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Relatório do Projeto MEGAM Projeto MEGAM Projeto MEGAM Projeto MEGAM Projeto MEGAM

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Page 1: Relatório do Projeto Megam

Relatório doProjeto MEGAMProjeto MEGAMProjeto MEGAMProjeto MEGAMProjeto MEGAM

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Universidade Federal do Pará

Núcleo de Altos Estudos Amazônicos

Relatório doProjeto MEGAMProjeto MEGAMProjeto MEGAMProjeto MEGAMProjeto MEGAM

Estudo das Mudanças Sócioambientaisno Estuário Amazônico

Belém2004

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Coordenação do projeto MEGAM

Edna Maria Ramos de Castro – NAEA/UFPA

Comitê Acadêmico do projeto MEGAMMaria Thereza Prost – MPEGGutemberg Guerra – NEAF/UFPALourdes Furtado – MPEGVictória Isaac – CCB/UFPACatherine Prost – NAEA/UFPAMaria Célia Nunes – NAEA/UFPA e UFRJEdna Castro – NAEA/UFPA

ConsultoresPedro Jacobi – USP, São PauloPaulo Kitamura – Embrapa, CampinasRosa Acevedo Marin – NAEA/UFPA

Capa: Joelle Katiússia Silva

Editoração eletrônica: Diana Cruz Rodrigues e Joelle Katiússia

Projeto MEGAMNÚCLEO DE ALTOS ESTUDOS AMAZÔNICOSUNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁCampus Universitário do GuamáRua Augusto Corrêa, nº 1, NAEA, Sala 21966 075-900 – Belém, ParáFone: (91) 3183 1496 Fax: (91) 3183 1677E-mail: [email protected] e [email protected] page: www.ufpa.br/projetomegam

Universidade Federal do Pará. Núcleo de Altos Estudos AmazônicosRelatório do projeto MEGAM – Estudo das mudanças

Sócioambientais no estuário amazônico. Belém: NAEA, 2004.

117 p. ; 21 x 14,8 cm

1. Cidades, Ilhas do Estuário, Água e Amazônia. RelatórioProjeto de Pesquisa. 1. Castro, Edna Maria Ramos de(org.). Núcleo de Altos Estudos Amazônicos.1. Amazônia – Pesquisas

CDD

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Equipe do projeto MEGAM

Amilcar Carvalho MendesAna Laura dos Santos SenaBernardo Costa FerreiraCarlos Romano RamosCatherine ProstDiana Cruz RodriguesDirse Clara KernEdna Ramos de CastroElizabeth TeixeiraElídia Paulina C. Buseti MendesEmmanuel dos SantosEduardo Lima dos Santos GomesFrancinete P. CruzFrancisco Juvenal FrazãoGutemberg Armando Diniz GuerraHeloísa FeioHelena Doris de A. B. QuaresmaJean-François FaureJosé Francisco BerrêdoJacqueline freireJoelle Katiússia SilvaJosé Paulo SarmentoJucilene Amorim CostaKarla AmorasKarla Tereza Silva RibeiroKátia Fernanda Garcez M. PaivaKrishina Day C.B.L.RibeiroLeila MourãoLina R. PortalLourdes Gonçalves Furtado Luis

Equipe do projeto MEGAM

Luziane Mesquita da LuzFernando Cardoso e CardosoMárcia J. C. CostaMaria Amélia Pinto MarquesMaria Célia CoelhoMaria Emília da Cruz SalesMaria das Dores MachadoMaria das Graças Santana da SilvaMaria de Lourdes Pinheiro RuivoMaria de Nazaré Angelo-Menezes.Maria Thereza Ribeiro da Costa ProstMauro RufinoMoacir ValenteMônica Cristina CarvalhoNírvia RavenaOlinda MalatoOriana T. AlmeidaPaulo Moreira PintoPaulo SarmentoPetrônio Potiguar JúniorRafael Gomes do Nascimento FilhoRegina Paula SáRosa Acevedo MarinRodrigo PeixotoSaint-Clair Cordeiro da Trindade Jr.Sandra Maria Rickmam LobatoTarcísio Ewerton RodriguesVera Lúcia Scaramuzzini TorresVictória J. IsaacVoyner R. Cañete

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Lista de Siglas

BASA - Banco da AmazôniaCFCH - Centro de Filosofia e Ciências HumanasCNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e TecnológicoCodem - Companhia de Desenvolvimento e Administração da Área Metropolitana

de BelémCohab - Companhia de Habitação do Estado do ParáCosanpa - Companhia de Saneamento do ParáDaben - Distrito Administrativo do BengüiEcolab - Programa de Estudos de Ecossistemas Costeiros TropicaisFadesp - Fundação de Amparo e Desenvolvimento da PesquisaFinep - Financiadora de Estudos e ProjetosGepem - Grupo de Pesquisa Eneida de MoraesGerco - Projeto Gerenciamento CosteiroGMAPIC - Grupo de Mulheres da Associação dos Produtores da Ilha de CotijubaIBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e EstatísticaIEPA - Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado do AmapáIFNOPAP - Projeto Integrado O imaginário nas Formas Narrativas Populares da

Amazônia ParaenseIRDI - Institut de Recherche International en DéveloppementLaena - Laboratório de Análises EspaciaisMEGAM - Estudo dos Processos de Mudança no Estuário Amazônico pela Ação

Antrópica e Gerenciamento AmbientalMadam - Manejo e Dinâmica em Áreas de ManguezaisMCT - Ministério da Ciência e TecnologiaMPEG - Museu Paraense Emilio GoeldiNAEA - Núcleo de Altos Estudos AmazônicosNEAF - Núcleo de Estudos de Agricultura FamiliarOMS - Organização Mundial da SaúdeONG - Organização Não GovernamentalPADCT - Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e TecnológicoPEM - Plano de Estruturação Metropolitana de BelémPibic - Programa Institucional de Bolsas de Iniciação CientíficaPMB - Prefeitura Municipal de BelémRenas - Projeto Recursos e Antropologia das Populações Marítimas, Ribeirinhas

e EstuarinasSectam - Secretaria Executiva de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente – ParáSegep - Secretaria Municipal de Coordenação Geral de Planejamento e GestãoUFMA - Universidade Federal do MaranhãoUFPA - Universidade Federal do ParáUnama - Universidade da AmazôniaUnamaz - Associação de Universidades Amazônicas

Lista de Siglas

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Sumário

APRESENTAÇÃO .................................................................................................... 06

1 O PROJETO MEGAM ........................................................................................ 08

2 A INTERDISCIPLINARIDADE COMO INSTRUMENTO DE COMPREENSÃO ............................. 14

3 SOCIEDADE, ECONOMIA E AMBIENTE NO ESTUÁRIO AMAZÔNICO ................................ 21

CIDADES RIBEIRINHAS E RELAÇÃO COM A ÁGUA ........................................................... 24CRESCIMENTO URBANO E MUDANÇAS SÓCIO-ESPACIAIS .................................................. 27BELÉM E AS REDES DE RELAÇÕES ENTRE CIDADES DO ESTUÁRIO ....................................... 30URBANIZAÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL E ESTRUTURA DE SERVIÇOS .................................. 34MUDANÇAS NA COBERTURA FLORESTAL PELA AÇÃO ANTROPICA ..................................... 35A ORLA DE BELÉM E NOVAS EXPERIÊNCIAS DE GESTÃO URBANA ....................................... 42QUALIDADE DA ÁGUA E GESTÃO DOS SERVIÇOS URBANOS .............................................. 45A PESCA NA ECONOMIA DO ESTUÁRIO ........................................................................ 50A PESCA E AS CADEIAS DE COMERCIALIZAÇÃO .............................................................. 53A PESCA INDUSTRIAL .............................................................................................. 58DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL X DESENVOLVIMENTO PESQUEIRO ................................ 61BELÉM E ILHAS: OLHAR SOBRE A EMBOCADURA DO AMAZONAS ....................................... 63OS PRODUTORES AGROEXTRATIVOS DE ILHAS DO ESTUÁRIO AMAZÔNICO ........................... 70URBANIZAÇÃO E A PROBLEMÁTICA DE BACIAS HIDROGRÁFICAS ......................................... 74

4 PRODUÇÃO CIENTÍFICA ....................................................................................... 77

PUBLICAÇÕES ........................................................................................................ 77CARTAS TEMÁTICAS ................................................................................................ 78PARTICIPAÇÃO EM REUNIÕES CIENTÍFICAS E TÉCNICAS .................................................... 79TESES, DISSERTAÇÕES E MONOGRAFIAS ........................................................................ 99CURSOS 105OFICINAS ........................................................................................................... 105VÍDEOS 106SEMINÁRIOS, WORKSHOPS E REUNIÕES TEMÁTICAS ....................................................... 107

5 EIXOS TEMÁTICOS E SUB-PROJETOS DE PESQUISA ..................................................... 109

6 Comentários finais ....................................................................................... 114

Sumário

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Relatório do Projeto MEGAM

Apresentação

Este relatório tem como objetivo informar as principais atividadesdesenvolvidas no âmbito do projeto Estudo dos Processos de Mudança noEstuário Amazônico pela Ação Antrópica e Gerenciamento Ambiental(MEGAM) e, em especial, os produtos gerados por suas equipesformadas por professores, pesquisadores e discentes da graduação eda pós-graduação. Mais detalhes sobre o trabalho realizado, acessar oportal do projeto – www.ufpa.br/projetomegam - onde podem serencontrados os relatórios de pesquisa e de outras atividades, tais comoseminários, workshops, cursos e oficinas. Parte da produção do projetofoi publicada através de artigos em periódicos e capítulos de livros; e,pode ser encontrada ainda em teses de doutorado, dissertações demestrado e monografias de cursos de especialização e de graduação,disponibilizadas nas bibliotecas do NAEA, do MPEG e na BibliotecaCentral da UFPA.

Vários eventos foram realizados, entre eles quatro workshopsde avaliação e planejamento das pesquisas, um workshop fluvial comoparte da programação do seminário internacional “Conservação edesenvolvimento no estuário e litoral amazônicos” (NAEA-UFPA/UNESCO-MAB/UNU), constituindo oportunidades para repasse deresultados parciais das pesquisas e de reflexão sobre a formulaçãode políticas socioambientais, em especial com os órgãos públicosvoltados à gestão dos serviços de água e saneamento. Foramrealizados três cursos de extensão, sendo dois sobre estruturas deintervenção com foco sobre as ONG na Amazônia e o terceiro sobretécnicas de georeferenciamento. Dois outros eventos - Semináriosobre as ilhas de Caratateua e Cotijuba e a Jornada sobre a ilha doCombu - estiveram voltados para troca de resultados de pesquisa ebalanços de experiências de gestão comunitária ou de açõespromovidas pelas prefeituras municipais nas ilhas dos municípios deBelém e do Acará.

No quadro de uma colaboração com a Prefeitura Municipal deBelém foi realizada uma oficina intitulada “Água e cidades na Amazônia:propostas de políticas para um recurso estratégico”, nos dias 27 e 28

Apresentação

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de setembro de 2002, com o objetivo de gerar subsídios para o Semináriomunicipal de saneamento1.

Por ocasião do IV Ecolab, projeto de pesquisa em rede coordenadoem Belém pelo Museu Paraense Emílio Goeldi e que tem como parceiroso Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado do Amapá(IEPA) e o Institut de Recherche International en Développement (IRDI),da Guiana (Cayenne), o projeto MEGAM teve participação na organizaçãodo evento e nas sessões de comunicação. Durante o evento, realizadoentre 9 e 14 de setembro de 2002, foi lançado o primeiro CD-ROM doprojeto contendo o relatório do IV workshop fluvial realizado no estuárioamazônico em novembro de 2001. O CD-ROM traz o trajeto da orlada cidade de Belém, percorrendo áreas com impactos das atividadesindustriais, de comércio, de turismo e portuárias, localizando a situaçãode balneabilidade das ilhas que estão no entorno das cidades, em suasorlas norte e sul.

A divulgação dos principais resultados da pesquisa, por ocasiãodo simpósio internacional Amazônia, cidades e geopolítica das águas, emjunho de 2003, foi feita em seis mesas redondas e sete grupos detrabalho2.

No primeiro semestre de 2004, prosseguiu-se na elaboração dosRelatórios conclusivos que deveriam ser encaminhados ao PADCT-Finepe ao CT-Hidro/Finep, o que foi feito em fevereiro. Realizaram-se aindaas sessões de defesa de trabalhos de tese e de dissertação que estavamem curso. Uma terceira ordem de atividades, a publicação de quatrolivros previstos para serem lançados a partir do final do primeirosemestre de 2004, em uma série intitulada MEGAM, além de dois outrosestimados para 2005.

1 Ver o relatório publicado com o título “Águas e cidades amazônicas: propostas de políticaspúblicas”. In: ARAGÓN, Luis. (org.) Conservação e desenvolvimento. Belém NAEA/UFPA/UNESCO, 2000, p.149-176.

2 Ver Relatório do Projeto encaminhado à Finep em dezembro de 2003. Disponível em:<www.ufpa.br/projetomegam>

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1. O projeto MEGAM1. O projeto MEGAM1. O projeto MEGAM1. O projeto MEGAM1. O projeto MEGAM

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Este projeto, iniciado em 1999 com apoio do PADCT/MC&T/CIAMB e posteriormente com o apoio do CT-Hidro/Finep e da Funda-ção Ford, foi criado com a perspectiva de poder desenvolver uma sériede estudos articulados, temática e metodologicamente, para entendero que representa os impactos das cidades sobre os cursos aquáticosem regiões tropicais, tomando Belém e as cidades próximas, tendo emcomum a localização em áreas do estuário amazônico para onde con-vergiu a maior parte das pesquisas realizadas no âmbito do projetoMEGAM. A ausência de sistematização de estudos nessa área justificouplenamente sua realização. O Projeto trouxe ao debate novos estudos eimportante contribuição sobre a ocupação urbana de cidades de grandeporte como Belém e os impactos sobre ecossistemas marcados pelapresença de água, as mudanças verificadas em sua orla, nos rios queatravessam a cidade e nas ilhas do entorno da cidade.

Na concepção original, o Projeto já objetivava realizar pesquisassobre os impactos da ocupação humana e de suas atividades econômi-cas no estuário amazônico, a partir de situações críticas de desmata-mento e poluição de cursos d’água nas proximidades de grandes cida-des localizadas na embocadura do rio Amazonas. Considerou-se ainda apolarização na embocadura do rio Amazonas de dezenas de outras pe-quenas e médias cidades.

Proposto pelo Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, Universi-dade Federal do Pará, em parceria com o Museu Paraense Emílio Goeldie a Prefeitura Municipal de Belém, contou com 12 pesquisadores seni-ors, com larga experiência em suas áreas de competência, com forma-ção das ciências humanas, da terra e da vida, pertencentes a vários de-partamentos das duas primeiras instituições.

Tendo obtido financiamento do Ministério de Ciência e Tecnologiado Brasil, o Projeto iniciou efetivamente suas atividades em maio de 1999,com um workshop de planejamento e uma excursão de reconhecimentono estuário amazônico. Nessa fase inicial foi dada especial atenção à cons-trução de uma metodologia multidisciplinar que incluísse também a par-ceria de multi-atores. Foi escolhida como área de interesse comum aembocadura do rio Amazonas, sob influência histórica da ocupação demédias e grandes cidades, em especial Belém. Foram usados para escolhada área alguns critérios definidos no workshop. Hoje o Projeto está comtrês anos de realização e já tem uma boa parte de seus objetivos realiza-dos. O atraso no repasse das parcelas do financiamento fez com que oProjeto não avançasse no ritmo desejado. Por outro lado, novas deman-das de pesquisa surgiram por parte de agentes econômicos, sociais e deórgãos públicos, apostando na continuidade do Projeto.

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Nesses anos de trabalho foi possível formar uma equipe de pro-fissionais seniors e estreitar as relações com a comunidade e com órgãosdo Estado. No momento contamos com convênios e parcerias que es-tão nos propondo novas demandas e também trabalhos conjuntos. Per-manecem e mesmo tendem a se agravar os problemas de poluição daságuas e de desmatamento no entorno das grandes cidades localizadasnas margens de rios do estuário amazônico. Este projeto teve uma boaaceitação e está interagindo com vários atores (associações de comuni-dades, empresas dos setores priorizados no projeto, órgãos do Estadoenvolvidos com a questão ambiental e recursos hídricos e ONG ambi-entalistas) para encaminhamento de solução dos problemas identifica-dos. Em síntese, a situação crítica pode ser apresentada em quatro itens:

1. Velocidade do desmatamento próximo das cidades.

2. Mudanças nas ilhas localizadas no rio Amazonas e tributáriosnas proximidades das cidades de Belém e Macapá, com a in-tensificação do turismo, do transporte fluvial e de atividadesagroextrativistas.

