiores precipitações os resultados granulométricos aqui expostos estão sujeitos a alterações, notadamente pelo transporte do material mais fino durante o transbordamento do reservatório.

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5.5.3 Observações de campo e influências no processo hidrossedimentológico

Destaco como importante observação anteriormente referenciada, a

presença de uma fauna composta por mamíferos escavadores na borda do

reservatório. A ocorrência da atividade de escavação, identificada a partir dos

vestígios e presença de toca, provavelmente apresentaram influência nos

resultados hidrossedimentológicos. Esta atividade provavelmente afetou os

resultados granulométricos e quantitativos nas coletas, notadamente nos períodos

de baixas precipitações. Nos períodos de precipitações elevadas, conforme

descrito anteriormente, foi observada a ocorrência do fluxo de subsuperfície nas

tocas, adquirindo a funcionalidade de uma zona de exfiltração.

Amaral et al. (2009), indicam que a distribuição de mamíferos no maciço

da Pedra Branca, em uma escala local, está associada com o gradiente altitudinal,

o grau de perturbação ambiental e a proximidade com áreas habitadas e

antropizadas, que figuram como importantes fatores na seleção e estabelecimento

de espécies de mamíferos florestais. Os autores observaram que as áreas entre a

cota 150 m a 400 m, apresentaram os maiores números de mamíferos capturados,

onde se destacam a presença de corpos d´água e áreas de bananeiras, atuando

como um corredor para estes animais. Essas características são observadas na área

amostral. Foi realizado um ensaio granulométrico (Tabela 10) em uma amostra

gerada a partir dessa atividade. O material foi obtido a partir de uma toca

localizada na borda do reservatório, influenciando a distribuição espacial dos

sedimentos dentro do mesmo, notadamente nos períodos de baixas precipitações,

destacando-se nessa micropaisagem. Os dados demonstram diferenças mais

expressivas nas classificações areia muito fina, grânulos e areia muito grossa,

quando comparados com os resultados obtidos nas análises granulométricas. Tabela 5.4 – Ensaio granulométrico do material originado pela atividade de bioescavação na sub-bacia do rio Caçambe.

Presença dos grãos (%)

Grânulo Areia muito grossa Areia grossa Areia média Areia

fina Areia muito fina Silte e argila

32,49 9,44 17,51 23,46 9,54 6,77 0,75

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Destaco também a presença de anuros em estágio reprodutivo, onde a

característica de reprodução (disposição dos ovos em substância hidrofóbica)

afetou a presença dos sedimentos no interior do reservatório. Tal fato resultou da

concentração dos mesmos em uma pequena área que atuou como uma micro

barreira que impedia sua chegada ao interior reservatório. Destaco que esse fato

somente foi observado em dezembro de 2012, período que apresentou a menor

altura pluviométrica. Outro fator que ganha destaque nas observações de campo é

a ocorrência de formigueiros, principalmente em áreas de pasto abandonado, fato

que apresenta influência nos processos erosivos, notadamente a partir dos pipes

que permitem a injeção de água nas camadas abaixo da superfície do solo

atenuando as pressões que geram o escoamento superficial. Embora estes fatos

não tenham sido analisados de maneira quantitativa, é importante registrar a

ocorrência dessa fauna no sítio amostral, que em última análise, a partir da

dinâmica de cadeia trófica afetam diretamente os processos erosivos e a

disposição granulométrica que ocorre na área.

A ocorrência de matéria orgânica em decomposição nas análises

amostradas, provavelmente foi a variável que apresentou maior influência nos

resultados obtidos. O estudo de Freitas (2002), realizado no Parque Estadual de

Grumari, no maciço da Pedra Branca, indicou, a partir da comparação entre três

tipologias vegetais (bananal, regeneração e floresta) que

o teor de matéria orgânica no solo apresentou-se decrescente conforme o gradiente

floresta/regeneração/banana em amostras realizadas em uma amplitude de 0 a 60

cm no solo que variaram de 2,71% a 3,41%. Embora os usos pretéritos do

substrato florestal possam apresentar semelhanças, é considerável que cada área

apresente resultados distintos no que se refere à disposição de matéria orgânica no

solo, mas os resultados de Freitas (2002) permitem pensar a importância de não

negligenciar tal fato, que embora alvo de observação de campo, provavelmente

apresenta importante papel no que se refere aos processos erosivos,

principalmente a partir da agregação das partículas de solo, o que pode conferir

maior resistência à desagregação a partir do impacto de gotas da chuva.

