relatorio clovis moura 2010

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RELATRIO DO GRUPO DE TRABALHO CLVIS MOURA (2005-2010)Complementar ao Relatrio Publicado - 2005 / 2008

CURITIBA DEZ 2010

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...Todos ns, brasileiros, somos carne da carne daqueles negros e ndios supliciados. Todos ns brasileiros somos, por igual, a mo possessa que os supliciou. A doura mais terna e a crueldade mais atroz aqui se conjugaram para fazer de ns a gente sentida e sofrida que somos e a gente insensvel e brutal, que tambm somos. Como descendentes de escravos e de senhores de escravos, seremos sempre servos da maldade destilada e instilada em ns, tanto pelo sentimento da dor intencionalmente produzida para doer mais, quanto pelo exerccio da brutalidade sobre homens, sobre mulheres, sobre crianas convertidas em pasto de nossa fria. A mais terrvel de nossas heranas esta de levar sempre conosco a cicatriz de torturador impressa na alma e pronta a explodir na brutalidade racista e classista.Darcy Ribeiro, in O Povo Brasileiro

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Grupo de Trabalho Clvis Moura. relaTrio do Grupo de Trabalho Clvis Moura : 2005-2010. CuriTiba, pr : GTCM, 2010. 269 p. ; 21 CM. inClui biblioGrafia. 1. QuiloMbos paran. 2. esCravido brasil. 3. Grupo de Trabalho Clvis Moura relaTrios. i. TTulo.

Cdd ( 22 ed.) 305.89081

Capa: Casa de Farinha. Quilombo do Joo Sur, Adrianpolis/Pr. Foto Fernanda Castro

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SUMRIO

APRESENTAO............................................................................................................11 MAPA OFICIAL DAS COMUNIDADES REMANESCENTES DE QUILOMBOS E COMUNIDADES NEGRAS TRADICIONAIS...................................................................16 PLANILHA DAS CNTs, CRQs E INDICATIVOS AINDA A VISITAR ..............................17

1 COMUNIDADES QUILOMBOLAS PARANAENSES: Resistncia e luta pela terra...........22 1.1 Conflitos de terra no Paran do Sculo X.................................................................23 1.2 Guerra do Contestado: um recorte a partir das relaes tnico-raciais...................27 1.3 A vida recriada no limite do caos - resistncia quilombola nas comunidades de paiol de telha e varzeo...........................................................................................................29 1.4 Estudo de caso: territrios quilombolas do Vale do Ribeira Paranaense regularizao fundiria, mercado e expropriao territorial..................................................................36 1.5 Consideraes finais: de posseiros a quilombolas...................................................30

2 O CONHECIMENTO ETNOBOTNICO DOS QUILOMBOLAS NO CONTEXTO DA SUSTENTABILIDADE: o caso do Vale do Ribeira...........................................................47 2.1 A ancestralidade africana presente no conhecimento etnobotnico dos quilombos.....47 2.2 As plantas usadas como remdios pelos quilombolas e a Floresta Atlntica .........52

3 EDUCAO QUILOMBOLA: tradio e cultura........................................................59

4 HISTRICO E RELATOS DAS COMUNIDADES POR MUNICPIO..........................62

5 COMUNIDADES COM LEVANTAMENTO PARCIAL E/OU A VISITAR.....................210

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6 LUTAS SOCIAIS......................................................................................................223

7 PROCEDIMENTOS ORGANIZACIONAIS E RECONHECIMENTO LEGAL DAS CRQs E CNTs..........................................................................................................................226

8 PARCERIAS INSTITUCIONAIS................................................................................232

9 CONSIDERAES FINAIS ...................................................................................240 9.1 No que ns acreditamos........................................................................................240 9.2 Processo de arquivamento da documentao do GTCM......................................243 9.3 Como sero disponibilizados os dados do GTCM.................................................244 9.4 Publicaes sobre quilombos no Paran...............................................................245

10 REFERNCIAS.....................................................................................................249

11 FONTES DOCUMENTAIS.......................................................................................257

12 MEMBROS DO GTCM DESDE O INCIO...............................................................263 12.1 Currculos Profissionais dos Integrantes.............................................................265

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Governador do Estado do Paran ROBERTO REQUIO DE MELLO E SILVA ORLANDO PESSUTI Secretaria da Educao SEED Maurcio Requio de Mello e Silva, Altevir Rocha de Andrade, Evelyse Freitas de Souza Arco Verde Secretaria da Cultura - SEEC Vera Maria Haj Mussi Augusto Secretaria de Assuntos Estratgicos - SEAE Nizan Pereira Almeida, Jose Maria de Paula Correa Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hdricos - SEMA Carlos Eduardo Cheida, Lindsley da Silva Raska Rodrigues, Jorge Augusto Callado Afonso Instituto Ambiental do Paran - IAP Vitor Hugo Burko, Jos Volnei Bisognin Instituto de Terras, Cartografia e Geocincias - ITCG Jos Antonio Peres Jediel, Theo Botelho Mars de Souza Secretaria de Comunicao Social SECS Airton Carlos Pissetti, Joo Benjamin dos Santos Jos Benedito Pires Trindade, Ricardo Cansian Neto

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Secretaria da Sade - SESA Cludio Murilo Xavier, Gilberto Martins, Carlos Augusto Moreira Junior Secretaria da Agricultura e do Abastecimento - SEAB Orlando Pessuti, Newton Pohl Ribas, Valter Bianchini, Erikson Camargo Chandoha

Inst. Paranaense de Assistncia Tcnica e Extenso Rural EMATER Sabino Brasil Nunes de Campos, Arnaldo Bandeira Centro Paranaense de Referncia Agro-Ecolgica - CPRA Airton Dieguez Brisola, Enio Neth de Goss Secretaria da Justia - SEJU Jair Ramos Braga, Jos Moacir Favetti Secretaria da Cincia, Tecnologia e Ensino Superior - SETI Aldair Tarcsio Rizzi, Lygia Lumina Pupatto, Nildo Jos Lubke Secretaria do Trabalho, Emprego e Promoo Social Padre Roque, Emerson Jos Nerone, Nelson Garcia, Trcio Alves Albuquerque Secretaria de Desenvolvimento Urbano SEDU Luiz Forte Neto, Wilson Bley Lipski8Glauco Souza Lobo.indd novo.indd 8 03-12-2010 6:48:14

Polcia Militar do Paran - PMPR Nemsio Xavier de Frana Filho, Anselmo Jos de Oliveira, Luiz Rodrigo Larson Carstens Companhia Paranaense de Energia COPEL Rubens Ghilardi, Ronald Thadeu Ravedutti Companhia de Saneamento do Paran SANEPAR Stnio Sales Jacob, Hudson Calefe

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APRESENTAO

Fim de tarefa, fim de misso ou somente fim de uma fase; de uma fase rica em descobertas, reconhecimentos, conquistas, mas, tambm, frustraes. Sim, fim de uma fase e no mais que isso: h um longo caminho a ser percorrido em polticas pblicas, em aes afirmativas de incluso tnico-racial e social pelo Estado. H que se completar a tarefa. O papel do Grupo de Trabalho Clvis Moura foi cumprido exausto. Como dissemos no Relatrio 2005/2008, que este que agora apresentamos vem complementar, esse no foi um trabalho executado com critrios e perspectivas acadmicas, nem a isso nos propusemos. Foi como a Resoluo Conjunta 01/2005 SEED/SEEC/SEAE/SEMA/SECS, que o instituiu, determinou: um levantamento bsico das Comunidades Remanescentes de Quilombos e Terras de Preto no Paran. Desde conhecidas as primeiras Comunidades Negras Tradicionais de nosso Estado, verificou-se que elas prprias possuam parco conhecimento de sua histria de escravizao e suas decorrncias conhecimento negado no s elas, mas a toda a sociedade e, principalmente, aos negros brasileiros, - verificando-se, a partir do Programa Brasil Quilombola, do Governo Federal, que no tinham como se auto reconhecer - no porque no o pudessem por no ser - mas porque no tinham conscincia de que suas histrias se constituam em sagas promotoras de Direitos e, menos ainda, de quais fossem estes Direitos. Da, o primeiro impasse: qual o papel de um grupo de trabalho governamental? Alguns dos nossos propunham uma ao no intromissiva, no invasiva do status qo, fotografando a realidade sem intervir nem provocar/estimular mudanas, como j fora a forma de agir acadmica. Mas como no provocar mudanas se o simples fato de estarmos a agir para com as comunidades com respeito e considerao11Glauco Souza Lobo.indd novo.indd 11 03-12-2010 6:48:15

aos seus saberes o que nunca haviam conhecido e por isso mesmo ficavam profundamente ressabiadas j as provocavam. O que poderiam fazer esses professores, perguntar ou ensinar; e como no ensinar se sua prpria presena, a importncia que davam s histrias dos mais velhos, a curiosidade sobre suas vidas, j era pedaggica e provocava mais perguntas que respostas, principalmente dos jovens? As reunies havidas no retorno das equipes de cada viagem a campo eram festivais de opinies conflitantes: qual o papel do estado e o da sociedade civil, porque o estado no pode falar a verdade, e qual a verdade a ser dita?; deveramos continuar o papel daquele estado conservador e medroso e negar a histria? Finalmente, quando nos perguntvamos se seriam ou no quilombolas, percebemos o enunciado bsico de nosso trabalho: se tal no sabemos... sabemos que so cidados paranaenses que viveram at hoje em completo abandono institucional e que por coincidncia histrica so negros, mais tarde reafirmado e ampliado pela ABA Associao Brasileira de Antropologia, em Nota Pblica de Abril de 2008: ... nas condies de trabalho de campo para elaborao dos relatrios antropolgicos de identificao territorial das comunidades remanescentes de quilombo, os pesquisadores tm se deparado com situaes sociais nas quais a identidade quilombola associada autoidentificao tnica e racial de negro utilizada como uma afirmao positiva no reconhecimento de si mesmo como ser social. Assim, alm do reconhecimento jurdico h o reconhecimento como ente moral e, neste caso, a manifestao mais geral desse reconhecimento seria expresso como respeito. Neste sentido, trata-se de uma luta dessas populaes no apenas por ganhos materiais, mas tambm pela cidadania e contra o racismo, pela busca de respeitabilidade a si, aos seus valores e formas prprias de vida... O que nossa ao erros e acertos - provocaria sob o aspecto antropolgico, os estudiosos depois fariam suas avaliaes. Por deciso tomada j nas primeiras reunies do GTCM, todos os documentos produzidos durante o trabalho seriam colocados disposio da academia e da sociedade, por mais nfimos que nos poderiam parecer, e foi o que fizemos: previamente digitalizados e organizados, dentro de12Glauco Souza Lobo.indd novo.indd 12 03-12-2010 6:48:15