3. Poluição de praias, rios e furos com o lançamento de dejetosindustriais, de comércios (portos, mercados e feiras em es-pecial), de atividades agrícolas, turísticas, transporte fluvial epelos usos domésticos.

4. Redução de recursos hídricos (pescado) e florestais (madei-reiros e não-madeireiros).

Os estudos das situações críticas e das tendências de intensifi-cação do uso dos recursos naturais dessa área geraram indicadoresque serviram para definir o estuário amazônico como campo prioritá-rio de atenção da pesquisa e da formação do nosso Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido. Oestuário é ainda a zona de contato da água doce com a água salgada. Taldinâmica é importante para a vida no estuário que alterna a dominânciade recursos de água doce com marinha. Para fins deste trabalho, deli-mitamos uma parte desse estuário: a área que compreende as embo-caduras dos rios Amazonas e Tocantins, com alta produtividade defitoplâncton e respondendo pela principal fonte trófica para a biodi-versidade aquática.

Por razões da história da formação dessa área, sua biodiversida-de se expressa na riqueza de espécies vegetais e animais, tendo sidoberço de populações tradicionais e conseqüentemente de formas deuso desses recursos ancorados nos saberes tradicionais de povos indí-

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genas. Hoje a extração da madeira e de frutos (açaí, cupuaçu, taperebá,uxi, mari, etc.) permanece como uma das bases da economia dessaregião. A pequena agricultura tradicional e o aumento recente da produ-ção de frutas, sob sistemas agroextrativistas, merecem estudos maisaprofundados e comparativos.

A maior parte da concentração urbana se encontra no continente,porém as inúmeras ilhas que compõem o seu território abrigam umaparcela de sua população. O município de Belém ocupa uma área deaproximadamente 1.064,92 km2, e se encontra administrativamenteconstituído por uma região continental, com 1.819,5 km2 (84,82%) deextensão e outra insular, com 325,66 km2, marcada por uma complexarede hidrográfica formada por inúmeros rios, igarapés, furos e canaisque configuram os ecossistemas, com áreas de várzea, mangues e terrafirme.

Metrópole com 1.280.000 habitantes (IBGE, 2000), Belém estálocalizada no delta do rio Amazonas, na confluência dos rios Pará e Gua-má. Assentada em terras baixas e atravessadas de pequenos rios e igara-pés, esse desenho urbano conforma ainda hoje as divisões internas debairros, com seus terrenos altos ou aterrados e suas áreas alagadas, debaixadas, retrato e afirmação de hierarquias e processos de segregaçãosocial. A divisão territorial em estruturas administrativas municipais,sobretudo nos anos de 1980, teve um impacto crescente na composi-ção de grupos e nos arranjos de poder. Dos processos de mudança, hácertamente uma modernização que se amplia, quer administrativa, deserviços, quer por novos acessos a mercados, potencializados pelasredes urbanas, organizadas a partir da capital.

A cidade de Belém representa a experiência de maior adensa-mento em toda a Região Amazônica. Os municípios da Grande Belémcomportam aproximadamente 3 milhões de habitantes. Neste sub-es-paço têm sido registradas, nos últimos 20 anos, as mais altas taxas deocupação humana na Amazônia, tanto de nível econômico com umaconcentração de indústrias (madeira, pescado, minerais, frutos, palmi-tos, entre outros), serviços, mudanças no sistema de transporte, deportos e comunicação. Sua relevância pode ser constatada verificando-se a presença, no seu entorno, de dezenas de cidades e vilas que sesituam nas áreas estuarinas, ocupando as margens de rios como Tocan-tins, Pará, Acará, Moju e Capim ou mesmo igarapés e furos, ou se esten-dendo em direção às terras interiores e à costa paraense, na irradiaçãodas regiões Bragantina, do Salgado e da Guajarina. Conformam um con-tinuum de aglomerações urbanas na maior parte de pequeno porte, masimportantes pelas intensas redes de trocas econômicas, culturais e so-

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ciais que se reproduzem no tempo e se espalham por larga extensãoatravés do emaranhado de cursos de água que conformam essas baciashidrográficas organizadas a partir do rio Amazonas.

Uma grande metrópole como Belém tem mostrado mudançassocioeconômicas que têm a ver com as macro-dinâmicas regionais, en-tre elas a expansão para novas áreas, a capacidade de atrair investimen-tos e população, o que acaba levando a alterar de forma rápida o terri-tório. Aí se inclui tanto áreas urbanas, a exemplo das pequenas cidadesnas margens de rios, lagos e ilhas, como também as áreas rurais, sendodestacadas neste Projeto aquelas localizadas nas margens de ilhas e doscursos de água no continente.

As alterações ambientais por que passa a bacia amazônica, com aerosão provocada por formas diferenciadas de ocupação humana hámais de três séculos da colonização, o desmatamento que se acelerouna última metade do século passado, e a poluição por atividades indus-triais e de comércio nesse interland, são suficientes para justificar a ne-cessidade de acompanhamento com pesquisas sobre as dinâmicas soci-ais, econômicas e ambientais que ali se verificam.

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2. A pesquisa2. A pesquisa2. A pesquisa2. A pesquisa2. A pesquisa

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Os estudos realizados no projeto MEGAM objetivaram, em gran-de parte, identificar e estudar os processos de mudanças socioeconô-micas, com acompanhamento ambiental, as populações que habitamessas áreas, cuja economia se funda na relação do homem com o rio,o mar, as praias, as baías, os estuários, e ainda fortemente nas relaçõesfamiliares e de vizinhança, e de outro, mapear e compreender as mu-danças do meio físico, a partir de uma perspectiva interativa de pro-cessos.

Logo nos primeiros momentos foram redefinidos quatro eixosda pesquisa, tratados de forma transversal. Foi discutido, em relaçãoaos eixos, as áreas prioritárias para realizar o estudo, precisando-seuma área piloto e três outras para estudos complementares. No pri-meiro workshop do projeto, realizado em maio de 1999, foram defini-das as áreas de estudo e os interesses do projeto e da maior parte dospesquisadores. A escolha recaiu na área do estuário próxima de Belém,mais precisamente, no município de Belém e na região das ilhas, em seuentorno. Incluíram-se ainda municípios próximos de Belém como Bar-carena e Abaetetuba. Cerca de 70% das pesquisas foram concentradasnessa área-piloto.

Essas três outras áreas de estudo – áreas complementares – lo-calizadas no município de Marapanim (estuário do rio Caeté), municípiode Bragança (estuário do rio Caeté) e no município de Baião (rio Tocan-tins), tiveram suas pesquisas centradas sobre ecossistemas de mangue-zais e várzea, com estudos sobre comunidades com atividades econô-micas voltadas para a pesca, a agricultura e o extrativismo de variadosrecursos naturais. Assim, as áreas complementares à área-piloto são: aregião de Tocantins, o estuário do rio Caeté (municípios de Bragança eMarapanim) e as áreas de praia de Marudá e costa da Vigia.

Nessas áreas já vinham sendo realizados estudos que reuniam, decerta forma, alguns dos eixos priorizados no projeto MEGAM. E porisso as parcerias celebradas com outros projetos de pesquisa tais como:o Renas, coordenado por Lourdes Furtado (MPEG/MC&T/IRDI), o pro-jeto Gerco, coordenado por Thereza Prost (MPEG/Sectam), o projetoMadam com base de atuação em Bragança e com a participação deVictoria Isaac, o Projeto sobre Políticas Públicas na região Tocantina co-ordenado pelos professores Maria Célia Nunes e Armin Mathis (NAEA-UFPA/FFORD/Fadesp), bem como a participação em redes de pesqui-sas sobre sociedade e ambiente costeiro na Amazônia, a exemplo doEcolab (MPEG/UFMA/IRDI). Espaço de interlocução, que ao potenci-alizar a entrada dessas áreas no projeto, facilitou a criação de links e aformulação de uma metodologia de interação. Outras parcerias, embo-

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ra menos contínuas, foram relevantes. Entre elas com a Universidade daAmazônia (Unama), o Instituto de Pesquisa Evandro Chagas e com aCodem.

Essa interação e colaboração entre equipes foi avaliada como bas-tante proveitosa e se sobressai tanto na produção de trabalhos conjun-tos, como na formação de estudantes em vários programas de pós-graduação: Programa de Mestrado e de Doutorado do NAEA/UFPA,Programa de Mestrado em Agricultura Familiar do NEAF/UFPA, Pro-grama de Pós-Graduação do CFCH/UFPA e do MPEG, Programa deMestrado em Ecologia de Ecossistemas Costeiros e Estuarinos do Cam-pus de Bragança, além da formação de alunos da graduação em diferen-tes áreas de conhecimento, através do apoio do Pibic/CNPq. Ou debolsas acordadas pelos referidos projetos de pesquisa.

Da interdisciplinaridade como instrumento decompreensão

O projeto MEGAM considerou a interdisciplinaridade como umaferramenta metodológica, um desafio e uma possibilidade de rupturacom metodologias tradicionais, aprendendo-se com os erros e acertosde experiências anteriores. A mudança de paradigmas implicou diferen-tes níveis de dificuldade, particularmente por estarem os pesquisadoresacostumados a trabalhar com a perspectiva disciplinar e por não teremuma linguagem comum que facilitasse a construção de parâmetros decomplementaridade com outras áreas de conhecimento. A pesquisaconstituiu também um laboratório dedicado à formação de discentes dagraduação e da pós-graduação, um de seus objetivos principais, experi-mentando metodologias, ensaiando a interdisciplinaridade e discutindoprocedimentos transdisciplinares.

O esforço para definir uma metodologia, que fosse capaz de con-trolar algumas variáveis-chave impunha-se e essa tarefa, norteou a to-mada de decisões para os primeiros passos do projeto. Mudanças deparadigmas implicam em diferentes níveis de dificuldade, particularmentepor estarem os pesquisadores acostumados a trabalhar com a perspec-tiva disciplinar. Procurou-se incentivar a produção de uma linguagemcomum e de complementaridade na fronteira com outras áreas de co-nhecimento. Nessa perspectiva trata-se de criar um novo espaço insti-tucional formado nas interfaces das disciplinas, e enfrentar a questãoambiental em sua profundidade e complexidade. Procurou-se integrarpesquisa e pós-graduação, desenvolvimento urbano com as áreas ruraisdo entorno, os ecossistemas do estuário amazônico com a marcantepresença de recursos aquáticos, e finalmente, repassar esses conheci-

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mentos de forma participativa, com instâncias do poder municipal comvistas a contribuir com as atividades de gerenciamento ambiental. OProjeto tem gerado conhecimentos e criado espaços de intercâmbiocom a comunidade, instâncias da municipalidade e ONG.

A questão metodológica foi pensada a partir de dois procedimen-tos – mapeamento de situações ambientais críticas e definição de umaárea geográfica de estudo comum –, o que ajudou a construir uma dinâ-mica interdisciplinar. Foram importantes nesse processo as discussõessobre temas, a formação de equipes e a explicitação de metodologias.Para melhor sistematização procurou-se construir e manter, ao longodos cinco anos de funcionamento do projeto, uma estrutura com qua-tro eixos temáticos – Desenvolvimento Urbano, Desenvolvimento Ru-ral, Recursos Hídricos e Gerenciamento Ambiental –, todos eles relaci-onados de forma indireta com as quatro linhas temáticas – Sistemas deProdução e Formas de Trabalho, Território de Recursos e Saberes, Pro-blemas Urbanos e Usos Diferenciados no Espaço, Políticas Públicas eGerenciamento Ambiental – que recobriram as várias dimensões daproblemática de pesquisa.

O fluxograma a seguir mostra as preocupações desta pesquisaligadas a outras de ordem prática, presentes nas demandas e nas formu-lações de políticas públicas.

Atores Sociais

Poderes Locais

MEGAM

Pesquisa

Inte rvenção

Sistemas Produtivos

Formas de T rabalho

Usos diferenciados

do Espaço

Detentores de recursos

Sistemas de Mane jo

P ropriedade da Terra

C onhecimentos Trad iciona is

Urbano Rural

Valorização Econômica

Demanda de Po líticas

Propostas de Po líticas

Figura 1 - Fluxograma e Estrutura do projeto MEGAM

Porém, o mais importante no desenho metodológico, foi a esco-lha de áreas comuns para a realização da pesquisa de campo. Com baseem alguns critérios, optou-se por uma estrutura com uma área-piloto eduas complementares. A primeira, mostrada nos mapas que seguem,foi selecionada cruzando-se a opção de estudar o estuário amazônico

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com um recorte da presença de núcleos urbanos. Concluiu-se pela sele-ção de uma área do estuário, justamente da área onde se encontra Be-lém e suas ilhas, em um círculo de furos, igarapés e áreas de várzea.

As outras duas áreas, de caráter exploratório complementar,localizam-se no estuário do rio Caeté, nos municípios de Marapanime Bragança. Valorizaram-se assim estudos realizados nas zonas cos-teiras e estuarinas de ecossistemas de várzea e de mangue. A esco-lha dessas áreas justificou-se ainda pela presença de inúmeros núcle-os urbanos ribeirinhos nesses biomas. Finalmente, essas escolhaspermitiram o diálogo com outras pesquisas em curso e a compreen-são de vários processos presentes na atual dinâmica socioambientalda Amazônia.

O programa de pesquisa considerou como um dos principaispontos a integração entre pesquisa e formação, redirecionando os te-mas de pesquisa dos discentes e tornando o projeto um locus de orien-tação de teses, dissertações e monografias. Os subprojetos, distribuí-dos pelos 28 eixos temáticos, envolveram um conjunto de 65 pessoas,entre pesquisadores e discentes da pós-graduação, discentes da gradu-ação e técnicos. Os principais resultados obtidos refletem essa estrutu-ra e estão na forma de papers, de artigos publicados em revistas, decapítulos de livros, em teses de doutorado, dissertações de mestrado emonografias de especialização e de iniciação científica, além evidente-mente dos livros da Série MEGAM. Foram ainda divulgados resultadosem vídeos graças à presença de pesquisadores nos eventos de carátercientífico e técnico. Inúmeros trabalhos foram publicados na forma deresumos expandidos nos anais do simpósio Amazônia, cidades e geopolí-tica das águas, realizado pelo Projeto em junho de 2003, em Belém, queexplorou um campo temático dinâmico, com desdobramentos em di-reção a novos projetos de pesquisa.

Para manter o intercâmbio entre as equipes, recorreu-se às es-tratégias de reuniões temáticas, workshops de avaliação e de planeja-mento, construção de links para permitir a troca de informações entreas equipes e priorizar finalmente os recortes temáticos ou geográficosde cada subprojeto. O estímulo à formação de redes e à participaçãoem outras existentes ensejou um crescimento teórico e ajudou a cons-truir novas incursões e a trocar informações sobre os resultados daspesquisas e das metodologias. Dessa forma, buscou-se criar um novoespaço institucional formado na interface das disciplinas. Os programasassim integrados geraram novos produtos e ampliaram a discussão so-bre outros paradigmas do conhecimento, sinalizando para formas deintervenção na sociedade e nos ecossistemas.

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Ao longo dos cinco anos de existência, o MEGAM alimentou vári-as parcerias acadêmicas, entre elas o Projeto Recursos e Antropologiadas Populações Marítimas, Ribeirinhas e Estuarinas (Renas), o ProgramaEcolab, que envolve pesquisadores da Guiana Francesa, Macapá, SãoLuís e Belém, o Projeto Gerenciamento Costeiro (Gerco), todos trêsvinculados ao MPEG, e o Programa de Pesquisa Milenium/CNPq, doCentro de Ciências Biológicas, voltado para a pesca. Outras parceriasforam celebradas com laboratórios de geoprocessamento para a cons-trução de cartas temáticas e troca de banco de dados. Identicamentefomentou-se parceria com a Prefeitura Municipal de Belém, tendo havi-do ocasiões oportunas de trocas com várias secretarias municipais, fun-dações e outros órgãos públicos, entre eles a Companhia de Desenvol-vimento e Administração da área Metropolitana de Belém (Codem), emespecial no intercâmbio sobre técnicas cartográficas e acompanhamen-to do programa de indicadores econômicos, sociais e administrativos, ea Cohab-Pará, que nos forneceu preciosas informações sobre as cida-des paraenses. Outras parcerias foram menos institucionais. É o caso daparticipação de professores da Universidade Federal do Pará – vincula-dos ao Grupo de Pesquisas Eneida de Moraes (Gepem), com seu proje-to voltado para o estudo e a intervenção na baía do Sol, ilha de Mosquei-ro –, da Universidade da Amazônia (Unama) – em especial nas análisessobre o igarapé Mata Fome – e da Associação de Universidades Ama-zônicas (Unamaz), que possibilitou os contatos com parceiros individu-ais e institucionais de outros países com Região Amazônica. Finalmente,firmamos parcerias com várias associações de moradores das ilhas e debairros de Belém, com as quais promovemos vários eventos – doisseminários e três oficinas –, além do Sindicato de Trabalhadores da In-dústria Pesqueira.

