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Relatos orais em ciências sociais: limites e potencial Ugia Maria Leite Pereira • I INTRODUÇÃO As origens da História Oral têm sido frcqüentemente identificadas na Antigüidade I. Os relatos orais estariam na base de todo tipo de informa- ção, antecedendo a outras técnicas de obtenção e conservação do saber, co- mo observa Queiroz (1988). Do ponto de vista de sua utilização nas ciências sociais, objeto de nosso interesse aqui, sua trajetória apresenta fases distin- tas. Na primeira metade do século, especialmente nos anos 20 e 30, os relatos orais foram utilizados no meio acadêmico americano por sociólogos e por antropólogos, em estudos desenvolvidos na escola de Chicago. Thomp- son (1988) aponta que os cientistas sociais daquela época eram particular- mente criativos e pouco ortodoxos quanto a seus métodos, fazendo uso tanto de entrevistas díretas e da observação participante quanto da pesquisa docu- mentai e de estatísticas. Maria Isaura Queiroz assinala que para grande parte desses autores o relato oral constituía uma técnica complementar, ótil para registrar o que ainda não havia se cristalízado em documentos escritos, mas não podendo ser utilizado de forma autônoma, que mostrava apenas um aspecto parcial da realidade (Queiroz, 1988). O interesse desses pesquisado- .. Professorada Faculdadede Filosofia eCieocias Humanas - Centro de Estudos Mineirosda UFMG. I No presentetexto, adota ...se a dcfiniçlo de Histdria Oral sugeridapor Vema Alberti. Assinalandoas dificuldades de se definir com precisão este m&odo ... fonte.. técnica, sobretudoem razãode sua nature- za interdisciplinar. para a autora. "a histdria oral 6 um m61Ddo de pesquisa (histórica, antropológica, sociológica etc.) que (... ) produz fODtes de consulta (as entrevistas) para outros estudos, podendoser reunidas em um acervo aberto a pesquisadores. Trata-se de estudar acontecimentoshistóricos. insti- tuições, grupos sociais, categorias proflSSionais, movimentos etc. l luz de depoimentos de pessoas que deles participaram ou 08 testemunharam" (Afbertí, 1990. p, 12). Convém esclarecer ainda que utiliza..se os termos "m&odo da história de vida". método dos relatos oraise rn6todo biográfico com sentido equivalente. An4iI. & Conj•• Belo Horizon18, v.6. n"3 SIlIt./deZ. 1991 109

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Relatos orais em ciências sociais:limites e potencial

Ugia Maria Leite Pereira •

I INTRODUÇÃO

As origens da História Oral têm sido frcqüentemente identificadasna Antigüidade I. Os relatos orais estariam na base de todo tipo de informa­ção, antecedendo a outras técnicas de obtenção e conservação do saber, co­mo observa Queiroz (1988). Do ponto de vista de sua utilização nas ciênciassociais, objeto de nosso interesse aqui, sua trajetória apresenta fases distin­tas.

Na primeira metade do século, especialmente nos anos 20 e 30, osrelatos orais foram utilizados no meio acadêmico americano por sociólogos epor antropólogos, em estudos desenvolvidos na escola de Chicago. Thomp­son (1988) aponta que os cientistas sociais daquela época eram particular­mente criativos e pouco ortodoxos quanto a seus métodos, fazendo uso tantode entrevistas díretas e da observação participante quanto da pesquisa docu­mentai e de estatísticas. Maria Isaura Queiroz assinala que para grande partedesses autores o relato oral constituía uma técnica complementar, ótil pararegistrar o que ainda não havia se cristalízado em documentos escritos, masnão podendo ser utilizado de forma autônoma, já que mostrava apenas umaspecto parcial da realidade (Queiroz, 1988). O interesse desses pesquisado-

.. Professorada Faculdadede Filosofia eCieocias Humanas - Centro de Estudos Mineirosda UFMG.

I No presentetexto, adota...se a dcfiniçlo de Histdria Oral sugeridapor Vema Alberti. Assinalandoasdificuldades de se definir com precisão este m&odo...fonte..técnica, sobretudoem razãode suanature­za interdisciplinar. para a autora. "a histdria oral 6 um m61Ddo de pesquisa (histórica, antropológica,sociológica etc.) que (... ) produz fODtes de consulta (as entrevistas) para outros estudos, podendoserreunidas em um acervo aberto a pesquisadores. Trata-se de estudar acontecimentoshistóricos. insti­tuições, grupos sociais, categorias proflSSionais, movimentos etc. l luz de depoimentos de pessoasque deles participaram ou 08 testemunharam" (Afbertí, 1990. p, 12).Convém esclarecer ainda queutiliza..se os termos "m&odo dahistóriade vida".método dos relatos oraise rn6todo biográfico comsentidoequivalente.

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res no método da história de vida voltou-se especialmente para o estudo deduas faces dos problemas sociais urbanos: a criminalidade e a mudança so­cial, destacando-se os estudos de Thomas e Znaniecki (1919) e de Shaw(1966).

De acordo com Robert Angell, em 1945 registravam-se 22 estu­dos sociológicos que haviam feito uso do método da história de vida no pe­ríodo de 1920 a 1940. O autor observa que a resposta dos cientistas sociaisao método introduzido pelos estudiosos de Chicago havia sido bastante fra­ca. A tendência objetiva que vinha se manifestando no meio sociológico, dese lidar apenas com os fatos, deixando-os falarem por si em detrimento daconceituação, seria a principal razão levantada pelo autor para explicar apouca atenção a ele dispensada pelos sociólogos. Angell já advertia para osprejuízos que esta tendência poderia acarretar para o conhecimento socioló­gico: "O problema é que aqueles que adotam esta visão minimizam a impor­tãncia da conceituação, Eles não acreditam que a importãncia maior da So­ciologia é uma melhor teoria" (apud Denzin, 1970).

Os anos 40 iriam significar praticamente o abandono do uso dosrelatos orais, paralelamente li. ascensão dos métodos quantitativos que já nadécada seguinte passariam a predominar nas ciências sociais. Nesse contex­to, o já clássico estudo de Oscar Lewis, realizado na virada dos anos 50, re­presentou uma iniciativa isolada. O uso do gravador no registro dos depoi­mentos constituiu a grande novidade (Lewis, 1970).

A possibilidade de utilização dos depoimentos orais na análisesociológica surgiria no Brasil no início dos anos 50, como objeto de reflexãopor parte de um grupo de cientistas sociais localizados na USP - Maria Isau­ra Pereira de Queiroz, Renato Jardim Moreira, Aorestan Fernandes -, coor­denado por Roger Bastide. A grande preocupação do grupo situava-se emcomo desvincular a técnica da história de vida de suas origens psicológicas,transformando-a em um instrumento de análise sociológica (Bastide, 1953;Queiroz, 1953; Moreira, 1953).

Os anos 50 assistiriam portanto li. progressiva marginalização dahistória oral, bem como de outras formas de observação vinculadas li.pesqui­sa qualitativa, junto com a ascensão da metodologia quantitativa, em que"survey" ocupava lugar de destaque. Bertaux aponta que o interacionismosimbólico, referencial teórico dos estudos de Chicago dos anos 20 e 30, foidas poucas correntes que manteve viva essa tradição naquele período (Ber­taux D., 1981).

