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    32 Oliveira vianna

    Oliveira ViannaDe Saquarema Alameda

    So Boaventura, 41 - Niteri.

    O autor, os livros, a obra

    luizde CastrO Faria

    Ri o de Ja ne ir o2002

    Ncleo deAntropologiada Poltica

    NuA PQuinta da Boa Vista s/n So CristvoRio de Janeiro RJ CEP 20940-040Tel.: (21) 2568 9642 Fax: (21) 2254 6695E-mail: [email protected]

    Publicao realizada com recursos doPRONEX/CNPqMinistrio da Cincia e TecnologiaConselho Nacional de Desenvolvimento Cientco e TecnolgicoPrograma de Apoio a Ncleos de Excelncia

    A coleo Antropologia da Poltica coordenada por Moacir G. S. Palmeira, MarizaG. S. Peirano, Csar Barreira e Jos Sergio Leite Lopes e apresenta as seguintespublicaes:

    1 - A HONRA DA POLTICA Decoro parlamentar e cassao de mandato noCongresso Nacional (1949-1994), de Carla Teixeira2 - CHUVA DE PAPIS Ritos e smbolos de campanhas eleitorais no Brasil, deIrlysBarreira3 - CRIMES POR ENCOMENDA Violncia e pistolagem no cenrio brasileiro, deCsar Barreira

    4 - EM NOME DAS BASES Poltica, favor e dependncia pessoal, deMarcosOtvio Bezerra5 - FAZENDO A LUTA Sociabilidade, falas e rituais na construo de organizaescamponesas, deJohn Cunha Comerford6 - CARISMA, SOCIEDADE E POLTICA Novas linguagens do religioso e dopoltico, deJulia Miranda7 - ALGUMA ANTROPOLOGIA, deMarcio Goldman8 - ELEIES E REPRESENTAO NO RIO DE JANEIRO, deKarina Kuschnir9 - A MARCHA NACIONAL DOS SEM-TERRA Um estudo sobre a fabricao dosocial, de Christine de Alencar Chaves10 - MULHERES QUE MATAM Universo imaginrio do crime no feminino, deRosemary de Oliveira Almeida11 - EM NOME DE QUEM? Recursos sociais no recrutamento de elites polticas, deOdaci Luiz Coradini12 - O DITO E O FEITO Ensaios de antropologia dos rituais, de Mariza Peirano

    13 - NO BICO DA CEGONHA Histrias de adoo e da adoo internacional noBrasil, deDomingos Abreu14 - DIREITO LEGAL E INSULTO MORAL Dilemas da cidadania no Brasil, Quebece EUA, deLus R. Cardoso de Oliveira15 - OS FILHOS DO ESTADO Auto-imagem e disciplina na formao dos ociaisda Polcia Militar do Cear, de Leonardo Damasceno de S16 - OLIVEIRA VIANNA De Saquarema Alameda So Boaventura, 41 - Niteri.O autor, os livros, a obra, de Luiz de Castro Faria

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    54 Oliveira vianna

    Copyright 2002, Luiz de Castro FariaDireitos cedidos para esta edio

    Dumar DistribuiDoraDe Publicaes ltDa.www.relumedumara.com.br

    Travessa Juraci, 37 Penha Circular21020-220 Rio de Janeiro, RJ

    Tel.: (21) 2564 6869 Fax : (21) 2590 0135E-mail: [email protected]

    CopidesqueA. Pessoa

    EditoraoDilmo Milheiros

    CapaSimone Villas-Boas

    Apoio

    CIP-Brasil. Catalogao-na-fonte.Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.

    Faria, Luiz de Castro, 1913-Oliveira Vianna : de Saquarema Alameda So Boaventura, 41 - Nite-

    ri : o autor, os livros, a obra / Luiz de Castro Faria Rio de Janeiro : RelumeDumar : Ncleo de Antropologia da Poltica/UFRJ, 2002

    . (Coleo Antropologia da poltica ; 16)

    Inclui bibliograaISBN 85-7316-297-X

    1. Vianna, Oliveira, 1883-1951. 2. Historiadores Brasil Biograa.3. Socilogos Brasil Biograa. I. Universidade Federal do Rio de Janeiro.Ncleo de Antropologia da Poltica. II. Ttulo. III. Srie.

    CDD 928.699CDU 92(OLIVEIRA VIANNA)

    Todos os direitos reservados. A reproduo no-autorizadadesta publicao, por qualquer meio, seja ela total ou parcial, constitui

    violao da Lei n 5.988.

    F235o

    02-1532

    Para os meus ex-alunos.

    Em cinqenta anos de magistrio foram muitos,talvez milhares, mas nenhum cometeu a tolice de

    proclamar-se meu discpulo. Cada qual, sabiamente,escolheu o seu prprio caminho, e alguns atingiram culminncias.

    Orgulho-me disso.

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    76 Oliveira viannaapresentaO

    Este livro versa sobre os escritos e o itinerrio social e intelectual de Francisco Jos deOliveira Vianna (1883-1951). Poucos autores brasileiros dispuseram de acolhida crticamais consagradora, ainda em vida; raros foram alvos de tantos antemas virulentos,desde os anos setenta, quanto ele. H escritores que suscitam debates apaixonados, quelevantam poeira to densa que obscurece o signicado das mensagens que emitiu, das

    prticas que busca fundar a pertinncia. Fomos levados a escrev-lo pela estranhezaque causava, para no mencionar a indignao, a aposio de eptetos, constituindouma espcie de biombo a impedir o conhecimento derivado de uma leitura atenta. verdade que a lista dos livros publicados por Oliveira Vianna exige que o crtico noque emaranhado nas pistas opostas que o rol dos ttulos j editados e por editar, apre-

    sentado em cada novo volume dado a pblico, estabelece como nico. Tentar conhecera obra de Oliveira Vianna, a seqncia dos textos publicados ou que permaneceraminditos ou simplesmente esboados, empresa exigente, difcil. Esse obstculo liminarobrigou-nos a interrogar o signicado particular da categoria obra.

    A nossa reexo inicia, servindo-se do artigo seminal de Michel Foucault, em quequestiona que a palavra obra de um autorpossa ter por referente algo bem delimitado,dispondo de uma unidade imediata, certa e homognea. Onde haveria certezas funda-das em objetos evidentes um mesmo sujeito elaborou os escritos, responsvel peloconjunto dos textos e por cada um deles surgem escolhas de natureza epistemolgica,

    pois muitas so as alternativas para que se opte por um perl preciso do que designadoporobra de um autor. Nada impe que um indivduo adote sempre o mesmo ponto devista, a mesma perspectiva, que no haja mudana ou evoluo de suas formas de pensar.

    Diante de vises conitantes assinadas pela mesma pessoa, a simples cronologiados textos, redigidos por um s indivduo, imporia a ordem de relevncia dos livros?Diz melhor quem diz por ltimo? A periodizao da obra, a anlise das verses atribu-das pelo escritor ao seu projeto, da recepo de suas publicaes pela crtica e pelos

    pares, depende do abandono da concepo ingnua do que seja obra oupensamentode um autor. O caso de Oliveira Vianna apenas agua a necessidade de se abandonara premissa de um sujeito criador que elabore seu pensamento liberto de qualquerrestrio imposta pela existncia de mecanismos sociais e culturais.

    Aps discutir a pertinncia dos usos da noo de obra para analisar as publicaesde Oliveira Vianna, estudamos o encadeamento e a seqncia dos livros publicados,dos livros anunciados como em preparao, dos textos que permanecem inditos. Esteexame permite aprofundar a discusso sobre as permanncias e as mudanas nas posturas

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    98 Oliveira viannasumriO

    Prefciopor Afrnio Garcia e Gustavo Sor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

    caPtulo iA OBRA Uma tentativa de reconstruo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19

    O que se deve tomar como obra do autor? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23

    A obra no uma unidade imediata . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25A obra no uma unidade certa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28A obra no uma unidade homognea . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29

    Verses da obra . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34

    caPtulo iiOS LIVROS Relao em ordem cronolgica e comentrios . . . . . . . . . . . 39

    Populaes meridionais do Brasil ponto de partida para umaleitura de Oliveira Vianna . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39

    Pequenos estudos de psicologia social. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61O idealismo na evoluo poltica do Imprio e da Repblica . . . . . . . . . . . 63

    Evoluo do povo brasileiro (O povo brasileiro e sua evoluo) . . . . . . . . 65

    Plano de estudos brasileiros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68O ocaso do Imprio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70O idealismo da Constituio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72

    Problemas de poltica objetiva . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75Raa e assimilao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 80Problemas de direito corporativo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81Problemas de direito sindical. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83Instituies polticas brasileiras . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86Direito do trabalho e democracia social. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 90

    de Oliveira Vianna, em suas anlises e referncias bibliogrcas, assim como os vnculosde tais comportamentos com as prebendas com que vai sendo agraciado. O estudo darecepo dos livros, pela crtica e pelos pares, permite considerar as modalidades desua entronizao no panteo dos autores ilustres, assim como os antemas de que foialvo, quando exorcizamos atravs de Oliveira Vianna a amnsia de formas de pensarcomuns quase totalidade dos autores publicados entre 1870 e 1930.

    Finalmente o prprio itinerrio social e intelectual do escritor uminense que investigado, desde que o editor Monteiro Lobato lanou seu livro de estria Po-pulaes meridionais do Brasil at sua consagrao por seus pares e a difuso pelosenso comum acadmico e popular de questes obrigatrias, modelos explicativos, quese impem como novos princpios de ampla gama de discursos eruditos ou vulgares.

    O estudo da obra e do percurso social de Oliveira Vianna permite examinar comose modica e se elabora aquilo a que chamamos de pensamento social brasileiro;

    processos onde se forja atravs de cidos debates uma certa comunidade de pensa-mento, onde se pode discordar de quase tudo, exceto das questes que se imporiam aqualquer pretendente ao estatuto de escritor. Para utilizar uma expresso cunhada porPierre Bourdieu, quando se cria o consenso no dissenso. Cremos que assim pode-mos reetir tambm sobre a gnese das tradies nacionais de pensar o mundo social.

    No nos moveu a pretenso de dizer a verdade ltima sobre Oliveira Vianna.Ficaremos satisfeitos se este livro suscitar tantos debates animados, tantas reexesinstigantes, quanto os nossos cursos e seminrios sobre histria do pensamento socialno Brasil, onde foram apresentados pela primeira vez os esquemas explicativos aqui

    propostos. Nunca nos esquivamos de travar a polmica aberta; s temos horror su-percialidade. Gostaramos que esse discurso em mangas de camisa, parafraseandoTobias Barreto, fosse lido como um roteiro de investigao sobre as categorias e astcnicas de pensar que nos foram legadas pelos pensadores que nos precederam. Noseria esta a nossa contribuio mais frutfera para a coleo Antropologia da polticaque acolhe este volume?

    A presente edio fruto da pesquisa Trajetrias sociais de intelectuais e o pen-samento social brasileiro, nanciada pela FINEP (Financiadora de Estudos e Projetos),em que participaram Afrnio Garcia e Gustavo Sor.

    Sou grato ainda a: Helosa Maria Bertol Domingues (Curadora do Arquivo Luiz deCastro Faria MAST); Moacir Palmeira e Jos Srgio Leite Lopes (Coordenadores do

    NuAP e incentivadores incansveis do projeto nanciador da edio); Antnio Carlosde Souza Lima e Alfredo Wagner Berno de Almeida (apoio material e moral edio);Casa Oliveira Vianna (cesso da foto da capa); CRBC/EHESS (Centre de Recherchessur le Brsil Contemporain da Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales); Museude Antropologia, Crdoba e PPGAS/MN UFRJ.