As pesquisas realizadas contaram com as parcerias construídaspelos projetos: Estudo dos Processos de Mudança do Estuário Amazô-nico pela Ação Antrópica e Gerenciamento Ambiental (MEGAM) e Re-cursos e Antropologia das Populações Marítimas, Ribeirinhas e Estuari-nas: organização social, desenvolvimento e sustentabilidade em comuni-dades pesqueiras na Amazônia (Renas/Museu Goeldi), coordenado porLourdes Gonçalves Furtado, antropóloga e pesquisadora titular do MCT- Museu Goeldi. Com um caráter de vertente antropológica do projeto,os estudos desenvolvidos pelos integrantes do Renas/MEGAM3, agluti-

3 Para obter mais informações, consultar Belém e o estuário amazônico: sociedade e cultura naszonas costeira e estuarina do Pará, de Lourdes Furtado, Graça Santana, Helena Doria Quares-ma, Paulo Monteiro, Petrônio Potiguar Júnior, José Edílson Cardoso Rodrigues e Adriana Aviz(Projeto MEGAM, Relatório de Pesquisa, 2003)

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naram-se em torno do Grupo Sociedade e Cultura nas Zonas Costeirase Estuarinas do Pará, coordenado pela referida pesquisadora. Construiutambém ao longo desses anos uma parceria, mas nesse caso com pes-quisadores do Departamento de Ecologia do Projeto GerenciamentoCosteiro (Gerco) e do Programa Ecolab, ambos coordenados pela Pro-fessora Maria Thereza Prost, com um enfoque sobre os impactos daação antrópica do meio físico no estuário e áreas costeiras.

A metodologia foi baseada na interdisciplinaridade, com base emexperiências anteriores como é o caso do projeto Renas e do Ecolab.Para manter o intercâmbio entre as equipes, foi utilizada a estratégia dereuniões temáticas, workshops de avaliação e de planejamento, cons-trução de links para estabelecer a troca de informações e priorizar osrecortes temáticos ou geográficos com maior proximidade entre osestudos realizados. O estímulo à formação de redes e à participação deredes externas, e mesmo internacionais, permitiu um crescimento detoda a equipe e também ajudou a construir outras inserções, troca deinformações sobre resultados de pesquisa e de metodologias.

Figura 2 – Fluxograma das relações entre produção de conhecimento de inter-venção

A área piloto dos estudos definida pelo MEGAM concentra-se noestuário de Belém e ilhas, porém valorizando estudos oriundos das áre-as costeiras devido às relações bióticas e abióticas entre si.

MudançasLocais

MudançasGlobais

Atores SociaisContexto Ambiental

DemandasPolíticas

SistemasProdutivos

Meio AmbientePontos Críticos

CidadesVilas e Povoados

Construção de conceitosRedefinição de problemasFormulação de demandas deintervenção

Ações deparceria para

Gestão Ambiental

Difusão deConhecimentos

na Academia

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MAPA COLORIDO

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3. Sociedade, economia e3. Sociedade, economia e3. Sociedade, economia e3. Sociedade, economia e3. Sociedade, economia eAmbiente no estuárioAmbiente no estuárioAmbiente no estuárioAmbiente no estuárioAmbiente no estuário

amazônicoamazônicoamazônicoamazônicoamazônico

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Na embocadura do rio Amazonas organizou-se historicamente avida social e econômica e a entrada para o interland de expediçõescoloniais oficiais, de missionários de várias ordens religiosas, entre outrosviajantes, disputando esse território de antiga ocupação e domínio, comas diversas etnias indígenas pré-colombianas ali existentes. E também aíse fizeram as primeiras tentativas de colonização portuguesa na Amazônia,registrando-se os primeiros povoamentos já no início do século XVII.Em 1616, os colonizadores se estabeleceram na foz do Amazonas,inaugurando um processo de expansão a partir do povoado que dariaorigem à cidade de Belém. Essa região representou, por todos essesséculos, a passagem e a fixação de diferentes grupos sociais e de formasdiversas de exploração econômica de recursos tais como as drogas dosertão, a madeira, a caça e a pesca, os minérios e os frutos. Destacou-setambém pela agricultura de várzea e de terra firme, com suas plantaçõesde cacau, cana-de-açúcar, tabaco, frutas, grãos e mandioca, e que esteveligada às atividades de engenhos e de inúmeros processos de trabalho ede transformação primária de outros recursos agrícolas.

Essa região estuarina ainda exerce grande influência na vidaprofissional dos pescadores tradicionais da região (tanto do Salgadoquanto do Estuário), refletindo-se no movimento e volume das pescariasque são praticadas na extensão dos 598 km de litoral amapaense e dos562 km de litoral paraense. Isto ocorre em razão do regime de vazãodo rio Amazonas, que contribui para os movimentos norte-sul e sul-norte dos pescadores, que na Zona do Salgado eles costumam chamarde “rodígio” (rodízio).

Estuário é a área receptora dos produtos carreados pelo rioAmazonas e seus tributários. As alterações ambientais por que passa aBacia Amazônica, com a erosão provocada pelos desmatamentos emsuas cabeceiras e margens com o mercúrio lançado no rio pelosgarimpeiros, podem exercer influência em sua foz com conseqüênciasainda ignoradas. Os limites da zona estuarina parecem ser ainda umaquestão discutível. Há, entretanto, tendências para dimensioná-lossegundo a influência direta do movimento das marés.

Em torno de Belém e de Macapá, o estuário é uma regiãoconsiderada como berçário para a reprodução da biodiversidadeaquática, por isso é uma área de notória influência de pescadores decategorias diversas, cuja pré-história, revelada pelas pesquisasarqueológicas, assinala uma sucessão de tradições ou fases de ocupaçãoque atestam milenarmente a relação referida anteriormente. E suas ilhas,principalmente a do Marajó, Caviana, Mexiana, Maracá, foram palco dessacena pré-histórica. Os pesqueiros ou pontos de pesca – desde os

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pesqueiros reais até os atuais, nessa região, são pontos de convergênciade pescadores. Entre os atuais, destacam-se os pesqueiros da PontaFina, Castelão, Maguari, Pepéua, Croinha (na ilha de Marajó), Canal doNavio, Anjo e Anjinho (no litoral do município de Marapanim), Ponte deAlgodoal (no litoral de Maracanã) e outros, segundo estudos de LurdesFurtado.

Dentre os ambientes que integram os ecossistemas estuarinos,estão os rios, os igarapés, as florestas, a várzea, as baías, as ilhas comsuas praias, os campos alagados; todos com suas especificidadesambientais e sociais. Inclui-se nas áreas prioritárias para conservaçãoda biodiversidade na região costeira – região Norte, segundo o MMA(2002, p. 14), na categoria da área de “extrema importância biológica”,fazendo jus ao adjetivo de berçário ou criadouro natural de espéciesictiológicas.

Para se compreender os usos sociais dos diferentes ambientesnessa região, precisamos evocar a sua dinâmica sociocultural queremonta à fase pré-histórica de ocupação da Amazônia, cuja culturados povos primevos perpassou séculos, deixando um legado socioculturalpara as populações contemporâneas em termos de manejo ambiental,hábitos alimentares, relação entre mundo terrestre e mundo aquático eum modus vivendi particular.

Arqueólogos e antropólogos denominam essa cultura de culturade floresta tropical, dominante na Amazônia. Há duas versões quanto àorigem dessa cultura como mostra Furtado. Clifford Evans e BettyMeggers consideram que ela teria se originado nas margens de rios dabacia amazônica, e atingida por diferentes influências oriundas do oestee do norte da América do Sul. A de Donald Lathrap, que acha ser essacultura originária de alguns pontos da América Central, nas planíciesribeirinhas do Amazonas, ou ainda, nas planícies da América do Sul, e daíse irradiado para o oeste (OLIVEIRA, 1983). Não obstante divergênciasna definição de sua origem, para Evans/Meggers tal cultura representariaum nível mais simples e menos complexo de arranjo societário do quepara Lathrap. Ambos concordam que o padrão de ocupação, ao qualchamam de floresta tropical, teria sido a adaptação mais efetiva do homemao ambiente amazônico. Um dos exemplos clássicos é o do viver indígena,com maiores concentrações populacionais às margens dos rios e o dasformas simples de vida social. Testemunhos dessa ocupação pré-históricasão revelados pelas prospecções arqueológicas que trouxeram a lumeevidências das culturas que se desenvolveram na região, em particular naregião do estuário amazônico como nas ilhas do Marajó, Caviana, Mexianae no Amapá, por exemplo. Em estudos mais recentes, a arqueóloga

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Edithe Pereira, da Coordenação de Ciências Humanas do Museu ParaenseEmilio Goeldi, apresenta quadros com dados sobre as seqüênciascronológicas do povoamento pré-histórico da Amazônia, segundo Simões(1982) e Roosevelt (1992), como resultado das pesquisas nesse campo,permitindo-se ter uma visão mais detalhada das concepções dosrespectivos arqueólogos4.

Cidades ribeirinhas e a relação com a água

O estuário amazônico é berço de grande biodiversidade, dada acomplexidade dos ecossistemas. As populações indígenas, ribeirinhasou urbanas, viveram historicamente de uma economia baseada nosrecursos florestais e aquáticos ali presentes e abundantes. O delta doAmazonas, com suas dezenas de ilhas espalhadas nas proximidades desua maior, a do Marajó, causou surpresa e admiração aos naturalistas eviajantes que por ali passaram nos séculos XVII e XVIII e que registraram,em seus escritos, a admiração pela exuberância da floresta sobressaindoas referências à água, sua abundância, sua força e seu movimento. Naembocadura e em todo o estuário formado pelo rio Amazonas e seusafluentes próximos à embocadura, pelas ilhas, lagos, furos e igarapés, osgrupos sociais espalharam-se, dominaram os territórios e sobreviveramgraças aos saberes que produziram e acumularam sobre essesecossistemas, seus recursos, aplicações e usos, desenvolvendo práticasque são atualizadas pela cultura local do presente (TOCANTINS, 1998).

Efetivamente, a Amazônia é a parte do planeta de maior diversidadebiológica e onde se encontra uma das maiores concentrações de águadoce e enormes extensões de terras ainda com cobertura florestal. Noestuário a floresta encontra-se parcialmente inundada, com seus períodosde enchentes e vazantes, e os ecossistemas de várzea, manguezais eterra firme. É uma enorme área composta pelas embocaduras dos riosAmazonas e Tocantins, cuja biodiversidade apresenta altas taxas defitoplâncton5. É ainda a zona de contato da água doce com a água salgada,dinâmica importante para a vida no estuário, onde os recursos de águadoce se alternam com os do mar. A densidade da ocupação dessa regiãodeve-se em especial à proximidade da cidade de Belém, em torno daqual foi lentamente se organizando a economia e a sociedade desde o

4 Este texto foi produzido a partir de trabalhos de Edna Castro, Lourdes Furtado, VictóriaIsaac, Saint-Clair Trindade Jr., Catherine Prost, Maria Thereza Prost, Jean-François Faure,Gutemberg A. Diniz Guerra, Carlos Romano Ramos, Ana Laura Sena, Maria de NazaréÂngelo, Antonio Carlos de Freitas, Márcio Douglas Amaral e Emmanuel Costa Santos.

5 Este responde pela principal fonte trófica para a biodiversidade aquática e, conseqüentementefomenta a atividade pesqueira nessa região, conforme Isaac (1995).

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período colonial, com suas freguesias rurais, muitas dando origem acidades ribeirinhas.

A disponibilidade de água potável na terra é de apenas 2%, pois97,2% das águas do planeta estão nos oceanos e mares. A Amazôniabrasileira recobre uma área de 5.034.740 km2 e corresponde a 59,12%do território do país. Alguns países como o México e o Brasil, nasAméricas, a África Central e as ilhas que conformam o mundo asiático,são os que possuem maior concentração da biodiversidade, o que significatambém a presença de recursos aquáticos. Na América do Sul,encontram-se 47%, sendo o Brasil o mais beneficiado pelo recurso água,com 20% das águas do planeta, dos quais quase 70% estão na Amazônia6.

O potencial dos recursos localizados na bacia do Amazonas aindaestá por ser estimado. Porém as alterações nos ecossistemas já sãobem visíveis (CASTRO, 2003). Estudos detectaram processos de erosãoprovocados pelos desmatamentos decorrentes de atividades econômicasvariadas, insistindo na necessidade de controle por parte do Estado quepossa tornar eficiente a relação economia x natureza, porém, na prática,não tem havido grandes avanços nessa direção. Tem a ver também como crescimento demográfico das áreas urbanas, aproximando-se da médianacional, sem ter tido tempo de se preparar para atender às demandasdessa população crescente nas cidades. Há carência de serviços básicos,como escolas, postos de saúde, saneamento e emprego.

Na atualidade, a economia tornou-se mais complexa, com aimplantação de estruturas industriais e de serviços, a diversificação dasprofissões e das qualificações, e mesmo, para alguns setores, o uso detecnologias informacionais enquanto base dos processos de produção ede comercialização, atendendo assim, a um mercado mais exigente edinâmico. Essas observações nos levam a considerar a tendência decontinuação dos processos urbano de complexificação e de fragmentaçãosocial e territorial. As fotos a seguir ilustram formas de ocupação namargem de rios, locais de produção e comercialização de recursosnaturais florestais e aquáticos.

6 Reforça-se neste início de milênio o debate sobre o uso dos mananciais aquáticos da Amazôniaque certamente irá se aprofundar no correr desta década. O interesse mundial despertadomais recentemente pela água está relacionado a pressões para ampliar o lugar desse recurso nouniverso de mercadorias, do ponto de vista da dinâmica dos mercados em expansão.

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Figura 3 - Belém frente à baía do GuajaráFoto: Liza Veiga

Figura 5 - Cidade de Bujaru, no rio GuamáFoto: Edna Castro

Figura 4 - Belém tomada em sua orla norteFoto: Liza Veiga

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Crescimento urbano e mudanças sócio-espaciais

Da população total da Amazônia, estimada em 20 milhões dehabitantes, cerca de 68% residem em cidades, o que perfaz um totalde quase 14 milhões de habitantes. Dados referentes ao Brasil (Figura6) mostram a tendência geral à urbanização em todas as regiões do país.Sobre a Amazônia os dados censitários revelam a tendência à urbanizaçãodesde os anos de 1980 e com aumento significativo, pelo censo de2000 das taxas de crescimento urbano, em todos os estados.

O último recenseamento confirma o crescimento da populaçãoresidente nas cidades e, sobretudo, o aparecimento de dezenas de novascidades, vilas e povoados, o que representa um campo dinâmico que seestende por todos os estados da região. Se bem que se tenha verificadoo crescimento urbano em todo o país, as taxas maiores foram observadasno Norte, ou seja, uma média anual de 4,82 %, no período de 1991 a2000. As cidades maiores, como Belém e Manaus, também crescerama taxas significativas, mas foram as cidades médias e pequenas que tiveramos maiores índices de crescimento na região. Esse fenômeno torna-semais expressivo após a divulgação dos dados do último censo, emboradesde os anos de 1990 já se observasse esse movimento de alteraçãoda estrutura demográfica, sobretudo pelo crescimento de pequenas emédias cidades (HURTIENNE, 2003). Essa tendência de diversificaçãoda rede urbana tem a ver certamente com vários processos de naturezaeconômica e social, mas é importante ressaltar a luta política que estevena base do aparecimento de novos municípios Nas décadas de 1980 e1990 levando a configurar uma situação nova, do ponto de vista daorganização do espaço urbano. Empresas, arranjos produtivos e geraçãode emprego são oportunidades para a entrada de novos atores sociaisatraídos também por esse processo de reordenamento territorial. Issoé válido para os municípios que compõem a mesorregião sudeste doPará – em 1988 havia 13 municípios e na atualidade 39 – e para a regiãoda Transamazônica onde emergiram municípios cujas sedes são oriundasdas antigas agrópolis e agrovilas. Em outras regiões, do nordeste aosudoeste do Pará, vilas tornam-se sedes municipais, registrando-se oaparecimento de novos povoados e a continuação do crescimentodemográfico de áreas urbanas.

