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  • Emerson Garcia 127

    Doutrina Nacional

    A RELIGIO ENTRE A PESSOA HUMANA E O ESTADO DE DIREITO

    EMERSON GARCIAPromotor de Justia do Estado do Rio de Janeiro

    RESUMO: O direito fundamental de professar, ou no, uma crena, tem-se mostrado essencial ao pleno desenvolvimento da personalidade individual, permitindo que referenciais morais e espirituais atuem de modo concorrente no esboo de suas linhas estruturais. Direitos dessa natureza, em um Estado laico, como a Repblica Federativa do Brasil, terminam por se defrontar, no mbito dos poderes constitudos, com uma evidente tenso dialtica entre a obrigao de proteger e a vedao de se integrar ao fenmeno religioso. O objetivo dessas breves linhas, assim, identificar as situaes em que essa tenso se manifesta de modo mais acentuado, com a consequente identificao de solues de cunho harmonizador.

    PALAVRAS-CHAVE: Ensino religioso; liberdade de crena; objeo de conscincia e religio.

    ABSTRACT: The fundamental right of professing, or not, a faith, is essential to the full development of the individual personality, allowing moral and spiritual factors to act in a competitive way in the drawing of their structural lines. Rights of that nature, in a neutral State, as the Federal Republic of Brazil, end in confronting, in the extent of the constituted powers, with an evident dialectic tension among the obligation of protecting and the prohibition of integrating to the religious phenomenon. The objective of those brief lines is to identify the situations in that the tension arises in an accentuated way, with the consequent identification of solutions.

    KEY WORDS: Religious teaching; freedom of faith; objection of conscience and religion.

    SUMRIO: 1. Delimitao do plano de estudo. 2. Liberdade de conscincia e de crena. 2.1. A proteo da liberdade de crena e convico. 2.2. Liberdade de crena e tratamento mdico. 2.3. Objeo de conscincia ao servio militar. 3. As relaes entre Estado e religio. 3.1. Liberdade de crena e laicidade do Estado. 3.2. A imunidade tributria dos templos de qualquer culto. 3.3. O ensino religioso nas escolas pblicas.

  • Doutrina Nacional128

    3.4. A assistncia religiosa nas entidades de internao coletiva. 4. Proposies conclusivas. 5. Referncias bibliogrficas.

    1. Delimitao do plano de estudo

    A evoluo da humanidade tem demonstrado que o pleno desenvolvimento da personalidade individual e a harmnica convivncia social, longe de estarem alicerados em um padro de pura juridicidade, so diretamente influenciados por referenciais de moralidade e de espiritualidade.

    Apesar da universalidade que ostenta, a ideia de moral assume contornos eminentemente volteis, apresentando contedo compatvel com a poca, o local e os mentores de sua densificao. conceito mais fcil de ser sentido que propriamente definido, o que no afasta a constatao de que, no ambiente social, so formulados conceitos abstratos, que condensam, de forma sinttica, a experincia auferida com a convivncia em sociedade, terminando por estabelecer concepes dotadas de certa estabilidade e com ampla aceitao entre todos, o que contribui para a manuteno do bem-estar geral. justamente a moral que aglutina tais concepes, podendo ser concebida como o conjunto de valores comuns entre os membros da coletividade em determinada poca, ou, sob uma tica restritiva, o manancial de valores que informam o atuar do indivduo, estabelecendo os seus deveres para consigo e a sua prpria conscincia sobre o bem e o mal. No primeiro caso, conforme a distino realizada pelo filsofo Bergson1 tem-se o que se convencionou chamar de moral fechada, e, no segundo, a moral aberta.2

    A espiritualidade, diversamente da moralidade, no reflete a mera aceitao de standards de bem comum, colhidos no ambiente social ou desenvolvidos a partir do livre juzo valorativo que cada indivduo dotado de plena capacidade intelectiva pode realizar.3 A espiritualidade, em verdade, encontra-se alicerada em referenciais superiores, que agem na formao dos standards que direcionaro o pensar e o agir da pessoa humana, sendo por ele apreendidos, no propriamente criados. Esses standards, por sua vez, que tm reconhecida a sua imperatividade, importncia ou mero valor a partir de um estado mental baseado na f, vale dizer, na crena de sua infalibilidade e correo, apresentam inmeras variaes. O pluralismo conduz necessidade de separao e individualizao, de modo que cada conjunto de standards possa ser agrupado sob um designativo especfico, permitindo o seu reconhecimento e, para aqueles que assim o desejarem, o seu acolhimento. nesse contexto que surgem e se propagam as religies, desenvolvendo-se margem da razo, no plano da espiritualidade, e encontrando sustentao na f.

    1 Cf. Bergson (1977, p. 34 e ss.).2 Cf. GARCIA, Emerson. A Moralidade Administrativa e sua Densificao. In: Revista de Informao Legislativa do Senado Federal, v. 39, n. 155, p. 153-173, jul./set. 2002.3 a moral crtica a que se referia Hart (2001, p. 201).

  • Emerson Garcia 129

    Questes de ndole religiosa costumam ser foco de incontveis polmicas em qualquer Estado de Direito e, no Brasil, no poderia ser diferente. A religio, ao ser vista com as lentes da juridicidade, assume feies bipolares: deve ser analisada tanto sob o prisma da pessoa humana, como sob a tica do Estado. justamente essa anlise que permitir seja aferido se h algum limite para a manifestao da f individual e de que modo o Estado deve lidar com a laicidade, com o pluralismo religioso e com a proteo dos direitos individuais, valores de indiscutvel relevncia na modernidade.

    O objetivo dessas breves linhas identificar os limites e as potencialidades da relao triangular mantida entre pessoa humana, religio e Estado de Direito.

    2. Liberdade de conscincia e de crena

    A Constituio brasileira de 1988, preservando a tradio republicana4 e mantendo-se fiel aos valores acolhidos pela sociedade internacional5 e pela maioria dos Estados modernos6, disps, no inciso VI de seu art. 5, que inviolvel a liberdade de conscincia e de crena, sendo assegurado o livre exerccio dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteo aos locais de culto e a suas liturgias.