As amostras coletadas, para análise granulométrica e pesagem in situ,

apresentaram, notadamente após os eventos de fortes precipitações, grandes

quantidades de matéria orgânica, ainda em estágios iniciais de decomposição.

Destaco que o teor de matéria orgânica no solo não foi mensurado, mas ressalto

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que no que se refere aos processos erosivos a matéria orgânica apresenta um papel

importante em como vão se desencadear tais processos. A partir de observações

em campo foi possível identificar a ocorrência de fragmentos de galhos e folhas

de embaúba (Cecropia glaziovii), bananeiras (Musa sp.) e carrapetas (Guarea

guidonia). A presença de matéria orgânica no solo foi observada nos resultados de

Roncaratti e Neves (1976) quando analisaram os sedimentos de origem

continental que compõem o complexo fluvial, notadamente nas análises das

argilas das planícies de inundação, onde os autores encontraram regular volume

de matéria orgânica de origem vegetal, composta por restos de folhas, galhos e

troncos. Do ponto de vista de processos erosivos a presença de matéria orgânica

em decomposição atua como importante atenuante da erosão, principalmente por

conferir proteção ao solo diante do impacto de gotas da chuva, resistência ao solo

a partir da estruturação de agregados e aumento na capacidade de infiltração. Do

ponto de vista histórico, por se tratar de espécies pioneiras, a carrapeta e a

embaúba, se beneficiaram de clareiras abertas na floresta, principalmente oriundas

de atividades antrópicas pretéritas, tais como descritas ao longo do presente

trabalho. Novamente, a paisagem enquanto testemunho de processos interativos

entre intencionalidades humanas e dinâmicas naturais, conta uma história de

transformação, que por sua vez afetam os espaços de reprodução de sociedades

que se inserem nesse recorte territorial (o maciço da Pedra Branca) e nas áreas

adjacentes conforme observamos atualmente. Emerge então uma nova

organização, ressaltando a complementaridade e a recursividade entre sociedade e

natureza, onde os processos erosivos podem atuar como um importante

componente que permite vislumbrar a relação entre partes e todo na complexa

relação entre sociedade e natureza na inexorável construção da paisagem.

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5.5.4 Precipitação e geração de sedimentos Tabela 5.5 – Dados de precipitação no Rio Centro e na sub-bacia do Caçambe, enquadramento em classes diárias de intensidade e classes interpluviais segundo dados do Rio Centro e quantitativos de sedimentos coletados na sub-bacia do rio Caçambe.

Conforme já citado anteriormente, a análise da dinâmica

hidrossedimentológica nos conta uma história, uma vez que apresenta

variabilidades segundo distintas temporalidades climáticas e as precipitações são

mensuradas a partir de uma relação de quantidade (altura milimétrica) por unidade

de tempo, apresentando fundamental influência no desencadeamento de processos

erosivos e preenchimento de aquíferos, elementos cruciais para pensar a

espacialização humana. Portanto, a análise da relação entre as precipitações e a

produção de sedimentos, figura aqui como importante elemento histórico que se

revela em uma paisagem profundamente transformada na complexa relação entre

dinâmicas naturais e intencionalidades humanas.