É um desafio entender as novas dinâmicas urbanas que emergemna Amazônia. As estruturas de municípios ou localidades alteram-se commovimentos de fragmentação sócio-territoriais, mas ao mesmo tempoincorporam demandas de serviços tradicionalmente urbanas, emborase mantendo estruturas agrárias e modos de trabalho e de vida. O campodo urbano complexifica-se, mas com particularidades que dizem respeito

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também ao território marcado pela presença da floresta, das águas e deseus recursos naturais.

De tais fenômenos derivam certas particularidades das cidadesde hoje na Amazônia, pois em muitas áreas urbanas recentes,permanecem as relações com o campo e a predominância das formasde trabalho vinculadas à exploração da terra. Essa é uma particularidade,provavelmente transitória, de parte dessas novas estruturas urbanas,incorporadas na dinâmica socioeconômica dos municípios e do estado7.Figura 6 - Taxa de urbanização por regiões (1940-2000)

Fonte: IBGE, censos demográficos

Os estados da Amazônia também acompanham a tendência geralverificada no país de redução da taxa de crescimento demográfico quecaiu para a metade nas três últimas décadas, embora ainda seja altacomparativamente à média nacional. As informações do último censomostram ter havido uma redução do movimento de população para aAmazônia decorrente das migrações inter-regionais, mas com fluxos demigração intra-regional fortalecidos. Elas revelam importante mobilidadepopulacional entre os estados da Amazônia, alguns com taxas elevadas.Por outro lado, há um movimento em direção a pequenas e médiascidades. Novos núcleos urbanos continuam a ser formados na relaçãocom dinâmicas internas e externas às sub-regiões. Pelos dados, teriatalvez terminado a fase de grandes migrações para a região Norte,inclusive pela redução do contingente potencial, mas tornando evidenteuma urbanização em geral (HURTIENNE, 2003), como tendência

7 Ver CASTRO, Edna. Cidades amazônicas na confluência das águas. In: ULM, Steve; RODRIGUES,Eliene. A questão da água na Grande Belém. Belém: UFPA, 2004.

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confirmada no último censo, recolocando a importância do urbano nasagendas de políticas públicas e das pesquisas na Amazônia.

Belém e as redes de relações entre cidades do estuário

A cidade de Belém sempre apresentou um forte vínculo com aságuas e sua fundação teve interesse estratégico - político-territorial –levando os colonizadores a definirem como sítio original um promontóriona confluência do rio Guamá (localizado ao sul da cidade) com a baía deGuajará (localizada a oeste da cidade). Além desses dois corpos hídricosprincipais, a área onde viria a se estabelecer a cidade de Belém éentrecortada por uma série de igarapés e canais de maré, integrantesdo sistema hidrográfico do estuário amazônico.

A cidade de Belém e muitas outras, como Gurupá, Abaetetuba,Macapá, formaram-se na relação com o mundo aquático e florestal, comfauna e flora tão diversas. Localizadas na embocadura do rio Amazonas,essas cidades tiveram sua história marcada também pela presença deoutros rios que teceram essa extensa rede hidrográfica, como os riosGuamá, Pará, Acará, Moju e o majestoso rio Tocantins.

Belém, junto com dezenas de pequenas cidades de seu entorno,representa certamente a experiência de maior adensamentodemográfico de toda a Região Amazônica. Os municípios da RegiãoMetropolitana de Belém (RMB) comportam quase 2 milhões dehabitantes (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA EESTATÍSITICA, 2000). Neste subespaço têm sido registradas, nosúltimos 20 anos, as mais altas taxas de ocupação humana da Amazônia,além da maior concentração de indústrias com base nos recursosregionais (madeira, pescado, minério, alimentos, entre outros) e deserviços. Verificaram-se importantes mudanças no sistema detransporte, de portos e de comunicação. Esse fenômeno é maisrelevante se se levar em consideração a existência de dezenas decidades e vilas situadas nas áreas estuarinas, ocupando as margens derios como Tocantins, Caeté, Pará, Acará, Moju e Capim ou mesmo deigarapés e furos, ou estendendo-se em direção às terras interiores e àcosta paraense, nas regiões Bragantina, do Salgado e Guajarina. Trata-se de um continuum de aglomerações urbanas - cidades ribeirinhas -,na maior parte de pequeno porte, mas que são importantes pelasintensas redes de trocas econômicas, culturais e sociais que sereproduzem no tempo e se espalham, por larga extensão, através doemaranhado de cursos de água que conformam essas baciashidrográficas organizadas a partir da referência principal que é o rioAmazonas.

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Metrópole com 1.280.000 habitantes (INSTITUTO BRASILEIRODE GEOGRAFIA E ESTATÍSITICA, 2000), Belém está localizada no deltado rio Amazonas, na confluência dos rios Pará e Guamá. O desenhourbano da cidade, assentada em terras baixas e atravessada por pequenosrios ou igarapés, conforma ainda hoje as divisões internas de bairros –de um lado, terrenos mais altos ou aterrados; de outro, áreas alagadas,de baixadas -, retrato e afirmação de hierarquias e de processos desegregação social que foram se processando na história regional. Adivisão territorial em estruturas administrativas municipais, sobretudonos anos de 1980, teve um grande impacto na composição de grupos enos arranjos de poder. Resultado dos processos de mudança, hácertamente uma modernização que se amplia, quer na áreaadministrativa, de serviços, quer no acesso a novos mercados,potencializados pelas redes urbanas, organizadas a partir da capital.

O porto de Belém foi fundamental para a irradiação da cidadepara outras cidades menores e para áreas rurais. A história comercialde Belém também acaba reforçando as suas funções portuárias, pois acidade serviu de entreposto comercial, estimulando a exploração dosrecursos naturais e sua exportação para o resto do país e para o exterior(PENTEADO, 1973). Por meio do comércio desses produtos, combaixo valor agregado, esta região vincula-se ao desenvolvimento nacionale internacional.

De certa forma, a cidade tem sua história escrita pelospersonagens que religam a cidade a uma diversidade de espaços ondevivem, trabalham e produzem diversos grupos sociais. Os seus pequenosportos espalhados e contornando essa quase península que desenha suaorla, abrigam um sem número de trabalhadores chegados das ilhas oude lugares entre rios e furos, em suas proximidades. Ou ainda viajantesvindos de lugares mais distantes, descendo os rios e seus afluentes emdireção à capital. Portos e trapiches de madeira se projetam no riocomo longas palafitas, sobrepondo-se à várzea. Esse é o retrato da cidadevista pelas águas, com grandes arranha-céus e igrejas coloniais desenhadasao fundo. Dalcídio Jurandir observa o movimento do Ver-o-Peso, comsua tradição de mercado onde se vende uma enorme variedade deprodutos trazidos do estuário “onde os canoeiros comem a piramutabamais gostosa do mundo”. O Ver-o-Peso, para ele, “sem pintura nemliteratura”, é a síntese e o encontro da cidade com o seu entorno, ele é‘sujo, alegre de canoeiros, trançado de mastros. Ver-o-Peso tem na sualama e nas velas que se levantam para o sol a história áspera e obscurados barqueiros paraenses e o misterioso poder de todo o inesperadoencanto de Belém (apud MARANHÃO, 2000, p. 287).

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Dos inúmeros portos encontrados em sua orla, além depassageiros, mercadorias variadas eram transportadas por frete eencomenda, ora embarcando, ora desembarcadas nas diversas sessõesdo Ver-o-Peso, ou ainda na Doca, referida como Ver-o-Peso, ou na Ladeirado Castelo, ou no Porto da Palha, no Porto do Sal e na Escadinha. Noextinto jornal Folha do Norte havia uma coluna diária intitulada PequenaCabotagem, Velas & Motores, que dava conta da entrada e saída deembarcações da doca do Ver-o-Peso, que também era popularmenteconhecida como Praia.

Desde a sua origem em 1616, Belém voltou-se para as águas,como cidade primaz, dinamizada pelo capital comercial, comandandouma extensa rede urbana espraiada ao longo dos rios que compõem abacia fluvial amazônica. Historicamente, portanto, essa cidade daAmazônia brasileira sempre apresentou um vínculo muito próximo como elemento hídrico, levando Moreira (1989) a denominar de “ribeirinha”sua primeira fase de crescimento, a exemplo de várias outras cidadesamazônicas surgidas antes da década de 1960. Nos seus primeirosmomentos, a cidade confunde-se com sua orla, manifestando os primeirosbairros e ruas de Belém a influência direta do rio e da baía. Nesse sentido,mais do que objetos e formas que simbolizam a cidade a partir daságuas, faz-se necessário resgatar e mesmo identificar a própria relaçãocom o rio e que nas representações presentes das intervençõesurbanísticas em voga, aparece como paisagem contemplativa ou emforma de simples molduras para o lazer e a vida urbana moderna. Nãose trata, conforme afirmamos, de resgatar usos já desfeitos por contade um novo ritmo e de uma nova temporalidade que dão lugar à formametropolitana, mas de reconhecer nos próprios usos ainda vigentes adimensão da cidade que tampouco foi completamente perdida face àessa outra dinâmica da vida urbana na Amazônia.

Localizada na porta de entrada da Amazônia, Belém viveuhistoricamente de uma economia alimentada pelas riquezas naturais dosvales dos rios e seus afluentes e pelas numerosas ilhas de seu entorno.Nesta cidade portuária, quase todas as atividades principais concentram-se na grande orla banhada pelos rios Pará e Guamá. A ocupação de suasorlas por empresas, com seus portos e trapiches, é responsável peloprocesso paulatino de privatização desse espaço, que, conseqüentemente,limitou o acesso ao rio. A exceção fica por conta de algumas estruturasportuárias, ou por instituições públicas que vêm revitalizando algunsespaços e ajudando a recompor a relação da cidade com os cursos deágua. Chamada de portão de entrada da Amazônia, por sua posiçãoestratégica em relação ao litoral e o mundo das águas interiores da

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Amazônia oriental, central e ocidental é também uma região que fazparte da categoria da área de “Extrema Importância Biológica”, poisnela estão presentes ações relacionadas a inventários, segundo o MMA(2002).

A Feliz Lusitânia, nascida à sombra do Forte do Presépio, outrorahabitada por índios Tupinambás, foi um porto comercial e local dereferência para as cidades, vilas, povoados e sítios do interland amazônico,particularmente da Amazônia oriental e central. Entre ela e essas unidadessociais do interior, nexos sociais e simbólicos são também responsáveispelas relações sociais que fazem seu tecido social. Estas relações sãolegitimadas pelas trocas comerciais, pelo parentesco que une famíliasbilateralmente (da capital e do interior), pela presença nas festasreligiosas, cívicas e populares tais como procissões, paradas militares ecarnaval, respectivamente. Os intercâmbios se refazem no tempo, maspermanece a afluência a Belém de populações do interior. Hoje sereforçam práticas como de turismo ecológico, tendo as praias litorâneasda Zona do Salgado e Bragantina e fluviais da região das ilhas, do Marajóe do baixo Tocantins, como foco principal. Estes fatores contribuemfortemente para o status de lugar central em termos de espaço emrelação a outras cidades, de recursos patrimoniais, e de centro derecepção e irradiação de comunicação, valores socioculturais,econômicos e políticos.

Urbanização, desigualdade social e estrutura de serviços

O município de Belém dobrou sua população em 30 anos (de602.861 para 1.127.354), com taxas de crescimento de 3,18% (1970-1980) e 4,60% (1991-2000). Dos municípios que compõem a RMB, adensidade demográfica de Ananindeua passou nesse período de 2.916habitantes para 393.569, situação que extrapola de longe as possibilidadesde acompanhamento por políticas urbanas. Embora com menores taxasem relação a este, foi alto o crescimento demográfico em todos osdemais municípios da RMB, mesmo em Benevides que teve seu territóriodividido para criação dos municípios de Marituba e Santa Bárbara. Essastaxas de crescimento anual estão acima de outras regiões metropolitanasdo país, com totais de 8,67%, 16,06% e 19,32% para 1970-80, 1980-91 e 1991-00, respectivamente8.

A cidade não é uniforme na sua expansão, mas ao contrário, elareproduz a desigualdade social na conformação de seus espaços, na

8 Ver IBGE, Censo demográficos 1970, 1980, 1991 e 2000.

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consolidação de bairros antigos e no aparecimento de novos. O uso doespaço urbano e as formas de sua apropriação mostram ainda processosem curso que são diversos, múltiplos, dispersos e inseparáveis dasdiferenciações de classe, de atores sociais. É importante visualizar essasdiversas formas de apropriação do território e de seus recursos, segundomodos de produção particular, como mostra Lefebvre (1991). O modelode desenvolvimento intensivo adotado ao lado do crescimentopopulacional das cidades são dois dos fatores responsáveis pela alteração,nas últimas décadas, dos recursos existentes no estuário amazônico,nas proximidades de Belém. Observa-se a intensificação do uso dosrecursos naturais florestais e aquáticos9.

Mudanças na cobertura florestal pela ação antrópica

A cobertura florestal no município de Belém está bastante alterada,inclusive já atingindo a Área de Proteção Ambiental de Belém(SECRETARIA EXECUTIVA DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E MEIOAMBIENTE, 1996), que corresponde ao Parque Ambiental de Belém,onde se encontram os lagos Bolonha e Água Preta, os quais constituemos mananciais de abastecimento de água potável do município. Peloacompanhamento das imagens de satélite, é possível constatar, mesmoem pequenos espaços de tempo, a alteração da cobertura florestal e aexpansão para novas áreas incorporadas ao tecido urbano pelaspopulações de baixa renda como alternativas de moradia. Isso é válidotanto para espaços de terra firme, a exemplo das áreas de expansão emdireção aos municípios de Ananindeua, Marituba e Santa Bárbara, comopara áreas mais baixas, às margens de rios e igarapés, ou em direção àsilhas. Mas apesar dos municípios vizinhos de Belém já apresentaremespaços visivelmente degradados, há uma certa preservação dacobertura florestal, com capoeiras ainda altas, em áreas inclusiveimportantes pela presença de cursos de água.

As terras inundáveis, conhecidas como baixadas em Belém,representam 40% da superfície da primeira légua patrimonial. Em razãoda apropriação primeva das áreas de terra firme para expansão dosbairros de classe média e alta, os segmentos mais desfavorecidosoptaram, a partir do segundo quarto do século XX, por residir edesenvolver pequenas atividades econômicas em baixadas, pela vantagemde se beneficiar da proximidade dos serviços e equipamentos urbanosdos bairros centrais, do comércio, da clientela, da urbanidade enfim.

9 CASTRO, Edna. Cidades amazônicas na confluência das águas. In: ULM, Steve; RODRIGUES,Eiene. A questão da água na Grande Belém. Belém: UFPA, 2004.

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Para os habitantes, a diferença essencial entre as baixadas e as ocupaçõessituadas na periferia da cidade incide essencialmente na sua situação nobojo da aglomeração e suas conseqüências. Todavia, ambas, por seremcriadas sem planejamento governamental, sofrem grandes lacunas eminfra-estrutura, tal como redes de água e esgoto, iluminação pública,escolas, etc. A alta agregação de pessoas em espaços exíguos acentuaos riscos para a saúde pública, já altos ao contemplar as condiçõessanitárias e ambientais.

Nas baixadas, a densidade populacional atinge os percentuais maiselevados da cidade (FAURE; GARDEL; PROST, 2003), fruto do tamanholimitado das habitações, do número superior de pessoas por famíliasem relação aos bairros mais urbanizados e da proximidade crescenteentre as casas no decorrer das décadas.