    Como projeo da racionalidade do ser humano, a liberdade de conscincia assegura-lhe o pleno juzo valorativo a respeito de sua existncia e do mundo em que est inserido. O indivduo estabelece os seus prprios critrios de bom ou ruim e orienta as suas decises de acordo com eles7, tendo a dignidade afirmada com o reconhecimento de sua capacidade em formular juzos morais sobre suas aes e de direcionar a sua conduta de acordo com esses juzos.8

    Em relao ao alcance da liberdade de conscincia e sua necessria coexistncia com os demais valores protegidos pela ordem jurdica, o Tribunal Constitucional

    4 Constituies de 1891 (art. 72, 3); 1934 (art. 113, n 5); 1937 (art. 122, n 4); 1946 (art. 141, 7); 1967 (art. 150, 5); e Emenda Constitucional n 1/1969 (art. 153, 5). No Imprio, face adoo de uma religio oficial a catlica apostlica romana , eram impostas restries manifestao pblica de outras crenas: Constituio de 1824, arts. 5 e 179, n 5.5 Conveno Americana de Direitos Humanos Pacto de So Jos da Costa Rica, adotada em 22/11/1969 e promulgada pelo Decreto n 678/1992 (arts. 5, 1; e 12, 1); Declarao Universal dos Direitos Huma-nos, adotada e proclamada pela Resoluo 217 A (III) da Assembleia Geral das Naes Unidas, de 10 de dezembro de 1948 (art. 18); e Pacto Internacional dos Direitos Civis e Polticos, adotado em 16/12/1966 e promulgada pelo Decreto n 592/1992 (arts. 18, 1; e 27).6 Vide Primeira Emenda Constituio norte-americana de 1787, adotada em 1791; e Constituies ale-m de 1949 (art. 4); andorrana de 1993 (art. 11, 1 e pargrafo nico); argentina de 1853 (art. 14); belga de 1994 (arts. 19; e 20); cubana de 1976 (art. 54); espanhola de 1978 (arts. 16 e 20 (1, d)); francesa de 1958 (prembulo, art. 2); holandesa de 1983 (art. 6, 2); italiana de 1947 (arts. 8, 19 e 20); japonesa de 1946 (art. 20); portuguesa de 1976 (art. 41); russa de 1993 (arts. 14, 2; 28; e 29, 2); sua de 1874 (art. 49) e de 1999 (arts. 8, 2; 15; e 72); e turca de 1982 (art. 15, 2); Declarao de Direitos da Virgnia (EUA) de 1776 (Seo 16); Declarao Dignitatis Humanae sobre Liberdade Religiosa, do Conclio Vaticano II, de 1965; Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado (Frana) de 1789 (art. 10).7 Cf. Starck e Schmidt (2008, p. 158).8 Cf. Favre (1970, p. 279).

  • Doutrina Nacional130

    Federal alemo (Bundesverfassungsgericht)9 teve a oportunidade de apreciar o seguinte caso: em certa rea, vizinha propriedade de um indivduo protetor dos animais, eram realizadas caadas, o que o obrigava, constantemente, a ver os animais mortos, afrontando desse modo os valores que vinha seguindo durante toda a sua vida. Por entender violada a sua liberdade de conscincia (Gewissensfreiheit), pleiteou a paralisao daquelas atividades. O Tribunal, no entanto, no visualizou qualquer ofensa a esse direito fundamental, isto porque o protetor dos animais no era obrigado a tomar parte nas caadas elas no se desenvolviam em sua propriedade e, alm disso, eram igualmente protegidas pela ordem jurdica, o que assegurava aos caadores o direito de caar. Observa-se, assim, que a conscincia individual, ao romper o psiquismo e alcanar a realidade, deve coexistir com os padres de juridicidade.

    A liberdade de crena, por sua vez, contextualizada no plano da f, que pode ser livremente escolhida e professada, sem qualquer interferncia do Estado ou de outros particulares. Como limite, tem-se a necessidade de resguardar a ordem pblica e assegurar igual liberdade aos demais componentes do grupamento, que no podem ser compelidos a violentar a sua conscincia e a professar f alheia. A preocupao com a preservao da ordem pblica, alis, remonta clebre Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado de 1789 (art. 10).10 A liberdade de crena pode ser concebida como a face intrnseca da liberdade religiosa, afeta intimidade do ser humano, enquanto a liberdade de culto a sua face extrnseca, momento em que ocorre a exteriorizao da f.

    A respeito da liberdade religiosa, tambm assegurada pela Primeira Emenda Constituio norte-americana, o Justice William Douglas11 nela visualizava as seguintes facetas: nenhuma autoridade sectria deve ser investida do poder do governo; o governo no tem influncia direta nos assuntos de nenhuma igreja; os cidados no so taxados por auxiliarem uma instituio religiosa e nenhuma igreja deve receber recursos pblicos; as pessoas podem pertencer igreja que desejarem, ou a nenhuma, e ningum pode ser obrigado a participar de cerimnias religiosas, como o casamento; nas disputas internas entre segmentos da igreja, os juzes devem observar sua disciplina interna; escolas pblicas no so agncias de ensino religioso, no havendo razo para que o Estado no ajuste os horrios das escolas de modo que os estudantes obtenham tal ensino em outro lugar; pais e crianas tm o direito de frequentar escolas privadas religiosas; o exerccio de um ritual no pode ser imposto, pelo Estado, ao indivduo, se isso caminha contra as suas convices religiosas; a liberdade religiosa engloba os mtodos convencionais e os ortodoxos, como o de

    9 BvR 2084/2005, j. em 13/12/2006, in Neue Zeitschrifit fr Verwaltungsrech, 2007. p. 808. 10 A Declarao Dignitatis Humanae, do Conclio Vaticano II, dispe que a liberdade religiosa um di-reito civil de todos os seres humanos, o que lhes assegura [...] estarem imunes de coero tanto por parte de pessoas particulares, como de grupos sociais e de qualquer autoridade humana (n 1); acrescendo-se que, [...] em matria religiosa, nem se obriga algum a obrar contra sua conscincia, nem se impede que atue em conformidade com ela, em ambiente privado ou pblico, s ou associado com outros, dentro dos limites devidos (n 2).11 Cf. Douglas (1966, p. 91-92).

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    distribuir literatura religiosa de porta em porta; o funcionamento de uma igreja no deve ser condicionado concesso de licena ou ao pagamento de taxas ao Estado; a liberdade religiosa deve alcanar tanto aqueles que fundam sua crena em um ser supremo, como aqueles que a buscam na tica e na moral; o que pode configurar prtica pag para uma pessoa pode ser religiosa para outra, no sendo funo do Estado realizar aferies dessa natureza, inclusive para fins punitivos.

    A liberdade religiosa, em suas distintas formas de manifestao, sempre estar lastreada no ideal de tolerncia, que antecede e d sustentao sua juridicidade. Essa constatao torna-se particularmente clara ao verificarmos a falibilidade humana na formao e na identificao da verdade, de todo acentuada em questes de estrita racionalidade, impossvel de ser alcanada em relao ao que ultrapassa os liames da razo, como a f e os distintos modos de manifest-la.12

    As liberdades de crena e de culto tambm trazem consigo um aspecto negativo ou, melhor dizendo, neutral, nsito e indissocivel de qualquer direito fundamental, que consiste justamente na possibilidade de no exerc-lo. A pessoa livre para ter ou no uma crena, realizar ou no um culto. Nesse sentido, a Constituio andorrana de 1993 (art. 11, 1) tornou expresso o que nela j estaria nsito, vale dizer, a Constituio garante a liberdade de pensamento, de religio e de culto, e o direito de toda pessoa de no declarar ou manifestar seu pensamento, sua religio ou suas crenas.