Essa tendência começaria a ser revertida li. medida que, primeiro,o "survey" ia mostrando suas limitações. Como observa Maria Isaura Quei­roz, "pouco a pouco se percebeu (00') que valores e emoções permaneciamescondidos nos próprios dados estatísticos, já que as definições das finalida­des da pesquisa e a formulação das perguntas estavam profundamente liga­das li. maneira de pensar e de sentir do pesquisador, o qual transpunha, as­sim, para os dados, de maneira perigosa porque invisível, sua própria per­cepção e seus preconceitos. Os mlmeros perdiam sua auréola de pura objeti­vidade, patenteando-se dotados de vieses anteriores ao momento da coleta,escondidos na formulação do problema e do questionário; ocultos, pareciaminexistentes (00.). Porém influenciavam o levantamento, desviando-o muitasvezes do rumo que devia seguir (Queiroz, 1988).

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Haveria ainda outro caminho a ser percorrido para se compreen­der o porquê da revalorização dos relaios orais, confonne aponta Diana Vi­dai: "um caminho que está ligado ao desenvolvimento da técnica, mas quenão se pauta pelos imperativos do progresso tecnológico e sim pelas atitudesque o influenciaram ou foram por ele influenciadas. O cinema, a técnica deproduzir imagens, de criar a ilusão de movimento, de ação, nos pôs em con­tato com uma percepção diferenciada de mundo. Este mundo da modernida­de, pleno de movimento, teria provocado um repensar na prática da história.Repensar que participa também da história romance, que, além dos fatos,tenta recriar imagens do acontecido; e da história oral, que imprime ação aodocumento pelo ritmo da fala e da pausa, da incerteza e da segurança no tomda voz, pelo maneio dos gestos e olhares, captados em vídeo. A história orairesponde a esse apelo por nossa sociedade de imagens e movimentos" (Vi­dal, 1990, p. 2). Relacionado aos efeitos do desenvolvimento tecnológico, háque considerar ainda que sem o uso do gravador no registro dos depoimentosorais, dificilmente estes poderiam se constituir em instrumento de análise so­ciológica na proporção que vem ocorrendo nos ll1timos anos. Assim é que,paradoxalmente, a ascensão de uma metodologia qualitativa desta naturezaestá diretamente ligada ao forte avanço técnico oconido nas 1lltimas décadas.

O relato oral reaparece, assim, a partir dos anos 70, na EuropaOcidental e nos Estados Unidos, passando a ter aceitação cada vez mais am­pla entre os cientistas sociais, em nível internacional e nacional 2. Este fato,aliado a nosso recente envolvimento em projeto ligado a essa metodologia,motivou o presente trabalho. Busca-se, aqui, com base em textos relativosà te ática, sistematizar os argumentos mais freqiientemente apresentados notocante ao potencial, às dificuldades, aos limites e aos desafios representadospelo emprego dos relatos orais na análise sociológica.

2 O POSlTIVISMO E OS RELATOS ORAIS

Como assinalados, o predomínio do positivismo como método emCiências Sociais nos anos 50 e 60 representaria uma incompatibilidade como uso dos relatos orais. Questionários e histórias de vida situavam-se empólos opostos. Isto porque, para o positivismo, a tarefa do pensamento s0­ciológico seria descobrir leis sociais. As hipóteses eram pensadas como rela­ções entre variáveis sem consideração pelo elemento tempo. A prova e aprecisão estatística eram aí elementos centrais. Neste contexto, os relatosorais e outros dados qualitativos eram vistos como podendo ser úteis para aformulação de hipóteses iniciais, mas não quando se tratava de prová-las oude refutá-Ias. Contrapunha-se, em suma, a objetividade da ciência propostapelo positivismo, obtida através de critérios quantitativos e de amostragemrigorosa, à subjetividade do método dos relatos orais.

Observa-se, na crftica positivista, que a subjetividade de que pa­deceria a história orai seria dupla, isto é, este método seria duplamente sub­jetivo: de um lado, a subjetividade decorreria da parlicipação direta do pes-

2 Umaavaliação prelimioar do uso do~o da hist6ria de vidaDa produção latino-americana en­contra-seem Aspúia Camarga, Lúcia Hip6litoe Valentioa da Rocha Lima(1990). Paz-senecessárioprecisarque: emboraesteja me referindo às CienciasSociais como um todo, a argumentação desen­volvida no presente texto aplica-se mais l Sociologia e l ctêece PoUtica do que l Antropologia, jáque esta, mais que as outrasduas. manteve a uadiçlo de coosideraro investigadorcomo parte iate­grante do processo deconhecimento. bem como de uma maiorpreocupação com aespec:ificidade doobjeto de pesquisae com a ligação entreteoriae pesquisa. A este respeito. ver Peiraao, (1990).

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quisador na produção do material que se obtém; de outro, a subjetividade vi­ria do fato de que o material obtido pelos depoimentos orais corresponderia auma visão subjetiva do informante.

Os adeptos do método respondem à crítica da subjetividade argu­mentando, inicialmente, que todas as fontes são falhas e sujeitas a "bias": oque importa é avaliar aquela que se revela mais adequada em cada situação.Já Pereira de Queiroz acrescenta que a objetividade não constitoiria uma ca­racterística intrínseca ao método, mas se expressaria no modo de procederpara com o objeto (Queiroz, 1983).

No que se refere à subjetividade vinda da presença do investiga­dor, argumenta-se que em todo tipo de material quem comanda a atividadede pesquisa é o pesquisador, e nem por isso os dados coletados devem serdescartados. A presença da subjetividade do pesquisador não seria exclusi­vidade do documento oral; apenas, neste caso, ela está explícita, já que aí oprocesso de coleta de dados, a entrevista, é um processo de comunicação ede relação social. Em outras palavras, o documento oral forma-se no mo­mento da entrevista, do diálogo estabelecido entre o entrevistado e o entre­vistador, emergindo como produto da interação entre dois sujeitos. Brioschie Trigo (1987) chamam a atenção para o fato de que a grande riqueza que sebusca na coleta das histórias de vida, decorre justamente do fato de que, noseu processo de pesquisa, o investigador se depara com um objeto que reageà sua presença, detém um saber que lhe é próprio, decorrente de sua expe­riência de vida, é capaz de atribuir significado à sua ação e a seu discurso,expressaodo e articulando seu pensamento à sua maneira. Na situação deentrevista, onde a distância entre sujeito e objeto é reduzida, a neutralidadedo observador seria substituída por um questionamento envolvendo as con­dições da situação de entrevista, sendo necessário, portanto, que haja umaatitude crítica por parte do entrevistador quanto ao tipo de relação que foiestabelecida com o entrevistado, ciente de que fatores como sua idade, sexoe aparência, bem como o local da entrevista e outros, tendem a condicionar orelato obtido. Verena Alberti assinala, com relação a isso, que o entrevista­dor deve ter consciência de sua responsabilidade enquanto co-agente nacriação do documento oral (Alberti, 1990).