Em meados do século, as classes médias começam a se direcionarpara moradia em áreas de baixadas, porém previamente drenadas esaneadas. Um amplo programa de drenagem foi financiado pelos EstadosUnidos, mas ficou incompleto e sofreu falta de manutenção dos diquesconstruídos. Outra operação de drenagem foi planejada nos anos de1970, com realização igualmente incompleta. Apesar das deficiências,várias baixadas foram aterradas de modo a estender os terrenos aptosa construções altas de alvenaria após a ocupação inicial nas áreas deterra firme; os agentes do mercado imobiliário formal exercerampressões para que onerosas operações de preparação dos terrenosfossem efetuadas pelo poder público de modo a viabilizar seusempreendimentos. As baixadas remanescentes do processo dedrenagem e verticalização foram também acolhendo cada vez maismoradores, até chegar a um ponto de saturação.

Dada a saturação da ocupação na primeira légua, a expansão urbanaultrapassa então o cinturão institucional, sob a forma, por exemplo, deconjuntos habitacionais edificados pelo poder público, conforme asdiretrizes federais em termos de política de habitação: remover aspopulações de favelas do centro das cidades para locais remotos domercado de trabalho, do comércio, dos serviços, onde as terras sãoabundantes e baratas. Contudo, mesmo assim, as intervenções do BancoNacional de Habitação visavam uma clientela, certamente popular, masganhando a partir de três salários-mínimos, privando os segmentos queganham menos de uma oferta pública de moradia. Às lacunas da políticanacional de habitação, agrega-se a defasagem entre o fluxo acelerado demigrantes e o tamanho do mercado de trabalho. Ao contrário do queocorreu nos países mais desenvolvidos e de urbanização antiga, o Brasilreflete a problemática de uma urbanização rápida por causa de êxodo

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rural, mas não acompanhado de modernização econômica na cidade,com capacidade de absorver o afluxo de mão-de-obra. Em outrostermos, a população urbana aumentou num ritmo célere semcorrespondente capacidade de empregá-la e oferecer-lhe, portanto,condições de vida dignas. Com acesso reduzido a oportunidades deinserção socioeconômica, as políticas públicas deveriam adquirir umpapel mais importante, em razão de o poder político ser o agente centralpara garantir os direitos sociais, correspondentes às necessidadesfundamentais da população, tais como moradia, educação e saúde.

A pressão sobre os igapós, que já se fazia sentir desde o início doséculo, aumentou consideravelmente com a explosão urbana de Belém,provocada pelos programas de desenvolvimento regional que trouxeramnovos investimentos para a região de Belém, como indústrias, serviçose infra-estrutura. Essa pressão sobre as áreas de várzea e igapós deBelém levou ao alargamento da periferia da cidade. Em decorrência disso,a Companhia de Habitação do Estado do Pará (Cohab) passou a projetaro crescimento da cidade para as áreas do bairro da Marambaia, ocupadasna época por pequenos sítios que abrigavam famílias recém-chegadas,responsáveis pelo desenvolvimento de uma série de atividades deagricultura urbana. A implantação das várias cidades novas projetaria adistribuição espacial e social em direção ao município de Ananindeua:antes um pequeno município com a maior parte de sua população vivendode atividades rurais; hoje uma área urbana importante pelos serviçosque oferece.

Figura 7 – Expansão urbana do município de AnanindeuaFoto: Edna Castro

Incorporam-se, assim, à estrutura da cidade, as áreas de baixadas,o que visibiliza o avanço da degradação ambiental e a conseqüente redução

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da cobertura florestal. Isso porque Belém foi o lugar de entrada deintensos fluxos migratórios, em épocas diferentes. Seu crescimentopopulacional nas últimas décadas esteve relacionado com os programase os projetos desenvolvimentistas que, mesmo não estandonecessariamente alocados na cidade, atraíram uma população importante,em função da implantação de estruturas de serviços e de empregos,relativamente melhor do que em outras cidades do estado. O quadrode urbanização intensa e desordenada constitui um exemplo denecessidade urgente de gerenciamento ambiental, sobretudo tendo emvista o crescimento demográfico exponencial nos últimos 30 anos e atendência atual de direcionamento de novos contingentes para as ilhaspresentes no estuário. Dessa tendência decorre o fato de a fronteiraentre o continente e as ilhas – estas constituindo a franja com coberturaflorestal mais preservada – ser cada vez mais tênue.

Hoje, entretanto, uma nova dinâmica tem alterado tanto a estruturaespacial anterior, como a forma de viver e de se relacionar, dos homensentre si e destes com o rio. A cidade parece olhar para a modernidade,deixando para trás um ritmo, um tempo, que mesmo próximo, lhe pareceremoto. Instalam-se ritmos, tempos, relações, movimentos, símbolos,representações, enfim, uma nova dinâmica que altera não só umaestrutura espacial anterior, mas, e principalmente, uma forma de viver ede se relacionar, dos homens entre si e dos homens com a natureza,tornada residual. A produção do espaço na orla da cidade sintetiza bemessa nova forma urbana, revelando novos conteúdos sociais.

A metropolização10 de hoje significa, nesse contexto, expropriaçãoe perdas em relação ao próprio urbano, concebido na sua multiplicidadede temporalidades. É por isso que novos sistemas de objetos sãopensados para compor uma nova imagem da orla. Trata-se da hegemoniade uma temporalidade que implica em subtrações diversas, ao mesmotempo em que são recriadas as perdas através de simulações. Issoacontece quando a forma metropolitana faz a vida urbana “virar as costaspara o rio”, “engolir os cursos fluviais” abundantes no interior da cidade,“aniquilar as áreas verdes” e outras amenidades, para depois recriá-las;num jogo de forma-conteúdo, significado-significante.

O caráter marcadamente privado e excludente de apropriaçãodessa fração do espaço urbano, definido por meio de uma multiplicidadede usos e de agentes que aí se fazem presentes, colocam hoje a

10 Juntamente com mais 4 (quatro) municípios (Ananindeua, Marituba, Benevides e Santa Bárba-ra), Belém forma uma área metropolitana com uma população aproximada de 1.800.000habitantes.

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possibilidade de resgate da “cidade ribeirinha”, definindo políticas deintervenção urbana para a orla, que refletem não apenas formasdiferenciadas de planejamento e gestão do espaço urbano, como tambémdiferentes maneiras de se conceber a cidade, haja vista que dois modelosde gestão têm se confrontado na atual produção do espaço na orla fluvial.O entendimento da concepção desses modelos e a conseqüentevisualização com base nas intervenções urbanas realizadas permitem-nos analisar e problematizar as perspectivas de produção do espaçoque se apresentam na atualidade, nas quais o estado assume papelfundamental como agente produtor do urbano. Por outro lado, amaterialização de conflitos por meio das intervenções urbanas, refletemtanto o confronto entre o público e o privado, como entre diferentesesferas do poder público, que se utilizam de representações pautadasna interação cidade-rio para mobilizar práticas espaciais que recriampaisagens e relações a partir da orla da cidade.

Porém, com a expansão da cidade, os rios urbanos e as áreasalagadas nas suas margens passaram, mais uma vez, a ser uma alternativade residência para as populações pobres e os grupos de recém-chegados,caso dos igarapés Paracuri e Mata Fome, em Icoaraci, como mostramRibeiro e Prost (2003). Esse quadro de urbanização requer urgentementea implementação de políticas públicas e de gerenciamento ambiental,sobretudo tendo em vista o crescimento exponencial da população e atendência atual de expansão populacional em direção à costa.

Esses fatores, para serem efetivados, mobilizam uma imensa gamade recursos – justificando, assim, em grande parte, a parceria público-privado -, no sentido de tornar a cidade mais competitiva frente a outrascidades. Essa estratégia, conhecida como “guerra dos lugares”, temacarretado, segundo Sánchez (1997), uma perda das solidariedadesregionais e uma despolitização do espaço social, na medida em que asestratégias de gestão têm considerado em primeiro plano a necessidadedo consenso, ao invés do conflito, entre os agentes produtores dourbano. Além desse aspecto negativo, a autora demonstra, ainda, queesse tipo de gestão e planejamento não mostra (não pensa e não atua) acidade como um todo, mas apenas em pontos privilegiados (fragmentos),que servem precipuamente ao consumo da elite local e dos turistas quea visitam. Neste sentido, a cidade deixa de ser produzida para quemnela habita para ser construída para os que vêm de fora, apenas paravisitá-la ou consumi-la.

Seu foco de ação é o combate à especulação imobiliária, àsegregação socioespacial e o fomento à participação popular nagestão, a exemplo do orçamento participativo. Trindade Júnior

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(2002), ao discutir essa versão associada às estratégias dedesenvolvimento local, procura elencar de forma resumida algunsaspectos que fazem parte de suas bases/fundamentos, a saber: a)negociação entre os atores, com reconhecimento de suas assimetrias,lutas e pressões políticas, primando pela participação sem negaçãodos conflitos de interesses; b) definição de projetos políticos queextrapolam a esfera local e a integrem a estratégias regionais (ex:redes regionais de solidariedade e de atração de investimentos); c)transferência de recursos, em que os espaços públicos sãofundamentais para a apropriação coletiva e que o uso seja priorizadoem detrimento da troca; d) a imagem do urbano associada a seucontexto imediato e à sua compreensão como uma identidadecoletiva; e) política intra-urbana mais radical no sentido de colocarem prática o ideário de reforma urbana, com a viabilização de algunsmeios e instrumentos de controle e de gestão assentados no ideárioda reforma urbana; f) recorte espaço-institucional de gestãoreconhecidos a partir da concepção do espaço como uma produçãosocial, associado à idéia de gestão descentralizada e democrática; g)desenvolvimento urbano a partir de uma base socioespacial,procurando promover a sustentabilidade, não apenas ambiental, mastambém econômica, política e sociocultural.

A orla de Belém e novas experiências de gestão urbana

Dada a complexidade e a lógica de apropriação notadamenteprivada da orla, é que se colocam duas tendências de ação por parte dopoder público nessa fração do espaço urbano de Belém. Tais tendênciasserão analisadas aqui a partir de três elementos: a paisagem urbana ou aforma espacial dos objetos, o uso pretendido e o caráter social dasintervenções.

Nas considerações sobre o desenho das formas espaciais pensadaspara restabelecer a relação cidade-rio e de seus respectivos conteúdos,podemos constatar a dinâmica espacial como produto e condição deum esquema de reprodução social em que se insere a metropolização.Dessa maneira, a metrópole pode ser visualizada através de sua orla,configurando-se como uma síntese de sua história, mas também comoespaços de novas experiências que vinculam seu uso a novas tendênciasde desenvolvimento urbano.

Em grande parte, as ações de intervenção urbana que procuramresgatar a interação cidade-rio, por parte das duas esferas de governo,a municipal e a estadual, estão sendo implementadas na área central dacidade de Belém, mais especificamente na faixa de orla.

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Enquanto produção social, as tensões da sociedade na apropriaçãodos bens e serviços, gerados na dinâmica da acumulação e da concentraçãode capital, espaço são divididos e valorizados. A área central das cidadesconcentra as suas principais atividades comerciais, de serviços, da gestãopública e privada. Essa centralidade contribui para definir o desenho debairros e de seus valores no conjunto da economia da cidade. As áreasmenos valorizadas, cujo atendimento de serviços é inadequado,correspondem, na contabilidade social urbana, aos bairros periféricos ondevivem os trabalhadores, com densidade de renda baixa no conjunto daeconomia da cidade. Pensar a cidade é reconstituir esse conjunto e incorporarna análise a dinâmica social e econômica da produção desse espaço.

Figura 8 - Vista aérea de uma parte da orla de Belém, frente à baia do Guajará(Disponível em: <www.cdp.org.br>)

Os principais projetos de intervenção que sintetizam as açõesdos dois níveis de governo aqui considerados situam-se na faixa de orlaintegrante da área central, seja no núcleo central - caracterizado por

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apresentar uso intensivo do solo, ampla verticalização, limitada escalade expansão horizontal, foco dos transportes intra-urbanos e intra-regionais -, seja na zona periférica do centro - que tem como principaiscaracterísticas: o uso semi-intensivo do solo, com atividades de comércioatacadista, armazenagem e indústrias leves, além da existência de terrenosabandonados; a ocupação de prédios baixos que consomem bastanteespaço; extensa área de cais, armazéns e atividades conexas ao sistemaportuário; associado a estas atividades, mas não exclusivamente, apareceum sub-setor de diversões de baixo status social e área residencial debaixo status social.

É nesse contexto que os projetos de intervenção urbana, quetrazem consigo formas diferenciadas de gestão do espaço ganhamdestaque. Ainda que não estejam restritas apenas à orla central, é nela,entretanto, que ganha projeção aquilo que estamos chamando de atuaistendências de apropriação e de gestão do espaço da orla. O ponto centraldas propostas de intervenção e dos discursos sobre esse espaço resideem particular no resgate da relação cidade-rio, em grande parte perdidaao longo da história da própria cidade, e culminando hoje com processode metropolização de Belém. É, portanto, diante dessa preocupaçãoque procuraremos pautar a nossa reflexão.

Figura 9 - Recorte aerofotogramétrico que ressalta a redução da coberturaflorestal em municípios ao sul de Belém – Ananindeua, Santa Isabel,Barcarena, Acará e Moju

Fonte: Projeto MEGAM – Laena/NAEA/UFPA

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As paisagens urbanas, que se voltam principalmente ao uso doturismo como elemento de diversificação da produção econômica, têmcontribuído em grande parte para a produção de não-lugares. Neles,cria-se uma identidade aparente, provoca-se o estranhamento e odeslocamento do indivíduo por meio de signos e simulações que chegammesmo a anular conteúdos sócio-culturais ligados às raízes locais, sobreo pretexto de modernização e de sofisticação dos espaços e de suaspaisagens.

Qualidade da água e gestão dos serviços urbanos

O planejamento e a gestão do espaço urbano de Belém,especificamente de sua orla, teve um caráter excludente, ao longo doprocesso de formação histórica da cidade. Seus benefícios foram limitadosa determinados agentes econômicos, excluindo os demais do “direitopleno à orla”, no seu sentido material e lúdico. Assim, a beira-rio passoua ficar “às margens” da cidade, no sentido do “direito à cidade” de quenos falou Lefebvre, em que o uso se sobrepõe à troca e favorece aexistência de espaços que possibilitem o encontro.

No conjunto de políticas que se apresentam para a orla, há umaclara referência às perspectivas de planejamento e gestão que, mais quereforçar conteúdos, desenham formas, paisagens, que projetamrepresentações e concepções do que seja a cidade e a Amazônia.

Na difusão de um novo estilo de viver na grande cidade, propaga-se o resgate do rio como uma grande conquista diante do caos urbanoque se tornou a cidade, que ao longo do tempo negou a própria “natureza”amazônica ao compor um paisagismo modelado em referenciais extra-locais.

A quarta expositora no programa da oficina é Vera Braz (bióloga/UFPA) que antes de enfocar o tema “Poluição e balneabilidade” mostroudados que ela considera como básicos para fins de planejamento. Nasua compreensão, a água não representa apenas um problema atual, mastambém enormes problemas futuros. Uma observação de carátermetodológico foi feita pela expositora sobre os dados disponíveis sobrea água que são “muito duvidosos”. Mas, apesar disso, eles têm o méritode oferecer indicadores que apontam onde há problemas que exigemsoluções. A rede de esgotos conta com 10.982 esgotos cuja infra-estrutura está praticamente concentrada em alguns bairros de Belém.Apenas o bairro da Pratinha (Daben) possui tratamento de esgotos.

Sobre o comprometimento da baía do Guajará e do rio Guamá,enumerou como exemplo o manancial do Utinga que está situado a 1400

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metros do aterro sanitário do Aurá. Nessa área está localizada a unidadede captação de água da Cosanpa. Afirma a expositora, que tudo o queentra nessa área do aterro sanitário penetra no manancial do Utinga.Nessa área podem ser enumerados os riscos seguintes: mineração (área);material degradado, posto de combustível, hospital, cemitério e indústriasde setores diversos.

Opina que a estação do lago Bolonha está praticamenteprejudicada. Situou a seguir breves referências sobre as bacias deTucunduba, Baía Amarela e Baía Verde, que estão próximas da rede deproteção. Sobre as análises realizadas, conclui que tem avançado acanalização do igarapé Tucunduba. Mas assim mesmo, os problemasdecorrentes da incidência de metais (proveniente do antigo curtumeSanto Antônio), da quantidade de oxigênio na água, da composição químicae bioquímica e da matéria orgânica, estão presentes. Além do que a taxade coliformes fecais está acima do limite recomendado pela OrganizaçãoMundial da Saúde (OMS).