    Deve-se observar, ainda, que nem tudo aquilo que emana de um religioso ou de uma instituio religiosa deve ser indistintamente enquadrado sob a epgrafe da liberdade de crena ou do livre exerccio dos cultos religiosos. Nesse sentido, pode-se mencionar o exemplo de uma igreja que faa soar seus sinos, por poucos segundos, a cada hora completa e, aos domingos, no incio do culto religioso, por cinco minutos: enquanto a segunda conduta est nitidamente associada liberdade de crena e culto, a primeira deles se distancia e se enquadra na clusula geral de liberdade,13 cujo potencial expansivo somente limitado pela necessidade de resguardar os direitos alheios e de assegurar a integridade da ordem jurdica.14 A lei, em qualquer caso, deve assegurar a proteo aos locais de culto e a suas liturgias (CR/1988, art. 5, VI), evitando seja afetada a integridade das instalaes religiosas ou comprometida a transmisso dos dogmas que justificam a sua existncia.

    A correta compreenso da inviolabilidade da liberdade de conscincia e de crena ainda exige seja devidamente delimitado o seu objeto. Em outras palavras, essa liberdade alcana apenas a manifestao de f e religiosidade ou tambm se projeta sobre as manifestaes negativas a respeito do fenmeno religioso? possvel difundir os aspectos negativos das religies e a crena de que o melhor no ter crena alguma? Em um Estado pluralista e de acentuados contornos liberais, como si ser a Repblica Federativa do Brasil, a resposta positiva h de prevalecer. Uma verdadeira

    12 Cf. Vera Urbano (1971, p. 22-23). 13 Constituio brasileira de 1988, art. 5, inc. II.14 Cf. Starck e Schmidt (2008, p. 159).

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    liberdade religiosa somente poder existir em estando presente a plena liberdade individual para adotar uma opo em matria de f; e isso somente ser possvel caso a pessoa receba todas as informaes necessrias formao do seu juzo de valor, o que, evidncia, pressupe seja reconhecido o direito de algum transmitir tanto as opinies favorveis, como as desfavorveis, a respeito de uma religio.15 O autor das crticas, no entanto, deve arcar com todas as consequncias decorrentes do excesso de linguagem ou do vilipndio de smbolos ou dogmas alheios, j que ultrapassam os limites do livre exerccio do seu direito individual.

    importante observar que tanto a liberdade de conscincia, como a de crena, podem permanecer adstritas ao denominado forum internum, vale dizer, ao plano puramente psquico, ou estender-se ao forum externum, ocasio em que so exteriorizadas e entram em efetivo contato com a realidade. justamente sob essa ltima tica que a sua proteo jurdica adquire relevncia prtica.16

    2.1. A proteo da liberdade de crena e convico

    Como projeo direta de sua personalidade, toda pessoa humana desenvolve juzos valorativos que expressam sua forma de ver, situar-se e interagir no meio social, fatores estes que a individualizam enquanto ser racional e que merecem a proteo do Estado. A Constituio brasileira de 1988, como desdobramento necessrio do pluralismo e da dignidade humana, que reconhece e protege, obsta que algum tenha a sua esfera jurdica restringida to somente por motivo de crena religiosa ou de convico filosfica ou poltica (art. 5, VIII).17 Trata-se de garantia essencialmente direcionada ao pensar, no necessariamente ao agir, isto porque crenas ou convices podem redundar em atos contrrios ordem jurdica (v.g.: a prtica de um homicdio como parte integrante de solenidade religiosa), no eximindo o seu autor da responsabilidade pelos ilcitos que praticar.

    Alm de proteger a liberdade de crena e convico, a ordem constitucional permite, igualmente, que qualquer pessoa deixe de cumprir deveres jurdicos de origem legal, genericamente impostos a todos, que colidam com a referida liberdade. Trata-se da denominada objeo de conscincia, que, em seus contornos mais amplos, indica a recusa em obedecer a um comando de autoridade, a um imperativo jurdico, invocando-se a existncia, no foro individual, de impedimentos de ordem axiolgica que obstam a adoo do comportamento exigido. A base axiolgica que d sustentao objeo de conscincia pode decorrer de razes morais, filosficas ou polticas, da surgindo

    15 Cf. Ciurriz (1984, p. 103-105).16 Cf. Starck e Schmidt (2008, p. 155).17 Vide Constituies: alem de 1949 (art. 4); andorrana de 1993 (art. 11, 2); argentina de 1853 (art. 14); belga de 1994 (arts. 11 19 e 131); cubana de 1976 (art. 54); espanhola de 1978 (arts. 16 e 20 (I, d)); holandesa de 1983 (art. 6, 1); italiana de 1947 (arts. 8, 19 e 20); japonesa de 1946 (art. 20); portuguesa de 1976 (art. 41) e sua de 1999 (art. 15); Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado (Frana), de 1789 (art. 10). No mbito do Direito Internacional, vide a Conveno Americana de Direitos Humanos Pacto de So Jos da Costa Rica, de 1969 (art. 12, 2 e 3); a Declarao Universal dos Direitos Humanos, de 1948 (art. 18); e o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Polticos, de 1966 (arts. 18, 2 e 3; e 27).

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    um sentimento de averso a uma gama extremamente varivel de comportamentos plenamente jurgenos. Reflete uma forma de penetrao da moral no direito, que anui em arrefecer a sua imperatividade em prol da conscincia individual, preservando um valor indissocivel da personalidade humana.

    Como necessrio contraponto objeo de conscincia, disps a Constituio de 1988, tambm no art. 5, VIII, que a sua invocao, com o correlato descumprimento de obrigao legal, poder redundar em privao de direitos caso a pessoa se recuse a cumprir prestao alternativa, fixada em lei. Com isso, busca-se preservar um referencial de igualdade nas relaes com o Estado, evitando que determinadas pessoas, por cultivarem valores distintos aos de outras, sejam desoneradas de toda e qualquer obrigao legal. A prestao alternativa, que, a exemplo do dever jurdico original, deve ser necessariamente definida em lei, visa justamente a recompor esse referencial de igualdade, inicialmente maculado com a formulao da objeo de conscincia.

    importante ressaltar que a objeo de conscincia somente far surgir a obrigao de cumprir a prestao alternativa caso a obrigao original que motivou a sua formulao tenha sido a todos imposta. A generalidade da obrigao legal atua como verdadeiro pressuposto de sua prpria imperatividade. Tratando-se, ao revs, de obrigao casustica, endereada a pessoas perfeitamente individualizadas, no ser possvel impor qualquer privao de direitos queles que se negaram a cumpri-la. Aqui, no se ter propriamente obrigao, mas, sim, perseguio.