nossas possibilidades tcnicas, esto sendo encaminhados ao Arquivo Pblico do Paran tanto em arquivos fsicos como em mdia digital. Assim, iramos cumprir nosso dever constitucional e histrico de provocar e essa foi a chave provocar mudanas na maneira de o governo paranaense - conhecendo as existncias dessas comunidades, sempre negadas - fazer o Estado assumir suas responsabilidades. E isso, acreditamos haver conseguido! Esta a razo do Estado do Paran promover aes de polticas pblicas em Educao, Sade, Agricultura-Ater, Habitao, Cultura, Trabalho, Saneamento, muitas em andamento e execuo e outras em rea de projeto, dada a complexidade das aes, tambm haver promovido intensa ao poltica a favor das comunidades e do reconhecimento de seus Direitos, culminando com o ingresso no STF como amicus curiae na defesa do Decreto n 4.887, de 20/11/2003, que regulamenta o procedimento para identificao, reconhecimento, delimitao, demarcao e titulao das terras ocupadas por remanescentes das comunidades quilombolas, o que foi feito apenas por outro estado brasileiro, o Par, e contra a ADIN impetrada naquele Tribunal. medida que o levantamento bsico ocorria e, conforme a necessidade - reclamada pelo trabalho - novos profissionais foram sendo convocados, enquanto alguns, cumprida sua parte, seguiam sua trajetria em outras funes, fora do GT. Assim, todos esses ex-integrantes ho que ser lembrados mas alguns, pela relevncia de seu papel, de forma especial. Em primeiro lugar a professora Clemilda Santiago Neto, graduada pela UEPG em Histria, com dcadas de trabalho em sala de aula, em Reserva, Norte Pioneiro do Paran, e que na SEED teve o papel do gro de areia na ostra a provocar a reao que produz a prola: o GTCM. Criado o grupo e nele representando a SEED, foi do seu trabalho de campo, acompanhada da jornalista-fotogrfica Fernanda Castro, (ainda conosco) da SECS, especializada pela UCAM/RJ, com Milton Guran, em Fotografia como instrumento em pesquisa, e tambm com a fotgrafa e escritora Maria do Socorro Arajo, da SEEC, tudo documentando, que traziam para as reunies as opinies conflitivas que operaram a13Glauco Souza Lobo.indd novo.indd 13 03-12-2010 6:48:16

conformao de nossa misso. Clemilda, aos sessenta anos, foi afastada do GT por teimosia explcita: depois de duas internaes na UTI Coronariana do Hospital Evanglico de Curitiba, queria continuar suas viagens a campo e hoje desenvolve importante trabalho na SEED/DEDI, com Escolas e Educao Quilombolas, tendo continuado nossa musa e esteio. Outro importante pilar na construo deste trabalho foi o Telogo pela PUCPR, Mestre em Teologia Afro-brasileira pela FEST/So Leopoldo/RS, Jayro Pereira de Jesus, Coordenador da Assessoria contra o Racismo, Discriminao Racial, Xenofobia e Intolerncia Correlata, na SEAE e seu representante no GTCM. Com sua instigante cosmoviso afro brasileira, nos enegrecia, no mais profundo significado do termo, enquanto exigia uma viso real e integral das comunidades, sem vos idlicos e romnticos que comprometeriam o trabalho, turvando nossa compreenso; o conhecimento da realidade j era por demais emocionante para nos permitirmos ainda idealizar os habitantes das comunidades, como seria fcil deixar acontecer. interessante observar, ao cumprir este relato, que o trabalho realizado foi de tal maneira envolvente, que cada um de per si tem uma relevncia nica no conjunto da obra desenvolvida, pois as aes transcorriam de forma integrada, ou mais, comunitria: uns cobrindo as deficincias dos outros, em um s nvel de atuao e responsabilidade; a tarefa era comum, talvez porque todos os integrantes, por pertencimento tnico seu, ou dos seus, se sentiam cmplices e responsveis, como o caso da Professora Municipal de Curitiba, Almira Maciel, militante do MNU, que desde as primeiras reunies participou, principalmente nas questes da educao quilombola, lado a lado com nossa equipe, de maneira voluntria e profcua. Partindo para a aposentadoria o fao profundamente agradecido ao Governo Requio/Pessutti e seus Secretrios de Estado pelo sempre irrestrito apoio recebido e ao entregar este Relatrio Final, tambm agradeo Olodumare, e aos meus orixs Ogun e Yans, a oportunidade de encerrar assim a minha vida pblica, com a esperana de haver cumprido a tarefa que eles me confiaram.14Glauco Souza Lobo.indd novo.indd 14 03-12-2010 6:48:16

Mas, saibam todos que h muito mais a fazer e preciso continuar, e meus companheiros de jornada - funcionrios de carreira do Estado do Paran - esto prontos e preparados para esta tarefa. Curitiba, Dezembro de 2010.

Glauco Souza Lobo Presidente

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COMUNIDADES REMANESCENTES DE QUILOMBOS COMUNIDADES NEGRAS TRADICIONAIS.

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PLANILHA DAS CNTS, CRQS E INDICATIVOS AINDA A VISITAR

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1 TERRITRIOS QUILOMBOLAS: POLTICA FUNDIRIA E DEMOCRATIZAO DO ACESSO A TERRAO usufruto, a posse e a propriedade dos recursos naturais tornaram-se, ao longo do processo de formao social brasileira, cada vez mais, moeda de troca, configurando um sistema disfaradamente hierarquizado pela cor da pele e onde a cor passou a instruir nveis de acesso (principalmente escola e compreenso do valor da terra), passou mesmo a ser valor embutido no negcio. Processos de expropriao reforaram a desigualdade destes negcios, de modo a ser possvel hoje identificar nitidamente quem foram os ganhadores e perdedores e quem, ao longo deste processo, exerceu e controlou as regras que definem quem tem o direito de se apropriar (LEITE, s/d.).

INTRODUO

Nas ltimas dcadas, antroplogos tm construdo novas interpretaes sobre o significado do fenmeno quilombo na histria nacional, suas relaes com a sociedade envolvente, inclusive cidades e vilas no perodo escravista e sua sobrevivncia mesmo aps o fim legal deste regime (ALMEIDA, 1989; LEITE, s/d.). A partir da constituinte de 1988 os artigos 215 e 216 e, principalmente, do art. 68 do ADCT, abriuse a possibilidade de regularizao de suas terras. Com esse marco legal, ocorreu um embate entre comunidades quilombolas, a Associao Brasileira de Antropologia (ABA) e movimento negro de um lado e setores vinculados a grandes proprietrios de terras de outro. Essa disputa se iniciou nos primrdios da Constituinte de 1988, passa pela tentativa de sustar o decreto 4887/03 que regulamenta a demarcao de terras quilombolas por meio da Ao Direta de Inconstitucionalidade (ADIN n. 3.239) impetrada pelo DEM (Democratas, antigo PFL/ARENA) e entidades ruralistas junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), perpassando pela

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mdia corporativa denunciou a indstria de quilombos1. Seguindo orientao institucional do governo Requio, a Procuradoria Geral do Estado entrou no STF apoiando a Advocacia Geral da Unio (AGU) na defesa do decreto2. O fortalecimento dos direitos das comunidades quilombolas se revelou na unio de interesses dessas com o movimento negro, sindicatos e movimentos camponeses (no Paran, participaram da Jornada de Agroecologia, Rede Puxiro de Povos e Comunidades Tradicionais, realizaram XXV Romaria da Terra em 2010 com o tema Quilombo: Resistncia de um Povo, Territrio de Vida, em Adrianpolis). Por outro lado, aumentaram conflitos com o agronegcio3.

1.1 CONFLITOS DE TERRA NO PARAN DO SCULO XX

No Paran, os rgos fundirios tiveram constantemente envolvidos com problemas relacionados grilagem de terra. Conforme Relatrio do Interventor Manoel Ribas, apresentado ao Presidente da Repblica em 1939, havia demandas judiciais entre Estado do Paran e particulares (em geral, grandes colonizadoras) por uma rea total de 5.915.852,40 ha. (PRIORI, 2000, p. 76-86). Dcadas depois, a grilagem continuava a reproduzir-se conforme afirma o ofcio 264 de 1975, enviado pelo presidente do Instituto de Terras e Cartografia (ITC), ao coordenador regional do INCRA/PR, no qual informa que o Corregedor Geral de Justia do Paran expediu recomendao aos titulares dos Registros de Imveis das Comarcas de Guara, Foz do Iguau, Medianeira, Matelndia, Toledo, Assis Chateubriand, Formosa do Oeste, Cascavel, Guaraniau, Guarapuava, Laranjeiras do Sul, Pitanga e Campo Largo sobre a existncia de documentos falsos de terra emitidos entre 1956-1961, solicitando que estes antes de transcreverem ttulos de propriedade1A face ruralista desta ao est no Movimento Paz no Campo do qual participam deputados federais Valdir Colatto (PMDB-SC)

e Abelardo Lupion (DEM-PR), ver ww.paznocampo.org.br artigos sobre o livro: A Revoluo Quilombola: guerra racial e confisco agrrio. Publicaram crticas ao Decreto o jornal O Estado de So Paulo (editorial) e a revista Veja (objeto moes de repdio da ABA e SPBPC que denunciaram manipulao e distoro proposital de entrevistas de seus associados www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe. jsp?id=70790, em 02/06/2010.2O Estado do Paran, do Par e entidades de defesa dos direitos humanos entraram no STF como amicus curiae da Advocacia

Geral da Unio na defesa do decreto, fonte www.itcg.pr.gov.br, acessado em 20/06/10.3

ALMEIDA, 2010.

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expedidos pelo extinto DGTC, no perodo 1956-1961, levantem dvida ano Juzo da Comarca e, se possvel, consultem a Fundao ITC4. Esse histrico marcou toda a poltica e legislao fundiria estadual segundo os autores da atual legislao de terras: O que se verificou, no correr dos anos, foi uma sucesso de medidas casusticas visando to somente atender a necessidades imediatas. O processo de apurao de suas terras no se revestia de formalidades e requisitos indispensveis a uma discriminao segura e juridicamente perfeita. Seu xito, desse modo, esteve sempre e diretamente relacionado s reas sobre as quais inexistissem dvidas acerca da natureza devoluta da terra. [...] A as questes envolvendo o domnio da terra se apresentam diversificadas, no se sabendo distinguir exatamente o limite entre a propriedade pblica (devoluta) e a propriedade particular. BONFIM, Antenor R. e MUNIZ, Francisco Jos F. ITCG 2008, p.135. Como no poderia deixar de ser, essa situao contribuiu para que ocorressem vrios conflitos de terra. O Paran, durante o sculo XX, foi palco de verdadeiras guerras camponesas: Guerra do Contestado (191216); Revolta de Porecatu (1945); Revolta dos Colonos do Sudoeste (1957); Guerra da Serra da Pitanga e vrios outros conflitos de menor escala. Na regio de Tibagi (1933-35 e depois em 1941); em Jaguapit (1946-49); Campo Mouro (1948 e 52); Cascavel (final da dcada de 50 at 61); Alto Paran (1961). Essas disputas envolviam pequenos agricultores genericamente chamados de posseiros ou colonos, grandes proprietrios e empresas colonizadoras, em geral articuladas indstrias madeireiras (SALLES, 2004; 2007). Dentro das classes populares, acreditamos que, devido herana colonial escravista, os mais afetados foram os afrodescendentes e povos indgenas. A represso ocorria em diferentes espaos da cultura religio, sendo comum o uso do poder estatal de coero e regulao: expressamente proibido, sob pena de multa: [...] II Promover batuques, congados e outros divertimentos congneres na cidade, vilas e povoados, sem licena das4 FUNDAO INSTITUTO DE TERRAS E CARTOGRAFIA, ofcio 264/1975. 5 Antenor Ribeiro Bonfim e Francisco Jos Ferreira Muniz, foram procuradores do Instituto de Terras e Cartografia (antigo nome do

ITCG). Bonfim foi professor de Direito Civil da UFPR e Juiz do Tribunal de Alada do Paran; Muniz foi Diretor do Departamento de Terras do ITC. Ambos estiveram entre os autores da Lei de Terras do Paran de 1978.

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autoridades, no se compreendendo nesta vedao os bailes e reunies familiares. (Art. 62, Cdigo de Posturas de Londrina de 1953, Ttulo II Da Polcia de Ordem Pblica (TOMAZI, 2000, p. 285) (grifos nossos).

Esse um dado importante, na medida em que a proibio referiu-se explicitamente s prticas culturais de matriz afro-brasileira: pressupunha-se que os batuques e congados no eram entendidos pelo Poder Pblico como reunies familiares. Por outro lado, a mesma lei permitia bailes (algo bastante genrico) sem o mesmo nvel de exigncias. Apenas um grupo tinha que passar pelo constrangimento de ir delegacia solicitar autorizao para realizar seus festejos, mesmo os de carter religioso ou cultural (Congada e Batuque6). A mesma situao ocorreu em outras regies do pas no mesmo perodo com a Umbanda, Candombl e a Capoeira.

