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AHE Belo Monte Estudos de Impacto Ambiental (EIA) e Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) Componente Indígena PROCESSO IBAMA n° 02001.001848/2006-75
Estudos Sociombientais nas TIs Koatinemo, Arara,
Kararaô, Cachoeira Seca, Apyterewa e Araweté/ Igarapé Ipixuna
Termo de Referência (TR)- FUNAI
Processo n° 08620.2339/2000-DV
SUMÁRIO
7.1 INTRODUÇÃO.......................................................................................................10
7.2 REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO.....................................................12
7.3 Caracterização sócio-geográfica regional..............................................................14
7.3.1 Economia regional e as 6 TIs estudadas..............................................................15
7.3.2 Vulnerabilidade territorial e a situação fundiária das Terras
Indígenas........................................................................................................................34
7.3.3 Os povos Indígenas e os projetos oficiais de desenvolvimento econômico
previsto para região........................................................................................................43
7.3.4 Os povos Indígenas e as políticas ambientais do Médio Xingu...........................52
7.4. Caracterização sócio-econômica e cultural dos povos indígenas Arara,
Kararaô, Asuriní, Araweté e Parakanã...........................................................................56
7.4.1 Arara- TI Arara e TI Cacheira Seca.......................................................................56
7.4.2 Kararaô – TI Kararaô.............................................................................................79
7.4.3 Asuriní do Xingu – TI Koatinemo...........................................................................87
7.4.4 Araweté – TI Araweté Igarapé Ipyxuna...............................................................110
7.4.5 Parakanã – TI Apyterewa....................................................................................129
7.4.6 Atenção à saúde nas TIs estudadas...................................................................152
7.4.7 Atenção à educação nas TIs estudadas.............................................................177
7.5 Caracterização ambiental das TIs a montante do AHE Belo Monte.
7.5.1 Introdução...........................................................................................................184
7.5.2 Metodologia.........................................................................................................185
7.5.3 Caracterização da Bacia Hidrográfica do Xingu..................................................187
7.5.4 Caracterização das áreas de estudo...................................................................190
7.5.4.1 Áreas prioritárias para conservação e Unidades de Conservação(UCs).........190
7.5.4.2 Unidades de Conservação de Uso Sustentável: tipologia................................195
7.5.4.3 Unidades de Conservação de Proteção Integral:tipologia................................195
7.5.5 Rede Hídrica........................................................................................................198
7.5.6 Caracterização física e dinâmica superficial........................................................200
7.5.7 Caracterização da vegetação nas Terras Indígenas e
indução ao desmatamento...........................................................................................202
7.5.8 Caracterização da fauna.....................................................................................207
7.5.9 Caracterização e distribuição da fauna aquática.................................................209
7.5.10 Interferências na qualidade da água na área de abrangência regional............211
7.5.11 Resultados quanto ao grau de eutrofização......................................................216
7.6 Impactos ambientais nas 6 TIs e proposição de medidas mitigadoras..................218
7.6.1 Impactos para o transporte e acessibilidade às Terras Indígenas.....................218
7.6.2 Impactos sobre a Ictiofauna e Atividades de Subsistência.................................222
7.6.3 Possíveis interferências na mata ciliar e dinâmica dos mananciais....................225
7.6.4 Impactos sobre a qualidade das águas e saúde.................................................227
7.6.4.1 Na Área de Estudo – Área de Abrangência Regional – AAR...........................227
7.6.4.2 Na Área de Influencia Direta – Região do Reservatório – AID.........................227
7.6.5 Matrizes de Impacto Ambiental...........................................................................230
7.7 Impactos sobre o meio antrópico e indicação de programas para o meio
sócio-econômico e cultural dos povos indígenas.........................................................233
7.7.1 Metodologia utilizada para a avaliação dos impactos.........................................233
7.7.2 Matrizes dos impactos no meio antrópico...........................................................236
7.7.3 Impactos relacionados com a fase da obra processo de divulgação
do empreendimento e realização de serviços de campo............................................241
7.7.4 Impactos relacionados com a fase da obra de instalação da infra-estrutura
de apoio à construção..................................................................................................245
7.7.4.1 Impactos associados ao processo de mobilização e contratação de
mão-de-obra.................................................................................................................247
7.7.4.2 Impactos associados ao processo de aquisição de imóveis para as
obras de infra-estrutura................................................................................................252
7.7.4.3 Impactos associados ao processo de construção de estradas, vilas
residenciais, pátios, canteiros, alojamentos, postos de combustíveis,
linhas de transmissão para as obras e outras instalações...........................................254
7.7.4.4 Impactos associados ao processo de operação de canteiros
de obra, alojamentos e vilas residenciais.....................................................................256
7.7.5 Impactos associados à fase de Construção das obras principais......................257
7.7.5.1 Impactos associados ao processo de desmobilização da infra-estrutura de apoio às obras e de mão-de-obra..........................................................................................260
7.7.6 Impactos associados à fase de Liberação das áreas para os
Reservatórios................................................................................................................264
7.7.6.1 Impactos associados ao processo de Aquisição de imóveis rurais e urbanos
para formação dos reservatórios..................................................................................266
7.7.6.2 Impactos associados ao processo de desmatamento e limpeza das áreas dos
reservatórios do Xingu e dos canais.............................................................................268
7.7.7 Impactos associados à fase de Enchimento dos reservatórios..........................269
7.7.8 Impactos associados à fase de Operação comercial da unidade geradora de
energia e ao processo de Liberação do trecho de Vazão Reduzida
(LVR)............................................................................................................................271
7.8 Conclusão ..............................................................................................................272
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.............................................................................276
Lista de Tabelas
TABELA 1 – População da região de Altamira e São Félix do Xingu / 1980 – 2007
TABELA 2. Informações econômicas e geográficas – Municípios do entorno do bloco de Terras
Indígenas do Médio Xingu
TABELA 3 – Assentamentos do INCRA na face norte do bloco de TIs
TABELA 4. Mineração no bloco de TIs do Médio Xingu
TABELA 5. Desmatamento e estradas endógenas nas TIs em 2005
TABELA 6. Síntese da situação fundiária das Terras Indígenas do bloco do Médio Xingu
TABELA 7. Obras de infra-estrutura do PAC previstas para a região de Altamira
Tabela 8. Situação fundiária da TI Arara
Tabela 9. Situação fundiária da TI Cachoeira Seca
Tabela 10. Tempo de viagem Altamira - aldeias Laranjal e Iriri
Tabela 11. Situação fundiária da TI Kararaô
TABELA 12. Situação fundiária da TI Koatinemo
TABELA 13. Tempo de viagem Altamira - Aldeia Koatinemo
Tabela 14. Situação fundiária da TI Araweté / Igarapé Ipixuna
TABELA 15. Tempo de viagem Altamira - aldeias da TI Apyterewa
Tabela 16. Percentual e n0 Óbitos Indígenas por causas Agrupadas, 2003 a 2006
Tabela 17 . Incidência de Malária em 2005 nas TIs Estudadas
Tabela 18. Malária – Transmissão na Região Amazônica
Tabela 19. Número de casos de Hepatites Virais nos Municípios da AII de 2001 a 2007
Tabela 20. Número de casos de Hepatites Virais nos Municípios da AII, Estado do Pará,
Região Norte e Brasil
Tabela 21. Número de casos de Leishmaniose Visceral de 2003 a 2006 por Município
Tabela 22. Coeficiente de Incidência de Leishmaniose Tegumentar nos Municípios da AII-2001
a 2007
Tabela 23. Escolas indígenas e número de alunos em 2006 e 2009
Tabela 24. Número de alunos por série das EMEFs em 2009
Tabela 25. - Concentrações Médias de Sedimentos em rios da Amazônia
Tabela 26. Unidades de Conservação da Terra do Meio inseridas na Bacia do Xingu
Tabela 27. – Dados das Estações Fluviométricas levantadas.
Tabela 28. - Etapas e Processos Considerados para Avaliação de Impactos Ambientais do
AHE Belo Monte sobre as Populações Indígenas
Tabela 29. Referência para classificação dos impactos
Lista de Gráficos
Gráfico 1 - Pirâmide demográfica Asuriní – 1976
Gráfico 2 - Pirâmide demográfica Asuriní – 1993
Gráfico 3 - Pirâmide demográfica Asuriní – 2005
Gráfico 4. Número de caos de Hepatites Virais nos Municípios da AII de 2001 a 2007
Gráfico 5- Casos de Leishmaniose Tegumentar na AII
Gráfico 6. Letalidade da Leishmaniose Visceral no Brasil, 1994 a 2004
Lista de Figuras
Figura 1 - Terras Indígenas e sua inserção nas Áreas Prioritárias para Conservação da
Biodiversidade. Extraído de http://mapas.mma.gov.br/i3geo.
Figura 2- Gráfico demonstrando as vazões médias nas estações fluviométricas
analisadas. Fonte: ANA – Hidroweb
Figura 3 - Focos de desmatamento no período de 2004 a 2007. Fonte:
Imazongeo.org.br. Dados do desmatamento obtidos do PRODE – INPE
Figura 4- Variação das cotas para uma vazão de 1017 m3/s.
Figura 5 - Variação das cotas para uma vazão de 7745 m3/s.
Figura 6 - Variação das cotas para uma vazão de 23.414 m3/s.
Lista de Anexos
Anexo 1 – Mapa de Localização das Terras Indígenas estudadas
Anexo 2 – Imagem de satélite das Terras Indígenas estudadas
Anexo 3 – Mapa do Mosaico das áreas protegidas da Bacia do Rio Xingu
Anexo 4 – Mapa da Rede hidrográfica associada às Terras Indígenas
Anexo 5 – Mapa de Direitos Minerários incidentes na área de estudo
Anexo 6 – Mapa de Vulnerabilidade territorial das Terras Indígenas
Anexo 7 – Carta – Imagem uso do solo
Anexo 8 – Ofício FUNAI / CGPIMA
Anexo 9 – Morbidade por Aldeias – FUNASA/DSEI
Anexo 10 – Remanso no Reservatório
Anexo 11 – Equipe Técnica
7.1 INTRODUÇÃO
O presente Relatório do Componente Indígena, referente aos povos indígenas Arara/TI
Arara e TI Cachoeira Seca, Kararaô/TI Kararaô, Asuriní do Xingu/TI Koatinemo,
Araweté/TI Araweté/Igarapé Ipixuna e Parakanã/TI Apyterewa, parte integrante da Peça
Antropológica do EIA/RIMA do AHE Belo Monte, foi realizado no âmbito do processo de
licenciamento ambiental conduzido pelo IBAMA n° 02001.001848/2006-75, e orientado
pelo Termo de Referência (TR) encaminhado pela FUNAI, referente ao processo n°
08620.2339/2000-DV.
Conforme o Ofício n° 815/CGPIMA/DAS/08 (vide Anexo 8), de 22 de dezembro de 2008,
item 4, solicitado pela ELETROBRÁS à FUNAI, o Relatório foi elaborado com base em
fontes secundárias, sendo facultativos o trabalho de campo e o levantamento de dados
primários para a resposta integral ao TR. Isso significa que alguns pontos foram
respondidos através de dados secundários, com a ressalva, como consta no item 5 deste
Ofício, “de que identificados impactos que necessitem maiores esclarecimentos, os
estudos de campo e levantamento de dados primários serão necessários” (Ofício em
Anexo). Estas diretrizes foram reiteradas na reunião de 04/02/09, realizada na FUNAI,
com a presença de técnicos da CGPIMA e representantes da ELETROBRAS,
ELETRONORTE, CNEC e THEMAG.
Além disso, foi realizada, no período de 15 a 26/03/2009, visita às seis TIs pela
coordenação dos Estudos do Componente Indígena, em companhia de representantes da
FUNAI e da ELETRONORTE, para apresentar aos povos indígenas o projeto do AHE
Belo Monte.
O Relatório é composto por um diagnóstico do meio sócio-econômico e geográfico do
entorno do bloco das seis Terras Indígenas, feito por um economista e por uma geógrafa;
por um diagnóstico sócio-econômico e cultural dos cinco povos indígenas estudados,
elaborado por quatro antropólogas; e por um diagnóstico ambiental regional, elaborado
por dois biólogos. A conclusão dos estudos do Componente Indígena aponta, classifica e
descreve os impactos sobre o meio antrópico e sobre o meio físico-biótico, através de
uma metodologia que se utiliza tanto das técnicas de avaliação de impactos utilizadas
10
pelos Estudos de Impacto Ambiental de projetos hidrelétricos como do conhecimento
antropológico da equipe sobre os povos aqui estudados.
11
7.2 REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO
A realização dos estudos sobre o Componente Indígena referente aos povos Arara/TI
Arara e TI Cachoeira Seca, Kararaô/TI Kararaô, Asuriní do Xingu/TI Koatinemo,
Araweté/TI Araweté/Igarapé Ipixuna e Parakanã/TI Apyterewa, baseou-se na seguinte
metodologia:
- Pesquisa das fontes secundárias sobre as referidas etnias de forma abrangente, sendo
considerados os seguintes aspectos: histórico territorial, organização social, economia,
aspectos socioambientais, cultura material e imaterial e relações com a sociedade
nacional.
- Análise das informações contidas no trabalho intitulado “Aproveitamento Hidrelétrico
(AHE) Belo Monte – Estudo de Impacto Ambiental (EIA)” - 2008, elaborado pela LEME
Engenharia Ltda. em atendimento ao Acordo de Cooperação Técnica ECE-120/2005
firmado em agosto de 2005 entre a ELETROBRÁS – Centrais Elétricas Brasileiras S.A. e
as construtoras Andrade Gutierrez, Camargo Correa e Norberto Odebrecht, visando
conclusão dos Estudos de Viabilidade Técnica, Econômica e Socioambiental do AHE Belo
Monte, incluindo a revisão do inventário do trecho principal do rio Xingu.
- Pesquisa de informações nos órgãos oficiais, fundações e entidades, complementares à
pesquisa das fontes secundárias.
- Consultas e contatos diretos com o empreendedor necessários aos esclarecimentos
sobre as especificidades das obras do empreendimento.
- Verificação de outros empreendimentos na região e análise das possíveis sinergias dos
mesmos com os impactos causados pelo AHE Belo Monte.
- Seminários internos da equipe técnica para proceder ao cruzamento dos relatórios da
pesquisa bibliográfica, documental e cartográfica, com o intuito de realizar uma matriz de
interação dos possíveis impactos do AHE projetado na região e consolidar o relatório final
dos estudos. Esta reflexão é necessária para delinear os programas e medidas de
12
compensação que serão apresentados e discutidos com os povos indígenas na fase
posterior deste trabalho.
- Visita às Terras Indígenas visando a participação dos povos indígenas através de suas
manifestações a respeito do projeto de engenharia do AHE Belo Monte e atualização de
dados secundários.
13
7.3 Caracterização sócio-geográfica regional
Este capítulo tem por objetivo caracterizar o contexto regional onde está inserido o bloco
composto pelas Terras Indígenas (TIs) Koatinemo, Araweté/Igarapé Ipixuna, Apyterewa,
Kararaô, Arara e Cachoeira Seca, no Médio Xingu, Estado do Pará, por meio da consulta
ao Estudo de Impacto Ambiental (EIA) do Aproveitamento Hidrelétrico (AHE) Belo Monte 1
e do levantamento de dados secundários.
Na primeira seção, após uma breve contextualização geográfica, histórica e demográfica
da área, é feita uma caracterização da economia regional e de sua incidência sobre o
bloco de TIs. Nesse caso, a área considerada abrange a porção da rodovia
Transamazônica (BR-230) polarizada pelo município de Altamira (situada ao norte do
bloco de TIs) e a porção polarizada pelo município de São Félix do Xingu (situada ao sul
do bloco). Na segunda seção, com o auxílio da análise cartográfica, são identificados os
pontos de maior vulnerabilidade e as áreas degradadas nas Terras Indígenas. Além disso,
é feita uma síntese da situação jurídico-fundiária do bloco abordado no estudo. Na
terceira seção são identificados os principais projetos oficiais de desenvolvimento
econômico implantados ou previstos para a região. Finalmente, na quarta seção é
caracterizado o modo como as TIs estão inseridas nas principais políticas ambientais para
a Amazônia.
1 Aproveitamento Hidrelétrico (AHE) Belo Monte – Estudo de Impacto Ambiental (EIA) - 2008, elaborado
pela LEME Engenharia Ltda. em atendimento ao Acordo de Cooperação Técnica ECE-120/2005 firmado em agosto de 2005 entre a ELETROBRÁS – Centrais Elétricas Brasileiras S.A. e as construtoras Andrade Gutierrez, Camargo Correa e Norberto Odebrecht, visando conclusão dos Estudos de Viabilidade Técnica, Econômica e Socioambiental do AHE Belo Monte.
14
7.3.1 Economia regional e as 6 TIs estudadas
Localização
O bloco composto pelas Terras Indígenas Koatinemo (387.834 ha), Araweté/Igarapé
Ipixuna (940.900 ha), Apyterewa (773.000 ha), Kararaô (330.837 ha), Arara (274.010
ha) e Cachoeira Seca (760.000 ha), situado no Médio Xingu e no Baixo Iriri (principal
afluente da margem esquerda do Xingu), no Estado do Pará, configura uma área contínua
de 3.466.581 hectares.
Esta área caracteriza-se pela presença de sociedades indígenas pertencentes a três
troncos lingüísticos distintos: Tupi (povo Asuriní do Xingu, povo Araweté e povo
Parakanã), Macro-Gê (povo Kararaô) e Karib (povo Arara das TIs Arara e Cachoeira
Seca). Contatados nas décadas de 1970 e 80 (ver FAUSTO, 2001; MÜLLER, 1993;
TEIXEIRA PINTO, 1988; VIDAL, 1988 ; VIVEIROS DE CASTRO, 1986), em decorrência
da abertura da rodovia Transamazônica (BR-230), estes povos indígenas continuam em
situação de grande vulnerabilidade sociocultural e territorial, resultante do conturbado
processo econômico vigente na região.
Cercado ao norte pela rodovia Transamazônica (BR-230), a oeste pela área de influência
da rodovia Cuiabá – Santarém (BR-163), a leste pelas áreas de influência das rodovias
Belém – Brasília (BR-010) e PA-150 (que liga Marabá a Redenção) e ao sul pelos
municípios de São Félix do Xingu, Tucumã e Ourilândia do Norte, o bloco de TIs está
inserido em uma área de fronteira econômica e interétnica, polarizada pelo núcleo urbano
de Altamira, como mostra o Mapa de Localização das Terras Indígenas estudadas (vide
Anexo 1).
15
A ocupação não indígena e o fluxo migratório na região
A fundação da aldeia-missão Tavaquara (ou Tauaquara) pela Companhia de Jesus, no
século XVIII, está na origem da vila de Altamira. Tendo concentrado índios Xipayas,
Kuruayas, Jurunas, Araras, Takunyapes e provavelmente outros não registrados pela
historiografia, a missão Tavaquara foi expulsa do Médio Xingu por ordem do Marquês de
Pombal, por meio da Lei Régia, em 1755.
A área ocupada pela missão (atual bairro São Sebastião, em Altamira) não deixou de
constituir, no entanto, uma referência para os povos indígenas.
A intensificação da colonização e dos registros de contatos entre indígenas e não
indígenas no Médio Xingu datam do período da borracha, no final do século XIX e início
do século XX (ver COUDREAU, 1977; NIMUENDAJÚ, 1948; VIVEIROS DE CASTRO e
ANDRADE, 1988). Com a decadência deste produto no mercado internacional, no
entanto, a economia agroextrativista local ficou em estado de prostração. No período da
Segunda Guerra Mundial, a revalorização da borracha provocou uma retomada do
crescimento econômico, incapaz, no entanto, de fomentar a colonização da região2. É
apenas na segunda metade do século XX que se intensificam a ocupação não indígena e
os contatos interétnicos na Volta Grande.
Tendo sido concebida e inicialmente posta em prática pelo Governo Juscelino Kubitschek
(JK) na década de 1950, a idéia da integração nacional se consolida no final da década
seguinte. Com a criação da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia
(SUDAM) e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), o Governo
Militar, por meio da chamada “Operação Amazônia”, alavancou a ocupação da região,
tendo sido a rodovia Transamazônica, inaugurada em 1971, o principal vetor de
penetração na floresta e nos territórios indígenas no Médio Xingu.
2 Ver Diagnóstico da Área de Abrangência Regional (AAR – Meio Socioeconômico e Cultural) do EIA do
AHE Belo Monte – volume 06 - seção 7.3.2.2.3 – “A ocupação do rio Xingu no território paraense”, pág. 55.
16
Na fronteira sul do bloco de TIs, polarizada pelo município de São Félix do Xingu, o
processo de ocupação e colonização foi um pouco mais recente. Em 1977, o governo
brasileiro anunciou a licitação para a implantação nessa região de um Projeto de
Colonização, vencido e levado a cabo pela construtora Andrade-Gutierrez em 1982-85
(FAUSTO, 1996). Esse projeto, fundamentado na associação entre agropecuária e
extração madeireira, resultou na criação dos municípios de Tucumã e Ourilândia do Norte
(desmembrados de São Félix do Xingu), dando origem a um intenso processo migratório
e a uma nova dinâmica econômica e espacial na região. Tal processo tomou maiores
dimensões na segunda metade da década de 1980, com a abertura da rodovia PA-279
(que liga Xinguara a São Félix do Xingu) e do garimpo de Serra Pelada.
Conseqüentemente, estas áreas situadas ao norte e ao sul do bloco de TIs
experimentaram um boom populacional e econômico característico das frentes de
colonização. No período 1980-1991, por exemplo, de acordo com os dados do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)3, a população regional pulou de 57.000 para
301.000 pessoas (ver Tabela 1 abaixo). Viabilizado pela abertura de estradas e pelos
Projetos de Colonização, esse rápido crescimento demográfico estava associado às
frentes agropecuárias, à extração ilegal de madeira e à atividade garimpeira. Esses vinte
anos de crescimento econômico sob um modelo de ocupação não planejada estão na
base do processo de invasão dos TIs Apyterewa, Araweté/Igarapé Ipixuna, Arara e
Cachoeira Seca a partir dos anos 1980 (Mapa de Vulnerabilidade Territorial das Terras
Indígenas –Anexo 6).
Ao longo dos anos 1990, em função da estagnação econômica, houve certa estabilização
demográfica da região. Como resultado da ineficácia da política de colonização da
Transamazônica e da situação precária da infra-estrutura das áreas colonizadas, foi
observado nessa década tanto uma desaceleração do crescimento demográfico regional
(no período 1991-2000, a população da área considerada pulou de 301.000 para 343.000)
como o crescimento desordenado dos núcleos urbanos dos municípios criados nessa
década, na esteira do processo de municipalização, como Brasil Novo (1993), Anapu
(1997), Placas (1997) e Vitória do Xingu (1993). Nesse contexto, municípios como
3 Dados censitários disponíveis na seção “O Brasil município por município”, no sítio do IBGE na internet
(www.ibge.gov.br).
17
Senador José Porfírio, Pacajá e Medicilândia perderam população para os municípios
recém-criados4.
Em 2007, a população regional chegou a 405.000 pessoas. Caso o fluxo migratório de
aproximadamente 100 mil pessoas previsto com a implantação do AHE Belo Monte seja
concretizado, pode ser que na próxima década este montante ultrapasse os 500 mil.
Nesse caso, em menos de quarenta anos a população regional terá sido multiplicada por
aproximadamente dez, o que, por sua vez, dá uma idéia da magnitude da pressão sobre
os territórios indígenas.
A tabela a seguir (Tabela 1) apresenta a evolução demográfica das áreas polarizadas por
Altamira e São Félix do Xingu, as quais também envolvem os municípios de Uruará,
Placas, Rurópolis, Medicilândia, Brasil Novo, Vitória do Xingu, Senador José Porfírio,
Anapu, Pacajá, Tucumã e Ourilândia do Norte.
4 Ver Diagnóstico da Área de Influência Indireta (AII – Meio Socioeconômico e Cultural) do EIA do AHE
Belo Monte – vol.09 - seção 7.6.4 - “Caracterização Demográfica”, pág. 105.
18
TABELA 1 – População da região de Altamira e São Félix do Xingu / 1980 – 2007
Municípios População
1980 1991 1996 2000 2007
Altamira 46.496 72.408 78.782 77.439 92.105
Anapu - - - 9.407 17.787
Brasil Novo - - 13.990 17.193 18.749
Medicilândia - 29.728 30.940 21.379 22.624
Ourilândia do Norte - 28.718 20.199 19.471 20.415
Pacajá - 30.777 26.123 28.888 38.365
Placas - - - 13.394 17.898
Rurópolis 19.468 23.589 24.660 32.950
São Félix do Xingu 4.954 24.891 40.983 34.621 59.238
Senador José Porfírio 6.391 39.010 22.884 15.721 14.302
Tucumã - 31.375 34.560 25.309 26.513
Uruará - 25.399 37.395 45.201 35.076
Vitória do Xingu - - 12.778 11.142 9.693
Total regional 57.841 301.774 342.223 343.825 405.715
Pará 3.507.312 4.950.060 5.510.849 6.192.307 7.065.573
FONTE: IBGE – Censos Demográficos de 1980, 1991 e 2000. Contagem Populacional de 1996 e 2007.
Disponível no sítio do IBGE na internet (www.ibge.gov.br).
19
As atividades econômicas com maior incidência nas Terras Indígenas
Com a reestruturação gerada pela abertura da Transamazônica e pelos Projetos de
Colonização, a partir da década de 1980 a economia desta área de fronteira passou a ser
caracterizada pela predominância das atividades agropecuária e de extração madeireira
sobre a atividade extrativista. No caso da atividade de mineração, diversos interesses
minerários incidem sobre as TIs desde a década de 1970 (vide mapa de Direitos
Minerários incidentes na área de estudo- Anexo 5). Na área a sudeste do bloco de TIs, no
município de Ourilândia do Norte, também está previsto um grande projeto de mineração
de Níquel, da empresa Onça Puma Ltda5.
Embora o setor terciário (prestação de serviços) represente atualmente a maior
porcentagem do Produto Interno Bruto (PIB) da maioria desses municípios6, as atividades
de extração madeireira e agropecuária (setor primário), pelo fato de muitas vezes serem
praticadas de modo ilegal (por exemplo, no interior de Terras Indígenas ou Unidades de
Conservação), provavelmente não são integralmente contabilizadas nos PIBs municipais,
os quais, por essa razão, não refletem bem a dinâmica econômica local.
De acordo com a classificação proposta no Diagnóstico da Área de Abrangência Regional
(AAR) do EIA do AHE Belo Monte7, os municípios do entorno do bloco de TIs podem ser
caracterizados a partir de atributos econômicos e geográficos. Assim, os municípios que
compõem as áreas polarizadas por Altamira e São Félix do Xingu foram enquadrados na
seguinte tipologia:
(i) Eixo Transamazônica – Municípios onde predomina a agropecuária: Altamira, Brasil
Novo, Medicilândia, Vitória do Xingu, Uruará, Placas, Rurópolis.
(ii) Baixo Xingu – Municípios predominantemente agroextrativistas: Pacajá, Anapu e
Senador José Porfírio. 5 Ver o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) do “Projeto Onça Puma – Lavra e processamento de minério
de Níquel”, elaborado pela empresa Brandt Meio Ambiente, Indústria, Comércio e Serviços Ltda., em março de 2004. 6 Ver diagnóstico da Área de Abrangência Regional (AAR – Meio Socioeconômico e cultural) do EIA – vol.
06 - Seção 7.3.5.1 – “Caracterização Geral da Base Econômica”, pág. 169. 7 Meio Socioeconômico e Cultural - volume 06 - seção 7.3.5.2. - “Tipologia Territorial”, pág. 181.
20
(iii) Médio Xingu – Municípios onde predomina a pecuária extensiva: São Félix do Xingu,
Tucumã e Ourilândia do Norte.
Tendo como base essa classificação, a tabela a seguir (Tabela 2) apresenta algumas
informações relativas à dinâmica econômica e espacial dos municípios.
21
TABELA 2. Informações econômicas e geográficas – Municípios do entorno do bloco de Terras Indígenas do Médio Xingu
Tipologia territorial
Município Área (Km2)
População 2007
PIB (R$) 2006
PIB per capita (R$)
2007
Incidência de pobreza (%)
2003
Rebanho bovino- 2006
(cabeças)
Área desflorestada
acumulada (Km2; %) 2007
Terras Indígenas
Altamira 159.696 92.105 404.049 4.718 40,6 402.340 5.835; 4% Koatinemo, Araweté/Igarapé Ipixuna, Apyterewa, Kararaô,
Arara e Cachoeira Seca
Brasil Novo 6.370 18.749 65.201 3.049 33,6 225.866 2.396; 38% -
Medicilândia 8.271 22.624 85.565 3.781 41,1 143.359 1.797; 22% Arara
Uruará 10.794 35.076 161.334 2.694 29,9 293.640 2.745; 25% Arara; Cachoeira Seca
Placas 7.174 17.898 37.944 2.430 49,5 59.450 1.545; 22% -
Rurópolis 7.025 32.950 69.464 2.438 43,4 117.821 1.643; 23% Cachoeira Seca
Eixo Transmazônica
Vitória do Xingu 2.969 9.693 63.105 6.183 26,6 195.201 1.719; 58% -
Pacajá 11.852 38.365 102.552 3.289 40,2 256.420 4.326; 37% -
Senador José Porfírio
14.388 14.302 37.471 3.643 57,3 60.899 628; 4% Koatinemo; Araweté/Igarapé Ipixuna
Baixo Xingu
Anapu 11.909 17.787 43.785 6.815 46,7 280.321 1.831; 15% -
São Félix do Xingu
84.249 59.238 284.248 6.798 36,4 1.653.231 15.375; 18% Araweté/Igarapé Ipixuna; Apyterewa
Tucumã 2.513 26.513 162.893 7.822 33,8 175.778 2.254; 90% -
Médio Xingu
Ourilândia do Norte
13.840 20.415 86.078 4.292 34,1 103.510 1.213; 9% -
Total Regional - 341.050 405.715 1.603.689 4.457 39,4 3.967.836 43.307; 12% -
FONTE: IBGE, 2003, 2006a, 2006b e 2007; INPE, 2007.
22
As informações demográficas, econômicas e ambientais apresentadas mostram que os
municípios de Altamira e Uruará, no 'Eixo Transamazônica', e os de São Félix do Xingu
e Tucumã, no 'Médio Xingu', são aqueles cujas atividades econômicas exercem maior
pressão sobre o bloco de TIs (ver a próxima sub-seção).
No caso dos municípios do 'Baixo Xingu', as informações sobre Pacajá e Anapu
mostram que a dinâmica econômica desses municípios é similar àquela dos municípios
situados no 'Eixo Transamazônica', principalmente no que se refere ao rebanho bovino
relativamente grande e à extensão da área desmatada. Tais municípios, no entanto,
não fazem limites com o bloco de TIs aqui considerado. Apenas o município de
Senador José Porfírio (que abrange parte das TIs Koatinemo e Araweté/Igarapé
Ipixuna), apresentou um perfil característico da atividade extrativista, com PIB baixo,
rebanho bovino pequeno e pouca área desmatada (4% do município). De fato, a
atividade agroextrativista, embora ainda muito praticada na região (principalmente a
coleta da castanha-do-pará), quando comparada às atividades de extração madeireira,
agropecuária e mineração, não é a que gera maiores problemas em relação à situação
territorial e à conservação ambiental das TIs.
No 'Eixo Transamazônica', a atividade agropecuária foi consolidada com as frentes de
colonização. Em linhas gerais, a construção da rodovia Transamazônica (BR-230) tinha
o triplo objetivo de (i) aliviar a tensão fundiária no Nordeste e os impactos da
modernização agrícola no Sul; (ii) concretizar o "integrar para não entregar" e (iii)
aumentar e baratear a mão-de-obra regional. Conforme as informações contidas no
Diagnóstico da AAR do EIA (pág. 58)8:
“Sob responsabilidade do recém-criado INCRA (...), foram previstos vários tipos de
colonização: o Projeto Integrado de Colonização (PIC), no qual o INCRA encarregava-
se de organizar todo o assentamento, provendo, inclusive, assistência técnica e
financeira aos colonos; os Projetos de Assentamento (PA) e os Projetos de
8 Ver Diagnóstico da Área de Abrangência Regional (AAR – Meio Socioeconômico e Cultural) do EIA
do AHE Belo Monte – volume 06 - seção 7.3.2.2.3 – “A ocupação do rio Xingu no território paraense”.
23
Assentamento Rápido (PAR), nos quais a atuação do INCRA reduzia-se à simples
demarcação e titulação das terras ocupadas livre e desordenadamente.
É importante destacar que na região prevaleceram os PICs, por meio dos quais foram
distribuídos lotes de cerca 100 hectares para pequenos colonos, ao longo da
Transamazônica e das suas vicinais ou travessões, construídos a cada 5 km, tanto no
sentido Norte como no Sul”.
Os PIC ao longo da Transamazônica (PICs Altamira, Marabá e Itaituba) representaram
efetivamente investimentos públicos pesados: construção de estradas e vicinais, infra-
estruturas sociais e agrícolas, programas de crédito e assistência técnica. Apesar do
sentido 'dirigido' desses projetos de colonização, a migração espontânea para a região
iniciou-se nessa mesma época e correspondeu à chegada de muitas famílias de
agricultores, vindos principalmente do Nordeste.
No planejamento dos PICs estava prevista a configuração de uma rede hierarquizada
de núcleos urbanos, constituída por Rurópolis, Agrópolis e Agrovilas. Algumas dessas
comunidades, originariamente Agrópolis e Agrovilas, posteriormente emanciparam-se e
são atualmente sedes de município, tais como Rurópolis, Uruará, Medicilândia, Brasil
Novo, Vitória do Xingu, Anapu e Pacajá. No final dos anos 1980, a ausência de
recursos para a criação de infra-estrutura e de apoio técnico às famílias migrantes já
configurava o perfil de empobrecimento da população.
Como resultado, a colonização desordenada dos assentamentos do INCRA traduziu-se
em um incremento da pressão sobre os territórios indígenas adjacentes. Nesse caso,
conforme as informações contidas no Diagnóstico da AAR do EIA9, as frentes de
ocupação de Altamira, Uruará (face norte do bloco de TIs) e São Félix do Xingu (face
sul do bloco) são as mais relevantes. Conseqüentemente, as TIs Arara, Cachoeira
Seca e Apyterewa são aquelas que apresentam maior problemas de invasão a partir de
assentamentos do INCRA.
9 Meio Socioeconômico e Cultural – vol. 06 – seção 7.3.2.2.4 – “As Frentes de Ocupação da Região”.
24
Em períodos mais recentes, a criação de Projetos de Assentamento (PA), Projetos de
Assentamento Coletivo (PAC) e Projetos de Desenvolvimento Sustentável (PDS) pelo
INCRA foi alvo de uma ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal (MPF),
que resultou no cancelamento, pela Justiça Federal, de 107 projetos de assentamento
no oeste do Estado do Pará (ver MPF, 2007). O argumento apresentado pelo MPF é o
de que os PAs, PACs e PDSs foram criados sem licenciamento ambiental e sem infra-
estrutura para atender as famílias assentadas. Além disso, foram observadas
irregularidades na assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) entre o
INCRA e a Secretaria Estadual de Meio Ambiente (SEMA) do Pará. O TAC buscava
agilizar o processo de licenciamento da exploração florestal nos projetos de
assentamento. Nesse caso, com o aval do INCRA, a criação de assentamentos de
reforma agrária buscava favorecer o setor madeireiro.
Em alguns casos, houve sobreposição de áreas, com incidência de assentamentos
sobre espaços destinados a populações tradicionais, zonas de amortecimento e
Unidades de Conservação de proteção integral, em que é vedada qualquer ocupação
humana. No entorno do bloco de TIs estudado, foram cancelados10 pela Justiça
Federal assentamentos nos municípios de: Altamira, Uruará, Senador José Porfírio,
Rurópolis, Placas e Medicilândia. Nesse caso, as famílias assentadas não puderam ter
acesso aos benefícios provenientes de projetos como o Programa Nacional da
Agricultura Familiar (PRONAF). Dentre esses, foram cancelados três projetos de
assentamento que faziam fronteira com duas das TIs do bloco abordado. Na face norte
da TI Cahoeira Seca, foram cancelados os Projetos de Assentamento (PAs) Campo
Verde e Macanã II. Na imensa área de floresta ao norte da TI Koatinemo, foi cancelado
o PDS Itatá. Tais cancelamentos, no entanto, não significam que a atividade madeireira
nesses assentamentos tenha sido coibida.
A tabela a seguir (Tabela 3) apresentam as principais informações dos assentamentos
do INCRA situados no entorno do bloco de TIs. Não foram obtidas informações sobre
as características e a localização dos assentamentos situados na face sul do bloco de
TIs, na área polarizada por São Félix do Xingu.
10 Nesse caso, as famílias assentadas não puderam ter acesso aos benefícios provenientes
de projetos como o Programa Nacional da Agricultura Familiar (PRONAF).
25
TABELA 3 – Assentamentos do INCRA na face norte do bloco de TIs
Glebas Tipologia Número no mapa do EIA
Município Área Total (ha) Capacidade (famílias)
Famílias assentadas
Data de criação
PIC Altamira / Gleba Pium PA Uirapuru 11 Uruará 28.000 252 252 1999
PIC Altamira / Gleba Pium PA Tutuí-Sul 12 Uruará e Placas 11.673 200 166 1997
PIC Altamira PA Macanã I 20 Placas 25.727 257 201 2006
PIC Altamira PA Macanã II 21 Placas 30.301 303 170 2006
PIC Altamira / Gleba Cascata
PA Rio das Pedras 22 Placas 23.916 259 226 1998
PIC Altamira / Gleba Cascata
PA Placas 23 Uruará e Placas 28.945 344 270 1998
PIC Altamira / Gleba Cupari
PA Campo Verde 24 Altamira, Placas, Rurópolis
24.700 247 268 1996
PIC Altamira / Gleba Novo Horizonte
PA Laranjal 28 Brasil Novo 14.105 188 188 1998
PIC Altamira PA Assuriní 39 Altamira 32.140 500 519 1995
PIC Altamira PA Itapuama 40 Altamira 52.339 930 930 1999
PIC Altamira PA Morro das Araras 41 Altamira 20.820 250 170 1999
Gleba Ituna PDS Itatá 42 Altamira e Senador José Porfírio
105.734 1.000 929 2006
- PA Ressaca 43 Senador José Porfírio 30.265 500 462 1999
FONTE: Adaptado do Diagnóstico da AII do EIA (meio Socioeconômico e Cultural) – vol 09 – seção 7.6.9.2.4. - “Projetos de Assentamento
26
Na área polarizada por São Félix do Xingu (face sul do bloco de TIs), a pecuária
extensiva representa a principal atividade econômica. No contexto regional
considerado, os municípios de Altamira e São Félix do Xingu são aqueles que
apresentaram maior crescimento da pecuária nas últimas duas décadas. No caso de
Altamira, no período 1993-2006 o rebanho bovino pulou de 70.000 para
aproximadamente 400.000 cabeças. Já em São Félix do Xingu o crescimento no
mesmo período foi mais intenso, com o número de cabeças de gado saltando de
15.000 para aproximadamente 1.600.000 (IBGE, 2006a; IMAZON, 2005a; CTI 2006).
No caso de Tucumã, as informações apresentadas na tabela 2 indicam que embora o
município seja pequeno em área, a atividade pecuária (rebanho bovino de 175.778 em
2006) é bastante representativa do ponto de vista ambiental, já que 90% da área do
município já havia sido devastada até 2007. Além disso, o maior desenvolvimento do
agronegócio fez com que o PIB per capita de Tucumã se consolidasse como o maior
dentre os municípios do entorno do bloco de TIs11.
De acordo com pesquisadores do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia
(Imazon) (2005a), as causas do crescimento da agropecuária na região podem ser
explicadas (i) pela maior lucratividade desta atividade na Amazônia; (ii) pelo baixo
preço da terra (35 a 65% do preço praticado no Centro-sul); (iii) maior produtividade
média dos sistemas de criação em larga escala (produtividade 10% maior que no
Centro-Sul e (iv) incentivos fiscais. Como conseqüência da vertiginosa expansão da
pecuária na Amazônia, os pesquisadores estimam que aproximadamente 80% da área
desmatada na região sejam pastos.
Embora não tenha sido contemplada na tipologia territorial proposta pelo Diagnóstico
da AAR do EIA, a atividade madeireira representa um dos pilares da economia
regional. Em conjunto com as atividades agropecuária e de mineração e com as
grandes obras de infra-estrutura, a atividade madeireira está entre as mais relevantes
do ponto de vista da dinâmica territorial e, conseqüentemente, entre as que exercem
maior pressão sobre as TIs.
11 Ver Estudo de Impacto Ambiental (EIA) do projeto de mineração de níquel da empresa Onça Puma,
seção 6.3.2.6 – “Dinâmica das Atividades Econômicas”, pág. 327.
27
Segundo dados do Imazon (2005b), no Estado do Pará (maior produtor amazônico de
madeiras, concentrando 45% da produção), as rodovias Cuiabá - Santarém (BR-163),
Transamazônica (BR-230) e do leste do estado (PA-150), situadas respectivamente a
oeste, norte e leste do bloco de TIs do médio Xingu, são os principais eixos de
produção e transporte madeireiro. Os municípios de Altamira e São Félix do Xingu
foram classificados em 2004 como 4º e 1º no ranking dos municípios brasileiros com
maior desflorestamento (IMAZON, 2006), embora este resultado esteja vinculado
também à atividade agropecuária, e não apenas à atividade madeireira. No município
de Altamira, cuja extensão territorial é da ordem de 160.000 km², estima-se que mais
de 80% da madeira comercializada seja de origem ilegal (ROCHA & BARBOSA, 2003)
apesar do decreto do Ibama (nº 17 de 22/10/2001), conhecido como a "moratória do
mogno", ter proibido a comercialização do mogno no Brasil. Um dos fatores que explica
estes resultados é a exaustão dos recursos madeireiros no sudeste do Pará, o que
terminou por determinar o deslocamento da indústria madeireira para o centro-oeste do
Estado.
Nesse contexto, uma questão importante é a expansão das chamadas 'estradas
endógenas'. Definindo uma nova dinâmica territorial na Amazônia e gerando graves
distorções socioeconômicas, a abertura destas estradas está intimamente relacionada
à atividade madeireira ilegal e ao crescimento vertiginoso da pecuária e, além disso,
tem facilitado a grilagem de terras, o desmatamento, e a ampliação pelos conflitos da
posse da terra (IMAZON, 2005c). Conforme os dados do Imazon, a malha de estradas
clandestinas na Amazônia supera os 300 mil quilômetros, com crescimento de
aproximadamente 1.900 quilômetros por ano. Nesse contexto, o centro-oeste do Pará,
área que engloba a Terra do Meio e área de influência da BR-163 naquele Estado, foi a
região que apresentou o crescimento mais acelerado de estradas clandestinas.
Pelo fato de Uruará, São Félix do Xingu, Ourilândia do Norte, Tucumã e Altamira serem
grandes centros madeireiros, diversas estradas endógenas já foram abertas no entorno
e no interior do bloco de TIs, sendo as principais as estradas Transiriri (TI Cachoeira
Seca) e Morada do Sol (TI Apyterewa) (mapa de Vulnerabilidade Territorial das Terras
Indígenas – Anexo 6 e capítulos etnográficos para mais informações). Neste caso, a
abundância de florestas intactas, o elevado número de terras públicas e a perspectiva
28
de asfaltamento dos grandes eixos rodoviários (rodovias Transamazônica e Cuiabá-
Santarém) são fatores que têm contribuído para a expansão das estradas endógenas
(vide Mapa de Vulnerabilidade territorial das Terras Indígenas –Anexo 6).
A atividade madeireira ilegal no interior do bloco de TIs é praticada desde meados dos
anos 1980, com ou sem o consentimento tanto das sociedades indígenas como da
Administração Executiva Regional (AER) da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) em
Altamira. Fomentada pela abertura da Transamazônica (face norte) e pelos projetos de
colonização de Tucumã e Ourilândia do Norte (face sul), a atividade foi liderada por
grandes empresas madeireiras como Perachi (atual Juruá Florestal), Maginco, Ímpar e
Bannach. Tais empresas, atuando muitas vezes com o aval das Prefeituras locais,
foram responsáveis pela abertura e consolidação das maiores estradas endógenas no
interior do bloco de TIs (ver sub-seção a seguir). Atualmente, as TIs Cachoeira Seca12,
Apyterewa e Arara são aquelas que apresentam maiores problemas de extração ilegal
de madeira.