    Luiz de Castro FariaOutubro de 2002

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    1110 Oliveira vianna

    preFCiO

    As reinaes intelectuaisde um ET

    Afrnio Garcia e Gustavo Sor

    Ningum, no Brasil, conhece a obra de Oliveira Vianna,entendendo que essa obra teria que ser constituda

    como objeto de anlise, mediante um estudo muitodemorado e cuidadoso entre o que ele deixou indito,

    o que foi publicado como pstumo, seus recortes, anotaes...Enm, determinar, caracterizar, delimitar a obra deOliveira Vianna uma tarefa difcil, demorada; e eu a no z

    nem vou fazer, mas conheo os livros de Oliveira Vianna.Ento que, desde j, esclarecido isso.

    (Trecho de palestra sobre Oliveira Vianna, proferida porCastro Faria em Niteri, Palcio do Ing, 14/4/89)

    Este no um livro apenas sobre Oliveira Vianna. tambm um questiona-mento exemplar sobre as noes depensamento de um nico indivduo ditoautor ou escritor ou de uma coletividade poltica e intelectual quando senomeia algo to complexo quanto opensamento social brasileiro. Atravs de

    um estudo de caso preciso e singular, com enorme rigor metodolgico, atecelagem das redes sociais e cognitivas caractersticas do que vivido comotradio nacional que se impe como um objeto central das cincias sociaiscontemporneas.

    Os debates sobre os signicados da obra de Oliveira Vianna tem sido de talmonta que tornam-se reveladores de como as interpretaes do Brasilnos anos30 forjam novos sentidos para as percepes da coletividade nacional; mais doque esquemas cognitivos para pensar a nao o prprio sentimento nacionalque se constri dessa maneira, assim como se novas cerimnias, bandeiras ou

    Problemas de organizao e problemas de direo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 92Populaes meridionais do Brasil-vol . II (O campeador rio-grandense) . . 94Histria social da economia pr-capitalista no Brasi l. . . . . . . . . . . . . . . . 95Os bandar-log e O guia Lopes: dois prefcios perversos . . . . . . . . . . . . . . 96

    outrasPublicaes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101

    O tipo brasileiro. Seus elementos formadores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101O crdito sobre o caf . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 106Formation ethnique du Brsil colonial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 107As novas diretrizes da poltica social . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 109A poltica social da revoluo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 109O homem brasileiro e o mundo de amanh . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 112Programa de teoria e prtica do processo criminal . . . . . . . . . . . . . . . . . 114

    caPtulo iiiO AUTOR Um fundador de discursividades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 119

    O lugar nos pantees de um autor entre hiprboles . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 121A biograa como explicao da obra e os discursos fundadores . . . . . . . . 129

    concluso. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 137

    escritossobreoliveiraviannaRelao parcial de fontes realmente compulsadas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 139

    bibliografiaSumria de autores e textos de valor instrumental para esta anlise . . . . . 143

    QuaDrosDo caPtulo i

    Quadro 1 A trajetria de Oliveira Vianna . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25Quadro 2 Os livros. Rol e cronograa dos lanamentos . . . . . . . . . . . . . 26

    Quadro 3 Outras publicaes Nominata e cronograa . . . . . . . . . . . . . 28

    Quadro 4 Os vrios tempos: de lanamento, de atualizao ede reatualizao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30

    Quadro 5 Os tempos da produo: uma cesura do autor . . . . . . . . . . . . . . 31

    Quadro 6 As antinomias fundadoras do discurso . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33

    Quadro 7 A cadeia dos determinismos: uma priso sem sada . . . . . . . . . 33

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    novos hinos, fossem impostos como smbolos do todo. No escapa a um leitoratento da atualidade que as tentativas de rescrever a histria do Brasil, oude prescrever as receitas para um futuro radiante do pas, criam novos mitosde origem, no sentido antropolgico da expresso.1 Por isso mesmo antes queas representaes tornem-se banais h debates speros sobre o valor que podeser atribudo a cada texto proposto por um escritor. Algumas vezes os embateschegam a eclipsar os textos originais, e faz-se uma idia de um autor e de umaobra mais pelo que dizem resenhadores, crticos ou vulgarizadores do que pelasimples leitura dos originais. Sem dvida alguma, uma das razes fundamentais

    pelas quais Castro Faria escreveu esse livro foi justamente por constatar comoa obra de Oliveira Vianna tinha-se tornado emblemtica da nacionalidade, para

    bem ou para o mal, mas as imagens dominantes que se referiam ao seu nomeestavam muito longe de poder se manter quando confrontadas ao que se podeler quando se tem em mos as primeiras edies autenticadas pelo autor. Emtom rigoroso, to caracterstico seu, esclarece: Fui levado a trabalhar comOliveira Vianna, com a inteno de contestar tpicos impensados, automatismosnegativos do chamadopensamento social brasileiro. (...) preciso ter coragem

    de jogar fora o que est errado. Qualquer cincia s progrediu no momento emque surgiu algum que tivesse coragem de dizer no. Podemos reter tambmdesse estudo exemplar o quanto os sentidos de uma obra so criaes coleti-vas. O texto de Castro Faria no motivado pela fascinao biobibliogrca

    pelo autor dePopulaes Meridionais do Brasil: simplesmente os escritos deOliveira Vianna abarcam um conjunto de problemas fundamentais da histriacultural brasileira que os tornam bons para pensar como no Brasil se tecem asrelaes entre cultura e poder.

    O interesse de Luiz de Castro Faria por questes hoje em dia classic-veis sob o rtulopensamento social brasileiro sempre esteve ligado prticada antropologia tal como a aprendeu no Museu Nacional desde 1935, quando

    passou a colaborar estreitamente com Heloisa Alberto Torres, a entender no

    s o que haviam feito Dona Helosa e Roquette Pinto, mas tambm quem eramesses protagonistas entre as elites reinventoras da autnticacultura brasilei-ra. O acesso literatura internacional sempre fez parte do quotidiano do seuexerccio do ofcio de antroplogo: Castro Faria freqentemente rememora a

    prtica semanal de ir examinar na biblioteca do Museu Nacional os peridicoscientcos do mundo inteiro que chegavam por fora do intercmbio interinsti-tucional. Sabe-se que a biblioteca do Museu Nacional herdeira de bibliotecastrazidas pela corte portuguesa e foi permanentemente atualizada pela inscr iodesse centro de pesquisa em histria natural como ponto em uma rede de

    instituies de prestgio internacional. Em sua cultura prossional, a leiturados clssicos brasileiros se soma leitura dos autores de ponta no debateantropolgico do momento. Esse livro mostra bem como o acesso ao mago dasquestes e dos instrumentos de investigao propostos por Pierre Bourdieu e porMichel Foucault desde o nal dos anos 60 permite a Castro Faria desenvolveruma reexo absolutamente original sobre a vida e obra de Oliveira Viannae sua contribuio para a redenir os contornos da brasilidade. Luiz de Cas -tro Faria leu Oliveira Vianna durante a sua formao como antroplogo; bemantes de serem publicados os livros de Michel Foucault e Pierre Bourdieu querenovam a sociologia do conhecimento. Este livro mostra como se aproprioudas ferramentas intelectuais propostas por seus colegas franceses para repensaros sentidos dos textos do pensador uminense e sua relao com esta entidadede razo chamada depensamento social bras ileiro.

    Consultando os arquivos de Castro Faria, a primeira referncia obra deOliveira Vianna pode ser detectada em 1951. No peridico Letras Fluminen-

    ses n6 de maro/julho de 1951, nmero especial em homenagem a este autorrecentemente falecido, Castro Faria mencionado junto a Djacir Menezes,

    Loureno Filho, Fernando de Azevedo, Alberto Lamego Filho, Marcos AlmirMadeira, Costa Pinto e outros escritores igualmente festejados que iriamcompor um livro de ensaios inditos sobre os vrios aspectos da obra domestre (Trs livros sobre Oliveira Vianna, op. cit., p. 4). Nota-se pelas ob-servaes margem daquela publicao que muitas foram as vezes que CastroFaria as consultou e reetiu sobre o signicado da transmisso dos discpulos damensagem do mestre. Cada vez mais se distanciou da condio de discpuloe tornou-se crtico tanto dos sacerdotes do culto aos grandes vultos da literaturaquanto dos seus pares que tem a condio de detratores de algum por nicaestratgia de autoconsagrao. Talvez passassem por sua cabea dvidas comoestas: como entender o fato que seu nome e seus projetos fossem assimiladosa esse conjunto particular de intelectuais? Em 1951, j fazia parte do quadro

    de professores da Faculdade de Filosoa da Universidade Federal Fluminense,aonde havia ingressado trs anos antes: como se situar entre colegas que se

    percebiam como uminenses? Quem passava a ser ele nesse espao acad-mico com suas genealogias, pantees, destinos previsveis?

    Desde o incio dos anos cinqenta, em cadernos da Papelaria Unio, CastroFaria acumulou centenas de documentos e chas que propiciassem um estudoda obra de Oliveira Vianna. V-se a esboos de cursos, transcries de trechosdos escritos de Oliveira Vianna classicados por diferentes entradas (categorias/tempos/classicadores etc.). Muitas anotaes datam dos anos 50, outras dos

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    anos 60. Porm s no incio dos anos 70 encontram-se as notas preparatriasde uma conferncia: A importncia de Populaes Meridionais do Brasil

    para o inicio de uma leitura de Oliveira Vianna; tal palestra foi efetivamentepronunciada durante o Ciclo de Estudos Fluminenses, promovido pela UFF epelo MEC, em 19 de novembro de 1973. Por essa poca, Castro Faria integravao corpo docente do Programa de Ps-Graduao em Antropologia Social doMuseu Nacional, de cuja fundao em 1968 participou juntamente com seusidealizadores Roberto Cardoso de Oliveira e David Maybury-Lewis. O ambienteintelectual dos pesquisadores e docentes do mestrado do Museu estimulou Cas-tro Faria a submeter o conhecimento que tinha adquirido sobre os escritos deOliveira Vianna a novas interrogaes e instrumentos de anlise. Desde entose constata a progressiva elaborao do modelo de compreenso expresso notexto deste livro. Em 1978 oBoletim do Museu Nacional n29, publicou Po-

    pulaes Meridionais do Brasil: ponto de partida para uma leitura de OliveiraVianna, texto que retomava palestra feita no mbito dos seminrios do PPGAS.

    sobretudo durante a vigncia do projeto de pesquisa Trajetria socialde intelectuais e o pensamento social no Brasil, iniciado em 1986-87 e nan -

    ciado pela FINEP, que este estudo comea a ganhar nova forma. Neste mbitoexaminou-se a relao entre as trajetrias sociais e intelectuais de escritoresrelevantes do pensamento social brasileiro, como Tobias Barreto, SilvioRomero, Euclides da Cunha, Alberto Torres, Nina Rodrigues e muitos outros

    participantes do debate intelectual entre os anos 1870 e 1930. Note-se queCastro Faria aprofundava neste projeto de pesquisa anlises e perspectivas que

    j tinha abordado entre os anos 1977 e 1980 nos seminrios de doutorado doPPGAS.2 As ementas do perodo comprovam seu uso de Michel Foucault paraquestionar a prpria noo de autor de um texto e tambm da categoria mesmade obra; da mesma forma usava artigos e livros de Pierre Bourdieu para umaleitura detida de cada texto de autores chaves do panteo nacional atravs deuma perspectiva relacional imposta pelo conceito de campo intelectual, em

    que o titular e os estudantes do seminrio se obrigavam a inquirir sobre asrelaes entre os autores, os editores, os crticos, as instncias de consagraoe o pblico leitor. O mtodo adotado para o conjunto dos autores e das obrasera o mesmo daquele aplicado a Oliveira Vianna, que no podia ser percebidoseno como um dentre vrios competidores pelo monoplio da imposio deuma determinada representao de Brasil. Mas claro que entre os quinze se-minrios do semestre sentia-se que a sesso dedicada a Oliveira Vianna tinhasempre um lugar de destaque ou sabor de experincia-chave.