Classes de intensidade

diária Classes Interpluviais

Mês

Rio Centro Rio Caçambe Ci1 Ci2 Ci3 Sc1 Sc2 Sc3 Sc4 Sedimentos (mm) (mm) (Kg)

Janeiro 142 - 10 2 - 2 - 1 -

Fevereiro 14,2 - 3 - - - - 1 1 Março 125,2 - 8 2 1 4 2 - - Abril 107,2 125 8 3 - 2 2 - - Maio 88,2 105 8 3 - 1 1 - 1 Junho 118,2 150 7 4 - 2 1 1 Julho 51,8 70 3 2 - 2 1 - 1

Agosto 19,2 25 4 - - 1 2 - 1 Setembro 98 110 4 1 1 2 - - 1 12 Outubro 46,8 65 3 3 - 2 1 1 5

Novembro 78,2 120 14 3 - 7 - - - 4,1 Dezembro 22 20 6 - - 1 1 1 0,8

Janeiro 276,8 315 9 8 1 6 1 - - 174

Fevereiro 91,6 115 3 4 - 2 - - 1

Março 208,4 205 14 3 2 8 - - - 120

Total 1487,8 1425 104 38 5 40 12 5 8 315,9

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A pluviometria total para o período de janeiro de 2012 a março de 2013 na

estação pluviométrica do Rio Centro foi de 1487,8 mm. A pluviometria total para

o período de abril de 2012 a março de 2013 na sub-bacia do rio Caçambe foi de

1425 mm. Quando as pluviometrias obtidas nas duas áreas são comparadas sob o

mesmo período de mensuração (abril de 2012 a março de 2013), a sub-bacia do

Caçambe apresentou superioridade de aproximadamente 18% na altura

pluviométrica total em relação ao Rio Centro. É importante ressaltar que nos

meses de dezembro de 2012 e março de 2013 o Rio Centro apresentou altura

pluviométrica superior ao Caçambe com respectivas diferenças de 5 mm e 10 mm.

Embora a similaridade entre os regimes pluviométricos tenham sido sugeridas por

Nogueira (2008) e Togashi (2011), este último atenta para ressalvas no período do

inverno. Por se tratar de um trabalho com uma série temporal relativamente

pequena, ressalto que as informações das análises dos dados pluviométricos não

são representativas quando comparadas com as temporalidades descritas ao longo

do mesmo.

Os dados de enquadramento do regime pluviométrico em classes diárias de

intensidade de chuva, segundo informações na estação pluviométrica do Rio

Centro, sugerem que o ano de 2012 foi considerado um ano seco com

pluviometria total de 911 mm. Aproximadamente 75,7% dos 103 eventos de

chuva registrados no Rio Centro no ano encontram-se inseridos na Ci1;

aproximadamente 22,3% dos eventos na Ci2 e aproximadamente 1,9% na Ci3.

Para os dados referentes ao ano de 2013 (janeiro a março) a análise dos mesmos

sugere que o referido ano, quando comparado ao mesmo período do ano anterior,

poderá ser um ano com pluviometria superior, conforme exposto nas linhas de

tendência da Figura 10. A análise dos dados demonstra que no referido trimestre,

o ano de 2012 apresentou total pluviométrico de 281,4 mm enquanto que o ano de

2013 apresentou 575,6 mm, correspondendo a aproximadamente 204,5 % de

superioridade da altura pluviométrica registrada para o mesmo período no ano

anterior. Os registros nas classes de intensidade diária de chuva sugerem que a

maior ocorrência de Ci2 no ano de 2013 pode ter sido determinante para o regime

pluviométrico superior observado no trimestre do referido ano. A ocorrência de 3

eventos inseridos em Ci3 sugere um aumento na intensidade dos eventos de

chuva, notadamente quando dois eventos com pluviometria acima de 50 mm.dia-1

foram registrados no mês de março de 2013, com 57 mm precipitados em um

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intervalo de 6 horas no dia 17/03/12 e 53 mm precipitados no intervalo de uma

hora no dia 05/03/2013.