A grilagem de terras é outra atividade que tem gerado conseqüências nefastas do
ponto de vista da conservação ambiental do entorno do bloco de TIs. Segundo as
informações contidas no Diagnóstico da AII do EIA (pág 395)13:
“A Portaria nº 010 do INCRA de dezembro de 2004, fixou prazo máximo de
cadastramento de imóveis rurais em todo o território nacional: 31 de janeiro de 2005
para terras com mais de 400 hectares e 31 de março para as de menor área. A ordem
foi a de que o não cumprimento dos prazos cancelaria o registro no Cadastro Nacional
de Imóveis Rurais (CNIR). A Portaria nº 010 proibiu, também, a emissão de Certificado
de Cadastro de Imóvel Rural (CCIR) para posses em áreas de domínio da União. Com
isso, todas as florestas em áreas cuja propriedade não possa ser comprovada por
documento legal passam a poder reverter ao patrimônio público”.
12 Ver a reportagem “Cresce o desmatamento em terras indígenas”, publicada na Folha de São Paulo, em
04/03/2009. 13 Meio Socioeconômico e Cultural – volume 09 - seção 7.6.9.2.1 - “Conflitos por Posse de Terras e Grilagem”.
29
Essa tentativa institucional de coibir a grilagem de terras gerou, no entanto, reações
violentas dos setores madeireiro e agropecuário em todos os Estados da Amazônia
Legal, principalmente através do fechamento dos principais eixos rodoviários.
Associada à atividade ilegal de extração madeireira e à agropecuária, a grilagem de
terras públicas é uma prática freqüente na área polarizada por Altamira. Conforme o
Diagnóstico da AII do EIA14, são conhecidos os casos da Gleba Ituna (situada em uma
área na margem direita da Volta Grande do Xingu, entre Senador José Porfírio e
Altamira), das Glebas Jaraucu e Penetecaua (entre Medicilândia e Uruará) e das áreas
de implantação de Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS)15 no município de
Anapu.
Na Terra do Meio, é bastante conhecido o caso do grupo CR Almeida (do empresário
Cecílio Rego de Almeida), que alegava a propriedade de uma fazenda (Fazenda
Curuá) de 4,7 milhões de hectares, incidentes sobre glebas do INCRA, Terras
Indígenas (82% da TI Baú e TIs Xipaya e Kuruaya) e Unidades de Conservação
(Reserva Extrativista Riozinho do Anfrísio e Floresta Nacional de Altamira) (ver
RIBEIRO, 2006).
14 Idem. 15 Os Projetos de Desenvolvimento Sustentáveis (PDS) são uma dentre as diversas categorias de assentamentos
de reforma agrária. Ver o quadro 7.6.9-1, na página 404 do Diagnóstico da AII do EIA – vol. 09 – seção 7.6.9.2.4 -
“Projetos de Assentamento”.
30
Além das atividades agropecuária e madeireira, desde 1970 diversas empresas
realizam pesquisa mineral na região do bloco de TIs do Médio Xingu, todas com
autorização e licença do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). De
acordo com dados do Instituto Socioambiental (2005), vários interesses minerários
incidem sobre as TIs (vide Tabela 4). Os garimpos no interior das TIs estão, no entanto,
desativados16, e a concessão de Lavra constante na Tabela 4 refere-se provavelmente
à incidência na parte da TI Apyterewa excluída na última delimitação realizada (vide
Anexo 5 – Mapa de Direitos Minerários incidentes na área de estudo).
16 Informação fornecida por Caetano Ventura, técnico da Administração Executiva Regional (AER) da FUNAI em
Altamira, no dia 16/03/2009, na sede da AER.
31
TABELA 4. Mineração no bloco de TIs do Médio Xingu
Terras Indígenas Área (ha)
Títulos minerários*
Processos minerários
incidentes**
Área (ha) da TI com incidência de processos
% da TI com incidência de
processos minerários
Mineradoras
Apyterewa
773.000 10 70 496.373 63,63 CVRD Samaúma, Capoeirana,
Guariba e Nayara.
Arara 274.010 0 36 252.034 90,73 Galesa
Araweté/Ig. Ipixuna
940.900 0 22 122.734 12,64 Rio Itajaí, CVRD, Jenipapo, Itamaracá,
Samaúma e Silvana
Cachoeira Seca
760.000 0 55 139.096 17,92 Canopus, Galesa, Boqueirão
Vermelho, Mount Isa do Brasil, QS
Kararaô
330.837 0 4 5.500 1,64 Jenipapo e Galesa
Koatinemo 387.834 0 11 68.312 18,32 Rio Itajaí e Itamaracá
TOTAL 3.466.581
10 198 1.084.049 31,27
NOTA: * Autorização para pesquisa e requerimento e concessão de lavra / ** Requerimento para pesquisa. FONTE: ISA (2005)
32
Na região situada a sudeste do bloco de TIs, a mineradora Onça Puma Ltda.,
subsidiária integral da mineradora canadense Canico Resource Corporation, pretende
implantar um grande projeto de lavra e processamento de minério de Níquel. Incidindo
sobre terras dos municípios de Ourilândia do Norte e São Félix do Xingu, tal projeto
será implantado em uma área (Serras do Onça e do Puma) adjacente à TI Cateté,
habitada pelo povo Xikrin do Cateté.
Devido às suas características (atividade econômica intensiva em mão-de-obra e
capital), este projeto produzirá um grande impacto na dinâmica ambiental,
socioeconômica e espacial regional. Inclusive, os municípios de São Félix do Xingu,
Tucumã e Ourilândia do Norte (localizados ao sul do bloco de TIs) estão incluídos na
Área de Influência Direta (AID) do referido empreendimento17. Nesse caso, é provável
que a implantação desse projeto de mineração desencadeie problemas fundiários para
as TIs do bloco estudado, particularmente sobre a TI Apyterewa.
A pesca ilegal é outra atividade econômica que tem gerado diversos conflitos de
natureza interétnica no região onde está inserido o bloco de TIs. A pesca ilegal,
praticada por pescadores de Altamira, vem sendo praticada em todas as TIs do bloco,
com menor freqüência na TI Araweté/Igarapé Ipixuna18. A TI Apyterewa também vem
sendo invadidas por pescadores de São Félix do Xingu. Em 2000, na TI Cachoeira
Seca, um jovem indígena foi assassinado por pescadores regionais, no rio Iriri, nas
proximidades da aldeia. Na TI Kararaô, o envolvimento de alguns jovens indígenas com
um pescador resultou na morte de um jovem, no segundo semestre de 2008. Na
maioria das vezes, a relação estabelecida entre indígenas e não indígenas por meio da
atividade de pesca envolve a troca e o consumo de bebidas alcoólicas
17 Ver Estudo de Impacto Ambiental (EIA) do projeto de mineração de níquel da empresa
Onça Puma, capítulo 5 - “Definição das Áreas de Influência”. 18 Informação fornecida por Caetano Ventura, técnico da Administração Executiva Regional
(AER) da FUNAI em Altamira, no dia 16/03/2009, na sede da AER.
33
7.3.2 - Vulnerabilidade territorial e a situação fundiária das Terras Indígenas
Como resultado da crescente pressão exercida pelas atividades econômicas supra-
citadas, há pelo menos três décadas os territórios indígenas no Médio Xingu vêm
sendo ameaçados pela ocupação não indígena. Nesses casos, a ocupação
desordenada de assentamentos do INCRA, a atuação ilegal de empresas madeireiras
e o crescimento vertiginoso da pecuária extensiva geraram conseqüências sérias do
ponto de vista da integridade territorial e sociocultural dos povos indígenas. A Imagem
de satélite das Terras Indígenas estudadas (vide Anexo 2) mostra a situação do bloco
de TIs em 2007.
A partir das informações contidas no EIA do AHE Belo Monte e do levantamento de
dados secundários, foram identificadas quatro áreas críticas do ponto de vista da
vulnerabilidade territorial do bloco de Terras Indígenas: (i) Estrada Transiriri – TI
Cachoeira Seca; (ii) Face Norte/Leste da TI Arara – foz do Iriri; (iii) Estrada
Transassuriní – TI Koatinemo; (iv) Face Sudeste/Sul da TI Apyterewa.
Áreas vulneráveis
Estrada Transiriri / TI Cachoeira Seca
Dentre as áreas críticas identificadas, aquela associada à frente de ocupação de
Uruará é uma das que mais exerce pressão sobre o bloco de Terras Indígenas,
principalmente sobre a TI Cachoeira Seca (em toda a face norte). Como pode ser
observado no mapa 4 (ver adiante), o fato do limite norte da área delimitada pela
FUNAI para a TI Cachoeira Seca ser muito próximo à rodovia Transamazônica e
sobreposta, contígua ou muito próxima a diversos assentamentos do INCRA (Projetos
de Assentamento – PAs – Uirapuru, Tutuí-Sul, Macanã I e II, Rio das Pedras, Placas e
Campo Verde) faz com que a área seja alvo fácil para invasores.
Nesse caso, a principal via de penetração no território indígena é a estrada Transiriri,
travessão que liga perpendicularmente a Transamazônica, na altura de Uruará, ao rio
34
Iriri, e atravessa a TI Cachoeira Seca no sentido Norte-Sul (TEIXEIRA PINTO, [199-]).
Esta estrada foi aberta pela Madeireira Bannach, a partir de uma das picadas abertas
na década de 1970 pelos sertanistas da FUNAI e pela equipe de topografia da
Cooperativa Tritícola de Ijuí (COTRIJUI). Tendo capitaneado a invasão da TI Cachoeira
Seca, a Madeireira Bannach, além da infra-estrutura (serrarias, posto de gasolina, pista
de pouso, porto para embarcação das toras, etc), dispunha também de diversas
vicinais, abertas para facilitar o escoamento da madeira retirada do interior da TI.
De fato, há inúmeros registros de roubo de mogno e outras madeiras-de-lei realizados
por esta empresa ao longo dos últimos 25 anos. A abertura e a utilização da Transiriri
pela madeireira Bannach, além de permitir o escoamento da madeira no período da
seca, facilitou ao longo das últimas décadas a invasão da TI Cachoeira Seca por parte
de colonos. Conforme as informações contidas no diagnóstico da AII do EIA (pág
170)19:
“A Transiriri faz parte das estradas mais importantes para as frentes de ocupação que
pressionam a Terra do Meio, juntamente com a estrada da Canopus (que parte de São
Félix do Xingu) (...) Ambas as estradas são rotas de madeireiros e garimpeiros, legais e
ilegais, porém atendem também à população ribeirinha que busca serviços nas cidades
à beira da BR-230.”
De acordo com dados da FUNAI (Processos FUNAI nº 1384/2002), há registros de
invasões na TI Cachoeira Seca em 1993, 1994, 1997, 1998, 1999, 2000 e 2001.
Embora as atividades da madeireira Bannach estejam paralisadas, outras empresas
continuam a extrair ilegalmente madeira da TI.
Segundo informações fornecidas pela AER da FUNAI em Altamira (ver RIBEIRO,
2006), em 2006, 1.231 famílias de colonos estavam instaladas no interior da TI
Cachoeira Seca, ao longo da Transiriri e de suas principais vicinais. Inclusive, no
período anterior a interdição da área para fins de "pacificação", parte da área que hoje
constitui a TI Cachoeira Seca foi utilizada pelo INCRA para fins de reforma agrária. De
19 Meio Socioeconômico e Cultural – vol. 09 – seção 7.6.6.1.2 - “Sistema Rodoviário”.
35
fato, parte das glebas Carajari, Leite, Pium e Cascata estavam sobrepostas à área
interditada pela FUNAI.
Como resultado dos 25 anos de atividade madeireira ilegal e invasão territorial por
parte de colonos, a análise das imagens de satélite revelou que, em 2006, 33.776 ha
da TI Cachoeira Seca já haviam sido devastados. A extensão das estradas endógenas
abertas no interior da Terra Indígena totalizaram 380 km (ver RIBEIRO, 2006). Além
disso, a TI ainda não foi regularizada (ver o capítulo etnográfico para mais informações
sobre a situação fundiária da TI Cachoeira Seca).
Faces Norte/Leste da TI Arara – Foz do Iriri
A TI Arara, principalmente nas faces norte e leste, é uma das mais vulneráveis do bloco
considerado. Na face norte, diversos travessões da Transamazônica na altura de
Medicilândia terminam no limite da TI, sendo que alguns a penetram. Inclusive, um
trecho da face norte da TI é limitado pela rodovia Transamazônica.
Na face leste, além da presença de diversos travessões que partem da
Transamazônica na altura de Brasil Novo, em direção ao sul, um fator de preocupação
é a presença de um assentamento do INCRA denominado PA Laranjal. Este
assentamento está localizado em uma porção de terras entre a TI Arara e o rio Xingu,
na altura da foz do rio Iriri. Além de pressionar a TI Arara, devido à sua localização na
confluência Iriri-Xingu este assentamento também pode em breve gerar impactos sobre
as TIs Kararaô e Koatinemo. Conforme pode ser observado no mapa da evolução do
desmatamento no entorno do bloco (mapa 4, adiante), esta área foi desflorestada
recentemente, o que indica um avanço da atividade econômica local.
A atividade madeireira é praticada na TI Arara desde a década de 1980, embora de
maneira não tão devastadora quanto à observada nas TIs Apyterewa e Cachoeira
Seca. De acordo com informações da FUNAI (Processo FUNAI nº 0026/86), há
registros de roubos tanto no final da década de 1980, ocasião em que 23 colonos
invasores foram flagrados vendendo madeira para as serrarias da região, quanto em
1993, quando 130 toras de mogno foram roubadas pela Fazenda Maracajá.
Atualmente, grupos madeireiros estão invadindo a porção oeste da TI Arara. Neste
36
caso, a invasão da TI é feita através dos travessões perpendiculares a Transamazônica
situados no interior da TI Cachoeira Seca, em torno da estrada Transiriri (ver RIBEIRO,
2006). Por meio da reunião realizada na aldeia Laranjal no dia 18/03/2005, foi
registrado o fato de que a face NO da TI também se encontra ocupada ilegalmente por
alguns colonos (ver capítulo etnográfico para mais detalhes), que têm cultivado
principalmente o cacau.
Com relação aos garimpos, segundo Teixeira Pinto (1988), na década de 1980 alguns
funcionários da FUNAI permitiram a extração de ouro no interior da TI Arara.
Atualmente, entretanto, não há garimpos no interior desta TI. A despeito da pressão
que vem sendo exercida, a análise das imagens de satélite concluiu que em 2006
apenas 2.594 ha da TI estão desflorestados, justamente nos locais onde os travessões
perpendiculares à Transamazônica penetram o território indígena. As estradas
endógenas totalizaram naquele ano 67 km.
Estrada Transassuriní / TI Koatinemo
Na grande área de terras denominada “Assuriní”20, localizada na margem direita da
Volta Grande do Xingu, na altura da cidade de Altamira, a estrada conhecida por
Transassuriní é a principal via de acesso aos assentamentos do INCRA localizados
nessa área (PAs Assuriní, Itapuama, Morro das Araras e Ressaca e o PDS Itatá). Esta
estrada tem início no lado oposto da cidade de Altamira e avança no sentido NO-SE
até as proximidades da localidade da Ressaca. Conforme as informações contidas no
Diagnóstico da Área de Influência Direta (AID) do EIA (pág. 509)21:
“A ocupação da área foi iniciada a partir das margens do Rio Xingu, através dos
igarapés ou da abertura de ramais como o Palhal, Ramal dos Crentes, Gorgulho da
Rita, Cocal, dentre outros. Na década de 90 foi criado o Projeto de Assentamento
20 Embora essa área tenha sido desde tempos imemoriais habitada pelo povo indígena Asuriní do Xingu (ver
MÜLLER, 1993; NIMUENDAJÚ, 1948), a denominação regional contemporânea dessa área refere-se ao
assentamento Assuriní do Incra, e não ao povo Asuriní do Xingu. 21 Meio Socioeconômico e Cultural – parte 1 - volume 17 – seção 7.9.4.5 - “Subárea 5: Reservatório do Xingu
Margem Direita”.
37
Assurini, que acentuou a ocupação dirigida no interior da gleba com a construção da
Agrovila Sol Nascente e da Transassurini, rodovia de integração do referido projeto”.
No Vol. 9, Pg. 154, EIA RIMA – AHE Belo Monte – Item “Infra-estrutura de acessos”, o
Quadro 4.2.4-9 relaciona as melhorias e /ou implantação de novos acessos rodoviários
para suportar a implantação das obras afetas ao Sítio Pimental. Neste quadro
descreve-se como um dos acessos a BR-158 (Transassurini) à direita do Xingu “com
melhoria da estrada existente” como “tipo de serviço”.
Na Figura 10.4.2-52 – Base Cartográfica “Impactos sobre o sistema viário” do EIA
RIMA AHE Belo Monte, consta a informação da Rodovia Transassurini como BR 158.
Situada ao norte das TIs Koatinemo e Trincheira-Bacajá, a Transassuriní possuí
diversos travessões que recortam a área e avançam em direção à essas TIs. Os
principais são: do Cajá, do Terra Preta, do Pimentel, do Espelho, do Paratizinho, da
Firma, do Morro das Araras, Bom Jardim, Itapuama e Ramal dos Crentes. Os
travessões mais próximos da TI Koatinemo são: Itapuama, do Espanhol, Trans-União e
Nova Ituna, sendo que o final de alguns destes estão situados quase nos limites da TI,
como pode ser observado na “Carta- Imagem uso do solo”, contida no volume 17 do
EIA (vide Anexo 7)22.
Devido ao crescimento populacional da área e, conseqüentemente, ao avanço
desordenado dos travessões que partem da via principal, a área de influência da
Transassuriní constitui uma ameaça para a integridade territorial do bloco de TIs,
podendo em breve tornar-se um vetor de penetração na TI Koatinemo. Nesse contexto,
é relevante mencionar o fato de que dois importantes igarapés que nascem no interior
dessa TI (igarapés Ituna e Itatá) são cortados pela Transassuriní. Os dados sobre a
evolução do desmatamento também evidenciam o avanço da ocupação não indígena
na área, sendo que, nesse caso, a pecuária é a atividade econômica mais relevante.
As primeiras invasões na TI Koatinemo datam do final da década de 1980, quando
madeireiros começaram a adentrar o território Asuriní através do igarapé Ituna e por
22 “Carta Imagem uso do solo” - Diagnóstico da Área Diretamente Afetada – ADA – Meio Socioeconômico e Cultural,
volume 17.
38
meio das estradas endógenas abertas na TI Trincheira-Bacajá, limite leste da TI
Koatinemo. Apenas na década de 1990, entretanto, foi registrada extração ilegal de
madeira no interior da TI (ver CEDI, 1993).
Face Sudeste/Sul da TI Apyterewa
De acordo com o antropólogo Carlos Fausto (1996), coordenador do Grupo de
Trabalho (GT) para Estudos Complementares sobre a TI Apyterewa, o projeto de
colonização dirigida levado a cabo pela Andrade-Gutierrez está na raiz da invasão
madeireira na TI Apyterewa, situada na face sul do bloco de TIs no Médio Xingu, a
partir da década de 1980.
A invasão da TI Apyterewa foi capitaneada por duas grandes empresas madeireiras - a
Exportadora Perachi (atual Juruá Florestal) e a Madeireira Araguaia (Maginco) -, que
buscavam explorar uma enorme reserva de mogno existente nas cabeceiras do Bacajá.
Para atingir este objetivo estas empresas construíram em 1986 uma estrada,
conhecida como "Morada do Sol", que, partindo de Tucumã, atravessa toda a TI
Apyterewa no sentido SE-NO e, por meio de diversas bifurcações, penetra nas TIs
Araweté/Igarapé Ipixuna e Trincheira-Bacajá pelas respectivas faces sul. Em 1988, o
estudo de identificação e delimitação da TI Apyterewa apontou a existência de grandes
aberturas efetuadas pelas madeireiras Perachi, Maginco, Impar e Bannach.
Em conjunto com a atividade madeireira, a política de assentamentos do INCRA na
região de São Félix do Xingu é uma das responsáveis pela situação fundiária
atualmente observada na TI Apyterewa. A proximidade com os municípios de São Félix
do Xingu e Tucumã tem resultado em sérios problemas fundiários (FAUSTO, 1996).
Em 2001, por pressão do poder local e devido à brecha aberta pelo decreto 1.775 de
08/01/1996 (ver MAGALHÃES, 2005) – assinado por FHC e que abriu a possibilidade
do ‘contraditório administrativo’, ou seja, a contestação das TIs não registradas em
cartório – a TI Apyterewa foi reduzida em 207 mil hectares. Ainda assim, em 2006
aproximadamente 1.100 pessoas continuavam assentadas ilegalmente dentro da TI
39
(RIBEIRO, 2006), principalmente nas proximidades da localidade da Taboca. Em 2007,
embora a TI tenha sido homologada pelo Presidente Lula, o número de invasores pulou
para a marca de duas mil famílias (ver MENDES, 2007). Recentemente, a Prefeitura de
São Félix do Xingu construiu quatro pontes sobre o Igarapé São Sebastião - que
constitui o limite sul da TI Apyterewa – com o objetivo de melhorar o acesso às áreas
ocupadas por colonos no interior da TI23.
O Mapa de Vulnerabilidade Territorial das Terras Indígenas (vide Anexo 6) apresenta (i)
as principais áreas vulneráveis do bloco de TIs; (ii) a evolução do desmatamento; (iii)
as principais estradas endógenas e (iv) os assentamentos do INCRA no entorno do
bloco.
A Tabela 5 a seguir, apresenta a extensão do desmatamento e das estradas
endógenas no interior do bloco de TIs em 2005.
TABELA 5. Desmatamento e estradas endógenas nas TIs em 2005
Terra Indígena Área total (ha) Área desmatada (ha) Estradas (km)
Apyterewa 773.000 - -
Arara 274.010 2.594 67
Araweté 940.900 3.406 317,6
Cachoeira Seca 760.000 33.776 380
Kararaô 330.837 60 0
Koatinemo 387.834 318 0
FONTE: RIBEIRO, 2006.
NOTA: Não foram calculadas a área desmatada e a extensão das estradas endógenas na TI Apyterewa após a
redução territorial de 207.000 hectares.
23 Informação fornecida por Caetano Ventura, técnico da Administração Executiva Regional (AER) da FUNAI em
Altamira, no dia 16/03/2009, na sede da AER.
40
3.Situação Fundiária
Dentre as seis TIs que compõem o bloco aqui considerado, as TIs Apyterewa
(homologada) e Cachoeira Seca (identificada) são as únicas que ainda não foram
registradas na Secretaria de Patrimônio da União (SPU). Nos dois casos, a atuação de
empresas madeireiras, a ocupação desordenada de assentamentos do INCRA e a
abertura de estradas endógenas são fatores que têm contribuído para a indefinição da
situação fundiária. A ação política das Prefeituras Municipais também tem dificultado o
processo de regularização das TIs (ver o capítulo etnográfico para mais informações
sobre esse assunto). A Tabela 6 a seguir sintetiza a situação fundiária das TIs.
41
TABELA 6. Síntese da situação fundiária das Terras Indígenas do bloco do Médio Xingu
Terra Indígena Etnia/família lingüística
Nº de habitantes
Área (ha) Trecho da Bacia
Municípios Unidade da Federação
Situação Fundiária Atual
Koatinemo Asuriní do Xingu/Tupi-Guarani
144 387.304 Médio Altamira e Senador José Porfírio
PA Registrada
Araweté / Igarapé Ipixuna
Araweté/Tupi-Guarani
398 940.900 Médio Altamira, Senador José Porfírio e São Félix do Xingu
PA Registrada
Apyterewa Parakanã/Tupi-Guarani
411 773.000 Médio Altamira e São Félix do Xingu
PA Homologada
Kararaô Kayapó/Gê
39 330.837 Médio Altamira PA Registrada
Arara Arara/Karib
236 274.010 Médio Altamira, Medicilândia e Uruará
PA Registrada
Cachoeira Seca Arara/Karib 81 734.027 Médio Rurópolis, Altamira e Uruará
PA Identificada
FONTE: Diagnóstico da AII do EIA – Meio Socioeconômico e Cultural – vol. 09 – seção 7.6.9.2.6 - “Terras Indígenas”.
NOTAS: CRI = Cartório de Registro de Imóveis, SPU = Serviço de Patrimônio da União. Adaptado da tabela 7.3.2-2 (EIA – vol 9)
42
7.3.3 Os povos Indígenas e os projetos oficiais de desenvolvimento econômico
previstos para região
Os principais projetos oficiais de desenvolvimento econômico previstos para a região
de Altamira são: (i) Programa de Aceleração do Crescimento (PAC); (ii) Plano
Amazônia Sustentável (PAS) e (iii) Plano Plurianual (PPA) 2008-2011 do Estado do
Pará. A construção do AHE Belo Monte e a pavimentação da rodovia Transamazônica
(BR-230) são as obras mais relevantes do ponto de vista econômico e da
transformação do espaço regional. As melhorias das condições dos eixos rodoviários e
das estradas situadas no entorno das TIs, previstas no PAC e no PPA, também são
importantes da perspectiva da situação territorial das TIs do Médio Xingu.
O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC)
Conforme as informações contidas no Diagnóstico da AAR do EIA (págs. 125 e 126)24:
“O Programa de Aceleração do Crescimento - PAC, foi instituído para o período
2007/2010 pelo Decreto nº. 6.025 de 22 de janeiro de 2007, que no seu Art. 1º o define
como: “(...) constituído de medidas de estímulo ao investimento privado, ampliação dos
investimentos públicos em infra-estrutura e voltadas à melhoria da qualidade do gasto
público e ao controle da expansão dos gastos correntes no âmbito da Administração
Pública Federal”.
“As ações do PAC estão organizadas em cinco blocos: 1) Investimento em Infra-
Estrutura; 2) Melhoria do Ambiente de Investimento; 3) Medidas Fiscais de Longo
Prazo 4) Desoneração e aperfeiçoamento do Sistema Tributário e 5) Estímulo ao
Crédito e ao Financiamento. (...) O conjunto de ações do PAC para a infra-estrutura
abrange três eixos: logística (rodovias, ferrovias, portos, aeroportos e hidrovias);
energia (geração e transmissão de energia, petróleo, gás natural, e combustíveis
renováveis); e infra-estrutura social e urbana (saneamento, habitação, transporte
urbano, Luz para Todos e recursos hídricos)”.
24 Meio Socioeconômico e Cultural – volume 06 – seção 7.3.3.5 - “Programa de Aceleração do Crescimento – PAC
(2007-2010)”.
43
“O valor global previsto para os investimentos é da ordem de R$ 503,9 bilhões,
divididos entre o governo central que arcará com um pouco mais de 13% deste
montante (R$ 67,8 bilhões) e o restante será proveniente das estatais federais e do
setor privado (R$ 436,1 bilhões)”.
Dentre os eixos estratégicos do PAC no setor de infra-estrutura, o de “Energia” é o que
receberá o maior montante de recursos: R$ 274, 8 bilhões no período 2007-2010, o
que equivale à 54,5% da verba total do PAC para infra-estrutura. Na região Norte do
Brasil, será investido um total de R$ 50,9 bilhões nesse setor, sendo que, desse total,
R$ 32,7 bilhões será canalizado para o eixo “Energia”, R$ 6,3 bilhões estão destinados
ao eixo “Logística” e R$ 11,9 bilhões irão para o eixo “Social e Urbano”. No Estado do
Pará, a verba do PAC no setor de infra-estrutura totalizam R$ 18,3 bilhões. Desse
montante, R$ 14,7 bilhões serão investidos nos eixos de “Logística” e “Energia”.
Nesse contexto, as duas principais obras de infra-estrutura previstas pelo Programa de
Aceleração do Crescimento (PAC) para a região de Altamira são: o AHE Belo Monte
(eixo “Energia”) e a pavimentação da rodovia Transamazônica (BR-230), no trecho
Marabá-Altamira-Rurópolis (eixo “Logística”). Ambos já estavam previstos no Plano
Plurianual (conhecido como “Avança Brasil”) do Governo Fernando Henrique Cardoso.
Além dessas, também estão previstas a pavimentação da rodovia Cuiabá-Santarém
(BR-163; eixo “Logística”) e a construção da linha de transmissão Tucuruí-Macapá, que
será conectada ao AHE Belo Monte. A Tabela 7 a seguir apresenta as principais
informações sobre as obras de infra-estrutura do PAC previstas para a região
polarizada por Altamira:
44
TABELA 7. Obras de infra-estrutura do PAC previstas para a região de Altamira
Eixo Empreendimento Investimento previsto 2007-2010
(R$ milhões)
Investimento previsto pós 2010
(R$ milhões)
Estágio da obra
Logística Pavimentação da rodovia Transamazônica (BR-230) – trecho Marabá/Altamira/Rurópolis
950 - Em andamento
Logística Pavimentação da BR-163 – trecho Guarantã do Norte/Rurópolis/Santarém
1.200 254 Em andamento
Energia Construção do AHE Belo Monte
2.810 4.190 Ação preparatória
Energia Construção da linha de transmissão Tucuruí-Macapá
2.267 1.133 Licitação da obra
TOTAL - 7.227 5.577 -
FONTE: Diagnóstico da AII do EIA – Meio Socioeconômico e Cultural – vol. 06 – seção 7.6.3.2.1 - “Programa de
Aceleração do Crescimento – PAC Pará”.
Plano Amazônia Sustentável-PAS
O Plano Amazônia Sustentável (PAS) é um instrumento de planejamento
macrorregional do Governo federal. Segundo as informações do Diagnóstico da AAR
do EIA25 (pág. 117),
“O objetivo do Plano Amazônia Sustentável – Diretrizes para o Desenvolvimento
Sustentável da Amazônia Brasileira (PAS), lançado em maio de 2008 pelo Presidente
da República, é a promoção do desenvolvimento sustentável da Amazônia Brasileira,
mediante a implementação de um novo modelo pautado na valorização de seu enorme
patrimônio natural e no aporte de investimentos em tecnologia e infra-estrutura,
voltadas para a viabilização de atividades econômicas dinâmicas e inovadoras coma
geração de emprego e renda, compatível com o uso sustentável dos recursos naturais
e a preservação dos biomas, e visando a elevação do nível de vida da população”.
25 Meio Socioeconômico e Cultural – vol. 06 – seção 7.3.3.4 - “Plano Amazônia Sustentável – PAS”.
45
O PAS está ordenado em torno de quatro eixos temáticos: (i) Ordenamento territorial e
gestão ambiental; (ii) Produção sustentável com inovação e competitividade; (iii) Infra-
estrutura para o desenvolvimento sustentável e (iv) Inclusão social e cidadania. Os
recursos para a execução do PAS em todos eixos temáticos, por sua vez, decorrerão
da formação de parcerias público-privadas.
Dentre as diversas diretrizes do PAS, algumas estão diretamente ligadas aos povos
indígenas:
(i) “valorizar a diversidade sócio-cultural e ambiental da Amazônia; ampliar a presença
do Estado na Amazônia para a garantia de maior governabilidade sobre os processos
de ocupação territorial e de usos dos recursos naturais, maior capacidade de
orientação dos processos de transformação sócio-produtiva e melhor atendimento dos
direitos básicos das populações locais” (págs. 117 e 118);
(ii) assegurar os direitos territoriais dos povos e comunidades tradicionais da Amazônia,
condição para a reprodução social e a integridade cultural das populações ribeirinhas,
extrativistas, povos indígenas, quilombolas, entre outras (pág. 118), e;
(iii) combater o desmatamento ilegal (...), coibindo a replicação do padrão extensivo de
uso do solo das atividades agropecuárias, predominante na fronteira de expansão da
Amazônia nas últimas décadas (pág. 118).
No âmbito do PAS, destaca-se a recriação da Superintendência de Desenvolvimento
da Amazônia (SUDAM), que deverá elaborar o Plano Regional de Desenvolvimento da
Amazônia, que partirá de uma regionalização que reflita a diversidade ambiental,
econômica, social, cultural e política existente no vasto território amazônico.
Na área do Médio Xingu, esse processo já foi iniciado com alguns planos de
desenvolvimento regionais, tais como: o Plano de Desenvolvimento Regional
Sustentável para a área de Influência da Rodovia BR-163 (Cuiabá-Santarém) e o Plano
de Desenvolvimento Regional Sustentável do Xingu, este último ainda em elaboração.
As estratégias de implementação dos Planos de Desenvolvimento Regional
46
Sustentável nas áreas de abrangência estão organizada em torno dos quatro Eixos
Temáticos do PAS.
No caso do 'Plano BR-163 Sustentável', a região que incluí o Médio Xingu e o Médio
Tapajós foi eleita como área de abrangência do Plano, sendo denominada Mesorregião
Central, com área aproximada de 460 mil quilômetros quadrados. De todas as áreas de
abrangência do Plano, a Mesorregião Central é aquela com menor densidade
demográfica, estrutura fundiária mais concentrada (76% das terras privadas estão em
propriedades acima de 1.500 ha) e infra-estrutura mais precária. Entre 1990 e 2001, a
rede de estradas clandestinas nesta área cresceu 14%, dando suporte à extração
madeireira e à instalação de pastagens. Os municípios de Altamira e São Félix do
Xingu são os principais pólos econômicos da Mesorregião Central, que inclui a Terra do
Meio, vasta área de terras localizada no interflúvio Iriri – Xingu (MMA, 2006).
Os objetivos do 'Plano BR-163 Sustentável são os seguintes: (i) Criação de Unidades
de Conservação (UCs) e mosaicos de áreas protegidas; (ii) Regularização de Terras
Indígenas e territórios quilombolas; (iii) Regularização e consolidação de
assentamentos rurais já existentes; (iv) Regularização das terras públicas, levando em
consideração as recomendações do Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE); (v)
Promover o desenvolvimento territorial em nível municipal e microrregional; (vi)
Estabelecer acordos sobre o manejo dos recursos naturais (MMA, 2006).
No bloco das TIs do Médio Xingu, dentre as estratégias no âmbito do Eixo Temático
“Ordenamento Territorial e gestão ambiental”, estava previsto “demarcar e homologar a
TI Apyterewa e promover a desintrusão das terras” e “realizar ações de vigilância e
proteção das Terras Indígenas”. Dentre essas estratégias, a desintrusão da TI
Apyterewa e as ações de vigilância e proteção das TIs ainda não foram realizadas. No
entorno do bloco, também estava prevista a criação, já consolidada, pelo menos no
papel, de um mosaico de UCs na Terra do Meio (ver a próxima seção, sobre as
políticas ambientais na área).
Conforme as informações contidas no Diagnóstico da AAR, o Plano de
Desenvolvimento Regional Sustentável do Xingu, por meio da identificação de
oportunidades e ameaças ao desenvolvimento da região, tem como objetivo “[...]
47
planejar e potencializar os investimentos trazidos com a implantação da Usina de Belo
Monte, além de atender ao passivo da região historicamente alijada do processo de
desenvolvimento” (págs. 80 e 81). Como, entretanto, o plano ainda está sendo
estruturado, ainda não há informações sobre as atividades previstas.
O Plano Plurianual (PPA) 2008 - 2011 do Estado do Pará
O Plano Plurianual (PPA) 2008-2011 é o principal instrumento de planejamento do
Estado do Pará. Segundo o PPA, as orientações estratégicas para cada Região de
Integração (RI) do Estado foram definidas com base nas potencialidades e nos
entraves ao desenvolvimento sustentável. As variáveis condicionantes consideradas
mais significativas para a integração regional foram a articulação político-institucional,
os investimentos em infra- estrutura e no desenvolvimento econômico e social, além do
apoio e incentivo à melhoria da competitividade das cadeias e arranjos produtivos
locais, em busca da dinamização da economia regional. Dessa forma, priorizam-se as
ações voltadas à diminuição dos gargalos ao desenvolvimento econômico e social e ao
incentivo das potencialidades dessas variáveis em cada RI, em cooperação com o PAC
do Governo Federal.
Nesse contexto, foram identificadas as seguintes potencialidades na RI do Xingu (ver
Diagnóstico da AII do EIA, pág. 81): (i) pólo de distribuição da produção, principalmente
se o asfaltamento da rodovia Transamazônica (BR-230) for consolidado; (ii) pecuária
bovina: carne, couro e lácteos; (iii) fruticultura (abacaxi, banana, cacau, laranja); (iv)
grãos (arroz, feijão, milho e soja); (v) cultivo florestal; (vi) Ovino – caprinocultura; (vii)
indústria extrativa mineral (níquel) e (viii) gemas, jóias e artesanato mineral.
No que tange aos povos indígenas, no Programa de Igualdade Étnico-Racial e Social
do PPA, estão previstos no Estado investimentos de aproximadamente R$ 39 milhões
(ver Tabela 7.6.3-6, na pág. 86 do Diagnóstico da AII) para “garantir direitos dos povos
indígenas, comunidades quilombolas e outras populações tradicionais e negras, com a
promoção e execução de ações integradas de políticas públicas específicas”. No
Diagnóstico, no entanto, não constam informações sobre qual o montante que será
48
destinado a RI do Xingu nem sobre quais dessas políticas públicas específicas foram
ou serão direcionadas para os povos indígenas.
Com relação aos eixos rodoviários e estradas, além da pavimentação da
Transamazônica (BR-230), que será efetuada em conjunto com o PAC Federal26, no
PPA 2008-2011 serão efetivadas a pavimentação da rodovia PA-415 (Ernesto Acioly,
que liga Altamira a Vitória do Xingu) e melhorias na rodovia PA-150, situada a leste do
bloco de TIs do Médio Xingu. Também está previsto no PPA elevar à categoria de
estradas oficiais estaduais duas das principais estradas endógenas (denominadas no
EIA de 'estradas não oficiais') situadas ou no entorno ou no interior do bloco de TIs: a
estrada Transiriri, que atravessa a TI Cachoeira Seca, e a estrada Transassurini, que
corta a vasta área de terras situada ao norte da TI Koatinemo.
Os eixos rodoviários e as Terras Indígenas
Conforme mencionado acima, as pavimentações das rodovias Transamazônica (BR-
230) e Cuiabá-Santarém (BR-163) são duas das principais obras de infra-estrutura
previstas pelo PAC para a Amazônia Legal. Nesse caso, a relevância das obras
provêm não apenas do fato de que ambas as rodovias são eixos estruturais do
transporte rodoviário tanto para a região Norte como para região Centro-Oeste. Mas,
também, pelo fato de ambas estarem relacionadas à Área de Abrangência Regional
(AAR) do AHE Belo Monte.
Devido a estas características, a pavimentação dessas rodovias produzirá diversas
transformações na dinâmica da economia regional, principalmente por proporcionar
uma maior integração dos núcleos urbanos situados ao longo da rodovia e por facilitar
o escoamento da produção. Nesse contexto, é provável que o aquecimento das
atividades econômicas gerado em função das obras de infra-estrutura se traduza em
uma maior pressão sobre as TIs do bloco analisado.
26 Nesse caso, o Governo do Estado do Pará investirá na pavimentação da rodovia um montante de R$
918,5 milhões na obra (ver a tabela 7.6.3-8, na página 93 do Diagnóstico da AII do EIA do AHE Belo Monte).
49
No ano 2000, pesquisadores do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM,
2000) já alertavam que, com base nos estudos que comprovam a relação entre a
implantação ou melhoria de infra-estrutura rodoviária e os desmatamentos, era possível
prever que, em apenas uma faixa de 50 km ao longo de quatro trechos de estradas a
serem pavimentadas através do “Avança Brasil” (e atualmente pelo PAC), uma área
entre 80.000 e 180.000 km2 poderia ser desmatada nos próximos 25 ou 35 anos
(IPAM, 2000). Além disso, a proposta de pavimentação das estradas poderia afetar um
quarto das TIs, Parques Nacionais e áreas de extrema importância para a conservação
da biodiversidade na Amazônia Legal. Isto porque, segundo os pesquisadores, as
melhorias nas estradas permitiriam o acesso rápido e de baixo custo às extensas áreas
de florestas de terra firme localizadas no centro da Amazônia e que, até aquele
momento, vinham sendo protegidas "passivamente" justamente devido a esta
dificuldade de acesso.
No caso das TIs e UCs, os pesquisadores previam que, considerando-se a mesma
faixa de 50 km ao longo de cada lado das estradas para as quais estava prevista a
pavimentação, seriam diretamente afetadas 31 TIs e 26 UCs (embora, no ano 2000, a
maioria das UCs da Terra do Meio ainda não tivessem sido criadas). Com relação às
TIs que compõe o bloco do Médio Xingu, o asfaltamento da rodovia Transamazônica
(BR-230) terá impacto direto sobre as TIs: Koatinemo, Arara, Cachoeira Seca e
Kararaô. Quanto às UCs, a pavimentação das duas rodovias (BR-230 e BR-163)
afetará diretamente a maior parte das área protegidas recentemente criadas na Terra
do Meio.
Ainda que não tenham sido contempladas pelo PAC ou pelo PPA do Estado do Pará,
as rodovias BR-158 e PA-167 estão incluídas no conjunto de eixos que compõem a
malha rodoviária do Médio Xingu. Embora possuam poucos trechos implantados na AII
do AHE Belo Monte, tais estradas possuem grande potencial de integração com as
regiões no interior da Bacia do Médio Xingu, onde estão localizadas diversas TIs e
UCs.
Conforme as informações contidas no Diagnóstico da AII, com uma extensão total
prevista de 3.955 km, a BR-158 é uma Rodovia Federal de diretriz longitudinal que
corta o Brasil de Norte a Sul, projetada para interligar Altamira (PA) a Santana do
50
Livramento (RS). No Estado do Pará a BR-158 foi implantada entre as cidades de
Redenção e Santana do Araguaia, no sul do Estado, trecho inserido na Área de
Abrangência Regional - AAR do AHE Belo Monte.
A partir de Redenção, a BR-158 está prevista para interligar a cidade de Ourilândia do
Norte (face sul do bloco de TIs) a Altamira (face norte). Nesse caso, é relevante o fato
de que, na Volta Grande do Xingu, na área de terra situada ao norte da TI Koatinemo, o
traçado da estrada Transassurini coincide com o traçado oficial projetado para a BR-
158 (ou seja, a Transassuriní é o trecho inicial da BR-158 projetada). No longo trecho
entre Ourilândia do Norte e a rodovia Transassuriní (situada na face norte da TI
Koatinemo) a BR-158 está projetada para passar por dentro da TI Trincheira-Bacajá
(vide Mapa de Vulnerabilidade Territorial das Terras Indígenas - Anexo 6).
A PA-167 tem também um traçado projetado de forma longitudinal. Partindo da
localidade de Carrazedo no município de Gurupá (situado nas proximidades da foz do
Xingu), esta estrada margeia a Floresta Nacional (Flona) de Caxiuanã e atravessa a
cidade de Senador José Porfírio, interligando-a a BR-230 (Transamazônica) na altura
da localidade de Belo Monte do Pontal, onde passa a ter seu traçado coincidente com a
rodovia federal até a cidade de Altamira; a partir deste ponto, a diretriz da PA-167 se
desenvolve na direção Sul acompanhando o interflúvio dos rios Iriri e Xingu, atravessa
a Estação Ecológica (Esec) da Terra do Meio e as TIs Kararaô e Menkragnoti até
conectar-se com outra rodovia também planejada, a BR-235, prevista para interligar a
BR-163 à BR-158, nas proximidades da divisa estadual entre os estados do Pará e do
Mato Grosso. O único trecho implantado, no entanto, é entre as cidades de Senador
José Porfírio e de Altamira, sendo boa parte comum à Rodovia Transamazônica (BR-
230).
Com relação às estradas endógenas, é importante frisar o fato de que as estradas
Transassurini e Transiriri, situadas no entorno e no interior do bloco de TIs,
respectivamente, estão incluídas no PPA 2008-2011 do Estado do Pará com estradas a
serem oficializadas no âmbito estadual e, portanto, passíveis de receberem recursos.
No caso da Transiriri, essa política representará a institucionalização da invasão da TI
Cachoeira Seca, iniciada pela madeireira Bannach na década de 1980.
51
7.3.4 Os povos indígenas e as políticas ambientais no Médio Xingu
Mosaico de áreas protegidas do Vale do Xingu
A consolidação jurídica e prática do bloco de áreas protegidas da Terra do Meio –
contíguo, em suas faces norte e leste , ao bloco de TIs considerado - é o principal
objetivo da política ambiental oficial para o Médio Xingu. A consolidação do bloco
estava inclusive prevista no Plano Amazônia Sustentável (PAS), por meio do Plano de
Desenvolvimento Regional Sustentável para a Área de Influência da Rodovia BR-163
('Plano BR-163').
Nesse caso, é importante mencionar que os blocos da Terra do Meio e das TIs do
Médio Xingu constituem uma porção do mosaico mais amplo de áreas protegidas do
Vale do Xingu. Esse mosaico é formado por quatro grandes blocos: Parque Indígena
do Xingu (MT), bloco de TIs do sul do Pará e do norte do Mato Grosso (TIs Kayapó,
Baú, Mekragnoti, Badjonkore, Panará e Capoto-Jarina), bloco da Terra do Meio (que
inclui UCs e as TIs Xipaya e Kuruaya) e bloco de TIs do Médio Xingu (o qual, além das
seis TIs abordadas, incluí também a TI Trincheira-Bacajá). No total, esse mosaico
configura um corredor de áreas protegidas de mais de 26 milhões de hectares,
conforme pode ser observado no Mapa 3 – Mosaico das áreas protegidas da Bacia do
Rio Xingu.