    A paixo de Castro Faria pela necessidade de rediscutir a recepo da

    obra de Oliveira Vianna no se prendia ao fato de terem compartilhado a resi-dncia do outro lado da baa de Guanabara, em Niteri; sua ira sagrada surgiaa cada publicao em que interpretaes equivocadas reduziam a percepodos escritos ou celebrao laudatria ou a condenao do autor como ru-ralista, autoritrio, racista. como se tais etiquetas permitissem que oscrticos aconselhassem a economia da leitura e que o pblico se restringisse considerao de alguns trechos conrmatrios destes encmios ou destesestigmas. Castro sempre foi um opositor das leituras fceis e apressadas, eOliveira Vianna e Alberto Torres foram alvos freqentes de tais prticas. Bastalembrar que muitos associam Alberto Torres aos anos 30 sem mesmo notarque seu ltimo livro data de 1915, ano de sua morte. Castro Faria lembravaem seus seminrios que para certos autores nem se tratava de releitura nem dereavaliao: apenas fazer uso de um olhar atento para ler todas as marcas queexistem em cada publicao, em cada livro ou artigo. Note-se que no se tratade ler nas entrelinhas, mas de ler as linhas e a partir das informaes objetivasque assim se obtm relacionar tais dados com o conjunto de informaes que

    podem ser obtidas por todas as outras formas de registros objetivados, como

    arquivos ou estatsticas. Tal era o itinerrio para uma compreenso densa damensagem que um autor xara, das mediaes por que passa todo texto paraganhar a forma de coisa pblica, das avaliaes que recebe de seus pares ecompetidores, da composio e aptides do pblico leitor. Qualquer aluno deCastro Faria no perodo que vai da criao do curso de doutorado do PPGAS/MN, em 1977, at hoje, que tenha procurado acompanhar sua veemncia semtemor de transitar em veredas inovadoras, sabe quanto falsa a velha oposioentre anlises externalistas e internalistas. Convidamos o leitor a vericar esta

    proposio na anlise proposta sobre os escritos de Oliveira Vianna e tambmsobre seu itinerrio intelectual e social.3

    O estudo dos textos em Castro Faria se expande para uma interpretaodos mnimos detalhes nas marcas materiais dos objetos impressos. No caso

    concreto de Oliveira Vianna, Castro Faria deu relevo ao fato do autor sempreser publicado pelos editores dominantes dos diferentes momentos da instaura-o de um mercado editorial no Brasil: Monteiro Lobato, a Companhia Editora

    Nacional, Jos Olympio no lt imo perodo de vida do autor, a Record j nosanos 70, etc. Como demonstra Castro Faria ao longo deste livro, os livros deOliveira Vianna constam entre os que fundaram o lanamentos de colees,como a celebrada Brasiliana, cujos formatos, imagens e formas de uni-cao simblica so decisivos para compreender como esquemas bsicos da

    percepo do pas se foram cristalizando lentamente entre os anos 1930-70.4

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    1716 Oliveira vianna asreinaesinteleCtuaisdeum et

    Essa construo do mercado editorial foi acompanhada pela implantao dasuniversidades e sobretudo pela articulao do sistema de ensino em bases pro-

    priamente nacionais. Assim, os mecanismos de difuso de recentes categoriasde pensar a coletividade e de sentir as marcas do pertencimento ao coletivonacional propiciam a diversicao de escritores que participam deste debateintelectual e novas hierarquias e genealogias se instauram. Observe-se o quediz Monteiro Lobato, escritor e editor inovador, ao apresentar uma biograade Gilberto Freyre lanada em 1944:

    Euclides foi o nosso primeiro desasnador. Depois emergiu OliveiraVianna, e foi novo espanto. No era curto-circuitante, mas em vez decitar Melo Moraes, citava Lapouge e Gobineau, um conde! A golpesde Lapouge e Le Play, Oliveira Vianna imps-se qual bendeng cadodos cus na sociologia e sei disso porque tomei parte da aventura. E oBrasil entrou a desconar de que de fato a cincia sociolgica existia, jque homens de tanta respeitabilidade juravam em cima dela. E por maparece Gilberto Freyre.5

    Neste livro, sem mesmo precisar fazer referncia constante a seu colegafrancs, Castro Faria opera ao longo do texto com o uso do conceito de campointelectual como verdadeiro sujeito da imposio de novas vises e divisesdo mundo social. Os dados biogrcos do escritor Oliveira Vianna so exami-nados no m do livro e no no incio. A demonstrao de Castro Faria se apoiana construo simultnea da obra escrita, da posio no conjunto dos pares edos avaliadores da produo intelectual e das prprias concepes e projetosque um escritor vai elaborando ao longo do seu itinerrio. O projeto criadorno precede a cada escrito, mas fruto tanto do esforo de cada autor quantodas modalidades de avaliao de cada um dos seus sucessivos trabalhos. Porisso mesmo na medida em que Castro Faria desmonta as variadas formas deapreciao e valorizao das publicaes de Oliveira Vianna que cria a possibi-

    lidade de melhor analisar os marcos pertinentes da trajetria social e intelectualdeste autor. As verdades sobre o autor no precedem nem fundamentam adiscusso dos signicados dos textos; mas quanto mais se compreende a teiade signicados inscrita em cada livro mais se tem condies de compreender ateia de relaes sociais e de debates intelectuais em que se inscreve o escritor.

    Neste livro, a leitura acurada da obra que permite examinar a biograa sociale intelectual dopensador uminense.

    Aps a morte de Oliveira Vianna, muitos discpulos autoproclamadosapareceram enfatizando a nobreza do natural de Saquarema e a simplicidade

    do mestre da casa da Alameda So Boaventura 41, em Niteri. Muitos foramaqueles tambm que imputaram a Oliveira Vianna o racismo correspondentes noes do branqueamento da raa, que so comuns a praticamente todosos autores, durante o perodo de 1870 a 1930, com pouqussimas excees,como a de Alberto Torres.6 Ao voltar reexivamente sobre os seus prprios

    passos intelectuais e sobre as prprias categorias que ordenam seu pensamentoe emoes, Castro Faria demonstra a fecundidade de uma antropologia cujoshorizontes nunca se restringem s fronteiras nacionais ou locais. Sua propostano s permite a reconsiderao das obras de Oliveira Vianna como tambmcontribui para a armao de um programa de pesquisas tanto sobre este autor(como lembra a epgrafe) como para a reexo sobre as modalidades de cons -truo das tradies nacionais, que, como lembrava Marcel Mauss, esto naorigem da forma moderna dos grupos sociais.

    Por tudo isso, cabe sorrir ao lembrar que Castro Faria tenha sido conside-rado em certos momentos como ETnlogo em sentido restrito, j que os seuscursos desde o incio do PPGAS/Museu Nacional no recebiam o prestigiosortulo de AS (Antropologia Social), privilgio daqueles que se consagravam

    Teoria Antropolgica, mas cavam circunscritos curiosa sigla dos ETs.Nunca renegou a alcunha de ET, mas pode ser que esta fosse uma razo suple-mentar a alimentar sua ira sagrada contra a prtica to comum e to esterilizantede fabricao de ETiquetas...

    Notas

    1 Cf. Lvi-Strauss, Claude, 1958, Anthropologie Structurale,Paris, Plon, cap. XI.; Da Matta,Roberto,Ensaios de Antropologia Estrutural, Petrpolis, Vozes, 1973, captulo 1.

    2 Antonio Carlos de Souza Lima prepara uma edio do conjunto dos seminrios organizadospor Luiz de Castro Faria no PPGAS/MN. Os interessados em histria da antropologa no Brasilpodero assim ver as listas de autores brasileiros submetidos anlise e a objetivao dos autores

    e instrumentos de referncia para o exame de cada escritor.3 A preparao da presente edio foi feita por Gustavo Sor, com a colaborao de AfrnioGarcia, a partir de textos de conferncias ministradas por Luiz de Castro Faria desde 1991,alm da reformulao da publicao doBoletim do Museu Nacionalde 1978 e de entrevistas egravaes sobre esquemas e anotaes previamente realizadas. O ttulo e o plano do livro foramfeitos por Luiz de Castro Faria; em conjunto co m Gustavo Sor foram revistos todos os qu adros,subdivises e notas; de qualquer forma a verso nal foi discutida e aprovada por Castro Faria.

    4 Para uma anlise da relao entre as colees de clssicos da brasilidade e a implementao domercado editorial no pas ver Helosa Pontes, 1988, Retratos do Brasil: um estudo dos editores,das editoras e das Colees Brasil ianas nas dcadas de 1930-40 e 50, emBoletim Informativoe Bibliogro de Cincias Sociaisn 26: 56-89 e Gustav o Sor, 1998, Brasilianas. A Casa Jos

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    1918 Oliveira vianna

    CaptulO i

    A OBRAUma tentativa de

    reconstruo

    A obra no pode ser considerada nem como umaunidade imediata nem como uma unidade certa,

    nem como uma unidade homognea.

    M. Foucault, Sobre a arqueologia das cincias.Resposta ao Crculo Epistemolgico.

    O objetivo deste captulo bem simples. Trata-se de uma primeira tentativade procurar resposta clara e convincente para uma pergunta de carter liminar:quando se fala ou escreve a respeito da obra de Oliveira Vianna, que sentidoe que extenso se d a este termo? Na verdade no se trata de sentido e deextenso simplesmente, mas de signicado e de denotao. Que estatuto se

    pretende conferir a esta expresso corriqueira obra de um autor?No discurso de senso comum a obra identicada quase sempre com o

    conjunto das publicaes do autor, mas o mesmo termo usado tambm paradesignar cada unidade desse conjunto.1 A expresso obras do autor, porexemplo, equivale a um rol, geralmente de livros, mas alm de livros pode

    incluir outras publicaes.A prevalncia quase absoluta desse senso comum hoje inaceitvel, e a

    sua derrocada impe-se como condio preliminar a qualquer esforo de crticada produo intelectual de qualquer autor. Nem preciso lembrar que data deanos a investida de M. Foucault no sentido de tomar esses nomes do sensocomum obra, livro e convert-los em objetos de anlise.

    AResposta ao Crculo Epistemolgico (1971) um texto realmente semi-nal. Nele M. Foucault levado a se expor sem rodeios, a falar para esclarecer,

    pois as questes so formuladas por leitores esclarecidos , que tm intimidade

    Olympio e a instituio do livro nacional (tese de doutorado), PPGAS/Museu Nacional/UFRJ.

    5 Monteiro Lobato, J.B., 1957, Prefcio ao Gilberto Freyre de Diogo de Melo Menezes,Prefcios e entrevistas, So Paulo, Brasiliense.