A análise das classes interpluviais podem fornecer informações precisas

para correlação com os processos erosivos, notadamente a partir da investigação

de processos como a umidade antecedente do solo. Para o ano de 2012, segundo

os dados da estação do Rio Centro, os meses com pluviometria abaixo de 50

mm.mês-1 corresponderam a fevereiro (14,2 mm), agosto (19,2 mm), dezembro

(22 mm) e outubro (46,8 mm). A única classe interpluvial presente em todos os

meses citados foi a Sc4, o que pode ter determinado os referidos meses como

secos. O mês de fevereiro apresentou até 16 dias consecutivos sem chuvas, o mês

de agosto com até 22 dias sem chuvas e os meses de dezembro e outubro com até

13 dias consecutivos sem chuva. Ressalto que, ainda para a análise dos meses

secos, as chuvas acima de 10 mm.dia-1 (Ci2) só ocorreram no mês de outubro com

3 eventos de 11,8 mm.dia-1; 12,8 mm.dia-1 e 16,2 mm.dia-1.

Para os meses com pluviometria acima de 100 mm.mês-1 que ocorreram no

ano de 2012, correspondendo aos meses de abril, junho e março com respectivas

alturas pluviométricas de 107,2 mm, 118,2 mm e 125,2 mm, não foi observada a

ocorrência de classes interpluviais Sc4. A classe Sc3 apareceu somente no mês de

junho, com 8 dias consecutivos sem chuva. Comparando os dados apresentados

com o enquadramento de classes de intensidade diária de chuva, os meses de abril

e junho de 2012 apresentaram um aumento na ocorrência de classes Ci2 com três e

4 eventos respectivamente. O mês de março apresentou somente dois eventos

enquadrados em Ci2, porém foi o único mês entre os mais chuvosos de 2012 que

apresentou a ocorrência de um evento enquadrado em Ci3, com precipitação de

51,8 mm.dia-1. Esses dados sugerem um aumento da intensidade nos eventos de

chuva que ocorreram no ano de 2012, que embora tenha se apresentado como um

ano seco, do ponto de vista da influência das dinâmicas de ordem hidrológica na

interface com a sociedade, um único evento pode afetar a memória coletiva, as

ideias de natureza e os padrões de espacialização humana.

O enquadramento em classes interpluviais no período de janeiro a março

do ano de 2013 sugere uma importante diminuição nos períodos sem chuva

quando comparados ao mesmo período do ano anterior. Os meses de janeiro e

março de 2013, com respectivas alturas pluviométricas de 276,8 mm e 208,4 mm,

não apresentaram a ocorrência de classes interpluviais Sc3 e Sc4, enquanto o mês

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de fevereiro, com altura pluviométrica de 91,6 mm, apresentou a ocorrência da

classe interpluvial Sc4, com 12 dias consecutivos sem chuva. Tal fato pode ter

influência no comportamento pluviométrico do mês de fevereiro como o de um

mês seco, com pluviometria abaixo de 100 mm.mês-1.

O mês de janeiro de 2013, apesar de ter apresentado a ocorrência de um

período de 4 dias consecutivos sem chuva, portanto inserido em Sc2,

provavelmente apresentou maior altura pluviométrica em virtude da presença de

oito eventos inseridos em Ci2, correspondendo ao maior número de ocorrência de

Ci2 no período de janeiro de 2012 a março de 2013, e de um evento inserido em

Ci3 com 66,8 mm de altura pluviométrica registrada no dia 26/01/2013.

O mês de fevereiro de 2013, embora referido como um mês seco – com

pluviometria de 91,6 mm segundo dados do Rio Centro - provavelmente não

afetou o comportamento do abastecimento hídrico na área estudada, uma vez que

uma possível escassez hídrica causada por 18 dias sem ocorrência de chuva possa

ter sido atenuada, não somente pelo referido mês ser antecedido por um mês com

elevada pluviometria, mas também pela ocorrência de quatro eventos inseridos em

Ci2. A ausência de estresse por escassez hídrica ficou evidenciada pela ocorrência

do fluxo superficial ininterrupto observado em campo.

O mês de março de 2013 apresentou as classes pluviais inseridas somente

em Sc1, com o maior período sem chuva constando em 3 dias. A ocorrência de

dois eventos de chuva enquadrados em Ci3 demonstra um importante aumento na

intensidade das chuvas, principalmente sob a ocorrência de eventos como o do dia

05/03/2013 com 53 mm precipitados no intervalo de uma hora e do dia 17/03 com

57 mm precipitados no intervalo de 6 horas.