    2.2. Liberdade de crena e tratamento mdico

    Em face da amplitude da liberdade de crena, que pode albergar variadas manifestaes de f, incluindo certos comportamentos que destoam dos padres de racionalidade j sedimentados no ambiente social, no ser incomum a presena de situaes de coliso com outros bens e valores constitucionalmente tutelados. Esse quadro particularmente delicado nas situaes em que a pessoa padea de patologia, congnita ou provocada por causas externas, e haja negativa de receber o tratamento mdico que o atual estgio da tcnica considera adequado.

    Tratando-se de pessoa plenamente capaz de exteriorizar a vontade, h de prevalecer a autodeterminao, sendo possvel que se negue a receber os tratamentos mdicos que considere incompatveis com a sua crena. A simplicidade dessa soluo, no entanto, no se estende s situaes em que estejamos perante pessoas que, em carter definitivo ou temporrio, sejam total ou parcialmente incapazes de exteriorizar a sua vontade, como as crianas e os alienados mentais. Nesse caso, questiona-se: podem os seus responsveis legais, lastreados em bases religiosas, proibir que recebam certo tratamento mdico? Esse questionamento, desde logo, suscita reflexes em torno da necessria salvaguarda de outros bens jurdicos igualmente tutelados pela ordem constitucional, como o direito vida (CR/1988, art. 5, caput) e sade (CR/1988, art. 196, caput), no sendo demais lembrar que: dever da famlia, da sociedade e do Estado assegurar criana e ao adoles cente, com absoluta prioridade, o direito vida, sade, [...]. (CR/1988, art. 227, caput).

  • Doutrina Nacional134

    Essa espcie de coliso, como soa evidente, ser necessariamente influenciada pelas especificidades do caso concreto, no comportando respostas definitivas em abstrato. Isto, no entanto, no impede sejam estabelecidas, previamente, duas pautas argumentativas, de carter objetivo, que influenciaro na soluo do caso concreto: (1) a vida e, em certa medida, o gozo de um bom estado de sade, so pressupostos necessrios ao pleno exerccio da liberdade de crena; e (2) a autonomia da vontade, na hiptese aqui versada, plena no plano pessoal e relativamente limitada em relao aos incapazes, j que sujeita a certos balizamentos jurdicos de carter imperativo. A partir dessas pautas objetivas, pode-se afirmar que, nesses casos, a liberdade de crena jamais autorizar o comprometimento da vida, e que, em relao s intervenes mdicas destinadas cura de patologias menos graves, a resoluo do caso concreto ser influenciada pela existncia, ou no, de tratamentos alternativos e pelas consequncias deletrias que decorrero da no realizao do tratamento inicialmente indicado.

    2.3. Objeo de conscincia ao servio militar

    Objeo de conscincia, em seus contornos mais amplos, indica a recusa em obedecer a um comando de autoridade, a um imperativo jurdico, invocando-se a existncia, no foro individual, de fundamentos de ordem axiolgica que impedem a adoo do comportamento exigido. A base axiolgica que d sustentao objeo de conscincia pode decorrer de razes filosficas, religiosas ou polticas, da surgindo um sentimento de averso a uma gama extremamente varivel de comportamentos plenamente jurgenos. Reflete uma forma de penetrao da moral no direito, que anui em arrefecer sua imperatividade em prol da conscincia individual, preservando esse valor indissocivel da personalidade humana.18

    Especificamente em relao objeo de conscincia no mbito do servio militar, a Constituio brasileira de 1988, no 1 de seu art. 143,19 estabelece alguns balizamentos de natureza pessoal, constitutiva, circunstancial e finalstica sua plena operatividade. No mbito pessoal, a objeo de conscincia somente pode ser formulada pelos alistados. Em termos constitutivos, exige-se que o imperativo de conscincia decorra de crena religiosa ou de convico filosfica ou poltica, conceitos que acolhem praticamente todas as razes passveis de serem invocadas, merecendo especial realce a convico filosfica, qual pode ser reconduzido qualquer aspecto do pensamento humano. No plano circunstancial, tem-se que a recusa somente pode ser manifestada em tempo de paz, previso justificvel na medida em que, em perodos de guerra, o que se encontra em jogo a prpria

    18 Um interessante resumo da linha evolutiva da objeo de conscincia, em que se percebe uma intensa influncia de fatores teolgicos, pode ser obtido em VENDITTI, Rodolfo. LObiezione di Coscienza al Servizio Militare. Milano: Dott. A. Giuffr Editore, 1981. p. 6-36.19 Sobre a temtica, vide as Constituies: alem de 1949 (arts. 4, 3; e 12a, 1); chilena de 1980 (art. 22); cubana de 1976 (art. 64); espanhola de 1978 (art. 30(2)); holandesa de 1983 (arts. 98, 3; e 99); italiana de 1947 (art. 42); mexicana de 1917 (art. 31, II e III); paraguaia (art. 113); peruana de 1993 (art. 78); portuguesa de 1976 (art. 276); russa de 1993 (art. 59, 3); sua de 1999 (art. 59, 3); e venezuelana de 2000 (art. 53).

  • Emerson Garcia 135

    subsistncia do Estado, que no pode ser comprometida em razo da prevalncia de interesses individuais; trata-se de juzo de ponderao realizado, a priori, pelo prprio Constituinte. Por fim, no plano finalstico, restringe-se o emprego da objeo de conscincia s atividades de carter essencialmente militar, o que afasta a possibilidade de recusa a atividades burocrticas ou essencialmente perifricas, como o atendimento em hospitais, sem qualquer contato com operaes blicas. Observa-se, nesse ltimo caso, que a objeo de conscincia do direito brasileiro possui maior potencial expansivo que a de outros sistemas, como o alemo, que restringe a formulao da Kriegsdienstverweigerung s situaes em que seja exigida a utilizao de armas (Waffen) GG de 1949, art. 4, 3.

    Preenchidos os requisitos constitucionais, no h espao para recusa objeo de conscincia. Isto, no entanto, no significa que o objetor esteja imune a todo e qualquer dever jurdico. Nesses casos, o que se verifica a outorga de competncia s Foras Armadas para que, na forma da lei (CR/1988, art. 143, 1), atribuam-lhe um servio alternativo, o qual, importante frisar, no pode contrapor-se s razes que embasaram a prpria objeo de conscincia.

    3. As relaes entre Estado e religio: o carter laico do Estado brasileiro

    As relaes do Estado com o poder espiritual tm sofrido alteraes to intensas quanto as variantes de espao e tempo utilizadas para contextualizar a respectiva anlise.