Quanto à balneabilidade, as pesquisas têm mostrado que o esgotolançado em Belém chega a afetar as praias de Mosqueiro e Icoaraci. Nailha de Mosqueiro, por exemplo, observou-se que varia a contaminaçãopor força da sazonalidade, quando se trata de águas lançantes, de épocasde chuvas mais fortes.

Em 1999 e 2001, nas praias de Outeiro e Cruzeiro houve aumentodo percentual de atividades. Não se trata de discutir se a água é própriaou imprópria para balneabilidade, mas de discutir a sua qualidade. EmMosqueiro, no intervalo anterior de 1998-1999, observou-se variaçõesda qualidade da água, explicadas pelas chuvas, concluindo que o uso dapraia não altera tanto a qualidade ambiental.

A última exposição dessa mesa redonda foi feita por Karla Ribeiro,professora da UFPA – Centro de Ciências Biológicas e Doutoranda doNAEA, apresentando o tema “Qualidade da água e saúde pública”. Essetrabalho foi realizado nos igarapés de Paracuri e na ilha do Combu. Emambos os casos, a situação é crítica, sendo o primeiro uma área urbanacontinental e a outra uma área insular, no mesmo município de Belém. Oproblema, na sua opinião, está no potencial hídrico que circunda a regiãode Belém e nas situações comprometedoras da saúde das populaçõesque habitam esse ambiente hídrico.

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Figura 10 – Destino dos esgotos domiciliares dos igarapés Paracuri e Combu

Há evidentes carências no abastecimento de água e a qualidade daágua depende do tratamento e do destino dos esgotos. Nessa pesquisa,que ainda está com resultados parciais, quantificou os coliformes fecaisencontrados nesses rios urbanos.

A situação de áreas de urbanização desordenada na periferia deBelém traduz uma grande carência em serviços públicos. À carência deinfra-estrutura de saneamento, se somam as dificuldades econômicasdos moradores e a falta de informações sobre os cuidados a tomar emrelação ao uso e consumo direto de água. Isso acarreta conseqüênciasna saúde pública, tal como indica o exemplo dos dados levantados naUnidade Municipal de Saúde implantada na bacia do igarapé Mata Fome.

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A conquista de melhorias nas comunidades depende da força damobilização social das mesmas, mas também da intervenção daprefeitura. Observa-se que quanto mais existam canais de comunicaçãoentre o poder político e a população e mais o poder político mostraabertura para o diálogo, mais a população é incentivada a emitirreivindicações. Nesta ótica, o fortalecimento dos distritos érecomendado em vistas a melhorar as relações entre a prefeitura e apopulação. Precisa igualmente de uma melhor integração nos órgãosmunicipais, principalmente no tocante às trocas de informações, de modoa facilitar a ação dos distritos nas suas respectivas áreas de atuação.

A pesca na economia do estuário

A pesca sempre constituiu uma importante fonte de alimento paraa população da Amazônia, sendo uma atividade praticada pelos primeirosgrupos humanos que se estabeleceram na região e que continuou com aformação e expansão das cidades. Além de participarem na dieta alimentar,os produtos oriundos da pesca funcionaram também como fonte derecursos financeiros para a população local. Em razão disso, as medidasde políticas públicas implementadas pelo governo, com o objetivo dedesenvolver a região, envolveram ações direcionadas ao setor pesqueiro,as quais estavam ligadas principalmente à implantação de um complexopesqueiro industrial na região. Nesse sentido, o conhecimento históricoda origem da indústria pesqueira, ao permitir que se entenda os motivospelos quais ela adquiriu sua configuração atual, fornece condições para aformulação de soluções para os problemas que se colocam no momentopresente para esta atividade, e que envolvem o processo dedesenvolvimento da Amazônia como um todo.

É uma das atividades extrativistas mais tradicionais e importantesda Amazônia. O peixe representa a principal fonte de proteína naalimentação das populações ribeirinhas locais. O consumo per capita depescado nas cidades de Manaus e Itacoatiara foi estimado entre 100 e200g/dia-1 (SHRIMPTON; GIUGLIANO, 1979; SMITH, 1979;AMOROSO, 1981), 490 a 600g/dia-1 no baixo Solimões e Alto Amazonas(BATISTA et al., 1998), 500 a 800g.dia-1 no alto Solimões (FABRÉ;ALONSO, 1998) e 369g/dia-1 no médio Amazonas (CERDEIRA et al.,1997). Estes são os maiores valores de consumo de pescado járegistrados no mundo, refletindo a forte relação do amazônida comestes recursos (BATISTA et al., no prelo). Adicionalmente, a pescacontribui como parte da renda familiar através da comercialização dopescado nos mercados locais, ou da exportação dos produtos para outrasregiões do Brasil ou mesmo para o exterior.

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O potencial pesqueiro para a porção continental do médio e altoAmazonas foi estimado em aproximadamente 200.000t, no ano de 1977,quando a captura na região era de aproximadamente 85.000t (BAYLEY,1981). Posteriormente, com base na estimativa de Welcomme (1985)de um rendimento pesqueiro de 40-60 kg/ha para várzeas tropicais,Bayley e Petrere (1989), calcularam um valor de 514.000t/ano e Merona(1993) menciona um potencial de 900.000t/ano, para toda a baciaamazônica. Estes valores sugerem que existiria uma grande possibilidadede crescimento da produção atual. Porém esta impressão não éverdadeira, primeiro porque há muitos estoques que mesmo quepudessem ser explorados, não teriam aceitação no mercado consumidor.Por outro, lado mesmo que a produção pudesse crescer tanto, isso sóocorreria às custas de um aumento irreal do esforço de umas 4 a 5vezes, o que também parece pouco sensato. Por isto, uma estimativamais realista do potencial pesqueiro poderia ser de ordem das 400.000t/ano especialmente se supormos uma captura total atual nas águasinteriores, que deve ser da ordem de 200.000t/ano (ISAAC; BARTHEM,1995). A estes valores agrega-se ainda a captura do litoral, que deveestar por volta de 100.000t/ano (PAIVA, 1997). O potencial pesqueirodo estuário amazônico que, segundo Dias Neto e Mesquita (1988), deveatingir 385.000t/ano.

Os estudos entre populações pesqueiras realizados pelospesquisadores Furtado (1987), Furtado e Nascimento (1982) Furtado(1990), Loureiro (1985), Maneschy (1993) e Isaac (1994) colocam emrelevância as especificidades da pesca que ocorrem em diferentesambientes amazônicos, onde cada forma de produção determina modose normas de utilização da natureza, representações do trabalho, do meioonde estas práticas se realizam e de um código de interação entre oshomens. Ressaltam ainda que as representações e o manejo de seusespaços de trabalho podem nos revelar aspectos essenciais dofuncionamento de uma economia pesqueira, tanto do ponto de vista dasestratégias técnicas e sociais, como do ponto de vista das influênciasdos fatores ambientais na estruturação de suas formas de produção.

As representações estão intrinsecamente relacionadas à questãocultural, pois sendo o homem produtor e produto da cultura, o mesmoocupa concretamente o espaço geográfico ou social, criando-o erecriando-o e utilizando-o para tal, formas simbólicas compartilhadascom os demais membros de sua sociedade (CORRÊA, 1995). Sabercomo os homens vivem é saber como eles pensam, como representamseus espaços de trabalho e traduzem suas experiências. Esse homemde carne e osso produto e produtor daquilo que chamamos cultura preso às

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múltiplas determinações do sistema de relações sociais em que está inseridoe de suas representações, conforme Cardoso (1988).

Para pescadores artesanais, os ambientes aquáticos formam umelo com os ambientes terrestres. Ambos são espaços de onde provéma sua subsistência, conseguida através do trabalho, pautado nosconhecimentos produzidos e repassados de geração a geração sobre ofuncionamento dos mesmos e dos recursos ali existentes. Nesta relaçãohomem e natureza, vão construindo uma cadeia de significados quedeterminam a sua maneira de agir e intervir nestes espaços, apropriando-se, organizando-se e usando-os em seu benefício e de seus familiares11.

A pesca e as cadeias de comercialização

Desde o início do processo de ocupação da Amazônia, a práticada pesca como fonte de obtenção de alimento esteve presente. Osprodutos oriundos das pescarias eram importantes na dieta alimentardos índios junto com a caça, a coleta e a plantação de determinadosvegetais. Os índios desenvolveram várias técnicas de captura econservação das espécies pescadas, as quais foram posteriormenteutilizadas pelos colonizadores europeus quando estes últimos começarama penetrar na região.

A presença de vários tipos de produtos que poderiam ser utilizadosna alimentação dos viajantes foi muito importante, pois possibilitou arealização de viagens de exploração do território amazônico que visavamidentificar recursos naturais que pudessem ser explorados. A pesca(embora a caça também tivesse importância) constituiu a principal fontede provisão alimentar das pessoas que participaram dessas expediçõesde exploração.

A utilização do trabalho dos índios nas atividades de pesca naexecução das expedições, em razão de sua habilidade e conhecimentode técnicas e locais de pescaria, propiciava condições para a obtençãodo estoque de alimento necessário à continuidade das atividades deexploração. Os produtos da pesca alimentavam, além de exploradorese indígenas, moradores dos núcleos urbanos que começavam a se formarna região.

11 A pesca, a coleta e a agricultura estão intimamente relacionadas com as formas materiais esimbólicas com as quais estes pescadores agem sobre o seu espaço. É próprio da natureza dasociedade exprimir-se simbolicamente em seus costumes e em, suas instituições; contraria-mente, as condutas individuais normais jamais são simbólicas por elas mesmas: são elementosa partir dos quais um sistema simbólico que só pode ser coletivo, se constrói.

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Em um momento seguinte, quando o processo de ocupação daAmazônia foi intensificado, a atividade da pesca continuou tendo umpapel destacado como fornecedora de alimentos para a população local.Nessa época, existia a figura do “pescador-lavrador”, isto é, pessoa quedesenvolvia atividades de pesca durante um determinado período doano que era favorável à captura de peixes e, em outro, dedicava-se àagricultura.

Em virtude da crescente importância que a pesca da tartaruga, datainha e do peixe-boi adquiriu na época colonial - pois os produtosextraídos, como óleo e manteiga, por exemplo, eram exportados,trazendo rendimentos para a região, foram instituídos pesqueiros reaispara a pesca dessas espécies, em que, paralelamente à intensificação daspescarias, ocorria um maior controle por parte do governo sobre aspessoas que participavam dessa atividade. De acordo com Veríssimo([1895] 1970, p.108), a instituição de pesqueiros na Amazônia foi aprincipal demonstração do interesse do Estado pela atividade da pescano período inicial de colonização da região. Deve ser destacada, ainda, aexistência de práticas de arrendamento de pesqueiros a particulares.Mais tarde, os pesqueiros foram extintos.

A estrutura de organização dos pesqueiros, embora sofresseadaptações às características particulares dos locais em que estavaminstalados, era constituída basicamente de “uma administração, emBelém, e, nas praias, a gestão de um feitor (oficial subalterno ou inferior).No armazém, na capital, havia um funcionário incumbido da venda dopeixe” (HURLEY, 1933, p. 67-69). Os produtos dos pesqueirosfuncionavam também como pagamento para as pessoas quedesempenhavam serviços públicos, como os soldados.

Por volta de 1700, a produção de peixe salgado e seco, tartarugase tracajás provenientes da ilha do Marajó (denominada no início doprocesso de colonização de ilha de Joannes) já aparecia com destaquena produção total da região, o que incentivou o interesse do governoportuguês em instalar um pesqueiro nessa área. Segundo Hurley (1933,p. 65), não existe um registro histórico preciso sobre a data de fundaçãodo Pesqueiro Real da ilha de Marajó (que acabou se tornando a principalfonte de recursos alimentícios para a cidade de Belém), mas o autorpresume, com base em referências feitas ao pesqueiro emcorrespondências, que sua fundação ocorreu antes de 1678 12.

12 De acordo com Hurley (1933, p. 67), outros dois pesqueiros foram criados no período de1763 a 1772, no governo de Fernando da Costa Athayde Teive “um na ponta do Maguary, nacosta oriental de Marajó e outro em Curutapéra, vizinho a Vizeu”.

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Figura 11 - Barco Calipso saindo de Fortalezinha.Foto: Almir Teixeira Rodrigues, 2000.

Nesse contexto, Hurley (1933) destaca que, no caso do PesqueiroReal de Marajó, sua importância não estava restrita somente à provisãode alimentos propriamente dita; como já mencionado, os espécimescapturados serviam também como meio de pagamento para os serviçosprestados na região, tanto em obras públicas quanto particulares13.

De acordo com Veríssimo ([1895] 1970, p. 13-14), o volume deespécies pescadas e seu valor comercial permitiam que se pudessemdistinguir as pescarias na região em grande pesca e pequena pesca. Agrande pesca tinha por finalidade o comércio dos espécimes capturados,constituindo, consoante este autor, “ao menos periodicamente umaindústria”; a grande pesca abrangia a pescaria de peixe-boi, tartaruga,tainha e pirarucu, e a atividade de beneficiamento das gorduras de algumasespécies e dos ovos de tartaruga. A pequena pesca objetivava asubsistência, mas, às vezes, fornecia uma certa quantidade de peixe parao mercado consumidor local; podendo ser executadaconcomitantemente à grande pesca ou de forma isolada.

Pode-se, então, identificar uma cadeia de comercializaçãoenvolvendo os principais produtos oriundos da pesca que tinham um

13 O Pesqueiro Real do Marajó continuou a existir até 1775, sendo que, a partir deste ano, todasas pessoas passaram a ter livre acesso a essa área, uma vez que a produção de gado na ilha deMarajó ganhou destaque no abastecimento de Belém (HURLEY, 1933, p. 72).

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alto valor comercial no mercado. Essa cadeia guarda algumas semelhançascom a que foi estabelecida na produção da borracha. Neste contexto, éimportante destacar que a lógica do capitalismo mercantil que seestabeleceu na Amazônia articula dois movimentos: controle econcorrência. Nesse sentido está sempre procurando montar estruturasde controle para lutar contra a concorrência, sendo esta uma tensãoconstante no sistema (COSTA, 2000c).

Já que a finalidade do sistema mercantil colonial era a exportação,a questão de como manter as regularidades dos fluxos de produtospara serem vendidos torna-se um elemento essencial do capitalismomercantil, desempenhando as cadeias de comercialização dasmercadorias produzidas, papel central nesse processo. Uma vez que oprojeto agrícola para a região não logrou êxito, em razão dasparticularidades do ecossistema amazônico, surgem alternativasextrativas, as quais foram inseridas na estrutura de produção docapitalismo mercantil que se desenvolveu na região.

No sistema de aviamento, típico do capitalismo mercantil, eraformada uma cadeia de comercialização, em que o extrator dos recursosnaturais era o elo mais frágil e explorado. Através da concessão decréditos aos extratores se estabelecia uma relação de exploração entreaviado e aviador. Existiam várias etapas de intermediação desde omomento de extração do produto até sua venda no mercadointernacional. O aviador era quem fixava o preço do produto compradodos extratores. Em relação à pesca, apesar das características específicasdessa atividade, pode-se perceber também a existência de uma cadeiade aviamento que guarda algumas semelhanças com a estabelecida naprodução gomífera.

Segundo Mello (1985, p. 100-101), duas situações eramidentificadas na pesca. Na primeira, o proprietário dos instrumentos depesca (barcos, redes, espinhéis, entre outros objetos) era também umcomerciante que possuía um estabelecimento de venda de mercadorias.Nesse caso, esse proprietário/comerciante adiantava os gênerosalimentícios e outros produtos (querosene, por exemplo) necessáriospara que a tripulação de pescadores pudesse efetuar a pescaria (realizada,em geral, em sistema de parceria). As mercadorias para a subsistênciadas famílias dos pescadores durante o tempo de duração das viagens depesca era também fornecida pelo proprietário/comerciante. Assim, eramdescontadas dos pescadores, na parte que lhes cabia do resultado dapescaria, as dívidas contraídas para aquisição dos recursos para a atividadede pesca e os débitos feitos por suas famílias junto ao proprietário/comerciante.

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Com o crescimento e o surgimento de novas cidades, a pesca deixoude ser considerada somente uma atividade de subsistência para o pescador,passando também a constituir uma atividade de caráter comercial, servindode fonte de abastecimento alimentar dos centros urbanos (MELLO, 1985,p. 39-40). O aumento da comercialização favoreceu o estabelecimentode pessoas nos locais de pesca, dando origem às vilas pesqueiras e aopescador especializado, pois a pesca passou a fornecer ao pescador umrendimento constante e maior que as outras atividades desempenhadaspor ele (caça e agricultura, por exemplo).