    6 Leia-se o livro de Lilia Schwarcz O espectculo das raas, So Paulo, Companhia das Letras,1993, para constatar como o branqueamento da populao brasileira constituiu uma formade ideologa dominante, a permear os mais diferentes discursos dos socilogos e antroplogos

    do perodo 1870-1930, e a fundamentar as polticas de apoio imigrao de europeus para aredeno da raa.

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    com os seus escritos. O que perguntado no est explicitamente neles, massurge deles. M. Foucault no fala apenas das coisas que fez, ou pretendeufazer, at aquele momento, mas tambm do que deixou de fazer, at aquelemomento, para garantir a originalidade do seu projeto. Em M. Foucault, comotodos sabem, a desconstruo do j dito, j sabido, j assentado tem um

    peso proporcional ao da construo.Uma prolongada intimidade com a produo intelectual de Oliveira

    Vianna e com os escritos a respeito dela levaram-nos concluso de que seriaindispensvel voltar um passo atrs, para tentar reconstituir a obra desse autor,operando com as proposies de M. Foucault. Os crticos de Oliveira Viannana realidade identicam obra com livro, ou livros, e a partir da leitura de umde seus livros pretendem falar da sua obra, como se esta fosse uma totalidade,a respeito da qual no hesitam em proferir generalizaes.

    Medeiros (1978: 155) talvez seja o nico que arma ter lido toda a sua obra:(...) aps lermos praticamente toda a sua obra.... Mas esta armao pode serfacilmente contestada. Depois das suas leituras, ele julga-se em condies deescrever sobre opensamento de Oliveira Vianna como um todo indiviso, pass-

    vel de apreenso fcil. A obra de Oliveira Vianna diz parece-nos daquelasque no comportam uma periodizao; No obstante a impossibilidade deuma periodizao da obra de Oliveira Vianna (op. cit.,155, 158). Apesar deto seguro dessa indivisibilidade, Medeiros opera uma fragmentao em oitotemas fundamentais: a) Antiliberalismo e autoritarismo; b) Estado nacional,Estado moderno, Estado democrtico, Estado autoritrio e Estado corporativo;c) A questo social: incorporao do trabalhador ao Estado; d) Racismo e elites;e) Ruralismo e urbanismo; f) Programa econmico; g) Interpretao das revo -lues brasileiras; h) Fontes tericas e doutrinrias do pensamento sociolgicode Oliveira Vianna. A bibliograa ao nal do livro de Medeiros est longede signicar toda a obra de Oliveira Vianna, e os excertos dos seus livros sserviram para compor uma espcie de orilgio da Ideologia autoritria no

    Brasilde 1930 a 1945. O autor do orilgio montou um esquema que funcionacomo operador a leitura feita para que cada tpico tenha o seu contedo

    prprio. preciso catar para compor.Oliveira Vianna tornou-se, sem dvida, um clssico. Crticos da poca

    dos lanamentos e das primeiras reedies (Belo 1923; Duque-Estrada 1924;Monteiro Lobato 1926; Pereira 1929; Grieco 1933, 1935; Campos 1933; Lima1933, 1934; Rodrigues 1933; Taunay 1940; Sodr 1942; Macieira 1943; Ra-mos 1947; Holanda 1950, entre outros), colocaram os seus livros em posio

    privilegiada perante o pblico de leitores interessados e seduzidos pelos

    chamados estudos da realidade nacional, ou interpretaes do Brasil.O livro de F. Contreiras Rodrigues merece ateno especial. Chama-se

    Novos rumos polticos e sociais e foi editado em 1933 pela Livraria do Globo dePorto Alegre. O prprio plano do livro original. Est dividido em trs partes, ea primeira, sob a epgrafe Onde estamos em sociologia e poltica, desdobra--se em dois captulos: I - Trs polticos: Rui Barbosa, Silveira Martins, AssisBrasil; II - Trs socilogos: Oliveira Vianna, Jackson de Figueiredo, Tristo deAthayde. Na segunda parte, Para onde vamos em sociologia, o captulo III dedicado aos Fundamentos sociais e o IV, aos Fundamentos sociolgicos.A terceira parte, Para onde vamos em poltica, desdobra-se nos captulos V- Aplicaes desses fundamentos economia social, VI - Aplicao dessesfundamentos poltica; VII - Aplicao desses fundamentos economia;VIII - Sntese social ou esboo constitucional. A anlise que faz da obradeOliveira Vianna at ento publicada e vulgarizada corre ta e imparcial. Identi-ca os temas centrais: A) Sua idia mais geral o meio fsico; B) Suas idiasespeciais 1. O latifndio; 2. Atenuaes do particular ismo; 3. Os fatores tni-cos; 4. Os fatos morais. Manteve-se, portanto, ao nvel dos textos analisados.

    Depois do livro de F. Contreiras Rodrigues, com as suas trilogias depolticos e socilogos, vamos encontrar no livro de Nelson Werneck Sodr,Orientaes do pensamento brasileiro (l942), um quarteto do qual participaOliveira Vianna, mas desta feita com novos comparsas, que so Gilberto Freyre,Azevedo Amaral e Fernando de Azevedo. No livro de Luiz Washington Vita,

    Antologia do pensamento social e poltico no Brasil (l968), surge uma novaconstelao de autores, que seriam os intrpretes consagrados do sentido danacionalidade: Tavares Bastos, Alberto Torres, Euclides da Cunha, OliveiraVianna e Vicente Licnio Cardoso. Nessa antologiaencontram-se excertos deO idealismo da Constituio (2 ed., So Paulo, 1939), de O ocaso do Imprio(3 ed., Rio de Janeiro, 1959) e deInstituies polticas brasileiras(2 ed., Riode Janeiro, 1955). Na antologiade Djacir Menezes, O Brasil no pensamento

    brasileiro(1 ed., Rio de Janeiro, 1957; 2 ed., mais vulgarizada, 1972), huma referncia (Introduo: 13) a Tavares Bastos, Alberto Torres e OliveiraVianna como os trs mais brasileiramente preocupados com os nossos pro-

    blemas. Encontra-se a apenas um excerto dePopulaes meridionaissobresolidariedade social.

    Constitui-se assim um panteo de autores consagrados como desnublado-res da realidade nacionalbrasileira, panteo esseconstantemente revisitado. o caso de Joo Camilo de Oliveira Torres, que em seu livro Interpretaoda realidade brasileira(1973. A primeira edio de 1969) prope na seo

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    II um retorno s fontes e aprecia as contribuies de Oliveira Vianna, PauloPrado e Gilberto Freyre, segundo o seu esquema interpretativo. Aprecia antesas contribuies de Joaquim Nabuco, Euclides da Cunha e Alberto Torres.

    A presena de Oliveira Vianna to marcante nesse panteo, a sua obra est de tal modo entrelaada obrade todos os grandes pensadores sociais

    brasileiros, que muitos autores vivos se sentiram preteridos, ou menosprezados.E produzem ento trabalhos de exorcismo, como o caso do livro de Jos Ho-nrio Rodrigues (1988). Esse livro , em grande parte, uma cobrana de rigormetodolgico. De uma metodologia da histria, que o autor confundiu semprecom tcnicas e mtodos historiogrcos ortodoxos. Oliveira Vianna certamenteno foi historiador, e de qualquer modo vale lembrar a adver tncia de P. Bour-dieu: A metodologia como a ortograa, que, se dizia, a cincia dos burros.Esse esforo de exorcizar, de banir do espao mentalmente representado comodomnio particular dos historiadores prossionais, revela um dos aspectos maisdesprezveis das lutas classicatrias, das lutas de concorrncia pela denioda cultura nacional legitima (cf. Bourdieu 1988; 1989).

    No resta a menor dvida de que Oliveira Vianna um clssico e, como

    tal, um autor reconhecido o seu nome familiar aos letrados e pelo menos osttulos de dois dos seus livros, Populaes meridionais do BrasileEvoluodo povo brasileiro, so lembrados com facilidade.

    O seu discurso foi identicado com atitudes racistas e elitistas e por mrecebeu o estigma de autoritrio. A propsito da atribuio dessa etiqueta importante lembrar a advertncia de Marilena Chau, enunciada nos seusApontamentos para uma crtica da Ao Integralista Brasileira:

    Para um intrprete que freqente os textos dos historiadores e dos cientis-tas sociais, o autoritarismo brasileiro torna-se compreensvel na medidaem que so esclarecidas tanto a gnese histrica de sua eccia quanto anatureza de suas manifestaes conjunturais mais agrantes. No entanto,em um ou outro registro, o enigma do autoritarismo brasileiro permanece,isto , ca a pergunta: como se entrelaam debilidade terica e ecciaprtica? (Chau e Franco, 1978)

    Diz Marilena Chau: Este aspecto da questo pode suscitar no intrpreteum impulso desqualicao imediata do discurso autoritrio(op. cit., 32; ogrifo nosso). Esse impulso desqualicaoimediata do discurso autoritrioteria movido Srgio Buarque de Holanda a considerar o integralismo como um

    produto das elucubraes de intelectuais neurastnicos, e Dante Moreira Leitea descartar Oliveira Vianna. Vamos direto ao texto deste autor para mostrar

    como se d esse descarte:

    O que nele parece teoria imaginao gratuita, grosseira deformao defatos e teorias alheias. De forma que quanto menos a cincia justicavasuas armaes, mais Oliveira Vianna armava o seu acordo fundamentalcom as cincias sociais da poca. Por isso se o seu conito ntimo pode

    merecer nosso respeito ou nossa piedade dizem os crticos que OliveiraVianna era mulato escuro, o que leva a supor que sua teoria do arianismoe da aristocracia era uma forma de identicar-se com o grupo dominante isso no impede que o crtico esteja obrigado a mostrar at que pontofalseou nossa histria e nossos problemas (Leite 1976: 221).

    O seu comentrio nal ainda mais grosseiro:

    apesar de crticas e felizmente j havia, no Brasil, quem percebesse osabsurdos de suas armaes, a ausncia de documentos esses livrostiveram vrias edies e foram citados a srio como se representassemalgo mais que imaginao doentia de um homem que deve ter sidoprofundamente infeliz. Mas apesar de tudo, sua obra demonstra para osocilogo e o psiclogo a crueldade do domnio de um grupo, por outro:o grupo dominado acaba por se ver com os olhos do grupo dominante, adesprezar e a odiar, em si mesmo, os sinais do que os outros consideramsua inferioridade. E talvez poucos brasileiros tenham escrito palavras tocruis e injustas a respeito do negro: este simiesco, troglodita, decadentemoral, inferior. Para ele, para os mestios tambm inferiores, OliveiraVianna recomendava um governo forte, capaz, provavelmente, de impornovamente a mortalidade da senzala (op. cit., 231).

    Esses excertos so de uma tese de doutorado em psicologia da USP (1954),em edio revista, refundida e ampliada. Oliveira Vianna resiste, ainda hoje,a agresses dessa ordem, estpidas e infundadas.

    As consideraes feitas at aqui tm como objetivo demonstrar que de-pois do muito que j se escreveu sobre Oliveira Vianna permanece ainda semresposta esta questo elementar.

    O que se deve tomar como obra do autor?

    As crticas so parciais, distorcidas e fragmentrias. Asbibliograas soincompletas, com ausncia ou erro na indicao das edies de cada livro,e jamais se questionou distino entre obrae livro. Foi isto que nos levou a

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    realizar este exerccio analtico, que se tiver algum mrito ser o de proporcionaraos crticos vindouros um roteiro mais seguro para as suas leituras. As pro-

    posies de M. Foucault orientam a anlise que se segue; os quadros servemcomo chamadas ordem para antepor um pensamento relacional cada vezque a leitura o solicite. Em sntese, neste captulo se descobrem evidnciasdocumentadas, se esboam hipteses e ferramentas de interpretao que sero

    complementadas nos captulos seguintes.