Para análise comparativa com os dados acima expostos, do ponto de vista

de processos erosivos os maiores quantitativos de material coletado no presente

estudo foram nos meses com maiores alturas pluviométricas. Tal fato já era

esperado, mas algumas observações se destacam:

1) No período de setembro a dezembro do ano de 2012, o total de material

mensurado in situ foi de 21,9 kg. Uma análise balizada pelos dados expostos nos

parágrafos anteriores permite observar que a umidade antecedente do solo

apresentou um importante papel no desencadeamento de processos erosivos.

2) Os meses de março, abril e junho de 2012 apresentaram pluviometria com

valores acima de 100 mm.mês-1. Embora as coletas tenham se iniciado de forma

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efetiva em setembro de 2012, após resolução dos problemas causados pela

ocorrência do escoamento superficial, os referidos meses apresentaram um

importante papel no quantitativo de sedimentos coletados em setembro de 2012

que com o somatório de 12 kg de material erodido, correspondeu a 54,7% do

material coletado no ano de 2012. Destaco que esse quantitativo correspondeu ao

material gerado nos meses de abril, maio, junho e julho de 2012, onde abril e

junho constaram, conforme já exposto acima, em dois dos três meses mais

chuvosos do ano e apresentaram uma discreta tendência para o aumento da

intensidade de chuvas e menores períodos sem ocorrência de chuvas. Tal fato

torna-se relevante para pensar a ocorrência do fluxo superficial de saturação

observado em campo, que mesmo associado com dinâmicas hidro-geoecológicas

locais, embora pareça óbvio, sugere uma relação com o aumento da intensidade

dos eventos de chuva e redução dos períodos sem ocorrência de eventos chuvosos.

3) Os dados analisados apresentam um caráter descritivo, refletindo-se em uma

análise, que embora balizada em dados numéricos, é de base qualitativa, uma vez

que a incapacidade de correlacionar os dados com os demais sistemas que podem

influenciar nos resultados obtidos não fornecem a segurança necessária para

escapar de análises falaciosas traduzidas em determinismos numéricos.

4) A umidade antecedente do solo parece ter fornecido um importante papel no

desencadeamento de processos erosivos e geração de sedimentos a partir da perda

das forças de coesão. Tal fato pode ser sugerido pela presença de grãos mais

grosseiros nos períodos com maior pluviosidade.

5) Do ponto de vista histórico de transformação da paisagem e sua influência na

espacialização humana, a potencialidade de um único evento para desencadear

processos erosivos de grandes magnitudes, associado à complexidade da área

(organização a partir da relação entre ordem e desordem), é suficiente para ficar

marcado na memória humana, atravessando escalas temporais de distintas

gerações. Tal fato resulta, entre outras ideias, em reações mais imediatistas aos

eventos, corroborando para a ausência de um passado presente. Neste caso, o

evento pode se traduzir como apocalipses representados na brutalidade de uma lei

natural, afetando diretamente a sociedade e seus padrões de espacialização.

Destaco que os danos desse processo, em nosso tempo histórico, tendem a se

destinar às populações com menor poder de decisão. A ausência de um passado

presente emerge também quando essas populações acabam por vivenciar situações

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semelhantes nos períodos chuvosos seguintes. Resulta desse cenário a importância

dos processos investigativos que venham a contemplar a complexidade de áreas

sujeitas a essas situações, onde o pesquisador, não isolado do seu objeto de

análise, apresenta um papel fundamental na interpretação do mesmo, fato que

tentei reproduzir no presente estudo.

Ressalto que as ideias aqui expostas resultam de uma interpretação de

algumas representações da paisagem e dos ecossistemas que nela se inserem. A

complexidade se instala tanto na ordem dos processos (dinâmicas naturais) quanto

das ideias (intencionalidades humanas) onde homogeneidade e heterogeneidade

dialogam nos processos de representação da paisagem. Embora estas associações

sejam somente uma simplificação de tais processos, as mesmas atuam como uma

justificativa da análise complexa que optei por realizar no presente estudo, onde

os elementos apresentados, da ideia ao objeto, afirmam a importância

indispensável na revelação de fragmentos de um passado presente, contados em

sedimentos de uma história.