Conforme as informações apresentadas no Diagnóstico da AII do EIA27, esta proposta
de ordenamento territorial segue as diretrizes do MacroZoneamento Ecológico-
Econômico (MacroZEE) da Amazônia Legal, estabelecidas pela Política Nacional de
Meio Ambiente em 2002. A gestão dos Zonemanetos Ecológico-Econômicos (ZEEs)
estaduais compete às Secretarias Estaduais de Meio Ambiente (SEMAs). Segundo
esse zoneamento, o território paraense divide-se em duas grandes zonas: (i) uma
destinada especialmente às áreas protegidas (65%) e (ii) a outra (35%) destinada à
consolidação e expansão de atividades produtivas, áreas de recuperação e áreas
27 Meio Socioeconômico e Cultural – vol. 09 – seção 7.6.2.1 - “Regionalização”.
52
alteradas. Nesse caso, enquanto as TIs e UCs foram incluídas na categoria de áreas
protegidas, os municípios situados no entorno (tanto ao Norte, na área polarizada por
Altamira, quanto ao sul, na área polarizada por São Félix do Xingu) do bloco de TIs
considerado foram enquadradas na categoria de áreas para a consolidação da
atividade produtiva.
A chamada "Terra do Meio" é uma enorme área de terras no interflúvio Iriri-Xingu,
compreendendo aproximadamente 9 milhões de hectares de floresta. Ao longo dos
últimos anos, esta área vem sendo dilapidada pelo avanço (i) da fronteira econômica
dos municípios de São Félix do Xingu (que alcança a Terra do Meio através da estrada
da Canopus28) e Uruará (que a alcança por meio da estrada Transiriri) e (ii) da área de
influência da rodovia Cuiabá-Santarém (BR-163). Apesar deste avanço, que tem
resultado na expulsão de populações tradicionais, grilagem de terras públicas e
conversão da floresta em pastos de baixa rentabilidade, a Terra do Meio ainda acolhe
centenas de famílias extrativistas, além de ser considerada pelo Ministério do Meio
Ambiente (MMA), através do Programa Nacional de Diversidade Biológica, como "área
de muito alta importância" para a conservação da biodiversidade.
A criação de um conjunto articulado de áreas protegidas na Terra do Meio está sob
avaliação desde 2001, quando a Secretaria de Coordenação da Amazônia do MMA,
por reivindicação do movimento social da Transamazônica, contratou estudos para
esse fim. Assim, em 2002, a equipe do Programa Xingu do Instituto Socioambiental
(ISA) foi responsável, em parceria com organizações locais, pela identificação do
mosaico de UCs da Terra do Meio. O mapeamento revelou que a região é uma das
menos conhecidas e menos povoadas do País, apresenta cerca de 98% de sua área
bem preservada e é rica em biodiversidade e vários recursos naturais, como jazidas de
ouro e grande concentração de madeiras-de-lei (ISA, 2003).
Nesse contexto, a primeira proposta apresentada ao MMA, em 2002, previa a criação
de uma Estação Ecológica com 2,9 milhões de hectares e de um Parque Nacional com
780 mil hectares, ladeadas por três reservas para proteger as populações tradicionais
28 A estrada da Canopus é uma antiga estrada de garimpeiros que liga São Félix do Xingu (localidade
da Taboca) à vila da Canopus, no médio curso do rio Iriri, no sentido SE-NO. Atualmente, é o principal vetor de
penetração da Terra do Meio.
53
da região. Propunha ainda a criação de uma Área de Proteção Ambiental (APA) -
categoria de unidade de conservação que admite a presença de propriedades
particulares em seu interior - com 1,29 milhão de hectares sobre a área ocupada por
propriedades rurais de São Félix do Xingu. No total, esse primeiro mosaico de áreas
protegidas teria 7,2 milhões de hectares. Como resultado, ao longo da atual gestão do
Governo Federal foram criadas a maioria das UCs que compõem o bloco da Terra do
Meio. O capítulo “Caracterização ambiental das Terras Indígenas” deste Relatório
apresenta informações mais detalhadas sobre o mosaico de áreas protegidas do vale
do Xingu.
Projeto Integrado de proteção às populações e Terras Indígenas da Amazônia
Legal (PPTAL) e PPG7
O Projeto Integrado de Proteção às Populações e Terras Indígenas da Amazônia Legal
(PPTAL) faz parte do Programa Piloto para a Conservação das Florestas Tropicais do
Brasil (PPG7). Criado em 1990 a partir de uma reunião do "Grupo dos Sete" (formado
por Alemanha, Canadá, EUA, França, Itália, Japão e Reino Unido), o PPG7 tem como
objetivo proteger as florestas tropicais e conservar a biodiversidade, reduzindo as
emissões de carbono e promovendo um maior conhecimento das atividades
sustentáveis da Floresta Tropical.
Vinculado à Coordenação Geral de Projetos Especiais da FUNAI, o PPTAL tem por
objetivo melhorar a qualidade de vida das populações indígenas, promovendo a
conservação de seus recursos naturais através da regularização fundiária das Terras
Indígenas da Amazônia Legal. Enquanto a regularização é executada pela FUNAI, a
implantação de projetos de proteção a essas áreas é feita através de parcerias entre
organizações indígenas, ONGs e FUNAI. O montante dos recursos destinados ao
PPTAL é da ordem de US$ 21 milhões.
As áreas a serem regularizadas no âmbito do Projeto são escolhidas a partir de
critérios como a existência de ameaça a integridade física e cultural do grupo e a
vulnerabilidade dos territórios indígenas em relação às frentes de expansão e
colonização. No caso do bloco de TIs do médio Xingu, a TI Kararaô foi a única incluída
54
no PPTAL. Neste caso, o PPTAL financiou o processo de regularização fundiária desta
TI. Localizada na confluência dos rios Xingu e Iriri e declarada de posse indígena em
1971, A TI Kararaô foi registrada na Secretaria de Patrimônio da União (SPU) em 1999,
com área aproximada de 330.000 ha.
55
7.4 Caracterização sócio-econômico e cultural dos povos indígenas das TIs
Arara, Cachoeira Seca, Kararaô, Koatinemo, Araweté Igarapé Ipixuna, Apyterewa
7.4.1 Arara – TI Arara e TI Cachoeira Seca
Lideranças Arara - Foto Fábio Ribeiro Março 2009
Nome
Os Arara se auto-denominam Ukarãngmã (ou Wokorongma), que literalmente significa
"povo das araras vermelhas" (ISA, 2006). A designação genérica "Arara", por sua vez,
provavelmente refere-se aos motivos que estes índios tatuavam na própria face
(Teixeira Pinto, 1988).
Não há relação entre os Arara aqui abordados e o povo Arara da Volta Grande,
descendente dos Arara do rio Bacajá, com língua, ocupação territorial e história do
contato diferentes (Patrício,1996).
56
Língua
O povo indígena Arara pertence à família lingüística Karib. As maiores concentrações
demográficas dos povos desta família lingüística encontram-se no maciço das Guianas
e na região dos formadores do rio Xingu (rios Kuluene, Batovi, Culiseu e Ronuro).Por
este motivo, o antropólogo Márnio Teixeira Pinto29 considera que os Arara ocupam uma
posição geográfica marginal em relação aos outros povos indígenas de mesma filiação
lingüística. Junto com os Apiacá do Tocantins (extintos),Yaruma (extintos) e Txicão
(hoje no Parque Indígena do Xingu), os Arara do Estado do Pará foram agrupados
numa subfamília dialetal de nome também "Arara", cujos membros estavam dispersos
principalmente pela bacia do médio e alto Xingu e Iriri.
Histórico do contato
O território tradicional ocupado pelos Arara desde meados do século XIX até meados
do século XX compreendia uma vasta região entre o oeste do rio Xingu, o leste do rio
Tapajós e o sul do baixo rio Amazonas, sendo que a maior concentração de
assentamentos de grupos locais Arara situava-se na margem esquerda do Xingu, na
região próxima a Altamira. Entretanto, a dinâmica social e espacial dos povos
indígenas do interflúvio Tapajós-Tocantins começou a transformar-se radicalmente a
partir do início do século XX, com a intensificação das frentes migratórias para a região
amazônica, as quais imprimiram um novo modo de gestão dos recursos naturais e do
território até então ocupado por populações nativas.
Este processo de modificação do espaço amazônico tomou maiores proporções a partir
dos trabalhos de abertura da rodovia Transamazônica (BR-230) no final da década de
1960. No caso específico do povo Arara, a abertura da Transamazônica além de iniciar
um longo processo de invasão do território indígena, que perdura até hoje, também
marcou o início do processo de "pacificação" do grupo.
29 Relatório de pesquisa - Port. nº 428/Pres FUNAI, s/d
57
O impacto ocasionado pela Transamazônica foi de grande magnitude, cortando o
território Arara ao meio e impossibilitando, desse modo, que o modelo social de
interrelações entre os grupos Arara se reproduzoisse, devido à barreira física. Houve
um rompimento das relações de cooperação e solidariedade que existem entre estes
grupos. O distanciamento espacial a que foram submetidos comprometeu a circulação
dos grupos por diferentes zonas ecológicas, base das relações de reciprocidade, como
a troca de caça por bebida e de itens da cultura material como a taboca para flecha, a
folha de palmeira para a cestaria e uma espécie de coco de palmeira usada para
preparação de bebida ritual.
Todos estes itens da vida social e cultura material dependiam da circulação por
diferentes zonas ecológicas e do sistema de troca e especialidades produtivas dos
diferentes grupos Arara desta região. Os rituais e os casamentos complementavam
estas operações de interdependência.
Tradicionalmente, o sistema sociocultural Arara funciona na base de uma
complementaridade entre os grupos residenciais: quando um exerce o papel de
caçador, o outro se dedica à fabricação das bebidas. Toda a caça obtida por um grupo
será "trocada" pela bebida feita pelo outro. No momento seguinte tudo se inverte, e
quem caçou passa a fabricar a bebida, enquanto quem as fazia, volta a ser caçador.
Tal sistema, que supõe a circulação dos produtos agrícolas no interior de toda a rede
intercomunitária, tem o sentido maior de viabilizar a rede de trocas estabelecida entre
aqueles que exercem, de forma alternada no decorrer dos ciclos anuais, o papel de
caçadores e o de produtores de bebida, criando vínculos de cooperação e
reciprocidade entre todas as unidades domésticas. Tais formas de articulação são de
importância capital para o funcionamento do sistema sociocultural Arara, em suas
expressões econômicas, religiosas, matrimoniais, etc. (Teixeira Pinto, apud
Ribeiro,2006)
Como afirma Teixeira Pinto, “o impacto da implantação dos novos projetos em torno do
leito da rodovia Transamazônica sobre o modo de vida tradicional dos Arara afetou
principalmente o padrão de dispersão espacia, a articulação política dos grupos locais
58
e a possibilidade de exploração extensiva dos ecótipos diferenciados (micro-ambientes
dos igarapés pertencentes às bacias do Amazonas e do Xingu/Iriri).”
O travessão do km 185 é, de fato, a grande "barreira" territorial imposta aos índios da
TI Cachoeira Seca , cujo efeito para a sua relação com os demais índios da TI Arara é
comparável, em todos os sentidos, àquele causado pela própria Transamazônica, nas
relações entre o grupo residencial do Ikoptsi30 que ficou ao norte da rodovia e os outros
que ficaram ao sul.
Contatados na década de 1980, em épocas e locais distintos, estes grupos foram
reunidos nas Terras Indígenas Arara e Cachoeira Seca, situadas ao sul da
Transamazônica, entre esta e o rio Iriri (Mapa de Localização das Terras Indígenas
estudadas – vide anexo 01). Embora sejam contínuas e contíguas e sejam controladas
pelo mesmo povo indígena (os Ukarãngmã), juridicamente as duas TIs estão em
situação completamente distinta, sendo que a TI Arara já está homologada e registrada
na Secretaria de Patrimônio da União - SPU. A TI Cachoeira Seca, por sua vez, teve
seus limites recentemente alterados pela União e ainda não foi homologada.
O longo processo de "pacificação" dos Arara teve início nos primeiros anos da década
de 1970, a partir da abertura da rodovia Transamazônica (BR-230). Quando o trecho
que liga as cidades de Altamira e Itaituba cortou ao meio o território tradicionalmente
ocupado pelos Arara, foram registrados inúmeros confrontos entre os índios e a
população regional.
Em 1971, a FUNAI criou uma Frente de Atração devido "a urgência da pacificação dos
índios para o não prejuízo das obras e projetos em andamento" (Teixeira Pinto, 1988).
A Frente de Atração passou a penetrar sistematicamente no território onde se
acreditava poder encontrar a aldeia dos índios, na altura do km 92 da Transamazônica.
Entretanto, o fato dos Arara estarem divididos em diversos subgrupos locais
extremamente móveis frustrou as tentativas de contato. De fato, muitas vezes as
Frentes de Atração foram desativadas e posteriormente reativadas.
30 Nome do homem mais velho do grupo local que, em geral, o lidera e pelo qual é identificado
59
A situação tornou-se tensa a partir de 1974, quando uma grande parte (396.150 ha) do
território tradicional Arara foi concedido à Cooperativa Tritícola de Ijuí – COTRIJUI,
para a implantação de um projeto de colonização aprovado pelo Ministério da
Agricultura. Auxiliados pelos sertanistas da Frente de Atração, reativada em 1975, os
funcionários que realizavam os trabalhos de topografia da COTRIJUI abriram uma
picada no km 120 da Transamazônica, indo em direção ao sul, para o rio Iriri, cortando
a área já interditada para fins de atração entre os kms 80 e 160 da rodovia.31
Neste período também foram iniciados os Estudos do Inventário do Complexo
Hidrelétrico - CHE de Altamira. Em diversas ocasiões funcionários do CNEC –
Consórcio Nacional de Engenheiros Consultores (empresa responsável pelos estudos
do CHE de Altamira) foram desembarcados de helicópteros, abrindo clareiras próximas
às malocas e às roças indígenas.
Entretanto, apenas em 1979, há informações de choques com colonos, em intervalos
de tempo bastante curtos e locais muito distantes entre si (tanto abaixo do km 120
como acima do km 180), concluindo-se que não se tratava de apenas um grupo
indígena. Assim, a Frente de Atração da FUNAI foi desmembrada em várias equipes
para tentar o contato em pontos diferentes do território. Em maio de 1980, uma das
frentes que havia sido desativada, retomou suas atividades32, com uma grande
mudança qualitativa em sua postura: a política de "caça ao índio", praticada ao longo
da década de 1970, foi substituída pela proteção territorial, física e cultural do grupo
Arara. Assim, ao norte da Transamazônica, na altura do km 80, foi instalada a Frente
Penetacaua. Ao sul da rodovia foi criado o Posto de Vigilância nº 1 (PV 1), no limite sul
da estrada vicinal do km 120.
A partir de 1981, os Arara começam a aceitar cada vez mais os brindes oferecidos, e
passam a visitar freqüentemente o PV 1. Estava consolidado o contato. Ao contrário,
em 1980, a Frente Penetecaua havia perdido o contato com os Arara do norte, o qual
só será retomado no final de 1983.
31 Portaria nº 5.281/N de 30/10/1978 32 Portaria nº 641/N/80
60
Em 04/01/1984, através do Decreto nº 88.018, foi interditada a Área Indígena Arara II,
situada ao norte da Transamazônica. A fixação dos grupos contatados em 1981 e 1983
numa mesma área teve início já em 1984, quando os Arara do norte foram transferidos
para a área interditada ao sul da rodovia (Teixeira Pinto, 1988).
Durante todo o tempo em que a Frente de Atração Arara atuou na região do km 120 da
Transamazônica e do rio Penetecaua, surgiram registros sobre a existência de índios
arredios numa área mais oeste, na região próxima aos igarapés Olhões, Sem-Tripa,
Dois Irmãos e Leite. Assim, no início de 1980 o sertanista Sidney Possuelo coordenou
a primeira expedição para esta região e em 1981 foi instalado um Posto de Atração
junto ao igarapé Liberdade, local onde ocorreram alguns confrontos entre os índios e
alguns ribeirinhos. A partir de julho de 1983 este grupo Arara começa a aparecer nas
roças abertas pelos sertanistas do Posto. Entretanto, até o contato efetivo com o grupo,
realizado em 1987, os sertanistas da FUNAI não sabiam que se tratava de um
subgrupo Arara, visto que aquela região era área tradicional de perambulação de
diversos grupos indígenas como Xipaya, Kuruaya e Kayapó.
Em 1985, considerando o desenvolvimento dos trabalhos de localização e atração do
grupo, foi interditada uma área de 1.060.400 ha33, contígua à Área Indígena Arara I.
Porém, o contato definitivo com os índios que atualmente vivem na aldeia Iriri só
ocorreu em 1987, quando finalmente os sertanistas da FUNAI constataram que se
tratava de um subgrupo Arara.
33 Através da Portaria PP nº 1854/E de 15/04/1985
61
Situação fundiária da TI Arara e da TI Cachoeira Seca
Em 1986, o Grupo de Trabalho da FUNAI34 designado para proceder a identificação e
levantamento fundiário da Área Indígena Arara delimitou uma superfície de 390.000 ha
e 350 km de perímetro, denominada Arara I. A área situada ao norte da
Transamazônica recebeu a designação de Área Indígena Arara II.
Entretanto, como em 1974, grande parte do território indígena (396.150 ha) havia sido
concedida à Cooperativa Tritícola de Ijuí – COTRIJUI, para a implantação de um
projeto de colonização, aprovado pelo Ministério da Agricultura, em 1986, uma parcela
considerável da área delimitada pelo Grupo de Trabalho encontrava-se invadida por
colonos. Buscando uma solução pacífica para a retirada dos colonos, o então
Administrador da FUNAI de Altamira encaminhou uma proposta35 ao então Ministro de
Estado do MIRAD - Ministério da Reforma e Desenvolvimento Agrário, Dr. Jader
Barbalho. O teor da proposta era o seguinte: mediante a retirada dos colonos do
interior da Área Indígena Arara I (delimitada pelo GT de 1986), a FUNAI cederia ao
MIRAD a Área Indígena Arara II, que se encontrava completamente invadida desde a
transferência em 1984 do subgrupo contatado ao norte da Transamazônica, mais uma
área de 443.000 ha, excedente da terceira área interditada para os Arara.
Embora assumida verbalmente pelo Ministro Jader Barbalho, em 1988, tal proposta
não foi executada e a situação de tensão agravou-se36. De fato, o levantamento
fundiário realizado em 1987 revelou que, dos 486 invasores do território indígena,
apenas nove ocupações poderiam ser consideradas de boa-fé, aquelas dos ribeirinhos
da beira do Iriri.
Diante da continuidade das invasões, a FUNAI ingressou com uma ação de
reintegração de posse junto ao Ministério Público Federal. Em 10/01/1990, o Juíz
Federal da 4ª Vara de Belém, Daniel Paes Ribeiro, emitiu liminar de reintegração de
34 Criado pela Portaria nº 2024/E de 12/03/86 35 Através da EM 001/PRESI de 16/03/1988 36 Marco Antônio do Espírito Santo, In: Processos FUNAI nº 0026/86
62
posse em favor da União, exigindo a desintrusão da Área Indígena. A sentença foi
cumprida em junho de 1990, ocasião em que Oficiais de Justiça, Ministério Público
Federal e FUNAI, com o auxílio do INCRA e Prefeitura de Medicilândia, retiraram
invasores dos travessões dos kms 90, 95, 100, 105 e 110.
Concomitante a este trabalho de desintrusão a FUNAI decidiu demarcar a Área
Indígena Arara I37, no entanto, por razões desconhecidas, este processo de
demarcação excluiu parte da área delimitada pelo GT de 198638. Em 24/12/1991, o
Decreto Presidencial nº 399 assinado por Fernando Collor homologa a demarcação
administrativa da Terra Indígena Arara.
Tabela 8. Situação fundiária da TI Arara
AREA (Ha) 274.010,024
PERÍMETRO (Km) 298.77196
MUNICÍPIOS Altamira, Brasil Novo, Medicilândia e Uruará
DECLARATÓRIA n/c
HOMOLOGAÇÃO 24/12/1991
REGISTRO 06/02/1996
SPU 22/06/1994
Fonte: DAF/FUNAI /Ribeiro,2006
A situação jurídica da Terra Indígena Cachoeira Seca encontra-se indefinida há anos.
Como foi citado anteriormente, o processo de regularização desta TI teve início em
1985, quando a FUNAI interditou uma área de 1.060.640 ha39, para realizar o processo
de "pacificação" de um dos subgrupos Arara. Com a efetivação do contato oficial em
1987, a FUNAI40 constituiu um grupo de trabalho de identificação, coordenado pela
antropóloga Wilma Marques Leitão, que propôs uma área de 686.501 ha. Esta proposta
estabeleceu a descontinuidade dos territórios Arara, até então contínuos.
37 Processo FUNAI nº 0026/86 38 Teixeira Pinto, In: Relatório de pesquisa - Port. nº 428/Pres FUNAI, s/d 39 Através da Portaria nº 1.854/E 40 Portaria nº 1.528 de 21/12/1988
63
Nas áreas excluídas pela FUNAI, situadas entre as Terras Indígenas Arara e Cachoeira
Seca, encontravam-se aquelas de atuação da madeireira Bannach e as de ocupação
das frentes de colonização. Devido a incorreções constatadas no lado da proposta de
1988, foi criada uma Comissão Especial de Análise da FUNAI, que definiu os limites do
que veio a ser a Terra Indígena Cachoeira Seca, com 760.000 ha contínua à TI Arara.
Em 22/01/1993, foi publicada no Diário Oficial da União a Portaria nº 26 do Ministério
da Justiça, que declarava de posse permanente indígena para efeito de demarcação a
TI Cachoeira Seca, com 760.000 há, incidentes sobre terras dos municípios de
Altamira, Placas e Uruará. Esta portaria foi contestada pelo Ministério Público Federal,
fundamentado principalmente pelo laudo da proposta de 1988. Além disso, em
05/02/93, o Prefeito de Uruará, em defesa dos fazendeiros, colonos e madeireiros,
instalados no interior da Terra Indígena, impetrou um Mandato de Segurança, contra a
ação administrativa do Ministério da Justiça. A partir de então se iniciou uma grande
disputa judicial em relação à TI Cachoeira Seca.
Como resultado, a FUNAI determinou a realização de novos estudos
complementares41, a serem coordenados pelo antropólogo Márnio Teixeira Pinto,
especialista na etnia Arara. No relatório de pesquisa apresentado, Teixeira Pinto,
defendendo a área definida pela Portaria nº 26, esclarece que os índios da TI
Cachoeira Seca reconhecem-se e são reconhecidos como pertencentes ao conjunto
dos Ukarãngmã (ou Wokorongma), ou seja, ao povo historicamente conhecido por
"Arara", e que engloba os indivíduos da TIs Arara e Cachoeira Seca. Além disso, ao
descrever o padrão de organização social e espacial do povo indígena Arara, Teixeira
Pinto prova o uso tradicional por parte dos Arara da área entre os igarapés Olhões e
Cajueiro, o que justifica a necessidade da demarcação contínua das duas TIs
controladas pelos Arara. No final do laudo, o antropólogo propõe apenas uma
retificação quanto ao limite norte da TI Cachoeira Seca.
Foram apresentadas diversas contestações à identificação e delimitação da TI
Cachoeira Seca. Entretanto, a maioria dos Mandatos de Segurança impetrados contra
a Portaria nº 26/MJ foram desconsiderados pelo Supremo Tribunal de Justiça. Em
41 Através da Portaria nº 428/Pres/FUNAI
64
2004, tiveram início os trabalhos de demarcação da Terra Indígena, logo suspensos
por força da decisão do STJ42, que acatou novo mandato impetrado por invasores.
Em 2008, por meio da Portaria nº 1235 de 30/06/2008, a União modificou o limite norte
da TI. Por um lado, uma área cortada pela estrada Transiriri e caracterizada como de
impossível desintrusão foi excluída da TI. Por outro, uma área que anteriormente não
fazia parte da TI foi incluída na área declarada de posse indígena. Como resultado
dessa Portaria, a TI Cachoeira Seca foi reduzida em aproximadamente 26.000 ha (de
760.000 para 734.027 ha). A homologação da TI Cachoeira Seca bem como sua
desintrusão não foram concretizadas.
Tabela 9. Situação fundiária da TI Cachoeira Seca
AREA (Ha) 734.027
PERÍMETRO (Km) 541
MUNICÍPIOS Altamira, Placas e Uruará
DECLARATÓRIA PD nº 1235/MJ de 30/06/2008
HOMOLOGAÇÃO n/c
REGISTRO n/c
SPU n/c
Fonte: DAF/FUNAI /Ribeiro,2006
Aspectos demográficos
Tradicionalmente, no período anterior ao contato oficial, a estrutura social do povo
Arara era caracterizada pela dispersão espacial de vários grupos locais que, embora
autônomos em termos econômicos e políticos, articulavam-se através de uma imensa
rede de prestações e trocas comerciais e cerimoniais43. A partir da década de 1970,
com o início dos trabalhos de "pacificação" e com a dilapidação do território tradicional
deste povo indígena, a estratégia encontrada pelos Arara para resistir ao contato com a
sociedade brasileira, foi a aglutinação dos diversos grupos locais .
42 No julgamento do Mandato de Segurança nº 4.819-DF 43 Teixeira Pinto, In: Relatório de pesquisa - Port. nº 428/Pres FUNAI, s/d
65
No caso dos índios que hoje habitam a TI Arara, o grupo contatado em 1981, ao sul da
rodovia, estava composto por indivíduos pertencentes a três sug-grupos. Em 1983, ao
norte da rodovia, a Frente da FUNAI estabeleceu contato com outro subgrupo local,
que provavelmente não conseguira cruzar a Transamazônica em busca da
aproximação com os outros grupos locais.
No caso do grupo que atualmente habita a TI Cachoeira Seca, o contato oficial foi feito
só em 1987, ocasião em que os sertanistas da FUNAI "pacificaram" os membros de um
único grupo local há muito tempo isolado dos outros grupos que compunham a rede
intercomunitária. Em ambos os casos, e em comparação aos processos de
"pacificação" dos outros grupos indígenas do médio Xingu, os Arara não sofreram (ou
sofreram pouco) os efeitos deletérios das doenças trazidas pelo contato. De fato, os
sete falecimentos causados por um surto gripal na TI Arara são as únicas mortes
atribuídas às condições epidemiológicas do pós-contato (Teixeira Pinto, 1988). Nos
últimos 15 anos observou-se um considerável crescimento demográfico do grupo.
Atualmente o povo Arara está dividido em duas aldeias, ambas situadas na margem
esquerda do rio Iriri: aldeia Laranjal, situada na TI Arara, cuja população atual é de 236
indivíduos e aldeia Iriri, situada na TI Cachoeira Seca, cuja população atual é de
81pessoas. O tempo de viagem destas duas aldeias até a cidade de Altamira está
sintetizado na Tabela 11 abaixo
Tabela 10. Tempo de viagem Altamira - aldeias Laranjal e Iriri
Aldeia Época Avião (ida) Voadeira (ida) Barco (ida)
Inverno 5 horas 16 horas Laranjal Verão
sem pista
pouso 8 horas 24 horas
Inverno 14 horas 25 horas Iriri Verão
sem pista
pouso 20 horas 30 horas
Fonte: FUNAI – 2003/ Ribeiro,2006
66
Em ambos os casos, o cargo de chefe de posto da FUNAI é ocupado por sertanistas44
que integraram as Frentes de Atração deste povo indígena. Além destes servidores da
FUNAI, outros indivíduos não indígenas vivem nas aldeias dos Arara: professores,
auxiliares de saúde , demais servidores da FUNAI e no caso da TI Arara, missionários
da ALEM - Associação Linguística Evengélica Missionária.
Organização social e estratégias de sobrevivência frente ao contato com a
sociedade nacional
O povo Arara era composto por diversos grupos locais, que estavam dispersos
territorialmente por todo o divisor de águas das bacias do Xingu e baixo Amazonas, até
provavelmente o final da década de 1960, como mostra o trecho a seguir:
"(...) no passado os vários grupos residenciais dispersos territorialmente
configuravam unidades políticas locais autônomas e independentes. Uma rede de
prestações múltiplas costurava as relações entre esses grupos, definindo as
nervuras da vida social Arara: a autonomia política e a independência econômica
eram justapostas à colaboração para os ciclos rituais e a vinculação matrimonial
de todos os subgrupos pertencentes à rede intercomunitária. A possibilidade de
que estes três marcos tradicionais da vida social Arara pudessem efetivar-se na
prática dependia, obviamente, da capacidade de cada subgrupo de se relacionar
com os demais." 45
Politicamente, as unidades locais eram lideradas pelo homem mais velho do grupo,
inclusive os subgrupos eram identificados pelo seu nome. Eventualmente,
acontecimentos que abalavam o prestígio ou o reconhecimento do velho líder de um
subgrupo, como crimes, acusações de feitiçaria, descumprimento de normas de
convívio, etc., poderiam levar ao isolamento social e espacial dos subgrupos
pertencentes à rede intercomunitária.
44 TI Arara: Arismar Mendes Barros; TI Cachoeira Seca: Afonso Alves Cruz 45 Teixeira Pinto, In: Relatório de pesquisa - Port. nº 428/Pres FUNAI, s/d
67
De acordo com a mesma fonte, este isolamento denotava uma estratégia política que
visava à reafirmação do prestígio do líder perante os líderes dos outros subgrupos. A
contrapartida desta atitude política era a adoção da endogamia como única estratégia
de reprodução biológica do subgrupo. Entretanto, o isolamento tinha caráter
temporário: "após um par de anos, um líder de um grupo residencial com grande
prestígio junto aos outros, ou um xamã, atendendo a imperativos simbólicos, tomava a
iniciativa de procurar o líder do grupo isolado, incitando-o a retomar as relações com os
demais." 46
Contudo, a partir do final da década de 1960, com a abertura da rodovia
Transamazônica, planejada para passar exatamente no divisor de águas Xingu/baixo
Amazonas, e a implantação dos projetos de colonização do INCRA, consolidaram
barreiras concretas ao padrão tradicional de organização social do povo Arara.
Por um lado, em virtude da iminência do contato com a sociedade nacional, os
subgrupos locais se viram impedidos de utilizar extensivamente o território que
dominavam há anos e, por esse motivo, acabaram se aglutinando,como se afirmou
acima. Por outro lado, a intensiva ocupação não indígena do território Arara impediu
que retomassem a rede intercomunitária de subgrupos até então isolados. Este é o
caso dos subgrupos contatados em 1983, ao norte da Transamazônica, e em 1987, na
área onde está situada a TI Cachoeira Seca.
No caso da população que atualmente habita a TI Arara, a aglutinação estratégica
criou uma situação sui generis no período pós-contato: embora vivendo até hoje numa
única aldeia, cada subgrupo local ainda mantêm sua autonomia política e
independência econômica. Cada um dos subgrupos locais, que com a aglutinação em
uma só aldeia transformaram-se em subgrupos residenciais, tem lugares específicos
para caça e plantio, locais separados para tomar banho no rio, distintos papéis durante
os rituais e até horários diferentes para receber atendimento no posto de saúde. Por
este motivo, a aldeia Laranjal consiste num agregado sociopolítico-residencial, e não
numa unidade orgânica. Inclusive, há registros de pressões internas para o retorno ao
padrão tradicional de dispersão territorial.
46 Idem
68
No caso do grupo que atualmente habita a aldeia Iriri, a história se mostrou mais
dramática. Isolado da rede intercomunitária por razões incertas, provavelmente um
assassinato, o único casal que deu origem a todo o grupo da TI Cachoeira Seca,
tentou uma reaproximação com os outros subgrupos locais em meados da década de
1980. Entretanto, a ocupação não indígena do território situado ao sul da rodovia
Transamazônica, principalmente ao longo dos travessões perpendiculares à rodovia,
impediu o processo de reintegração deste subgrupo à rede de prestações
intercomunitárias. Embora autônomo em termos políticos e econômicos, o grupo teve
que recorrer à estratégia da endogamia, para perpetuar sua reprodução biológica num
contexto de total isolamento.
Relação dos Arara com os recursos naturais da Bacia fluvial do Xingu
O povo indígena Arara é tradicionalmente agricultor e caçador. O confinamento
territorial observado nas últimas décadas, somado ao fato das duas aldeias deste povo
situarem-se na beira do rio Iriri transformaram a pesca numa atividade cada vez mais
importante para o grupo.
A gestão tradicional dos recursos naturais por parte dos Arara estava inteiramente
associada ao padrão de organização sócio-espacial do grupo. Neste sentido, o fato dos
Arara habitarem imemorialmente o divisor de águas entre as bacias do Xingu e do
baixo Amazonas permitia a utilização, pelos grupos locais, de matérias-primas oriundas
de dois ecótipos distintos, o que resultava no acesso a territórios de caça e coleta
diferenciados. Como mostra Teixeira Pinto47 :
"A dispersão espacial dos grupos residenciais, como condição para sua
independência econômica e autonomia política, implicava num modo de uso
extensivo e sazonal dos recursos naturais em toda a região do divisor de águas
entre a bacia do Amazonas e a bacia do Iriri/Xingu. Dada a rede de colaboração
47 Relatório de pesquisa - Port. nº 428/Pres FUNAI, s/d
69
intercomunitária, cada grupo residencial/local ocupava e explorava um
determinado trecho do território, cujos recursos naturais acabavam circulando no
interior da rede, de modo a torná-la coesa e solidária, em relação à possibilidade
de acesso aos recursos naturais desigualmente distribuídos no território. O caráter
instável dos assentamentos permitia também uma espécie de rodízio do território,
de modo que as rotas tradicionais dos vários subgrupos acabavam se cruzando,
criando uma verdadeira "malha viária" nativa sobre o território explorado
coletivamente pelos vários grupos residenciais em que o povo Arara sempre
esteve dividido."
Com relação à prática agrícola, os Arara tendem a fazer as roças em lugares próximos
às aldeias. Tradicionalmente, a agricultura Arara supõe o preparo de dois tipos de
roças: uma individual, cujo objetivo é o sustento das unidades familiares; e outra
coletiva, preparada pelos membros de um subgrupo local e destinada ou aos membros
deste mesmo subgrupo ou, através da transformação dos vegetais em bebidas
fermentadas, ao oferecimento aos membros de outro subgrupo local.
Embora a preferência recaia sobre a macaxeira, os outros itens que plantam (batata,
cará, milho, banana e etc.) também servem para o preparo da bebida. Entretanto, o
fato dos grupos locais estarem aldeados num mesmo local há décadas, provocou uma
situação complicada na qual cada grupo residencial está sendo obrigado a fazer roças
cada vez mais distantes, o que diminui muito a produtividade do trabalho.
As caçadas, realizadas atualmente quase que exclusivamente com espingarda (com
exceção de alguns velhos da TI Cachoeira Seca, os quais continuam a utilizar o arco-
e-flecha), e a agricultura, são definidas pelos Arara em duas modalidades: uma
cotidiana, realizada o ano inteiro e que visa o consumo individual e familiar; e outra
coletiva, realizada principalmente na seca pelos homens de um mesmo grupo
residencial, e cujo objetivo é o abatimento de um grande número de animais, que
devem ser oferecidos aos membros dos outros grupos residenciais. Deveria haver, de
acordo com esta fonte, uma complementaridade entre as atividades agrícolas e de
caça praticada pelos grupos residenciais: toda caça obtida por um grupo será trocada
70
pela bebida fermentada produzida pelo outro. No momento seguinte tudo se inverte, e
quem caçou passa a fabricar a bebida e vice-versa48.
Os Arara coletam grande variedade de produtos da floresta, utilizados na alimentação
(mel, castanha, frutas silvestres e cocos), na produção de armas (tabocas e madeiras),
na ornamentação corporal (principalmente o jenipapo) e na confecção de diversos
objetos da cultura material (fibras, palhas).
Relações com a sociedade envolvente e com outros grupos indígenas
As relações dos Arara com outros grupos indígenas e não-índios da região foram
belicosas até recentemente, isto é, até os contatos com a frente de atração da FUNAI,
de 1980 a 1987. Além das pressões que vinham sofrendo, alterando radicalmente a
ocupação tradicional de seu território, a mudança de metodologia na “atração” acabou
por obter o contato porque encontrou ressonância no sistema de representações Arara.
Os membros dessas frentes de atração foram generosos nos brindes que deixavam
para os índios, comportamento valorizado na ética Arara. De “Espíritos Maléficos”, pois
antes os atacavam, os não-índios passaram a ser considerados Ipari, ”aqueles com
quem se brigou no céu, mas, uma vez no chão, aceitoram, apesar das diferenças, as
regras de uma convivência solidária” (Teixeira Pinto, 2000:417). O antropólogo afirma
que o xamã que acompanhava o primeiro grupo a sair da floresta, chamou os brancos
por este termo, pois a mudança do comportamento destes “implicava, do lado dos
Arara, um novo modo de representá-los”.
Nesta lógica de incorporação de seres ao seu universo cosmológico, a partir das
circunstâncias históricas em que vivem, os Arara passam a estabelecer relações
variadas e comprometedoras com os diversos segmentos sociais da região, colonos e
ribeirinhos, numa rede que pode se estender cada vez mais, se o modo de reprodução
social Arara não estiver garantido.
48 Idem
71
Após o período do contato com a frente de atração, com a escassez dos bens
ofertados pelo Posto Indígena, e com seu território invadido por colonos, os Arara
passaram a buscar bens materiais, às vezes deixando seus afazeres para “cederem
seu trabalho às tarefas dos colonos”, tendo acesso ao uso indiscriminado de bebida
alcoólica. 49
Completados 20 anos da "pacificação" do grupo que hoje habita a aldeia Iriri, a TI
Cachoeira Seca pode ser considerada uma área de conflito interétnico. De acordo com
o levantamento realizado pela FUNAI em 2005 (ver RIBEIRO, 2006), 1.231 famílias de
colonos estavam instaladas no interior da Terra Indígena, principalmente ao longo do
travessão conhecido por Transiriri, com 92km, situado na porção leste da Terra
Indígena, ligando a Transamazônica ao rio Iriri. Com a redefinição dos limites da TI em
2008, diminuindo sua área exatamente onde se encontravam estas famílias, o número
chega atualmente em torno de 700, de acordo com informação do administrador da
FUNAI em Altamira.
Os Arara da TI Arara também tem tido problemas com os regionais, principalmente
madeireiros, que estão invadindo a porção oeste e norte da TI.
Nesse caso, na reunião realizada no dia 18/03/2009 na aldeia Laranjal, os Arara,
dentre eles o velho Toití e o jovem Toti, expressaram grande preocupação em relação
à invasão feita a partir do travessão do km 155, a qual já dura cinco anos. Segundo os
indígenas e segundo Caetano Ventura, técnico da FUNAI local, os invasores relutam
em desocupar a Terra Indígena. Embora o MPF já tenha sido alertado e embora a
FUNAI já tenha dialogado com os invasores sobre esta questão, os invasores têm feito
ameaças com armas aos indígenas que se deslocam para o local com o objetivo de
expulsá-los. Chegaram a afirmar nesta reunião que se não houver outra solução,
pretendem eles próprios realizar a expulsão.
Ainda de acordo com os Arara, a área de ocupação é utilizada pelo grupo para caça e
coleta de castanhas, mas os invasores já possuem lavouras de arroz, feijão, milho e
cacau.
49 Relatório de Pesquisa- Port.n 428/Pres.FUNAI,s/d
72
Pescadores de Altamira, que costumam invadir os territórios indígenas da região,
também têm invadido as duas terras indígenas Arara, conforme as informações
registradas durante as estadias nas duas Terras Indígenas.
Além dos invasores citados acima, atualmente, 35 famílias de ribeirinhos vivem no
interior da TI Cachoeira Seca. Neste caso, entretanto, a presença não indígena conta
com a conivência dos Arara.
Há também na TI Cachoeira Seca uma localidade denominada Cupim, anteriormente
formada por famílias Xipaya às quais se juntaram uma família Xikrin do Bacajá e,
recentemente, duas famílias (4 pessoas) Kararaô.
As relações dos Arara com os não-índios se diversificaram e as representações que
formulam sobre os invasores tentam dar conta da experiência atual, podendo-se admitir
a importância das mesmas no que se refere a este item dos estudos.
Por ocasião da estadia da equipe deste relatório na aldeia do Laranjal (TI Arara), em
19/03/2009, o depoimento de Aktô, revelou um estado agudo de frustração e tristeza
em relação ao trauma vivido pela abertura da rodovia Transamazônica. O sentimento
de revolta e insatisfação com os não-indígenas, manifesto na reunião sobre a AHE
Belo Monte é cumulativo, considerando-se os impactos já vivenciados pelos Arara por
outro empreendimento do governo brasileiro em suas terras.
Disse Aktô:
Porque o governo insiste no projeto da barragem? Por que o governo não
deixa a gente em paz? Eles já passaram em cima da nossa terra e
agora querem fazer outro projeto que piorará a nossa vida.
Aktô observou ainda que a cidade de Medicilândia foi formada em cima do local onde
seu avô encontra-se enterrado. Como resultado da abertura da Transamazônica,
contou que ficaram vários anos fugindo, escutando a zoada do trator, dia e noite, sem
poder fazer fogo, só comendo castanha e coco babaçu.
73
Os Arara e os projetos de aproveitamento hidrelétrico no rio Xingu
Reunião na Aldeia Laranjal / Foto Fábio Ribeiro Março 2009
Para Teixeira Pinto, a diminuição dos bens ofertados pelos brancos e as notícias sobre
os projetos hidrelétricos da bacia do Xingu foram os desafios, na década passada, para
o modo como os Arara têm representado o branco. Na versão apresentada à época em
que o pesquisador esteve entre eles, final dos anos 90, a inundação das suas terras
poderia significar a última etapa da catástrofe que começou com o “egoísmo”, que
causou a briga, que fez cair a “casca do céu” sobre as águas, de onde se originaram os
Arara e os brancos. (2000 : 417)
O mesmo autor se pergunta: “... agora, o assoalho terreno onde ainda podem pisar os
Arara desaparecerá sob as águas que os têm sustentado?” (idem: 419). Termina ainda,
por colocar uma questão fundamental, que seria compreender como os Arara irão
74
estabelecer novas relações com os brancos, necessárias para as reivindicações de seu
direito sobre as terras e com relação às “ameaças das águas”. E conclui afirmando que
o problema para os Arara atualmente é “saber onde está, de fato, este outro branco
com o qual devem ser acertadas as regras da nova convivência” (idem:421).
Na reunião realizada com os Arara, nos dias 18 e 20/03/09, sobre o projeto AHE Belo
Monte, entre as preocupações manifestadas quanto ao aumento de invasores do
território e das doenças, devido ao crescimento explosivo da população na região, foi
explicitamente formulada a questão acima. Perguntou-se a quem deverão se dirigir
para exigir as providências devidas quanto à regularização do território, assistência à
saúde e recursos para garantirem condições de enfrentamento das perdas que
sofrerão.
Tembektodem disse:
Quem vai ficar responsável pelo atingimento dos índios, isso é o que nós queremos
saber. O governo está pensando só no crescimento do Brasil mas ele não pensa que
vai atingir os índios. Ele primeiro tem que pensar, tem que demarcar terra indígena,
tem que ver o que que índio passa quando ele construir a barragem.
Aí ele vai trazer emprego para a cidade mas para o índio não vai trazer nada de bom
não. Vai aumentar prostituição na cidade, alcoolismo, criminalidade, tudo vai aumentar
por aí, nas terras indígenas...porque tem muito índio que sai e pesca e que vai
trabalhar na Eletronorte. Tem muito índio já sai por ai que bebe cachaça, sai com os
brancos, aí esse aí doença né vai chegar na aldeia, vai aumentar tudo, vai piorar, isso
aí é que governo tem que pensar também, tem que beneficiar os índios através desse
negócio aí, prejudicação dos índios.
Esta manifestação foi complementada pela seguinte pergunta feita por outro Arara
presente à reunião:
Deve ter um pessoal que responsabiliza pelo prejuízo que o índio paga.
Para os mais velhos, a reação foi de grande preocupação com as conseqüências de
inundação das terras, como o desaparecimento dos animais, mesmo após se insistir,
na demonstração do projeto, que isso não ocorrerá. Houve manifestação também no
75
sentido de que a nova informação os confunde, afirmando um dos presentes que se
misturou “sal com farinha”.
Outras falas a respeito do projeto AHE Belo Monte, foram as do jovem Toti que serviu
de intérprete e do velho líder Toiti. Este, antes da reunião se iniciar, apresentou-se
ornamentado, com pintura de jenipapo, enfeite plumário, arco e flecha e um chumaço
de folhas verdes. Dançando, Toiti abanava o ar com as folhas, em cima de um dos
membros da equipe.
Disse o jovem Toti:
O governo não nos deixa explorar comercialmente a nossa própria terra mas, ao
mesmo tempo, quer fazer o projeto da barragem, que afetará nossa terra.