    De um modo geral, os distintos modelos existentes podem ser enquadrados em uma das seguintes categorias: (1) Estado teocrtico ou sacral, onde, eliminada qualquer possibilidade de pluralismo religioso, verifica-se a interpenetrao entre Estado e poder espiritual na consecuo do bem comum (v.g.: o fundamentalismo religioso no Iran e no Vaticano); (2) Estado proselitista, cuja caracterstica essencial no propriamente a confuso entre as figuras, mas a proteo e o enaltecimento de uma religio especfica (v.g.: Estados ortodoxos); (3) Estado cooperativo, onde, apesar de reconhecido o pluralismo, o poder espiritual e o poder estatal apresentam pontos de contato (v.g.: no Reino Unido, o Chefe de Estado deve jurar fidelidade aos dogmas da igreja oficial, a anglicana, e ser, igualmente, o seu chefe); (4) Estado laico ou secular, que passa ao largo da realidade religiosa subjacente ao meio social e elimina, a priori, qualquer influncia do poder espiritual no ambiente poltico; laicidade guarda similitude com neutralidade, indicando a impossibilidade de a estrutura estatal de poder possuir uma f oficial, privilegiando-a em detrimento das demais; e (5) Estado totalitrio atesta ou simplesmente ateu, que v no poder espiritual objetivos incompatveis com os do Estado, terminando por vedar as prprias prticas religiosas (v.g.: a extinta Unio das Repblicas Socialistas Soviticas URSS).

    A Constituio argentina de 1853, mesmo aps suas sucessivas reformas, dispe, no incio do sculo XXI, que el gobierno federal sostiene el culto catlico apostlico

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    romano (art. 2).20 No Brasil, a Constituio de 1824 assegurava a liberdade de culto, em locais fechados, mas considerava, como religio oficial do Estado, a catlica, apostlica, romana. Proclamada a Repblica, a Igreja foi separada do Estado, que passou a ser laico: no entanto, face controvrsia em relao representao diplomtica brasileira no Vaticano, a Reforma de 1926 acrescentou o 7 ao art. 72 da Constituio de 1891, tornando expresso que [...] a representao diplomtica do Brasil junto Santa S no implicava violao desse princpio. O preceito, nitidamente desnecessrio j que a manuteno de relaes diplomticas, por si s, j indica a separao entre os entes , foi repetido nas Constituies de 1934 (art. 176) e 1946 (art. 196), sendo omitido nas demais.

    Consoante o inciso I do art. 19 da Constituio de 1988,21 vedado ao Estado: (1) promover cultos religiosos; (2) manter templos religiosos; (3) estimular a prtica de certa religio, com incentivos de qualquer natureza, financeiros ou no; (4) estabelecer relaes de dependncia ou aliana com organismos religiosos, de modo que diretivas baseadas puramente na f influam no delineamento de decises estatais; ou (5) impor restries ao exerccio das demais religies.22

    Os limites da relao do Estado com a religio foram objeto de anlise pelo Tribunal Constitucional Federal alemo, o qual, apreciando a amplitude da neutralidade apregoada pelo direito constitucional (GG de 1949, art. 140 c/c Constituio de Weimar, art. 137, I), decidiu pela impossibilidade de serem afixados crucifixos nas salas de aula das escolas pblicas, prtica que denotava a adeso ao cristianismo em detrimento das demais religies livremente professadas.23 No obstante a similitude, nessa temtica, da Grundgesetz alem com a atual Constituio brasileira, cremos que a transposio desse entendimento para a nossa realidade exige alguns temperamentos. O primeiro deles consiste no fato de o cristianismo e, mais especificamente, o catolicismo, serem partes integrantes da tradio brasileira, da decorrendo que a exposio da cruz pode ser vista como mera deferncia a esse elemento cultural, em nada refletindo um comprometimento religioso por parte do Estado. O segundo indica que, no Brasil, o pluralismo religioso ainda no resultou numa rejeio socialmente relevante de certos smbolos que fazem parte da nossa tradio. O terceiro, por sua vez, aconselha que medidas dessa natureza, drsticas, e que naturalmente sero interpretadas como uma afronta respectiva religio, decorram de uma reao social, vale dizer, da disseminao do sentimento de discriminao, junto s demais religies, em relao exibio de um smbolo caracterstico do catolicismo. A questo, assim, no deve ser analisada puramente in abstracto, desconsiderando-se a realidade social.

    20 Cf. Bidart Campos (2006, p. 541).21 Vide as Constituies de 1891 (art. 11, inc. 2); 1934 (art. 17, II); 1937 (art. 32, b); 1946 (art. 31, II); e 1967 (art. 9, II); como tambm a Emenda Constitucional n 1/1969 (art. 9, II).22 Vide as Constituies: alem de 1949 (art. 140 c/c art. 137, I, da Constituio de Weimar de 1919: Es besteht keine Staatskirche); andorrana de 1993 (art. 11, 3); belga de 1994 (art. 21, 1); russa de 1993 (art. 14, 1 e 2) e sua de 1999 (art. 72, 2).23 BVerfGE 108, 282. Cf. JARASS, Hans D.; PIEROTH, Bodo. Grundgesetz fr die Bundesrepublick Deutschland. 10. ed. Mnchen: Verlag C. H. Beck Mnchen, 2009. p. 153-154.

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    Rendemos homenagem, assim, sensata advertncia de Rui Barbosa24: [n]o basta compulsar a jurisprudencia peregrina: mister aprofundal-a, joeirando os exotismos intransladaveis, para no enxertar no direito patrio idas incompatveis com as nossas instituies positivas.

    A laicidade, importante observar, raramente se apresenta em estado puro, vale dizer, com ampla e irrestrita dissociao entre os poderes espiritual e estatal. No Brasil, por exemplo, so mltiplos os feriados embasados na f catlica (v.g.: o dia de Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Pas), isto sem olvidar a invocao de Deus logo no prembulo de nossa Constituio, o que, em rigor tcnico, configuraria clara afronta queles que negam a existncia de Deus, como os budistas, ou que apregoam a existncia de mais de um Deus, como os hindus. Nos Estados Unidos da Amrica, do mesmo modo, l-se, em sua moeda oficial, a inscrio In God we trust. Nesses casos, o que se verifica no propriamente a irrestrita adeso ao poder espiritual, mas, sim, uma forma de preservao dos valores sedimentados no ambiente social.

    Ressalte-se, no entanto, que laicidade no guarda similitude com isolamento, sendo de todo aconselhvel que o Estado estabelea parcerias, com instituies religiosas, visando consecuo de objetivos comuns de interesse pblico. Essa possibilidade, no entanto, expressamente contemplada no inciso I do art. 19 da Constituio de 1988, no deve privilegiar religies especficas por vias transversas. Qualquer aproximao do Estado religio deve desenvolver-se com a observncia de referenciais de igualdade, estando teleologicamente comprometida com a satisfao do interesse pblico.