Para alguns autores, a participação direta do invêstigador na pro­dução do documento oral, vista como fraqueza pelo positivismo, aparecejustamente como levando a que esses documentos sejam mais valiosos. PaulThompson afirma que a subjetividade, presente em toda fonte histórica deri­vada da percepção humana, só pode ser ameaçada pela fonte oral, a qual, in­do a fundo na memória, pode buscar a verdade escondida. Na flexibilidadeintrínseca do método, baseado numa combinação de exploração e questiona­mento, no contexto de um diálogo com o informante, estaria o segredo deseu potencial (Thompson, 1988). Para Verena Alberti, a produção deliberadado documento oral permite justamente recuperar aquilo que não encontramosem documentos de outra natureza, a respeito de certos acontecimentos e pa­drões pouco conhecidos. Ao lado disso, essa situação possibilitaria umaconstante avaliação do documento ainda durante sua constituição (Alberti,1990).

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A questão de como conciliar empatia e objetividade na situaçãode entrevista é colocada por Camargo (1990). Segundo a autora, os fatoressubjetivos interferem para produzir informações através do que ela denominacumplicidade controlada, isto é, a empatia que constitui requisito para a boainfonnação 3.

A subjetividade estaria presente ainda no documento oral pelofato deste representar uma visão parcial e subjetiva do informante, A esterespeito, deve-se ressaltar, inicialmente, que o método da história de vidaé tradicionalmente associado a uma escola de pensamento sociológico - asociologia interpretativa ou compreensiva -, que tem como suposto a impor­tãncia da investigação do aspecto subjetivo dos processos sociais. Esta in­vestigação seria, nessa vertente, parte integrante do método, de fonna que omaterial obtido será o fato ou o acontecimento em sua apresentação subjetí­va. Os relatos orais constituiriam aí um instrumento incomparável de acessoao vivido subjetivo. Thompson (1988) salienta que o método, nessa perspec­tiva, não se limita ao exame de estruturas ou padrões de comportamento, masinvestiga também como eles são experimentados, vividos e lembrados naimaginação. E aí, na imaginação e na memória, de modo complexo, realidadee mito, o objetivo e o subjetivo encontram-se necessariamente entrelaçados.Nonnan Denzin acrescenta que o propósito das histórias de vida é justa­mente revelar o sentido que as pessoas comuns dão à sua vida, dentro doslimites e da liberdade que lhe são concedidos (Denzin, 1989).

No referencial da sociologia compreensiva, o método da históriade vida, ao querer interpretar os relatos antes de medi-los, passa a ser umestudo dos processos sociais a partir da consciência subjetiva do ator social,mas uma consciência, importa salientar, cujas bases não são individuais,conforme aponta Gagnon (1981).

Para a perspectiva sociológica, portanto, o elemento essencial aser salientado aqui diz respeito às bases coletivas da subjetividade prese~~

nos relatos orais. Para Queiroz, foi a partir do momento em que se adlD111Uque valores e opiniões tinham base coletiva, que não~ produ~o essen­cialmente individual, que as histórias de vida ganharam ~rtãncla Pm:a aSociologia: ao seu primeiro ponto de vista, puramente objetivo e exteno~,

seguiu-se outro, o de "compreender o social não apenas, como o que ~ reali­za por meio dos homens mas como o que é vivido e agido por eles! IS~O é, oestudo do fato social humanizado encarado na sua matnz que é o indivíduocriador e criatura do grupo" (1983, p, 162). As biografias escap~am aosubjetivismo, na visão de Franco Ferrarotti, na medida em que se. ligam àssituações objetivas, às condições concretas nas qU81S V1V~ o entrevistado, asquais constituiriam o pólo dialético da biografia (Ferrarotti, 1981).

Se o vivido é recuperado, conforme concebido por q~m viveu, ométodo biográfico remete, necessariamente, à questão da memória.

3 Vale mencionar que a bibliografia especializada oferece uma ampla discussão acercados procedi­mentos mais adequadosparaa obtenção de uma boaeDl:revis~ de grandeutilidadepara05que se ini­ciam nestaatividade. Não desconsiderar,eDttclaDto, a importânciada experiência e da sensibilidadenarelação de entrevista.

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A sociologia da memória, de Maurice Halbawchs, busca precisa­mente estabelecer a relação entre memória e sociedade. Constituindo uma re­flexão durkheimiana, esta postula que uma parte de nossa mem6ria indivi­dual é construída pela sociedade, e uma parte da sociedade funciona comouma memória. Para Halbawchs (1990), "a mem6ria individual não está intei­ramente isolada e fechada. Um homem para evocar seu próprio passado tem,freqüentemente, necessidade de fazer apelo à lembrança dos outros. Ele se

reporta a pontos de referência que existem fora dele e que são fixados pelasociedade (•..). Nossas lembranças permanecem coletivas, elas nos são lem­bradas pelos outros, mesmo que se trate de acontecimentos nos quais s6 n6sestivemos envolvidos, e com objetos que só n6s vimos. É porque na realida­de nunca estamos sós". Nesta perspectiva, a mem6ria funcionaria a partir dequadros sociais, a linguagem. Ecléa Bosi aponta que as convenções verbaisproduzidas em sociedade constituem o quadro ao mesmo tempo mais ele­mentar e mais estável da mem6ria coletiva - o simbólico e as relações de es­paço e de tempo - dispostos hierarquicamente. Procedendo a uma releiturade Halbawchs, a fim de investigar o que é a mem6ria coletiva, o estudo deGerard Namer confirma as idéias do autor, no sentido de que se .lembrar deum grupo é se colocar no lugar do grupo, falando sua linguagem. Namer de­senvolve a hipótese de que toda memória se exprimiria, quaisquer que sejamas variações culturais, sob o modelo de um diálogo, onde, de um certo modo,a sociedade colocaria uma questão à qual a memória responderia de uma de­terminada maneira. A própria memória já seria um diálogo interiorizado(Namer, 1987). Também o importante trabalho de Bosi sobre memória develhos mostra que a memória pessoal é também uma memória social, familiar

.e grupal (Bosi, 1981).

No que se refere à necessária relação entre história oral e mem6­ria, uma vertente da crítica dirige-se a que a memória humana é falha e defi­ciente, podendo os acontecimentos relatados serem distorcidos, episódiosdeslocados ou elementos omitidos. A reconstituição da mem6ria pode estarimersa em reinterpretações, seja pela distância existente entre o fato passadoe o depoimento presente, que já incorpora possíveis mudanças de perspectivaou de valores do atar social, seja porque o fato pode ser reinterpretado à luzde seus interesses (Hagnettes, 1987). Vidal (1990) aponta, com relação a is­so, que tanto os documentos orais quanto os escritos devem ser vistos comodocumentos históricos. isto é, como documentos produzidos historicamente"no que eles podem oferecer de subsídios à compreensão do passado e doque este passado se tomou no presente. Afinal, é com os olhos do presenteque vemos o passado; são as indagações do hoje que rastreiam o ontem embusca de respostas" (p, 5). Na mesma linha de pensamento, Jean Duvignaudafirma que os homens reconstituem o passado com o que eles sabem do pre­sente (Duvignaud, 1990).