Ao se pronunciar sobre a informação dada pela equipe dos estudos de que os peixes
do reservatório não migrariam a montante, o velho líder Toiti disse que o rio é a casa
dos peixes e eles podem ir para onde quiser. Desse ponto de vista, para os Arara, a
barragem provocaria mudanças na população dos peixes do rio Iriri.
Relações econômicas após o contato.
Quanto às relações econômicas criadas pelo contato com a sociedade nacional, as
fontes de recursos advindas destas são fundamentalmente as estabelecidas ou
intermediadas pelos órgãos governamentais de proteção e assistência (FUNAI e
FUNASA): aposentadorias, salários de Agentes Indígenas de Saúde (AIS) e
Saneamento Básico (Aisan) comercialização de artesanato, comercialização de
castanha e comercialização de sementes de mogno.
Com relação ao auxílio fornecido pelo governo federal, a aldeia Laranjal conta
atualmente com 18 aposentados, 1 AIS e 1 Aisan. Todos recebem um salário mínimo
mensal. O artesanato Arara é comercializado apenas na Casa do Índio de Altamira, e
por este motivo não representa uma fonte expressiva e regular de renda.
76
A comercialização de castanha foi realizada entre 1998 e 2005 através da cooperativa
Amazoncoop50, na qual os Arara, da aldeia Laranjal, estavam envolvidos formalmente
desde 1998, ano de fundação da cooperativa. Mesmo que as atividades da cooperativa
tenham sido finalizadas em 2006, os Arara das duas TIs continuam a coletar castanhas
com objetivo comercial51. As castanhas são vendidas, no entanto, no mercado local.
Não foram obtidas informações específicas sobre as quantidades comercializadas e
sobre o montante de recursos monetários gerados pela atividade.
No que tange à comercialização de sementes de mogno, de acordo com Nerci Caetano
Ventura, técnico da AER da FUNAI de Altamira, em 2005, os Arara coletaram
aproximadamente 50 kg de sementes, cujo valor é de R$ 50,00 o quilograma
(RIBEIRO, 2006). Atualmente, os Arara das TI Arara e Cachoeira Seca, assim como os
Araweté e os Kararaô, continuam coletando e vendendo sementes, em uma escala
menor, no entanto, que aquela observada em 200552.
A instabilidade no fluxo de obtenção destes recursos monetários tem levado a
estratégias que podem comprometer a vida social e biótica do grupo em busca de
alternativas, uma vez que menos fontes de recursos monetários geram mais busca de
novas relações com os brancos.
No caso dos Arara que vivem na TI Cachoeira Seca(aldeia Iriri), as fontes de renda são
ainda mais escassas. As únicas fontes de renda disponíveis são as aposentadorias, os
50 Amazoncoop é o nome fantasia da Cooperativa Agrícola Mista dos Produtores Extrativistas de
Altamira (Campealta). Criada pelo administrador da AER-FUNAI de Altamira em 1998, a Amazoncoop exportava
óleo de castanha do Pará para a empresa britânica de cosméticos The Body Shop. Participavam formalmente como
cooperados os povos Asuriní, Araweté, Arara da TI Arara( aldeia Laranjal), Xikrin e Kararaô. Os Parakanã, Arara da
TI Cachoeira Seca, Xipaya, Kuruaya e Juruna aldeados, sociedades não cooperadas, vendiam a safra da castanha
para a cooperativa ou participavam da atividade de extração do óleo no galpão da Amazoncoop na cidade Altamira.
Na prática, os cooperados indígenas não participavam da divisão de lucros da cooperativa. A diretoria da
cooperativa (Presidente Honorário, Presidente Executivo e Diretor Financeiro) era composta por não-indígenas,
respectivamente, o administrador da FUNAI, um empresário local e um missionário da ALEM-Associação Linguística
Evangélica Missionária. Devido a desentendimentos administrativos entre a empresa e a diretoria da cooperativa, as
atividades da Amazoncoop foram finalizadas em 2006. O maquinário da extração de óleo foi encaminhado para a
aldeia Apyterewa, estando atualmente paralisado (Ribeiro, 2009). 51 Informação fornecida por Caetano Ventura, técnico da Administração Executiva Regional (AER) da
FUNAI em Altamira, no dia 16/03/2009, na sede da AER. 52 Idem.
77
salários de Agentes Indígenas de Saúde (AIS) e Saneamento Básico (Aisan), a ínfima
comercialização de artesanato e a coleta de sementes de mogno. Durante a visita à TI
Cachoeira Seca, nos dias 19 e 20/03/2009, foi registrado que alguns jovens coletaram
castanhas com objetivo comercial.
Atualmente, a aldeia Iriri conta com apenas três aposentados, 1 AIS e 1 Aisan. O
artesanato feito pelo grupo é comercializado pelo Museu do Índio da FUNAI de
Altamira. Porém, assim como no caso dos Arara do Laranjal, esta atividade não
constitui fonte expressiva e regular de renda. Atualmente, inclusive, informaram que
este Museu não mais tem realizado a comercialização de seu artesanato, depois que a
Fundação Ipiranga53 .
53 A Fundação Ipiranga desenvolve ações de preservação e disseminação da cultura paraense. . Para mais informações ver: http://www.fundacaoipiranga.com.br
78
7.4.2 Kararaô – TI Kararaô
Mulher Kararaô - Foto Fábio Ribeiro Março 2009
Nome e Língua
O termo Kararaô (que em algumas referências aparece como sendo um grito de guerra
na língua Kayapó) é o designativo utilizado para os sub-grupos Kayapó que se
originaram a partir da cisão com os Gorotire. Os Kararaô falam a língua Kayapó, família
lingüística Gê, tronco Macro-Gê.
Histórico do contato
Os Kararaô são um sub-grupo Kayapó que se cindiu do bloco Gorotire, provavelmente
nas primeiras décadas do século XX. De acordo com a antropóloga Lux Vidal (1988), é
provável que os Kararaô, assim como todos os outros grupos Kayapó, inclusive os
Xikrin, se auto-denominem Mebengokré, que significa “gente do buraco d’água” ou
79
“gente da água grande”, em referência aos rios Tocantins e Araguaia, cuja travessia
provavelmente marcou a separação do grupo ancestral54.
Após a cisão entre os Gorotire e os Kararaô, ocorrida provavelmente no rio Vermelho,
afluente secundário do Xingu, os Kararaô rumaram para norte, para o interflúvio Curuá-
Iriri, onde posteriormente dividiram-se em dois grupos (Arnaud,1989), provavelmente
na década de 1930. Conforme este autor, um desses grupos permaneceu na aldeia
(interflúvio Curuá-Iriri), e o outro migrou para o baixo Xingu, para a área drenada pelos
igarapés Penetecaua e Jaraucu (afluentes da margem esquerda do Xingu), nas
proximidades do município de Porto de Moz.
O grupo que permaneceu na aldeia do interflúvio Curuá-Iriri posteriormente cindiu-se
em vários grupos menores, sendo que um deles quase foi exterminado por uma
expedição punitiva organizada por seringalistas (auxiliados por índios Xipaya e
Kuruaya), segundo a mesma fonte.
Um outro grupo foi pacificado nos finais da década de 1950, pela Frente do SPI
chefiada pelo sertanista Francisco Meirelles. Tal grupo foi fundido com o grupo Kayapó
Kubén-Kragnotí. Um outro grupo proveniente dessa cisão deslocou-se para o baixo
Iriri, tendo sido pacificado em 1971 em decorrência dos trabalhos de abertura da
Transamazônica. Esse grupo é o mesmo que hoje habita a TI Kararaô (ARNAUD,
1989).
O grupo que após a cisão no Curuá-Iriri migrou para o baixo Xingu, permaneceu não
pacificado durante aproximadamente trinta anos (1930-1960), período em que foram
registrados diversos conflitos entre esses índios e a população regional. Como
resultado, no período pré-contato esse grupo já vinha sofrendo forte redução
demográfica. Após a pacificação na década de 1960, uma epidemia de sarampo quase
vitimou o grupo (informação fornecida em 19/03/2009, pelo sertanista Afonso Alves da
Cruz, que participou da pacificação desses Kararaô). Os oito sobreviventes foram
integrados aos Xikrin do Bacajá e do Cateté.
54 Para mais informações sobre a etno-história Kayapó, ver as obras de Vidal (1977) e Turner (1992).
80
Organização social e política
Pelo fato de ser um grupo Kayapó, é muito provável que a organização social dos
Kararaô no período anterior ao contato se assemelhasse muito com aquela observada
nos demais grupos auto-designados Mebengokré, ou seja, aldeias circulares
compostas por unidades residenciais matrilocais, grupos de trabalho organizados por
categorias de idade, rituais, etc. (VIDAL, 1977). De fato, Arnaud (1989) registra que, no
caso do grupo pacificado no igarapé Jaraucu, a aldeia Kararaô era circular. Esse autor
não fornece, no entanto, informações detalhadas sobre a organização social daquele
grupo.
No caso dos Kararaô que atualmente habitam a TI Kararaô, na viagem realizada pela
equipe responsável pelo Componente Indígena, foi observado que a aldeia não possui
formato circular. Nesse caso, é provável que a depopulação do grupo no período pré-
contato os tenha obrigado a encontrar novos arranjos matrimoniais, necessários à
reprodução física e cultural do grupo. Nesse caso, no entanto, o curto período da visita
à TI Kararaô inviabilizou o levantamento de dados detalhados sobre a organização
social atual.
O velho Kamayurá - índio Gorotire que participu da Frente de Atração dos Kararaô e
posteriormente fixou-se no seio desse grupo – é a principal liderança tradicional da
aldeia. Seu filho Irepri, no entanto, é aquele que mantém maior relação com os
brancos, sendo o atual Chefe de Posto da Funai na aldeia.
Situação fundiária
Em 1971, com a pacificação do grupo Kararaô no baixo Iriri, foi criada a Reserva
Indígena Kararaô (atual TI Kararaô), a primeira da região de Altamira. Esta Reserva foi
declarada como de posse permanente indígena através da Portaria PD DD-68.914 de
81
13/07/1971 com extensão aproximada de 224.000 ha e situada na confluência dos rios
Iriri e Xingu.
Em 1979, a população Kararaô foi transferida compulsoriamente pela FUNAI para a
Reserva Indígena Bacajá (atual TI Trincheira-Bacajá). De acordo com o então Chefe da
Ajudância de Altamira, Salomão Santos, a transferência foi realizada porque o "o grupo
era constituído por uma só família onde ocorriam cruzamentos de pai com filha, irmão
com irmã, tio com sobrinha, etc. Como resultado, havia casos visíveis de oligofrenia
(sic) e epilepsia"55 Na ocasião desta transferência, segundo informações contidas no
Processo FUNAI Nº 3380/79, a Reserva Indígena Kararaô ficou desativada. Entretanto,
devido ao fiasco da tentativa, os Kararaô foram levados de volta para sua reserva, que
foi então reativada (VIDAL, 1988). Não há informações acerca das propostas de
demarcação da TI Kararaô ao longo das décadas de 1980.
Na década de 1990, a TI Kararaô foi a única TI do Médio Xingu contemplada pelo
Projeto Integrado de Proteção às Populações e Terras Indígenas da Amazônia Legal
(PPTAL)(Ribeiro, 2006). Nesse caso, o PPTAL financiou o processo de regularização
fundiária desta TI. Conseqüentemente, a TI Kararaô teve sua demarcação homologada
através do Decreto Presidencial de 14/04/1998. Em 06/10/1999 a TI foi registrada na
Secretaria de Patrimônio da União (SPU) com área de aproximadamente 330.837 ha e
308 km de perímetro, incidentes inteiramente sobre o município de Altamira, Estado do
Pará.
Tabela 11. Situação fundiária da TI Kararaô
AREA (Ha) 330.837,5422
PERÍMETRO (Km) 308,92738
MUNICÍPIOS Altamira
DECLARATÓRIA PD DD-68.914 de 13/07/1971
HOMOLOGAÇÃO 14/04/1998
REGISTRO 04/03/1999
SPU 06/10/1999
55 Trecho do Relatório de viagem ao Posto Indígena Kararaô, assinado por Salomão Santos em
09/12/1979. In: Processos FUNAI nº 3380/79.
82
Aspectos demográficos
Conforme mencionado acima, a depopulação da TI Kararaô, verificada a partir das
cisões históricas e do processo de "pacificação", causou modificações na morfologia
social do grupo. Informações contidas em uma carta enviada ao Diretor do
DGPC/FUNAI pelo antropólogo Gustaaf Verswijver56, em 1975, por exemplo, mostram
que a população da TI Kararaô naquele anos era composta por 2 homens adultos, 6
mulheres e 15 crianças, totalizando 23 indivíduos. Em 1973, com a transferência de um
dos homens para a Reserva Indígena Bacajá, restaram apenas 22, sendo que o índio
Kamayurá era o único homem adulto. Segundo Lux Vidal (1988), este desequilíbrio
entre os sexos chegou a criar uma situação sui generis: uma aldeia de mulheres, onde
elas pescavam e caçavam.
Atualmente, mesmo com a recuperação demográfica parcial do grupo, ainda são
observados alguns fenômenos provavelmente relacionados ao baixo número
populacional: endogamia, transferência de alguns homens adultos para a cidade de
Altamira ou TIs adjacentes, miscigenação com a população regional e com outros
grupos indígenas da região, inclusive grupos Tupi.
Relações interétnicas, utilização dos recursos naturais e estratégias de
sobrevivência frente ao contato com a sociedade envolvente
Os Kararaô mantêm grande contato com a cidade de Altamira, devido à proximidade
geográfica da cidade. A venda da safra de castanhas e de artesanato, a necessidade
de assistência à saúde e o recebimento de salários de agentes de saúde e
aposentadorias do Governo Federal, são os principais motivos pelos quais os Kararaô
56 In: Processos FUNAI nº 3380/79
83
se deslocam para a cidade (RIBEIRO, 2006). A viagem de voadeira entre a aldeia
Kararaô e Altamira é de aproximadamente cinco horas.
Atualmente, as aposentadorias do Governo Federal, os salários de agentes de saúde,
os serviços esporádicos, a comercialização de castanhas e sementes de mogno e a
pesca ilegal constituem as principais fontes de renda monetária dos Kararaô. No caso
da castanha, embora os Kararaô estivessem envolvidos na parceria entre a cooperativa
Amazoncoop e a empresa The Body Shop, com o fim da parceria as castanhas
coletadas pelo Kararaô passaram a ser comercializadas no mercado local.
O artesanato feito pelos Kararaô é comercializado na Casa do Índio de Altamira.
Entretanto, como a partir de 2004 o comércio de arte plumária foi proibido por lei, o
comércio de artesanato não representa mais uma fonte regular e expressiva de renda
para os Kararaô, considerando que boa parte das peças confeccionadas por este
grupo contém penas de aves.
A pesca ilegal na TI vem gerando graves problemas para os Kararaô. Nesse caso, ou
os Kararaô trocam peixe por bebidas alcoólicas com ou regionais, ou estes, para
poderem pescar na TI, pagam um “pedágio” para o líder Kamayurá. Na visita à TI
Kararaô realizada em 17/03/2009, foi registrado que no final de 2008 o relacionamento
de jovens indígenas com um barco de pescadores resultou no assassinato de um
Kararaô.
Com relação à atividade madeireira, embora os Kararaô estivessem envolvidos ou
fossem coniventes com o comércio ilegal de madeira nos anos de 1980 e 1990
(RIBEIRO, 2006), atualmente esta atividade não está sendo praticada no interior da TI,
conforme as informações fornecidas por Caetano Ventura, técnico da AER-FUNAI
Altamira, em 16/03/2009. Segundo a AER/FUNAI Altamira, há um único registro de
roubo de mogno nesta TI, praticado pela empresa Madecil em 1992. No entanto, em
site oficial da mesma AER/FUNAI, atualizado em fevereiro de 2001, consta um registro
de infração na TI Kararaô em janeiro de 2001.
84
Com relação às práticas de subsistência, os Kararaô fazem grandes roças, com o
auxílio de motosserra e do machado (RIBEIRO, 2006). Cultivam principalmente a
mandioca, sendo a farinha o componente fundamental da dieta kararaô. Pelo fato da
aldeia estar situada na beira do rio Iriri, a pesca realizada com anzol e linha de nylon é
outra atividade importante na economia de subsistência do grupo. Outras atividades
relevantes são a caça, realizada nos dias de hoje exclusivamente com espingarda, e a
coleta da castanha, destinada tanto para o consumo como para a venda.
A Associação Indígena do Povo Kayapó da Aldeia Kararaô (AIPKAK) foi fundada no
final de 2005 (RIBEIRO, 2006). Não foram levantadas, no entanto, informações
detalhadas sobre as atividades desenvolvidas pela Associação.
Os Kararaô e os projetos de aproveitamento hidrelétrico no rio Xingu
Reunião na Aldeia Kararaô / Foto Fábio Ribeiro Março de 2009
O líder Kamayurá, na reunião realizada no dia 18 de março de 2009 sobre o projeto
AHE Belo Monte, manifestou seu conhecimento sobre o reservatório da Hidrelétrica de
Tucuruí, afirmando que teria visitado o mesmo e que sabe, portanto, quais são os
impactos gerados por uma hidrelétrica.
85
Disse que os “brancos” podem muito bem dizer uma coisa e fazer outra em relação à
barragem, demonstrando incredulidade sobre o projeto que não inundará as terras
Kararaô.
A necessidade de um barco e o afluxo de “parentes” que viriam para a TI atraídos pelas
benfeitorias advindas pelo empreendimento no rio Xingu foram outras de suas
manifestações. Irritado com as informações fornecidas, Kamayurá se retirou da
reunião.
Permaneceram jovens Kararaô que se manifestaram demonstrando também
incredulidade sobre o fato do projeto não inundar suas terras e afirmando que não
poderiam se pronunciar pois teriam que entendê-lo melhor.
O jovem Tikuri perguntou porque que a energia elétrica gerada por Belo Monte não
chegará na aldeia.
Britê, outro jovem, disse que só acreditará que a TI Kararaô não será alagada quando
ele ver com os próprios olhos (“só acredito vendo”).
86
7.4.3 Asuriní do Xingu – TI Koatinemo
Crianças Asurini - Foto Alice Villela Setembro 2007
Nome
Embora na cidade de Altamira, desde os tempos antigos, a margem direita do Xingu
seja conhecida como “Terra dos Asuriní”, este designativo parece ter sido aplicado a
diversos grupos Tupi da região, entre eles os próprios Asuriní contemporâneos e os
Araweté.Tinha-se notícia a respeito deles através de outros grupos. Desse modo, os
Juruna os denominavam pelo termo asonéri (vermelho), do qual teria derivado o nome
Asuriní (Müller, 1993)
A auto-denominação dos Asuriní do Xingu é Awaeté (Awá = gente + eté = verdadeiro,
real). O termo Asuriní do Xingu foi introduzido pelos padres Karl e Anton Lukesch, em
87
1971, ano em que efetuaram o contato com essa população indígena.
Língua
Os Asuriní do Xingu são um povo indígena da família lingüística Tupi-Guarani. A língua
Asuriní está classificada no sub-conjunto que incluí também a língua Kayabi.
Histórico do contato
O território tradicional dos Asurini compreende o interflúvio Xingu-Bacajá,
principalmente as cabeceiras dos igarapés Ipiaçava, Piranhaquara e Ipixuna. Segundo
a antropóloga Regina Polo Müller, de acordo com relatos dos próprios índios, esta
área foi ocupada pelo grupo, fato confirmado pelo conhecimento profundo que os
Asuriní têm dos afluentes do Xingu e Bacajá nesta região.
Por conta de represálias efetuadas pela população regional ao norte, e dos ataques por
parte dos Xikrin do Bacajá e Araweté respectivamente nos limites leste e sul do
território Asuriní, este grupo foi se deslocando para o médio curso dos igarapés
Ipiaçava e Piranhaquara.
Neste período, a intensificação da penetração de "gateiros" no interflúvio Xingu-Bacajá
causou uma reconfiguração dos espaços ocupados pelas populações indígenas desta
região. Conseqüentemente, a área central entre as bacias do Xingu e Bacajá,
principalmente as cabeceiras dos igarapés Ipiaçava e Piranhaquara representou para
os Asuriní uma espécie de refúgio para se proteger dos grupos indígenas inimigos,
cada vez mais invadindo o território tradicional Asuriní, e das investidas dos brancos,
tão perigosos quanto os inimigos tradicionais. Contudo, em 1966 um ataque dos Xikrin
do Bacajá forçou os Asuriní a se deslocarem para o médio curso destes igarapés.
Com a abertura da Transamazônica no início da década de 1970, e
conseqüentemente, devido à presença das Frentes de Atração (oficiais e missionárias),
os Asuriní ficaram encurralados. Na região leste havia os temidos Xikrin do Bacajá, ao
sul, os Araweté, às margens do igarapé Ipixuna, e, ao norte e a oeste, os brancos, que
alcançavam o território Asuriní através do rio Xingu e seus afluentes da margem direita.
88
Entre os inimigos tradicionais de quem levavam desvantagem nos últimos tempos
antes do contato, e os brancos que, agora, deixavam presentes e pareciam não
pretender atacá-los, os Asuriní não tiveram outra saída senão aceitar a convivência
com os akaraí (brancos) para pôr fim ao estado de guerra que os vinha debilitando há
anos (Müller, 1993). De fato, segundo relatos dos próprios Asuriní, a direção tomada
por eles em suas fugas dos Araweté e Xikrin foi determinada pelo conhecimento da
presença do branco nesta região.
Em 1971, a expedição liderada pelos padres Anton e Karl Lukesch e patrocinada pela
CVRD- Companhia Vale do Rio Doce (que nesta época pretendia ampliar a província
ferrífera de Carajás até a margem direita do Xingu), "pacificou" os Asuriní. Naquele
momento, o grupo estava dividido em duas aldeias de aproximadamente 50 indivíduos
cada, sendo que uma se encontrava no interflúvio Ipiaçava-Piranhaquara e a outra se
situava na margem direita do médio Ipiaçava.
O contato realizado pelos padres fez com que a Frente de Atração da FUNAI, chefiada
pelo sertanista Antônio Cotrim Soares, que naquele ano tentava "pacificar" os Araweté,
se deslocasse para o Ipiaçava. De acordo com a FUNAI, a Frente dos irmãos Lukesch
causou sérios prejuízos à população Asuriní, pois a não adoção de medidas de
assistência à saúde resultou numa violenta epidemia de gripe e malária, a qual vitimou
treze índios. Realizado o contato, os Asuriní se juntaram numa só aldeia às margens
do médio Ipiaçava, onde permaneceram até 1985, quando então se deslocaram para a
foz deste igarapé. Apesar do contato oficial com os Asuriní ter sido feito há 35 anos,
ainda hoje os membros desta sociedade indígena afirmam haver um grupo Asuriní
isolado nas cabeceiras do igarapé Piranhaquara.
89
Situação fundiária da TI Koatinemo
Em 1972 o então DGEP - Departamento Geral de Estudos e Pesquisas - da FUNAI
propôs57 a delimitação da chamada "Reserva Asuriní ", com 947.500 ha, destinada à
sociedade Asuriní, grupos arredios da região (provavelmente Araweté e Parakanã) e
Xikrin do Bacajá. A extensão da área proposta justificava-se pela presença de grupos
arredios na região entre os rios Bacajá, Xingu e Ipixuna. Esta proposta de delimitação
da Reserva foi transformada em proposta de interdição, chegando a ser elaborada uma
minuta de decreto do Presidente da República.
Passados cinco anos, esta proposta de interdição não foi realizada e, ao invés disso,
em 1976 foram delimitadas pelo convênio FUNAI/RADAM duas áreas, destinadas às
Resevas Indígenas Koatinemo (sociedade Asuriní) e Bacajá (sociedade Xikrin). A área
delimitada para os Asuriní totalizava 78.050 ha, entre os igarapés Ipiaçava e
Piranhaquara. Felizmente esta área não foi demarcada, pois excluía os sítios de
antigas aldeias e áreas de perambulação tradicional do grupo.
Em 1979, através de Grupo de Trabalho58 coordenado pela antropóloga Regina Polo
Müller, foi elaborada nova proposta de interdição de uma área de 2.391.600 ha, para a
criação de uma Reserva comum aos índios Asuriní, Araweté, Xikrin e grupos arredios
da região. Esta proposta, denominada Área Indígena Koatinemo-Ipixuna-Bacajá,
englobava todo o interflúvio Xingu-Bacajá, da altura aproximada do Piranhaquara até o
Bom Jardim, no Xingu, e todo o rio Bacajá a partir do igarapé Dois Irmãos. Tal proposta
de demarcação de área apresentava a vantagem de não deixar "corredor" entre as
áreas dos índios do Xingu (Asuriní e Araweté) e os Xikrin do Bacajá, o que poderia
evitar invasões, e de incluir o território de índios ainda desconhecidos. Apesar disso, o
projeto proposto pelo GT não conseguiu se efetivar.
57 Através do Processo nº 10711.M.I/S COM/BSB/72. 58 Criado através da Portaria 627/E de 15/10/1979.
90
Em 1982, por iniciativa dos antropólogos Regina Polo Müller e Eduardo Viveiros de
Castro59, foi proposta a demarcação conjunta das áreas Asuriní e Araweté, isto é, a
demarcação de seus limites externos, dado que se trata de territórios contíguos. Neste
caso, a área Asuriní proposta para demarcação totalizava aproximadamente 288.600
ha. Em 05/11/198660, o GT aprovou os limites então propostos pelos antropólogos,
tanto para a TI Araweté / Igarapé Ipixuna como para a TI Koatinemo. Em 17/03/198861,
foi interditada a Área Indígena Koatinemo, com 288.600 ha e tendo como limites norte
e sul os igarapés Ipiaçava e Piranhaquara respectivamente.
Com relação aos Asuriní, entretanto, estes alegaram que o igarapé Lajes, localizado ao
norte do igarapé Ipiaçava e considerado pelos regionais como área de ocupação
imemorial dos Asuriní, havia sido excluído da área interditada. Em agosto de 1992 a
antropóloga autora da proposta foi designada pela FUNAI para colher um Termo de
Anuência junto aos Asuriní, para que a área reivindicada pelos índios pudesse ser
incluída nos limites da TI Koatinemo. Acatado o Termo de Anuência, os limites da TI
Koatinemo foram revistos de forma que, em 199362, a TI foi declarada de posse
indígena, com área aproximada de 387.000 ha, 425 km de perímetro e incidindo sobre
os municípios de Altamira e Senador José Porfírio. A Tabela 17 a seguir apresenta a
situação fundiária atual da TI Koatinemo.
TABELA 12. Situação fundiária da TI Koatinemo
AREA (Ha) 387.834,2501
PERÍMETRO (Km) 425, 402417
MUNICIPIOS Altamira e Sen. José Porfírio
DECLARATÓRIA PD 320 de 18/06/1993
HOMOLOGAÇÃO 05/01/1996
REGISTRO 12/11/1999
SPU 23/09/2003
Fonte: DAF/FUNAI/ Ribeiro,2006
59 Através da informação nº 460/DDC/DGO/82 de 26/05/1982. 60 Através do parecer nº 132/86, GT Portaria Interministerial nº 002/83 - Decreto 88.118/83. 61 Através da Portaria PP/0291/FUNAI. 62 Através da portaria PD 320 de 18/06/1993.
91
Aspectos demográficos
Nos cinqüenta anos anteriores ao contato, os Asuriní estavam espalhados por várias
aldeias nas cabeceiras e junto a diversos afluentes dos igarapés Ipiaçava,
Piranhaquara e Ipixuna. Inclusive, a área de perambulação do grupo nesta época
englobava alguns cursos d'água mais ao sul, como os igarapés Bom Jardim e São
José (que atualmente constituem os limites norte e sul da TI Apyterewa). Entretanto, no
período imediatamente anterior ao contato, os Asuriní estavam divididos em apenas
duas aldeias, uma situada nas margens do médio Ipiaçava e outra no interflúvio
Ipiaçava-Piranhaquara.
Após a "pacificação" as duas aldeias se fundiram. Desde então, devido à presença do
Posto da FUNAI e do Posto de Saúde, os Asuriní vivem numa única aldeia,
denominada Koatinemo. Inicialmente situada nas margens do médio Ipiaçava, esta
aldeia foi transferida para a foz deste igarapé em 1985 e, no final da década de 1980,
para as margens do rio Xingu, onde permanece até os dias de hoje. Situada a
aproximadamente 100 km de Altamira, o acesso à aldeia Koatinemo é feito
exclusivamente por via fluvial, dado que a aldeia não dispõe de pista de pouso. A
tabela a seguir sintetiza o tempo de viagem até a aldeia nas duas estações
amazônicas.
TABELA 13. Tempo de viagem Altamira - Aldeia Koatinemo
Aldeia Época Avião (ida) Voadeira (ida) Barco (ida)
Inverno 5 horas 16 horas Koatinemo Verão
sem pista
pouso 8 horas 24 horas
Fonte: FUNAI – 2003/Ribeiro,2006
Sofrendo redução demográfica desde antes do contato oficial, por conta dos ataques
dos Xikrin e Araweté, a população Asuriní no ano da "pacificação" era de
aproximadamente 100 pessoas. Entretanto, as epidemias trazidas pelo contato quase
dizimaram os Asuriní, pois reduziram esta população indígena em mais de 50%. Já em
1974, três anos após o contato, a população era de 58 indivíduos. Em 1982, os Asuriní
chegaram a um patamar mínimo de 52 pessoas. Só a partir de meados de 80 é que o
92
grupo começou a se recuperar demograficamente.
A redução demográfica observada na década de 1970 teve como resultado uma lacuna
na estrutura etária do grupo. Em censo populacional realizado em 2005 (Ribeiro, 2006)
verificou-se que, dos 119 indivíduos que viviam na aldeia naquele ano, apenas dois
homens (um deles um índio Arara) e três mulheres estavam situados na faixa de idade
entre 25 e 40 anos, e cerca de dois terços da população tinha menos de 20 anos.
Evidentemente, essa lacuna trouxe sérias conseqüências para o padrão de
organização social e econômica e para a reprodução cultural do grupo. De acordo com
a antropóloga Regina Polo Müller, essa transformação na configuração política e
econômica indígena corresponde à passagem de uma sociedade indígena
gerontocrática para outra ‘infantocrática’. Assim, com a depopulação observada na
década pós-contato e a posterior aceleração da taxa de natalidade a partir da década
de 1990, a pirâmide etária Asuriní sofreu uma inversão, conforme mostram os gráficos
abaixo:
Gráfico 1 - Pirâmide demográfica Asuriní – 1976
Fonte: Ribeiro, 2009
93
Gráfico 2 - Pirâmide demográfica Asuriní – 1993
Fonte: Ribeiro, 2009
Gráfico 3 - Pirâmide demográfica Asuriní – 2005
Fonte: Ribeiro, 2009
94
Organização social e política e estratégias de sobrevivência frente ao contato
com a sociedade nacional
Tradicionalmente, à semelhança de outras sociedades Tupi da Amazônia como os
Guajajara e os Tapirapé, os Asuriní viviam em grandes casas que abrigavam famílias
extensas. O grupo doméstico Asuriní era matrilocal, ou seja, o núcleo da família
extensa era composto por mulheres relacionadas pelo parentesco, embora lideradas
por um homem, geralmente um xamã. Este grupo de mulheres, juntamente com os
respectivos maridos, constituía uma unidade de produção.
Segundo Müller (1979), no período posterior ao contato, a instabilidade na composição
dos grupos residenciais poderia ser explicada, dentre vários fatores, pela depopulação
do grupo. Ou seja, reduzidos em número os Asuriní foram obrigados a realizar várias
outras combinações de parentes na constituição dos grupos residenciais, que até hoje
constituem a unidade básica da estrutura social Asuriní. De fato, os grupos domésticos
Asuriní constituem unidades sociais, políticas e econômicas.
A aketé (casa verdadeira) ou tavyve é a maior casa da aldeia Asuriní, com
aproximadamente 10 metros de largura, 12 de altura e 30 de comprimento. Além de
abrigar um ou dois grupos residenciais, a tavyve é também tanto o espaço público
cerimonial quanto o local de sepultamento dos mortos. Por este motivo, esta casa tem
conotação sagrada e mágica dentro do imaginário Asuriní, e todos os membros da
sociedade participam de sua construção.
Com relação aos casamentos, verificava-se entre os Asuriní casos de poliginia e
poliandria. Nos casamentos poligâmicos onde ocorria a poliginia, havia dois padrões:
ou as mulheres do mesmo homem eram mãe e filha (de um casamento anterior), ou as
esposas eram unidas por laços estreitos de parentesco. Quanto à poliandria, o padrão
observado era inter-geracional, ou seja, uma mulher com um marido mais novo e um
mais velho.
A natalidade, ou melhor, o controle dela pelos Asuriní obedecia a algumas regras
95
culturais como: inexistência de maridos jovens; idade ideal da mulher para procriação
(entre 20 e 25 anos); a capacidade do grupo doméstico de arcar com o sustento da
família do recém-nascido.
O padrão político tradicional é caracterizado pela independência dos grupos
domésticos, liderados por um homem, geralmente um xamã. No entanto, embora o
xamã ocupasse posição de grande prestígio, a chefia também era definida
circunstancialmente conforme a atividade a ser exercida. Ocupava a posição de
liderança, nesse caso, aquele que tomava a iniciativa na escolha do espaço para a
construção da nova aldeia, na confecção de determinados objetos da cultura material,
nas atividades de caça, dentre outros.
A morte de oito xamãs ao longo das últimas duas décadas resultou na concentração
nas mãos do xamã Mureyra da liderança religiosa e de outros assuntos de interesse
coletivo (Müller, 1994). Embora não sejam xamãs, Takamuí e Manduka também são
lideranças tradicionais na aldeia. O primeiro é estimado por ser um grande agricultor e
caçador e por representar o último caso de poliginia intergeracional. O poder de
Manduka, denominado ‘Capitão’ por funcionários da FUNAI, advém de suas
habilidades de interlocução com órgãos governamentais, participação no movimento
indígena e liderança em expedições de fiscalização (como, por exemplo, durante as
invasões madeireiras na década de 90), fatores que asseguram a representatividade
indígena nos âmbitos local, regional e nacional no contexto das relações inter-étnicas
(Müller, 1994).
No pós-contato, o decréscimo populacional causado por doenças e epidemias coincide
com o aumento das atividades xamanísticas. Entre 1976 e 1982, Müller (1996)
registrou a existência de 12 xamãs numa população de 55 indivíduos, ou seja, um
xamã para cada quatro pessoas. Devido à importância do líder religioso na sociedade
Asuriní, o xamã passa a ser a característica do perfil do líder político. Atualmente, a
aldeia conta com quatro xamãs, sendo que três têm mais de sessenta anos. O mais
novo se chama Parajuá, tem cerca de 20 anos e é um dos poucos jovens interessado
nas atividades rituais.
Desde o início da década de 80, entretanto, diversos fatores simultâneos têm
96
contribuído para a transformação da organização social, dos espaços políticos na
aldeia, das práticas econômicas e, conseqüentemente, da reprodução cultural
indígena. Entre os fatores principais podemos citar:
- número pequeno de adultos e idosos e elevado de jovens;
- o incremento da relação inter-tribal através de casamentos63;
- a atuação da FUNAI, principalmente através dos Chefes de Posto na aldeia64; a
atuação de missionários65;
- o maior contato com a população regional;
- a relação com a economia de mercado (Ver Ribeiro, 2009).
Neste período, houve uma grande aceleração da taxa de natalidade. Se antes as
mulheres geravam um filho apenas depois dos 20 anos, atualmente ganham bebês
todas as meninas púberes. O padrão de casamento poligâmico e inter-geracional foi
praticamente abandonado, assim como a regra de residência matrilocal, sendo
observados apenas alguns casos remanescentes. Hoje em dia os casais jovens tem
criado proles de 6, 7 ou até 8 filhos. Além disso, poucos jovens tem se interessado pela
atividade xamanística ou pelos rituais iniciatórios ou propiciatórios. Influenciada pela
"moral branca", a juventude Asuriní parece se espelhar atualmente no padrão
sociocultural da população regional.
A essa mudança estão associados, logicamente, novos padrões de sociabilidade:
famílias influenciadas por padrões não indígenas de casamento, fraca participação de
jovens nas atividades rituais (Müller, 1994; Villela, 2009), consumo de bebida alcoólica
(cachaça), status social e político determinado pela capacidade de acesso e
acumulação de produtos industrializados, individualismo e enfraquecimento da
63 No pós-contato os Asuriní realizaram casamentos intertribais com indivíduos Arara (Karib), Parakanã (Tupi- Guarani), Kararaô (Gê) e, em 2005, Mundurucu. No caso dos Parakanã, o contingente populacional entre os Asuriní chegou à 10 indivíduos (MÜLLER, 1994), cuja entrada e saída deles da aldeia Koatinemo aconteceu na primeira metade da década de 1990. Atualmente verifica-se apenas dois casamentos intertribais, com índios das etnias Munduruku e Arara. 64 A atuação da FUNAI na aldeia Koatinemo, iniciada no período posterior ao contato, teve como resultados imediatos a aglutinação dos dois grupos locais em uma única aldeia, a sedentarização do grupo e a intensificação do contato com a população regional (Ribeiro, 2009). 65 Na aldeia Koatinemo, atuam dois missionários da ALEM desde o início da década de 1990, tendo um deles bom domínio da língua nativa. A ALEM é uma associação civil sem fins lucrativos, de cunho científico, caráter assistencial e objetivo religioso. Através do aprendizado das línguas dos povos indígenas, os missionários da ALEM têm por objetivo traduzir a Bíblia para as respectivas línguas indígenas (ver www.missaoalem.org.br).
97
transmissão da história oral e de conhecimentos tradicionais como a atividade
ceramista e outros itens da cultura material, as técnicas agrícolas e de caça e os
repertórios rituais.
Como argumenta Silva (2005: 26), “[...] diferentemente das velhas gerações, os jovens
e as crianças vêm convivendo intensamente com o mundo branco, deparando-se com
novas realidades e tendo que construir sua identidade a partir desta situação de
intenso contato.”
Nas reuniões realizadas no pátio, prevalece a opinião dos mais velhos. Nessas
ocasiões, os jovens atuam como tradutores (por dominarem o português), obedecendo
à hierarquia dada pelas relações geracionais de chefia. No entanto, em reuniões na
cidade os jovens falam em nome do povo indígena diante de outros grupos indígenas e
dos não-indígenas, que os tomam como “representantes” dos Asuriní. São rapazes na
faixa dos vinte anos que passam a ocupar posição importante em relação à sociedade
envolvente por dominarem os saberes dos “brancos” (leitura, escrita, comunicação em
português), cada vez mais importantes para a vida dos Asuriní. Como observa Ribeiro
(2009), o poder de auferir renda monetária, assim como o bom relacionamento com
chefes de posto da FUNAI e a habilidade de falar a língua portuguesa, são os
fundamentos das lideranças jovens, em contraposição ao poder religoso dos velhos
xamãs.
Entretanto, apesar de todas essas vicissitudes, os rituais xamanísticos realizados pelos
velhos xamãs, a intensa atividade ceramista praticada pelas mulheres e a permanência
da tavyve como espaço cerimonial e de socialização constituem discursos não-verbais
da resistência cultural Asuriní.
98
Relação dos Asuriní com os recursos naturais da Bacia fluvial do Xingu
O compasso da economia Asuriní é nitidamente marcado pela sazonalidadade
amazônica, caracterizada pela alternância das estações seca e chuvosa (Ver Ribeiro,
2009).
A agricultura é a principal fonte de recursos da economia de subsistência dos Asuriní. A
mandioca é o item principal da dieta alimentar, sendo que de uma de suas variedades
(mandioca-brava) fabricam diferentes tipos de farinha, mingaus e beijus.
Tradicionalmente, enquanto o preparo do terreno (brocagem, derrubada, queima e
coivara) fica a cargo dos homens do grupo doméstico, as mulheres são responsáveis
pela colheita. O plantio é realizado por ambos. Na fase de derrubada da mata todos os
homens da aldeia são convidados a auxiliar, e aos participantes do mutirão é oferecido
mingau. Além da mandioca (atualmente 3 variedades são cultivadas) os Asuriní
também plantam o milho (2 variedades), batata, cará, banana e algodão.
Os produtos da caça constituem o principal complemento aos produtos agrícolas.
Atualmente a caça é realizada exclusivamente com espingarda. Logo após o contato,
os Asuriní caçavam os seguintes animais, por ordem de preferência (Müller, 1993):
queixada (Tayassu pecari), mutum (Mitua sp), cateto (Tayassu tajacu), cutia
(Dasyprocta sp), jacú (Penelope sp) e o inambú (Crypturellus sp). Nos dias de hoje,
também caçam a anta (Tapirus terrestris), o veado (não identificado), a paca (Agouti
sp) e o tracajá (Podocnemis sp).
Os Asuriní caçam o ano inteiro, embora cada espécie tenha sua própria sazonalidade.
A melhor época é no início das chuvas, quando “a água cerca bicho na ilha” e diversos
frutos encontram-se disponíveis para os animais na mata, que por esse motivo ficam
concentrados nas proximidades dos frutos. Alguns deles, como os jabutis, são mais
facilmente encontrados no inverno amazônico, período de chuva. Outros, como a paca
e o mutum, são caçados com maior sucesso no período seco. Já o porcão, o cateto, o
veado, a anta, a cutia, o jacu e o nambú são caçados o ano inteiro, mas com maior
intensidade no período chuvoso.
99
Embora considerada como população indígena tradicionalmente de terra firme, o
deslocamento em meados da década de 1980 para as margens do Xingu teve como
resultado o incremento da importância da pesca como fonte de proteína para os
Asuriní, principalmente no período da seca, época em que aumenta a quantidade e
diversidade de peixes nos rios e igarapés e em que os produtos da caça são mais
escassos. Antigamente, quando habitavam as cabeceiras dos igarapés, a pesca, ainda
que esporádica, era realizada com arco-e-flecha, armadilhas e timbó. Pelo fato mesmo
de serem da terra firme, os Asuriní apreciavam (e ainda apreciam) muito o tamoatá
(Hoplosternum sp) e o jejú (Hoplerythrinus sp), pequenos peixes obtidos com peneiras
em lagoas e igarapés.
Atualmente, esta atividade é praticada quase que exclusivamente com linha de nylon e
anzol ou com tarrafas. No período chuvoso, são abundantes no Xingu o pacú
(Piaractus sp), a piranha (Serrassalmus sp.), a pescada (Plagioscium sp) e a curimatá
(Prochilodus sp). Na seca, embora haja maior diversidade de espécies, os principais
peixes consumidos são o tucunaré (Cichla sp.) e o trairão (Hoplias sp) No caso do
curimatá, a pesca é realizada preferencialmente na piracema (período de reprodução
dos peixes), que ocorre na época de alagamento da zona da várzea. Concentradas e
se reproduzindo nessas áreas sazonalmente alagadas, os curimatás viram presas
fáceis, sendo pescados inclusive com as mãos (Ribeiro, 2009).
Os Asuriní coletam diversas espécies alimentares não domesticadas como a castanha-
do-pará, o cupuaçu (Theobroma grandiflorum), o pariri ou frutão (Pouteria pariry), o
cacau (Theobroma ssp), o ingá (Inga sp.), o inajá (Maximiliana ssp), o açaí (Euterpe
oleracea) e a bacaba (Oenocarpus bacaba). Embora esporádico, o produto da
atividade de coleta representa um importante complemento alimentar. A castanha-do-
pará, por exemplo, é utilizada no preparo de mingaus ou consumida com carne e
farinha. Para o preparo de mingau, os Asuriní também coletam o côco inajá. O
consumo do açaí e da bacaba, introduzido pelos regionais, tem constituído outra
importante fonte alimentar, embora não sejam muito apreciados pelos mais velhos.
Pelo fato de cada espécie ter sua própria dinâmica sazonal, a coleta de diferentes
produtos é realizada em diferentes períodos do ano.
100
Os Asurini estão habituados a comer alimentos industrializados, mas não é possível
afirmar que são dependentes destes produtos, pois os alimentos produzidos localmente
são muito abundantes. Não há períodos de escassez e fome. O que há é uma
escassez relativa de alimentos em determinadas épocas do ano, de acordo com a
sazonalidade. Por exemplo, no período da chuva determinados alimentos são
abundantes, como a caça, a bacaba, o milho e a castanha. Na seca são abundantes a
pesca, a mandioca-doce, a macaxeira, a batata e o açaí. A população relativamente
pequena do grupo também é um fator que contribui para a abundância de alimentos.
Os principais alimentos industrializados consumidos pelos Asurini são: café, açúcar,
bolacha, trigo, sal, feijão, macarrão, leite em pó, óleo de soja e arroz.