    A obra no uma unidade imediata

    Identic-la com a relao de obras do autor, que geralmente guram nascontracapas dos livros, ou com as bibliograas que acompanham os trabalhosde crtica, permanecer submisso ao senso comum. A obrano um simplesrol de ttulos de publicaes, mesmo porque so bem evidentes as discrepnciasentre esses ris. Convm tomar o texto de M. Foucault e transcrever algumas

    postulaes:

    preciso pr em suspenso as unidades que se impem da forma maisimediata as do livro e da obra. (. ..) A constituio de uma obra completaou de um opussupe um certo nmero de escolhas tericas, que no fcil justicar, nem mesmo formular: basta adicionar aos textos publicadospelo autor os que ele projetava enviar para impresso e que permaneceraminacabados apenas em virtude da morte? preciso, tambm, integrar tudoque rascunho, desejo inicial, correes e rasuras das obras? precisoadicionar os esquemas abandonados? E que estatuto dar s cartas, s notas,s conversaes relacionadas, aos propsitos transcritos pelos auditores,enm, a essa imensa multido de traos verbais que um indivduo deixaem torno de si no momento de sua morte...? (Foucault 1971: 18-20)

    No caso particular de Oliveira Vianna essas questes assumem uma impor-

    tncia inusitada. Elas impem, desde logo, uma opo rme e fundamentada.Um primeiro passo consiste certamente em tentar distinguir, no rol das publica-es desse autor, aquelas que considerou acabadas, e em muitos casos revistas,das que planejou, anunciou como em preparao,deixou em esboo e, depoisda morte, foram lanadas como pstumasou ainda permanecem inditas. SobreOliveira Vianna dir-se- com acerto que mais danos fazem amigos nsciosque inimigos descobertos (provrbio portugus). O panegirismo de discpulosautoproclamados, a apologia oreada, tem causado mais danos sua imagemque as crticas mais acerbas.

    A produo intelectual est naturalmenteinserida na trajetria do autor parte dela, submete-se s suas inexes e, ao mesmo tempo que a sustenta, sustentada por ela. Reconstituir a trajetria , pois, a primeira tarefa a sercumprida. Ela nos traz marcas que esclarecem e so esclarecidas mais tarde

    por dados de outra ordem.

    Quadro 1 A trajetria de Oliveira Vianna

    1951 Aposentadoria por Lei Especial do governo Eurico GasparDutra. Falecimento aos 68 anos

    Colaborao em jornais A Manh (freqente a partir de 1943)1942 Ministro do Tribunal de Contas da Unio1940 Posse na Academia Brasileira de Letras1939 Membro da Comisso Revisora das Leis da Unio

    Colaborao em jornais Dirio de Notcias1933 Membro da Cmara Federal de Reajustamento Econmico1933 Membro da comisso encarregada do anteprojeto de

    Constituio1932 Consultor jurdico do Ministrio do Trabalho1931 Membro do Conselho Consultivo do Estado do Rio de Janeiro1926 Primeiro cargo pblico: diretor do Instituto de Fomento

    Agrcola do Rio de Janeiro1924 Posse no Instituto Histrico e Geogrco Brasileiro1920 Livro de estria. Ed. Monteiro Lobato, So Paulo1916 Professor da Faculdade de Direito Teixeira de Freitas

    (a Teixeirinha), Niteri, RJColaborao espordica em jornaisProfessor de humanidades cadeira de Histria, Colgio Ablio,Rio de Janeiro

    1905 Forma-se bacharel pela Faculdade Livre de Direito aos 22 anos1900 Exames parcelados no Colgio Pedro II1897 Colgio Prof. Carlos Alberto, Niteri 14 anos1895 Escola subvencionada pelo governo Prof. Felipe Alves de

    Azevedo, Saquarema, RJ1893 Escola Pblica Prof. Joaquim (Quincas) de Souza,

    Saquarema 10 anos1883 Nascimento, 20 de junho. Distrito de Rio Seco, Saquarema

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    Uma das conseqncias da consagrao de um autor o seu isolamento, asua singularizao. O autor consagrado geralmente desprendido do contextono qual produziu, passa a fazer parte de um panteo de outros autores consa-grados que produziram antes ou depois; cria-se assim uma galeria de grandesvultos, sem vnculos com o tempo e o lugar. Ao recompor a trajetria, preten-demos, ao contrrio, situar Oliveira Vianna e contextualizar a sua produo.

    No Quadro 1 a trajetria de Oliveira Vianna pode ser acompanhada os dadosso aparentemente simples e indicam origem, formao, posies ocupadas,todos cronologicamente ordenados, como numa escala estratigrca. Em si

    pouco, mas serve de base para s itu-lo ao mesmo tempo como ator e autor,como referencial bsico. Eservirtem, no caso, o sentido bem preciso de prestarservio, de auxiliar, de favorecer, de ter serventia. para ser usado, portanto,quando se tornar necessrio reconstituir, em cada momento, a trama das relaesno campo intelectual e no campo do poder.

    Quadro 2 Os livros. Rol e cronograa dos lanamentos

    Ttulos Ano Editora ReediesIntroduo histria social 1958 Jos Olympio, RJda economia pr-capitalista

    Populaes meridionais do 1952 Jos Olympio, RJBrasil, 2 vol. (O campeadorrio-grandense)

    Problemas de organizao e 1952 Jos Olympio, RJ 1974, 2 ed., Record problemas de direo Fundao Oliveira Vianna, governo do

    estado do Rio de Janeiro

    Direito do trabalho e 1951* Jos Olympio, RJdemocracia social

    Instituies polticas 1949 Jos Olympio, RJ 1955, 2 ed.; 1974, 3 ed.brasileiras

    Problemas de direito sindical 1943 Max Limonad Coleo Direitodo Trabalho

    Problemas de direito 1938 Jos Olympio, RJcorporativo

    Raa e assimilao 1932 Cia. Editora 1934, 2 ed. aumentadaNacional, SP Col.Brasiliana, vol. 4

    Ttulos Ano Editora Reedies

    Problemas de poltica objetiva 1930 Cia. Editora 1947, 2 ed. aumentada;Nacional, SP Col. Brasiliana, vol. 256

    O idealismo da Constituio 1927 Edies Terra de 1939, 2 ed. aumentada;Sol, RJ Cia. Editora Nacional,

    SP Col. Brasiliana,vol. 141

    O ocaso do Imprio 1926 Melhoramentos, SP 1933, 2 ed.

    O povo brazileiro e sua 1922 Typographia da 1933:Evoluo doevoluo Estatstica, povo brasileiro, Cia.

    Ministrio de Editora Nacional, SP, Agricultura, Col. Brasiliana, vol. 10;

    Indstria e 1938, 3 ed. Commercio, DF

    O idealismo na evoluo 1922 O Estado de Sopoltica do Imprio e da Paulo, Col.Repblica Biblioteca de Oesp

    n 1

    Pequenos estudos de 1921 Monteiro Lobato 1922, 2 ed.; 1942, 3 ed.psicologia social & Cia., SP

    Populaes meridionais do 1920 Edies daRevista 1922, 2 ed.; 1933, 3Brasil do Brasil, Monteiro ed., Cia. Editora

    Lobato & Cia., Nacional, SP; 1938,So Paulo 4 ed.; 1952, 5 ed., Jos

    Olympio, RJ; 1973,6 ed., Paz e Terra, RJ

    Como o anterior, o Quadro 2serve, isto , presta auxlio quando se pretendedelimitar os contornos aproximados da obra. Foi assinalado o ano da morte doautor (*) para destacar o problema da incluso ou excluso dos ttulos depois

    da morte, quando se impe o registro de obra pstuma nos livros publicados.Este quadro tem o signicado bvio de rol de livros, mas com a indicao exatadas datas de lanamento, ou seja, das primeiras edies. Para constru-lo foi

    preciso procurar essas primeiras edies, examin-las e anotar as suas marcas.Na parte II, cada livro a includo descrito em termos da sua individualidade,mas sobretudo das suas relaes com outros livros. Lembrando M. Foucault,

    os limites de um livro no so claros nem rigorosamente traados: nenhumlivro pode existir por si mesmo; est sempre numa relao de apoio e de

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    dependncia em relao aos outros; um ponto numa rede; comporta umsistema de indicaes que remetem explicitamente ou no a outroslivros, ou a outros textos, ou a outras frases. (...) intil dar-se o livrocomo objeto que se tem sob a mo: intil encarquilh-lo nesse pequenoparaleleppedo que o encerra; sua unidade varivel e relativa: ela no seconstri, no se indica e, por conseguinte, ela no pode ser descrita seno

    a partir de um campo de discurso (Foucault, 1971: 19).

    Parece claro, agora, que a obrano uma unidade imediata.

    A obra no uma unidade certa

    A difcil questo da incluso/excluso de traos de uma obra se aprofundaao considerarmos edies diferentes dos livros, outras publicaes (Quadro3). Elas trazem marcas distintivas muito fortes. o caso, por exemplo, de A

    poltica social da revoluo, conferncia promovida pelo Departamento deImprensa e Propaganda (DIP) do Estado Novo; de O crdito sobre o caf,tese de congresso, trabalho circunstancial; do Programa de teoria e prtica do

    processo penal, quase nunca referido.

    Quadro 3 Outras publicaes Nominata e cronograa

    Ttulo Publicao Ano

    O homem brasileiro e o mundo do Letras Brasileiras 5 1943amanh

    Os imigrantes semticos e mongis Revista de imigrao e colonizao 1940e sua caracterizao antropolgica

    A poltica social da revoluo Estudos e conferncias 1 DIP 1940

    As novas diretrizes da poltica Folheto 31 pp. Conferncia na Escola 1939social de Servio Social

    Formation ethnique du Brsil Comunicao Separata do Congresso 1932Internacional de Histria Colonial

    O crdito sobre o caf Tese Congresso do Caf, SP 1927

    Programa de teoria e prtica do Folheto, Tipograa doJornal do 1924processo penal Commercio, Rio de JaneiroO povo brasileiro e sua evoluo Separata Recenseamento de 1920 1922

    Tipograa Estatstica

    O tipo brasileiro seus elementos Dicionrio histrico, geogrco eformadores etnogrco do Brasil 1922

    Podemos, por exemplo, escolher dois ttulos, O tipo brasileiro seuselementos formadores e O povo brasileiro e sua evoluo, que exigemcomentrio especial. Estes dois ttulos suscitam dvidas sobre a propriedadede seu registro, alm das demais, na obra completado autor. Na relao deobras do autorna contracapa deDireito do trabalho e democracia social,editada pela Livraria Jos Olympio em 1951, mas com prefcio do prprio

    Oliveira Vianna datado de Niteri, 20 de julho de 1948, no guram essesdois ttulos. Na Introduo histria social da economia pr-capitalista no

    Brasil,obra pstuma, tambm no guram essas duas publicaes. A primei-ra, O tipo brasileiro seus elementos formadores, permanece praticamenteignorada dos leitores de hoje, inclusa no grosso volume 1, de 1.688 pginas,do Dicionrio histrico, geogrco e etnogrco do Brasil, comemorativodo centenrio da Independncia, livro raro e de consulta difcil. Parece que oautor decidiu ignor-lo e induziu os seus leitores a fazerem o mesmo. Quantoao segundo O povo brasileiro e sua evoluo no s a alterao do ttulo

    paraEvoluo do povo brasileiro, como os comentrios desfavorveis que fezo autor a respeito da edio ocial, no deixam dvida de que se trata de

    verso rejeitada, embora aproveitada quase totalmente. preciso que se leve em conta o fato de que esses so dois trabalhos deencomenda,como seriam O idealismo da Constituio (verso de 1924, para ovolumeA margem da histria)e O ocaso do Imprio. Os trabalhos de encomen-datm o mesmo carter dos trabalhos livremente planejados e desenvolvidos

    pelo prprio autor? At que ponto a imposio de temas e limites extenso dotexto comprometem a incorporao desses trabalhos aos demais? Certamentea dvida persiste a obra no certamente uma unidade certa.