Nesta perspectiva, os adeptos da hist6ria oral chamam a atençãopara o fato de que o uso da memória pelo entrevistado denuncia certos as­pectos que devem ser levados em consideração na interpretação dos dadosrecolhidos. O que o informante seleciona para relatar é muito significativo,da mesma forma que a ausência de certos temas e os esquecimentos. Deve-seter em mente que existe um subtexto nas entrevistas, representado precisa­mente pelas omissões, esquecimentos e ausências. que deve ser incorporadoao relato como um todo. Segundo Pollack (1986), as entrevistas de históriaoral fazem aparecer os constrangimentos estruturais que estão na origem deum silêncio, bem como as funções que ele assume. Verena Alberti aponta

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que não é um fator negativo o fato de o depoente poder "distorcer" a reali­dade, ter falhas de memória ou cometer erros em seu relato. O que importa éincluir tais ocorrências em uma reflexão mais ampla que busque explicá-Ias(Alberti, 1990).

Por outro lado, se o referencial teórico dado pela sociologia com­preensiva foi o que tradicionalmente orientou os estudos que fizeram uso dahistória oral, este não constitui o único. Daniel Bertaux aponta que os estu­dos à base de relatos orais que começaram a reaparecer a partir dos anos 70estão em total descontinuidade com a tradição do interacionismo simbólico,apresentando uma grande diversidade quanto às escolas de pensamento, aotipo de objeto e à população escolhida. Simplificando, enquanto certos pes­quisadores tomam por objeto estruturas e processos subjetivos, outros seconcentram em estruturas e processos objetivos, as duas faces do mesmoreal. Isto quer dizer que os relatos orais podem também trazer conhecimentosobre relações sócio-estruturais; isto é, por meio deles pode-se atingir a es­trutura (Bertaux, 1980). O trabalho desenvolvido pelo autor, juntamente comIsabelle Bertaux, visa justamente mostrar que é possível utilizar histórias devida para levar a cabo um projeto estruturalista; isto é, que é possível expli­citar os padrões estruturais que estão subjacentes a um dado conjunto deprocessos sociais utilizando-se histórias de vida. Na pesquisa por eles con­duzida a respeito do processo de produção na França, à tnedida que as histó­rias de vida se repetiam, iam revelando as relações de produção no setor, Oconfronto das trajetórias de vida, umas com as outras, permitiam que fossemsendo percebidos .os padrões recorrentes, os mecanismos estruturais, osconstrangimentos, ou seja, a lógica social subjacente às práticas diárias e àtrajet6ria de vida como um todo (Bertaux D., 8ertaux L, 1981).

Outro aspecto relevante da crítica positivista refere-se às diftcul­dades apresentadas pelo método biográfico em satisfazer aos requisitos devalidez, confiabilidade e representatividade, que seriam prõpríos do métodocientffico. Com relação a isso, cabe examinar a forma com que alguns auto­res vêm se posicionando em face de tais questões.

Daniel Bertaux enfrenta as exigências do método científico p0s­tuladas pelo positivismo inicialmente salientando a natureza distinta dasciências sociais e observando que a crença na sociologia como uma ciência,isto é, o positivismo, se constituiria no principal obstáculo ao conhecimentosociológico. Em lugar de se preocupar em produzir resultados científicosatravés da formulação de leis sociais, prossegue o autor, o pensamento so­ciológico deveria dirigir-se para a obtenção de conhecimento a respeito decertos processos sociais que conduzam a uma progressiva elucidação do mo­vimento histórico. O conhecimento sociológico, nesta perspectiva, seria oconhecimento de uma estrutura historicamente dada de relações sociais.Compreender o movimento da sociedade seria a tarefa do pensamento so­ciológico, mas não explicá-Ia, pois a vida social é feita de lutas cujas conse­qüências são imprevisíveis. Ao lado disso, enquanto o positivismo esquece adimensão tempo, aqui o tlnico conhecimento que se pode esperar alcançar éum conhecimento de caráter histórico.

Assim é que as questões de reptesentatividade, confiabilidade ede prova, que, segundo Bertaux (1981), na concepção positivista, agiriam nosentido de bloquear o conhecimento sociológico, deven~ ser reformuladase colocadas de modo novo. Primeiramente, a fim de rearticular pensamentoteórico e observação empIrica, seria preciso uma concepção mais ampla de

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representatividade. E, mesmo acreditando que a teoria de amostragem seria oaspecto mais válido do positivismo, Bertaux afirma que se nossa amostra de­ve ser representativa, em muitos casos esta representatividade deve se dar nonível das relações sociais, e não no nível morfológico, que em outros casospode ser suficiente. No que se refere à análise de dados, Bertaux acreditaque a tarefa do cientista social seria colocar dentro de um quadro de referên­cia sociológica o conhecimento que aparece fragmentado, a fim de obter umavisão de todo e de seus movimentos. Este seria o verdadeiro significado daanálise de dados. Quanto à questão da prova, Bertaux argumenta que a tarefado cientista social não seria primariamente provar mas, sim, compreender omovimento da sociedade. De forma que, para Bertaux, ttabalhar com a pers­pectiva da história de vida significa muito mais que uma nova prática empí­rica, uma redefinição da própria prática sociológica.

Já Paul Thompson considera possível que se utilize o método dosrelatos orais sem que se deixe de satisfazer de algum modo as exigências dométodo científico acima mencionado. No que se refere ao requisito de con­flabilidade, Thompson adverte, primeiramente, que este critério depende, emparte, do interesse que a questão apresenta para o informante. Em seguida, aquestão chave passa a ser como introduzir nas entrevistas a padronização ne­cessária para possibilitar a comparação, sem que isso resulte em forçar a re­lação de entrevista, e inibir a auto-expressão espontânea. Uma solução que,segundo o autor, vem sendo utilizada consiste em iniciar o trabalho de pes­quisa com uma forma mais livre de entrevista e, em seguida, aplicar um"survey" no qual as questõ lS e sua seqüência estariam pré-determinadas.Outra alternativa seria combinar os dois métodos na mesma entrevista, esti­mulando o informante à livre expressão, mas introduzindo, gradualmente, umconjunto padronizado de questões, de n:odo a assegurar a comparabilidadeentre as entrevistas. Poirier,Clapier-ValIadon (1980) apontam diversos méto­dos para se verificar a conflabilidade da narrativa: o recorte horizontal"(contrabiografias" de testemunhas); vertical ( o retomo ao entrevistadoapós um certo período de tempo); oblíquo (a verificação impICcita de um fatoa partir de outros fatos já autenticados); circular (a recolocação, no decorrerda entrevista, de um mesmo tema sob outra forma). Estes métodos, segundoos autores, permitiriam uma aproximação cada vez maior da realidade, mastendo sempre em mente que o registro perfeitamente objetivo de um fenôme­no em Ciências Humanas pennanece um ideal teórico difícil de se realizar.