Na dimensão econômica, Ribeiro (2009) nota um processo de monetarização de parte
das relações sociais indígenas, pelo fato de que os circuitos de circulação de dinheiro e
de consumo de produtos industrializados dificilmente são compatíveis com, ou
integrados aos circuitos indígenas de troca e reciprocidade. Inclusive, a circulação de
alguns elementos básicos da economia indígena passou a ser regulada por relações
monetárias. Tal fenômeno (a circulação interna de bens mediada por dinheiro) foi
observado principalmente na construção de casas e na distribuição de farinha de
mandioca.
Aspectos relativos à conservação dos recursos naturais
As primeiras invasões da Terra Indígena Koatinemo datam da década de 1980,,
quando madeireiros começaram a adentrar o território Asuriní através do igarapé Ituna,
na face norte da TI, e através de estradas endógenas abertas na TI Trincheira-Bacajá,
limite leste da TI Koatinemo. Entretanto, apenas na década de 1990 foi registrada
extração ilegal no interior da TI. De acordo com informações fornecidas pela FUNAI,
em 1992 a madeireira Exportadora Perachi foi flagrada roubando 8.000 m² de madeira-
de-lei. No ano seguinte foi a madeireira Impar, flagrada roubando mogno. Em ambos os
casos a atividade madeireira não contava com o consentimento da população indígena.
Na análise das imagens de satélite, verificou-se a cobertura vegetal da TI. Observa-se
318 ha desmatados, que provavelmente correspondem às roças abertas pelos
regionais, que até 2007 habitavam a face norte da TI Koatinemo, numa área
101
denominada Passaí, com o consentimento dos Asuriní (Ribeiro, 2006). Esses
moradores se estabeleceram ai há décadas, antes da declaração de posse indígena da
área e, apenas recentemente, foram indenizados e reassentados. Nesse caso, esses
moradores foram transferidos pelo INCRA para o PDS Itatá, situado na margem direita
do igarapé das Lages (que constitui o limite norte da TI Koatinemo).
Embora ao longo da última década tenha havido arrefecimento das invasões do
território indígena, em viagem realizada em agosto de 2008 por equipe do Centro de
Trabalho Indigenista (CTI), os Asuriní expressaram grande preocupação quanto ao
avanço do “Assentamento Asuriní”, gleba do INCRA situada ao norte da TI Koatinemo
e cortado pela estrada conhecida por ‘Trans-asuriní’. Com extensão atual de
aproximadamente 120 km habitados (no sentido norte-sul), esta estrada - cujo início
situa-se na margem direita da Volta Grande do Xingu, na margem oposta à cidade de
Altamira - pode se tornar em breve um vetor concreto de invasão do território indígena.
Segundo informações fornecidas por um funcionário da FUNAI em Altamira, o
travessão tem várias bifurcações e já se aproxima da cabeceira do Igarapé Lages,
limite norte da TI Koatinemo.
Atualmente a área não se encontra invadida por madeireiros nem garimpeiros.
Contudo, em outubro de 2006 ocorreu um fato interessante: um grupo japonês invadiu
uma área denominada Passaí, limite norte da TI, ocupada pela comunidade ribeirinha
acima mencionada, com o objetivo de construir um hotel ecológico. Informados pelos
ribeirinhos, todos os homens Asuriní se deslocaram armados para o local, expulsaram
os empreendedores e trabalhadores que estavam por lá e embargaram o início da
obra.
Além disso, assim como no caso das outras TIs que compõe o bloco do médio Xingu, o
território Asuriní vem sendo invadido por pescadores de Altamira. Em 2008, os Asuriní
apontaram o roubo de peixes pelos pescadores de Altamira como um dos principais
problemas que ameaçam a garantia da integridade do território indígena. Os
pescadores, além de roubarem grandes quantidades de peixe, também têm cooptado
alguns jovens Asuriní, os quais têm freqüentemente trocado peixes por cachaça. Nesse
caso, vendem um litro de cachaça para os índios por R$ 10. Conseqüentemente, vários
jovens têm recorrido à prática de trocar peixe pela bebida. Além desses, outro
102
fornecedor recorrente de bebidas alcoólicas é o ex-Chefe do Posto da FUNAI, na aldeia
Koatinemo. Este, embora tenha sido afastado do cargo em 2006, atualmente vive com
a família em uma casa situada em uma ilha do Xingu distante uma hora da aldeia por
barco, razão pela qual continua a exercer considerável influência sobre os Asuriní,
principalmente os jovens. Atua também como entreposto da pesca ilegal da qual
participam seus familiares.
Outro problema apontado pelos índios diz respeito às roças. Uma vez que não são
todas as famílias que plantarem roças, nos últimos anos tem havido escassez
freqüente de produtos agrícolas e, conseqüentemente, de roubo de mandioca, dentro
da própria aldeia. Esse problema das roças foi observado por Ribeiro (2009) ao longo
de sua pesquisa de campo, no ano de 2005. Naquela ocasião, devido à escassez de
mandioca (apenas 8 das 13 famílias Asuriní plantaram roças naquele ano), algumas
famílias foram obrigadas a comprar farinha dos regionais, prática que, segundo o relato
de alguns indivíduos, continua a ser realizada. Neste ano, os Asuriní informaram que
os indivíduos mais velhos são aqueles que continuam a plantar mais roças. Dentre as
roças abertas no ano passado, entretanto, duas das maiores delas foram
completamente devoradas pelos queixadas e catetos. Finalmente, os Asuriní
queixaram-se da escassez de casas de farinha na aldeia, principalmente porque essas
não são de uso comunitário, ou seja, há uma divisão de propriedade das casas de
farinha existentes.
Outra questão relevante e intimamente relacionada à questão territorial refere-se à
presença de grupos isolados na área. Nesse sentido, no dia 26/08/2008, na aldeia
Koatinemo, Fábio Ribeiro gravou um relato no qual Apebú Asuriní descreve em
detalhes a ocasião em que ele e outros indivíduos confirmaram a existência de índios
isolados não identificados pelos Asuriní nas cabeceiras do igarapé Ipiaçava, limite norte
da TI Koatinemo. Inclusive, essa informação foi confirmada pelo sertanista Afonso
Alves da Cruz (atual Chefe de Posto da TI Cachoeira Seca), no dia 19/03/2009. Afonso
participou na década de 1990 de uma expedição para essa região em companhia de
alguns Asuriní. Embora não tenham tido contato visual direto com o grupo isolado,
foram encontrados diversos vestígios de presença humana na área.
Finalmente, interesses minerários também recaem sobre a TI Koatinemo. De acordo
103
com dados do Instituto Socioambiental (ISA, 2005), a empresa Mineração Rio Itajaí SA
solicitou no DNPM requerimentos de pesquisa de ouro, prata e platina. A empresa
Mineração Itamaracá Ltda solicitou requerimentos de pesquisa de ouro. Embora
nenhuma destas duas empresas tenham títulos minerários incidentes sobre a TI
Koatinemo, o território Asuriní é alvo de 11 interesses minerários, que no total
abrangem 68.312 ha, equivalentes a 18,32% do total da área da TI.
Relação da sociedade com o ambiente regional
Embora o contato oficial em 1971 tenha marcado uma modificação na relação dos
Asuriní com a sociedade envolvente, a tensão proveniente do contato interétnico não
foi eliminada. Pelo contrário, no período posterior à "pacificação" os conflitos entre os
indígenas e os regionais tornaram-se mais freqüentes e mais nervosos, principalmente
devido à invasão madeireira verificada nas décadas de 1980 e 1990.
Ao longo da última década, com o arrefecimento das invasões do território indígena
(exceto a invasão de alguns pescadores) a relação dos Asuriní com a população
regional vem experimentando uma mudança qualitativa. Outrora muito temidos, nos
dias de hoje os Asuriní freqüentemente vão à cidade de Altamira para tratar de
problemas de saúde, receber pensões, fazer compras e trabalhos esporádicos e tirar
documentos. Com relação ao contato com a população ribeirinha, atualmente os
Asuriní vão esporadicamente comprar farinha e canoas na casa dos regionais e estes
vêm até a aldeia para fazer exames de saúde, principalmente malária, dado que o
posto de saúde da aldeia possui microscópio.
104
Os Asuriní e os projetos de aproveitamento hidrelétrico no Rio Xingu
Reunião na Aldeia Koatinemo / Foto Alice Villela Março 2009
As primeiras notícias que os Asuriní tiveram a respeito da construção de barragens no
rio Xingu e conseqüente inundação de suas terras, ocorreram por volta de 1976, sendo
que na década de 80, continuaram a ser veiculadas. Müller (1988) analisa
depoimentos dos Asuriní manifestando preocupações a respeito da segurança
alimentar (“vai acabar comida”), da sobrevivência física (“os filhos morrerão de fome”) e
de lugares sagrados como a casa comunal onde são enterrados os mortos, em cada
aldeia habitada (“os cemitérios desaparecerão”). Inclui nestas manifestações a
interpretação dada por um xamã, baseada na mitologia: para ele os brancos iriam
“cortar o céu” pois ao se romper a abóboda celeste a qual contém as águas, deveria
ocorrer um dilúvio e desse modo, o fim da humanidade. Na cosmologia Asuriní, ainda,
o lugar de origem do universo é onde se encontram a água grande, a terra e o céu. A
água grande é o rio Xingu (Yh’oho) e, no seu final, encontram-se Maíra, herói criador, e
os avaeté ( gente de verdade) que são os ancestrais dos Asuriní. Aí não há doença,
105
não se morre, as roças se fazem sozinhas, há abundância. (Müller, 1993:200). Em todo
o rio Xingu e seus afluentes há pedras com marcas que os Asuriní identificam como as
“pegadas” de Maíra. Trata-se provavelmente de marcas que resultaram da confecção,
por outros povos que habitaram a região em tempos imemoriais, de machados de
pedra cujas lâminas eram aí afiadas.
Em reunião realizada na aldeia Asuriní em 23/03/2009 para apresentação do projeto
AHE Belo Monte,, os velhos reafirmaram o medo da inundação. O líder político e
religioso More’yra, em discurso contundente disse estar preocupado com o possível
aumento das invasões na TI se a barragem for construída. O índio Takamuin recuperou
a história do contato com os brancos com a trágica redução demográfica devido à
contração de doenças. Afirmou que o contato com o brancos trouxe muitas coisas ruins
e que atualmente o consumo de cachaça na aldeia é a mais recente delas. O jovem
Kuai, que atuou como tradutor durante a reunião, disse que hoje os índios não
possuem recursos para vistoriar a área e lançou a pergunta: “Se Belo Monte sair, como
a gente vai fazer para controlar os invasores?”.
Relações econômicas após o contato
Os Asuriní tornaram-se dependentes da infra-estrutura instalada na aldeia por iniciativa
de órgãos e instituições governamentais, principalmente o posto indígena da FUNAI, o
posto de saúde, administrado pela Fundação Nacional de Saúde - Funasa e a escola
indígena, administrada pela Secretaria Municipal de Educação de Altamira - Semec.
O posto indígena é administrado pelo chefe de posto da FUNAI, que reside na aldeia, e
é responsável pela manutenção da infra-estrutura do Posto Indígena (sede, barcos),
conserto de máquinas (motores de popa, motores “rabeta”, motosserras, cortadores de
grama, motores de casa de farinha, rádios), fornecimento de combustível, fiscalização
territorial e gestão dos recursos monetários provenientes das aposentadorias do
governo federal (Ribeiro, 2009).
Em 2007, os Asuriní dispunham das seguintes fontes de renda: aposentadorias,
salários de Agentes Indígenas de Saúde e Saneamento Básico, comercialização de
106
castanha-do-pará, comercialização de artesanato e trabalhos esporádicos. À
semelhança dos Araweté, as aposentadorias e os salários dos Agentes Indígenas (AIS
e Aisan) constituem as maiores e mais regulares fontes de renda da sociedade Asuriní.
A aldeia Koatinemo contava, em 2007, com 16 aposentados, 1 Agente Indígena de
Saúde e 1 Agente Indígena de Saneamento Básico. Assim, do total de 125 indivíduos
que compunham a aldeia, 18 recebiam um salário mínimo mensal do Governo federal.
Segundo Ribeiro (2009), se, por um lado, a quantia proveniente das aposentadorias é
convertida, a cada quatro meses, em alimentos industrializados e motores ‘rabeta’ e
distribuídos na aldeia entre os diferentes grupos familiares (mesmo entre os que não
contam com aposentados), por iniciativa da administração da FUNAI, os salários de
agentes de saúde eram recebidos individual e mensalmente em Altamira.
Os trabalhos esporádicos eram realizados exclusivamente por indivíduos jovens do
sexo masculino. Nesse caso, as principais atividades eram os serviços de piloteiro e
construção civil (por exemplo, o novo Posto da FUNAI na aldeia) contratados pela
FUNAI, os serviços de ajudante de campo contratados por pesquisadores, venda de
artesanato, além do comércio de peixe para alguns regionais, atividade proibida pela
FUNAI e pelo IBAMA em meados de 2007.
Entre 2003 e 2006, os Asuriní estiveram envolvidos na parceria para a comercialização
do óleo de castanha-do-pará entre a cooperativa Amazoncoop, organizada pela FUNAI,
e a empresa The Body Shop. De 1998 a 2002, apenas alguns indivíduos auferiam
renda com a atividade de coleta de castanha-do-pará e, em 2005, os Asuriní coletaram
um total de 300 caixas de 30 kg de castanha. Considerando que o preço que a
cooperativa pagou naquele ano pela caixa de castanha era de R$ 30,00, a atividade
rendeu para os Asuriní R$ 5.700,00 (Ribeiro, 2006). Entretanto, com a paralisação da
parceria comercial causada por conflitos entre as partes envolvidas (FUNAI x The Body
Shop) em 2006, as atividades de coleta da castanha-do-pará realizadas pelos Asuriní
foram paralisadas.
Segundo Ribeiro (2009), essa alternativa econômica, da forma como foi estruturada,
não constituiu um instrumento efetivo para o etno-desenvolvimento das sociedades
indígenas no Médio Xingu, pois os cooperados não participavam da divisão de lucros
107
da cooperativa, mas vendiam a safra da castanha no sistema de adiantamento de
mantimentos para a execução das atividades de coleta.
No que se refere à comercialização de artesanato, nos últimos anos, com aval da AER
da FUNAI em Altamira, a Fundação Ipiranga66 passou a atuar entre os Asuriní por meio
do 'Projeto Awaeté'. De acordo com esses “empreendedores indígenas” trata-se de
uma ação social, sem fins lucrativos (Silva, 2005), na qual a compra do artesanato
Asuriní tem como contrapartida o investimento em infra-estrutura (placas solares) e
serviços e aparelhos odontológicos. Recentemente, a Fundação Ipiranga por meio de
parceria com a AER da FUNAI em Altamira, criou o Museu do Índio do Pará,em Belém,
que incorporou o acervo do Museu do Índio da FUNAI/Altamira. O museu67, dentre
outras atividades, comercializa objetos, como peças de cerâmica, bancos e enfeites
corporais dos Asuriní do Xingu.
Em 2007, marcas da cultura Asuriní (desenhos geométricos, pintura corporal, palavras
da língua Asuriní) foram utilizadas pela empresa Chamma da Amazônia para o
lançamento no mercado nacional de uma linha de perfumes. Não se dispõe de dados
sobre a participação comercial dos Asuriní neste empreendimento, além da informação
de que as mulheres recebiam pagamento por rótulos de tecido pintados à mão, além
da doação de um valor em torno de R$4.000,00 à comunidade. Além disso, há a
informação de que esta atividade das mulheres Asuriní e a utilização de suas marcas,
através de parceria entre a Fundação Ipiranga e a empresa de cosméticos, seriam
parte dos produtos comercializados em contrapartida aos benefícios já mencionados
acima (equipamentos de infra-estrutura e de assistência à saúde). Há informação
também de que a fim de se legalizar a utilização do patrimônio imaterial e as relações
comerciais estabelecidas entre empresa e comunidade indígena, foi criada a
Associação Indígena Asuriní Awaeté, por iniciativa da referida fundação.
Em janeiro de 2009, a Fundação Ipiranga inaugurou uma loja em Belém para a venda
exclusiva dos produtos indígenas da Associação, destacando-se as bolsas e roupas
66 A Fundação Ipiranga desenvolve ações de preservação e disseminação da cultura paraense. Junto ao povo Asuriní realiza projetos de “responsabilidade social”, apoiando a produção e a comercialização de objetos, instalando consultório odontológico e placas de energia solar, dentre outros. Para mais informações ver: http://www.fundacaoipiranga.com.br 67 Para mais informações ver http://www.museudoindiopa.com.br
108
customizadas com os grafismos indígenas, além de objetos cerâmicos, bancos,
enfeites corporais, dentre outros.
Não há informação de como se estabelecem as relações comerciais entre a loja e a
Associação.
109
7.4.4 Araweté – TI Araweté Igarapé Ipixuna
Araweté - Foto Fábio Ribeiro 2005
Nome
Araweté foi a designação dada ao grupo indígena pelo sertanista João Evangelista
Carvalho que chefiou a frente de atração no contato realizado em 1976. De acordo com
Viveiros de Castro, uma autodenominação seria bidê que significa “nós”, “gente”, os seres
humanos. Em eventuais conversas com brancos, os Araweté se auto-designam como
Ararawa, Araweté ou Ararawé, termos que não constituem a auto-denominação tradicional
do grupo.
Língua
Lingüisticamente, o Araweté é claramente da família Tupi-Guarani, embora bastante
individualizado, não podendo assim ser considerado como dialeto de línguas Tupi que já
foram descritas. De fato, a língua Araweté comparada com a língua de seus vizinhos mais
próximos, falantes do tupi-guarani, os Asuriní do Koatinemo, os Parakanã, os Asuriní do
110
Trocará, os Suruí, os Tapirapé, todas elas semelhantes entre si, mostra-se bastante
diferenciada. Isto sugere que a separação dos Araweté foi mais antiga.
Histórico do contato
Segundo Viveiros de Castro (ISA, 2006), é possível garantir que os Araweté vivem no
interflúvio Xingu-Tocantins há muitos anos, talvez séculos. Embora considerados isolados
até 1976, ano do contato oficial, o fato é que os Araweté conhecem o homem branco há
muito tempo.
Há décadas utilizam machados e facões, que pegavam de capoeiras abandonadas. A
tradição oral araweté registra vários encontros com grupos de kamarã68 na floresta.
Entretanto, foram as penetrações dos "gateiros" (caçadores de felinos) no Ipixuna que
iniciaram o processo de contato com os Araweté. Nas décadas de 1960 e 1970,
sucessivas levas de caçadores de peles (em sua maioria seringueiros e moradores da
beira do Xingu) percorreram todo o rio Ipixuna. Apesar disso, a atividade dos gateiros não
parece ter levado a grandes choques armados com os Araweté.
Em 1970, com a construção da Transamazônica, a FUNAI decidiu iniciar os trabalhos de
"atração" dos grupos indígenas da região do igarapé Ipiaçava ao Bom Jardim. Uma frente
chefiada por Antônio Cotrim Soares subiu o Ipixuna, sem sucesso. Neste mesmo ano, os
gateiros tiveram um encontro com um grande grupo Araweté na área do igarapé Bom
Jardim. Em janeiro e fevereiro de 1971, numa segunda expedição, Cotrim encontrou um
grupo de índios, que o levaram a visitar sua aldeia, de 13 casas. Tratava-se,
provavelmente de uma antiga aldeia Asuriní ocupada pelos Araweté (Müller et al., 1979).
Em maio de 1971, os padres Karl e Antônio Lukesch contataram os Asuriní do Ipiaçava. A
frente do Ipixuna deslocou-se para lá, abandonando o contato inicial com os Araweté.69
De 1972 a 1973, a frente do Ipixuna, agora chefiada por Raimundo Alves, tentou sem
sucesso novo contato com os índios. Em novembro de 1973 ocorreu um breve contato
68 Homem branco 69 Eduardo Viveiros de Castro, In: Processo FUNAI nº: 0707/79, fls. 90 e 91
111
com 13 índios, que não permitiram que a frente de atração visitasse sua aldeia. Em 1974,
a cerca de 100 km da foz do Ipixuna, a frente de atração começou a construir um posto e
abrir roças. Mas, deste ano até 1976 não se conseguiu contato com os índios (Müller et
al., 1979). Nesta época, os Araweté estavam divididos em dois blocos de aldeias, um mais
ao sul, na bacia do igarapé Bom Jardim, e outro ao norte, no alto igarapé Ipixuna.
No fim de 1975 ou início de 1976, os Araweté sofreram um grande ataque Parakanã no
alto Ipixuna, e abandonam este igarapé em direção ao igarapé Jatobá. Uma boa parte do
grupo dirigiu-se diretamente para as margens do Xingu, aonde acamparam junto à roça de
um ribeirinho.
Esta aparição no Xingu foi informada à FUNAI / Altamira por funcionários do CNEC-
Consórcio Nacional de Engenheiros Consultores, empresa que realizava pesquisas para a
implantação do CHE- Complexo Hidrelétrico do Xingu. Em fins de maio de 1976, a frente
de atração, chefiada por João Carvalho, encontrou os índios no "beiradão".70
Carvalho encontrou os Araweté no dia 29/05/1976, em condições precárias de nutrição e
saúde. Assim que Carvalho deixou os Araweté, no final de junho daquele ano, o sertanista
Raimundo Alves, que novamente passou a chefiar a frente de contato, convenceu os
índios a se mudarem para o local do Posto de atração da FUNAI, no alto Ipixuna. A
viagem de aproximadamente 100 km foi feita por terra, durando 22 dias. A maioria dos
índios estava fraca demais para prosseguir, e 66 indivíduos morreram nocaminho.
Raimundo Alves chegou ao Posto de atração no dia 27/07/1976, com 27 índios.
Em setembro de 1976, Carvalho voltou para o Ipixuna encontrando 44 índios acampados
próximos ao Posto de atração, todos muito doentes. Este grupo provavelmente estava se
deslocando de acampamentos na mata em direção ao Posto. No final de setembro, outro
grupo de índios, também muito doentes chegou ao Posto. Não se sabe se este grupo
estava no Xingu ou se eram provenientes da aldeia do igarapé Jatobá. Por fim, em
dezembro, chegam ao Posto alguns índios da aldeia Jatobá, trazendo a notícia do ataque
recente dos Parakanã a esta aldeia.
70 Eduardo Viveiros de Castro, In: Processo FUNAI nº: 0707/79, fls. 90 e 91
112
Como o censo realizado em março de 1977 indicava 120 índios, e a população Araweté
em setembro de 1976 era de aproximadamente 70 indivíduos, deduz-se que houve
deslocamentos maciços de índios da outra aldeia, e de acampamentos ao longo do trecho
Xingu - Ipixuna, em direção ao Posto.
Os Araweté, atingidos em 1977 por epidemias de gripe e desinteria, começam a se
recuperar. A partir de 1978 a frente de atração instalou um novo Posto na margem
esquerda do médio Ipixuna. Duas aldeias foram erguidas: uma junto ao Posto, com roça
aberta pela FUNAI, e outra na margem direita do igarapé, junto às roças abertas pelos
índios. Em 1981, os Araweté da margem direita fundem-se com a aldeia do Posto, devido
à necessidade de se situarem mais próximos dos bens e serviços oferecidos pela
FUNAI.71
Curiosamente, em setembro de 1987 os Xikrin da Terra Indígena Cateté, a centenas de
quilômetros a sudeste do Ipixuna, do outro lado da Serra dos Carajás, atacaram um
pequeno grupo de índios desconhecidos, matando um homem e um menino, capturando
duas mulheres e outro menino pequeno. Um médico da FUNAI que visitava a aldeia do
Cateté reconheceu a pele branca e os olhos castanho-claros dos Araweté, bem como os
característicos brincos de pena usados pelas mulheres. Depois da transferência para a
aldeia Ipixuna, descobriu-se que este grupo de índios "isolados" fazia parte do grupo do
Iwarawi, que havia se separado do bloco maior há aproximadamente 30 anos, durante um
ataque Xikrin nas cabeceiras do Bacajá.
A partir do contato oficial, que implicou na fixação da sociedade indígena em uma área
restrita, começou a emergir entre os Araweté uma concepção "fechada" de território.
Como argumenta Viveiros de Castro (1988), o estabelecimento de uma só aldeia junto ao
Posto da FUNAI deteriorou o modus vivendi tradicional, que consistia em várias aldeias
simultâneas cobrindo uma vasta extensão territorial, diminuindo o raio de movimentação
do grupo, que agora se encontra numa situação de maior dependência em relação ao
Posto.
71
Eduardo Viveiros de Castro, In: Processo FUNAI nº: 0707/79, fls. 92 e 93
113
Quanto à atividade missionária, os primeiros trabalhos foram desenvolvidos pela
Associação Lingüística Evangélica Missionária (ALEM) no início dos anos 1990.
Atualmente a ALEM conta com três missionários na aldeia Ipixuna, sendo que um deles
fala fluentemente a língua Araweté e é professora da escola indígena.
Situação fundiária da TI Araweté/Igarapé Ipixuna
Em 1996, o Decreto do Presidente Fernando Henrique Cardoso homologou a demarcação
administrativa da TI Araweté, com 940.900 ha de área e 576 km de perímetro. Atualmente
o território Araweté está registrado oficialmente no Serviço de Patrimônio da União (SPU),
abrangendo os municípios de Altamira, São Félix do Xingu e Senador José Porfírio. A
Tabela 20 a seguir apresenta alguns dados referentes ao processo demarcatório desta TI.
Tabela 14. Situação fundiária da TI Araweté Igarapé Ipixuna
AREA (Ha) 940.900,8
PERÍMETRO (Km) 576,38
MUNICÍPIOS Altamira, SF Xingu e José Porfírio
DECLARATÓRIA PD 254 de 21/12/1992
HOMOLOGAÇÃO 05/01/1996
REGISTRO 04/03/1996
SPU 20/05/1997
Fonte: DAF/FUNAI/Ribeiro,2006
O processo de regularização fundiária da terra indígena teve início em fevereiro de 1979,
quando o Sr. Salomão Santos, então chefe da Ajudância de Altamira, apresentou uma
proposta de criação da Reserva Indígena Araweté, com aproximadamente 400.000 ha,
englobando a área tradicional e atual dos Araweté - cabeceiras do Bacajá, margens dos
igarapés Jatobá, Bom Jardim, Canafístula e Ipixuna.
Em novembro de 1979, o Grupo de Trabalho criado pela Portaria 627/E de 15/10/1979 e
coordenado pela antropóloga Regina Müller apresentou à FUNAI uma proposta de
demarcação conjunta das áreas indígenas Koatinemo-Ipixuna-Bacajá (sociedades Asuriní,
Araweté e Xikrin). Essa área contínua, que englobava todo o interflúvio Xingu-Bacajá, indo
114
do Piranhaquara até o Bom Jardim, no Xingu, e todo o rio Bacajá a partir do igarapé Dois
Irmãos, incluía ainda o território de possíveis índios arredios (provavelmente Parakanã).
Tal proposta de demarcação apresentava a vantagem de não deixar um "corredor" entre
as áreas dos índios do Xingu (Asuriní e Araweté) e a dos Xikrin do Bacajá, evitando
invasões, e incluindo o território de índios ainda desconhecidos.
O projeto proposto pelo GT não se realizou e cada terra indígena foi demarcada
separadamente, com os mesmos limites da proposta de uma área continua. A área
Araweté foi interditada em 30/12/1987, através da Portaria PP/4101 com 985.000 hectares
e 500 km de perímetro. Em maio de 1992 esta área foi delimitada, para fins de
demarcação. A demarcação física do território Araweté foi realizada entre junho de 1994 e
maio de 1995, com recursos do governo austríaco destinados à conservação de florestas
tropicais, concedidos durante a ECO-92.
A TI Araweté está situada na área de influência do Projeto Carajás, da Companhia Vale
do Rio Doce (CVRD). Apesar disto, esta área não foi incluída nos projetos compensatórios
que a empresa foi obrigada a instituir, e que contemplaram apenas as TI Parakanã e
Cateté, situadas fora do bloco de TIs do médio Xingu. Além da CVRD, segundo dados do
ISA (2005) diversos interesses minerários recaem sobre a TI Araweté. De fato, seis
empresas solicitaram ao DNPM requerimento de pesquisa, totalizando 22 processos
minerários incidentes sobre esta TI.
A área da TI com incidência em interesses minerários totaliza 122.734 ha, equivalente a
12,64% da Terra Indígena Araweté. As principais empresas com interesses minerários
incidentes são: Mineração Rio Itajaí (pesquisa de ouro, prata e platina), CVRD (níquel),
Mineração Jenipapo (ouro), Mineração Itamaracá (ouro), Indústria Samaúma (ouro) e
Mineração Silvana (ouro).
A invasão da TI Araweté por empresas madeireiras seguiu-se à invasão das Terras
Indígenas Apyterewa e Trincheira-Bacajá. Liderada pelas empresas Exportadora Perachi
e Madeireira Aragüaia (Maginco), esta invasão iniciou-se em 1986, quando as referidas
empresas abriram uma estrada - Morada do Sol, de aproximadamente 200 km partindo de
Tucumã e avançando sobre as TIs Apyterewa, Araweté e Trincheira-Bacajá.
115
Conseqüentemente, em 1988 os Araweté e o então Chefe de Posto da aldeia Ipixuna
(Benigno Pessoa Marques, atual Superintendente da FUNAI-Altamira) encontraram e
apreenderam uma grande quantidade de mogno derrubada no interior da Terra Indígena
pelas duas madeireiras citadas. Após uma negociação estabelecida entre a FUNAI-
Altamira e estas duas madeireiras, que terminou por oficializar a retirada e a venda ilegal
de madeira das Terras Indígenas, as sociedades Araweté e Apyterewa-parakanã
receberam uma indenização pela madeira roubada.
Embora a maior parte desta verba tenha sido confiscada posteriormente pelo Governo
Collor, o período em que ela esteve disponível foi suficiente para gerar, por um lado,
melhorias nas condições de infra-estrutura da aldeia e, por outro, aumento da
dependência dos Araweté em relação a mercadorias como espingarda, roupas, lanternas,
panelas, facões e machados.
Em 1992, a madeireira Exportadora Perachi foi flagrada retirando mogno no interior do
território Araweté. Atualmente, segundo o chefe de posto Nivaldo Porfírio, a atividade
madeireira no interior da TI Araweté/Igarapé Ipixuna está paralisada. (Ribeiro, 2006).
Entretanto, segundo Nerci Caetano Ventura , técnico da FUNAI-Altamira, a TI Araweté foi
invadida por alguns madeireiros em 2000 e 2001. Efetuada através da TI Apyterewa, esta
invasão contou com o auxílio de alguns jovens índios Parakanã envolvidos na extração
ilegal de madeira. (Ribeiro,2006)
Segundo as informações disponíveis, a pesca praticada pelos regionais seria a única
atividade ilegal dentro da TI, atualmente. Analisando as imagens de satélite são visíveis
as cicatrizes deixadas pela atividade madeireira no território Araweté: dos 940.000 ha que
compõe a TI, aproximadamente 3.406 ha foram devastados e 317 km de estradas
endógenas foram abertas (vide Anexo 06- Mapa de Vulnerabilidade territorial das Terras
Indígenas).
116
Aspectos demográficos
Atualmente os Araweté moram em três aldeias: Juruãti, formada em novembro de 2008,
próximo a foz do igarapé Ipixuna; Ipixuna, formada em outubro de 2001, logo acima, e
aldeia Pakañã, formada em outubro de 2005, localizada a 2:00hs da foz do Ipixuna,
igarapé acima.
Os Araweté somam hoje 398 indivíduos, vivendo nestas três aldeias:
Ipixuna - 208
Pakanã – 77
Juruãti - 113
A população imediatamente anterior ao contato era de aproximadamente 200 pessoas.
Entretanto, a mortalidade causada por epidemias e desnutrição decorrentes do "contato"
levou o grupo a um mínimo de 120 pessoas, em 1977. Posteriormente, os Araweté
chegaram a 189 indivíduos no ano de 1992, passando a 299 em 2003. Em julho de 2005,
a população do grupo havia alcançado os 326 indivíduos, atingindo a marca de 335 em
novembro deste mesmo ano. O gráfico 7 a seguir apresenta o crescimento da população
Araweté no período 1990-2006.
Organização social e estratégias de sobrevivência frente ao contato com a
sociedade envolvente.
As residências na aldeia se organizam de modo multicêntrico, não possuindo um centro
no sentido geográfico ou político-ritual. Uma das implicações desta organização é o fato
de que o Posto da FUNAI assume a função de centro político e de espaço público, o que
dá ao Posto (e ao chefe de Posto) uma importância política grande. Neste sentido é que
Viveiros de Castro afirma que
" (...) a aldeia Araweté não tem - e tradicionalmente nunca parece ter tido - um
centro, no sentido próprio, geográfico, ou no sentido político-ritual. Isto possui várias
implicações, ligadas à estrutura social Araweté. Uma implicação importante é que o
117
Posto Indígena da FUNAI assume-cria a função de centro político, e de espaço
comunal público. Dá-se então que o espaço coletivo Araweté é ao mesmo tempo
comunal e dos brancos, que passam assim a exercer um poder eminente sobre toda
a sociedade. O "pátio dos brancos" é o "pátio central", que se superimpõe à
sociedade Araweté, a unifica e engloba. É assim que se fabrica o poder."72
O contato Araweté com os "brancos" é muito anterior à década de 1970. Nos 40 anos
anteriores ao contato, os antigos Araweté se lembram de massacres efetuados pelos
"brancos" e do costume de se pegar objetos de metal em capoeiras abandonadas. Apesar
destes contatos esporádicos, os Araweté afirmam que, realmente, só vieram a ver os
brancos quando chegaram ao igarapé Ipixuna, por volta dos anos 1960, período em que
diversos "gateiros" estavam percorrendo a região deste igarapé (VIVEIROS DE CASTRO,
1988).
No período pós-contato, nas décadas de 1980 e 1990, embora a TI Araweté/Igarapé
Ipixuna tenha sido alvo de madeireiros, garimpeiros e empresas mineradoras, a relação
da sociedade Araweté com a população regional raramente assumiu caráter conflituoso.
Em períodos mais recentes os Araweté intensificaram progressivamente o processo de
interação com a sociedade envolvente. Por um lado, esta interação foi resultado da maior
facilidade de acesso à cidade - os Araweté possuem um barco e a FUNAI fornece
combustível regularmente.
Por outro lado, a intensificação da relação entre os Araweté e o "mundo dos brancos" foi
conseqüência direta da inserção de na economia de mercado, viabilizada pela cooperativa
Amazoncoop (para a qual coletavam castanha-do-Brasil), pelas aposentadorias, pelos
salários dos Agentes Indígenas de Saúde(2) e pela comercialização de sementes de
mogno por meio da FUNAI.
Atualmente, vários Araweté freqüentam a cidade de Altamira, a qual, segundo Viveiros de
Castro (1988), é um símbolo fundamental no imaginário desta sociedade indígena por
representar, ao mesmo tempo, lugar de abundância e foco das doenças, que os matam.
72 Eduardo Viveiros de Castro, In: Processos FUNAI nº 707/79
118
Tradicionalmente a vida social era marcada pelas estações do ano e atividades produtivas
correspondentes Hoje, os Araweté passam a maior parte do tempo vivendo na aldeia,
sendo os acampamentos na floresta, restritos à coleta da castanha-do-Brasil para
comercialização e às caçadas coletivas. (Faria, 2007).
Esse padrão difere do descrito na literatura sobre os Araweté (Viveiros de Castro, 1986)
onde há o relato da época em que o ciclo anual de atividades se dividia em duas fases, a
da vida na floresta e a da vida aldeã.
A fase na floresta se iniciava após o plantio dos roçados de milho, quando as famílias
deixavam a aldeia por quase três meses, até a época de colheita do milho-verde.
Retornavam em março, para a fase de vida aldeã. Mesmo nesta fase, sempre havia
famílias acampando fora da aldeia por períodos de até 15 dias, por razões variadas, quais
sejam: as caçadas masculinas coletivas de tatus, que ocorriam a partir de abril-maio; a
colheita do milho, em julho-agosto, quando muitas famílias acampavam perto de seus
roçados e, por fim, as excursões de grupos de famílias para coletar ovos de tracajá,
pescar, caçar e capturar filhotes de arara e papagaios. A fase de vida na floresta, contudo,
não ocorreu nos anos de 1981 e 1982, conforme já destacava Viveiros de Castro.
O estudo de Faria (2006, 2007), bióloga que no período 2004-2006 realizou pesquisas a
respeito das transformações no uso dos recursos naturais por parte da sociedade
Araweté, mostra as transformações no modo de vida tradicional, particularmente as que
foram geradas pelas relações econômicas dos Araweté com a sociedade envolvente. De
acordo com este estudo, nos primeiros 15 anos que se passaram após seu aldeamento
pela FUNAI, os Araweté permaneceram mais isolados do contato com a sociedade
envolvente do que seus vizinhos Asurini e Xikrin.
Apesar disso, poucos anos após o aldeamento, os Araweté já dependiam da FUNAI para
obtenção de produtos exógenos como querosene, sal, fósforos, panelas, roupas para os
homens, sabão, pilhas, lanternas, facas, machados, facões, ferramentas, tesouras,
pentes, espelhos, açúcar, óleo de cozinha, espingardas, munição, canoas e remédios.
Também era grande a solicitação de remédios e do serviço de saúde prestado pelo
119
auxiliar de enfermagem que morava na aldeia. Em 1982 foram introduzidas as primeiras
espingardas, e em 1987, os Araweté, eles próprios, fabricaram as primeiras canoas.73
Descreve-se a seguir algumas mudanças ocorridas nas práticas econômicas nos últimos
dez anos:
O consumo de itens industrializados aumentou consideravelmente após o ano de 1989,
quando ocorreu uma importante transformação na aldeia. Os Araweté receberam grande
soma em dinheiro como indenização por madeira apreendida que havia sido retirada
ilegalmente de suas terras e, com este dinheiro, foram comprados motores para
transporte e geração de energia elétrica, bem como um barco com alta capacidade de
carga.74
A partir de outubro de 2001, quando se mudaram para a Aldeia Ipixuna, a relação dos
Araweté com o mundo externo mudou radicalmente, pois eles passaram de uma distância
de 30 km entre a aldeia e o rio Xingu, para uma distância de apenas 6,3 Km. Esta maior
proximidade trouxe nova movimentação à aldeia, intensificaram-se as visitas dos Araweté
aos seus vizinhos ribeirinhos, a freqüência de não índios na aldeia intensificou-se, como
as equipes da área de saúde, representantes da FUNAI, ribeirinhos em busca de
tratamento médico, outros índios de passagem, turistas estrangeiros, etc.
Este fluxo de pessoas, associado aos programas televisivos eram, até então, a principal
forma de contato dos Araweté com a sociedade envolvente. Essas pessoas que
passavam pela aldeia, muitas vezes acabavam comprando artesanatos ou produtos
florestais e, aos poucos, os Araweté passaram a ter mais contato com a moeda brasileira
e com produtos exógenos trazidos pelos visitantes. (FARIA, 2006)
No início de 2005, a maioria dos Araweté ainda não conhecia um centro urbano. As
poucas exceções que estiveram na cidade, foram para tratamento médico e, um número
ainda menor, para outros propósitos, como participar de reuniões e conselhos ou a convite
de pesquisadores.
73 VIVEIROS DE CASTRO, apud Faria, 2007 74 VIVEIROS DE CASTRO, apud Faria, 2007
120
No final de 2005, o quadro havia mudado radicalmente. A maioria dos homens jovens
casados e alguns idosos já haviam conhecido Altamira, seja para receber o dinheiro pela
castanha-do-Brasil coletada, seja para participar dos II Jogos Tradicionais Indígenas do
Pará, realizados em agosto de 2005 (FARIA, 2007). A partir desta época os Araweté
passaram a demonstrar maior interesse pela cidade e seus produtos.
Por outro lado, as rendas proporcionadas aos Araweté para suprir suas “novas”
necessidades, advindas da coleta da castanha e de sementes de mogno para
comercialização, foram reduzidas ao longo dos últimos anos. A parceria entre a
cooperativa Amazoncoop e a empresa The Body Shop na comercialização da castanha se
desfez e com isso os Araweté passaram a comercializar castanha no mercado local. Da
mesma forma, a venda de sementes de mogno realizada através da FUNAI (ver Faria,
2007) também sofreu um decréscimo.
A participação dos Araweté na economia de mercado, conforme apresentado no estudo
de Faria, se dá por meio de poucas fontes, e a renda obtida é geralmente baixa e, à
exceção dos salários e das aposentadorias, todas as outras fontes de renda não são
regulares. Apesar da pouca participação no mercado, observou-se que há diferenças
quanto ao grau de envolvimento das unidades domésticas e que o crescente interesse
dos Araweté pela cidade e por seus produtos, tem aumentado o consumo de bens
industrializados.
Relação dos Araweté com os recursos naturais da Bacia fluvial do Xingu
O ciclo de subsistência anual tradicional da sociedade Araweté consistia em fases de
dispersão na mata e reconcentração na aldeia, de expedições realizadas por pequenos
grupos e de consumo cerimonial e coletivo do resultado destas expedições. O calendário
sazonal do ciclo de subsistência podia ser dividido da seguinte maneira:
- Agosto-outubro: derrubada da roça nova de milho; fim dos estoques de milho, início do
processamento da mandioca;
121
- Outubro: coivara;
-Outubro-novembro: pescarias com timbó, nas quais a aldeia se divide em grupos que
acampam junto aos poções e grotas;
- Novembro-dezembro: plantio do milho; coleta do mel, na qual novamente a aldeia se
divide em grupos que acampam por semanas na mata. A época do plantio do milho, com
as primeiras chuvas, coincide com a época em que as castanhas estão quase maduras
nas castanheiras.
- Dezembro-fevereiro: dispersão da aldeia até a maturação do milho verde; pequenos
grupos se dispersam na mata, caçando e coletando castanha-do-pará, cupuaçu e bacaba;
- Março-setembro: consumo do milho verde; ciclo da farinha do milho e das caçadas ao
tatu75
Atualmente, vários fatores (entre eles a inserção no mercado de produtos florestais não
madeireiros e a introdução de novas tecnologias) contribuem para a transformação das
práticas tradicionais de subsistência. Sem dúvida, a principal modificação no ciclo anual
de subsistência Araweté é a atual não dispersão do grupo no período de maturação do
milho, na época das chuvas. De acordo com Faria (2006), a dispersão no período das
chuvas foi substituída pela coleta de castanha-do-pará com objetivo comercial.
A maior parte das atividades praticadas pelos Araweté, nos dias de hoje, tanto de
subsistência quanto de mercado, se distribuem de acordo com as estações do ano
(chuvosa e seca), com o nível das águas dos igarapés e dos rios, e com a safra dos
produtos florestais.
Com relação à agricultura, os dois principais produtos da roça Araweté são o milho,
principal item da dieta Araweté, e a mandioca-brava. A maioria das famílias abre duas
roças por ano, uma de milho e outra de mandioca. Tanto os roçados de milho quanto os
de mandioca são cultivados por apenas um ano, até que os novos roçados sejam abertos,
sendo então abandonados para regeneração. No entanto, produtos como cará, batata,
frutos e, às vezes, mandioca e macaxeira podem ser colhidos nos roçados antigos por até
75 Eduardo Viveiros de Castro, In: Processo FUNAI nº: 0707/79, fls. 107
122
dois anos. Estes roçados continuam pertencendo aos donos, e terceiros precisam de
autorização para retirar produtos deles.
As primeiras roças a serem abertas são as de milho. Em geral, são abertas em
localidades distantes da aldeia e próximas às roças anteriores, em áreas de floresta em
estágio avançado de regeneração. O local da nova roça é escolhido pelo tipo de solo. O
milho-verde é colhido a partir de março, e o milho maduro só é colhido entre junho e julho.
A mandioca é colhida ao longo do ano, de acordo com a necessidade de consumo de
farinha, sendo que algumas famílias só colhem mandioca quando estão sem milho para
consumo. O restante da mandioca é deixado no roçado para ser colhido posteriormente.
(Faria, 2006) Outros produtos importantes das roças Araweté são: batata-doce, cará,
macaxeira, mamão, banana, algodão, urucum, cana-de-açúcar, tabaco e sementes para
confecção de colares.
Atualmente a caça é realizada quase que exclusivamente com espingarda, sendo que
apenas alguns velhos ainda utilizam arco-e-flecha, além da espingarda. A caça entre os
Araweté é uma atividade essencialmente masculina. As mulheres só acompanham os
homens em caçadas com pernoite, geralmente para caçar jabutis. A variedade de animais
caçados é grande, seja para retirada de penas, seja para alimentação. Em ordem de
preferência alimentar, pode-se citar: jabutis, tatus, mutuns, jacus, cutia, porcos-do-mato,
guariba, macacos-pregos, paca, veado-mateiro, inhambus, arara vermelha, arara-canindé,
arara-azul-grande, jacamins, jaós e anta. Esta grande variedade de carne de caça
consumida é outra característica que distingue os Araweté de outros grupos Tupi-Guarani.