    A obra no uma unidade homognea

    O prprio Oliveira Vianna expe a tridimensionalidade de sua obra:

    desdePopulaes meridionais do Brasil, passando porPequenos estu-dos, O idealismo da Constituio,Raa e assimilao eProblemas depoltica objetiva tenho investigado todos estes grupos de fatores danossa formao e da nossa evoluo histrica e social: o meio geogrco(clima e solo), os fatores biolgicos e heredolgicos (linhagem e raa)e os fatores sociais (cultura), embora com outra tecnologia (Instituiespolticas brasileiras,1949, 1 vol.,70-71).

    Como evidenciam as datas de edio do principal segmento de suas pu-blicaes (Populaes meridionais do Brasil,Pequenos estudos de psicologia

    a Obra umatentativadereCOnstruO

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    3130 Oliveira vianna

    social, O tipo brasileiro seus elementos formadores, O povo brasileiro esua evoluo, O idealismo na evoluo poltica, Evoluo do povo brasilei-ro, O idealismo da Constituio, O ocaso do Imprio), preciso que se tenhasempre em mente o fato de que Oliveira Vianna um autor da dcada de 1920. no espao dessa dcada que se enquadram as duas primeiras dimenses dasua obra as dos determinismos biolgico e geogrco, na realidade profun-

    damente entrelaados.A partir da dcada de 1930 a sua trajetria revela uma inexo, uma vez

    que se coloca a servio de um aparelho de Estado, e assume a funo e aresponsabilidade de normalizar as relaes trabalhistas. A sua obra assumeoutro carter. A essa terceira dimenso correspondem: Problemas de pol ticaobjetiva, Problemas de direito corporativo, As novas diretrizes da polticasocial, A poltica social da revoluo eProblemas de direito sindical.

    Quadro 4 Os vrios tempos: de lanamento,

    de atualizao e de reatualizao

    Livro Ano

    Problemas de organizao e problemas de direo 1952Direito do trabalho e democracia social 1951

    1950Instituies polticas brasileiras 1949

    19481947194619451944

    Problemas de direito sindical 194319421941

    19401939Problemas de direito corporativo 1938

    19371936193519341933

    Raa e assimilao 19321931

    Problemas de poltica objetiva 193019291928

    O idealismo da Constituio 1927O ocaso do Imprio 1926

    19251924

    Evoluo do povo brasileiro 1923O idealismo na evoluo poltica 1922

    Pequenos estudos de psicologia social 1921Populaes meridionais do Brasil 1920

    O Quadro 4 procura marcar a distino dos vrios tempos, condio bsicaparasituar e contextualizar a produo intelectual de Oliveira Vianna. elemesmo que estabelece explicitamente a cesura, assinalando o perodo de 1932a 1940 como de abandonoou interrupodo seu projeto inicial.

    Quadro 5 Os tempos da produo: uma cesura do autor

    1951Direito do trabalho e democracia social19501949 Instituies polticas brasileiras1950194819471946194519441943Problemas de direito sindical1942 Ministro do Tribunal de Contas da Unio

    19411940 A poltica social da revoluo Posse na Academia Brasileira de Letras1939 As novas diretrizes da poltica Integra a Comisso Revisora das

    social Leis da Unio

    1938 Problemas de direito corporativo1947193619351934

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    3332 Oliveira vianna

    1933 Membro da comisso do anteprojeto da Constituio1932 Raa e assimilao Consultor jurdico do Ministrio do Trabalho

    19311930 Problemas de poltica objetiva192919281927 O idealismo da Constituio1926 O ocaso do Imprio19251924 Posse no Instituto Histrico e Geogrco Brasileiro1923 Evoluo do povo brasileiro1922 O idealismo na evoluo do Imprio e da Repblica

    O povo brasileiro e sua evoluoO tipo brasileiro seus elementos formadores

    1921 Pequenos estudos de psicologia social1920 Populaes meridionais do Brasil

    O Quadro 5 procura estabelecer as relaes entre a produo intelectual e

    o acesso s posies no campo do poder. Esses dois quadros devem ser lidoscomparativamente, pois mostram com nitidez que a atualizao das obrasda dcada de 1920 se d exatamente no perodo do abandono temporrio dassuas problemticas, mas de ocupao de altas posies na burocracia do Estado(l932-1940).

    Em 1942 Oliveira Vianna recebe a prebenda: nomeado Ministro doTribunal de Contas da Unio. No perodo de 1932 a 1940 o campo intelectualse mostra permeado por vivo faccionismo poltico-ideolgico. A produointelectual traz marcas muito fortes, da origem e dos destinatrios. Surgemnesse perodo bibliotecas e colees de doutrinao, como a Biblioteca daAo Catlica; aedio da Biblioteca Anchieta, cujos livros trazem as licenas

    cannicas (Nihil ObstateImprimatur); a Editora ABC, com as mesmas carac-tersticas. A Biblioteca Brasileira de Cultura, dirigida por Tristo de Athayde,passa a ser editada pela Civilizao Bras ileira, e seis dos seus ttulos so daautoria de Tristo, outros mais de monsenhor Pedro Ansio, do padre LeonelFranca, de Jorge de Lima, de Everaldo Backeuser, de Tasso da Silveira, todoseles expoentes do chamado pensamento catlico. A Coleo Eduardo Prado,do Centro Dom Vital, com livros de Jackson de Figueiredo, Perilo Gomes,Plcido de Melo, Alcebades Delamare, todos igualmente catlicos militantes.A Coleo Azul, sob a direo de Augusto Frederico Schmidt, tambm edi tor,e com distribuio da Civilizao Brasileira, lana em 1933 Introduo

    realidade brasileira (livro n 3 da coleo), de autoria de Afonso Arinos deMelo Franco. A Coleo Problemas Polticos Contemporneos, da LivrariaJos Olympio, cujo n 10 o livro de Azevedo Amaral A aventura poltica do

    Brasil(l935), publica tambm, de Plnio Salgado, O sofrimento universal,Aquarta humanidade,Despertemos a nao,Psicologia da revoluo, Cartasaos camisas verdes, de Miguel Reale, O Estado moderno, j em segunda edio

    em 1935,Formao poltica burguesa, O capitalismo internacional, O ABCdo integralismo. Depois de 1937 a Livraria Jos Olympio tornar-se-ia editorado Estado Novo e seus corifeus.

    O Quadro 6, apesar da sua extrema simplicao, fornece um referencialpara a leitura da obrade Oliveira Vianna, exibindo a recorrncia de antinomiasconstitutivas da sua reexo. Ele no se liberta delas em nenhum momento.Elas so o mote e a glosa na sua escrita.

    Quadro 6 As antinomias fundadoras do discurso

    ( ) ( + )

    Povo, massa, plebe Elites esclarecidas, elites dirigentesIndividualismo insolidarismo Grupalismo solidarismoIsolamento disperso insulamento Agregao fuso unicaoIdealismo PragmatismoCpia transplante exgeno Realidade nacional Experincia,

    saber prticoCompetncia parlamentar e poltica Competncia tcnica e prossionalEstado liberal democrtico Estado moderno Estado NovoDescentralizao CentralizaoDesorganizao Organizao ao pedaggica

    preparao da elite para osquadros de direo

    Quadro 7 A cadeia dos determinismos: uma priso sem sada

    Determinismo geogrco Determinismo histrico-socialTelurismo Evolucionismo positivismo

    (meio antropogeogrco (leis, teleologias)clima e solo)

    Determinismo biolgico

    Herana, inatismo, ativismo (fatores biolgicos e heredolgicos linhagem e raa)

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    O Quadro 7 uma imagem simplicada da subordinao do pensamentode Oliveira Vianna s trs manifestaes dos determinismos que permearam odiscurso bacharelesco, com pretenses cienticidade, nas ltimas dcadas dosculo XIX. Evolucionistas, ritterianos e ratzelnianos proliferaram na Europa ena Amrica. E a propsito preciso lembrar que, no curso de formao, OliveiraVianna foi aluno de Slvio Romero, como destacou Cruz Costa, e que depois

    de formado ensinou Teoria e Prtica do Processo Penal. O seu programa (l924)no deixa dvida quanto a sua liao escola positiva, da qual eram corifeusLombroso, Ferri e Garofalo, a trilogia sacralizada pelos bacharis entusiastasda nova escola penal. A sua obrano , certamente, uma unidade homognea.

    *

    Chegamos, ao nosso ver, a efetuar algumas demonstraes, mas no avan-amos mais, no oferecemos nenhuma concluso, como se poderia esperar.Detm-nos, por enquanto, diculdades que no pudemos transpor. Retomemos otexto de M. Foucault, para reetir mais demoradamente sobre a sua advertncia:

    a nica unidade que se poderia reconhecer na obrade um autor seria

    uma certa funo de expresso. Supe-se que a deve haver um nvel(to profundo que necessrio sup-lo) em que a obra se revela em to-dos os seus fragmentos, mesmo minsculos e os mais acessrios, comoa expresso do pensamento, ou da experincia, ou da imaginao, ou doinconsciente do autor, ou das determinaes histricas nas quais estavaenvolvido. Mas v-se logo que essa unidade da opus, longe de ser dadaimediatamente, constituda por uma operao; que esta operao interpretativa (no sentido de que ela decifra, no texto, a expresso ou atranscrio de alguma coisa que ele esconde e manifesta ao mesmo tem-po), que, nalmente, a operao que determina aopusna sua unidade e,por conseguinte, a obra mesmo como resultado dessa operao (...) no a mesma para autores diferentes.

    Com certeza demos incio a essa operao, mas no chegamos a conclu-la.

    Verses da obra

    Na minuta de carta ao ministro Oswaldo Aranha (1944) divulgada no pe-ridicoLetras Fluminenses, de Niteri, edio de maro-abril de 1951, ano dofalecimento de Oliveira Vianna, encontra-se este precioso depoimento:

    No se admire, meu caro Chanceler, de ter eu tantos livros no estaleiro,

    elaborados, mas inditos. isto conseqncia de meu mtodo um tantoextravagante de trabalho: planejando o livro escrevo-o logo, num escorogrosseiro, sem lavor literrio, falquejando-o, por assim dizer; feito istoguardo-o; e s depois de vrios anos que o retomo para os trabalhos de-nitivos de refuso, atualizao e polimento. assim que tenho na gavetao 2 volume dasPopulaes, consagrado exclusivamente ao estudo das

    populaes pastorais do extremo sul, os bravos conterrneos de V. Excia.Escrito desde 1924, esperando todo esse tempo o lavor denitivo, as re-ticaes que naturalmente terei que fazer no texto original, em face daspesquisas recentes dos modernos investigadores rio-grandenses (AurlioPorto, Borges Fortes, etc.) e tambm das minhas impresses diretas domeio gacho quando tiver de l ir, no momento prprio, observ-lo.