Mello (1989, p. 65) cita alguns acontecimentos que contribuírampara que a atividade pesqueira na região se tornasse atrativa para o capital:a) o aparecimento de centros urbanos que tinham na produção pesqueiraimportante fonte de alimentação, que incentivou a instalação de geleiras,as quais facilitaram o transporte e a comercialização dessa produçãopara os aglomerados urbanos mais distantes dos pontos de pesca; b) aadoção do motor nas geleiras atuou como um elemento de aproximaçãoentre os centros produtores e consumidores de pescado; c) ocrescimento do sistema rodoviário na região facilitou o comércio dopescado, especialmente nas regiões onde o transporte fluvial não existiaou sofria muitas dificuldades; d) a mudança no “panorama social” dedeterminadas zonas pesqueiras que, com o aumento do comércio,passaram a demandar novos bens e serviços influenciadas pelo estilo devida urbano; e) a atividade da pesca passou a ter um caráter comercialcada vez maior e; f) o aparecimento do pescador profissional ouespecialista, que se dedica exclusivamente à pesca.

Neste contexto de crescimento da demanda pelos produtos daspescarias, pode-se identificar, já entre os primeiros trabalhos escritossobre a pesca, a existência de um pensamento favorável à industrializaçãodesta atividade na Amazônia, não sendo citada a pesca artesanal comouma alternativa de desenvolvimento para a região, na opinião de Hurley(1933, p. 77-78):

A pesca industrial

Neste trabalho, busca-se fazer uma análise histórica da formaçãodas indústrias de pesca na Amazônia, sendo enfocadas mais detidamente,as empresas pesqueiras situadas no estado do Pará. Inicialmente, érealizada uma reconstituição do papel desempenhado pela atividade depesca no processo de ocupação da Amazônia e como se estruturou aatividade pesqueira na região. Posteriormente, são estudadas as açõesestatais formuladas para o setor pesqueiro, abrangendo as várias fasesdas políticas públicas implementadas.

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Em seguida, é efetuada uma contextualização da pesca industrialno processo de desenvolvimento do estado do Pará, onde os assuntostratados estão divididos em três partes. Na primeira, são destacadosos primeiros delineamentos feitos pelo governo paraense sobre osrecursos pesqueiros com condições de serem exploradosindustrialmente. Na segunda, em razão de a pesca industrial ser umaatividade extrativa, é realizada uma discussão sobre as característicasdo extrativismo e como elas estão imbricadas nas táticas de ação dasempresas de pesca. Na terceira parte, é analisada a questão da relaçãoentre as políticas públicas e a estratégia de desenvolvimento concebidapara a região, estratégia essa que está diretamente ligada à escolha dapesca industrial como um dos elementos capazes de propiciar odesenvolvimento do estado do Pará e da Região Amazônica como umtodo.

Por fim, são apresentadas algumas considerações sobre o tipo dedesenvolvimento pensado para a Amazônia até o momento presente e,também, a necessidade de se pensar em caminhos alternativos dedesenvolvimento para a solução dos problemas da região.

De acordo com suas características socioeconômicas, a atividadepesqueira na Amazônia pode ser dividida em três modalidades:

Pesca de subsistência: atividade tradicional, permanente ecomplementar de outras atividades econômicas, cuja produçãorestringe-se quase exclusivamente ao consumo próprio ou deparentes e amigos, executada com embarcação simples eaparelhos de pescas rudimentares.

Pesca artesanal de caráter comercial: esta pesca apresentavariações sazonais e é praticada por pescadores de dedicaçãoquase ou totalmente exclusiva e cuja produção destina-se, emgrande parte, à comercialização nos mercados regionais, maisou menos distantes. No interior da Amazônia, os pescadorese suas respectivas canoas são rebocados até os locais de pescapor uma embarcação mãe, de madeira e tamanho entre 10 e20m, que é conhecida regionalmente como “geleira”, por levarcaixas de gelo para a conservação do pescado. O pescadocapturado é transportado para um centro urbano, onde ocorrea comercialização. No estuário e litoral, além das geleiras,também atuam pequenos barcos de madeira, que levam seuspróprios apetrechos de pesca, geralmente espinhéis ou redesde emalhe, utilizados para a captura de peixes desde a própriaembarcação.

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Pesca industrial e/ou empresarial: esta atividade emprega barcosde maior potência e autonomia, com casco de ferro ou madeira,que atuam no estuário e litoral amazônicos, em pescariasdirigidas a espécies alvo, de interesse econômico e valor demercado, com finalidade de exportação. As artes de pescadependem da espécie alvo e são redes de arrasto de portaspara o camarão rosa, arrasto de parelhas, no caso de frotapiramutabeira, linhas com anzol no caso do pargo e atuns eredes ou trampas (munzuás) no caso da lagosta. A frotaindustrial camaroeira está constituída por mais de 130 unidadese a piramutabeira por aproximadamente 60 embarcações. Acaptura de lagosta, de atuns e de pargos ou vermelhos é umaatividade nova no litoral amazônico, e é executada por barcosque originalmente atuavam nas costas do Nordeste, e quealteraram a sua área de atuação devido à diminuição do tamanhodos estoques em regiões de maior exploração.

Apesar da pesca na Amazônia ser uma atividade praticada desdeo período pré-colombiano, pelos indígenas (OLIVEIRA, 1983), somentenas últimas décadas surgiram os primeiros sinais de esgotamento dealguns estoques pesqueiros, como o apreciado tambaqui (Colossomamacropomum), pirarucu (Arapaima gigas), um dos maiores peixes deágua doce do mundo, o pargo e a piramutaba (Brachyplatystomavaillantii), a única espécie explorada de forma artesanal e industrial, noestuário do rio Amazonas (BARTHEM, 1992; IBAMA, 1994; RUFFINO;ISAAC, 1994; SOUZA, 2002).

O desenvolvimento da pesca comercial e os incrementostecnológicos nas pescarias da Amazônia, nas últimas décadas, exerceramuma reconhecida influência na diminuição da abundância dos seus estoquespesqueiros. O colapso da juta e o declínio da agricultura de várzeadeterminaram o deslocamento de boa parte da mão-de-obra para apesca, a qual se transformou na principal fonte de renda de muitosribeirinhos (MCGRATH et al., 1993). Ao mesmo tempo, a explosãodemocrática dos grandes centros urbanos amazônicos aumentou ademanda de pescado, contribuindo também para a intensificação daexploração dos principais estoques, os quais começaram a escassear(CHAPMAN, 1989).

A existência de graves conflitos sociais decorrentes do confrontode interesses pela “apropriação” de áreas de pesca ou pelo direito deuso exclusivo dos recursos aquáticos é também outra característica docenário amazônico atual. É este justamente um dos fatores que nos levaao questionamento do modelo de desenvolvimento aplicado na região.

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O referido trabalho apresenta uma discussão sobre os conceitos eaplicação dos processos de desenvolvimento aplicados à pesca naAmazônia, visando principalmente uma revisão de falhas observadas econtribuir para desenvolver uma concepção mais adequada à realidaderegional e recomendar diretrizes e ações no campo do planejamento edesenvolvimento regional.

Desenvolvimento sustentável x desenvolvimento pesqueiro

Mesmo contrários à crença popular, sabemos que os recursosnaturais renováveis são finitos e que sua exploração é limitada pelotamanho do estoque, o qual é, por sua vez, determinado pela estratégiade vida de cada espécie, assim como pelas características e a capacidadede suporte do ecossistema que habitam. Assim, o conceito desustentabilidade implica na exploração de um recurso de uma maneiratal e com uma certa intensidade, que permita satisfazer as necessidadesdas gerações presentes, sem comprometer a sua capacidade deregeneração, garantindo o seu uso pelas gerações futuras (HARDOY etal., 1992). Esta definição implica em três conceitos, válidosparticularmente, quando aplicados ao desenvolvimento em países doTerceiro Mundo (KITAMURA, 1994):

A idéia de sustentabilidade supõe que o tamanho dos estoquespode permanecer constante no decorrer do processo de suaexploração, sempre e quando a extração da pesca sejaequivalente exatamente à capacidade de crescimento dosestoques naturais;

Existem limites, impostos pela tecnologia e pela organizaçãosocial, sobre a capacidade do meio ambiente em prover asnecessidades das gerações presentes e futuras;

Quando se fala em “necessidades” a serem satisfeitas, refere-se fundamentalmente aos setores mais pobres da sociedade.

A pesca mundial está em crise: conflitos de pesca, estoques sobre-explorados, sobre capitalização, aumento dos custos e descaracterizaçãoda pesca artesanal são os sintomas mais característicos desta crise. Osplanos de desenvolvimento e ordenamento pesqueiro incentivados pelosorganismos internacionais a partir da metade do século passado (FAO,PNUD, Unesco, etc.) não deram certo, entre outras coisas pela falta deuma definição clara nos seus objetivos (ALLSOPP, 1985). Por isto, cabeperguntar: o que entendemos por desenvolvimento pesqueiro?Tradicionalmente, este conceito significa na prática a aplicação de planosque incentivassem o aumento da produção pesqueira dos recursos já

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explorados, ou com potencial para tal, o que necessariamente levaria aoaumento do esforço de pesca; em suma, procurava-se o aumento daoferta de pescado através do incremento da intensidade de exploração.

Esta definição de “desenvolvimento” reflete na verdade umparadigma propagado desde a década de 1960, que considera o aumentoda produção como um elemento positivo e prioritário, em um contextomundial no qual a falta de alimento é considerada o fator limitante docrescimento. No entanto, esta forma de ação apenas faz sentido numapescaria em fase inicial de desenvolvimento, a qual teoricamente poderiasofrer um processo de expansão significativo, desde que exista uma boaestimativa do verdadeiro potencial que esse novo recurso poderiaoferecer. Para estoques já explorados, o aumento das capturas a todocusto, exclui por completo a consideração dos aspectos desustentabilidade do sistema e de distribuição de renda desde um pontode vista social, econômico e ecológico.

A recente criação da Secretaria Executiva de Pesca e Aqüiculturapelo Governo Federal, em 2003, ligada diretamente à Presidência daRepública, sugere uma nova perspectiva para a história da indefiniçãogerencial na pesca. Porém, considerando que a Secretaria surge semestrutura fixa e com pouco orçamento para enfrentar o desafio, ainda émuito cedo para sabermos se esta medida será ou não positiva para osetor.

No entanto, fica claro, pelas declarações públicas do primeirosecretário que os anseios de um aumento substancial da produçãopesqueira do país ainda persistem, e que para tal programam-se novossubsídios que visam um aumento significativo do poder de pesca, atravésdo incremento do número de barcos e da capacidade de captura dosbarcos atuais. Como sabemos que isto só poderá ser feito a um altíssimocusto ambiental e ecológico, ainda confiamos em que os novosfuncionários dessa secretaria fortaleçam o seu relacionamento com ospesquisadores e outros conhecedores da pesca para evitar novosdesastres no desenvolvimento da pesca brasileira.

Belém e ilhas: Olhar sobre a embocadura do amazonas

Um outro olhar sobre Belém recupera o universo das ilhasavistadas de sua orla norte, oeste e sul. As relações com a cidade sãomarcadas pelas redes de sociabilidade e de trocas econômicas. Sãolugares onde as unidades familiares desenvolvem atividades extrativas,agrícolas, de pesca e artesanato, atendendo amplamente as feiras livresna cidade.

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Nessas ilhas localiza-se uma população ribeirinha, tradicionalocupante das áreas do entorno da cidade. Os estudos procuraram revelara história da ocupação e da alimentação no estuário, a organização dapequena produção, os circuitos de comercialização de produtosagroflorestais e de pesca, a estrutura da terra e os impactos de atividadesmadeireiras, de exploração de minério, de pesca e de frutas sobre osecossistemas.

Por outro lado, a vida na ilha está diretamente relacionada àsatividades na orla de Belém continental, marcada por um sem númerode portos de comercialização de produtos oriundos dessas regiões bemcomo de população que vai e vem, construindo itinerários e religando ocontinente a Belém insular.

O município de Belém apresenta uma característica que o distingueentre os municípios que são capitais, pois quase dois terços de sua áreasão compostos de ilhas consideradas, em grande parte, áreas rurais.Das três principais ilhas, duas estão ligadas por pontes ao continente e aterceira possui uma linha de transporte fluvial regular, o que favoreceu oadensamento populacional em determinados pontos consideradosurbanos pela administração municipal e pela Fundação Instituto Brasileirode Geografia e Estatística.

Dados obtidos com base em imagens de satélite e em pesquisade campo realizada na ilha de Caratateua, em Belém14, capital do estadodo Pará, permitiram descrever a localidade denominada Fama,considerada área rural dessa ilha, a segunda em extensão e a maisdensamente ocupada no universo das ilhas que compõem a porção insulardo município. A coleta dos dados de campo integrou-se à atividadepedagógica e contou com a colaboração de professores da EscolaBosque Eidorfe Moreira. Com base em questionário e entrevistas,levantaram-se dados básicos sobre pais de alunos e suas atividades. Asinformações revelam uma grande diversidade nos ofícios praticados,sendo possível reconhecer denominações de profissões comuns dosmeios rural e urbano. Da localidade estudada, chega-se facilmente aocentro urbano desde a construção, em meado da década de 1980, deuma ponte ligando a ilha ao continente. Características de ruralidadecontinuam marcantes na geografia e na estrutura social de pelo menostrês localidades – Fama, Itaiteua e Tucumaeira. As estratégias desobrevivência da população da ilha combinam atividades agrícolas com

14 Entre o rural e o urbano: perfil da localidade Fama na ilha de Caratateua, município de Belém(Pará), de Gutemberg Armando Diniz Guerra, Antonio Carlos Reis de Freitas e Carlos Roma-no Ramos.

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serviços urbanos. Trata-se, pois, de uma organização social comcaracterísticas específicas.

Na ilha de Caratateua, três localidades destacam-se por suadispersão populacional, pelas atividades primárias ainda presentes, pelacarência ou deficiência dos serviços básicos e pela permanência derelações sociais primárias. Neste trabalho, analisa-se uma delas – acomunidade denominada Fama –, apresentando-se os principais aspectosrevelados pelo levantamento feito com os pais de alunos do anexo daEscola Bosque naquela localidade.

A ilha de Caratateua (também denominada Outeiro e Barreiras)faz parte da porção insular do município de Belém. Localizada às margensda baía do Guajará, a 18,8 km do centro de Belém, liga-se ao continentepela ponte Enéas Pinheiro, construída sobre o furo do Maguari. Com3.165,12 hectares de área (BELÉM, 2000), apresenta como coordenadasgeográficas as latitudes S 01º 12" 00’ e S 01º 18’ 00" e as longitudes 048º 24’ 00" e 0 48º 29' 00". O formato da ilha lembra uma taça, comsua maior largura voltada para a baía de Guajará (10 km) e a menor (6km) bordejando o furo do Maguari. Trata-se de uma região estuarina – oestuário guajarino –, um ambiente fluvial com influências marinhas, quefaz parte do golfão marajoara. Formado na confluência dos rios Guamá,Acará e Pará, o estuário guajarino dá origem à baía do Guajará, tendo-semais ao norte a baía do Marajó.

Figura 12 - Casas localizadas em uma das ilhas do estuário amazônicoFoto: Gutemberg Guerra

Nos processos gerais e específicos de ocupação da ilha de Caratateua,identificam-se dois marcos que indicam uma associação de padrões espaciais

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de ocupação e problemas ambientais: a) no início dos anos de 1980, aocupação concentrou-se ao longo da denominada Estrada Velha do Outeiroe na beira-mar até a Praia Grande, em decorrência do uso de balsas natravessia sobre o Rio Maguari; b) a partir de meado da década de 1980, aocupação acelerou-se ao longo da estrada vicinal que liga o bairro do Outeiroaos povoados Fama e Tucumaeira, após a construção da ponte Enéas Pinheiroque possibilitou o acesso rodoviário à ilha.