    3.1. Liberdade de crena e laicidade do Estado

    Em perodos mais remotos, a religio era constantemente utilizada como referencial para o reconhecimento de direitos ou para a participao na vida poltica do Estado. A intensa expanso do Cristianismo transcendeu as questes religiosas, fazendo com que a religio catlica, apostlica, romana exercesse total domnio no cenrio poltico do Ocidente. Na Idade Mdia, os papas criavam e destruam imprios, nomeavam e depunham imperadores. Estado e religio se interpenetravam de tal modo que se tinha por inaceitvel uma dissociao entre as leis terrenas e as leis divinas, vale dizer, aquelas postas pela Igreja e pela interpretao que realizava da Bblia. O fundamento do Estado era teolgico, no teleolgico: existia pela vontade de Deus e para servir a Deus. Como afirmou Coulanges25:

    Entre gregos e romanos, assim como entre os hindus, desde o princpio, a lei surgiu naturalmente como parte da religio. [...]A lei no se discute, impe-se; no representa trabalho da autoridade; os homens obedecem-na por ser divina. [...]

    24 Cf. BARBOSA, Ruy. Commentarios Constituio Federal Brasileira, colligidos e ordenados por Homero Pires. Do Poder Executivo. So Paulo: Saraiva & Cia., 1933. p. 430. v. III.25 COULANGES, Fustel de. A cidade antiga. Traduo Jean Melville. So Paulo: Martn Claret, 2001. Livro IV. p. 77; 206-213.

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    Era reconhecido como cidado todo aquele que tomava parte no culto da cidade, e desta participao lhe derivavam todos os seus direitos civis e polticos. Renunciar ao culto seria renunciar aos direitos. (COULANGES, 2001, p. 77; 206-213).

    A intolerncia religiosa exacerbada, que conduziu perseguio e execuo dos infiis, e o redimensionamento do papel desempenhado pelo Estado conferiram novas nuances ao pensamento filosfico, que passou a prestigiar a individualidade de cada pessoa, atribuindo-lhe uma esfera de liberdade imune interveno estatal. Esse movimento precipitou o reconhecimento da separao entre Estado e Igreja e assegurou a liberdade de culto, cujo carter normativo foi adotado, pela primeira vez, na Declarao de Direitos da Virgnia, de 12 de junho de 1776 (art. 16). A Primeira Emenda Constituio norte-americana, de 1791, seguiu o mesmo caminho: Congress shall make no law respecting an establishment of religion, or prohibiting the free exercise thereof. Tambm na Frana, a Declarao de Direitos do Homem e do Cidado, de 1789, encampou a liberdade de culto: nul ne droit tre inquiete pour ses opinions mme religieuses, pourvu que leur manifestation ne trouble pas lordre public tabli par la loi. No Brasil, a Constituio de 1824 assegurava a liberdade de culto, mas considerava como religio oficial do Estado a catlica, apostlica, romana. Proclamada a Repblica, a Igreja foi separada do Estado, que passou a ser laico.

    Na Constituio de 1988, o carter laico do Estado especialmente percebido pelo teor de seu art. 19, que veda ao Poder Pblico manter ou subvencionar cultos religiosos ou igrejas, estando igualmente impedido de embaraar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relaes de dependncia ou aliana.

    Enquanto a liberdade de crena assegura a qualquer pessoa o direito de escolher livremente a f que ir, ou no, professar, escolha esta que pode permanecer adstrita ao forum internum ou ser exteriorizada, alcanando o forum externum, a laicidade do Estado indica a impossibilidade de uma estrutura estatal de poder possuir uma f oficial, privilegiando-a em detrimento das demais. Ter-se- o tratamento privilegiado de certa f no s quando o Estado estimular a sua prtica, com incentivos de qualquer natureza, financeiros ou no, como, tambm, quando impuser restries ao exerccio das demais.

    importante lembrar que o carter laico do Estado coexiste com a liberdade de crena. Essa constatao, em seus contornos mais basilares, indica que o Estado, conquanto no deva aderir a uma f especfica, deve permitir e proteger toda e qualquer manifestao de f, mesmo nos bens de sua propriedade; isto, obviamente, se no for comprometida a ordem pblica ou a liberdade de crena dos demais componentes do grupamento, o que inclui a liberdade de no professar f alguma.

    A questo, no entanto, pode assumir contornos mais delicados: digamos que um aluno e um professor de escola pblica sejam proibidos de frequentar as aulas usando turbante, que seria um smbolo de sua f e pureza espiritual. Quanto ao aluno, parece no haver maiores dvidas de que foi violada a sua liberdade de crena,

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    exteriorizada de modo silencioso e perfeitamente compatvel com o ambiente escolar. J em relao ao professor pe-se um complicador: pode ele, enquanto servidor e representante do Estado, exteriorizar a sua crena na sala de aula? Diversamente ao que se verifica em relao ao aluno, que foi diretamente privado de um direito fundamental, no caso do professor, que est no efetivo exerccio de uma funo pblica, constata-se uma aparente coliso entre a sua liberdade de crena e a neutralidade religiosa do Estado, do qual legtimo representante em sala de aula. Ainda deve ser devidamente considerada a liberdade dos demais estudantes de no ter crena alguma (negative Glaubensfreiheit), o que refora a necessidade de o Estado preservar a sua neutralidade. A identificao da efetiva existncia da referida coliso, com as consequncias dela decorrentes, exige seja previamente definida uma premissa fundamental: do fato de um nico professor usar turbante (ou portar um cordo dotado de crucifixo) decorre a concluso de que o Estado adota uma postura favorvel respectiva religio? A resposta, evidncia, negativa. In casu, a crena professada, aos olhos de qualquer espectador externo, integralmente atribuda ao professor, no ao Estado, o que bem demonstra que ele, a exemplo do estudante, foi igualmente aviltado em sua liberdade de crena.26

    3.2. A imunidade tributria dos templos de qualquer culto

    De modo correlato garantia da liberdade de crena, que assegura a cada indivduo o pleno juzo valorativo a respeito da f que pretende, ou no, professar, sem qualquer interferncia do Estado ou de outros particulares, a Constituio de 1988, em seu art. 150, VI, b, conferiu imunidade tributria aos templos de qualquer culto, eximindo-os do pagamento de impostos. A ratio da norma constitucional parece clara: afastar embaraos ao exerccio de um direito fundamental e, face importncia que ostenta no contexto social, estimular o seu desenvolvimento.