    Relaciona ento 4 volumes j compostos, embora em escoro grosseiroe despolido:

    1. Raa e etnia versando os problemas brasileiros das correntes imi-gratrias, da assimilao tnica e dos quesitos racionais;

    2. Selees telricas tratando os problemas relativos aclimao dasetnias europias nos trpicos e, em conseqncia, o problema da determinaocientca dos diversos centros de distribuio dessas correntes imigratrias,segundo o critrio da sua melhor adaptao;

    3. Mobilidade social sobre os problemas das migraes internas, focosde irradiao colonizadora, deslocamento de nossa populao para o hinterland,formao das cidades vivas, marcha para o oeste;

    4. Sociologia das elites sntese nal dos volumes anteriores, versandoos problemas da formao dos nossos quadros dirigentes do nosso povo, dacapilarizao dos valores existentes na massa e dos processos da sua seleo.

    A poca da produo mencionada: Estes quatro volumes eu os haviacomposto no perodo que vai de 1924 a 1932, depois de ter concludo os primei-ros dasPopulaes meridionais (l9l8) e aEvoluo do povo brasileiro (l922).Ao longo dessa minuta de carta encontram-se outras indicaes de inditos:

    Histria da questo social no Brasil (l500-l940)Fundamentos da poltica brasileira (l930-1945)Estes dois ltimos livros foram para a gaveta; no os quis ultimar agora,(...)Voltei-me, ento, para os velhos estudos, para os quatro volumes relativosao problema das etnias imigradoras, que eu havia abandonado desde 1932.

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    Ao invocar as fortes impresses deixadas pelo chanceler ao falar nasreunies da Comisso Revisora do Itamarati, Oliveira Vianna arma: nuncase apagou do meu esprito a lembrana daquelas tardes agitadas, cujo sentidohistrico ainda espero xar na minha futura Introduo histria da revoluode 30, cujo material j estou comeando a coligir e que ser o canto do cisne daminha carreira de escritor. Nessa primeira verso obra publicada deveriam

    somar-se mais sete livros inditos, j compostos, em escoro grosseiro.Vejamos como essa obra apresentada pelo autor numa segunda verso.

    No pr imeiro volume de Instituies polticas brasileiras, lanado em 1949,j transcorridos c inco anos da minuta da carta ao chanceler Oswaldo Aranha,Oliveira Vianna apresenta uma outra verso de sua obra:

    Nos meus livros anteriores desde Populaes meridionais do Brasila Problemas de direito sindical, passando porPequenos estudos, Oidealismo da Constituio,Raa e assimilao eProblemas da polticaobjetiva tenho investigado todos estes grupos de fatores da nossa for-mao e da nossa evoluo histrica e social: o meio antropogeogrco(clima e solo), os fatores biolgicos e heredolgicos (linhagem e raa) eos fatores sociais (cultura), embora com outra tecnologia. Retomo agora depois de quase dez anos de forada interrupo estes meus estudossobre a nossa formao social. Deixarei para uma srie sobre a Histriada formao racial do Brasil (I - Raa e selees tnicas; II - Raa eselees telricas; III - Mobilidade social; IV - Antropossociologia daselites) o estudo especializado da Raa e do clima como fator da nossacultura e da nossa civilizao. Deixarei ainda para outra srie sobre aHistria social da economia (I - Histria social da economia capitalista;II - Histria social da economia pr-capitalista) o estudo dos fatores sociaise econmicos da nossa evoluo. Por agora irei investigar neste volume,e de forma monogrca e especializada, unicamente o papel da culturana formao da nossa sociedade poltica e na evoluo e funcionamento

    do Estado no Brasil (op. cit., 1 ed., 70-71).

    Depois da morte do escritor, se descobrem no nmero especial de Le-tras Fluminenses as nove obras que Oliveira Vianna deixou inditas em sua

    biblioteca:

    Deixou Oliveira Vianna nada menos de nove obras inditas, a seremeditadas pela Jos Olympio. Os originais datilografados, mandava-osencadernar o escritor e, assim, os entregava editora. Com exceo de

    dois que se vm acima [uma foto de canto de mesa, com volumes en-cadernados, entre suportes, ilustra a nota de redao do peridico, n6, de maro-julho de 1951] deixou-nos o autor em forma. So eles, apartir da esquerda:

    1. Direito do trabalho e democracia social2. Histria social da economia capitalista no Brasil3. Introduo histria social da economia pr-capitalista4. Populaes meridionais, 2 volume5. Antropossociologia das elites, dois volumes6. Ensaios7. Selees tnicas8. Selees telricas9. Problemas de organizao e problemas de direo

    Desta lista o primeiro foi lanado um ms depois da morte do socilogoe o sexto consta de dois volumes, aparecendo aqui somente o primeiro.

    Ainda em preparao, possvel compilar numerosos trabalhos inditos

    mencionados nas publicaes de Oliveira Vianna. Por exemplo:1. Populaes meridionais do Brasil, vol. II. (Os pastores rio-grandenses),emPequenos estudos da psicologia social, 1 ed., 1921. Em variantes poste-riores se menciona como subttulo (O campeador rio-grandense), em O ocasodo Imprio, 1 ed., 1926; emEvoluo do povo brasileiro, 2 ed., 1933; emO ocaso do Imprio, 2 ed., 1933; emRaa e assimilao, 2 ed., 1934; em

    Problemas da poltica objetiva, 1 ed., 1930.Educao das classes dirigentes,emPequenos estudos de psicologia social, 1 ed., 1921.

    2. Histria da Repblica, emPequenos estudos de psicologia social, 1ed., 1921.

    3. Rudimentos da cincia penitenciria, emPequenos estudos de psico-logia social, 1 ed., 1921; em O ocaso do Imprio, 1 ed., 1926.

    4. Problemas de antropologia social (bases para uma antropossociologiabrasileira), em O ocaso do Imprio, 1 ed., 1926.

    5. O problema da seleo intelectual, emProblemas de poltica objetiva,1930; emPopulaes meridionais do Brasil, 1 vol., 3 ed., 1933; emEvoluodo povo brasileiro, 2 ed., 1933; em O ocaso do Imprio, 2 ed.,1933; emRaae assimilao, 2 ed., 1934.

    6. Antropologia social (psicologia e sociologia da raa), emPopulaesmeridionais do Brasil, 3 ed., 1933; emEvoluo do povo brasileiro, 2 ed.,

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    1933; em O ocaso do Imprio, 2 ed., 1933; emRaa e assimilao, 2 ed.,1934; emProblemas de poltica objetiva, 1930.

    7. O ariano no Brasil (biologia e mesologia da raa), em Populaes me-ridionais do Brasil, 3 ed., 1933; emEvoluo do povo brasileiro, 2 ed., 1933;em O ocaso do Imprio, 2 ed., 1933; emRaa e assimilao, 2 ed., 1934; em

    Problemas de poltica objetiva, 1930; em Os imigrantes semticos e mongis e

    sua caracterizao antropolgica,Revista de Imigrao e Colonizao, 1940.2

    A meno das obras em preparao, como complemento da relao dasobras do autor que antecedem as pginas de rosto, foi uma prtica editorialcomum at tempos recentes e no pode existir nenhuma dvida de que taislistas de obras em preparao so da iniciativa do autor. No caso de OliveiraVianna torna-se indispensvel a anlise dessa relao, porque atravs dela quese revela o seu projeto criador (cf. Bourdieu 1967). A relao que se obtm

    bastante esclarecedora, pois denota diferentes momentos de sua trajetria. Almdo anncio das publicaes por vir, arma tambm que o livro que se tem emmo parte de um projeto maior, em fase de execuo. Conrma que o livroeditado no nico, nem ocasional, mas parte de um conjunto. D ainda umamedida do grau de consagrao do autor e da amplitude do seu projeto criador.

    Notas

    1 Evidentemente os editores usam a palavra obra como equivalente de livro, produzindo o sensocomum que no estabelece distino entre livro e obra.

    2 Este artigo era apresentado com o seguin te esclarecimento: fragmento de captulo de um li vroainda indito, O ariano no Brasil, cuja redao teria sido interrompida em 1932.

    CaptulO ii

    OS LIVROSRelao em ordem cronolgica

    e comentrios

    Populaes meridionais do Brasil ponto de par tida para umaleitura de Oliveira Vianna

    No presente captulo, consideramos dispensvel uma apreciao de todas asavaliaes da obra de Oliveira Vianna feitas pelos autores que se distinguiram

    pelas suas contribuies no campo da histria do pensamento social no Brasil.Tomamos como referncia apenas as que tm a vantagem de apresentar umaavaliao das avaliaes. Na realidade, para o m limitado que temos em vistae em face da diferena fundamental de perspectiva, o ensaio de WanderleyGuilherme dos Santos (1967) sobre A imaginao poltico-social brasileira suciente. Nele encontramos o dado de que no momento necessitamos: sele-cionados doze trabalhos mais signicativos, publicados entre 1943 e 1961,cujos autores so Fernando de Azevedo, Djacir Menezes, Costa Pinto/EdsonCarneiro, Guerreiro Ramos e Florestan Fernandes, Wanderley Guilherme ve-ricou que entre os autores-fonte de obras destinadas a ordenar historicamenteo pensamento poltico-social no Brasil h consenso quanto a Oliveira Vianna,que citado em seis trabalhos de quatro autores: Fernando de Azevedo (1943e 1956), Guerreiro Ramos (1955a), Djacir Menezes (1950 e 1956) e Florestan

    Fernandes (1957).Com base nessa vericao, Wanderley Guilherme cria dois grupos o dosNomes consagrados e o dos Nomes disputados. Oliveira Vianna gura no

    primeiro grupo, com a totalidade das indicaes (4), juntamente com Pontes deMiranda e Gilberto Freyre; os demais componentes, 21 ao todo nesse grupo, somencionados apenas por dois ou trs dos autores-fonte. Na constituio dessesdois grupos no foram considerados os autores modernos, que comearam a

    produzir na dcada de 40, de sorte que se torna necessrio considerar que ocritrio determinante de incluso/excluso num dos grupos foi ter comeado

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    4140 Oliveira vianna

    a produzir antes da dcada de 1940 e, em diferentes momentos entre 1943 e1957, ter sido citado por um s ou por mais de um dos autores-fonte. Insistimosnesse ponto, sem querer de modo algum fazer aqui a crtica do trabalho de Wan-derley Guilherme, apenas para chamar ateno para o fato de que nenhum dosgrupos nomes consagrados, nomes disputados rigorosamente histrico ouatual. Em ambos encontram-se vivos, e ainda em plena atividade intelectual, e

    mortos desde o m do sculo XIX, mas no, como esclarece o autor do ensaio,os que comearam a produzir na dcada de 40. Wanderley Guilherme tenta,na verdade, claricar os critrios seguidos pelos seus autores-fonte; em outraoportunidade tentaremos fazer o mesmo com relao aos seus prprios critriosavaliativos. Por ora queremos apenas apoiar-nos em seu trabalho para considerarcomo demonstrada a armativa, antes apenas aceita pelo senso comum, de queOliveira Vianna um nome consagrado como dos mais representativos dopensamento poltico-social no Brasil.