Figura 13 - Embarcação típica que serve ao transporte entre as ilhasFoto: Gutemberg Guerra

Figura 14 - Padrões espaciais de ocupação e deterioração ecológica e ambientalda RMB, incluindo as ilhas de Caratateua e Mosqueiro

Elaborado por: Projeto MEGAM – Laena/NAEA/UFPA

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No início da década de 1970, a população da ilha de Caratateuaaproximava-se de mil habitantes e estava concentrada nas localidadesde Outeiro e Itaiteua. Nessa década, em associação com o processo depovoamento, novos padrões espaciais de apropriação dos recursosnaturais vão se delineando. A geógrafa Ana Maria Medeiros (1971)realizou um estudo sobre a ilha de Caratateua que revelou novos padrõesde utilização do espaço, destacando-se o surgimento de loteamentosplanejados na área de praia. No que se refere às atividades econômicas,o estudo de Medeiros mostra que, em torno do povoado de Itaiteua,concentrava-se a maioria dos roçados (cultivos de milho, mandioca,abóbora e outros hortifrutigranjeiros) e a extração de lenha em largaescala para a produção de carvão vegetal e a coleta de frutos. Asatividades da caça e da pesca artesanal eram realizadas para suprir asnecessidades da sobrevivência familiar.

Ao final dos anos de 1970, o Governo do Estado do Pará elaborouo Plano de Estruturação Metropolitana de Belém (PEM) (PARÁ, 1980),concebido sob a égide da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano.O PEM visava a integração e a racionalização das ações planejadas noespaço da Região Metropolitana de Belém (RMB). Concebido como uminstrumento de ordenação espacial, estabelecia uma área de cerca de87 km2 para a produção rural, destinada a atender à demanda dehortifrutigranjeiros e a gerar emprego e renda com o uso dos recursosnaturais.

Embora não tenha sido institucionalizado, o PEM reconhecia quea ilha de Caratateua passava por um processo de ocupação, sofrendosérios problemas ambientais, como a extração de substâncias mineraispara uso na construção civil, o desmatamento indiscriminado, a poluiçãoambiental e a deterioração da faixa da praia; o êxodo dos pescadorespara o interior da ilha devido ao aparecimento dos loteamentosresidenciais perto da orla guajarina. Além disso, a pesca artesanal e aagricultura foram consideradas incipientes, enquanto o extrativismo foiconsiderado relevante graças à coleta do açaí, da pupunha e de outrasfrutas regionais.

Os padrões espaciais de ocupação da ilha de Caratateua duranteos anos de 1980 causaram problemas ambientais, com distintos níveisde comprometimento da qualidade do ambiente, e problemas sociaistípicos do processo de urbanização no que concerne às condiçõesde habitação, saúde, transporte coletivo, lazer e segurança pública.Nas áreas rurais, as mudanças no uso dos recursos naturaismodificaram as relações de produção e a apropriação dos recursosnaturais.

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Nos anos de 1980, dois fatos favoreceram a migração dapopulação de baixa renda para a ilha de Caratateua: a instalação de 21indústrias no Distrito Industrial de Icoaraci, na porção continental maispróxima da ilha, gerando 1700 empregos diretos numa área de 204,1ha,e a inauguração da ponte sobre o furo do Maguari15. Surgiram, então, asocupações denominadas Brasília I, Brasília II e Copacabana do Norte,atingindo 1.789 famílias, conforme dados da Companhia de Habitaçãodo Estado do Pará (Cohab). Essas ocupações marcaram o processo deapropriação das terras da ilha que, a partir de então, deixou de serexclusivamente um balneário e transformou-se num subúrbio dentro daRegião Metropolitana de Belém.

O processo de parcelamento do solo na ilha de Caratateuaintensifica-se nos anos de 1990 devido ao aumento de loteamentos quasesempre clandestinos promovidos pela especulação imobiliária, o queagrava os problemas ambientais, que afetam a maior parte da populaçãoresidente na ilha. A privatização da orla, em particular a de praia16, colocouem risco o desenvolvimento do turismo e do lazer e desencadeoumovimentos populares em defesa da ecologia, do meio ambiente e damoradia, como verdadeiros canais de manifestação das camadaspopulares. Dado o imediatismo das organizações populares, os conflitosexpressam-se politicamente nos discursos e na prática quotidiana.

Figura 15 – Mapa da ilha de CaratateuaElaborado por: Laena/NAEA/UFPA

15 A ponte Enéas Martins Pinheiro foi inaugurada no dia 26 de outubro de 1986, pelo governadorJader Fontenelle Barbalho.

16 Estamos chamando orla de praia a área em que a presença de areia permite a utilização doespaço como balneário.

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Os produtores agroextrativos de ilhas do estuárioamazônico

A história de abastecimento alimentar está ligada às ilhas que lherodeiam. Tendo seu território formado por dois terços de porção insular,ali se concentra menos de um décimo da população do município. A ilhade Cotijuba é a terceira em dimensão territorial e vem sendo ocupadade forma intensa e gradativa desde as duas últimas décadas. Registro deum moinho de branqueamento de arroz foi feito em 1784 por AlexandreRodrigues Ferreira, indicando a existência de atividade produtiva na ilhadesde aquele período. A posição geograficamente estratégica desta ilhamanifestou-se também do ponto de vista militar durante o período daCabanagem, em 1835, quando as forças monarquistas basearam seuspostos de comando e retomaram a cidade a partir do arquipélago, quandoCotijuba e Tatuoca cumpriram um importante papel. A partir dos anos30 do século passado, a ilha de Cotijuba se tornou conhecida pelainstalação de atividades correcionais para menores e de prisão paramaiores. Criada esta estrutura sob o primeiro período Vargas e associadaao interventor estadual Magalhães Barata, a ilha constituiu-se, no imaginárioregional, como um lugar de tortura e isolamento, a exemplo de muitasoutras existentes no mundo. A desativação desta estrutura prisional e oestímulo à produção hortifrutigranjeira a partir da década de 1970transformam Cotijuba em um canteiro verde e restaura seu papel frenteà cidade. A presença de japoneses entre 1945 e 1952 e a instalação deatividades produtivas associam Cotijuba a uma terra de possibilidadeseconômicas no setor agrícola, embora isto não tenha ocorrido na suahistória recente. A regularização do transporte fluvial em 1994 favoreceo surgimento de outra função para a ilha que se transforma em estaçãobalneária disputada pela população menos favorecida da capital. Sobreeste percurso e importância histórica de Cotijuba existe literaturasuficientemente produzida e acessível (AMARAL, 1992; SILVA, 2001;GUERRA, 2002).

Quanto ao período mais recente, estudos sobre as alteraçõesna ilha de Cotijuba nas três últimas décadas vêm se acumulando,demonstrando a alteração da paisagem e das atividades sociais eeconômicas ali existentes. Uma das lacunas patentes nestes estudostem sido a quantificação do volume e valor da produção agrícola alipraticada, assim como a caracterização dos produtores agro-extrativosresponsáveis pela oferta de produtos regionais visíveis ao longo detodo o ano nos comércios e nos quintais das residências dos ilhéus.Depois de um primeiro esforço para caracterizar os efeitos daocupação humana intensificada na última década, quando se tentou

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acompanhar o volume de produção hortifrutigranjeira da ilha(GUERRA; SILVA; SILVA, 2002) concluiu-se pela necessidade darealização de um levantamento detalhado, a partir da populaçãoresidente, de formas a se obter um perfil dos moradores envolvidosna atividade produtiva primária. Para isso, montou-se uma estratégiade pesquisa que findou na realização de um censo da ilha de Cotijuba,cobrindo todo o universo possível no período de dois meses de intensaatividade de campo (GUERRA; CARVALHO; JESUS, 2002).

A importância deste estudo está em propor uma leitura críticasobre o espaço insular da capital paraense, historicamente relegado auma classificação secundária na dinâmica da gestão municipal, implicandoum tratamento desigual, aleatório e frágil às populações ribeirinhas. Aliteratura sobre o ordenamento do espaço urbano exclui as ilhas mesmoquando reconhecido o seu papel na configuração do município (ABELEM,1982; MITSCHEIN; MIRANDA; PARAENSE, 1989; SERRE, 2001;TRINDADE, 1993). Este tratamento secundário ao espaço rural eperiférico aos limites urbanos da capital é contraditório na medida emque neles se exercem importantes atividades humanas tanto do pontode vista econômico quanto social. Durante a semana, as populaçõesribeirinhas tratam da pesca, da coleta e da produção agrícola peculiaresaos seus ambientes. Nos finais de semana, quando se concentram asatividades de lazer, algumas ilhas com características balneárias e comvocação para os esportes aquáticos são utilizadas intensamente pelapopulação do município e visitantes externos.

Especulação imobiliária, fracionamento dos lotes, oportunidadesde empregos formais e informais, degradação da segurança local, excessode passageiros no fluxo dos sábados, domingos e dias feriados, aumentoda demanda por alimentos, bebidas e alojamentos, alteração doscostumes e introdução de novas tecnologias são alguns pontosidentificados como ocorrentes na ilha e que exigem um tratamentotécnico adequado.

Comparando a evolução da população do município de Belém,considerando os dados da FIBGE, a população urbana duplicou entre1970 e 2000. Quanto à população rural, localizada nas ilhas, ela sai de30.513 habitantes em 1970, vai a 395.502 em 1991, decresce para292.607 em 1996 e é estimada em apenas 8.246 em 2000. Esses dadosindicam a inclusão da população residente nas ilhas em uma novaclassificação como urbanas. A população flutuante também cresceubastante em função das melhorias de infra-estrutura na ilha (em 2000 aPMB concluiu a obra do trapiche e praça) atraindo mais turistas evendedores ambulantes, ocorrendo uma dinamização do turismo, o

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aumento da venda de lotes e da atividade comercial de gênerosalimentícios, bebidas e hospedagens.

A ilha de Cotijuba localiza-se no extremo oeste do município deBelém. Segundo a Companhia de Desenvolvimento Municipal (Codem,1999), possui uma área de 1.595,29 hectares, que equivalem a 15,9529quilômetros quadrados (km2)17. Existem variações quanto à informaçãosobre esta área. Em trabalho anterior (GUERRA; RAMOS; MONTEIRO,2002), verificou-se a estimativa de área de 1.673,63 hectares, feita peloLaboratório de Análises Espaciais do Núcleo de Altos EstudosAmazônicos da Universidade Federal do Pará (Laena/NAEA/UFPA).Neste mesmo trabalho, apresentam-se as transformações recentesocorridas na ilha, tanto em sua paisagem quanto em sua base produtiva.Nessa ilha, o setor agroextrativo representa quase ¼ das atividadesprincipais desenvolvidas pela sua população. A vinculação dos moradorescom a terra permanece como um traço importante na organização sociale econômica da ilha. Mostra Guerra que a grande maioria dos agricultorese a totalidade dos pescadores residem na mesma ilha em que trabalham.

No plano das políticas públicas, há um movimento dos moradoresem direção ao financiamento de projetos econômicos para melhoria daprodução, a partir da construção de propostas de intervenção ajustadasa sua realidade. Essas propostas devem contar com a ação de entidadeslocais que têm sido oscilantes quanto à estabilidade burocrática. UmGrupo de Mulheres da Associação dos Produtores da Ilha de Cotijuba(GMAPIC) toma iniciativa na representação dos interesses dosprodutores face à perda de eficiência jurídica da Associação deProdutores da Ilha de Cotijuba. Investimentos devem ser feitos no sentidode restaurar um mínimo de operacionalidade burocrática capaz depermitir a internalização e gestão de recursos.

Urbanização e a problemática de bacias hidrográficas

A drenagem de alguns rios, tal como vinha sendo efetuado desdea fundação da cidade, o embelezamento urbano através de praças emonumentos, objetivava a ampliação dos bairros destinados às camadassolváveis; a exigência de um saneamento geral - tal como a instalação doforno crematório para queimar os animais mortos - surgia apenas quandoa deterioração do quadro de vida ameaçava afetar também as classesmais abastecidas. Mesmo neste caso, a própria localização do forno nobairro da Cremação, periférico na época, informa da preocupação em

17 Informações obtidas por satélite (LANDSAT) em 1994, In: Segep, 1999.

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poupar os bairros mais abastados dos odores pestilentos das carcaçasemanando da chaminé. Na década de 1940, a cidade volta a conhecerum certo dinamismo, processo que se traduz pelo adensamento daprimeira légua patrimonial. Haja vista a escassez de áreas livres, ascamadas populares se voltaram para a instalação nos interstícios urbanosnão aproveitados pelo setor imobiliário formal: as baixadas, periféricasem relação ao centro e em torno dos cursos d’água que entrecortam acidade (ex: Jurunas, Condor, Pedreira, Telégrafo – o Barreiro foi criadoa partir deste último bairro).

Sem condição de integrar o mercado imobiliário formal, ascamadas menos favorecidas encontram alternativas nos espaços nãoocupados da cidade, considerados insalubres, ou cuja configuraçãogeográfica não atende aos requisitos necessários para construçõesmaiores. No sítio de Belém, essas áreas são compostas pelas baixadas,exprimindo uma diferença com as favelas estabelecidas em morros decidades como o Rio de Janeiro, e pelas ocupações, situadas em terrenossecos e alagados da periferia da cidade. Enquanto baixadas, os solosapenas suportam habitações leves, de madeira, compostas de um pisosó, proibindo o adensamento vertical e as construções de alvenaria,possíveis em terrenos secos.

As baixadas estão representadas também nos igapós e nas margensde várzea dos igarapés que atravessam a cidade como o Una, o SãoJoaquim, o Tucunduba, o Mata Fome e o Paracuri. Observa-se que osprimeiros moradores de uma área de urbanização desordenada elegemgeralmente os terrenos secos, as partes alagadas sendo ocupadas sóposteriormente pelos mais recém-chegados. Mas a ocupação nasbaixadas obedece igualmente a uma tradição regional, trazida do interior.Com efeito, a moradia tradicional do amazônico se localizapreferencialmente à beira dos rios, igarapés ou furos, principais vias decomunicação antes do desenvolvimento da malha viária a partir dos anosde 1960. Além disso, o acesso à água é a primeira preocupação naalocação em uma nova área.

A Amazônia sempre contou com abundantes recursos de água,mas nas áreas urbanas o acesso a esses recursos é diferenciado, refletindoo processo de desigualdade social. Por outro lado, a abundância de águadificulta uma tomada de consciência, por parte da população, danecessidade de cuidados no uso do recurso. Situações críticasdecorrentes da urbanização desordenada da periferia de Belémtestemunham a grande carência em serviços públicos. Os dados oficiaismostram que apenas 8% do espaço urbano na região Norte é atendidoem esgotos sanitários. Outro dado importante é referente ao lixo: apenas

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36% do lixo é coletado e, desse total, a maioria (97%) é depositada acéu aberto ou em áreas alagadas.

As deficiências urbanas são graves. Basta um olhar sobre a redede esgotos para que se constate uma série de problemas de saúde quepodem acometer as populações urbanas. Os índices de atendimentodos serviços ficam abaixo da média brasileira e a situação da educação eda renda urbana é precária. A qualidade da água utilizada nas áreas urbanasestá diretamente relacionada com a saúde pública. As pesquisas sobreBelém revelam que a situação é crítica tanto em bairros da periferia naárea urbana continental, como nas áreas insulares com índices de incidênciade coliformes fecais encontrados nos rios urbanos que ultrapassam oslimites definidos pela Organização Mundial da Saúde (RIBEIRO, 2003).Por outro lado, é notório que o abastecimento de água, e a sua qualidadedepende do tratamento e do destino dos esgotos.

Ora, em escala local, os gestores urbanos se deparam ao desafiodiante da amplitude e da velocidade de expansão do crescimento urbano.Eles são encarregados, pela Constituição de 1988, de prover váriosserviços públicos, mas as transferências federais para arcar com as novasfunções dificilmente cobrem os custos para um planejamento e umagestão urbana que envolva manutenção e expansão das infra-estruturase dos serviços necessários. Neste cenário, a urbanização desordenadaem Belém passou a ocupar também, a partir dos anos de 1970, a segundalégua patrimonial, no fenômeno conhecido como ocupação ou invasãode terras ociosas. Pela presença maior de terrenos, nem todas asocupações se localizam em áreas de baixadas; mas como nestas, adegradação do quadro de vida se manifesta com acuidade na ausênciaou séria deficiência de serviços e infra-estruturas urbanos.

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4. P4. P4. P4. P4. PRODUÇÃORODUÇÃORODUÇÃORODUÇÃORODUÇÃO CIENTÍFICACIENTÍFICACIENTÍFICACIENTÍFICACIENTÍFICA

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