Thompson (1988) acredita que para a História Oral realizar seupotencial é essencial que a questão da representatividade seja enfrentada.Aqui, o cientista social se defrontaria com um dilema: se nos "survey" nor­malmente baseados em amostras cuidadosamente construídas, em que os en­trevistados são escolhidos de acordo com um esquema inflexível, a repre­sentatividade é assegurada, o material obtido, por outro lado, será provavel­mente de baixa qualidade, já que alguns dos informantes mais estratégicospodem estar ausentes, enquanto que outros sem importância são seleciona­dos. Já no caso da metodologia qualitativa baseada nos relatos orais, a difi­culdade situa-se em como obter uma lista confiável de pessoas a serem ouvi­das, sobretudo quando se trata de esclarecer padrões estruturais e de com­portamento anteriores, quando o número de participantes vivos é reduzido.São essas pessoas representativas? É a pergunta que se coloca.

Para Thompson, é importante considerar em que medida a Histó­ria Oral pode fazer uso de algumas técnicas de amostragem. O autor sugereque para mais que uma amostra padronizada seria necessário desenvolver ummétodo de amostragem estratégica, adaptada aos projetos em desenvolvi-

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· mento, à semelhança da "amostragem teórica" sugerida por Glaser e Strauss.A escolha do informante, nesse caso, estaria diretamente ligada ao problemaque se quer investigar, o que significa que não haveria nenhum critério deescolha de informantes que pudesse ser considerado o melhor para todas assituações. Ainda no tocante à questão da representatividade. Thompson(1988) salienta que se é importante que ela seja considerada, é igualmenteimportante que o pesquisador não se tome obcecado com ela, a ponto deperder de vista as questões substantivas. Schnapper, Hanet (1980), por suavez, advertem que o pesquisador não deve ceder à tentação de tirar conclu­sões estatísticas de amostras que não foram construídas estatisticamente.

Um grande desafio tem sido a crítica ao viés psicológico ou aoatomismo do método dos relatos orais, no sentido de que nele apenas o indi­víduo importaria. Boa parte da literatura especializada tem se dedicado amostrar em que medida, partindo dos depoimentos individuais, pode-se che­gar à perspectiva sociológica.

Abordando essa questão, Roberto Cipriani argumenta que o dadobiográfico não teria nunca um contetldo somente pessoal, tendo pontos que oprendem à comuuidade local e à sociedade mais ampla. A biografia pennitejustamente conhecer mais a fundo as relações interpessoais do entrevistado,possibilitando, assim, a reconstrução da realidade social em suas diversasmanifestações: do trabalho ao tempo livre, da famflia ao bar, da amizade àfábrica. Na visão do autor, "a uuicidade sem igual da história de vida per­manece para testemunhar o caráter peculiar de cada pessoa em si que, porém,volta a uuir-se ao mesmo tempo às dimensões sociológicas de sua presença,de sua açâo, de seu pensamento, o que faz com que se chegue a um conhe­cimento, embora indireto, de dados gerais sobre uma comuuidade ou socie­dade". Assim, cabe estudar o geral através do singular e estudar o singularna sua constituição hist6rica e social, fazendo uma escavação no "micro­cosmo para nele entrever o macrocosmo" (Cipriani, 1988). Poíríer, Valladon(1980) apontam que o relato de vida é um instrumento de conhecimento dasociedade, é um meio e não um fim, já que o narrador não se limitará a con­tar sobre si, contando também sobre os outros, fazendo aparecer a imagemde si, mas também a imagem que ele faz de seu grupo, de seu meio e de seutempo.

Essa questão foi objeto de preocupação por parte de um grupo desociólogos da USP na década de 50, no qual encontrava-se Maria IsauraQueiroz. Já então, a autora sugeria que a questão de como tomar as históriasde vida um instrumento de avaliação sociológica poderia ser solucionadaatravés da comparação de diversas histórias de vida, a fim de se depreendero comum do individual, o geral do particular. Pereira de Queiroz afirmavaainda que um estudo sociológico que quisesse utilizar uuicamente históriasde vida deveria buscar muitas delas para, dessa forma, escapar da psicologia.Nesta perspectiva, uma das regras mais importantes na coleta de histórias devida para fins sociológicos seria a elaboração de um roteiro prévio de entre­vista, pois só assim toma-se possível a comparação (Queiroz, 1953).

Retomando o trabalho com relatos orais nos anos recentes, a auto­ra desenvolve as reflexões da década de 50. A história de vida, diz ela, bus­ca atingir a coletividade de que o indivíduo faz parte, e não a singularidadedo indivíduo. Não se trata aí de considerã-lo isoladamente ou de compreen­dê-lo em sua uuicidade, e sim o que se passa no interior da coletividade.Anál. & Conj•• Belo Horizonte, 11'.6, n'i3 set,/dez. 1991 117

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"Para as ciências sociais, o importante não é nem armazenar documentaçãonem reconstruir antigas sociedades ou épocas, mas atingir um problema daestrutura social por meio da coleta de dados" (Queiroz, 1988, p. 31).

Ainda a este respeito, Brioschi, Trigo apontam que se no relatode vida o indivíduo fornece a matéria-prima para o conhecimento sociol6gi­co, não é ele mesmo o objeto de estudo, e sim as relações nas quais encon­tra-se imerso. Para as autoras, "o método biográfico é aquele que forneceindicações válidas para o conjunto da sociedade, não pela redução da diver­sidade de vivência singulares, mas pela apreensão do determinismo dessasvivências enquanto modos de inserção nas situações sociais das quais o indi­víduo é ao mesmo tempo produto e produtor" (1987, p. 637).

Uma solução original e polêmica para escapar ao viés psicol6gicoda abordagem dos relatos orais é proposta por Franco Ferrarotti. Movendo-senum plano mais filos6fico, o autor parte do suposto de que a adoção do mé­todo biográfico implica uma mudança da postura científica, significando iralém do quadro 16gico-formal e do modelo mecanicista, que caracterizariama epistemologia científica dominante, para buscar seus fundamentos epíste­mol6gicos numa razão dialética capaz de dar conta da implicação ativa e re­cíproca de uma sociedade e de uma práxis individual, isto é, que permita daracesso ao homem como singular universal.