6 O Batuque uma religio Afro-brasileira de culto aos Orixs encontrada principalmente no estado do Rio Grande do Sul. ORO, 2002.Embora no tenhamos encontrado no referido texto aluses ao Batuque no Paran, a bibliografia sobre a histria regional atenente a populao negra nos informa sobre a existncia de prticas religiosas afrobrasileiras nas dcadas seguintes na cidade. Consultar ALMEIDA, J., 2004.

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O reflexo dos conflitos ocorridos pode ser percebido na formao de personagens que buscavam (e buscam) a conquista e a defesa da cidadania em questes que, ressaltamos, no dizem respeito apenas populao negra. Dentre esses personagens, dois so objetos de trabalhos acadmicos referentes questo agrria no Norte do Estado. Trata-se de Jos Rodrigues dos Santos e Manoel Jacinto Correa, sindicalistas que atuaram na defesa dos direitos dos trabalhadores rurais do caf nas dcadas de 1940-1960, contribuindo na formao de vrios sindicatos. Jos Rodrigues foi um dos fundadores da Confederao Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG) maior entidade nacional de defesa dos direitos dos trabalhadores rurais do perodo compondo sua primeira diretoria. Ambos foram eleitos vereadores (em um perodo no qual vereadores recebiam apenas ajuda de custo para o trabalho) em decorrncia de sua militncia, porm tiveram os mandatos caados e foram perseguidos durante a Ditadura Militar. A perseguio que sofreram foi rigorosa e eles tiveram que fugir. Manoel Jacinto devido sua militncia no Partido Comunista, e por sua atuao destacada na Revolta de Porecatu (resultante da invaso de terras de camponeses por grileiros e latifundirios) foi preso nada menos que 17 vezes, indiciado em 5 processos, sem condenao em nenhum deles, como contava com orgulho (ALMEIDA, J., 2004., p.29). Sobre a situao enfrentada pelos trabalhadores rurais no perodo no Norte do Paran, que levou pessoas como Manoel Jacinto e Jos Rodrigues militncia sindical, deixamos o seguinte depoimento de Jos Rodrigues:Uma coisa que os patres de fazendas praticavam freqentemente, neste norte do Paran, era trazer, no caminho, seus trabalhadores para comprarem na cidade, mas o veculo parava somente nos armazns dos amigos e parentes, quando no do seu prprio. [...] Nesta poca, a usina comeou a usar aquele mtodo do bor, um vale de cor verde, que tinha valor de um, dois, cinco e dez: era do tamanho de uma nota de cinco reais de hoje. [...] A empresa atrasava o pagamento e fornecia metade em dinheiro e metade em bor. Depois, passou a fazer 30% em dinheiro, 70% em vale. E o resto, ficava enrolando. Com os vales, os trabalhadores estavam obrigados a comprar nos armazns da empresa. [...] Tudo era ruim. Coisas de terceira ou de quarta categoria, que eram vendidas como se fossem de primeira. Aquilo era um tipo de escravido (VILLALOBOS; HELLER SILVA, 2000 p.51 e p.66).

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Este tratamento dispensado aos pequenos proprietrios, posseiros e trabalhadores rurais pelos grandes fazendeiros tem origens histricas no sistema de latifndio escravista. A realidade denunciada por Jos Rodrigues era bem conhecida dos jornais paranaenses do incio do sculo:No interior dos Estados, os trabalhadores, se so artistas [artesos] trabalham em alguma oficina trs ou quatro meses sem nada receberem, e quando reclamam os seus salrios so postos no olho da rua por malcriados; e por malcriados nada recebem; se so colonos vergonha dizlos, estes coitados, que formam o elemento agricultor do nosso pas em algumas fazendas trabalham apenas para comer e no muito bem, porque os salrios quase sempre os recebem pela metade, e se insistirem apanham (pois os nossos fazendeiros em grande parte ainda no perderam o costume do tempo do famoso cativeiro) (Jornal O DEMOCRATA, Curitiba 25/11/1906. In: RIBEIRO, 1985).

1.2 A GUERRA DO CONTESTADO: UM RECORTE A PARTIR DAS RELAES TNICO-RACIAIS

Como em outros momentos de nossa histria, a Guerra do Contestado, envolvendo a expropriao de terras de posseiros e sitiantes, comunidades negras e caboclas, configurou um movimento rebelde [que] identificou, desde o incio, a marginalizao crescente dos caboclos e gente de cor, ao passo que cresciam os privilgios e estmulos europeizao do territrio (MACHADO, 2004, p. 34- 35)). Nessa guerra civil camponesa as lideranas negras foram particularmente importantes. Entre elas, destacando-se o negro Olegrio que chefiava um grupo guerrilheiro composto por 50 antigos federalistas (MACHADO, 2004, p. 275) e Adeodato (um dos lderes27Glauco Souza Lobo.indd novo.indd 27 03-12-2010 6:48:24

principais do Contestado e o ltimo a ser derrotado) que, ao ser julgado, comps uma quadra na qual destacamos o seguinte trecho onde afirma sua valentia e orgulho de seu pertencimento tnico:S iguar a pica- pau Que quarqu madera fura S nas carta o Rei dEspada Desaforo no atura S quinem toro de briga Por nadinha armo turra, Nego bo da minha raa No tem cho que se apura (MACHADO, 2004, p. 319)

A presena afrodescendente na regio conflagrada foi tambm captada por um general das foras legalistas, que afirmava serem seus ocupantes nada alm de bandidos ou negros fugidos (TOTA, 1983, p. 55, grifo meu), pensamento relevante do imaginrio poltico do poder, posto que j havia decorrido quase trs dcadas da Abolio. O que queremos ressaltar que, muitas vezes, durante o sculo XX, o poder do Estado em suas instncias Executiva, Legislativa e Judiciria esteve diretamente envolvido na expropriao dos territrios negros. Expropriaes essas que viriam a articular-se direta ou indiretamente com o projeto de embranquecimento e modernizao do Estado. A criao de condies para o desenvolvimento econmico, a partir da imigrao europia, significou tambm a desterritorializao de comunidades negras, caboclas e povos indgenas (LEITE, 2002). Exemplos dessa situao no faltam: o presidente da Provncia Lamenha Lins (1875-1877) vetou a venda ou concesso de terras pblicas aos nacionais na instalao de colnias no Paran no final do sculo XIX (OLIVEIRA, 2001, p. 213-214); a colonizao russa em Ponta Grossa esteve indiretamente associada subtrao de terras da Fazenda Santa Cruz, de propriedade de famlias negras, promovida pelo processo judicial encaminhado em 1914 pelo Procurador de Palmeira culminando, dada 28Glauco Souza Lobo.indd novo.indd 28 03-12-2010 6:48:24

resistncia de alguns moradores, em agresses fsicas e no assassinato de um membro da comunidade negra enquanto trabalhava em seu roado (HARTUNG, 2000, p.217). Essa situao se repetiu em Serra do Apon, municpio de Castro, onde moradores referem-se s violentas expulses de terra praticadas com o uso de foras paramilitares (que associavam policiais e jagunos) nas dcadas de 1950-70 (SALLES e CRUZ, s/d).

1.3 A VIDA RECRIADA NO LIMITE DO CAOS RESISTNCIA QUILOMBOLA NAS COMUNIDADES DE PAIOL DE TELHA E VARZEO1

O nome [da localidade] originou-se em funo de, no final do sculo passado, a Vila ser habitada apenas por negros. Com a chegada dos homens brancos, criou-se uma disputa pelo comando da localidade, que provocou a expulso dos negros e ento passou a ser conhecida como Vila dos Brancos, ficando, mais tarde, apenas Vila Branca. (Depoimento de Aroldo Bieliski Barcelar, referindo-se a criao do municpio de Doutor Ulysses anteriormente Vila Branca, Jornal Cruzeiro do Sul 19/11/1992, p.6, de Sorocaba-SP). O registro documental mais antigo de terras da comunidade de Varzeo data de 1856, com terras havidas por Joo Alves de Souza, principalmente por herana e por posse de seus pais (todos registrados como negros)2. Nesse momento, no caso de Castro, as terras, denominadas Arroio Claro e/ou Serto do Fundo, e, em Guarapuava, Paiol de Telha e/ou Fundo, j estavam registradas documentalmente em nome das famlias negras no caso de Paiol de Telha, recebidas, em 1860, da proprietria de uma fazenda.1A historicizao da expropriao fundiria de Arroio Claro/Varzeo foi elaborada a partir da leitura do Dossi elaborado por integrantesda comunidade do Varzeo e Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Sengs, que traz depoimentos, ofcios, notcias de jornal, etc., e do Relatrio Antropolgico do Varzeo. No caso do de Fundo/Paiol de Telha, utilizei trechos de minha monografia de especializao (SALLES, 2007), construda a partir de oficinas do projeto Cartografia Social, bem como da leitura do Relatrio Antropolgico e no livro Memria e Sangue dos Antepassados, ambos escritos por Miriam Hartung.

2Registro no Livro de Registro de Terras da Parquia de Castro de 1856 (GALDINO, 2010, p.36).

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Estes casos so importantes para serem analisados aqui, pois eram terras documentadas com todos os ritos legais exigidos e tm seu histrico amplamente registrado por fontes e/ou pesquisas acadmicas. Poucos anos aps os negros do Fundo/Paiol de Telha receberem a terra, iniciou-se a usurpao das mesmas, em 1875, por Pedro Lustoza de Siqueira. Ao essa que ser contestada judicialmente na dcada de 1940 pelos herdeiros de Heleodoro (um dos negros que receberam as terras em 1860), mas sem nenhum resultado (HARTUNG, 2004, p.52-5). Em Varzeo, a situao foi mais amena nesse perodo. Com o falecimento de Joo Alves de Souza, na dcada de 1850, as terras foram partilhadas por meio de inventrios entre os sucessivos herdeiros at o ano de 1947, data em que a ltima tentativa de partilha foi interrompida devido falta de recursos financeiros. Dentre as vrias tentativas de partilha, destacamos a ocorrida entre 1917-1918, iniciada por um advogado que faleceu no decorrer do processo, sendo substitudo pelo advogado Marins Alves de Camargo, que recebeu procurao para isso em 10/12/1918 (conforme livro de notas n.3, folhas 24 a 28, no Cartrio de Cerro Azul). A partilha conduzida por Marins Alves Camargo foi concluda em 1927, cabendo ao advogado 2/3 da rea total que era de 5.759 alqueires. Com a interrupo das partilhas ocorridas no ano de 1947, ocorreu a invaso de parte das terras da fazenda Arroio Claro/Varzeo atravs da expanso dos limites da Fazenda Morungava (GALDINO, 2010, p.37-38). Essa fazenda, por sua vez, tem uma histria ligada a disputas fundirias: foi vendida por escritura pblica em 26/08/1911 Southern Brazil Lumber & Colonization Company3, que, por sua vez, teve suas terras confiscadas pelo governo Vargas e incorporadas ao Patrimnio da Unio4, em 22/07/1940. Parte das terras da Lumber havia sido adquirida por Joo Sgurio e Cia. e o restante adquirido pelo grupo empresarial Moyss Lupion5, no ano em que era governador do Estado. Posteriormente, em 1971, o Governo Federal confiscou 25 mil hectares da fazenda desse3Livro 156, Folha 120, do 1 Tabelio de Curitiba, transcrita sob o n. 75 do livro n.3 em 31/ag/1911 em Jaguariava (GALDINO, 2010, p.36). 4 Decretos Leis 2073 e 2436 de 22/07/1940 (GALDINO, 2010). 5Escritura pblica de compra de 27/11/48, livro 159, folha 4, registrada em nome da CELUBRAS, registro localizado no Cartrio deSengs no livro B, registro de ttulos folhas 38-45, em 15/abr/53. (GALDINO, 2010).