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116

6 Considerações finais

As conclusões do presente estudo encontram-se expostas abaixo e estão

referidas à relação de presença/ausência do passado identificado no trabalho. As

ausências de um passado presente, em última análise, estão referidas com os

processos que isentam ou negligenciam a presença de um passado que não é

estanque no tempo. Portanto, as considerações finais aqui expostas estão

relacionadas não somente com a identificação do passado atuante em nosso

tempo, mas também com processos que podem velar, intencionalmente ou não,

essa presença e corroborar para a perpetuação das ausências. Destaco que as

considerações aqui expostas não refletem a totalidade dessas relações e qualquer

identificação das mesmas pelo leitor figura como uma possibilidade de futuras

contribuições para estudos na região.

1) A coexistência de uma história geomorfológica, climática, biológica e humana,

aqui descritas, permitiu identificar que as distintas temporalidades atuam por

intermédio de suas respectivas contribuições temporais nos processos de

transformação da paisagem. É preciso evidenciar a necessidade do fator humano

para permitir a existência da paisagem enquanto construção social. Os processos

de produção do espaço podem negligenciar a referida coexistência temporal,

resultando nas ausências de um passado presente que estão descritas

detalhadamente nos tópicos seguintes.

2) A sobreposição de paleoterritórios pode atuar como importante ferramenta

analítica para interpretação das transformações conferidas às florestas pela

atividade humana. A distinção das referidas interações permite contar uma história

de transformações, regidas por intencionalidades humanas e dinâmicas naturais

testemunhadas na paisagem. É importante destacar que a complexidade

representada em níveis, figurou apenas como uma demonstração teórica que não

representa a sua totalidade. A complexidade não se apresenta em níveis, ela reside

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em si, e se apresenta como fundamental na organização dos sistemas florestais e

sua relação com as sociedades. Não há a criação de um novo estágio florestal e

sim transformação, um processo e, portanto, uma história. A sobreposição de

paleoterritórios foi aqui descrita não somente para demonstrar o papel crucial que

tiveram as populações nos processos de transformação da paisagem, mas

corrobora também para a desmistificação do termo exclusão social, uma vez que a

inexistência (exclusão) não deixa marcas. Esta afirmação aplica-se principalmente

às populações de carvoeiros do maciço. As marcas na paisagem participam

ativamente na organização dos ecossistemas e testemunham uma história que

revela que as ausências aqui identificadas não escapam o caráter de uma

representação espacial.

3) A análise dos pares dialógicos - sociedade / natureza e homogeneidade /

heterogeneidade - permitiu vislumbrar algumas motivações nas representações

atuais das paisagens na cidade do Rio de Janeiro. Os processos de recursividade

foram pensados a partir da seguinte sentença: as sociedades transformam a

paisagem e as paisagens re-configuram a espacialização das sociedades. Essa

perspectiva de análise permitiu identificar que a cidade está na floresta e a floresta

está na cidade (relação entre partes e todo). Destaco que esta análise foi balizada

nos três princípios da análise complexa sugeridos por Morin (apud Fortin, 2005),

sendo estes: o princípio dialógico, o princípio da recursividade e o princípio

hologrâmico. Um fator destaca-se nesta perspectiva e adquire o caráter de uma

importante consideração. A análise aqui realizada ressaltou a importância de

investigar com maior acurácia as diferenças, recusando uma tendência de busca

única por padrões, que embora não menos importantes, são frequentemente os

alvos principais em pesquisas ecológicas.

4) A floresta atual organiza-se através do elo entre ordem e desordem. Os

distúrbios antropogênicos, embora não representem a totalidade das interações

que ocorrem dentro do sistema, apresentam fundamental influência na

organização florestal atual. Daí resulta a possibilidade das representações da

paisagem evidenciadas em recriações do passado e tentativas de homogeneização

se traduzirem em ausências de um passado presente, e assim, ocultar uma história.