    A primeira questo a ser enfrentada diz respeito ao alcance subjetivo da imunidade contemplada no art. 150, VI, b, da Constituio de 1988. Apesar de no haver maiores dvidas quanto amplitude da expresso templos de qualquer culto, o mesmo no pode ser dito em relao s atividades que sero enquadradas sob essa epgrafe. Em outras palavras, basta que uma associao autointitule-se igreja e possua espaos fsicos denominados de templos para que, por via reflexa, suas atividades sejam consideradas cultos, incidindo a regra da imunidade tributria? A resposta, por certo, apresenta-se nsita no prprio questionamento: vale dizer, na medida em que a ordem constitucional reconhece, separadamente, a liberdade de associao e a liberdade de crena, decorrendo desta ltima a possibilidade de serem construdos templos a ela destinados, parece evidente que as figuras no se sobrepem, mas, to somente, tangenciam-se. Toda instituio religiosa ser uma associao, mas nem toda associao ter fins religiosos, da o necessrio cuidado para que a ratio da norma constitucional seja preservada e uma possvel fraude tributria evitada.

    26 Starck e Schmidt (2008, p. 155-156).

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    Os templos de qualquer culto consubstanciam o mbito de desenvolvimento da liberdade de crena, da f professada por certas pessoas, sendo dela indissocivel. Nesse particular, o Tribunal Administrativo Federal alemo (Bundesverwaltungsgericht) j teve oportunidade de reconhecer que associaes cognominadas de igrejas, que no professem f a Deus ou a um ser superior (v.g.: Buda), destinando-se, unicamente, crtica econmica ou social, no possuem objetivos religiosos, no sendo alcanadas pela liberdade de crena assegurada pelo art. 4, I, da Grundgesetz de 1949.27

    A segunda questo a ser enfrentada est relacionada ao alcance da imunidade tributria, exigindo seja definido se ela somente afastar a incidncia de alguns impostos especficos ou se recair sobre todo e qualquer imposto, com abstrao do seu fato gerador. Na primeira hiptese, que se ajustaria literalidade do art. 150, VI, c, da Constituio de 1988, somente seriam afastados os impostos incidentes sobre o prdio em que professado o culto; na segunda hiptese, por sua vez, seria afastada a literalidade do texto, entendendo-se pelo substantivo templo a prpria instituio religiosa, o que alcanaria todo e qualquer imposto. Entre esses dois extremos tem-se a regra do 4 do art. 150, que inclui no mbito da imunidade [...] somente o patrimnio, a renda e os servios, relacionados com as finalidades essenciais das entidades [...] mencionadas na alnea c do inciso VI. Percebe-se, assim, que a imunidade, conquanto ampla, limitada pela necessria correlao do fato gerador em potencial com as finalidades essenciais da instituio religiosa.28

    3.3. O ensino religioso nas escolas pblicas

    Ao reconhecer a liberdade de crena e vedar que o Estado mantenha, estimule, subvencione ou restrinja o exerccio de qualquer religio, a Constituio de 1988 delineou a sua laicidade. Em outras palavras, o Estado deve ser neutro: no pode existir uma f oficial e no deve ser dispensado tratamento privilegiado a religies especficas.

    Laicidade, no entanto, no guarda similitude com o isolamento ou a desconsiderao do relevante papel desempenhado pela religio na sedimentao do alicerce tico e moral de qualquer sociedade, o que torna particularmente clara a ratio do comando constante do 1 do art. 210 da Constituio brasileira (O ensino religioso, de matrcula facultativa, constituir disciplina dos horrios normais das escolas pblicas de ensino fundamental.).29 Ao determinar a insero do ensino religioso na grade curricular das escolas pblicas de ensino fundamental, a ordem constitucional tem, como objetivo, o de orientar o jovem no exerccio de sua liberdade de crena, permitindo o conhecimento da essncia de cada religio e, consequentemente, a

    27 BVerwGE 90, 112, 116.28 O Supremo Tribunal Federal j teve oportunidade de decidir que: (1) imveis de instituio religiosa alugados a terceiros no so tributados pelo IPTU (STF, Pleno, RE n 325.822/SP, rel. Min. Ilmar Galvo, j. em 18/12/2002, DJ de 14/05/2004); (2) os templos de qualquer culto no esto imunes contribuio sindical (STF, 2 Turma, RE n 129.930/SP, rel. Min. Carlos Velloso, j. em 07/05/1991, DJ de 16/08/1991).29 Constituies: alem de 1949 (art. 7 (2, 3)); andorrana de 1993 (art. 20, 3); belga de 1994 (art. 24, 1, 3 e 3, 1); espanhola de 1978 (art. 27); holandesa de 1983 (art. 23, 3); mexicana de 1917 (art. 3); peruana de 1993 (art. 22) e sua de 1999 (arts. 63, 1 e 2; 66, caput, 1 e 2).

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    escolha da religio a ser professada. nsita na liberdade de crena, est a liberdade de no professar crena alguma, da decorrendo o carter facultativo desse tipo de disciplina, cuja relevncia deve ser devidamente avaliada pelos pais em relao aos filhos menores (CR/1988, art. 229).

    Como soa evidente, o ensino religioso nas escolas pblicas deve ser compatibilizado com a neutralidade do Estado, o que impede permanea ele adstrito a uma ou outra f especfica, desconsiderando os contornos gerais do fenmeno religioso, suas origens e formas de manifestao. Assim, ou a disciplina permanece no plano geral ou estruturada de modo a permitir a exposio dos traos fundamentais de cada uma das religies existentes no ambiente sociocultural. Nesse particular, a Grundgesetz alem de 1949, no inciso 3 do seu art. 7, teve a preocupao de deixar expresso o que j estava implcito no sistema: sem prejuzo da superviso do Estado, o ensino deve ser ministrado de acordo com os princpios das comunidades religiosas (Grundstzen der Religionsgemeinschaften). Cada religio deve ter seus dogmas retratados com fidelidade, sem preconceitos ou proselitismos, o que um claro indicativo da inviabilidade de um nico docente, que professe ou simpatize f especfica, ser o responsvel pela disciplina. Ainda segundo o paradigma alemo, nenhum professor pode ser obrigado, contra a sua vontade, a ministrar instruo religiosa (Kein Lehrer darf gegen seinen Willen verplichtet werden, Religionsunterricht zu erteilen), comando que de todo compatvel com a sistemtica constitucional brasileira. Afinal, como exigir, por exemplo, que um cristo fervoroso explique aos seus alunos os alicerces do budismo, que apregoa a inexistncia de um Deus, e os aspectos que, sob a tica dessa religio, a diferenciam e a tornam mais densa que as demais?

    A temtica, como se percebe, delicada, e exige muito cuidado na transposio do comando constitucional para a realidade, isto sob pena de o ensino religioso se transmudar em evidente proselitismo ou em instrumento de repulsa a religies especficas. A melhor forma de contornar os obstculos existentes consiste em contextualizar o ensino religioso no plano histrico, retratando a importncia das distintas religies na evoluo da humanidade. Com isso, o Poder Pblico evita admitir docentes a partir de critrios religiosos e, principalmente, afasta o risco de que o ensino religioso se transmude em proselitismo.