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grupo empresarial, isto , parte das terras da comunidade do Varzeo passou a pertencer a Unio (Dirio Oficial da Unio 06/04/1971, apud GALDINO, 2010, p.39-40).

Em relao s transaes envolvendo empresas madeireiras e grandes pores de terra, importante retomarmos a bibliografia sobre histria social da luta pela terra no Paran. Nestes estudos, constatase que na Guerra do Contestado, Revolta do Sudoeste e os diversos conflitos no norte entre 1940 e 1960, os maiores choques envolveram grandes empresas madeireiras (por vezes articuladas s colonizadoras) de um lado, posseiros e pequenos proprietrios de outro. Nesses conflitos, as empresas envolvidas foram, respectivamente, a Lumber, Clevelndia Industrial e Territorial Limitada (CITLA) e a Companhia de Terras Norte do Paran (CNTP) que mantinham estreitas ligaes com a classe dominante e as elites polticas administrativas do Estado.Durante todo esse descaminho das transaes cartoriais no caso de Varzeo, os diferentes proprietrios tentaram expulsar os quilombolas de suas terras. A memria dos mais velhos retrata grandes conflitos em 1959, 1969-1970, onde a mesma estrutura de atentados se repete: ameaas, agresses fsicas, queima de casas e paiis com colheitas, implementos agrcolas e sementes aes essas que contavam com a presena de policiais e jagunos. Em todos esses momentos, a comunidade reagiu via denuncias polcia, cartas e ofcios enviados ao Governo Federal e mudando o local de moradas e plantaes (SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS DE SENGS, s/d). Devemos lembrar, no obstante, que a resistncia nesses anos era difcil, levando em considerao que, nos conflitos ocorridos em 1959, o governador era Moyss Lupion (proprietrio do grupo homnimo, o qual era associado empresarialmente s empresas Sgurio, sendo que ambos diziam-se proprietrios de parte das terras e denunciados como agentes de violentos conflitos na rea). Retomando as referncias acima sobre as ligaes econmicas entre colonizadoras, madeireiras e a elite poltico-administrativa do Estado, a bibliografia sobre a histria social da luta pela terra afirma que era usual a articulao da fora policial com guardas privadas dessas empresas (GOMES, 1987; FERREIRA, et all, 1987; TOMAZI, 2000;31Glauco Souza Lobo.indd novo.indd 31 03-12-2010 6:48:24

WARCHOWICZ, 1982). Esse quadro, na memria dos moradores e documentao coletada pelo Sindicato de Trabalhadores Rurais de Sengs, repetiu-se em Varzeo: As autoridades de Sengs, Civil e Militar, eram ligados ao Moiss Lupion, nada faziam contra o mesmo, a polcia era quem mais agia irregularmente prendendo os herdeiros, os Juzes de Direito eram substitudos quando queriam fazer justia, a Promotoria, hoje tem 25 anos de casa e tambm ligado ao ex-prefeito e delegado de Polcia na poca, sempre foram contra os PRETOS, e a favor dos GRILEIROS. (SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS DE SENGS, s/d). A situao dos moradores do Varzeo agravou-se em 25/09/1976, quando Jos Ubirajara Lupion (filho de Moyss Lupion), atuando como procurador de Salvador G. de Souza (que falecera em 07/07/1920), vendeu as terras, nas quais habitavam os quilombolas, para Luis Fernando Mocelin, que as revendeu para a Plantec S/A6, que passou a plantar pnus na regio. Como no caso de Arroio Claro/Varzeo, a fase final de expropriao das terras de Paiol de Telha ocorreu durante a ditadura militar, completando-se em 1975, quando o ento delegado de Pinho (antigo distrito de Guarapuava) Joo Pinto Ribeiro, expulsou os ltimos moradores da rea: ocorreram queima de casas, tortura, pistolagem, tentativas de assassinato, envenenamento de animais e destruio de roados atravs do uso guardas privadas e policiais. Segundo um quilombola que viveu estes fatos:O povo ficou meio parampampam e foi assinado [documento cedendo a rea] pro delegado da Vila (...). Pois se no sasse de l, ele [delegado] mandava matar (...). Esmurraram gente l, os camarada dele, dois eles surraram, depois veio para a cidade e dissertam que no surraram. Mas mentira deles. (...) Mas se no sasse os pistoleiros vinham e matavam, pois eu fui um deles que me arranquei de l, mais no queria sair. E para mudar meus porcos eu tive que buscar um caminho aqui (Guarapuava), porque os da vila (Pinho, [ento distrito de Guarapuava]) no queriam pegar o frete [por medo]. (HARTUNG, 2004, p. 69)6 Matrcula n. 245, em 25/set./76, registrada no livro 73, folhas 94 a 98, no Cartrio de Cerro Azul e a matrcula n. 245, de 28/09/1978, no1 Cartrio de Registros de Ttulos de Curitiba respectivamente. A Plantec, com o passar dos anos, mudou seu nome, atualmente chama-se Tempo Florestal S/A, sendo de propriedade de Marjorie Malmann e Germme Malmann, filhas de Edo Malmann grande proprietrio de terras da regio (GALDINO, 2010, p.58).

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No era possvel resistir na terra, pois estvamos sob a Ditadura. No Paran, os governadores Bento Munhoz da Rocha, Ney Braga e Paulo Pimentel foram entusiastas apoiadores do regime, reprimindo as organizaes camponesas (KUNHAVALIK, 2004; SILVA, O. 2006). Como em Paiol, em Varzeo os atentados comunidade eram constantes nestes anos: a) Em 1980 Jamil, o jaguno Z Cobra e Emiliano (Joo Corvo), apontados como empregados de empresa plantadora de pnus e eucalipto, queimaram casas e paiis com colheita. Em ofcio endereado a autoridades o Sindicato de Trabalhadores Rurais e moradores da comunidade, alm de denunciarem as agresses, solicitaram medidas das autoridades para evitar a destruio de mata atlntica da regio que estava sendo efetuada pela referida empresa. (SINDICATO DE TRABALHADORES RURAIS, s/d); b) Em 1981, conforme reportagem publicada no Jornal Tribuna do Paran, 31/03/1981, jagunos supostamente ligados a uma empresa plantadora de pnus entraram na rea armados, destruindo tudo e atirando (reportagem fotocopiada e anexada ao Dossi SINDICATO DOS TRBALHADORES RURAIS DE SENGS, s/d); c) Em 1993, um fazendeiro (L. M. C. apontado como secretrio do Frum de Cerro Azul), acompanhado de dois policiais militares, invadiu os roados de uma das famlias quilombolas, prendendo Dona Luclia Pereira de Souza, j idosa, e sua nora, que foram levadas algemadas para a cadeia de Cerro Azul, onde ficaram presas trs dias (relatrio anexado no Dossi SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS, s/d); Voltando ao caso de Paiol de Telha, no incio dos anos 1990, algumas famlias herdeiras de Heleodoro (negro que recebeu a doao das terras do Fundo/Paiol de Telha no sculo XIX) iniciaram um processo judicial no sentido de reaver suas terras. Diante da negativa do poder judicirio em devolver-lhes as terras, essas famlias decidiram acampar, primeiro, em frente, depois, dentro da rea ancestral em 1996. O despejo, solicitado33Glauco Souza Lobo.indd novo.indd 33 03-12-2010 6:48:25

pela Cooperativa Entre Rios (atualmente Agrria), ocorreu menos de 24h depois comprovando a rapidez do judicirio nesse tipo de questo, ressaltando-se ainda que houve relatos de que nesse despejo policiais teriam ameaado de morte membros da comunidade7. Anos depois, em 2003, o grupo retornou rea com 150 famlias, que inicialmente entraram no territrio, mas tendo em vista a ameaa de despejo retornaram as suas casas. Em 2006, o grupo acampou s margens de uma estrada, no Barranco, onde est at a data em que este texto est sendo escrito. Desde a primeira ocupao, o grupo construiu uma rede de apoio com uma srie de entidades sindicais e movimentos sociais populares APP-Sindicato, SISMAC, CUT, ACNAP, MST e CPT (SALLES & CRUZ, s/d). Durante as ocupaes e outras manifestaes, a resposta da Entre Rios foi a da intimidao atravs da construo de guaritas de segurana nas proximidades do acampamento e envenenamento de nascentes utilizadas pelas pessoas. Ao par destes fatos, por vrias vezes, os homens que estavam no acampamento foram convocados a depor na delegacia de Guarapuava, gerando grande apreenso entre os familiares, que temiam prises e outros tipos de coeres, semelhana do que ocorreu na dcada de 1970 (HARTUNG, 2004, p. 77-79). O ato de reocupar a rea ancestral carregado de simbolismo, na interpretao das novas geraes de herdeiros dos quilombolas:Veja que a comunidade quilombola existe! E a Invernada Paiol de Telha. [...] J perdida, porque ns no ramos conhecidos enquanto negros no Paran e ... nem no Brasil. Mas a nvel de Paran, no ramos reconhecidos. Sabiam da nossa luta, porque j [so] 70 anos de luta. Mas no davam visibilidade, tanto que: No tem! No tem!, H! No tem, no existe!. A o qu que aconteceu? Reativaram esta luta, em 1996. Ali foi indo: em manifestos e organizaes e ida pro Barranco. Eles que organizaram. Porque jamais a gente... Tem que ir pra l! e Tem que ir pra l! e foram pra l, e fomos visitar eles e dando apoio e at que foi tido7 Segundo depoimentos colhidos por entidades de defesa de direitos humanos e arquivados por antigos integrantes da CPT regionalde Guarapuava, durante o despejo policiais retiraram alguns homens do conjunto de ocupantes da rea e mandaram eles correrem em direo a uma declividade prxima, neste momento as mulheres abraaram estes homens (Fonte: Acervo Projeto Nova Cartografia Social, regional Guarapuava).

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a carta de reconhecimento da comunidade. A primeira do Paran, que recebeu o reconhecimento de comunidade quilombola. Por isso o Conselho de Ancies. Porque eles... Como eu disse pra voc: Tudo! Porque ns estamos aqui, hoje, por causa deles! Porque eles iniciaram e reiniciaram! E fizeram! E vieram. E vindo com dificuldade. Hoje ns pensamos: Ns estamos sofrendo assim.., muito. Nossa! Por que... mas gente, imagine! E ns? E eles? (MARILUZ, liderana quilombola de Paiol de Telha in: SALLES, 2007)

Em relao dcada de 1990, precisamos rememorar alguns acontecimentos. Essa foi marcada como uma das mais violentas no que se refere s lutas sociais no campo (lembremos de Corumbiara e Eldorado dos Carajs). Em 1996, vinte e quatro pessoas integrantes do MST foram presas em menos de um ms, sendo soltas aps alguns dias. A mesma situao ocorreu no incio de 1997, quando, tambm em menos de trinta dias, foram presas quarenta pessoas integrantes do Movimento. Em ambos os casos as prises eram seletivas, pois incluam dirigentes, tcnicos(as) agrcolas e educadores(as). Em 1997 ocorreu o assassinato de dois acampados na ARAUPEL (antiga Giacometti Marodin) com armas de grosso calibre. Em 1999, um integrante do MST foi assassinado durante manifestao na entrada de Curitiba. Alm disso, foram vrias as denncias de desrespeito aos direitos humanos: ameaas, torturas, escutas ilegais e outros (SALLES & SCHWENDLER 2006, p.67). Esses acontecimentos levaram o Paran a situar-se, no perodo de 1996 a 1999, entre os Estados de maior ocorrncia de violncia no campo no Brasil, sendo que, em 1998, ocupou a primeira posio nesse quesito. Essa conjuntura resultou na instalao do Tribunal Internacional dos Crimes Contra o Latifndio, realizado no Teatro da Universidade Federal do Paran em 1 e 2 de Maio de 2001, convocado por entidades nacionais e internacionais de defesa dos direitos humanos (CPT, CNBB, Rede de Advogados Populares, Amricas Watch, Mes da Praa de Maio, entre outras)8.