5) A emergência das paisagens espetaculares atuam como um importante

componente da ideia de natureza contemporânea. No caso da floresta do

Camorim, a exuberância paisagística de uma floresta profundamente impregnada

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de atividade humana, atua como importante componente que promove a crescente

especulação imobiliária na região. O crescimento urbano, notadamente a partir

dos imperativos da competitividade, atua como a principal fonte de pressão

antrópica identificada na fragilização ambiental das florestas da região. O

metabolismo entre sociedade e natureza então demonstra o agravamento de seu

rompimento. Nesse caso, destaca-se a substituição sistemática, mas não total, do

vivido pela representação, conforme observado por Guy Debord (1997).

6) A caracterização hidrológica, além de fundamental para pensar a espacialização

humana, figurou como um importante componente histórico, uma vez que está

associada com uma temporalidade climática e as precipitações são mensuradas a

partir da relação de quantidade por unidade de tempo. Outro fator também ganha

destaque nessa perspectiva. O desencadeamento de processos erosivos,

notadamente pela ação das chuvas, permite a emergência de um passado em

movimento contido nos processos de deposição sedimentológica que contam parte

da história geomorfológica do maciço e da planície de Jacarepaguá.

7) Os processos erosivos mostraram forte dependência dos fatores climáticos. Por

representarem a maioria dos desastres de ordem ambiental no Estado do Rio de

Janeiro, contam uma história e afetam diretamente a ideia de natureza. Os eventos

climáticos extremos fazem parte da história da cidade. As ausências de um

passado presente se revelam principalmente em reações imediatistas às situações

catastróficas que atingem a cidade desde a sua criação e na crescente exposição

dos grupos mais precarizados aos danos ambientais desses processos. O exemplo

ocorrido na região serrana do Rio de Janeiro, conforme exposto a seguir, atesta

para essa possibilidade.

Em janeiro de 2011, a região serrana do Rio de Janeiro foi acometida por

uma intensa chuva que desencadeou movimentos de massas acarretando na perda

de milhares de vidas. Eventos com elevadas pluviometrias nos meses de janeiro e

março de 2013 também culminaram na perda de vidas na região. Nas áreas onde o

desencadeamento dos movimentos de massa foram mais intensos não houve

distinção pelo dano (não há intencionalidade, mas dinâmicas naturais) aos grupos

afetados, embora possa haver ocorrência de afetações a posteriori quando da

ocorrência do evento. Neste caso, embora os danos no instante de sua ocorrência

não tenham atingido um grupo social específico, é inegável que as populações

menos privilegiadas ficam mais expostas ao perigo, notadamente a partir das

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intencionalidades humanas que tendem à manutenção do status quo das

vulnerabilidades e riscos que essas populações com limitado poder de decisão

estão inseridas, aumentando sua fragilidade diante da ocorrência de novos eventos

pluviométricos extremos, perpetuando o processo descrito no presente tópico.

8) Os processos de transformação da paisagem, regidos por intencionalidades

humanas e dinâmicas naturais, afetam e são diretamente afetados pela ideia de

natureza. A ocorrência de eventos pluviométricos extremos, comuns no Rio de

Janeiro, resulta em especulações diversas que flutuam desde esferas religiosas às

científicas, que não estão isentas da bagagem cultural de nossa sociedade

contemporânea. As resultantes desse processo no âmbito da interface

sociedade/natureza, pode se traduzir na descrença a partir das funcionalidades que

as florestas poderiam apresentar diante de situações como estas. A partir de

processos investigativos dos elementos historicizados na paisagem, emerge a

possibilidade de respostas para as referidas descrenças assim como a revelação

das intencionalidades das representações. A paisagem, então, atua como um

importante elemento que permite às diversas maneiras de observá-la, empiricizar

o tempo e revelar uma história. Portanto, a pergunta a ser respondida diante do

que foi aqui apresentado é: que florestas são essas? Talvez, e assim espero, o

estudo dos sedimentos de uma história possa contribuir nessa resposta.

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