    3.4. A assistncia religiosa nas entidades de internao coletiva

    A liberdade religiosa pode ser concebida em duas perspectivas, uma intrnseca, a liberdade de crena, inerente intimidade do ser humano, e outra extrnseca, afeta liberdade de culto, momento em que ocorre a exteriorizao da f. Enquanto a liberdade de crena pode permanecer confinada aos setores mais recnditos da personalidade humana, de modo que o seu exerccio sequer seja conhecido por aqueles que convivem com a pessoa no ambiente social, com a liberdade de culto no ocorre o mesmo. Acresa-se que o culto, conquanto possa ser realizado no plano puramente individual, permitindo que a pessoa humana, isoladamente, exteriorize a sua f, o mais natural que manifestaes dessa natureza sejam realizadas coletivamente, sendo conduzidas por sacerdotes devidamente qualificados.

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    Ao assegurar, no inciso VII de seu art. 5, a prestao de assistncia religiosa nas entidades civis e militares de internao coletiva, a Constituio de 1988 buscou criar as condies necessrias plena operatividade da liberdade religiosa.30 Afinal, a sua face extrnseca, a liberdade de culto, seria comprometida com as inevitveis restries que caracterizam estabelecimentos dessa natureza. O comando constitucional ainda traz consigo outra funcionalidade: a de estimular a aceitao do apoio religioso, contribuindo para a reconstruo psquica e espiritual de todos aqueles que se encontrem internados. Confina-se o corpo, liberta-se a mente.

    A assistncia religiosa, no entanto, deve compatibilizar-se com o carter laico do Estado brasileiro, o que impede que algumas religies sejam privilegiadas em detrimento das demais. O mais aconselhado, assim, que seja permitido o acesso, observadas as normas necessrias garantia da segurana e da disciplina internas, dos representantes das distintas religies existentes, de modo que os internos que j professam uma f possam continuar a profess-la, e aqueles que assim o desejem possam iniciar a sua trajetria e exercer livremente a crena que venham a escolher. A forma e os limites dessa assistncia sero definidos pela legislao infraconstitucional,31 que no pode, como soa evidente, destoar dos contornos bsicos dessa liberdade constitucional.

    No plano infraconstitucional, a Lei n 9.982/2000 assegura aos religiosos de todas as confisses, respeitadas as normas internas de segurana (art.2), o direito de acesso aos estabelecimentos de internao coletiva, estando o apoio espiritual condicionado aquiescncia dos internados ou, no caso de doentes que no estejam no gozo de suas faculdades mentais, aquiescncia dos seus familiares (art.1).

    Na sistemtica anterior, dispunha a Emenda Constitucional n 1/1969 (art. 153, 7) que: [s]em carter de obrigatoriedade, ser prestada por brasileiros, nos termos da lei, assistncia religiosa s foras armadas e auxiliares, e, nos estabelecimentos de internao coletiva, aos interessados que a solicitarem, diretamente ou por intermdio de seus representantes legais. Como se constata, com o advento da Constituio de 1988 no persiste a exigncia de que a assistncia seja prestada por brasileiros, corolrio lgico da amplitude dos direitos fundamentais que o art. 5, caput, reconhece aos estrangeiros. Acresa-se, ainda, que a supresso da autorizao para que a assistncia religiosa seja prestada s foras armadas e auxiliares em nada se confunde com uma espcie de silncio eloquente, vedando seja tal autorizao conferida pela legislao infraconstitucional. Afinal, a funcionalidade dessa assistncia

    30 Vide as Constituies de 1934 (art. 113, n 6); 1946 (art. 141, 9); 1967 (art. 150, 7) e a Emenda Constitucional n 1/1969 (art. 153, 7). No direito comparado, podem ser mencionadas as Constituies: alem de 1949 (art. 4); argentina de 1853 (art. 14); cubana de 1976 (art. 54) e italiana de 1947 (arts. 8, 19 e 20).31 Vide Lei n 6.923/1981 (dispe sobre o servio de assistncia religiosa nas foras armadas); Lei n 7.210/1984 (institui a Lei de Execuo Penal art. 24); Lei n 8.069/1990 (dispe sobre o Estatuto da Criana e do Adolescente art. 124, XIV); e Lei n 9.982/2000 (dispe sobre a prestao de assistncia religiosa nas entidades hospitalares pblicas e privadas, bem como nos estabelecimentos prisionais civis e militares).

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    assegurar a materializao da liberdade de crena afeta a todo e qualquer ser humano, inclusive aqueles em servio junto s Foras Armadas, isto sem olvidar a sua plena compatibilidade com o ambiente militar, fortalecendo espiritualmente pessoas que vivem sob intensa presso. Tal, no entanto, no significa possa o Estado brasileiro contratar e remunerar religiosos de crenas especficas (v.g.: os capeles militares) para prestar esse tipo de atendimento s custas do errio: alm de violar a laicidade do Estado, medidas dessa natureza terminam por privilegiar certas religies em detrimento de outras e a comprometer o pleno desenvolvimento da liberdade de crena, j que o militar somente ter acesso religio professada pelo sacerdote contratado pelo Poder Pblico.

    4. Proposies conclusivas

    1) A liberdade religiosa necessariamente balanceada pelos referenciais de plura-lismo, igualdade e tolerncia, o que assegura a coexistncia das distintas formas de manifestao da espiritualidade, a ausncia de posies de preeminncia perante a ordem jurdica e a garantia de que todas essas manifestaes podem expandir-se livremente, sem qualquer censura.2) A liberdade religiosa alcana tanto o direito de ter uma crena, como o de no ter crena alguma, bem como o direito de emitir opinio crtica sobre qualquer religio.3) A liberdade religiosa no pode chegar ao extremo de comprometer a vida e a sade daqueles que no tenham capacidade para externar livremente a sua vontade.4) O carter laico do Estado no chega ao extremo de desconsiderar a identidade cultural e as tradies da sociedade, o que autoriza a utilizao de smbolos, como o crucifixo, ou a utilizao do nome de Deus em documentos oficiais, como o papel-moeda, situao que deve perdurar enquanto no difundido um sentimento de discriminao no mbito das demais religies.5) Devem ser aceitas manifestaes religiosas, individuais e silenciosas, de agentes pblicos (v.g.: utilizao de crucifixos, turbantes etc.), mesmo no exerccio da funo pblica, to somente enquanto tais manifestaes no forem vistas como a postura oficial do Poder Pblico.6) O ensino religioso, nas escolas pblicas, deve prestigiar a abordagem histrica, sem proselitismo.7) A assistncia religiosa, nos estabelecimentos de internao coletiva, deve preservar a igualdade das distintas religies existentes, no se mostrando compatvel com a ordem constitucional a contratao, pelo Poder Pblico, de religiosos a serem incumbidos dessa atividade.

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    Artigo recebido em: 28/10/2009Artigo aprovado em: 30/06/2010