8Dezenas de entidades de defesa dos direitos humanos constroem todo o ano o Relatrio de Conflitos no Campo, publicado pela Comisso Pastoral da Terra. O Tribunal Internacional dos Crimes Contra o Latifndio tem parte de seu relatrio final no livro Desterro (2006). Foram enviadas denuncias a Corte da OEA, que abriu processo contra o Estado do Paran.

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1.4 ESTUDO DE CASO: TERRITRIOS QUILOMBOLAS DO VALE DO RIBEIRA PARANAENSE REGULARIZAO FUNDIRIA, MERCADO E EXPROPRIAO TERRITORIAL9

Este estudo de caso se deu a partir de solicitao do INCRA em relao a suspeita de irregularidades nas transaes de terras envolvendo fazendeiros e integrantes da comunidade de Joo Sur. Para promover o esclarecimento destas dvidas, foram consultadas matrculas de terras da cadeia dominial da Gleba E e foi realizado trabalho de campo complementar com a participao do Diretor Presidente do ITCG, Dr. Tho Botelho Mars de Souza nos dias 14 e 15 de dezembro de 2009. A partir dessas estratgias, foram levantados os seguintes indcios de irregularidades: Envolvendo alguns dos vindouros10 (que haviam recebido o ttulo definitivoexpedidos pelo INCRA a partir de 1975) e um pequeno grupo de pessoas que adquiriram terras diretamente dos beneficirios (vindouros). Em relao a esses vindouros importante ressaltar que, segundo depoimentos das comunidades, boa parte deles nunca esteve na comunidade, ou ali estiveram apenas para escolher o lote levando as comunidades a suspeitarem do uso de laranjas. Todos esses lotes atualmente esto sob domnio de empresas de plantio de pnus e eucalipto; Envolvendo integrantes da comunidade e um pequeno nmero de compradores de terra (geralmente os mesmos que haviam adquirido lotes dos vindouros) e revendido para empresas supracitadas; Casos em que contratos de compra e venda de lotes envolveram apenas procuradores e no os diretamente beneficirios pelo INCRA (que, em alguns casos tinham domicilio e residncia em cidades que no Adrianpolis ou Estados, que no o Paran, tanto nos momentos de recebimento do benefcio quanto na posterior venda). As pessoas que atuavam como procuradores estiveram envolvidos em diferentes9Relato de trabalho de autoria de Jefferson de Oliveira Salles, apresentado no IV Encontro da Rede de Estudos Rurais realizado naUFPR em 2010.

10Forma pela qual designam pessoas de fora da comunidade que receberam lotes do INCRA.

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aquisies de diferentes beneficirios, havendo tambm casos em que atuaram como intermedirios entre outros compradores e vendedores; O Cartrio de Adrianpolis foi citado no Livro Branco da Grilagem de Terra no Brasil, dentre os notrios cartrios contaminados pela fraude (INCRA, 1999). O Registro de Imveis de Bocaiva do Sul, por sua vez, foi declarado vago pelo Conselho Nacional de Justia devido a irregularidades. Segundo reportagem da Gazeta do Povo de 11/07/10 das 1,1 mil serventias paranaenses analisadas pelo rgo, 350 foram declaradas vagas (31,8%), situao que levou o Corregedor Nacional de Justia, ministro Gilson Dipp, a afirmar que as irregularidades esto espalhadas por todo o Brasil, porm, a situao mais grave, por aquilo que observamos recentemente, no estado do Paran11. O contexto supracitado, acreditamos, foi responsvel pela expropriao tanto de terras de integrantes das comunidades quilombolas como dos vindouros. A maioria das terras encontra-se nas mos da empresa Vale do Corisco, seguida pela Conflora, Setco e Terra Grandis, empresas que tambm negociavam terra entre si, cabendo destaque Vale do Corisco que, como as outras empresas, adquiriu lotes por intermdio de J. N. F., que atuou como vendedor ou procurador de pessoas que venderam terras. Em relao s transaes envolvendo algum desses procuradores importante ressaltar que algumas delas foram canceladas (caso dos lotes vendidos por J. N. F. a partir de 2005) por haverem irregularidades nas procuraes. importante salientar que, entre os intermedirios citados nas matrculas de terra um deles, identificado como o primeiro grande comprador de terra a chegar regio justamente no perodo de ao dos rgos de regularizao fundiria, a partir de meados da dcada de 70 esteve tambm envolvido em atritos com o antigo ITCF (nome anterior do ITCG). Em relatrio produzido em 06/03/1987, o Dr. Vitrio Sorotiuk, advogado responsvel na poca pelo Setor de Terras do Escritrio Regional de Curitiba (ERCBA/ITCF), informa Procuradoria Jurdica do rgo sobre reunio realizada no ncleo de moradias de Joo11Fonte:www.cnj.jus.br/index.php?option=com_content&view=article&id=11493:corregedoria-do-cnj-determina-que-5561cartorios-se-

jam-submetidos-a-concurso-publico&catid=1:notas&Itemid=675, link ftp.cnj.jus.br/extrajudicial/LISTA_FINAL_12_07_2010.zip , acesso em 12/07/10.

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Sur12. Nessa reunio, segundo o advogado, foram apresentadas as costumeiras reivindicaes de mais terras para plantar por parte dos moradores, declarando tambm que esses solicitaram informaes sobre uma rea de 80 alqueires sem uso na faixa destinada ao uso agrcola e que estava de posse do Sr. J. N. F.. Em resposta, os moradores foram informados pelo Dr. Vitrio, que presidia a reunio, que a rea estava sendo requerida pela Sra. M. L. F. ao ITCF, que ainda no havia se pronunciado essa senhora estava representada na reunio pelo Sr. J. N. F., ambos tinham o mesmo sobrenome (F), sendo da mesma famlia. Ao repassar essa informao, o Dr. Vitrio ouviu do Presidente Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Adrianpolis que esse iria entrar com requerimento solicitando a rea para que fosse destinada a agricultores sem terras do municpio. Desse relato ficou evidente que havia divergncias sobre o direito quela terra entre o Sindicato, moradores da comunidade e o Sr. J. N. F., que, alis, teve requerimento indeferido pelo ITCF. As divergncias entre ITCF e o Sr. J. N. F no se referiam apenas a esse ponto, segundo Dr. Vitrio, J. N. F. era um dos transgressores mais renitentes da regio, personagem difcil, porm, a no era a nica fonte de problemas:...no h dia no Escritrio Regional de Curitiba que no chegue algum da Colnia E com o seu problema. Desmate, problema de divisa, venda de posse, reclamao contra o Fiscal, problema de estrada, problema de escola, brigas at, etc. Se fossemos encaminhar todos os problemas ao Presidente do ITCF ou Chefe do ERCBA, um no administraria o ITCF, outro no administraria o Escritrio Regional, ambos administrariam a Colnia E, tal o volume de casos. (SOROTIUK, V., 16/03/87).

Esses problemas na Gleba E foram apresentados pelo advogado em um relatrio, dividido em partes, sendo que uma delas tem o significativo ttulo De onde vem a ameaa s terras do Patrimnio do Estado do Paran?. A resposta salientava que um dos perigos para o patrimnio do Estado na Gleba E constitua-se na ao de grileiros (como o Sr. R. de A.), falta de infra-estrutura e na ocupao por posseiros. Em relao a esses ltimos, o Dr. Vitrio afirmava que escapava ao Estado o controle meramente jurdico e da ao fiscalizatria quanto ao comrcio12O dr. Vitrio Sorotiuk, foi advogado e funcionrio de carreira do ITCF, alcanando inclusive a presidncia do rgo.

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dessas posses, por fatores culturais devido a concepo [por parte dos posseiros] de que a rea lhes pertence por herana. Ou seja, as concepes jurdicas do Estado diferenciavam-se das concepes e usos da comunidade (quilombolas).

1.5 CONSIDERAES QUILOMBOLAS

FINAIS:

DE

POSSEIROS

A

Com o levantamento efetuado desde 2005, pelo Grupo de Trabalho Clvis Moura, as comunidades se tornam conhecidas oficialmente, sendo que trinta e seis encaminharam e obtiveram certificado de auto-reconhecimento emitido pela Fundao Cultural Palmares. Por solicitao de algumas dessas, o INCRA deu incio a onze Relatrios Tcnicos Antropolgicos13 para promover a sua regularizao fundiria. Os agentes sociais, anteriormente apontados como posseiros ou sem terras, agora se atribuem a denominao de comunidades quilombolas, e dessa forma que buscam vrios direitos, entre eles a retomada dos territrios tradicionalmente ocupados. Essa nova realidade tem explicitado conflitos: a) Em Paiol de Telha ocorreu um despejo e prises em 2003; b) Em Curiva, devido ao incio dos Relatrios Antropolgicos de Guajuvira e gua Morna, ocorreram ameaas por parte de fazendeiros e polticos locais, assim como se restringiu a oferta de emprego e trabalho nas fazendas e stios aos quilombolas (Fonte: Dra. Liliane Porto, antroploga responsvel pelo laudo antropolgico da comunidade, por ofcio); c) Aps vrias ameaas (inclusive um conflito ocorrido com a participao de PMs colaborando com pessoas supostamente13Joo Sur, Crrego do Franco e So Joo (Adrianpolis); Varzeo (Doutor Ulises); gua Morna e Guajuvira (Curiva); Serra do Apon(Castro); Maria Adelaide Trindade (Palmas); Manoel Ciraco (Guara). Os RTIDs encontram-se em diferentes fases e foram instaurados atravs de convnios da Secretaria Estadual de Cincia e Tecnologia, INCRA, universidades pblicas. Informao prestada por email pelo INCRA.

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empregadas de uma das empresas plantadoras de pnus e eucalipto) em 2008, jagunos encapuzados atacaram e queimaram trs casas de quilombolas em Varzeo. Esse conflito, noticiado nacionalmente, levou o governador Roberto Requio a visitar a comunidade poucos dias depois14; d) Em 2008 houve ameaas de agresses fsicas e verbais por fazendeiros a lideranas de Joo Sura (FIDELIS, 2009); e) Em Manoel Ciraco (Guara) houve diversos conflitos: ameaas e agresses verbais; impedimento de livre trnsito de integrantes da comunidade em 20.11.2009, proprietrios barraram a sada de nibus com integrantes da comunidade que iriam a Marechal Cndido Rondon realizar uma apresentao cultural em comemorao ao Dia da Conscincia Negra. Nesse mesmo ano, proprietrios de terra, organizados em torno do sindicato patronal rural do municpio, impediram que funcionrios do INCRA realizassem parte do trabalho do relatrio antropolgico15; f) Ocorreu em 2009 e 2010 queima de duas casas em So Joo (Adrianpolis)16. Tudo o que dissemos acima, como esperamos ter deixado claro, historicamente teve, de um lado, o poder pblico como agente direto ou colaborador na expropriao das terras quilombolas (e de grupos camponeses e povos indgenas em geral); por outro lado, como esperamos tambm ter deixado claro, o Estado procurou estabelecer limites, porm com um grau menor de sucesso, na ao de expropriadores (caso das aes ocorridas no perodo do Interventor Manoel Ribas, do ofcio enviado14Encapuzados queimam casas em comunidade quilombola. O reprter afirma que a assessoria de imprensa da Secretaria de Segurana informou que a Polcia Militar abriu sindicncia para apurar os fatos, devido a atuao PMs que, dias antes do ataque dos jagunos, teriam agido sem autorizao da Secretaria de Estado da Segurana Pblica ao acompanharem a notificao de um mandado de reintegrao de posse na Comunidade do Varzeo e teriam feitos disparos de pistola e ameaado moradores. Fonte: http:// www.bemparana.com.br/index.php?n=75209&t=encapuzados-queimam-casas-em-comunidade-quilombola.