Outra atividade importante para a economia de subsistência dos Araweté é a coleta de
produtos florestais. Em geral, a coleta é praticada por ambos os sexos e usualmente
realizada por casais, com exceção da coleta de mel que é exclusivamente realizada pelos
homens. De acordo com Viveiros de Castro, além do mel, outros produtos importantes de
coleta são: castanha-do-pará, açaí, bacaba, cupuaçu e coco babaçu. Dentre os demais
recursos naturais necessários para a construção de casas, confecção de artesanatos,
utensílios, etc., estão as folhas e talos de babaçu, inajá e açaí, taquaras, madeiras para
usos diversos, envira e barro. 76
76 Eduardo Viveiros de Castro, In: Processo FUNAI nº: 0707/79, fls. 115
123
A estação chuvosa, de dezembro a maio, é a época dedicada à coleta de castanha-do-
Brasil (Bertholletia excelsa H.B.K.), bem como de frutos como a bacaba (Oenocarpus
distichus Mart.), várias espécies de ingá (Inga spp), a golosa e o caju-do-mato. É nessa
época também que a caça adquire maior importância, sendo o jabuti (Geochelone
denticulata, G. carbonaria) o principal item caçado, seguido por outros animais como os
tatus (Dasypusnovemcinctus, D. septemcinctus, Cabassous unicinctus e Priodontes
maximus), as queixadas (Tayassu pecari), os catetos (Pecari tajacu) e as pacas
(Cuniculus paca). Quando as chuvas estão mais fracas e o nível de água dos rios começa
a retroceder, inicia-se a época dedicada à colheita do milho-verde (Zea mays L.). (Faria,
2006)
Entre os meses de junho e julho ocorre a coleta das sementes de mogno (Swietenia
macrophylla King, Meliaceae), a qual coincide com a colheita do milho já maduro, sendo
também época do açaí (Euterpe oleracea.). Pouco tempo depois é época de coleta de mel
e de ovos de tracajá (Podocnemis spp) e novamente estão disponíveis o açaí e algumas
espécies de ingá.
Inicia-se então a fase de abertura (broca, derrubada e queima) dos novos roçados de
mandioca, bem como a queima dos roçados de milho e mandioca. Em seguida são
plantados a mandioca, a macaxeira (Manihot esculenta Crantz) e todos os outros
vegetais, exceto o milho. A caça começa novamente a ganhar espaço, ao mesmo tempo
em que entra a safra de cacau-nativo (Theobroma speciosum Willd. ex Spreng.).
Os Araweté caçam o ano todo, mas a atividade é ainda mais expressiva durante o
inverno, quando é alta a disponibilidade de frutos que atraem os animais, permitindo que
os Araweté cacem em espera, isto é, aguardando o animal vir se alimentar.
A pesca é atividade importante principalmente na época de seca, quando os rios estão
baixos e pescar se torna menos custoso do que caçar. Tradicionalmente, a pesca é uma
atividade essencialmente masculina. No entanto, com a introdução de anzol e linha de
nylon, crianças passaram a pescar, ganhando papel importante na alimentação familiar.
124
Como é uma atividade tipicamente sazonal, em cada época do ano, transforma-se o tipo
de pesca, as pessoas envolvidas na atividade e os instrumentos preferencialmente
empregados. Na época da seca, a pesca é praticada por homens e mulheres de todas as
idades, enquanto que no restante do ano, os mais envolvidos nessa atividade são homens
adolescentes e as crianças de ambos os sexos, com idade entre cinco e doze anos. (Faria
2006)
Os homens pescam com arco e flecha, linha de pesca e anzol e, na seca, também com
timbó e hará. Alguns poucos Araweté possuem malhadeira ou tarrafa (tipos de rede de
pesca), que compram com o dinheiro da aposentadoria de algum parente ou com dinheiro
obtido por outras fontes.
As mulheres costumam pescar apenas quando seus maridos se ausentam da aldeia por
alguns dias, e neste caso, sempre pescam junto outras mulheres, utilizando anzol e linha
de pesca. No verão também podem pescar com hará, desde que não haja homens por
perto, pois às mulheres só é permitido utilizar este artefato masculino na ausência de
homens.
Os Araweté consomem quase todas as espécies de peixes do Ipixuna, exceto pirarara.
Entre agosto e novembro, o Ipixuna forma poços de água estagnada propícios à pesca.
Nessas ocasiões, os homens pescam utilizando o hara, uma armadilha manual, fabricada
com talas do pecíolo do babaçu, no formato de um cone fechado na extremidade posterior
(Ribeiro, 1983). O hará é introduzido verticalmente e com rapidez na água represada,
aprisionando o peixe em seu interior. Os peixes são então retirados com as mãos, pela
lateral do hará, forçando-se uma abertura entre as varas de sua estrutura. Este
instrumento possibilita a pesca de várias espécies de peixes.
Quando as águas atingem seu nível mais baixo, entre outubro e novembro, acontece a
pesca com timbó, cipó utilizado pelos índios para envenenar os peixes (da família
Sapindaceae). Nesta ocasião as famílias saem em grupos para os poços de água
represada, onde acampam por um ou dois dias. A primeira fase da atividade é
exclusivamente masculina. São os homens casados que já são pais que coletam os cipós
e os batem na água, para que liberem as toxinas. As mulheres não podem assistir a esta
125
atividade, e neste período arrumam e limpam o acampamento, preparam o fogo (cada
casal possui seu fogo) e cozinham cará e café que serão consumidos com farinha de
mandioca, alimentos trazidos da aldeia.
No inverno, é mais comum observar crianças, de ambos os sexos, ou meninos mais
velhos pescando. Nessa época, os homens adultos raramente se dedicam à pesca, à
exceção dos que possuem malhadeira ou tarrafa, artefatos que aumentam
consideravelmente o rendimento da atividade. Essas redes são compradas em Altamira.
Ainda não são acessíveis a todos os Araweté, mas o número de redes existentes na
aldeia vem crescendo ano a ano. Também tem se tornado cada dia mais comum ver
homens engajados no conserto desses artefatos, que exigem manutenção constante.
126
Os Araweté e os projetos de aproveitamento hidrelétrico no Rio Xingu
Reunião na Aldeia Juruãti / Foto Alice Villela Março 2009
Na reunião realizada no dia 24/03/2009, sobre o projeto AHE Belo Monte, os velhos
deram inúmeras demonstrações de preocupação e medo em relação ao alagamento das
suas terras caso a “barragem” seja construída. Duas senhoras idosas da aldeia Ipixuna
choraram diante da equipe e demonstraram desconfiança em relação ao projeto do AHE.
Nas palavras do jovem tradutor Araweté Jarirutyre, dois homens velhos disseram: “essa
barragem que vocês estão falando, ou vocês estão mentindo que não vai encher ou a
água vai subir”.
127
Na aldeia Juruãti, os índios mais velhos demonstraram ter entendido o projeto hidrelétrico
e expressaram profunda preocupação com as conseqüências do empreendimento. Nas
palavras do jovem tradutor, perguntaram: “Se a barragem sair mesmo, o que que vai
acontecer daqui pra frente? (...) o que que nós vamos comer? E se a gente perder a
cultura, o que que vai ser de nós?”. O jovem Jarirutyre disse estar preocupado com o
aumento de conflitos entre diferentes etnias indígenas devido aos posicionamentos
diversos frente ao empreendimento. Segundo ele, os Araweté são “fracos” e nas reuniões
em Altamira tem que ficar do lado dos mais fortes.
128
7.4.5 Parakanã – TI Apyterewa
Parakanã da Aldeia Xingu - Foto Caetano Ventura Março 2009
Nome
O termo “Parakanã” não é uma autodenominação. A designação entrou no vocabulário
indigenista no início do século XX, através dos Arara-Pariri, população indígena de língua
Karib que fora obrigada a abandonar seu território, na bacia do rio Pacajá, em virtude de
repetidos ataques de um grupo que eles designavam por este termo (Tânia Chaves, In:
Processos FUNAI nº 0948/86, fls.135).
Os Parakanã, assim como os Asuriní do Xingu, se autodenominam Awaeté (gente de
verdade), em oposição aos Akwawa, categoria genérica para estrangeiros. Segundo
Fausto77, os Parakanã também se dizem descendentes dos Apyterewa (aqueles de
cabeça boa, calmos), denominação de um dos grupos étnicos que compunha
provavelmente um mesmo sistema social no interflúvio Pacajá-Tocantins.
77 (In: Relatório do GT para estudos complementares sobre a TI Apyterewa, 1996)
129
Língua
Os Parakanã falam uma língua da família Tupi-Guarani classificada num sub-conjunto
formado pelos Tapirapé, Avá Canoeiro, Asuriní do Tocantins, Suruí do Tocantins,
Guajajara e Tembé.
Histórico do contato
Contatados em momentos e locais distintos entre 1971 e 1984, os Parakanã habitam
atualmente duas terras indígenas: a TI Parakanã, localizada na bacia do Tocantins, e a TI
Apyterewa, situada na bacia do Xingu em área sujeita às influências dos impactos
associados ao empreendimento AHE – Aproveitamento Hidroelétrico Belo Monte e que,
portanto, será objeto dos estudos do Componente Indígena.
O território tradicionalmente ocupado por esta sociedade indígena compreendia a região
Tocantina: os rios Cajazeiras, Tapirapé, Anapu, Pacajá, Bacuri, Pucuruí e Pacajazinho.
Entretanto, para compreendermos a ocupação territorial dos Parakanã em períodos mais
recentes é necessário distingüir dois grandes ramos Parakanã, formados a partir de
conflito interno que levou a cisão definitiva do grupo no final do século XIX. Um dos
ramos, denominados por Fausto (1996) Parakanã Ocidentais, após a cisão do grupo,
dirigiu-se para oeste, estabelecendo-se na bacia do rio Pacajá, onde permaneceram até a
década de 1960.
Os Parakanã Orientais se fixaram na área drenada pelos afluentes da margem esquerda
do Tocantins, onde se encontram até hoje, na TI Parakanã. A partir da cisão ocorrida,
estes dois blocos assumiram progressivamente modos de vida distintos quanto à
mobilidade, padrão de assentamento e estratégias de subsistência, com ênfases
diferentes na caça e na agricultura. Por um lado, os Ocidentais foram abandonando o
modo de vida aldeão, ampliando os períodos de trekking e baseando a subsistência na
caça e coleta. Os Orientais adotaram, por outro lado, um padrão mais sedentário, ligado
ao cultivo de mandioca e com maior valorização da sociabilidade aldeã.
As primeiras tentativas de "pacificar" os Parakanã Ocidentais ocorreram na década de
1920. Nas décadas iniciais do século XX, a região de Marabá e Tucuruí (ex-Alcobaça)
passava por acentuado crescimento econômico, baseado na coleta de castanha, o que
impulsionou a construção da Estrada de Ferro do Tocantins, que funcionaria como meio
130
de ligação entre o médio Tocantins e Belém78. Neste momento, começam a se multiplicar
os ataques de indígenas a trabalhadores e moradores, ao longo da linha férrea.
O Serviço de Proteção ao Índio – SPI - foi chamado para garantir a segurança dos
trabalhadores através da pacificação dos indígenas, fundando em 1928 o Posto de
Pacificação do Tocantins, freqüentado pelos Parakanã ao longo da década de 30. De fato,
os ataques e pilhagens eram realizados por dois grupos indígenas - os Parakanã e os
Asuriní do Tocantins – sendo que os primeiros buscavam trocar pacificamente
mercadorias por produtos da mata e os segundos saqueavam e matavam os donos das
mercadorias.
Na segunda metade da década de 1960, a expansão da atividade econômica na bacia do
Pacajá levou os Parakanã a se deslocarem para Oeste, onde acreditavam não haver
brancos. Explode então o conflito interno que dividiu os Parakanã Ocidentais em três
grupos. Um dos subgrupos rumou em direção ao rio Bacajá, sendo reprimido pelos Xikrin,
grupo Kayapó que dominava a região desde a década de 1930.
Em 1972 os grupos se reuniram novamente em um tributário do rio Cajazeiras (afluente
do Tocantins) e apareceram na roça de colonos locais em busca de mandioca. Avisada da
presença dos índios a FUNAI enviou uma frente de atração ao local, a qual manteve
contato por dois meses com os Parakanã Ocidentais. Entretanto, a Frente foi obrigada a
se retirar por falta de recursos.
Os Parakanã rumaram novamente para oeste e um novo conflito interno levou a cisão do
grupo: cerca de 200 pessoas se dirigiram para as cabeceiras do rio Bacajá, enquanto um
grupo menor, com cerca de 50 pessoas, seguiu para noroeste, alcançando as cabeceiras
do rio Anapu. Entretanto, este último grupo já se encontrava muito próximo da zona de
colonização da Transamazônica, que cortara o rio Anapu em seu alto curso (km 377 do
trecho Altamira-Marabá). Assim, em 1976 a FUNAI conseguiu "pacificar" os primeiros
Parakanã Ocidentais, o chamado "grupo do Akaria", transferindo-os para a Reserva
Pucuruí, onde um terço dos indígenas veio a falecer no primeiro ano pós-contato (Fausto,
1996).
O restante do grupo se dirigiu para o interflúvio Xingu-Bacajá, atravessando o território
xikrin e se instalando num polígono limitado ao sul pelo igarapé São José, a leste pelo 78 Tânia Chaves In: Processos FUNAI 0948/86, fls. 136
131
igarapé Lontra e ao norte pelo rio Branco de Cima e igarapé Bom Jardim. Esta área que
vieram a ocupar era território tradicional Araweté, e seria invadida por madeireiros e
garimpeiros na década de 1980.
Para ocupar esta região, os Parakanã forçaram o deslocamento para o norte do bloco
meridional Araweté, que habitava nas cabeceiras do igarapé Bom Jardim. Os primeiros
ataques aos Araweté datam de 1974, mas os Parakanã mantiveram a pressão sobre eles
até 1976, obrigando-os a aceitar o contato com a FUNAI.
A disputa por esta área relativamente preservada do avanço da colonização levou a novo
conflito com os Xikrin do Bacajá. Em 1977, os Xikrin armados com espingardas mataram
dezesseis Parakanã no rio Branco de Cima. Este ataque sustou o avanço setentrional dos
Parakanã no interflúvio Xingu-Bacajá, os quais decidiram então retomar a agricultura
(Fausto, 1996). Utilizando a maniva de aldeias Araweté abandonadas, fixaram-se entre os
igarapés Bom Jardim e São José. Entre 1977 e 1978 ocorreu outra cisão no grupo
Parakanã isolado, dividindo-o em três.79
Provavelmente a maior dificuldade para a fixação dos Parakanã nesta área foi o fato que o
projeto de colonização da região ao sul das nascentes do rio Bacajá conduziu à
transformação do pequeno vilarejo de Tucumã, que se transformou em pólo de expansão
da frente econômica, baseada na exploração madeireira e agropecuária.
No início dos anos 1980, algumas fazendas madeireiras já atingiam a margem esquerda
do igarapé São José, enquanto que os garimpos alcançavam as cabeceiras do Bacajá e
Bom Jardim. Desta forma, entre 1980 e 1982 os Parakanã promoveram ataques às
fazendas Cajazeira e Castanhal, situadas no igarapé São José.
Ao entrarem em choque com não índios que se aproximavam de seu território, os
subgrupos Parakanã acabaram sendo localizados e contatados pela FUNAI. O contato
com o "grupo de Namikwarawa", composto por 44 índios, se deu em janeiro de 1983,
entre o igarapé São José e o igarapé Cedro, seu afluente na margem direita. Após o
contato eles foram transferidos de aeronave para a TI Parakanã, na região do rio
Tocantins, e 11 índios vieram a falecer nos primeiros seis meses pós-contato.
79 Tânia Chaves In: Processos FUNAI 0948/86, fls. 139
132
De fevereiro a maio de 1983, os Parakanã ainda não contatados rumaram em direção
norte e acabaram entrando em choque com os Araweté no igarapé Ipixuna. Uma equipe
chefiada pelo sertanista Sidney Possuelo seguiu para o local, mas não conseguiu localizar
o grupo. Em maio, este grupo saqueou os acampamentos garimpeiros, em dois garimpos
entre as cabeceiras do Bom Jardim e do Bacajá.
Entre julho e setembro de 1983, uma nova Frente de Atração chefiada por Sidney
Possuelo partiu para as cabeceiras do Bom Jardim e de lá para norte, rumo às nascentes
do Ipixuna. Por esta razão a Frente não realizou o contato, pois o grupo se localizava ao
sul do Bom Jardim.
Finalmente, em dezembro de 1983 o auxiliar de sertanista Luís Moreira realizou o contato
com um grupo de 106 Apyterewa-Parakanã entre as nascentes do Bom Jardim e do
Bacajá. Devido às dificuldades de acesso e à presença de garimpos na região, os
indígenas foram transferidos para o baixo curso do igarapé Bom Jardim. Em março de
1984, um novo grupo ("grupo de Axowyhá") de 31 Parakanã veio se juntar àqueles já
contatados. Assim foi formado o Posto Indígena Apyterewa-Parakanã, contando
inicialmente com 137 pessoas (Fausto, 1996).
A chamada "pacificação" foi conseqüência da expansão da fronteira econômica sobre o
território Parakanã. A transferência compulsória do "grupo de Namikwarawa" e o
deslocamento do grupo mais populoso para o baixo Bom Jardim deixou desguarnecido o
divisor de águas Xingu-Bacajá e permitiu o avanço da fronteira econômica sobre o
território indígena. Durante os quatro anos pós-contato, a situação de saúde do grupo
levou a uma menor mobilidade e controle menos efetivo do território. Neste espaço de
tempo a atividade madeireira, principal vetor de impacto à conservação ambiental no
interior da terra indígena, ganhou corpo.
133
Situação fundiária da TI Apyterewa
Através da Portaria nº 627/E de 15/10/1979 foi constituído Grupo de Trabalho, coordenado
pela antropóloga Regina Müller, cujo objetivo era propor áreas de interdição para os
Asurini, os Araweté, grupos arredios da região (mais tarde identificados como os
Parakanã) e reexaminar os limites da TI Trincheira-Bacajá. Do estudo realizado pelo GT
resultou uma proposta de delimitação de uma área de 2.391.600 ha, englobando uma
terra contínua para os Asuriní, Araweté, Xikrin e os índios arredios.
Os limites desta área compreendiam a norte o igarapé Ipiaçava, a sul o igarapé Bom
Jardim, a oeste o Xingu e a leste o Bacajá. Tal proposta levava em consideração dois
pontos importantes: a possível redução dos territórios indígenas com a construção do
CHE Belo Monte e evitar o começo das invasões no corredor existente entre as áreas
Asuriní, Araweté e Bacajá. Apesar de demonstrar a necessidade de se delimitar uma área
contínua para os grupos indígenas da região, a proposta do GT foi engavetada.
Após o contato com os últimos grupos Parakanã, e com informações mais concretas
sobre sua área de ocupação, foi encaminhada à FUNAI outra proposta de área conjunta
para os grupos Xikrin, Asuriní, Araweté e Parakanã. Tratava-se de proposta dirigida à
FUNAI e a Companhia Vale do Rio Doce em 1985, elaborada pelos antropólogos Lux
Vidal, Regina Müller, Eduardo Viveiros de Castro e Antônio Carlos Magalhães.
Esta proposta retomava a proposta de área única formulada pelo GT de 1979, com o
acréscimo de uma porção de terras para os Parakanã recém-contatados - da margem
esquerda do Bom Jardim até a margem direita do igarapé São José. Esta proposta,
denominada Área Indígena Xingu-Bacajá, não teve andamento apesar das diversas
justificativas apresentadas. Desse modo, os processos fundiários de cada uma destas TIs
foram encaminhados separadamente.
No caso da TI Apyterewa, em 1987 a FUNAI interditou uma área de 266.000 ha para os
Parakanã. Entretanto, esta área excluiu a maior parte do território apyterewa-parakanã,
134
deixando grande parte do território indígena sujeito a ocupação e a degradação ambiental.
A invasão do território apyterewa foi capitaneada por duas grandes empresas madeireiras
- a Exportadora Perachi (atual Juruá Florestal) e a Madeireira Araguaia (Maginco), que
buscavam explorar uma enorme reserva de mogno existente nas cabeceiras do Bacajá.
Para atingir este objetivo estas empresas construíram uma estrada, conhecida como
"Morada do Sol", que partindo de Tucumã, atravessava cerca de 105 km até atingir o
igarapé São José, seguindo por mais 100 km no interior das TIs Apyterewa, Araweté e
Trincheira- Bacajá.
Em 1988, o estudo de identificação e delimitação da TI Apyterewa apontou a existência da
abertura de estradas, efetuadas pelas madeireiras Perachi, Maginco, Impar e Bannach.
Com a publicação da Portaria Ministerial (PP 267/MJ de 28/05/1992), que reconheceu
como de posse indígena a TI Apyterewa, com 980.000 ha, iniciaram - se operações
conjuntas de fiscalização (FUNAI, IBAMA e Polícia Federal).
Até o início dos anos 1990, a maior parte dos invasores da TI Apyterewa era constituída
por garimpeiros e trabalhadores a serviço das madeireiras. Após 1992, quando a TI foi
declarada de posse indígena, e ocorreram as primeiras ofensivas para coibir a atividade
madeireira, iniciou-se um grande movimento de entrada de posseiros.
De um lado, as madeireiras começaram a franquear o acesso a área indígena relaxando o
controle que mantinham sobre a estrada Morada do Sol. De outro, o crescimento
demográfico da região de Tucumã levou trabalhadores sem terra a avançar em direção a
nova área. Desde então, o fluxo de famílias sem terra que adentravam a terra indígena
manteve-se contínuo.
Em 1994, a FUNAI realizou a licitação para a demarcação da Terra Indígena Apyterewa,
de acordo com os limites definidos pela Portaria 267/MJ de 28/05/1992. Entretanto, às
vésperas do início da demarcação ocorreu uma nova invasão, desta vez mais ao norte,
patrocinada pelo INCRA local, que assentou os colonos na gleba São Francisco. De fato,
a iniciativa do INCRA de promover o assentamento dentro do território indígena, acabou
por inviabilizar a demarcação física da TI.
135
Quando o Ministério da Justiça, por meio do decreto 1.775 de 08/01/1996, abriu a
possibilidade de contestação das TIs não registradas em cartório, o Governo do Pará80, a
Prefeitura de Tucumã, a Exportadora Perachi, uma associação de agricultores e diversos
particulares solicitaram a revisão dos limites da TI Apyterewa. A despeito da fragilidade
das contestações apresentadas, o Ministro da Justiça Nélson Jobim determinou a
realização de estudos complementares na TI Apyterewa, para avaliar a conformidade da
delimitação com o artigo constitucional (Despacho n° 25 de 10/07/1996). Por meio da
Portaria 710/PRES de 30/08/1996, a FUNAI constituiu Grupo Técnico para realizar esses
estudos complementares, coordenado pelo antropólogo Carlos Fausto. A principal do GT
foi a de que o estudo anterior de identificação e delimitação da TI Apyterewa estva de
acordo com o parágrafo 1º do art. 231 da Constituição Federal;
Em 1997, o Ministro Nélson Jobim, embora tenha acatado o relatório do GT/96, através do
Despacho nº 17 de 07/04/97 determinou a alteração dos limites da TI Apyterewa, com a
exclusão de 130 a 160 mil hectares no limite sudeste da área, dos quais 39.204 ha em
favor da Exportadora Perachi. O ministro argumentou que, ainda no caso da conformidade
da demarcação com o paradigma constitucional, o Poder Público não estaria impedido de
fazer "ajustes, ditados pelo interesse público".
Posteriormente, em outubro de 1998 foi encaminhado ao Ministério da Justiça, através do
Ofício nº 552/PRES/98, pedido de reconsideração do Despacho nº 17, tendo em vista que
a permuta e a exclusão de áreas consideradas tradicionais não encontravam respaldo
técnico-antropológico, nem jurídico. Tal pedido foi negado. Não obstante, o pedido de
reconsideração da FUNAI, reiterado por meio do Ofício nº 079/PRES de 19/02/01, foi
acatado parcialmente para incluir na TI Apyterewa a área ocupada pela Exportadora
Perachi, mantendo-se os demais tópicos do Despacho nº 17.
Desta forma, a Portaria nº 1192/01, publicada em 31/12/2001, declarou como de posse
80 Em 1994 o STJ denegou totalmente o mandato de segurança impetrado pelo Estado do Pará, por determinação
do então governador Jader Bartbalho, que visava anular as Portarias do MJ que demarcaram as TIs Rio Paru do Leste,
Koatinemo, Araweté, Apyterewa e Trincheira-Bacajá.
136
permanente do grupo Parakanã a TI Apyterewa, com superfície aproximada de 773.000
ha e perímetro aproximado de 678 km, com a qual foi dado início os trabalhos de
demarcação física da área. Entretanto, os trabalhos foram paralisados em consonância à
Ementa do Mandado de Segurança nº 8.241 DF, do STJ, pela qual declara nula a Portaria
nº 1192/01.
Finalmente, em 2004, o Ministro Márcio Thomaz Bastos, através da Portaria nº 2.581/2004
declara a TI Apyterewa, localizada nos municípios de São Félix do Xingu e Altamira, como
de posse permanente dos Parakanã. Nesta ocasião, o pedido de Mandado de Segurança,
no qual o Município de São Félix do Xingu alega ofensa aos princípios do contraditório e
da ampla defesa, foi negado pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ).
O levantamento, com objetivo de averiguar a existência dos não-índios dentro da reserva,
qualificá-los e quantificá-los, e pesquisar o domínio das glebas junto aos CRIs da região,
não pôde ser finalizado, diante da constatação de invasões desenfreadas por posseiros.
Em 19 de abril de 2007, por Decreto Presidencial, s/n, foi homologada a reserva
Apyterewa, pondo fim ao processo de demarcação. No entanto, ainda há famílias de
colonos na área indígena, assentados pelo INCRA há mais de 15 anos. Em 2006,
Caetano Ventura, técnico da AER/FUNAI em Altamira, estimava que o número de
invasores em 2006 girava em torno de 1.100 indivíduos (RIBEIRO, 2006). Segundo o
mesmo técnico, em informação fornecida em 16/03/2009, a TI Apyterewa continua
invadida, mesmo após a homologação. A desintrusão da TI, prevista no artigo 231 da
Constituição Federal de 1988, ainda não foi efetivada.
TABELA 15. Situação fundiária TI Apyterewa
AREA (Ha) 773.000
PERÍMETRO (Km) 678
MUNICÍPIOS Altamira e São Félix do Xingu
DECLARATÓRIA PD nº 2.581/2004
HOMOLOGAÇÃO s/ nº abril/2007
REGISTRO n/c
SPU n/c
Fonte: DAF/FUNAI/Ribeiro,2006
137
Aspectos demográficos
Na TI Apyterewa os Parakanã estão divididos atualmente em duas aldeias: Apyterewa,
com 230 habitantes, e aldeia Xingu, com 181 (Censo FUNASA, 2009) O gráfico abaixo
apresenta o crescimento demográfico dos Apyterewa-Parakanã no período 1990-2009.
Neste período, a população Parakanã apresentou grande vitalidade demográfica, com
taxa média anual de crescimento demográfico em torno de 4,8% ao ano.
Atualmente o rio Xingu é a via de acesso mais utilizada para se chegar a TI Apyterewa,
sendo que a época mais propícia é o período do inverno amazônico (novembro a abril),
quando o rio está cheio. Além do acesso fluvial, a aldeia Apyterewa conta com uma pista
de pouso. A Tabela 23 a seguir apresenta a forma de acesso e o tempo de viagem até a
TI Apyterewa.
TABELA 15. Tempo de viagem Altamira - aldeias da TI Apyterewa
Aldeia Época Avião (ida) Voadeira (ida) Barco (ida)
Inverno 13 horas 24 horas Xingu
Verão
sem pista de
pouso 17 horas 29 horas
Inverno 12 horas 23 horas Apyterewa
Verão
02:40 min
16 horas 28 horas
Fonte: FUNAI - 2003
Além dos chefes de posto, vivem outros não-indígenas na TI Apyterewa: professores,
auxiliares de saúde e missionários da ALEM - Associação Linguística Evengélica
Missionária.
A atuação de missionários católicos (Conselho Indigenista Missionário - CIMI) e
evangélicos (Associação Lingüística Evangélica Missionária -ALEM) na TI Apyterewa tem
sido uma constante desde o final da década de 1980. Devido a desentendimentos
políticos com a FUNAI de Altamira, as equipes do CIMI deixaram as aldeias da região e,
138
atualmente, a ALEM é a única instituição missionária atuante nas aldeias Apyterewa.
Transformações sociais e políticas frente ao contato com a sociedade nacional
O termo Parakanã que melhor traduz o conceito de 'aldeia' é tawa, vocábulo tupi que
passou para o português com esse sentido. Tradicionalmente, tawa era um local de
moradia não provisório, constituído por uma casa coletiva coberta com o olho da palha de
babaçu, por roças de mandioca e por um espaço descampado a alguma distância da
habitação para reuniões masculinas.
A aldeia era a síntese dessas três dimensões diferentes: casa, roças e 'praça'. Tal
configuração foi comum aos Parakanã até meados dos anos 1950, a partir dessa data
eles iniciaram um processo de rompimento com este padrão tradicional: primeiro, com a
multiplicação das casas, depois com o abandono das roças e, em seguida, com o
desaparecimento da 'praça'.
A partir do conflito interno que dividiu os Parakanã em dois grandes grupos no final do
século XIX, cada um destes blocos assumiu progressivamente modos de vida diferentes
quanto à mobilidade, padrão de assentamento e estratégia de subsistência. Os
Apyterewa-Parakanã foram abandonando o modo de vida aldeão, ampliando os períodos
de trekking e baseando a subsistência na caça e coleta.
A ampliação dos períodos de expedição na floresta resultou na intensificação da atividade
guerreira inter-tribal e do contato com a população regional. A aldeia, além de ser o local
para onde se retornava para fazer farinha era também o ponto de referência quando os
grupos retornavam após incursões guerreiras e longas caçadas, transformando-se,
portanto, em um acampamento semi-permanente.
Assim, a aldeia dos Parakanã representava, ao mesmo tempo, uma garantia da
permanência da horticultura da mandioca e da unidade política do grupo. Entretanto, com
o incremento do nomadismo este bloco terminou por abandonar o padrão de casa
comunal (tekatawa), adotando habitações uni-familiares e a praça deslocou-se para o
139
pátio entre as casas. Tal transformação refletiu o movimento progressivo de fragmentação
do grupo e teve repercussões nas relações de gênero, reduzindo a dissimetria política e
econômica entre homens e mulheres.
As modificações se deram no sentido de uma crescente igualdade em todos os setores da
vida social e foram acompanhadas por uma redução das oportunidades de
reconhecimento público, prestígio e autoridade (FAUSTO, 2001). Portanto, os
mecanismos sociológicos de produção e reprodução do grupo no pós-contato podem ser
caracterizados pelos seguintes aspectos: intensificação das atividades guerreiras,
descentralização política, morfologia social não diferenciada e poligamia generalizada.
De acordo com Fausto, os Apyterewa-Parakanã estão organizados de acordo com uma
lógica virilocal e patrilinear, na qual os agregados residenciais são formados por irmãos do
sexo masculino e por primos paralelos patrilaterais. O sistema para obtenção de esposas
é pouco regulado, sendo que há quatro formas de se conseguir uma mulher: (a) através
de um arranjo matrimonial; (b) por sucessão após a morte do marido; (c) roubando-a de
um parente ou (d) raptando-a de um inimigo.81
Segundo o antropólogo Antônio Carlos Magalhães (1988), do Museu Paraense Emílio
Goeldi, os Apyterewa- Parakanã não possuem a liderança centralizada em uma única
pessoa e o domínio do político está reservado aos homens mais velhos (moroirowa), os
quais lideram os grupos residenciais e de descendência.
No pós-contato o posto da FUNAI passou a ser utilizado como um arremedo da takatawa,
(instância de representação política tradicional Parakanã), onde os homens passaram a
se reunir junto aos funcionários do Posto Indígena para conversas. Pouco a pouco, os
jovens perceberam que os novos desafios impostos pela sociedade envolvente exigiam
que eles se apresentassem, interna e externamente, como uma comunidade política. Em
visita à aldeia Apyterewa em 1996, Fausto (2001) observou que alguns adolescentes com
domínio do português começaram a se auto-proclamar “ajudantes de cacique” nomeando
81 Carlos Fausto, In: Enciclopédia dos Povos Indígenas. ISA, 2006
140
“cacique” um adulto de sua parentela. Contudo, embora pretendessem representar a
comunidade na relação com os brancos, não eram capazes de exercer qualquer liderança
interna.
Relação dos Parakanã com os recursos naturais da Bacia fluvial do Xingu
A horticultura parakanã é do tipo queima e coivara, tendo como principal produto a
mandioca. Tradicionalmente cultivavam três variedades de mandioca-brava e duas de
mandioca-doce, sendo que hoje possuem outras variedades introduzidas com o contato.
No início dos anos 1960, os Parakanã haviam abandonado por completo a horticultura,
vivendo exclusivamente de caça e coleta, e de eventuais roubos de produtos de roças
alheias.
Com a "pacificação", a horticultura foi reintroduzida pelos funcionários da FUNAI, com
conseqüências importantes para a mobilidade e dieta do grupo. Essa reintrodução se deu
na forma de grandes roças coletivas, abertas pelos índios sob a direção do Chefe de
Posto e com auxílio de motosserras e machados de metal. Nas roças, passou-se a
cultivar, também coletivamente, mandioca, milho, banana, arroz e feijão (cará, macaxeira
e batata-doce são plantadas separadamente pelas famílias nucleares). Todo trabalho
coletivo ficou a cargo dos homens, e as mulheres, ao contrário do passado, deixaram de
participar do plantio e de algumas colheitas.
Assim, a reintrodução da agricultura teve por conseqüência a redefinição da divisão
sexual do trabalho. Entretanto, a agricultura continua sendo estranha aos Apyterewa–
Parakanã. Segundo Fausto (2001) esta dificuldade na reintrodução da horticultura é
menos técnica do que sociológica e diz respeito antes à ausência de uma estrutura
produtiva do que à falta de conhecimento pedológico ou do calendário agrícola. Para este
grupo, deve-se trabalhar unicamente para prover o sustento de esposas e filhos. A família
nuclear é, portanto, o único 'agente econômico', sendo a cooperação entre o marido e sua
esposa que movimentam as atividades de subsistência. Isso não significa que não existe
uma articulação dos esforços produtivos inter-familiares, no entanto eles se dão através
de redes flexíveis de relações, e não de grupos.
141
As mulheres, ao contrário do que ocorria no passado, deixaram de participar do plantio e
de algumas colheitas. Se, com freqüência, a adoção de novas culturas - e em particular da
mandioca brava, devido ao tempo de seu processamento - tem repercussões importantes
sobre o trabalho feminino (Beckerman s/d:82), no caso dos Parakanã Ocidentais, o
impacto mais expressivo se deu sobre os homens. Eles não apenas assumiram a maior
parte das tarefas agrícolas, como passaram a participar ativamente do processamento da
mandioca.82
Os Parakanã são caçadores, especializados em animais terrestres. Antes do contato,
desprezavam a maior parte da fauna aquática e arborícola, as mais densas da floresta
tropical. A pesca era uma atividade secundária, sendo que sua importância na dieta
restringia-se aos meses da seca, quando os rios vazavam e os peixes se concentravam
nos poções e lagoas, adequados ao uso do timbó.
O grosso da alimentação proteíca dos Parakanã provinha da caça seletiva de mamíferos e
répteis. Os únicos mamíferos sobre os quais não recai qualquer restrição são a anta, a
queixada e o caititu, que junto de duas espécies de jaboti (Geochelone Carbonária e
Geochelone Denticulata) constituem as caças preferidas dos Parakanã.
Segundo Fausto (1996), as características comportamentais destes animais têm
repercussões sobre o padrão de assentamento da sociedade indígena. Por um lado, antas
e jabotis tendem a desaparecer primeiro do entorno da aldeia, por serem vulneráveis à
caça. Por outro lado, os porcos (queixada e caititu) são animais extremamente móveis e
por esse motivo não podem representar fonte regular de proteína animal. A resultante é
que o grupo que dirigir sua dieta para estas caças deve possuir uma estratégia de
subsistência bastante móvel. Alguns animais de grande porte não eram caçados, sendo
que a capivara é estritamente proibida para os Parakanã, pois está associada à feitiçaria.
82 Carlos Fausto In: Enciclopédia dos Povos Indígenas.ISA,2006
142
Após o contato oficial, a mudança mais significativa nas práticas de subsistência parakanã
está associada a maior sedentarização do grupo. De fato, o tempo de permanência na
aldeia se ampliou em conseqüência inevitável da estrutura dos Postos da FUNAI e da
necessidade de assistência à saúde.
A crescente escassez no entorno da aldeia, causada pela sedentarização do grupo, foi
compensada pela expansão do consumo de animais como o veado e a paca. Além disso,
a introdução da espingarda ampliou as possibilidades de caça e a eficiência dos
caçadores. Mas, sem dúvida, foi o consumo de peixe que teve maior crescimento,
representando papel cada vez mais importante na dieta parakanã, principalmente durante
a seca.
A introdução de linha e anzol, e de canoas tornou esta atividade uma empreitada menos
coletiva e exigente, e os meninos com mais de oito anos passaram a contribuir de forma
crescente na alimentação do grupo. Assim, passaram a fazer parte da dieta parakanã:
piranhas, tucunarés, fidalgo, peixe-cachorro, entre outros. Estas transformações,
combinadas com a retomada da agricultura, contrabalançaram a maior sedentarização do
grupo no pós-contato.
A despeito deste processo de sedentarização, os Parakanã continuam a realizar trekkings,
sendo que as expedições curtas – três a quatro dias - de caça e coleta ocorrem o ano
inteiro. A época da chuva é mais propícia à caça, pois é quando amadurecem e caem ao
solo vários frutos consumidos pelos animais terrestres, e para a coleta de produtos como
castanha-do-pará, bacaba e cupuaçu. Neste período, a aldeia passa a ser o lugar ao qual
se retorna para fazer farinha. As expedições realizadas durante a seca são fartas em
pescados e mel.
Cada uma das aldeias (Apyterewa e Xingu) domina uma parcela determinada do território,
cujo uso é preferencialmente realizado por seus membros. Os habitantes da aldeia Xingu
tendem a explorar a porção sul da TI, entre o igarapé São José e os afloramentos
rochosos, com elevação discreta, que constituem o prolongamento da Serra do Bacajá no
sentido leste-oeste. Já os habitantes da aldeia Apyterewa exploram o norte da TI, região
compreendida ao norte dos afloramentos até o igarapé Bom Jardim. Dentro de cada
143
aldeia, há também subdivisões no uso do território, sendo que caminhos de caça são
explorados prioritariamente por certas parentelas, ainda que não haja usufruto exclusivo
(Fausto, 2003).
As áreas ocupadas pelos Parakanã para caça é extensa, visto que a floresta amazônica
apresenta, ao mesmo tempo, grande diversidade e baixa densidade de espécies. No
caso de caçadores seletivos como são os Apyterewa-Parakanã, esta área é ainda mais
extensa. Além disso, para a reposição da caça o território deve comportar regiões
raramente predadas, áreas de refúgio que permitam a reprodução da vida selvagem e a
rotatividade das áreas de caça. Assim, Carlos Fausto, em relatório circunstanciado de
identificação e delimitação da TI Apyterewa realizado em 2003, demonstra que as
invasões na TI representam forte ameaça à integridade do território e da reprodução do
modo de vida indígena.
A atividade de caça e coleta a leste da TI Apyterewa está limitada pela densidade de
ocupação não indígena, em particular a atividade madeireira e a colonização. Além disso,
a degradação ambiental, causada pelo desmatamento e contaminação por mercúrio de
alguns cursos d'água, devido à invasão dos madeireiros e garimpeiros, têm implicado em
dificuldades para a economia de subsistência parakanã.
Relação dos Parakanã com o ambiente regional
A exploração ilegal - tanto madeireira como garimpeira - do território Apyterewa-Parakanã
seguiu-se ao projeto de colonização da região, anunciado pelo governo militar em 1977 e
levado a cabo pela construtora Andrade Gutierrez entre 1982 e 1985.
Este projeto, baseado na associação entre atividade madeireira e agropecuária, foi
responsável pela transformação do vilarejo de Tucumã numa cidade de aproximadamente
40 mil habitantes. Segundo o relatório do GT de 1996, já em 1990 o volume de madeira
processado pelas serrarias de Tucumã e Redenção alcançava a marca de 460.000 m³,
sendo que boa parte havia sido tirada ilegalmente das terras indígenas da região,
144
principalmente Apyterewa e Cateté (sociedade Xikrin-Kayapó).
Como já foi dito, a atividade madeireira no interior da Terra Indígena Apyterewa foi
liderada pelas empresas Exportadora Perachi e Madeireira Aragüaia (Maginco), que já em
1986 abriram uma estrada Morada do Sol, de aproximadamente 200 km partindo de
Tucumã e avançando sobre as TIs Apyterewa, Araweté e Trincheira-Bacajá. Em 1988,
dezesseis Parakanã e dois funcionários do Posto da FUNAI apreenderam trabalhadores a
serviço das madeireiras nas cabeceiras do Bom Jardim.
Lamentavelmente, a administração da FUNAI-Altamira, ao invés de instaurar processo
judicial contra as madeireiras, preferiu estabelecer acordo para a liberação da madeira. De
fato, este acordo oficializou a retirada e venda ilegal de madeira do interior das Terras
Indígenas. Inevitavelmente, a impunidade dos infratores permitiu a continuidade da
exploração madeireira e a ocupação posterior da área por posseiros.
Mesmo com a identificação e delimitação da TI Apyterewa em 1988, cujo GT foi
coordenado pela antropóloga Tânia Chaves, a atividade madeireira não foi interrompida.
As empresas apenas mudaram as estratégias de atuação. A Perachi investiu na
ampliação de uma Fazenda chamada "Pé-de- Morro", com objetivo de estabelecer
benfeitorias que caracterizassem a posse da área. Como resultado, em 1996 a área desta
fazenda representava a maior devastação florestal no interior da TI, com 5.000 ha de mata
derrubados.
A madeireira Impar agiu da mesma forma. A empresa Maginco, por sua vez, investiu no
aliciamento dos indígenas através da distribuição de presentes, para que estes
concordassem com a exploração madeireira dentro da TI. Houve inclusive relatos de
casos em que os madeireiros mantinham relações sexuais com mulheres parakanã,
quando da visita dos invasores à aldeia.
A escola e certo número de casas da aldeia Apyterewa foram construídas por madeireiros,
de acordo com informação obtida junto ao chefe do Posto Indígena, em março de 2009.
145
Em 1993, as conclusões contidas na "Avaliação de danos causados pela exploração
madeireira nas TIs Araweté, Apyterewa e Trincheira-Bacajá" estudo realizado pela FUNAI-
Altamira e Centro Ecumênico de de Documentação e Informação (CEDI), apontavam que
o total do volume de madeira explorado em um ano no interior das referidas TIs
correspondia a 6.150 toras de mogno, equivalente a 20.000 m³ de toras de mognos por TI
por ano. As empresas Perachi, Maginco e Impar foram apontadas como as três maiores
madeireiras atuando nestas áreas.
Em 1998, houve uma apreensão de madeira de mogno retirada da TI cuja indenização no
valor de R$1.115.000,00 está sendo gerenciada pela procuradoria do Estado e pela
Coordenação do Patrimônio Indígena/CGPIMA/Diretoria de Assistência da FUNAI. Parte
da indenização no valor de R$300.000,00 foi paga aos Araweté, cujo território havia
também sido explorado.
Com relação à exploração de ouro, no início dos anos 1980 foi instalado nas cabeceiras
do Bacajá (porção leste da TI Apyterewa) um enorme complexo garimpeiro denominado
Liberdade, cujo acesso inicialmente só se dava por aeronave. Com a abertura da estrada
Morada do Sol foi aberto um ramal que ligava a via principal ao garimpo, o que levou a um
grande crescimento populacional e expansão da exploração mineral dentro da TI.
Já na porção sul do território indígena, o garimpo de ouro é praticado no igarapé São José
desde o início da década de 1990. No início, os Parakanã expulsaram os garimpeiros,
mas no final da década, a atividade foi retomada, sendo instaladas três "chupadeiras" e
várias balsas, que extraíam ouro do igarapé. Através da distribuição de presentes nas
aldeias, os garimpeiros conseguiram autorização dos Parakanã para explorar o território.
Outro garimpo situado no interior da TI é aquele explorado por João Cordeiro (vulgo João
Cai-Cai), situado nas cabeceiras do Bom Jardim, porção norte da TI. Neste caso, em
outubro de 1993 os Parakanã invadiram o garimpo e forçaram a retirada dos garimpeiros
e do maquinário. Em 1994, entretanto, o garimpo foi reativado.