    A categoriapensamento poltico-sociale a categoria nomes consagrados esta inclui Tito Lvio de Castro, Caio Prado Jr., Pontes de Miranda, Euclidesda Cunha, Tristo de Athayde, entre outros tornam evidente, no entanto, aimpossibilidade de se encontrar, nos seus signicados aparentes e imediatos, oselementos identicadores seja de um pensamento poltico-social qualquer, sejada obra de cada autor includo, em termos de sua totalidade, e, menos ainda,as razes de afastamento-aproximao entre os autores.

    Aqui no tentamos dizer como Oliveira Vianna pensou todos os assuntossubmetidos a sua reexo e, portanto, no se trata de uma avaliao da obradesse autor, isto , da sua contribuio, em sentido global. Assim procedemos

    porque consideramos que obra pioneira e, por isso mesmo, desigual, com-plexa, que precisa ser vista por partes e cada parte no apenas em termos dasua coerncia interna, do modo de articulao do conhecimento do autor como conhecimento de outros autores, mas tambm de sua temporalidade prpria.

    A parte da obra de Oliveira Vianna escolhida como ponto de partida para

    a leitura que empreendemos de alguns clssicos brasileiros a constituda porPopulaes meridionais do Brasil, primeiro volume. As razes dessa escolhasero apresentadas em seguida. Na realidade, trata-se menos de uma escolhaque de imposio do mtodo adotado para essas leituras. O primeiro volumedePopulaes meridionais tem as suas Palavras de Prefcio datadas de no-vembro de 1918 e a edio original de 1920 (Monteiro Lobato & Cia., SoPaulo). Representa portanto, no conjunto da obra, um momento importante naseqncia do pensamento do autor, o mais prximo da sua preparao, o maisligado aos antecessores, seguramente o mais decisivo, pois marca o incio da

    interao autor-leitor.Alguns aspectos da preparao de Oliveira Vianna para os trabalhos inte-

    lectuais que o tornariam um nome consagrado devem ser, desde aqui, esclare-cidos. Tomemos como ponto de partida o seguinte texto de Cruz Costa (1956):

    Na mocidade de Oliveira Vianna eram ainda correntes, no Brasil, as in-

    uncias do comtismo, as do spencerismo evolucionista, assim como asidias monistas e materialistas de Haeckel e de Bchner. Na Faculdadede Direito do Rio de Janeiro, ele teria por mestre Silvio Romero e seriaeste que abriria novas perspectivas sua inteligncia. Mais tarde, Olivei-ra Vianna tomaria conhecimento das obras de Le Play e Demolins, queiro estabelecer os fundamentos do seu raciocnio na pesquisa social e nasdiferenciaes que vai fundamentar quando estudar a vida e a evoluodo grande domnio rural. (428)

    Desse texto retenhamos, por ora, apenas a informao relativa ao contatocom Silvio Romero, em relao aluno-professor numa faculdade que se cha-mava, ento, de Cincias Jurdicas e Sociais, nome perfeitamente adequado ao

    seu programa e transparente quanto sua intencionalidade. Torna-se necessrio,no entanto, ir muito alm da informao e do nome. O que se precisa conhecer,nessa primeira instncia, : o que ensinava Silvio Romero. Essatarefa no difcil, pois poucos autores dessa poca, em nosso meio, so to explcitos quan-to s fontes do seu saber e rarssimos deixaram escrito aquilo que ensinavam.Silvio Romero era professor de losoa do direito e autor, como todos sabem,de um Ensaio de losoa do direito (2 ed. inteiramente refundida, LivrariaFrancisco Alves, Rio de Janeiro-So Paulo-Belo Horizonte, 1908 320 pp.). Dizo prefcio segunda edio: Sendo o autor professor de Filosoa do Direito naFaculdade Livre de Cincias Jurdicas e Sociais do Rio de Janeiro, era naturalque procurasse pr o seu livro de acordo com o programa de sua carreira. oque fez. Sou obrigado a estender um pouco mais acitao nesse prefcio

    de duas pginas e meia, Silvio Romero relaciona nada menos de 63 nomes deautores e d indicao exata a respeito da relao tema-fonte. Assim, diz ele:

    Mais recentemente, os grandes discpulos de Le Play Ed. Demolins, P.de Rousiers, H. de Tourville, L. Pinard, A. de Prvillle nos processos deobservao aplicados com peculiar capricho s classes sociais e ao estudodas naes. Savigny, S. Maine e R. Ihering na concepo do Direito, aju-dados, posteriormente, por Fustel de Coulanges, Holtzendorff e Dareste.H. T. Buckle, nas linhas gerais da concepo da Histria como cincia.

    OslivrOs relaOemOrdemCrOnOlgiCaeCOmentriOs

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    E continua:

    H. de Tourvillle, j citado, para a formao dos grandes povos particula-ristas e a compreenso do feudalismo (...) Boutmy acerca dos inglesese americanos (...) Freeman, no que diz respeito histria geogrca daEuropa e constituio da Inglaterra (...). Acode ao autor o nome de T.Ribot, para a psicologia em geral e o de Le Bon, para a psicologia dasmassas, da educao e do socialismo moderno, os de Ammon e Lapougesobre a etnograa ariana (...) Esses tm sido, sucessivamente, no correrdos ltimos quarenta anos, cada um a seu turno, os principais mestres,auxiliares ou propulsores do pensamento do autor.

    Refere-se aos 63 nomes indicados, dos relacionados uns poucos, parao m em vista. Mas ainda acrescenta Silvio Romero: escusado falar do crescidssimonmero de leituras que deixaram, por certo, vestgios em seuesprito, de escritores de ordem secundria. Companheiros, por assim dizer, eno guias e chefes.

    Ainda uma vez somos obrigados a citar, pois se trata de reunir dados:

    H hoje um grupo de cincias novas, que so de um valor inestimvel paraa compreenso cientca do fenmeno histrico. a antropogeograa,cujos fundamentos lanou-os o grande Ratzel. a antropossociologia,recente e formosa cincia, em cujas construes trabalharam Gobineau,Lapouge e Ammon, gnios possantes, fecundos e originais. a psico-siologia coletiva dos Le Bons, dos Sigheles e principalmente dos Tardes. essa admirvel cincia social, fundada pelo gnio de Le Play, remo-delada por Henri de Tourville, auxiliado por um escol de investigadoresbrilhantes, Demolins, Poinsard, Descamps, Rousiers, Prville, cujasanlises minuciosas da siologia e da estrutura das sociedades humanas,de um to perfeito rigor, do aos mais obscuros textos histricos umaclaridade meridiana.

    Trata-se agora, como muitos talvez j tenham percebido, de trecho dasPalavras de Prefcio do primeiro volume dePopulaes meridionais (1, II).Os autores selecionados da nominata de Silvio Romero guram todos na biblio-graa de Oliveira Vianna, embora no includos nessa indicao do prefcio.

    preciso agora que que bem claro o que temos em vista at aqui. Em primeirolugar, parece evidenciado quePopulaes meridionais, obra concluda em 1918(primeiro volume), quando o autor tinha 35 anos de idade, pode ser referida aum certo domnio de conhecimentos, academicamente organizados, um corpo

    de saber prossional. Isto inegavelmente importante, do ponto de vista dasespecicidades de uma cosmoviso. Como decorrncia, parece do mesmo modoevidenciado que Oliveira Vianna no foi um autodidata, imagem vulgarizadae de fcil aceitao, usada, no s em relao a ele, como uma justicativa, ou

    pelo menos como uma explicao, para falhas e decincias. A popularizaodessa imagem teve provavelmente como fonte o texto que transcrevemos:

    Ora, o Sr. Gilberto Freyre fez estudos especializados sobre Sociologia eAntropologia na Amrica do Norte, ao passo que o Sr. Oliveira Vianna,admirvel autodidata, teve que aprender tudo isso na sua vivenda daAlameda So Boaventura, em Niteri.

    Agrippino Grieco, crtico no s erudito mas tambm dotado de notvelintuio, amigo de Oliveira Vianna e admirador dos seus trabalhos, o autordo texto transcrito. Faz parte de um artigo sobre Casa grande e senzala, queacabara de ser publicado. No mesmo volume Gente nova do Brasil(Rio deJaneiro, 1935) est includo um artigo sobre O ocaso do Imprio, com datade 1926, que a da segunda edio, na seo dos Veteranos. Passemos agora

    a um outro gnero de armativas, primeiro doprprioGrieco, em seguida deTristo de Athayde:

    (...) suscitou eleentre ns a boa leitura sociolgica e lana nasPopulaesMeridionais do Brasiluma obra-prima. V-se que o escritor uminensecontinua procedendo auminqurito direto ao nosso meio. Amigo dasrealidades concretas (...) observa os brasileiros in situ e indaga de causas eefeitos em nosso prprio ambiente. Nem outra cousa se podia esperar dopas que vacilou sempre entre o coronel e o bacharel... (op. cit., 414-416).

    O autor de O Idealismo na Constituio tambm um formidvel pesqui-sador de crnicas e de arquivos. O Sr. Oliveira Vianna um socilogo denossos dias e de nossa terra. um realista. Um homem, como o Sr. Oliveira

    Vianna, no tem retrica. Que ousa chamar a ideologia das urnas de vo-tolatria. Que ousa denunciar a Arca Santa de 1891, como um documentoagrante da nossa fantasia perigosa, do nosso mimetismo inconsistente,da nossa supercialidade de retricos palavrosos e formuleiros. (Tristode Athayde,Estudos, Segunda Srie; 2 ed., So Paulo, 1934, 111, 194).

    Cremos que diante desses dados podemos tentar uma explicao maisprofunda, que os transcenda. Oliveira Vianna, observador, que faz inquritos,

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    que pesquisa em arquivos, que realista, que no tem retrica, no poderiaser um bacharel; ao contrrio, era o antibacharel. Ou, sem outra alternativa,o autodidata. Essa identicao do esteretipo do bacharel com a formao

    prossional em cincias jurdicas e sociais, tal como o ensino estava organizadona poca dos seus estudos superiores, principalmente no Recife, em Fortaleza,em Salvador, no Rio de Janeiro e em So Paulo, com as suas cadeiras de Direito

    Romano, Filosoa do Direito e Teoria do Estado, geralmente ocupadas poreruditos, tornou-se altamente inconveniente. Ela responsvel pela ocultaode um conjunto signicativo de elementos, que geralmente no so includosnas histrias de formaes prossionais mais recentes, com as quais, no en-tanto, manteve sem dvida relaes estreitas. Considere-se, por exemplo, ahistria, a cincia poltica, a sociologia e a antropologia. No aqui o lugar

    para discutir o assunto, mas no so poucos os componentes daquela listagemde nomes consagrados com esse tipo de formao. Na realidade, maioriaabsoluta. Apreciada a relao dos nomes disputados, esse nmero crescemuito. Em suma, na nominata dos 42 escritores que produziram a histriado pensamento poltico-social no Brasil, de imediato s identicamos trsmdicos e trs engenheiros. Os demais tiveram uma formao acadmica debacharel. Formao prossional, como a do mdico e a do engenheiro, mascom a particularidade de ter sido o continente, por muito tempo, da histria,da sociologia, da poltica. E isso no aconteceu apenas aqui, mas em toda a

    parte. Queremos pr em relevo, precisamente , o fato de que, ao contrrio deum autodidatismo, o que encontramos nesses autores uma cosmovisoelaborada com anterioridade ao seu pensar, com os seus objetos j constitudos,com os seus domnios de saber j denidos. Essa uma cosmoviso que temas suas especicidades e o mesmo acontece com a cosmoviso do mdico ea cosmoviso do engenheiro. E os discursos que servem para exprimir essascosmo