15Servidores do Incra So Feitos Refns Por Agricultores Em Guair http://portal.rpc.com.br/gazetadopovo/vidaecidadania/conteudo.phtml?id=929288, baixado em 30.09.09.

H tambm o envolvimento de Sindicato Rural Patronal da regio. Relato feito

em 20.11.2009 em reunio entre INCRA, Ministrio Pblico Estadual. 16Ofcio enviado pelo Grupo de Trabalho Clvis Moura Ofcio 107/2009 informa conflitos em comunidades quilombolas.

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pelo presidente do ITC ao INCRA citados e, contemporaneamente, na tentativa da Unio de aplicar o decreto 4887/03 e outras polticas pblicas). Como o Estado parece ter intenes contraditrias ou ambguas, importante compreendermos quais os agentes sociais movimentaram sua ao em cada direo, construindo sua hegemonia na questo fundiria, claramente exercida por uma elite formada por fazendeiros, industriais madeireiros, entre outros. As comunidades quilombolas, para construir o seu direito, agiram, desde o sculo XIX de diversas formas: ocorreram fugas; compra de terras; heranas de fazendeiros (que comprovam relaes de reciprocidade construdas); abertura de processos judiciais contra expropriadores; ocupaes e reocupaes de terra; migraes para espaos diferentes no mesmo territrio. Esse quadro comprova que as disputas por terras no Paran so, ainda hoje, um conflito poltico por excelncia (THOMPSON, 1997) devido a sua regularidade e seu perodo de durao. As disputas em torno da democratizao do acesso terra e ao territrio foram (e so) o campo da disputa que inclui vrias esferas do social em uma tessitura complexa nas quais os diferentes sujeitos utilizam-se de variadas estratgias (BOURDIEU, 2000, p. 2731). Embora as comunidades quilombolas tivessem que disputar um jogo no qual no pudessem colaborar (devido a hegemonia dos grupos supracitados e ausncia histrica de direitos polticos), para determinar as regras, conseguiram construir, atravs de suas estratgias, limites para a expropriao efetuada pelos senhores da terra, mantendo fraes do territrio, bem como um forte senso de justia e direito a esse, o que se comprova pelas reivindicaes atuais de retomada dos territrios ancestrais.

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Quadro sinttico de transaes de terras

Matrcula / Gleba / Titulado pelo Outras informaes INCRA / Residncia e domiclio na data da transao (se informado) Para matr. 829/ titulado L. P.; 830 / titulado I -R. F. e esposa; 831/ titulado G. R.: todos Joo Sur, titulados em 07/02/75 quando residentes e domiciliados em Francisco Beltro. Nos trs casos, os beneficiados revendem no mesmo ms e ano que o recebem do INCRA a Verdeflora representada por seu scio diretor L. C. S. no mesmo ms e ano atravs de seu procurador R. B., do comrcio residente e domiciliado em Francisco Beltro. a) A matr. 839, (o titulado em 18/12/75 R. A. de M., Rio Pardo) vende em .../09/80 (quando residente e domiciliado em Curitiba), representado pelo procurador P. A. M., eng. civil, vende a A. J. S., tc. agrcola, que vende a D. F. e J. N. F. em .../03/84, revendido em .../09/05; 1) Matr. 829 e 830 - Em 16/04/09 o Juiz de Direito da 5a Vara do Trabalho de Curitiba, procede a averbao [...] para constar a ineficcia da alienao do reg. n.5-829 em razo da declarao de alienao em fraude execuo em tela, no caso, dvidas trabalhistas de proprietrios; 2) Matr. 829, 830 e 831: Segundo corre na regio, trata-se de pessoas que nunca residiram/trabalharam nas terras, suspeita de uso de laranjas p/ se apropriar dos lotes. 3) Denncias de que compradores de rea pessoas ligadas a rgos de regularizao fundiria e ambiental e/ ou pessoas associadas a estes: matr. iculas 584, 586, 715, 746, 760, 839;

4) Matr. 584, 746, 760 e 839 passaram pelas mos de irmos G, J. N. F., D. F. e L. M. B., atualmente propriedade b)Para as matr. 351 (titulada em da Vale do Corisco; 18/12/75, M. S. e L. R., esposo/ Rio Pardo) e da matr. 715, (titulado em *Matr. 351 - Obs. I: Idem Item 2 07.02.75 J. V. do A., domiciliado e quanto a suspeitas de uso de laranjas; residente em Florianpolis-SC/ Rio Obs. II: Idem item 1: Juiz de Direito Pardo), representado pelo procurador da 5a Vara do Trabalho de Curitiba, A. J. S. tc. agrcola, venderam: em procede a averbao [...] para constar .../12/79; (J. V. do A domiciliado e a ineficcia da alienao do reg. n. residente em Florianpolis na data) a 7-351; matr. 351, para Verdeflora.

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representado pelo scio J. J. de M.. vende a V. C. C. E, a matr. 715 H. N. P., eng. agrnomo, (domiciliado e residente em Curitiba), revendido D. F. e J. N. F. em ../03/84, revendido Vale do Corisco em .../09/05; c) Para as matr. 746 (titulado em 07.02.75, E. S / Curitiba / Rio Pardo) e matr. 760, (titulado em 07.02.75 L. Y. J. Y. e esposa/ Londrina-PR / Reserva gleba Rio Pardo), todos representados pelo procurador R. S., quando venderam: a matr. 746, para A. J. S. e esposa, D. B. S., vendem para D. F. e J. N. F. em .../03/84, em ../09/05. A 760, venderam em ../01/80 (quando titulado res. e domiciliado em Londrina), a A. J. S. em .../03/84, que nesta data vende a D. F. e J. N. F.; m .../03/84, revendido em .../09/05. d) Matr. 584 (titulado em 18/12/75, I.T. L. e esposa/ Pato Branco/ R. P) e 586 (titulado N. A. K. e esposa / idem gleba, residncia e domicilio e titulao matr. 584), representados pelo procurador M. L. P. S. quando a)Matr. 191 (titulado em ../07/75, B. F. da S./ Joo Sur I) vende a L. R. A., menor, representado pelo procurador e pai, N. C. de A. F., funcionrio pblico federal. Matr. 214, N. C. de A. F. tambm foi procurador de A. P. de A. (titulado em 17/07/75, Rio Pardo, mesmo ms ano que 191) quando, em ...08/80 (quando titulado e esposa domiciliado e residente em Apia-SP), vendem matr. 214 a L. R. A., neste ato assistido pelo pai N. C. de A. F., vende por L. R. A., advogado.

5) E. S., A. J. S. e R. S. - Todos os sobrenomes S referem-se a uma mesma famlia, maioria das transaes, todos residentes domiciliados em Curitiba, mesma rua, edifcio, bloco e apartamento. Este endereo era tambm de P. A. M.

*Matrculas 191 e 214: Idem item 3; *Matr. 561: Idem itens 2 e 3; 6) L. R. A., N. C. de A. F. e L. F. P. de A: Todos os sobrenomes em A seriam pessoas de uma mesma famlia. Durante as transaes todos residentes e domiciliados em Curitiba, a exceo de L. R. A., residente em So Jos dos Pinhais .

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em .../05/2000, a J. N. F., que vende em .../09/05. A 561 (titulado em 1978 E. A. de O. e esposa / Joo Sur I), vendem a L. F. P. de A. em .../11/92 advogado. a) Matr. 363, 365 (titulado na mesma data, 18/12/75, L. A. K. K e E. C. K. respectivamente/ ambos Rio Pardo), venderam em .../11/78 a J. K, professor sendo que, p/ 365, P. S., empresrio, foi procurador do titulado E. C. K.. Matr. 148 e 149, P. S., industrial, foi procurador dos titulados, em .../01/80 (M. K. e A. C. K., esposa/ Joo Sur I) e, em .../12/79, (titulado em ../09/75, A. C. K./ Joo Sur I), revendidas a Realsul representado pelo dir. L. M. S em 08/01/80, revendidas a L.M.B em 30/11/05;

7) O cartrio de Bocaiva do Sul notifica em 06/04/81 que matr. 363 foi unificada as 09, 364 e 365 c/ abertura de nica matr. (886) - informao da matr. 363. *Matr. 365: Idem item 2; h referncia de procurao entre J. K. e P. S. no I Tabelionato de Curitiba; *Matr. 148: Idem item 1; *Matr. 149 e 152 - Obs. I Idem item 1 (reg. 5-829). Para matr. 149: aps vrias transaes passa s mos de L. M. B;

8) E. C. K., M. P. K., M. K., A. C. K., L. A. K. K., M. C. de O. K. (esposa) e J.K., todos com mesmo sobrenome. Os quatro primeiros e J. K., domiciliados e residentes em Curitiba. Negociaes c) A matr. 09 (titulado A. P. de M / envolveram P. S., os K eram Rio Pardo), P. S., empresrio, foi vindouros, v. item 2. procurador do titulado (residente domiciliado nesta data em Joo Sur) em .../11/78 quando vendeu a J. K., professor, revendido a J.N. F.; d) Matr. 152 (titulado A. dos S. L./ Joo Sur I.), vendida pelo titulado em .../09/79 p/ P. S., empresrio. Aps outras transaes revende em .../09/05 a SETCO, que vende a L. M. B em 30.11.05.

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a) Para matr. 1552 (titulado em .../12/75 J. B/.Joo Sur II) e 80 (titulado em 18/12/75 B. de A. R/ Joo Sur II). Quando venderam os titulados foram representados pelo procurador I. M. G. .../08/86, matr. 1552 (titulado residente e domiciliado em Mamonas, Adrianpolis), venderam a E. D. G., que vende em .../01/06 a L. M. B., representado pelo procurador J. N. F. Em relao matr. 80, vende em .../06/86 a Conflora, representado por J. J. de M., aps transaes, passa por V. C. C. (reg. r.5-80), domiciliado e residente na cidade de So Paulo, (v. matr. 52) vende a Sra. L. M. B., representado pelo procurador J. N. F. em 29/12/05; b) Para matr. 4041, 4040, 4042 e 632 os dois primeiros foram titulados em 18/12/75 (E. C. F. e S. C.; J. A. de O.), / Joo Sur II; o terceiro, D. P. da C., titulado em ../05/06, Joo Sur II; o quarto titulado em 18/12/75, gleba Rio Pardo, E. G. de F. e esposa quando residente e domiciliado em Joo Sur). Os trs primeiros residente e domiciliado em Campo Grande-MT e o quarto (matr. 632) residente e domiciliado em Curitiba quando venderam. Neste ato representado pelo procurador N. D. G., em .../03/06 (para transaes de matr. 4041, 4040, 4042, data em que N. D. G. tinha domiciliado e residente em Apia-SP) e, para matr. 632, em ../10/78. Para os lotes vendidos por procurador por N. D. G. em .../03/06, o comprador foi E. D. G. que, na data (.../03/06), vende a L. M. B., representado pelo procurador J. N. F. Em relao a matr. 632, este

*Matr. 1552: Para integrante da famlia J. B., vendida s/ seu consentimento; 9)Matr. 142, 4041, 4042 - Obs. I: Idem item 2. Obs. II: A partir de informaes expedida pelo Cartrio de Bocaiva do Sul o juiz do foro de Bocaiuva do Sul procede averbao de Processo Administrativo, de atos transladativos de propriedade envolvendo os procuradores E. D. G. e J. N. F., posteriormente, em 11/09/07, o juiz procede averbaes para cumprimento de liminar de suspenso e impedimento de novos registros, das matrculas e atos conseqentes, alienaes, transferncias, vendas, doaes em pagamento, garantias e outros nus sobre estes imveis devido a irregularidades nas procuraes entre ambos. Matr. 632: Os envolvidos nas transaes desta so os mesmos das 142, 4041, 4042 (E. D. G. e J. N. F..); 10) Vendedores, empresas, ms e ano 584, 746, 760 e 839 so os mesmos, v. item 5; *Matr. 80 : Idem itens 1 e 2 :ineficcia da alienao (R.5-80); 11)Matr. 52: Segundo comunidades em vrios casos que Srs. J. N. F. e E. D. G. foram inventariantes e procuradores, quilombolas no sabiam o que estavam assinando, sendo pressionados a vender por valores baixos *Matr. 918 - Obs. I: Idem 1 torna ineficaz a alienao do reg. r.9-918; Obs. II: Atravs de vrias negociaes torna-se propriedade de L. M. B., representado pelo procurador J. N. F.;45