O autor aponta que também essa metodologia não estaria livre dealguns problemas. O primeiro deles consistiria em saber como ocorre esseduplo movimento entre o individual e o coletivo. E por que mediações umindivíduo específico totaliza uma sociedade e, por outro lado, uma sociedadese projeta num indivíduo? Todas as questões levantadas pelo método biográ­fico derivariam, para Ferrarotti, do que Sartre designa como problemas demediação. Seria, portanto, necessãria a identificação das regiões de media­ção mais importantes, em termos de se constituírem em pontes entre as es­truturas e os indivíduos. Estas regiões, formadas pelos grupos primários re­presentados pela família, grupos de idade, de vizinhança etc., participariamao mesmo tempo da dimensão psicológica de seus membros e da dimensãoestrutural de um sistema social. Nesta medida, o grupo primário seria a ver­dadeira unidade elementar do social. Sendo assim, Ferrarotti propõe que elepasse a ocupar a posição central no método biográfico. Concebido destaforma, essa metodologia implicaria a formulação de uma nova teoria da açãosocial, baseada não mais na ação de um ou mais agentes individuais, e simna ação do pequeno grupo; isto é, o método passaria a ser baseado na bio­grafia dos grupos primários. Esta proposta implicaria muitas novas dificul­dades, sem dl1vida, como adverte o pr6prio autor. E importante, contudo,que se retenha a grande ênfase por ele atribuída aos grupos primários comoinstâncias mediadoras entre o social e o individual (Ferrarotti, 1981).4

Outro ponto central para a perspectiva sociol6gica diz respeito aograu de generaIização possível do conhecimento adquirido por meio dos re­latos orais. Neste aspecto, os adeptos do método concordam em que o mate­rial coletado pode prover a generaIização sociolõgica, mas advertem que estageneraIização fica condicionada 11 coleta de um nl1mero significativo de de­poimentos. A questão passa a ser, então, como definir este número.

4 Sartreinspiratam.~m Norman Dcnzin para o quala tarefafundamental dasociologia interpretati­va seriaa descoberta de um método apropriado que possa revelaro homemcomo singularuniversal(Denzín, 1984).

118 AnAl. & cem••Belo Horizonte ..... 6. n93 set./dez. 1991

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Daniel Bertaux tem uma importante contribuição a oferecer nesseponto. Na investigação, conduzida juntamente com Isabelle Bertaux, a res­peito do processo de produção do pão na França, não foi utilizado nenbummodelo de amostragem na seleção dos indivíduos a serem entrevistados. En­tretanto, ao serem confrontadas as trajetórias de vida, umas com as outras,começou a tomar-se visível a lógica social a elas subjacentes. A partir de umdeterminado momento, os autores observaram que cada nova hist6ria de vidaconfirmava a precedente, percebendo, então, que havia um novo processoem curso. Este processo foi por eles denominado de processo de saturação.O que decorre desta perspectiva é que para se estabelecer o que é particulara uma determinada história de vida e o que é conseqüência de relações s6­cio-estruturais, isto é, o que é relevante para o pensamento sociológico epassível de generalização, é necessário que o pesquisador se mova de umahistória de vida para outra, buscando diversificar, o máximo possível, os ca­sos, até que ocorra o processo de saturação. Para D. Bertaux, a validez dométodo biográfico estaria dada precisamente por esse fenômeno (Bertaux D.,Bertaux 1" 1981).

De qualquer modo, ainda que seja possível a generalização domaterial obtido a partir dos relatos orais, deve-se ter em mente, como lembraCipriani (1988), que a prática da hist6ria de vida, por seus próprios supostosbásicos, não pretende nunca a universalidade absoluta, indiscutfvel, isto é,uma generalização indiscriminada.

Ao lado da ênfase na necessidade de que se realize um numerosignificativo de histórias de vida, acima justificada, para a perspectiva so­ciológica, importa destacar também a necessidade de que se proceda à análi­se e à interpretação do material coletado a partir de um quadro teórico defi­nido. Maria Isaura Queiroz assinala a este respeito que o referencial teóricoé um ingrediente indispensável para que se proceda à coleta dos relatos, poisse aceitamos que os dados não falam por si, o conbecimento do objeto exigeum trabalbo de construção por parte do investigador, através de sua reflexãosobre as informações disponíveis (Queiroz, 1983).

Vários autores vêm advertindo para o fato de que muito facil­mente a riqueza dos relatos de vida leva o pesquisador desprovido de umquadro conceituai definido a reificar a narração, a tratar o discurso comosendo o fato, e não uma determinada versão do fato. Briosclli, Trigo (1987)recorrem a Thiollent na crítica ao neopositivismo que vem se instalando nochamado empirismo qualitativo, a saber, a transformação do discurso em fatosocial e a ausência de elaboração teórica prévia, que resulta em permitir queos fatos falem por si só.

O neoposmV1Smo pode se manifestar também, como chama aatenção Vidal, pelo fato de o pesquisador, ao deixar falar o oprimido, "a­quele que não tem voz na versão oficial dos acontecimentos, assumir a pos­tura de neutralidade: torna-se o instrumento através do qual as falas vãoemergir" (1990, p.2).

Anál, & Conj•• Belo HorIZonte, v.5. n9 3 set"/dez. 1991 119

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3 O POTENCIAL DO MaTODO BIOGRÁFICO

A literatura ressalta o potencial representado pela utilização dosrelatos orais em Ciências Sociais.

Observa-se que há um primeiro conjunto de vantagens oferecidaspelo método sobre o qual não há polêmica, sendo aceito mesmo pelos defen­sores de uma metodologia quantitativa e de uma ciência nos moldes positi­vistas.

Primeiramente, os relatos orais podem constituir uma excelentetécnica para se efetuar um primeiro levantamento de questões, sobretudo emáreas ainda pouco exploradas ou conhecidas, onde os dados são escassos ouinexistentes. Seriam üteis, portanto, para a formulação de hipóteses iniciaisou para o desbravamento de novas áreas ou aspectos da realidade. MarsaJchega a afirmar que todos os inconvenientes que representa o uso dos mate­riais qualitativos como elemento de verificação se transformam em vantagensquando são utilizados na fonnulação de problemas, de hip6teses, conceitos eteorias iniciais, isto é, em investigação exploratórias (1974).

Salienta-se ai, igualmente, a função do documento oral no preen­chimento de lacumas existentes nos documentos escritos ou para registrar oque ainda não se cristalizou em documentos escritos. Howard Becker apontaque as histórias de vida, por sua riqueza de detalhes, tomam-se igualmenterelevantes nas áreas em que a pesquisa encontra-se estagnada. Os relatosorais sugerem novas variáveis, novas questões, novos processos, agindo,portanto, no sentido de operar as reorientações necessárias do campo de in­vestigação. E, por sua abrangência, permite ainda abordar os domínios con­tíguos àqueles do foco central da pesquisa (Becker, 1986).

Já num segundo grupo de questões, o método da história de vidaé visto não apenas como uma técnica a mais de coleta de dados mas comosignificando uma metodologia distinta, capaz de oferecer uma contribuiçãodecisiva e específica para o avanço do conhecimento sociológico, particu­lannente em relação aos aspectos seguintes:

O primeiro deles, já bastante explicitado, refere-se a que os rela­tos orais permitiriam esclarecer o lado subjetivo dos processos sociais. Deacordo com Becker (1986), estes aspectos foram objeto de numerosos estu­dos e de muitas hip6teses não-controladas, mas s6 através das histórias devida pode-se verificar realmente como esses processos são experimentados,vividos e sentidos pelos indivíduos.