A TI Apyterewa está situada na área de influência do projeto Carajás, da Companhia Vale
146
do Rio Doce. Embora a empresa tenha financiado os trabalhos demarcatórios da TI no
início dos anos 1990, através de um convênio com a FUNAI, atualmente a TI Apyterewa,
da mesma forma que as TIs Trincheira-Bacajá e Araweté, não estão incluídas nos projetos
compensatórios que a empresa foi obrigada a instituir, e que contemplaram apenas as TIs
Parakanã e Cateté, situadas fora do bloco de TIs do médio Xingu.
Já em 1988 o GT para identificação e delimitação da TI Apyterewa constatou que havia,
segundo informações do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), 16
empresas com requerimento para pesquisa, 9 empresas com alvará para pesquisa e 1
empresa com concessão de lavra no interior da Terra Indígena Apyterewa.
Atualmente, segundo dados do Instituto Socioambiental (ISA, 2005), há 18 empresas,
entre elas a Companhia Vale do Rio Doce (requerimento para mineração de ouro), com
requerimento para pesquisa, 7 empresas com autorização de pesquisa e uma empresa
com concessão de lavra (CVRD, concessão para extração de estanho).
No total, há 70 processos incidentes sobre a Terra Indígena, sendo que dos 773.000ha
delimitados, 496.373 ha são alvo de interesses para extraçã de minério, o que representa
63% do território indígena. As empresas mineradoras com títulos incidentes na TI
Apyterewa são: Companhia Vale do Rio Doce, Samaúma Exportação e Importação ltda.,
Joel de Souza Pinto, Mineração Capoeirana, Mineração Guariba e Mineração Nayara.
Passados 20 anos do início da exploração econômica ilegal, a degradação ambiental
resultante da associação entre as atividades madeireira e garimpeira e as invasões de
terra por colonos afetaram uma vasta área da TI Apyterewa.
Por um lado, diversos cursos d'água foram afetados:
- igarapé Lontra, formador do Bacajá (limite leste da TI), onde o complexo garimpeiro da
Liberdade há anos lança lama e mercúrio, prejudicando a saúde dos Parakanã e Xikrin do
Bacajá;
- igarapé São José (limite sul da TI), também contaminado pela atividade garimpeira;
- no igarapé Bom Jardim (limite norte da TI) as cabeceiras deste curso d'água foram
147
cortadas pelas estradas e ramais abertos pelas madeireiras. Tal impacto modificou seu
regime de águas, fazendo com que secasse durante o verão amazônico.
Por outro lado, a devastação florestal causada pela atividade madeireira e pela
intensidade da invasão de posseiros resultou numa enorme área desmatada,
principalmente nas faces leste, sudeste e sul da TI. Em abril de 2006, a análise das
imagens dos satélites Cibers e Prodes, realizada no escritório da Conservação
Internacional em Belém-PA, concluiu que atualmente 106.000ha da TI Apyterewa (que
tem área de 773.000 ha) encontram-se desmatados. Já as estradas endógenas
construídas pelas madeireiras no interior da TI somam 728 km11.
No relatório do GT de 1996, Carlos Fausto coloca a seguinte questão: como os
Apyterewa-Parakanã vêm reagindo diante da invasão do seu território?
Desde 1988, a sociedade indígena têm procurado regularmente expulsar os invasores que
avançam ao norte da coordenada 5°50' S, mas não se arriscam a penetrar na região mais
densamente ocupada. Entretanto, em todas as incursões os Parakanã jamais causaram
danos físicos às pessoas, limitando-se à pilhagem de objetos e a destruição do
maquinário. A cada uma destas ações a FUNAI-Altamira era chamada para negociar uma
saída pacífica ou, no caso da Exportadora Perachi, para evitar novos danos materiais à
empresa. Isto criou uma situação ambígua, na qual a FUNAI acabava zelando pelo bem
estar dos invasores (Fausto, 1996).
No final dos anos 90, a relação dos Parakanã com o ambiente regional tomou dois rumos
diferentes. Por um lado, iniciou- se uma interação entre alguns índios e garimpeiros no
igarapé São José sem a intermediação da FUNAI. Como já foi dito, em troca da liberação
da exploração da TI, os indígenas receberam dos garimpeiros algumas gramas de ouro,
dinheiro e alimentos industrializados. Também é sabido que alguns jovens Parakanã
tomaram parte na venda ilegal de madeira e de lotes de terra.
Na visita às aldeias da TI Apyterewa em março de 2009, constatou-se que estes
envolvimentos cessaram.
148
A atitude em relação aos invasores está mudando. Se, no passado, havia um consenso
entre os Parakanã de que não se deveria recorrer à violência física, de uns anos para cá,
eles têm considerado a possibilidade de fazer ataques guerreiros aos invasores. Ambas
as atitudes podem ter conseqüências perigosas e desastrosas para a sociedade indígena.
Na visita à aldeia em março de 2009, foi relatado um episódio em que os Parakanã
haviam recentemente matado três cabeças de gado da fazenda de um dos invasores. Os
velhos se queixaram de que um castanhal onde buscavam o produto para suas festas foi
desmatado pelos invasores.
Os Parakanã e o aproveitamento hidrelétrico no rio Xingu
Reunião Aldeia Apyterewa / Foto Caetano Ventura Março 2009
Na reunião realizada em 21/03/2009, sobre o projeto AHE Belo Monte, na aldeia Xingu, a
palavra foi tomada inicialmente por um membro da comunidade, que manifestou-se
dizendo que exigiriam indenização pela inundação das terras, com o relato das perdas daí
advindas. Após a explicação do projeto, a reação como nas demais aldeias visitadas foi
de perplexidade.
149
Na aldeia Apyterewa, os velhos tomaram a palavra para manifestar sua preocupação com
a inundação das terras, mesmo após as explicações de que no projeto em pauta não
haverá inundação.
Um dos principais problemas apontados foi a ameaça de incremento das invasões de seu
território numa situação já considerada de conflito iminente. Um jovem disse que tem
“segurado” os mais velhos para não partirem para uma ação violenta para expulsar os
invasores mas que não sabe até quando conseguirá mantê-los a espera de uma solução
por parte do Governo.
Relações econômicas após o contato
Em 2006 os Parakanã tinham como únicas fontes de renda os salários dos agentes de
saúde, as aposentadorias, a comercialização de artesanato e sementes de mogno e, no
caso de alguns indivíduos mais jovens, a comercialização ilegal de madeira.
No período, cada uma das aldeias da TI Apyterewa contavam com um Agente Indígena de
Saúde (AIS) e um Agente Indígena de Saneamento Básico (AISAN), sendo que cada um
recebia um salário mínimo mensal para desempenhar a função. Quanto às
aposentadorias, a aldeia Apyterewa contava com 9 indivíduos aposentados e a aldeia
Xingu com 5.
O artesanato produzido pelos Parakanã (principalmente a cerâmica e os arco-e-flechas)
era comercializado no Museu do Índio da Funai em Altamira. No entanto, depois que a
Fundação Ipiranga assumiu o mesmo, o artesanato Parakanã não vem sendo
comercializado.
Com relação ao comércio de castanha-do-pará, os Parakanã nunca estiveram envolvidos
formalmente na cooperativa Amazoncoop, embora já tenham vendido castanha para a
cooperativa em anos anteriores. No início de 2006, na eleição que escolheu a nova
diretoria da cooperativa, o índio Kururu Parakanã foi escolhido Vice-Presidente da
Amazoncoop. Contudo, devido aos desentendimentos entre a The Body Shop e a FUNAI-
150
Altamira, que culminaram com a saída da empresa da parceria comercial, as atividades da
Amazoncoop estão paralisadas. Com o fim da parceria comercial, o maquinário de
extração de óleo foi transferido do galpão da Amazoncoop em Altamira para a aldeia
Apyterewa, estando, no entanto, paralisado.
Os recursos da indenização pela madeira retirada ilegalmente da TI no final da década de
1990, estão sendo utilizados desde 2007 através do PDI - Projeto de Desenvolvimento
Integrado, gerenciado pela CPIN – Coordenação do Patrimônio Indígena e AER/FUNAI de
Altamira. De acordo com informações do chefe do PI da aldeia Apyterewa, discutiu-se
com os Parakanã o modo como os recursos devem ser aplicados, propondo-se então os
seguintes projetos:
1) Extrativista: coleta e extração do óleo da castanha;
2) Vigilância da TI, com a compra de embarcação, combustível e rádio amador;
3) Roça de subsistência com a compra de ferramentas e sementes;
4) Criação de gado para o consumo de leite;
5) Diversos: vestuário, programas de intercâmbio, etc.
Quanto ao primeiro, foram extraídos 800lts de óleo que não puderam ser totalmente
comercializados pois a certificação do produto não foi realizada, apesar de haver recursos
para esta finalidade. Desse modo, 400 lts retornaram à aldeia para serem distribuídos aos
Parakanã.
No projeto “ Vigilância” houve problemas para a compra da “voadeira”, porque a empresa
que venceu a licitação faliu.
Na roça do Projeto de Subsistência, plantou-se arroz, milho e mandioca. De acordo com o
chefe de posto, apenas os velhos participam desta atividade que acaba sendo de iniciativa
da chefia do PI.
O gado comprado não serviu aos objetivos de consumo de leite pois o rebanho adquirido
não é adequado aos mesmos, segundo a mesma fonte. Tem-se então abatido o gado
para o consumo da carne.
A criação do gado é realizada pelos Parakanã, sendo que dois indivíduos das aldeias
151
Parakanã foram treinados como vaqueiros. Receberam três meses de salário, de acordo
com as regras do PDI, e nos meses restantes têm recebido cesta básica de alimentos
comprados com os recursos das aposentadorias.
7.4.6 Atenção à saúde nas Terras Indígenas estudadas
Introdução
O diagnóstico sobre a situação de saúde nas TIs estudadas se baseou em fontes
secundárias, tais como publicações acadêmicas e relatórios do DSEI Distrito Sanitário
Especial Indígena de Altamira / FUNASA, nos estudos de saúde pública do EIA-RIMA
referente à AII - Área de Influência Indireta – AHE Belo Monte,entrevista com a
coordenadora do DSEI e na visita às aldeias. Neste último caso, o breve período de tempo
em cada aldeia limitou o alcance dos mesmos, servindo para se confirmar ou
complementar os dados dos relatórios. Esta visita possibilitou fundamentalmente
observar-se as condições sanitárias das aldeias e de atendimento à saúde.
De acordo com Coimbra Jr. & Santos (2000), o perfil epidemiológico dos povos indígenas
no Brasil é muito pouco conhecido, o que decorre da exigüidade de investigações, da
ausência de censos, de outros inquéritos regulares e da precariedade dos sistemas de
registro de informações sobre morbidade, mortalidade e cobertura vacinal, dentre outros
fatores.
Este quadro se confirma e segue atual quando consideramos o último Relatório de dados
e informações sobre Saúde Indígena da FUNASA, onde se encontra a tabela e as
observações abaixo:
152
Tabela 16. Percentual e n0 Óbitos Indígenas por causas Agrupadas, 2003 a 2006
“Referente à mortalidade proporcional por causa, a proporção de óbitos devida a outras
causas mal definidas, cerca de 20% na média, indica precariedade no sistema de
informação, falta de diagnóstico ou investigação de causas ou subnotificação. A
distribuição dos grupos de causas de mortalidade pode sugerir associações com fatores
contribuintes ou determinantes das doenças. Neste sentido, proporções elevadas de
óbitos por doenças infecciosas e parasitárias refletem, em geral, baixas condições
socioeconômicas e de saneamento ambiental.” ( Relatório de dados e informações sobre
Saúde Indígena: Análise de processo dos indicadores do projeto VIGIUS II, 2004-2006;
Fundação Nacional de Saúde – FUNASA – Março 2007,p.25).
São quase desconhecidos os aspectos mais básicos da dinâmica demográfica dos povos
indígenas (Azevedo, 1997; Coimbra Jr. &Santos, 2000; Ricardo, 1996).
Estatísticas vitais, tais como coeficiente de mortalidade infantil, esperança de vida ao
nascer e taxas brutas de natalidade e mortalidade, essenciais para monitorar o perfil de
saúde/doença e planejar ações de saúde e educação, não são encontrados com respeito
à maioria dos grupos indígenas. Segundo Coimbra Jr. & Santos (2000) chama atenção as
153
implicações do que denominam uma “danosa invisibilidade demográfica e
epidemiológica”.
No que diz respeito às TIs aqui estudadas não se dispõe, por exemplo, de dados sobre
avaliação nutricional. Esta avaliação na população infantil é instrumento bastante útil na
aferição das condições de vida da população em geral. Na visita às TIs em março de
2009, apenas na aldeia Xingu obteve-se dados sobre desnutrição, diagnosticada em
crianças de 0 a 2 anos, através do controle de peso e estatura que o auxiliar de
enfermagem realiza. A alimentação que o mesmo recebe para atender estes casos é
composta principalmente de farinha de maisena, fubá, milharina, macarrão, arroz e feijão,
podendo ocasionar outros danos na saúde da população.
O alcoolismo verificado em todas as aldeias das TIs estudadas, também não consta dos
relatórios disponíveis sobre a situação da saúde indígena na região.
O complexo quadro de saúde indígena está diretamente relacionado a processos
históricos de mudanças atrelados à expansão de frentes demográficas e econômicas nas
diversas regiões do país ao longo do tempo.
Tais frentes exerceram importante influência sobre os determinantes e os perfis da saúde
indígena, seja através da introdução de patógenos exóticos, ocasionando graves
epidemias, quer seja pela mudança de hábitos alimentares que vêm ocasionando doenças
crônicas como alcoolismo, diabetes, obesidade, hipertensão e outras. Nas TIs Arara e
Koatinemo foram relatados casos de níveis altos de colesterol e trigliceris.
Assistência à saúde indígena – TIs Apyterewa, Arara, Araweté, Kararaô, Cachoeira
Seca e Koatinemo
Com a descentralização da assistência à saúde indígena em 1999, ela é realizada,
atualmente, pela: Funasa / Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI).
Todas as aldeias das TIs aqui consideradas possuem Posto de Saúde com recursos
administrados pela Funasa. Além de contar com assistência à saúde 365 dias por ano,
com a atuação de um auxiliar de enfermagem, cada uma das aldeias dispõe de um
154
Agente Indígena de Saúde (AIS) e um Agente Indígena de Saneamento Básico (Aisan),
contratados com salários da Funasa. A interferência da monetarização nas comunidades,
através destes membros assalariados,vem trazendo mudanças sócio-econômicas de
grande importância a serem consideradas para o estudo aqui realizado, como se tratou no
itens 6 a 9 deste relatório.
Do ponto de vista de sua atuação na assistência à saúde, pode-se afirmar que na maioria
das aldeias, os agentes indígenas de saúde desempenham funções de baixo nível
técnico. Sua atividade é manter a limpeza do Posto e dos equipamentos, com alguns
poucos casos em que auxiliam os procedimentos feitos pelo auxiliar de enfermagem,
ministrando medicação. A atuação do AIS é considerada de pouca importância pelos
auxiliares de enfermagem que ressaltam, entretanto, sua contribuição como intérpretes.
Há uma alta rotatividade de pessoas na função de auxiliar de enfermagem com
dificuldades para fixação nas aldeias e sem preparo para realizar seu trabalho num
contexto de relações interculturais. O desestímulo destas condições compromete a
continuidade necessária a um trabalho de assistência à saúde a populações que viveram
recentemente traumas de ameaça de extinção e com estado de saúde afetado até os dias
de hoje pelas epidemias que ocorreram no contato. Há exceções de profissionais da área
de saúde que se encontram nas aldeias há 7 anos (aldeia Apyterewa), 9 anos ( aldeia do
Laranjal/TI Arara e aldeia Xingu/TI Apyterewa). Nos três casos, acumulam a função de
professor da EMEF com dedicação de 100 horas. Desse modo, recebem remuneração
que garante melhor sua fixação nas TIs. Entre eles, há mais interesse pela língua nativa e
há caso em que a auxiliar/professora a domina.
Em todas as adeias, o Posto de Saúde (em alvenaria ou madeira) está equipado para
atendimento básico e rádio para comunicação, com exceção da aldeia Juruãti (TI Araweté
Igarapé Ipixuna) formada em setembro de 2008, onde o Posto ainda não foi construido
mas já funciona numa estrutura improvisada com teto e paredes de palha.
Recentemente, todas as aldeias, com exceção das aldeias Iriri da TI Cachoeira Seca e
Juruãti da TI Araweté, passaram a possuir sistema de tratamento (com hipoclorito),
captação de água (poço artesiano) e distribuição de água com sistema de encanamento
para as moradias. Na TI Arara houve relato de que freqüentemente o motor gerador que
155
distribui a água da caixa reservatório para as moradias apresenta avaria e a população
volta a utilizar a água do rio Xingu para beber, quando passam a ocorrer surtos de
diarréia.
Na aldeia da Cachoeira Seca há um poço que seca no verão e está ameaçado de ruir. A
água é bombeada do rio para uma caixa reservatório e é distribuída por um encanamento
precário para as pias distribuídas pela aldeia, próximo às moradias (uma pia para três ou
quatro casas).
No caso das aldeias formalmente envolvidas na parceria comercial estabelecida entre a
cooperativa Amazoncoop e a empresa The Body Shop (TIs Koatinemo, Araweté, Arara do
Laranjal e Kararaô), foi a empresa, através da Fundação Body Shop, que instalou um
sistema de encanamento da água pias e poço artesiano. No caso da TI Koatinemo,
banheiros e chuveiros coletivos, construídos pela mesma iniciativa, se sobressaem por
apresentar condições de higiene e conservação mais adequados em relação às outras 5
TIs.
Os Postos de Saúde dispõem de microscópios utilizados para diagnóstico de malária.
Além de atender à população indígena, alguns postos são utilizados pela população
ribeirinha do Xingu e Iriri para tratar de seus doentes, em particular, os casos de malária.
A freqüência destes doentes nas aldeias foi indicada como causa dos índices de malária
da população indígena.
A principal necessidade apontada pelos auxiliares de enfermagem foi a assistência nas
aldeias por equipe multi (dentista, laboratorista, nutricionista) com participação de médico.
Isto evitaria remoções à Altamira, único centro urbano para onde recorrem estas
populações para tratamento de saúde. Esta remoção é considerada inadequada pela
contaminação das muitas doenças existentes como se verá abaixo. Além disso, os
parentes que acompanham os pacientes se expõem ao uso de álcool e drogas. Outro
fator negativo para a remoção é a superlotação de hospitais na cidade, prolongando a
permanência dos indígenas na CASA I- residência para indígenas em tratamento e
acompanhantes, mantida pela FUNASA, e na Casa do Índio - residência para indígenas
da Administração Regional da FUNAI.
156
Como já se afirmou acima, são muito poucos os estudos sobre as condições de saúde dos cinco povos indígenas aqui estudados bem como são escassas as informações sobre a atenção à saúde dos mesmos. Desse modo, tentou-se cruzar dados dos estudos de saúde pública do EIA-RIMA
referente à AII - Área de Influência Indireta, dados das fontes secundárias e da visita às
aldeias.
Segundo informações cedidas pela Funasa, confirmadas na visita às aldeias, as doenças
com maior incidência nas TIs estudadas são: doenças diarréicas agudas (DDAs),
infecções respiratórias agudas (IRAs), parasitoses intestinais, hepatite B e malária (vide
Anexo 9 – Morbidade por aldeia - FUNASA/DSEI).
No “ DIAGNÓSTICO DA ÁREA DE INFLUÊNCIA INDIRETA – AII” do EIA-RIMA, lê-se à
pg. 252, Vol.18 que “ A AII é endêmica para grande número de doenças tropicais, e é
altamente receptiva para outras doenças ainda inexistentes, ou não descobertas na
microrregião, mas prevalentes nos locais de origem dos migrantes. As endemias mais
prevalentes são: malária; leishmaniose tegumentar; febre amarela silvestre; dengue; e
grande número de outras arboviroses. A leishmaniose visceral, a dengue e as
hantaviroses foram introduzidas recentemente e estão em processo de expansão. Há uma
patologia inusitada exclusiva da região: a febre hemorrágica de Altamira, ainda de
etiologia desconhecida. As endemias com maior risco de introdução na área são a
esquistossomose, doença de Chagas, filarioses e a febre amarela urbana, e é possível
que se tenha que enfrentar a pandemia de gripe aviária durante as obras de construção
do AHE de Belo Monte” (EIA AHE Belo Monte, Vol. 18 - DIAGNÓSTICO DA ÁREA DE
INFLUÊNCIA INDIRETA – AII, Pg. 252)
Doenças Infecto-Parasitárias e Saúde Ambiental
Como se observa nos quadros acima , é informado pela FUNASA um grande número de
doenças infecto parasitárias nas TIs estudadas.
Com exceção da TI Koatinemo, em todas as aldeias as instalações sanitárias são muito
precárias, com número baixo de banheiros proporcionalmente ao número da população.
157
São feitos de madeira, palha, barro, algumas em sistema de fossa, outras com buracos
rasos (as “casinhas”) cuja conservação é muito precária. Na aldeia da TI Cachoeira Seca
nem as “casinhas” existem e a população defeca ao redor da aldeia.
Este quadro ganha indicadores potenciais quando somados às condições de saneamento
da cidade de Altamira e região. O fluxo de indígenas para Altamira é constante e é
crescente o fluxo de não-indígenas para as áreas indígenas aqui estudadas.
No mesmo capítulo do “Diagnóstico da Área de Influência Indireta”, lê-se que “ O
esgotamento sanitário dos municípios da AII do AHE Belo Monte constitui o aspecto de
saneamento básico mais preocupante dessa região. Cerca de 25% dos domicílios não
dispõem de instalações sanitárias e 61% contam com formas inadequadas de disposição
dos dejetos gerados: fossas rudimentares (forma preponderante, em 55% dos domicílios)
ou valas abertas, cursos d’água e outros escoadouros (formas utilizadas por 6% dos
domicílios). Apenas 13% das residências são servidas por fossas sépticas e 1% por rede
geral de esgoto ou pluvial.
“A comparação dos índices de atendimento da AII com as médias estaduais revela a
precariedade das condições sanitárias dessa região. No Pará como um todo, o percentual
de domicílios atendidos por rede é maior em cerca de sete vezes, e, por fossas sépticas,
em aproximadamente de 1,5 vezes. Embora também predomine no Estado o uso de
fossas rudimentares, o percentual de domicílios atendidos por essa forma de esgotamento
é cerca de 1/3 menor que o registrado na AII.” (EIA AHE Belo Monte, Vol. 18 -
DIAGNÓSTICO DA ÁREA DE INFLUÊNCIA INDIRETA – AII Pg. 200)
“Quanto ao resíduo sólido, temos que com relação ao destino do lixo, nenhum município
da AII possui a totalidade dos seus domicílios particulares permanentes contemplados
com o sistema de coleta. Em Altamira, cidade mais bem atendida em relação a esse
serviço, apenas aproximadamente 73% dos domicílios dispõe desse sistema. Nos demais
municípios, a coleta varia entre cerca de 5% dos domicílios, em Anapu, a, no máximo,
30%, em Porto de Moz. Excetuando-se Altamira, esses índices de atendimento são
inferiores aos do Pará, onde, em média, 54% dos domicílios contam com sistema de
coleta de lixo.
158
“Na maioria dos municípios, o lixo coletado é disposto integralmente em lixões. No
entanto, em Altamira e em Vitória do Xingu, parte desse lixo – 33% e 77%,
respectivamente, tem como destino final áreas alagadas, contribuindo para agravar as
condições sanitárias desses locais” (EIA AHE Belo Monte, Vol. 18 - DIAGNÓSTICO DA
ÁREA DE INFLUÊNCIA INDIRETA – AII Pg 202)
Malária
De acordo com os dados coletados nos Postos de Saúde das TIs estudadas e em
entrevista com a coordenadora do DSEI/FUNASA, o número de casos de malária vem
diminuindo sensivelmente na população indígena aqui considerada. A coordenadora
informou que alguns órgãos públicos se juntaram nos últimos dois anos para um programa
de controle da malária através de “busca ativa”, diagnosticando os portadores para
tratamento preventivo, o que teria contribuído para alterar o quadro alarmante que vinha
se verificando, tal como se descreve abaixo para a região.
Na aldeia Juruãti recém criada (em setembro de 2008, na TI Araweté Igarapé Ipixuna) a
“busca ativa” identificou 18 casos de malária, o que foi explicado pelo auxiliar de
enfermagem daquela aldeia devido à proximidade das casas a um lago que seria foco dos
mosquitos transmissores.
Na aldeia Xingu, a diminuição de casos também é atribuída à retirada dos moradores
ribeirinhos da margem esquerda do rio Xingu, em frente a TI Apyterewa. As visitas
freqüentes dos mesmos, às vezes portadores da doença, ao Posto Indígena, em busca,
inclusive, de tratamento de saúde e a freqüência dos indígenas aos seus locais de
residência eram causas da incidência de malária na aldeia, de acordo com depoimento do
auxiliar de enfermagem.
Sabe-se, entretanto, que a doença é endêmica na região e na história de todos estes
povos está presente em episódios trágicos.
Após o contato em 1971, os Asuriní do Xingu, que já vinham sofrendo ataques de outros
povos indígenas da região, viveram a aceleração de um processo de decréscimo
159
populacional, causado, principalmente, devido aos surtos epidêmicos de gripe,
tuberculose e malária, contraídas por meio da convivência com os brancos. Tal situação
foi agravada pela ineficiência do atendimento à saúde por parte do órgão indigenista
(Müller, 1993)
Até 1979, a malária não se apresentava como um problema de saúde na aldeia
Koatinemo. No entanto, no fim deste ano, a equipe de pesquisadores do “Projeto de
Recuperação dos Assurini do Koatinemo” (Müller et al, 1979b) registrou 5 casos da
doença. A localização da aldeia na margem direita do igarapé Ipiaçava, situado à cerca de
20 km do rio Xingu, contribuiu para manter baixo o índice de incidência da doença.
Segundo a mesma fonte, a região malarígena mais próxima seria o rio Xingu, aliás
“corredor” fluvial-epidemiológico. Assim, concluiu-se que nos anos pós-contato, devido ao
aumento da freqüência de passeios dos índios ao Xingu, atraídos pela pesca abundante e
pela possibilidade de fazer “negócios” com os brancos, os casos de malária aumentaram
significativamente, sobretudo entre crianças e jovens.
Sabe-se que este processo, exemplificado com este caso, sobre o qual se dispôs deste
registro,sobre o qual há registro deste caso, ocorreu em todos os povos estudados,
contatados nas décadas de 70 e 80, cujo crescente contato a população regional elevou a
índices comprometedores a ocorrência de malária entre os mesmos.
Não se obteve junto ao DSEI de Altamira os dados atuais sobre a incidência de malária
nos últimos dois anos, registrando-se aqui os dados obtidos nos Postos de Saúde das
aldeias.
160
Tabela 17 . Incidência de Malária em 2005 nas TIs Estudadas
Fonte:FUNASA, 2006/Ribeiro, 2006
Estudos epidemiológicos indicam que a malária é endêmica nas regiões do leste do Pará
e Baixo Rio Xingu, incluindo as etnias Arara, Kayapó e Parakanã (Arruda et al., 1989;
Martins &Menezes, 1994b).
A relevância da malária no perfil epidemiológico da população indígena no Brasil é
inquestionável (Ianelli, 2000). Grupos vivendo em certas áreas da Amazônia, em especial
aquelas sob a influência de fluxos migratórios, atividades de mineração e garimpos ou de
implantação de projetos de desenvolvimento, são particularmente vulneráveis.
Ao considerar a endemia da Malária no estado do Pará podemos considerar seu
agravamento a partir de 1999 quando a migração interna relacionada a projetos
agropecuários, a construção de rodovias, hidrelétricas, garimpos, extração ilegal de
madeira e mineração foram os principais motivos. Este movimento migratório
desordenado dificultou o controle da malária, permitindo um enorme afluxo de pessoas
não-imunes para áreas de alta transmissão. Além disso, o grande refluxo de indivíduos
com infecção para regiões onde a transmissão da malária fora interrompida possibilitou
sua reintrodução.
161
Tabela 18. Malária – Transmissão na Região Amazônica
Sob a perspectiva da região onde se encontram as TIs estudadas temos um quadro
endêmico em potencial crescimento:
De acordo com o “ DIAGNÓSTICO DA ÁREA DE INFLUÊNCIA INDIRETA – AII” do EIA-
RIMA “a malária é a principal endemia da AII, a mais susceptível a dispersões e a
exacerbações diante de aumento do fluxo migratório, da movimentação de pessoas, da
atividade no meio rural ou ainda do aquecimento econômico. A malária na região funciona
como um verdadeiro indicador econômico: qualquer aquecimento da economia resulta em
agravamento da situação da malária e vice-versa.
“Número de Casos: Mais de 82 mil casos de malária foram registrados nos últimos cinco
anos, de 2003 a 2007. Uma média de 16 mil casos por ano, 1.367 casos por mês e 46
casos por dia. Em média, cada um dos 11 municípios registra 124 casos novos de malária
mensalmente ou quatro casos diariamente.
“No Estado do Pará, a AII é uma das áreas mais problemáticas no tocante a malária.
Concentra 15,6 % dos casos do estado e 3,3 % do total da área malarígena brasileira.
Como a população da AII representa apenas 4,5 % da população do estado e 1,4 % da
área malarígena, isto significa que a situação na malária na AII é 3 vezes e meia a do
estado e duas vezes e meia a da área malarígena brasileira.
162
“Altamira é o segundo município em número de casos. Concentra quase 30 % dos casos
da AII. Teve mais de 23 mil casos nos últimos cinco anos. Registra uma média de 4.500
casos por ano, quase 400 casos por mês ou 13 casos novos por dia.” (EIA AHE Belo
Monte, Vol. 18,pg 253)”
Lê-se ainda :
"O grande problema da malária na AII são os Projetos de Assentamentos, implantados
pelo INCRA - Marabá em Pacajá e Anapu, onde se concentra 64 % dos casos da doença
da AII e 90 % dos casos dos dois Municípios. Estes assentamentos têm atraído fluxos
migratórios através da Rodovia Transamazônica, principalmente, do Município de Novo
Repartimento, e também de Breu Branco, Tucuruí, e de outros Municípios do entorno da
UHE Tucuruí, segundo informações dos coordenadores de endemia e Secretários
Municipais de Saúde dos Municípios e conforme relata o vídeo “O Retrato da Malária no
Ladário” produzido pela Secretaria Municipal de Saúde de Pacajá, com apoio da FUNASA
e SESPA. O maior foco de transmissão de malária da AII atualmente é a região do
Ladário em Pacajá, onde existem quatro Projetos de Assentamento (P.A) e uma invasão:
os P.A. Montes Belos, Rio Bandeira, Raio do Sol e Cururuí, e a invasão de sem-terra
Cururuí, que deu origem ao PA de mesmo nome. “ (EIA AHE Belo Monte, Vol. 18 -
DIAGNÓSTICO DA ÁREA DE INFLUÊNCIA INDIRETA – AII Pg 256)
Neste diagnóstico, destaca-se como aspecto relevante a existência em Altamira de
transmissão urbana da malária, principalmente nos bairros São Domingos I e Jaburu.
Afirma-se também que os postos indígenas Ipixuna e Arara (Laranjal) Iriri possuem um
perfil de alta transmissão. (idem, pg 260)
Além da cidade de Altamira, aqui considerada prioritária para análise da condições de
saúde dos povos indígenas estudados, deve-se levar em conta os habitantes de outros
municípios com alta incidência da doença em sua forma mais letal que freqüentam a
cidade de Altamira, pólo comercial e de assistência à saúde. Os dados abaixo
exemplificam esta afirmação:
“Senador José Porfírio tem a maior proporção de casos de falciparum da AII (33 %).
Anapu, o município com transmissão mais intensa registrou 25 % de falciparum.”
163
“Oitenta e dois por cento (82%) dos casos de malária na Bacia do Rio Xingu são causados
pelo Plasmodium vivax e menos de 18 % pelo Plasmodium falciparum. Isto é considerado,
sob a ótica da gravidade do contágio, um aspecto positivo porque a malária falciparum é a
mais grave, potencialmente letal e altamente resistente às drogas antimaláricas.” (idem,pg
264)
HEPATITE
Uma pesquisa sobre a prevalência dos vírus das hepatites B (HBV) e D (HDV), nas
aldeias Apyterewa e Xingu aqui estudadas, a partir de amostras coletadas em 2004 junto
aos Parakanã83 revelou que a aldeia Apyterewa apresenta maior índice de endemicidade
do HBV do que a aldeia Xingu e que a transmissão sexual parece ser um dos principais
meios de contágio. Além disso, embora na população estudada a ocorrência maior seja
entre indivíduos do sexo feminino, o estado de portador e de previamente infectados pelo
HBV foi mais freqüente no masculino. O consumo de bebida alcoólica e as viagens para
fora da área indígena, atingindo adolescentes e adultos situados em faixas etárias nas
quais o estudo detectou aumento de prevalência da infecção pregressa pelo HBV,
poderão vir a ser elementos de propagação da infecção pelo HBV nessas aldeias.
(Ribeiro, 2006).
Na visita à aldeia Apyterewa em março de 2009, foi informado dois óbitos por CA hepático
de doentes diagnosticados por ocasião da pesquisa. Atualmente, são 9 os casos de
infectados pelo HBV cujo controle tem sido realizado. De acordo com o auxiliar de
enfermagem, em 2008, houve o nascimento de uma criança, filha de portadora, na qual
ainda não foi ministrada a vacinação recomendada (hemoglobina). A criança também
apresenta quadro de desnutrição.
Apesar da ausência de indicadores da incidência de hepatites nas outras TIs aqui
83
Por pesquisadores da Seção de Hepatologia do Instituto Evandro Chagas e do Núcleo de Medicina Tropical,
Universidade Federal do Pará, ambos de Belém, publicada em 2007. Ver NUNES, M; MONTEIRO, M; SOARES, M.
“Prevalência dos marcadores sorológicos dos vírus das hepatites B e D na área indígena Apyterewa, do grupo
Parakanã, Pará, Brasil” In: Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, 23(11): 2756-2766, nov, 2007.
164
estudadas podemos indicar que as hepatites constituem atualmente importantes causas
de morbidade e mortalidade entre os povos indígenas. Diversos inquéritos têm revelado
elevadas prevalências de marcadores sorológicos para hepatite B. Por vezes, a presença
de portadores crônicos do vírus é numericamente expressiva (Azevedo et al., 1996;
Coimbra Jr. et al., 1996; Santos et al., 1995). Nesses casos, não é rara a presença de co-
infecção pelo vírus Delta (HDV), ocasionando número significante de óbitos devido a
quadros graves de hepatite aguda.
Com relação à hepatite, por ser uma doença transmissível, consideramos abaixo o
histórico atual da doença na região dos povos aqui analisados:
“ Hepatites Virais: De 2001 a 2005 foram registrados 604 casos de Hepatites Virais na AII,
o que corresponde a 4,6 % do total de casos de Estado do Pará, 1,6 % da região Norte e
a 0,2 % do Brasil Isto significa que a situação das Hepatites Virais na AII é idêntica à do
Estado e do País e 23 % melhor que a da Região.” (EIA AHE Belo Monte Vol. 8 Pg 282)
Tabela 19. Número de casos de Hepatites Virais nos Municípios da AII de 2001 a 2007
165
“Ocorrem em média na AII, 86 casos de hepatite por ano, 7 casos por mês e 1 caso novo
a cada 4 dias. Mais de um terço dos casos ocorreram em Altamira, 18 % em Pacajá, 18 %
em Senador José Porfírio e 8 % em Uruará (GRÁFICO 4).
Gráfico 4. Número de caos de Hepatites Virais nos Municípios da AII de 2001 a 2007
“O Vírus A é a etiologia mais freqüente das Hepatites da área, o que evidencia falta de
saneamento básico e contaminação fecal-oral. O Vírus B é a segunda etiologia conhecida,
e o Vírus C a menos freqüente, apenas 9 casos, 2,6 %. Estes dois tipos de vírus têm sua
transmissão por via sexual ou sangüínea. Ocorrem superinfecções com o Vírus A + B ou
C, e com o Vírus B + C. Quase 10 % das hepatites são causadas por outros vírus que não
o A, B ou C, e 28 %
dos casos são de etiologia ignorada. Não foram registrados casos de Hepatites pelos
vírus E ou D na área no período (TABELA 20) “(EIA AHE Belo Monte, Vol. 18 -
DIAGNÓSTICO DA ÁREA DE INFLUÊNCIA INDIRETA – AII –Pg 284)
166
Tabela 20. Número de casos de Hepatites Virais nos Municípios da AII, Estado do Pará, Região Norte e Brasil
Leishmanioses
Chama atenção a existência de muito poucos estudos sobre a epidemiologia das
leishmanioses84 em grupos indígenas, considerando-se que, em sua grande maioria,
estes vivem em áreas endêmicas e em contextos que interferem nos ciclos enzoóticos do
parasita.
84 No Brasil, a doença é causada por um protozoário da família tripanosomatidae, gênero Leishmania, espécie
chagasi. Seu ciclo evolutivo é caracterizado por apresentar duas formas: a amastigota, que é obrigatoriamente parasita
intracelular em vertebrados, e a forma promastígota, que se desenvolve no tubo digestivo dos vetores invertebrados e
em meios de culturas artificiais. Reservatórios: no Brasil, os mais importantes reservatórios são o cão (Canis familiaris),
e a raposa (Dusycion vetulus), que agem como mantenedores do ciclo da doença. O homem também pode ser fonte de
infecção, principalmente quando o Calazar incide sob a forma de epidemia. Modo de Transmissão: a Leishmaniose
Visceral é uma antropozoonose transmitida pelo inseto hematófago flebótomo Lutzomia longipalpis, mosquito de
pequeno tamanho, cor de palha, grandes asas pilosas dirigidas para trás e para cima, cabeça fletida para baixo, aspecto
giboso do corpo e longos palpos maxilares. Seu habitat é o domicílio e o peridomicílio humano onde se alimenta de
sangue do cão, do homem, de outros mamíferos e aves.
167
No caso dos povos aqui estudados, a situação não é diferente. Lê-se mais uma vez no
“DIAGNÓSTICO DA ÁREA DE INFLUÊNCIA INDIRETA – AII” do EIA-RIMA que:
“ A Leishmaniose Tegumentar é historicamente endêmica na Área de influência Indireta.
Mas, a Leishmaniose Visceral, mais grave e letal se não for tratada, é de introdução
recente e está em expansão, devido às alterações ambientais induzidas pela atividade
humana.” (pg. 271)
Gráfico 5- Casos de Leishmaniose Tegumentar na AII
E mais:
“ A Leishmaniose Visceral era uma doença típica do Nordeste, que se tornou emergente
no Norte e Centro-Oeste nas últimas duas décadas, em decorrência de alterações
ambientais provocadas pela atividade humana.
“De 2001 a 2006, o Brasil registrou mais de 20 mil casos, a região Norte 3.310, mais de
dois mil deles no Estado do Pará. É uma endemia em expansão em todo o Estado do
Pará.
Nunca havia sido detectada na AII até 1991, quando surgiu um caso em Altamira. Doze
anos após, ressurge em Pacajá, e, no ano seguinte, mais 2 casos em Uruará. Mais 4
168
casos ocorreram em Pacajá em 2006 e, em 2007, mais 5 casos. Foram registrados
também 3 casos em Altamira, um em Medicilândia e um em Pacajá. Até 2007, foram
registrados 13 casos de Leishmaniose Visceral na AII, e a tendência é de que esta
zoonose se consolide como mais uma endemia na região (TABELA 21).”
( Pg. 272)
Tabela 21. Número de casos de Leishmaniose Visceral de 2003 a 2006 por Município
“Nos últimos dez anos, apesar dos recursos de tratamento intensivo e das rotinas
estabelecidas para o tratamento específico da Leishmaniose Visceral, constatou-se
aumento na letalidade da doença em diversas regiões do País. Um dos principais fatores
que contribuíram para o aumento dessa letalidade é o diagnóstico tardio. Nas duas
últimas décadas, a leishmaniose visceral (LV) reapareceu no mundo de forma
preocupante.
“No Brasil, epidemias urbanas foram observadas em várias cidades. Além disso, a
expansão da epidemia acometendo grupos de indivíduos jovens ou com co-morbidades
tem ocasionado número elevado de óbitos. Observa-se que, nos últimos anos, a letalidade
da LV vem aumentando gradativamente, passando de 3,6% no ano de 1994 para 6,7%
em 2003, o que representa um incremento de 85%.
169
A análise parcial dos dados, em novembro de 2004, demonstrou aumento de 26% na
letalidade desta doença. (Gráfico 6).85
Gráfico 6. Letalidade da Leishmaniose Visceral no Brasil, 1994 a 2004
Outro tipo, não tão letal quanto a Visceral possui grandes indicadores na AII:
“ Leishmaniose Tegumentar: A Leishmaniose Tegumentar é a segunda endemia mais
importante da AII, só perdendo para a malária. A incidência da doença é alta. Nos últimos
7 anos, de 2001 a 2007, foram registrados quase 5.000 casos de Leishmaniose. Isto
corresponde a 16 % do total de casos do Estado do Pará, a 7 % dos casos da Região
Norte e a 2,8 % dos casos do Brasil. Isto significa que a situação da Leishmaniose da AII
é 3,5 vezes pior que a do Estado, 3,2 vezes pior que a da Região e 16 vezes pior que a do
85 Leishmaniose Visceral Grave: Normas e Condutas MINISTÉRIO DA SAÚDE Secretaria de Vigilância
em Saúde Departamento de Vigilância Epidemiológica. Brasília – DF , 2006
170
País. (EIA AHE Belo Monte, Vol. 18 - DIAGNÓSTICO DA ÁREA DE INFLUÊNCIA
INDIRETA – AII - Pg. 271)
Tabela 22. Coeficiente de Incidência de Leishmaniose Tegumentar nos Municípios da AII-2001 a 2007
Na visita às aldeias em março de 2009, constatou-se os seguintes casos de Leishmaniose
tegumentar:
1 caso na aldeia Iriri (TI Cachoeira Seca)
2 casos na aldeia Apyterewa (TI Apyterewa), apesar de constar apenas 1 no quadro de
morbidade
1 caso na aldeia Xingu (TI Apyterewa)
1caso na aldeia Asurini(TI Koatinemo)
171
Assistência à saúde na região das TIs (AII)
A escolha por adotar uma análise integrada para mensurar os impactos de atenção à
saúde para as TIs aqui estudadas não pode deixar de contemplar a precariedade de
atendimento à saúde na região.
Considerar as condições de saúde nas TIs implica considerar como a população do
entorno é atendida uma vez que a estrutura de atendimento à saúde utilizada é a mesma.
Desse modo, são importantes as informações abaixo:
“Os Serviços de Saúde da AII se caracterizam pela grande polarização exercida por
Altamira. Com exceção de Gurupá e Placas, todos os outros municípios dependem, com
maior ou menor grau de intensidade, de Altamira para procedimentos de média e alta
complexidades.
Municípios como Uruará, Brasil Novo e Porto de Moz possuem serviços com nível de
Atenção Secundária à Saúde. Outros, como Senador José Porfírio e Vitória do Xingu, não
possuem hospital, não realizam sequer parto normal. A modalidade de Atenção Básica à
saúde está muito pouco estruturada na maioria dos municípios.” (EIA AHE Belo Monte,
Vol. 18 - DIAGNÓSTICO DA ÁREA DE INFLUÊNCIA INDIRETA – AII – Pg 321)
“A maioria da população da AII não tem acesso às ações básicas de saúde,
principalmente, às ações preventivas e de intervenção precoce. As pessoas esperam
adoecer para procurar assistência médica, que, geralmente, é de difícil acesso, em
serviços centralizados, lotados, e são atendidos em consultas rápidas e de baixa
resolubilidade.É importante que seja mais bem estruturada a Atenção Básica dos
Municípios da AII, de modo não somente a ampliar a cobertura de atendimento do PSF
para suprir o déficit de 66 % já existente, mas também se preparar para um possível
aumento de demanda decorrente da intensificação do fluxo migratório para a região.Os
Municípios devem assumir este compromisso, com apoio do setor elétrico, ainda na fase
172
de licenciamento, para evitar uma queda brutal da qualidade de vida da população e
grande piora de todos os indicadores de saúde durante as obras de construção do AHE
Belo Monte.” (EIA AHE Belo Monte, Vol. 18 - DIAGNÓSTICO DA ÁREA DE INFLUÊNCIA
INDIRETA – AII – Pg 331)
Históricos de situações específicas de atenção à saúde
Algumas situações específicas relacionadas ao processo de contato de alguns dos povos
indígenas aqui estudados e que refletem diretamente no histórico de atenção à saúde
destes povos serão aqui consideradas.
TI Koatinemo
No ano do contato, a população pôde ser estimada em 100 indivíduos. Em 1975, o grupo
contava com 58 pessoas, em 1976 com 60 e em 1977, com 56. Entre 1971 e 1977, a
população diminuiu sensivelmente, observando-se, durante o período, um índice de
mortalidade de 20% e de nascimento de 0,05% (Ver Projeto de Recuperação do grupo
Assurini do Koatinemo, 1978).