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vende (sob intermdio de N. D. G. *N. D. G., E. D. G. e I. M. G.: Idem item como procurador a E. A. de O., vende 4, sobrenome em G so da famlia que a D. F. e J. N. F., vende em .../09/05; revenderam todos os lotes (exceto dois p/ c) Para matr. 142 e 52 (titulado mesma (representada pelo procurador J. N. F.). data 18/12/75, respectivamente J. dos S. e V. P e J. B. dos S./ Joo Sur II), tiveram intermediao de E. D. G. venderam: A matr. 142, vendida pela titulada, em ../07/80 a A. F. de A., (ambos domiciliados e residentes em Curitiba na data). O comprador foi, representado por seu procurador E. D. G., que vende para si mesmo em .../02/06 a E. D. G. (i.e.,), revendendo no mesmo ms a L. M. B. representado pelo procurador J. N. F. Matr. 52, vende em .../02/84 pelos titulado (J. B. dos S. e esposa, residentes e domiciliados em Sete Barras, Adrianpolis na data), representado pelo procurador E. D. G., que vendeu a si mesmo, revendo em ..../06/86 a Conflora, representa por J. J. de M. (v. matr. 80); d) Matr. 918 (titulada em 18/12/75, I. G. res. e domiciliada em Curitiba / Joo Sur II) vende em .../07/81 Verdeflora representada pelo scio dir. L. C. S, revendidas a L. M. B. em 29/12/05.

Conflora) D. F., J. N. F. e Sra. L. M. B.

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2 O CONHECIMENTO ETNOBOTNICO DOS QUILOMBOLAS NO CONTEXTO DA SUSTENTABILIDADE: O CASO DO VALE DO RIBEIRA (PR)O Vale do Ribeira sozinho abriga 11 das 36 comunidades remanescentes de quilombos do Paran, a saber, Joo Sura, Praia do Peixe, Crrego das Moas, Porto Velho, Estreitinho, Trs Canais, So Joo, Sete Barras, Crrego do Franco, Varzeo e Areia Branca. At o ano de 2005, o Paran desconhecia suas comunidades quilombolas. Talvez isso ajude a explicar a insipincia de levantamentos etnobotnicos nessas comunidades. Dentre os estudos j realizados, o mais recente o de Lopes (2010), que pesquisou os usos que os quilombolas do Varzeo fazem de sua flora local. Sem pretenses de esgotar o assunto, dentre os objetivos deste artigo esto: identificar botanicamente algumas plantas usadas pelos quilombolas do Vale do Ribeira como medicinais; evidenciar a ancestralidade africana presente nesse etnoconhecimento; demonstrar a importncia da preservao da Floresta Atlntica tanto por sua vocao natural, quanto para a perpetuao do conhecimento etnobotnico dos quilombolas, que so um verdadeiro banco de dados no que diz respeito ao conhecimento e manejo das espcies desse bioma.

2.1 A ANCESTRALIDADE AFRICANA PRESENTE NO CONHECIMENTO ETNOBOTNICO DOS QUILOMBOLAS

Toda e qualquer sociedade humana acumula um acervo de informaes sobre o meio onde vive, que lhe possibilita interagir e retirar desse meio o necessrio para sua sobrevivncia. Nesse estoque de informaes, est o conhecimento que diz respeito ao mundo vegetal, o conhecimento etnobotnico (AMOROZO, 1996). No que se refere s comunidades quilombolas, esse acmulo de conhecimentos possibilitou que resistissem at a contemporaneidade, apesar de terem sido47Glauco Souza Lobo.indd novo.indd 47 03-12-2010 6:48:27

desprovidas de qualquer tipo de poltica pblica, inclusive as de sade. No obstante, as comunidades quilombolas serem constitudas por pessoas oriundas de diversas etnias, o elemento negro lhe preponderante. Culturalmente, a relao homem/vegetal de suma importncia para o negro (BARROS, 1993). Dito de outra forma, para o negro o conhecimento e a ligao que estabelece com os vegetais, indiferente do local onde esteja, diz respeito sua prpria existncia material. Essa questo fica evidente se pararmos para pensar na cosmoviso dos Povos Africanos que vieram para o Brasil na condio de escravizados. De acordo com Lopes (2008), no sculo XV os portugueses trouxeram para o Brasil, africanos dos locais onde hoje se encontram os pases da Mauritnia, Senegal, Cabo Verde, Gmbia, Guin e Serra Leoa. As provveis etnias eram: Balantas, Diulas, Mandingas, Manjacos, Peules, Quissis, Saracols, Sereres, Tens Tuculeres, Uolofes, e outras. Ainda de acordo com Lopes (2008), no sculo XVI, os portugueses chegaram ao Congo, Cabinda, Luanda e Benguela. Com essa feitoria na contracosta, passaram a ter dois pontos de explorao. Da em diante, os africanos trazidos para o Brasil foram, em sua maioria, bantos. Entre eles, predominou os chamados bantos do centro: Congo, Quimbundo, Cuango, Casai, Lunda-Quioco e Bemba. E de Moambique vieram grupos como Ronga, Tonga, Xope, Senga, Angni, Macua e Ajaua. Posteriormente, tambm vieram africanos de outros grupos: Iorubas (Ibinis, Ibos, Ibibios e Ekoi) do sudoeste da atual Nigria; Fons ou Jejes dos atuais Togo e Benin e Fantis e Axantis da atual Gana. De maneira geral, os livros de Histria costumam simplificar essa questo afirmando que para o Brasil vieram Bantos, Sudaneses e Mals. Depois de verificar que para o Brasil vieram vrias etnias africanas, cabem aqui as seguintes perguntas: Qual era a cosmoviso desses povos? Qual a contribuio da tradio africana ao conhecimento etnobotnico dos quilombolas? Eis uma questo delicada de se discutir. De acordo com Amadou Hampt B em seu livro Amkoulleu, o menino fula, devemos tomar cuidado com a expresso tradio africana, pois no se deve generalizar. Vimos pela quantidade de Povos que vieram para o Brasil, que no h uma s frica, no h um s homem africano e48Glauco Souza Lobo.indd novo.indd 48 03-12-2010 6:48:27

no h uma nica tradio africana vlida para todas as regies e etnias. Porm, o mesmo Hampt B chama nossa ateno para algumas semelhanas que existem em praticamente todas as etnias africanas, e que podem corroborar com essa reflexo. Essas semelhanas so: a presena do sagrado em todas as coisas, a relao entre os mundos visvel e invisvel e entre os vivos e os mortos, o sentido comunitrio, o respeito religioso pela me e outros (HAMPT B, 2003). Embora no seja objetivo deste texto discutir a filosofia africana, dissertar sobre a mesma, colabora para compreenso da cosmoviso que contribuiu para formar a viso de mundo dos brasileiros, inclusive das comunidades quilombolas. Segundo a obra La Philosophie Bantoue, a filosofia Banto est fundamentada numa metafsica dinmica e numa espcie de vitalismo que ajudam explicar a concepo de mundo entre os povos bantos (BALANDIER, apud LOPES, 2006), como j foi mencionado, um dos Povos que ajudaram construir a nao brasileira. Nessa concepo, a noo de fora parece substituir a noo de ser, sendo que toda a cultura banta, ento, se orienta no sentido do aumento dessa fora, lutando contra a sua perda ou diminuio. Elucidando a questo, em Maquet (1966) citado por Lopes (2006, p.157), l-se:[...] Para os Lubas a realidade ltima das coisas, representando o seu valor supremo, a vida, a fora vital. O princpio fundamental segundo o qual todo o ser fora a chave que d acesso representao do mundo dos Lubas. Todos os seres (espritos dos ancestrais, pessoas vivas, animais e plantas) so sempre entendidos como fora e no como entidades estticas. Esta concepo da existncia rege todo o domnio da ao humana. Em qualquer circunstncia devemos procurar acrescentar, evitando o nico mal que existe: diminuir. Assim as invocaes dos grandes ancestrais tm por objetivo aumentar a energia vital [...] Busca-se a interveno dos adivinhos e dos sacerdotes (que tm o poder de captar e dirigir as foras que escapam s pessoas comuns) porque eles conhecem as palavras que reforam a vida. Quando a pessoa est doente, ela espera dos remdios no um efeito teraputico localizado mas o reforo mesmo do ser1 [...]1 Grifo nosso.

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O texto extrado de Lopes (2006) colabora para a compreenso de que as definies de sade e doena podem variar entre indivduos, grupos e culturas. No caso dos quilombolas, devido ancestralidade africana, com certeza o significado de sade bem mais amplo do que o da Organizao Mundial de sade (OMS) - que espera dos remdios um reforo do ser- que a define como um estado completo de bem estar fsico, mental e social [...] (HELLMAM, 1994). Ainda nos referindo ao texto supracitado, h que se explicar o sentido do termo remdio. De acordo com Di Stasi (1996, p.24), argumentao com a qual concordamos:Popularmente, a palavra remdio tem sido utilizada como sinnimo de medicamento [...] O termo remdio expressa e se refere de modo amplo a qualquer processo ou meios usados com a finalidade de cura ou preveno de doenas, incluindo tanto o medicamento, ou uma espcie vegetal com efeito medicinal, como agentes fsicos ou psquicos utilizados em um procedimento teraputico. De natureza psquica, incluem-se os procedimentos bsicos teis na relao mdico-paciente at a utilizao de um benzimento, uma orao, ou qualquer procedimento voltado para obter cura ou tratamento [...].

Por isso, o uso de plantas como remdios em comunidades quilombolas, precisa ser compreendido a partir de um contexto social e ecolgico, levando-se em considerao os fatores culturais envolvidos nas etiologias das doenas para alm do ambiente fsico. Por exemplo, na formulao de Amorozo (1996, p.51), em diversas sociedades tradicionais, possvel reconhecer trs nveis etiolgicos a partir dos quais as doenas, so diagnosticadas: O nvel fsico, ou natural, no qual a origem da doena deve ser procurada entre causas fsicas ou fisiolgicas; o nvel sobrenatural; e finalmente, o nvel social, quando a causa decorrente de relaes sociais conflituosas, culminam com a interveno acidental ou deliberada, de uma pessoa ou grupo, que vai provocar uma doena em outra pessoa ou em um grupo rival.50Glauco Souza Lobo.indd novo.indd 50 03-12-2010 6:48:27

Dessa forma, para o tratamento h que se considerar o nvel em que a doena se enquadra. Assim, dependendo da etiologia, o doente receber uma forma ou outra de tratamento. Alm disso, comum que o tipo de etiologia s fique evidente aps o tratamento. O exemplo dado por Amorozo (1996, p.51) ajuda a elucidar essa questo:[...] uma senhora residente em uma vila do municpio de [...], relata que foi se banhar na beira do rio no fim da tarde. Seu corpo estava quente e a gua, fria, por isso adoeceu, contraindo uma febre que no cessava. Procurou um mdico, mas os sintomas so regrediram com os remdios prescritos por ele. Aps certo tempo, sugeriramlhe que procurasse um benzedor2, pois a doena podia ter sido causada por algum tipo de feitio, j que no recomendvel tomar banho no rio quela hora da tarde, porque Uiara pode nos olhar no olho. [...] a benzedeira [...] defumou-a e lhe receitou um banho para a cabea com vrias plantas; com isso, segundo ela, a febre acabou desaparecendo [...]