A nova perspectiva que as histórias de vida ofereceriam para oestudo dos processos de mudança social constitui o segundo aspecto desta­cado pelos autores. Paul Thompson observa que, no modo como esse proces­so é quase sempre descrito, fica ausente um elemento crucial que diz respeitoaos efeitos cumulativos das pressões individuais pela mudança. Por meio dashistórias de vida, emergem precisamente as decisões que os indivíduos to­mam na sua vida cotidiana de se mudar de uma casa para outra, de uma c0­munidade para outra, trocar ou não de emprego, como constituir a famíliaetc. Para o autor, "o padrão mutável de milhões de decisões conscientesdesta natureza são de igual ou provavelmente de maior importância para amudança social que os atos dos políticos que são a fonte usual da história(Thompson, 1981, p. 298).120 AnAl. & Conj., Belo Horizonte, 'I/.e, n'i 3 set.Jdez. 1991

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Ao lado disso, o método biográfico está ligado a urna dioâmica demudança. Michael Pollack e Nathalie Heinick ressaltam que onde seu usodeu melbores resultados em ciências sociais foi quando aplicado aos mo­mentos de grande mudança social e económica, ao lado dos fenómenos deaculturação, imigração e de relação interétnicas (Pollack, Heinick, 1986).

Os relatos orais reintroduzem a dimensão tempo na investigaçãosociológica, através de ciclo de vida e da mobilidade social, e assim, comoobserva Becker, o método biográfico permitiria mais que qualquer outro, darum sentido à noção de "desenrolar do processo". Becker (1986) assinala queembora os sociólogos trabalhem freqüentemente com processos sociais, emgeral seus métodos os impedem de captá-los concretamente. Já a história devida descreve a sequência de interação nas quais novas vias de ação coletivae individual são projetadas e novos aspectos de personalidade surgem.

Com relação ao uso da história de vida para o estudo de proces­sos sociais, cabe lembrar a advertência feita por Pierre Bourdieu no sentidode não se dar a ela urna coerência, urna lógica e urna conexão entre eventosque não corresponderiam à vida real. As biografias devem ser tomadas comofonte de análise, mas sem perder de vista que só se pode compreender urnatrajetória de vida, isto é, o envelbecimento social que embora acompanhe oenvelhecimento biológico é independente dele, à condição de se ter previa­mente constituído os estados sucessivos do contexto DO qual ela se desenro­lou. Isto é, O conjunto de relações objetivas que uniu o agente considerado(o indivíduo) ao conjunto de outros agentes situados no mesmo campo e con­frontados com o mesmo espaço de alternativas (Bourdieu 1986).

O terceiro aspecto relevante enfatizado nessa linha de argumenta­ção refere-se ao potencial representado pelos relatos orais na formulação deteorias, na revisão de interpretações e no refinamento de conceitos explicati­vos e de seus pressupostos. Becker (1986) aponta que o material coletadopor meio da História Oral pode servir de elemento para se julgar o valor deurna teoria. Para ser considerada válida, qualquer teoria deve, se não expli­car, pelo menos ser compatível com a história do indivíduo. Mesmo se umabiografia não constitui uma prova decisiva em favor de urna hipótese, elapode ser um caso negativo que nos leve a declarar inadequada a teoria pro­posta Denzin (1970, p, 239) assinala que é possível descobrir proposiçõesque dizem respeito a urna população total pelo uso apenas de um pequenoconjunto de histórias de vida. Esta seria a solução oferecida pela induçãoanalítica. Cada caso estudado e cada evento dentro de cada caso se tornariaurna fonte crítica de dados que ou valida ou desconfirma urna determinadahipótese prévia.

Thompson (1981) acredita que o campo da história oral pode serparte de uma metodologia poderosa caracterizada por um processo contínuode testar e reform dar hipóteses, capaz de levar a uma sociologia "teorica­mente viva e substantivamente enraizada na realidade social". Haveria aíuma interação contínua entre teoria e trabalho de campo. O material coletadonas histórias de vida poderia mostrar, ainda segundo o autor, que nossasconcepções a respeito de certos problemas sociais são falsas. Haveria, assim,toda uma gama de temas sociológicos, dentre eles a família e a mobilidadesocial, que necessitariam ser melbor tratados por meio de uso sistemático dehistórias de vida teoricamente orientadas, aproveitando-se das vantagens ofe­recidas tanto pelo período maior de tempo quanto pela flexibilidade intrínse­ca do método.

Anãl. & ccnj.,Belo Horizonte. v.e, n'i 3 seL/dez. 1991 121

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Na perspetiva apontada, portanto, o uso de relatos orais comoinstrumenl? de coleta de dados nas ciências sociais resultou de uma posturamerodotõgíca em que busca-se obter dados para resolver problemas teõricosdados estes que não poderiam ser obtidos de outra fonna. Com relação a is~so, vale salientar o importante potencial representado pelo método, se nãopara resolver, ao menos para a diluição de um dilema crucial que a teoria so­ciol6gica vem enfrentando desde seu inicio. Trata-se do velho problema de­terminismo e liberdade, estrutura e sujeito ou, ainda, objetividade e subjeti­vidade.

Na teoria clássica, o pensamento oscila de um pólo a outro, semavançar na solução do ~.ema. A obra de Marx e Durkheim estaria na proxí­midade do pólo determínísta, embora uma e outra apresentem variações noseu interior, enquanto que a de Weber se situaria no pólo liberdade, subjeti­vidade.

No âmbito do marxismo, não pode deixar de ser mencionado o es­forço de Sartre enfrentando o desafio que o dilema representa em 1946. Sar­tre parte de uma critica, que denomina formalismo marxista, ao qual contra­põe um marxismo concreto que buscaria examinar os homens reais. Os mar­xistas seriam capazes de explicar as condições materiais dos grupos, suascontradições internas e outras determinações abstratas, mas não o fato de quenem todo intelectual pequeno burguês, fosse Valéry, Flaubert, continua Sar­tre, em um membro da burguesia, mas sua família, como todas as outras, ti­nha suas particularidades. Assim, "é, pois, na particularidade de uma hist6­ria, através das contradições próprias desta famíha, que Gustave Flaubert fezobscuramente o aprendizado de sua classe. O acaso não existe, ou pelo me­nos não como se acredita: a criança tonar-se esta ou aquela porque vive ouniversal como particular" (Sartre, 1966, p, 52).

A importância da identificação de instâncias mediadoras entre ouniversal e o particular é enfatizada por Sartre: "De fato, o materialismodialético não pode privar-se por mais tempo da mediação privilegiada quelhe permite passar das determinações gerais e abstratas a certos traços do in­divfduo singular" (1966, p. 54). E, aí, a fanúlia é vista como o ponto de in­serção entre a classe e o indivíduo, pois "a criança não vive somente suafamília, ela vive também em parte através dela, em parte sozinha - a paisa­gem que a circunda, e é ainda a generalidade de sua classe que lhe é revela­da nesta experiência singular" (p. 68).

Na teoria sociol6gica contemporânea, o dilemà expressou-se naoposição entre coletivismo e individualismo metodol6gico. Em sua versãoradical, o primeiro representado pelo marxismo estruturalista e pelo estrutu­rai funcionalismo, acentuando o papel da estrutura, de relações sociais obje­tivas, independente dos homens; o segundo, acentuando o papel do indiví­duo, sem consideração pelos constI3ngimentos estruturais da ação.