No exemplo supracitado fica evidente as trs provveis etiologias da doena da citada senhora: poderia de causa natural, se tivesse sido causada pelo choque trmico, de causa espiritual ou relacionada por um terceiro agente que teria lhe desejado mal (AMOROZO, 1996). Com relao ao binmio quente/frio durante a coleta de dados, observouse que os quilombolas tambm costumam separar os remdios em quentes e frios, inclusive guardando resguardo para os quentes. Como exemplo de remdios quente, de acordo com Lopes (2010, p.) pode-se citar:[...] o de rubim (Leonurus sibiricus L.) que usam para abaixar febres (antitrmico) que deve ser tomado frio e noite, o ch de pariparoba que usam na forma de banho (uso externo) para tratar sarna e o ch de calo-de-velho (Buddleja brasiliensis Jacq. ex Spreng.) que indicam para banhar os ps e tratar de friagens nos membros inferiores (usar preferencialmente noite).

Embora muitos autores e dentre eles, Di Stasi (1996), atribuam o2 Grifo nosso.

51Glauco Souza Lobo.indd novo.indd 51 03-12-2010 6:48:27

uso dos termos quente e frio Teoria dos Opostos de Hipcrates e Galeno, a qual associa a cura pelos opostos, base da medicina aloptica, que se ope cura pelos semelhantes, defendida pela homeopatia, h quem atribua esse fato tradio africana. Por exemplo, Barros e Napoleo (2007), ao estudarem os vegetais usados em terreiros de candombl, argumentam que na classificao feita dos vegetais pelos adeptos do Candombl de origem Jje-Nag, eles tambm trabalham com os opostos, assim muito importante o que eles chamam de condies gn (de excitao) e r (de calma), pois esses aspectos das folhas que do equilbrio s misturas vegetais, quando bem dosadas de acordo com a situao de cada indivduo. Assim, por exemplo, nas misturas vegetais para os banhos purificatrios, observa-se as condies do usurio, pois se o banho para uma pessoa que anda muito parada, usa-se maior nmero de folhas quentes, mas se for para algum que anda muito agitado, usada maior quantidade de folhas frias (BARROS; NAPOLEO, 2007, p.26).

2.2 AS PLANTAS USADAS COMO REMDIOS PELOS QUILOMBOLAS E A FLORESTA ATLNTICA

O Bioma da Mata Atlntica, apesar de ter sido fragmentado e reduzido, ainda apresenta a maior diversidade biolgica brasileira. No obstante, esse bioma apresentar as formaes florestais mais ameaadas do Brasil, sendo que dentre as florestas tropicais do mundo, representa a que mais corre risco de extino, abriga mais de 20 mil espcies de plantas vasculares, das quais calcula-se que 40% sejam endmicas (MITTERMEIER et al., 2004). As comunidades quilombolas do Vale do Ribeira, esto situadas nesse importantssimo bioma, em locais onde predominam as formaes de Floresta Ombrfila Densa e Floresta Ombrfila Mista. Ocorre que grande parte dessas formaes apresenta relevo predominantemente declivoso, restando apenas 7,3% da cobertura florestal desse ecossistema e prevalecendo os fragmentos com formaes florestais secundrias (FUNDAO SOS MATA ATLNTICA INPE, 1998).52Glauco Souza Lobo.indd novo.indd 52 03-12-2010 6:48:27

Concorda-se com Nodari e Guerra (2007) que a maior parte das reas de cobertura original da Floresta Atlntica, pelo fato de possuir relevo ondulado e forte ondulado, solos rasos e cidos, apresenta uma vocao tipicamente florestal. Nesse sentido, a sua utilizao fica limitada a usos que possibilitem a manuteno permanente da cobertura florestal, caso contrrio, os solos correm o risco de eroso e total empobrecimento. Assim, a alternativa do manejo sustentvel desses locais por populaes tradicionais, como as comunidades quilombolas, parece ser a opo mais aceitvel.

Figura 1 Quilombola de Porto Velho preparando remdio base de plantas medicinais

fato que as comunidades quilombolas esto h mais de duzentos anos nessas reas (caso de Joo Sura), retirando da floresta o necessrio para sua suprir suas necessidades, sem no entanto causar o impacto negativo atribudo por exemplo, s plantaes de pnus e s reas que foram transformadas em pastagens por empresrios do ramo florestal e por fazendeiros criadores de gado. Os quilombolas conhecem diferentes usos para os vegetais encontrados na floresta. Aqui destacaremos apenas o uso que fazem dos vegetais com finalidades teraputicas, conforme quadro que segue:53Glauco Souza Lobo.indd novo.indd 53 03-12-2010 6:48:27

Quadro - 1 Quadro com algumas das plantas usadas em todas as comunidades quilombolas do Vale do Ribeira

Nome Popular Aoita-cavalo Alecrim

Nome Cientfico Rosmarinus officinalis L.

Indicao e Forma de Uso Usar junto com erva-de-santa maria: macerar e colocar no lcool. Serve para colocar em cima da machucadura;

Solanum hasslerianum Chodat Rins. Fazer o ch por decoco.

Alho Aroeira

Allium sativum L. Schinus terebinthifolius Raddi

Indicam para gripe e dor no corpo. Ferver para fazer o ch. Aroeira+suinam+salsa parrilha+ taiui+mercrio. Ferver todas as plantas (folhas), acrescentar mercrio banhar o corpo inteiro. Problemas na pele (infeces, bolhas). Colocar a arruda na gua e lavar os olhos. bom para ardncia nos olhos.

Arruda

Ruta graveolens L.

Assa-peixe

Vernonanthura tweedieana H. Para o intestino fazer um ch com as Robinson folhas e tomar frio: macetar as folhas, colocar uma pitada de sal e fazer gargarejo. Serve para infeco na garganta e intestino. Stryphnodendron adstringens Ferver a casca do caule (decoco) e (Mart.) Coville passar na machucadura. Buddleja brasiliensis Jacq. ex Reumatismo; friagens e dores nas Spreng. pernas. O ch pode ser feito tanto por infuso como por decoco. Cymbopogon citratus (DC.) Calmante. Fazer infuso das folhas Stapf para fazer o ch. Baccharis trimera (Less.) DC. O ch bom para inflamao na garganta. Ferver as folhas (decoco) ou infuso. Reumatismo. Usado na alimentao.

Barbatimo Caf-de-gozo Calo-de- velha

Capim-cidr Carqueja

Caruru Cip-mil- homens

Amaranthus spp.

Aristolochia triangularis Cham. Raspar o caule e ferver para fazer o ch; usado como lombrigueiro.

54Glauco Souza Lobo.indd novo.indd 54 03-12-2010 6:48:28

Embaba

Cecropia glaziovi Snethl.

Infuso das folhas para fazer o ch. Serve para eliminar pedra no rim e bronquite.

Erva-cidreira

Lippia alba var. globiflora Infuso das folhas e flores. Usam (LHr.) Moldenke como calmante.

Erva-de-lagarto Erva-de-Santa-maria Fel-da-terra Folha-de-laranja Gabiroba

Casearia sylvestris Sw. Chenopodium ambosioides L.

Macetar com barro e colocar em cima da picada. O ch das folhas (macerar em gua fria) um excelente lombrigueiro.

Verbena minutiflora Briquet ex Infuso da planta inteira para fazer o Moldenke ch. Problemas no fgado Citrus sinensis (L.) Osbeck Fazer ch com as folhas (infuso); corta gripe.

Campomanesia xanthocarpa Fazer ch com as folhas e banhar as O. Berg pernas da grvida. Elimina o inchao. Ferver as folhas e fazer o ch. Serve para estufamento com gases ftidos pela boca. Stachytarpheta (Rich.) Vahl cayennensis Moer as folhas e colocar sal, serve para curar machucadura (macerao). Uso tpico. O ch das folhas (infuso) calmante e serve como lombrigueiro. A fruta alimento. A folha cura dor de estmago. Fazer o ch com as folhas (Infuso) e tomar frio. O ch (ferver a planta inteira) usado no ps-parto, para fazer lavagem dos rgos genitais. Pode tambm tomar o ch. Ferver o mentrasto, colocar o sal torrado, fazer a gestante beber um clice e colocar o restante em cima da barriga. Para descer a placenta em mulheres ou vacas. Moer os frutos e ferver para fazer o ch, serve para curar dores no estmago. Sarna (banho); rins (beber o ch). O ch feito por meio de decoco das folhas.

Gervo

Hortel Jurubeba

Mentha X piperita L. Solanum paniculatum L.

Mentrasto

Ageratum conyzoides L.

Pacov

Renealmia petasites Gagnep.

Pariparoba

Piper gaudichaudianum Kunth

55Glauco Souza Lobo.indd novo.indd 55 03-12-2010 6:48:28

Pata-de- vaca

Bauhinia fortificata Link

Ferver as folhas junto com o cabelo de milho e fazer o ch. Pode tomar at trs vezes ao dia. Para o rim. Indicam o ch para curar anemia e ictercia em bebs. Ferver a planta inteira. Dar banho no beb. Diarria;bexiga; rins;diarria na criao; Alimentao. Usam ferver as cascas e infuso das folhas. Ferver as folhas e fazer o banho para o nen. Proteo espiritual. Para dores nos rins. Infuso da planta inteira.

Pico

Bidens pilosa L.

Pitanga

Eugenia uniflora L.

Quebranteiro Quebra-pedra Quina-branca

Lantana camara L. Phyllanthus niruri L.

Solanum pseudoquina A. St.- Dor de cabea, para cortar febre e Hil. desinteria. Usar a raiz da quina com folhas de caf de gozo para ferver e fazer o ch (decoco). Leonurus sibiricus L. Smilax cognata Kunth Socar com sal e gua. Passar o sumo na machucadura. Depurativo do sangue. Fervem (decoco) a raiz para fazer o ch.

Rubim Salsa- parrilha Sabugueiro

Sambucus australis Cham. & Sarampo. Infuso das folhas para Schltdl. fazer o ch. Ch quente, necessita resguardo. Imperata brasilensis Trin. Artrite, calmante, coqueluche; cobertura de casas. Fervem a raiz ou qualquer parte da planta para fazer o ch.

Sap

Taiui

Cayaponia espelina Manso) Cogn. Plantago major L.

(Silva Verminoses; clica intestino; Rins; Priso de ventre; depurativo; mastite em vacas. Ferver a raiz (decoco). O ch da planta inteira (infuso) cura infeco no corpo; Cncer e outros problemas de estmago. Tomar frio.

Tanchagem

56Glauco Souza Lobo.indd novo.indd 56 03-12-2010 6:48:28

Figura 2 - Senhora quilombola em sua cozinha aps coleta de plantas medicinais

Das espcies citadas pelos quilombolas como de uso medicinal, uma minoria so exticas, domesticadas em seus ecossistemas naturais, sendo a maioria de origem mediterrnea. Provavelmente chegaram ao Brasil no perodo colonial. Exemplos: o alecrim (Rosmarinus officinallis L.), a arruda (Ruta graveolens L.) e a tanchagem (Plantago major L.), dentre outras (NODARI; GUERRA, 2007). Entretanto, a maioria das espcies citadas pelos quilombolas nativa e nascem espontaneamente no local, como as Baccharis (carqueja), Bauhinia (pata-de-vaca), Cecropia (embaba), Renealmia (pacov), Schinus (aroeira), Vernonia (assa-peixe) e Piper (pariparoba) (NODARI; GUERRA, 2007), apontando para o fato da necessidade de uma diversidade de espcies para a perpetuao desse conhecimento. O conhecimento dos quilombolas sobre o uso teraputico das espcies, para sanar seus problemas de sade corrobora com dados recentes que afirmam que no Brasil, apenas