Em função de sua unilateralidade, ambas as correntes mostraram­se logo insatisfatórias. Assim é que nos I1ltimos anos vem se verificando umesforço de integração entre elas, com vistas à superação dos limites de cadauma. Para Alexander (1988), o "novo movimento teórico" se expressariapela presença de um esforço de revisão, tanto dentro da tradição microquanto da macro,

122 AnAl. & Coni•• BeloHorizonte.v.6, ~ 3 set./dez. 1991

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Na corrente micro, a nova postura apareceria nos movimentos emdireção a questões estruturais e culturais, observados em suas mais expressi­vas teorias, o interacionismo simbólico e a etnometodologia. Na tradiçãocoletivista, o marxismo analítico pode ser considerado a mais significativatentativa de relacionar estrutura e ação, ao postular a necessidade de se ela­borar os microfundamentos da macroteoria. O marxismo da escolha racionalproposto por Elster (1986) critica a concepção da história como um processosem sujeito, salientando que os limites estruturais não determinam comple­tamente as ações empreendidas pelos indivíduos num grupo ou numa socie­dade. Para Przeworski (1989), se esta critica é irrefutável, o pressuposto daabordagem da escolha racional, de que a sociedade é uma coleção de indivf­duos não-diferenciados e não-relacionados, é também insustentável. Dessaforma, enquanto que qualquer teoria da história precisa ser microfundamen­tada, as teorias da ação individual têm que levar mais em conta O contextodo que até agora o fizeram,

Coloca-se, pois, a necessidade de integração entre uma aborda­gem estrutural e uma abordagem centrada na ação individual. Esta integra;ção, a despeito dos esforços recentes, ainda dá seus primeiros passos. Éneste aspecto que nos parece residir o maior potencial e também o maior de­safio do método biográfico.

Se aceitarmos o pressuposto de que o indivíduo tem um papel nasociedade, de que os indivíduos são tanto produto quanto produtores de suavida social, e de que há, portanto, uma relação recíproca entre indivíduo esociedade, trata-se, então, de poder estabelecer de que forma ocorre esta re­lação. São precisamente as histórias de vida que podem permitir que se esta­beleça concretamente como se dá a relação entre história de vida e históriasocial, mudança individual e mudança social. Thompson afirma que só tra­çando a vida individual é que podem ser estabelecidas as conexões entre odesenvolvimento da personalidade e a economia social, por meio da influên­cia mediadora dos pais, dos grupos de vizinhanças, da escola e de outrosgrupos primários. O sistema econômico, observa o autor, certamente exercelimites fundamentais ao modo como as pessoas vivem, mas não se pode es­quecer que a economia é uma criação social, parte da qual se dá dentro dafamília, A famfiia seria a instituição social primeira, na qual a energia huma­na é produzida e socializada.

Em vista disso, somente quando o papel destas instituições inter­mediárias no processo de socialização for precisamente estabelecido, a inte­gração teórica pode ser atingida. Por ser a socialização das crianças essen­cialmente privada e doméstica, ou pelo menos feita por processos informais,as entrevistas de história de vida oferecem quase o ónico caminho para com­preendê-la e interpretá-la, pois sua evidência combina o objetivo com osubjetivo e nos leva ao mundo privado e público. Assim, "precisamos criaruma sociologia teoricamente mais verdadeira e substantivamente mais enrai­zada, através da construção da teoria passo-a-passo com a descoberta dosfatos: e o método da história de vida oferece um instrumento vital nesta tare­fa" (Thompson, 1981, p. 304-305).

Este potencial representado pelo uso dos relatos orais na análisesociológica é igualmente enfatizado por Aspásia Camargo. Sendo a históriade vida o caminho para a inserção do ator na história, isso pode, segundo aautora, diluir o problema do determinismo versus voluntarismo. Nas suaspalavras, "quando aproximamos o ator (e seus graus de liberdade) da histó­ria (e seus graus de condicionamentos), a rigidez da premissa se dilui diante

Anãl. a Conj•• Belo HorlZonte, v.e, ni 3 set./d&z. 1991 123

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do feixe de alternativas que emanam do conjunto de atures, oriunda de pres­sões diversificadas que sobre eles se exercem" (Camargo, 1981, p.196-197). A abordagem da história de vida permitiria, assim, fazer a ponteentre a teoria e os dados empfricos, substituindo a oposição entre os doispólos pela idéia seguramente mais rica de que na realidade concreta é possí­vel encontrar diferentes graus e combinações específicas entre os dois pólosem pauta. Como observa Balan, se os membros de um grupo não fazem aHistória, eles fazem a sua história com os meios que eles encontram li suadisposição. É no seio deste processo que se descobre a substância da intera­ção entre a biografia pessoal, estIUtura social e História (Balan, Jelin, 1980).

Finalmente, julgamos conveniente dar algumas indicações a res­peito de em que medida o método biográfico tem sido utilizado nas ciênciassociais como método autónomo ou como complementar.

Percorrendo os textos relativos li matéria, observa-se que há umforte predomínio da concepção de que nas ciências sociais os relatos oraisdevem ser utilizados em combinação com dados obtidos de outras fontes.

De acordo com Maria Isaura Queiroz, a história de vida, para osociólogo, dificilmente poderá constituir um üníco instrumento de trabalho,sendo necessária uma complementação proveniente de outras fontes. Para aautora, "qualquer trabalho que ultrapasse o levantamento de problemas e aapresentação de dados, sua associação com outras formas de coleta se tornaimprescindível" (Queiroz, 1983, p. 72). As novas facetas do real relatadaspelos depoimentos orais precisariam ser complementadas e verificadas pormeio de outras técnicas. Inversamente, os relatos orais permitiriam proceder·lI crítica dos dados coletados de outras fontes. Estas exigências viriam dofato de que o crédito da história de vida seria dado não apenas pelo cotejodos relatos uns com os outros, que corresponderia li crítica interna, comotambém com dados de outras fontes, correspondendo li crítica externa domaterial coletado.

As outras fontes de dados que devem ser utilizadas na análise so­ciológica podem ser da mais diversa natureza, podendo-se combinar, quando oo~eto o exigir, téalicas quantitativas com documentos e outras fontes qualitati­vas, substituindo a falsaoposição entre métodos quantitativos e métodos quali­tativos dos anos 50 e 60 pela mais fecunda complementatiedade entre eles. Valeaqui citar o uso que alguns pesquisadores vem fazendo da futograJia não apenascomo ilustração de texto ou apresentação de resultados mas como recurso deanálise. No Brasil, o trabalho de Olga Vom Simson constitui exemplo da utiliza­ção de diferentes funtes de dados de forma complementar: relatos orais. foto­grafia e documentos escritos de diversas naturezas (Simson, 1990).

De qualquer íorma, como assinala ainda Queiroz (1983,P. 72), deve­se seguir "o preceito mais salutar das pesquisas em ciências sociais. que é o deassestar sobre o tema pesquisado o fuco convergente de técnicas vatiadas, porum lado, e, por outro, analisá-lo segundo diferentes eixos teóricos".

4 REFERaNCIAS BIBUOGRÁFICAS

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