No ano de 1978, a FUNAI implantou o “Projeto de Recuperação dos Assurini do
Koatinemo”, sob a coordenação da antropóloga Regina Polo Müller e equipe médica, com
duração prevista de dois anos. Visando recuperar o grupo em seus aspectos
demográficos, sociais e culturais, o projeto tinha como principais objetivos (i) assegurar a
assistência médica permanente, (ii) realizar pesquisa interdisciplinar (medicina-
antropologia) para melhorar a adequação da medicina científica às formas de curar
tradicionais e, (iii) propor uma ação de saúde adequada ao contexto de sociedades
indígenas recém-contatadas.
Segundo a coordenadora do projeto a ineficiência do atendimento à saúde por parte do
Posto Indígena era ocasionada devido ao choque cultural entre os agentes da medicina
ocidental e o grupo indígena. Essa era uma preocupação do projeto que propunha, então,
um trabalho de ação conjunta entre o antropólogo e o médico. Em entrevista ao Boletim
173
do CEPAM - Centro de Estudos e Pesquisas em Antropologia Médica/IUnB, em 1982, a
coordenadora do projeto justificava:
Um programa de saúde entre populações indígenas, como qualquer
outro, deve ser orientado segundo uma perspectiva antropológica. A
saúde e a doença estão em estreita relação com os demais fatores
da vida social e cultural do grupo. O cuidado com a saúde deve
estar, portanto, baseado fundamentalmente no conhecimento desta
relação.
Durante o projeto, levantou-se dados sobre a: (i) incidência de malária, parasitoses
intestinais, tuberculose, leishmaniose, arboviroses, hepatite, toxoplasmose, sífilis e
doença de chagas e (ii) o estado de saúde do grupo e as causas da depopulação, entre
elas, supostamente, a prática do abortamento, tanto do ponto de vista médico quanto
antropológico. Além disso, realizou-se assistência médica permanente através das
atividades de fichamento clínico, vacinação, exames parasitológicos de fezes, prova
tuberculínica, tratamento de parasitoreses intestinais, exames de laboratório, organização
da farmácia, dentre outras ações.
O projeto propunha, também, atividades em outras áreas consideradas importantes no
processo de recuperação do grupo: a demarcação do território indígena e a orientação
das atividades do Posto Indígena junto aos índios.
Durante a realização do projeto a pesquisa médica constatou que a tuberculose constituía
o principal problema de saúde entre os Asuriní. Foram registrados 5 casos da doença nos
anos de vigência do projeto (1978 e 1979), sendo que dois deles ocorreram apesar da
vacinação realizada em toda a aldeia em 1977. Das 7 mortes ocorridas entre 1976 e 1978,
3 foram casos de tuberculose, casos em que a doença foi diagnosticada quando já se
encontrava em estágio avançado de desenvolvimento (Müller, 1979b).
Exames realizados no mês de julho (época da seca) acerca da incidência de parasitoses
intestinais demonstraram um alto índice desse tipo de doença, apresentando 100% de
174
positividade. Novos exames realizados na época de chuva, em abril de 1979,
apresentaram grande número de resultados negativos, ao que a equipe de pesquisa
concluiu que as enteroparasitoses estão ligadas e determinadas pelo meio-ambiente,
obedecendo a um padrão ecológico de controle86. Diante disso, e observando que
tradicionalmente os Asuriní eram um grupo de grande mobilidade, conclui-se que a
sedentarização do grupo no período pós-contato contribuiu para o aumento das
parasitoses intestinais, já que as condições desfavoráveis de higiene se devem à fixação
dos indígenas numa única área junto ao Posto Indígena. (Müller, 1979b).
Durante os dois anos do projeto, obteve-se o controle das doenças que estavam
causando mortes entre o grupo. Além disso, o projeto contribuiu para a tentativa de
experimentar um método de tratamento em saúde em que é possível articular a tecnologia
e o conhecimento científico da medicina ao saber tradicional indígena referente à cura das
doenças.
Em 1982, ano em que os Asuriní chegaram a um patamar mínimo de 52 pessoas, um
novo projeto de assistência ao grupo foi implantado pela FUNAI, sob a responsabilidade
da mesma antropóloga que havia coordenado o projeto em 1978/79. Com assessoria do
CEPAM- Centro de Estudos e Pesquisas em Antropologia Médica/UnB , o projeto visava
dar continuidade à assistência prestada ao grupo Asuriní, controlando o nível de saúde
indígena, em particular o combate à tuberculose e a vigilância sobre outras ocorrências de
moléstias. Para tanto, um técnico em enfermagem foi treinado em baciloscopia e
orientado pela coordenação do projeto para desenvolver as atividades de assistência à
saúde no Posto Indígena Koatinemo. Este projeto teve a duração de 1 ano e não houve
continuidade, interrompendo-se uma atuação diferenciada na assistência à saúde entre os
Asuriní do Xingu.
86 Os vermes observados encontravam facilidades em completar seu ciclo biológico dadas as condições de
higiene da população e a existência de solo arenoso, bastante favorável ao desenvolvimento das lavras. Ver “Relatório
Final dos Assurini do Koatinemo” In: FUNAI, 1979.
175
TI Araweté Igarapé Ipixuna
No histórico das condições de saúde do povo Araweté, sem considerar a mortalidade verificada no contato, com epidemias de gripe e desinteria citadas acima no item “Histórico do Contato”, temos a situação descrita na Enciclopédia dos Povos Indígenas (ISA) quando, em 2001, se transferem para um novo local após mais de duas décadas na mesma aldeia. De acordo com este relato, a exaustão do solo para o plantio próximo a aldeia e a escassez da caça foram motivos desta mudança, “(...) acirrada por uma epidemia de varicela (doença virótica popularmente conhecida como catapora) no segundo semestre de 2000”. A epidemia contaminou pelo menos 218 dos então 278 habitantes da aldeia, ocasionando nove mortes. De acordo com depoimento de Benigno Marques (diretor da Administração da FUNAI de Altamira) dado ao ISA, a deformação física ocasionada pela doença horrorizou o grupo, levando a um ímpeto de dispersão, sendo necessária uma incisiva atuação da FUNAI para evitar que aqueles que ainda não apresentavam os sintomas fugissem para a mata (onde não teriam condições de tratamento, caso adoecessem).
Ainda segundo Marques, o impacto do surto foi mais drástico pela ineficiência do convênio da Funasa com a Prefeitura de Altamira, que contratou profissionais sem experiência, os quais permitiram que índios doentes retornassem às comunidades e contaminassem os demais. Na mesma direção, Tarcísio Feitosa (membro do CIMI) apontou a má aplicação dos recursos do convênio da Funasa pela Prefeitura, mencionando a precariedade das instalações do posto de saúde no Ipixuna e dos serviços odontológicos e médicos disponibilizados no local.
176
7.4.7 Atenção à educação nas Tis estudadas
Todas as aldeias das TIs estudadas possuem escolas com infra-estrutura semelhante:
construções de madeira e telhas de barro ou brasilit, quadros negros, livros didáticos de
Ciências, História, Geografia, Matemática, Portugês e Artes, carteiras, mimeógrafos e
mapas. As exceções são a aldeia Juruãti (TI Araweté Igarapé Ipixuna), formada em 2008,
onde a escola foi construída com estrutura de madeira e folhas de palmeira nas paredes e
cobertura, e a aldeia da TI Cachoeira Seca onde não há escola, apesar de haver
atividades de educação desde 1987. Nesta aldeia, as atividades de educação se deram
em locais como embaixo de árvores e casa de farinha abandonada. Esta ruiu e
atualmente as aulas estão sendo dadas na casa do chefe de Posto da FUNAI, em
construção. Algumas escolas foram construídas com recursos de doações de particulares,
como o médico Aldo Lo Curto que se dedica voluntariamente à saúde indígena, e até de
madeireiros que exploravam a TI Apyterewa nos anos 90 e início da presente década.
Todos os povos indígenas abordados neste estudo foram contatados nas décadas de 70 e
80 de modo que atividades na área de educação somente passam a se verificar a partir
da metade dos anos 80 e são iniciativas de instituições religiosas como o CIMI- Conselho
Indigenista Missionário com o apoio da Prelazia do Xingu, da Igreja Católica, e da ALEM -
Associação Linguística Evangélica Missionária.
O CIMI desenvolveu programas de educação nas TI Koatinemo, TI Apyterewa e TI Arara,
de 1990 a 2000, enquanto que a ALEM vem atuando nas TI Arara, TI Apyterewa, TI
Koatinemo e TI Araweté Igarapé Ipixuna de 1982 até os dias de hoje.
Na TI Arara, em 1982, Isaac Costa de Souza, lingüista da ALEM, inicia atividades fixando-
se no Posto de Vigilância 1 para onde parte do grupo da TI havia se mudado. O lingüista
que hoje atua na aldeia do Laranjal da mesma TI, assessora desde então professores da
FUNAI e da rede pública (SEDUC-Secretaria de Estado da Educação e SEMEC -
Secretaria Municipal de Educação, Cultura e Desporto de Altamira), quando estas
assumem a escola indígena. Atualmente, a ALEM mantem dois missionários com trabalho
177
voluntário voltado para atividades da 5ª. da escola da rede pública municipal em TI
indígena (ver adiante).
Na TI Araweté Igarapé Ipixuna, a interferência missionária se inicia em 1991, quando
administração regional da FUNAI “quis levar a organização ALEM, de orientação
fundamentalista, para avaliar a situação da tribo no âmbito da educação”(ISA). De acordo
com a mesma fonte, esta administração estendeu um convênio com a ALEM, mediante a
contratação de uma professora, sob coordenação da associação religiosa. Atualmente,
uma missionária é professora concursada (aldeia Juruãti) e outros dois missionários são
contratados (aldeia Pakaja) pela SEMEC para atuar nas escolas da TI dos Araweté. Na TI
Apyterewa, em 1984, um casal de missionários da ALEM ser fixou na aldeia Xingu,
desenvolvendo trabalho voluntário até 2000 na escola indígena, com alfabetização na
língua nativa. Um deles chegou a ser contratado pela SEDUC. Em 2003, a presença da
ação missionária volta a ocorrer na aldeia Xingu, com a assessoria de um membro da
mesma ao professor da escola municipal.
O CIMI também atuou na aldeia Xingu entre meados dos anos 80 e início dos anos 90. Na
aldeia do Laranjal da TI Arara, após a permanência sem êxito, desde 1987, de
professores da FUNAI, o CIMI implantou uma escola em 1994 e atuou até 1998. Na TI
Cachoeira Seca, o CIMI inicia atividades em 1996 e atua até 1999.
De acordo com informação obtida na Enciclopédia dos Povos Indígenas/ISA, com o
trabalho de educação nas aldeias Arara, crianças e adolescentes começaram a usar mais
intensamente o português, chegando a substituir o idioma nativo mesmo quando apenas
entre si.
Na TI Koatinemo, povo Asuriní, uma escola construída pela Prelazia do Xingu com
professores por ela contratados desenvolveu entre 1990 e 2000 um programa de
educação indígena sob os auspícios do CIMI. As missionárias católicas “Irmãzinhas de
Jesus” que atuavam na TI desde 1982, participaram do programa na pesquisa, orientação
dos professores e preparação de material didático. Tiveram o apoio da lingüista Ruth
M.F.Monserrat que, em 1998, publicou em co-autoria com as missionárias uma gramática
intitulada ¨Língua Asuriní do Xingu, observações gramaticais¨/Prelazia do Xingu/CIMI.
178
Os alunos eram alfabetizados na língua e contaram durante 13 anos (1991-2004) com a
professora Lucilene Arruda do Nascimento que domina a língua Asuriní, sete dos quais
como professora do programa do CIMI.
Em 1998, cerca de 7 alunos encontravam-se alfabetizados na língua Asuriní e na língua
portuguesa, e 10, alfabetizados na língua Asuriní (Müller, 1998). Com exceção das
mulheres adultas (4), estes alunos e outros alfabetizados nos últimos 10 anos formam
uma classe de 5ª. série com 17 alunos. Eles participam do programa ENCCEJA - Exame
Nacional para Certificação de Competências dos Jovens e Adultos, conhecido como
“provão”. Orientados pelo professor, preparam-se para realizar exames cuja aprovação
permite obter o certificado de conclusão do ensino fundamental. Trata-se, segundo
informação da SEMEC – Secretaria Municipal de Educação, Cultura e Desporto de
Altamira, de uma tentativa piloto para se dar uma solução ao problema de inexistência da
segunda parte do ensino fundamental (5ª. a 8ª. séries), fortemente reivindicada pelas
comunidades indígenas.
De 2006 a 2008, foi desenvolvido na TI Koatinemo projeto piloto de educação diferenciada
pela Secretaria Municipal de Educação de Altamira, assessorado por pesquisadores da
Unicamp –Universidade Estadual de Campinas e USP- Universidade de São Paulo, com
apoio do CNPq- Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Através
deste projeto foi reintroduzida a alfabetização na língua Asuriní, abandonada desde 2004.
O programa educacional foi elaborado tendo como base os parâmetros curriculares para
Educação Indígena/MEC, contemplando o ensino de conteúdos das áreas de
conhecimento aliado aos saberes tradicionais e a temas relacionados à realidade
indígena. O projeto equipou a escola indígena com televisão, vídeo cassete, aparelho de
som, material didático, apostilas na língua materna e plano pedagógico. O projeto foi
assistido pela Profª Lucilene Arruda do Nascimento, que lecionou nesta aldeia no período
de 1991-2004 e fala fluentemente a língua Asuriní.
Com o término do apoio do CNPq, apesar dos esforços da equipe junto à SEMEC-
Altamira e SEDUC- Secretaria de Educação do Estado do Pará, o projeto não teve
continuidade. Do mesmo modo, foi frustrada a tentativa desta equipe de se implantar nas
demais Tis a segunda parte do ensino fundamental com a mesma orientação deste
projeto piloto.
179
No ano corrente, criou-se em 6 escolas da rede pública municipal das TIs (ver abaixo),
uma 5ª. série formada por todos os alunos que concluíram a primeira parte do ensino
fundamental.
Como se vê no quadro de número de alunos por série, registra-se em 6 escolas alunos
na 5ª.série , com diferentes níveis de aproveitamento escolar, porém todos alfabetizados.
Devido ao fato de que a reprovação de alunos não ocorre por exigência do sistema
educacional, alunos permaneciam cursando a 4ª. série por vários anos, quando eram
então efetivamente alfabetizados. Como relatado acima, na TI Koatinemo os alunos que
formam a 5º série participam do programa INSEJA. Nas demais escolas, os professores
desenvolvem com os alunos programa de reforço da alfabetização, aguardando-se uma
solução para a demanda da segunda parte do ensino fundamental. Em geral, trata-se de
classe multiseriada ( 4ª. e 5ª. séries) e há um caso ( TI Cachoeira Seca) em que a
professora informou estar aguardando orientação para desenvolver atividades com estes
alunos.
No final dos anos 90, a área de educação na assistência governamental aos povos
indígenas passou a ser de responsabilidade da administração pública municipal, num
movimento de municipalização cuja repercussão foi sentida de diversas maneiras pelas
populações indígenas. De igual modo, a assistência à saúde indígena deixaria de ser
prestada pela FUNAI passando sua responsabilidade ao Ministério da Saúde através da
FUNASA, como apresentado no relativo à atenção à saúde.
Desse modo, em 2000, a SEMEC , de acordo com a Lei n 9394/96 de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional, assume as atividades da Educação Indígena na região e implanta
neste ano, com reconhecimento oficial em 2001, as seguintes escolas:
EMEF- Escola Municipal de Ensino Fundamental- Indígena Kwatinemu (TI Koatinemo)
EMEF- Escola Municipal de Ensino Fundamental- Indígena Patukrê (TI Kararaô)
EMEF-Escola Municipal de Ensino Fundamental- Indígena Arara (TI Arara)
EMEF- Escola Municipal de Ensino Fundamental- Indígena Cachoeira Seca (TI Cachoeira
Seca)
EMEF- Escola Municipal de Ensino Fundamental- Indígena Iatora Parakanã (TI
Apyterewa)
180
EMEF- Escola Municipal de Ensino Fundamental- Indígena Aldeia Xingu (TI Apyterewa)
EMEF- Escola Municipal de Ensino Fundamental- Indígena Ipixuna (TI Araweté Igarapé
Ipixuna)
Em 2007, foi implantada a EMEF- Escola Municipal de Ensino Fundamental- l- Indígena
Pakaja, anexa a EMEF Ipixuna.
Em 2009, foi implantada a EMEF- Escola Municipal de Ensino Fundamental- Indígena
Juruãti (TI Araweté Igarapé Ipixuna), anexa a EMEF Ipixuna.
As EMEFs seguem a proposta pedagógica e o sistema administrativo da Secretaria de
Educação do Estado – SEDUC e tem suas atividades acompanhadas pelo setor de
Educação da ADRA FUNAI. As EMEFs oferecem ensino da série inicial a 4ª. série do
Ensino Fundamental, com atividades, já descritas acima, para grupos de alunos
aprovados.
De acordo com informação obtida junto à SEMEC e ao setor de educação da FUNAI de
Altamira e confirmada em visita às Tis realizada em março de 2009, os professores
destas escolas, todos não-indígenas, não recebem formação ou treinamento em
Educação Indígena Diferenciada, não aprendem a língua indígena dos povos com os
quais trabalham e encontram e dificuldade em se fixar nas aldeias, localizadas a
distâncias consideráveis da cidade de Altamira. Esta situação tem provocado problemas
no desempenho da docência por eles exercida.
Desse modo, o resultado das atividades desses professores é deficiente com baixa
porcentagem de alfabetizados, apesar dos números fornecidos pelas escolas
apresentarem outra realidade, como classes de até 10 alunos na 4ª. série e 48 alunos na
5ª. série, quando se verifica entre estes deficiência na alfabetização.
O melhor aproveitamento se verifica nas escolas onde o ensino é bilíngüe.
181
Tabela 23. Escolas indígenas e número de alunos em 2006 e 2009
Terra
Indígena Aldeia Escola
Número de
alunos em
2009
Ensino Bilingue
Apyterewa Apyterewa EMEF Iatora Parakanã
155
Não
Xingu EMEF Aldeia Xingu
93
Sim
Arara Laranjal EMEF Arara 143 Não
Cachoeira
Seca
Iriri EMEF Cachoeira Seca
39
Não
Araweté Ipixuna EMEF Ipixuna
46
Não
Pakaja
EMEF
Pakaja
41 Sim
Juruãti EMEF Juruãti
48 Sim
Kararô Kararaô EMEF
Patukrê 45 Não
Koatinemo Koatinemo EMEF Koatinemo
71
Não
Fontes: p/2006: Ribeiro, 2006
p/2009: Secretaria Municipal de Educação,Cultura e Desporto de Altamira/Coordenadoria de Educação Escolar
Indígena e dados de campo
182
Tabela 24. Número de alunos por série das EMEFs em 2009
Escola Inicial 1ª. 2ª. 3ª. 4ª. 5. Total
EMEF Alunos Alunos Alunos Alunos Alunos Alunos Alunos
01 Kwatinemo 05 08 14 11 16 17 71
02 Ipixuna 09 12 08 07 10 00 46
03 Pakaja 00 27 14 00 00 00 41
04 Juruãti 08 32 00 04 04 00 48
05 Iatora
Parakanã 10 15 51 00 31 48 155
06 Aldeia
Xingu
12
04
31
01
19
26
93
07 Patukrê 01 02 07 01 04 13 45
08 Arara 16 27 22 02 12 64 143
09 Cachoeira
Seca 08 03 11 01 09 07 39
Fonte:Secretaria de Educação,Cultura e Desporto de Altamira, 2009 e dados de campo
183
7.5 CARACTERIZAÇÃO AMBIENTAL DAS TIs A MONTANTE DO AHE BELO MONTE
7.5.1 INTRODUÇÃO
O presente relatório foi elaborado em atendimento ao Plano de Trabalho para a realização
dos Estudos Socioambientais nas Terras Indígenas – Koatinemo, Arara, Kararaô,
Cachoeira Seca, Apyterewa e Araweté/Igarapé Ipixuna.
O objetivo é caracterizar alguns aspectos bióticos das TIs, avaliar possíveis impactos
ambientais decorrentes da implantação do AHE Belo Monte nessas terras e indicar
eventuais medidas mitigadoras ou compensatórias cabíveis, que deverão ser discutidas
posteriormente com as populações indígenas das TIs citadas, na fase de elaboração dos
PBAs.
O Estudo de Impacto Ambiental definiu, além da Área Diretamente Afetada – ADA, três
áreas de abrangência das análises, de acordo com os diferentes níveis de influência que o
empreendimento apresenta para cada uma dessas áreas. Dessa forma, foram definidas
as seguintes áreas para o estudo:
- Área de Influência Direta – AID: abrangendo as áreas que possam sofrer
influência direta do empreendimento, incluindo a Área Diretamente Afetada e a futura Área
de Entorno do Reservatório, espaço para o qual deverá ser desenvolvido o Plano
Ambiental de Conservação e Uso do Entorno do Reservatório Artificial – PACUERA,
conforme definido na Resolução CONAMA 302/2002;
- Área de Influência Indireta: considera a área que poderá ser atingida pelos
impactos indiretos do empreendimento. A delimitação da AII circunscreve a AID,
adotando-se como critério a configuração das bacias hidrográficas afluentes a mesma.
Com relação aos aspectos socioeconômicos, a AII corresponde aos limites dos municípios
integrantes da Região de Integração Xingu, definida pelo Governo do Estado do Pará
184
como sendo Altamira, Senador José Porfírio, Anapu, Vitória do Xingu, Pacajá, Placas,
Porto de Moz, Uruará, Brasil Novo, Gurupá e Medicilândia;
- Área de Abrangência Regional: é a área objeto da caracterização macro-
regional, constituída por toda a bacia hidrográfica do rio Xingu.
Tendo em vista que as TIs objeto deste Relatório encontram-se localizadas na Área de
Abrangência Regional do empreendimento, as análises ambientais apresentadas neste
Parecer estarão focadas nesta área.
7.5.2 METODOLOGIA
Para o levantamento das informações a respeito dos aspectos bióticos da região do médio
curso do rio Xingu, especificamente das Terras Indígenas em análise, foram utilizados
dados secundários exclusivamente.
Foi realizada consulta a diferentes bases de dados, tais como: Scielo – Scientific eletronic
library online, Portal de Periódicos Capes, sites governamentais como Ministério do Meio
Ambiente e Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, além de Organizações Não-
Governamentais que atuam na região. Finalmente, também foram utilizadas as
informações apresentadas no EIA do AHE Belo Monte.
O Índice de Estado Trófico (IET) de Calrson Modificado por Lamparelli foi aplicado. Este
índice de estado trófico Calrson Modificado por Lamparelli (2004) é aplicável em
ambientes lóticos (Rios) e ambientes lênticos (Reservatórios). As variáveis que compõem
o índice são Clorofila a e Fósforo Total para os rios, e Clorofila a e Fósforo total e Secchi
para os reservatórios.
185
Índice de Estado Trófico para Rios:
Hipereutrófico Supereutrófico Mesotrófico Oligotrófico Eutrófico Ultraoligotrófico
186
Índice de Estado Trófico para Reservatórios:
Hipereutrófico Supereutrófico Mesotrófico Oligotrófico Eutrófico Ultraoligotrófico
7.5.3 CARACTERIZAÇÃO DA BACIA HIDROGRÁFICA DO XINGU
A bacia hidrográfica do Xingu apresenta forma bastante alongada, sendo que a alta bacia,
ao sul, drena terrenos mais planos e sedimentares e a maior parte, ao norte, situa-se nos
domínios do embasamento cristalino. Desta forma, as cheias da área sul e da área norte
têm comportamento diverso, destacando-se a influência do abatimento das cheias devido
187
ao efeito de acumulação das áreas permeáveis das cabeceiras. Na porção norte, incluindo
a bacia do rio Iriri, as descargas acompanham de perto o regime das chuvas, resultando
em cheias elevadas e estiagens severas. Da combinação dos citados comportamentos,
distintos na sua gênese, resultam cheias no rio Xingu que podem ser classificadas como
não muito elevadas, considerando as dimensões da bacia.
Tabela 25. - Concentrações Médias de Sedimentos em rios da Amazônia
Rio Posto Flúvio-
Sedimentométrico
Área de Drenagem
(km2)
Vazão Líquida Média (m3/s)
Concentração Média de
Sedimentos (mg/l) Madeira Porto Velho-ANA 954.200 15.777 324,7
Madeira Porto Velho-Furnas 954.200 19.005 717,8
Tocantins Marabá 691.000 9.045 35,4
Tapajós Itaituba 456.600 7.558 12,7
Xingu Altamira 446.000 7.602 20,6
Os resultados apresentados correspondem à situação natural dos rios, anterior à
implantação de barramentos, e abrangeram períodos de mais de 15 anos de medições.
Com exceção do rio Tapajós, os outros dois rios, em especial o rio Madeira, apresentam
uma concentração de sedimentos bastante superior à do rio Xingu, que é de 20,6 mg/l.
Esse quadro comprova que o rio Xingu em Altamira se caracteriza por baixo transporte de
sedimentos do tramo de montante da bacia, evidenciando um certo equilíbrio da bacia
como um todo.
As principais características dos diversos trechos do rio são descritas a seguir:
a) A região das cabeceiras do rio Xingu, apresenta dinâmica diferenciada em relação ao
ambiente vizinho. Os rios de cabeceira, situados na porção sul da bacia, no bioma
cerrado, apresentam-se com pequeno volume de água e declividade, de modo geral,
acentuada, com águas apresentando poucos nutrientes. Sendo assim, são
dependentes da matéria orgânica do entorno para sustento da comunidade aquática,
188
resultando comunidades ícticas de pequeno porte e compostas de espécies restritas a
esses ambientes.
b) Nas planícies do alto curso do rio Xingu, a montante da cachoeira de von Martius, os
rios se apresentam com alta sinuosidade, meândricos, associados a extensas
planícies de inundação, com a formação de lagos de várzea, praias e vegetação
flutuante que representam ambientes favoráveis à diversificação da ictiofauna, por
fornecerem condições adequadas à reprodução e alimentação de muitas espécies.
c) O médio Xingu compreende o trecho a jusante da cachoeira de von Martius até a
localidade de Belo Monte, incluindo a bacia do rio Iriri e seu principal afluente, o rio
Curuá. Caracteriza-se por apresentar canais predominantemente formados por rochas,
com planícies fluviais estreitas e descontínuas, grande quantidade de pedrais, rápidos
e cachoeiras. Na região do médio curso do rio a ictiofauna é relativamente conhecida,
mostrando alta diversidade, e presença de espécies endêmicas. Nessa área estão
concentradas as espécies de maior porte, bem como a atividade de pesca na bacia,
tanto de peixes para consumo quanto de espécies ornamentais.
d) As bacias dos rios Fresco e Bacajá situam-se na margem direita do rio Xingu,
apresentando rios com canais em rocha, com baixa sinuosidade, instáveis, com erosão
das margens e do fundo, com grande quantidade de sedimentos em suspensão. A
ictiofauna do Bacajá é condicionada pelos trechos de corredeiras e cachoeiras do rio
Xingu a jusante de Belo Monte. Muito provavelmente as espécies encontradas neste
afluente são semelhantes às existentes no próprio rio Xingu, no trecho a montante da
confluência.
e) A região da Volta Grande do Xingu situa-se entre a foz do rio Iriri e a localidade de
Belo Monte, caracterizada por canais predominantemente em rochas, com rápidos e
cachoeiras, além de uma forte inflexão de seu curso. As águas são claras,
relativamente pobres em nutrientes, com influência antrópica nas proximidades de
Altamira. A fauna de peixes é rica e apresenta endemismos.
f) O baixo Xingu, situado ao norte da bacia hidrográfica, no trecho de jusante da Volta
Grande até a foz no rio Amazonas, caracteriza-se pela presença da ria do Xingu,
configurando um canal largo e, em alguns trechos, profundo, com margens altas,
sendo afetado por variações do nível d’água decorrentes das marés. Este trecho
189
apresenta condições ecológicas distintas do restante do rio Xingu, a montante,
apresentando ictiofauna similar à do rio Amazonas. Nesse trecho tem-se a presença
de tabuleiros de desova de tartarugas, bem como a ocorrência de botos. A formação
de praias e ilhas na região próxima à Vitória do Xingu define ambientes pouco comuns
no restante do rio, nos quais se encontram várias espécies que não ocorrem à
montante. A presença de áreas alagadas e de lagos centrais nas ilhas fluviais serve
como hábitats permanentes para espécies sedentárias, como pirarucu e aruanã, ou
como hábitats temporários para espécies migradoras como o tambaqui, que se
alimentam nestes locais, durante a sua fase jovem e/ou periodicamente durante o
período chuvoso, quando adultos. Estas espécies não ocorrem rio acima.
Nossa área de estudo refere-se ao item c, que compreende o médio Xingu, onde a
atividade pesqueira é intensa devido à concentração de espécies de maior porte.
7.5.4 CARACTERIZAÇÃO DAS ÁREAS DE ESTUDO
7.5.4.1 Áreas Prioritárias para a Conservação e Unidades de Conservação(UCs)
As áreas onde estão localizadas as TIs analisadas são consideradas Áreas Prioritárias
para a Conservação da Biodiversidade, conforme definido pelo Ministério do Meio
Ambiente. Conforme pode ser observado na figura 1, todas as TIs encontram-se em áreas
de prioridade Extremamente Alta quanto à importância biológica. Além disso, as TIs
Cachoeira Seca, Arara e Apyterewa são consideradas áreas de prioridade de ação
extremamente alta.
190
Figura 1 – Terras Indígenas e sua inserção nas Áreas Prioritárias para Conservação da
Biodiversidade. Extraído de http://mapas.mma.gov.br/i3geo.
191
A região do médio curso do rio Xingu, incluindo a sub-bacia do rio Iriri, apresenta um
grande número de Unidades de Conservação, muita das quais fronteiriças às TIs. A
implantação de um mosaico de áreas protegidas, incluindo Unidades de Conservação e
Terras Indígenas, criou um grande corredor ecológico ao longo da maior parte do curso
médio do rio Xingu.
Algumas da UCs presentes na região conhecida como Terra do Meio estão apresentadas
de modo geral na tabela a seguir. Ressalta-se que o próprio bloco da Terra do Meio é
composto por outras áreas protegidas além das apresentadas nessa tabela. No entanto,
essas UCs estão fora da bacia do Xingu, como é o caso da Floresta Nacional Trairão e o
Parque Nacional Jamanxim, ambos situados na bacia do Tapajós, na área de influência
da rodovia Cuiabá-Santarém (BR-163).
192
Tabela 26. Unidades de Conservação da Terra do Meio inseridas na Bacia do Xingu
Categoria de UC
Tipologia da UC
Nome da UC Área (Km2)
Municípios Bacia hidrográfica
Ano de Criação
RESEX Médio Xingu 3.038 Altamira Xingu 2008
RESEX Rio Iriri 3.989 Altamira Xingu 2006
RESEX Riozinho do Anfrísio
7.393 Altamira Xingu, Tapajós 2004
FLONA Altamira 7.642 Altamira, Itaituba Xingu, Tapajós 1989
FES Iriri 4.404 Altamira Xingu 2006
Uso sustentável
APA Triunfo do Xingu
16.792 Altamira, São Félix do Xingu
Xingu 2006
REBIO Nascentes da Serra do Cachimbo
3.436 Altamira, Novo Progresso
Xingu, Tapajós 2005
ESEC Terra do Meio 33.877 Altamira, São Félix do Xingu
Xingu 2005
Proteção integral
PARNA Serra do Pardo
4.473 Altamira, São Félix do Xingu
Xingu 2005
FONTE: Diagnóstico da AII do EIA (vol. 09), seção 7.6.9.2. - A estrutura fundiária da AII do AHE Belo Monte.
SIGLAS Resex – Reserva Extrativistas Flona – Floresta Nacional Fes – Floresta Estadual APA – Área de Proteção Ambiental Rebio – Reserva Biológica Esec – Estação Ecológica Parna – Parque Nacional
193
A Lei 9.985/2000, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Lei do
SNUC), divide as UCs no território nacional em duas grandes categorias: Unidades de
Conservação de Uso Sustentável e Unidades de Conservação de Proteção Integral.
Nesse caso, o termo “Uso Sustentável” é definido como:
“exploração do ambiente de maneira a garantir a perenidade dos recursos ambientais
renováveis e dos processos ecológicos, mantendo a biodiversidade e os demais atributos
ecológicos, de forma socialmente justa e economicamente viável” (parágrafo IX do artigo 2
da Lei 9.985/2000).
As UCs de Uso Sustentável objetivam, portanto, a conservação da natureza, admitem o
uso direto dos recursos naturais e permitem a permanência de populações tradicionais no
interior da área protegida. O termo “Proteção Integral”, por sua vez, é definido pela Lei do
SNUC como:
“ manutenção dos ecossistemas livres de alterações causadas por interferência humana,
admitido apenas o uso indireto dos seus atributos naturais” (parágrafo VI do artigo 2 da
Lei 9.985/2000).
As UCs de Proteção Integral objetivam, portanto, a preservação da natureza, admitem o
uso indireto dos recursos naturais e não permitem a permanência de populações
humanas.
194
7.5.4.2 Unidades de Conservação de Uso sustentável: tipologia
De acordo com as informações contidas no Diagnóstico da AII, no bloco da Terra do Meio
as UCs de Uso Sustentável são: Reservas Extrativistas (RESEXs), Florestas Nacionais e
Estaduais (Flonas e Fes) e Áreas de Proteção Ambiental (APA), definidas de acordo com
a Lei do SNUC.
As Reservas Extrativistas tem como objetivos básicos proteger os meios de vida e a
cultura das populações tradicionais que a utilizam, e assegurar o uso sustentável dos
recursos naturais da unidade.
As Florestas Nacionais e Estaduais (FLONA/FES) são áreas com cobertura florestal de
espécies predominantemente nativas e tem como objetivo básico o uso múltiplo
sustentável dos recursos florestais e a pesquisa científica, com ênfase em métodos para
exploração sustentável de florestas nativas.
As Áreas de Proteção Ambiental (APAs) são áreas dotadas de atributos abióticos,
bióticos, estéticos ou culturais especialmente importantes para a qualidade de vida e o
bem-estar das populações humanas, e tem como objetivos básicos proteger a diversidade
biológica, disciplinar o processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso dos
recursos naturais.
7.5.4.3 Unidades de Conservação de Proteção Integral: tipologia
No bloco da Terra do Meio existem três tipos de UCs de Proteção Integral: Reservas
Biológicas (Rebio), Estações Ecológicas (Esec) e Parques Nacionais (Parna).
As Reservas Biológicas tem como objetivo a preservação integral da biota e demais
atributos naturais existentes em seus limites, sem interferência humana direta ou
modificações ambientais, excetuando-se as medidas de recuperação de seus
ecossistemas alterados e as ações de manejo necessárias para recuperar e preservar o
equilíbrio natural, a diversidade biológica e os processos ecológicos naturais.
195
As Estações Ecológicas tem como objetivo a preservação da natureza e a realização de
pesquisas científicas, e a visitação pública só é permitida com objetivos educacionais, de
acordo com o Plano de Manejo da unidade ou regulamento específico.
Os Parques Nacionais tem como objetivo básico a preservação de ecossistemas naturais
de grande relevância ecológica e beleza cênica, possibilitando a realização de pesquisas
científicas e o desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, de
recreação em contato com a natureza e de turismo ecológico.
Por representar a face norte desse mosaico de áreas protegidas e, portanto, sofrer forte
pressão das áreas polarizadas por Altamira e São Félix do Xingu, o bloco de TIs é uma
espécie de “zona de amortecimento” do mosaico, ocupando, assim, uma posição
estratégica do ponto de vista da conservação ambiental da bacia do Xingu. Do mesmo
modo, devido a sua localização intermediária entre a BR-163 e a calha do Xingu, as UCs
da Terra do Meio, caso sejam consolidadas na prática, podem representar uma “zona de
amortecimento” para o bloco de TIs do Médio Xingu (principalmente para as TIs Kararaô e
Araweté/Igarapé Ipixuna). Nesse sentido, cabe destacar, devido à sua localização em
relação às TIs do Médio Xingu, a presença das seguintes UCs (todas de administração
Federal):
(i) Estação Ecológica da Terra do Meio - compreende parte da margem direita do rio Iriri
oposta à TI Cachoeira Seca e faz fronteira com a parte sul da TI Kararaô;
(ii) Parque Nacional da Serra do Pardo - tem seu limite leste estabelecido pela margem
esquerda do rio Xingu, oposta a TI Apyterewa;
(iii) Reserva Extrativista do rio Xingu - localizada entre a EE da Terra do Meio e a margem
esquerda do rio Xingu, oposta à TI Araweté/Igarapé Ipixuna;
(iv) Reserva Extrativista rio Iriri - localizada entre a ESEC da Terra do Meio e a margem
direita do rio Iriri, oposta à Ti Cachoeira Seca; e
(v) Reserva Extrativista Riozinho do Afrísio - limita a TI Cachoeira Seca ao sul.
196
No que tange à gestão das UCs recém-criadas na Terra do Meio, a Portaria n. 28 do
Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, de 17/12/2007, estabeleceu a
gestão integrada das UCs na área de influência da rodovia Cuiabá-Santarém (BR-163).
Nesse caso, a Portaria determinou que a gestão integrada seria instrumentalizada por
meio da criação de três bases operacionais, em Altamira, Itaituba e Novo Progresso. A
base de Altamira está encarregada pela gestão das seguintes UCs: ESEC Terra do Meio,
PARNA da Serra do Pardo, RESEX Riozinho do Afrísio e RESEX do Iriri. A base de Novo
Progresso, por sua vez, está encarregada pela gestão, entre outras, da FLONA de
Altamira. A base de Itaituba está responsável pela gestão de UCs situadas fora da bacia
do Xingu.
Finalmente, uma questão de extrema importância refere-se à presença de populações
humanas no interior de UCs. Por um lado, a Lei do SNUC deixa claro que as UCs de Uso
Sustentável podem admitir a presença de populações tradicionais em seu interior, desde
que a ocupação da área pela população tradicional em questão seja anterior a criação da
UC. Ou seja, as UCs não podem receber populações humanas, tradicionais ou não,
provenientes de outras áreas. Por outro lado, entretanto, a Tipologia de Assentamentos de
Reforma Agrária do INCRA87 inclui UCs de Uso Sustentável como as RESEXs e as
FLONAs. Nesse caso, as populações dessas UCs poderiam ser beneficiadas pelos
programas destinados às famílias assentadas, como o Programa Nacional da Agricultura
Familiar (PRONAF). Não está claro na Lei do SNUC, no entanto, se as áreas ocupadas
pelas UCs de Uso Sustentável poderiam ser utilizadas para o assentamento de famílias
de agricultores sem-terra provenientes de outras áreas.
O Mapa do Mosaico das áreas protegidas da Bacia do Rio Xingu (vide Anexo 3) apresenta
as Unidades de Conservação e Terras Indígenas do vale do Xingu.
87 Ver o Diagnóstico da AII do EIA – vol. 09 – seção 7.6.9.2.4 – “Projetos de Assentamento”.
197
7.5.5 REDE HÍDRICA
A área em estudo está situada no médio curso do rio Xingu. Esse trecho do rio apresenta
canais predominantemente em rocha, com diversos pedrais e cachoeiras. Uma cachoeira
que merece especial destaque é a denominada Furo da Boa Esperança. Esta cachoeira,
localizada aproximadamente a 45 km a jusante da foz do rio Iriri, limita o fim do
reservatório da AHE Belo Monte.
A bacia do rio Xingu situa-se na porção leste da bacia Amazônica. Essa bacia pode ser
subdividida em 10 sub-bacias, quais sejam: Iriri, Curuá, Bacajá, Fresco, Comendador
Fontoura, Ronuro, Culuente, Van Den Steined, Curisevo, Suiá-Miçu e Manissau-Miçú.
As Terras Indígenas Cachoeira Seca, Arara e Kararaô estão parcialmente inseridas na
sub-bacia do Iriri. As TIs Koatinemo e Apyterewa estão integralmente localizadas no curso
principal do rio Xingu. A TI Araweté/Igarapé Ipixuna apresenta seu território
majoritariamente situado no curso principal do Xingu, porém algumas nascentes da bacia
do rio Bacajá situam-se na porção leste de seu território, com destaque para o rio Igarapé
do Lontra. Dessa forma, os dados levantados compreendem apenas a sub-bacia do rio
Iriri, além do curso principal do rio Xingu.
Os principais cursos d'água que atravessam a região do empreendimento e as Terras
Indígenas estão demonstrados no Mapa da Rede Hidrográfica associada às Terras
Indígenas – vide Anexo 4).
De maneira geral, a bacia do rio Xingu apresenta um regime pluviométrico caracterizado
por uma estação chuvosa e uma estação seca. Apresenta uma defasagem entre as
vazões das cabeceiras e do trecho baixo da bacia no que se relaciona ao regime de
chuvas. Das cabeceiras até a parte média alta da bacia, o período chuvoso compreende
os meses de dezembro a março. Do trecho médio até o baixo curso, o período chuvoso
vai de janeiro a maio.
198
O rio Xingu caracteriza-se por variações significativas de volume escoado, entre as
épocas de cheia e estiagem, com regime fluvial fortemente marcado pela sazonalidade.
As descargas mínimas são da ordem de 10% da vazão média, enquanto as cheias
chegam a atingir valores quatro vezes superiores a essa média.
Visando caracterizar as vazões no trecho da bacia do rio Xingu em análise, foram
levantados os dados de vazão na série histórica de algumas estações fluviométricas na
Agência Nacional de Águas – ANA – Hidroweb. São apresentadas algumas informações a
respeito dessas estações na tabela 27.
Tabela 27. – Dados das Estações Fluviométricas levantadas.
As estações Pedra do Ó, Laranjeiras, Boa Sorte e Boa Esperança forneceram dados
sobre a vazão no médio curso do rio Xingu, e o levantamento de dados na estação de
Altamira serviu como referência para análise.
De acordo com os dados levantados, as vazões na bacia do rio Xingu tendem a aumentar
em direção ao norte. As maiores vazões observadas estão localizadas no rio Xingu, a
jusante da foz do rio Iriri. A figura 2 apresenta a comparação entre as vazões médias
observadas nas cinco Estações ao longo de um ano.
Código Posto Rio Área de Drenagem Período de Dados18850000 Altamira Xingu 446203 Jan/71 a Mar/0718700000 Pedra do Ó Iriri 123827 Set/76 a Abr/0718600000 Laranjeiras Iriri 60058 Jan/76 a Abr/0718460000 Boa Sorte Xingu 206863 Fev/77 a Fev/0718500000 Boa Esperança Fresco 43030 Jan/76 a Fev/07
199
Vazões Médias em cinco pontos de amostragem na Bacia do rio Xingu
0
5000
10000
15000
20000
25000
Jane
iro
Fever
eiro
Mar
çoAbr
il
Maio
Junh
oJu
lho
Agosto
Setem
bro
Outub
ro
Novem
bro
Dezem
bro
Vaz
ões
(m
3/s) Fresco Boa Esperança
Iriri Laranjeiras
Iriri Pedra do Ó
Xingu Boa Sorte
Xingu Altamira
Figura 2 – Gráfico demonstrando as vazões médias nas estações fluviométricas analisadas. Fonte:
ANA – Hidroweb.
De acordo com os dados do gráfico, os meses de maior vazão vão de Fevereiro à Junho,
quando a diferença de vazão registrada entre o rio Xingu na estação Altamira, a jusante
da foz do rio Iriri, e o rio Xingu na Estação Boa Sorte, na altura de São Feliz do Xingu,
chega a quase 13.000 m3/s. No entanto, no período de estiagem, as vazões aparecem
muito mais próximas.
7.5.6 CARACTERIZAÇÃO FÍSICA E DINÂMICA SUPERFICIAL
Na região ocorrem duas unidades de relevo: a Depressão da Amazônia Meridional, que
apresenta terrenos classificados como Colinas e Rampas sedimentares, e a unidade
Planaltos Residuais do Sul da Amazônia, com terrenos que podem ser agrupados em
duas unidades: Morrotes, Morros e Serras Residuais e Morros e Serras Residuais
Tabulares.
Os terrenos Colinas e Rampas sedimentares são suavemente ondulados, predominando
formas colinosas de baixa amplitude, que se associam a rampas sedimentares formadas
no sopé dos relevos residuais. Esses terrenos são sustentados por rochas ígneas e
metamórficas de diferentes composições, mas que foram igualmente arrasadas pelos
200
processos de aplanamento. Os solos nessa região são profundos e com boas
características físicas.
Os Morrotes, Morros e Serras Residuais são terrenos constituídos por morrotes residuais
isolados, com topos convexos que podem formar agrupamentos, até grandes conjuntos de
morros com topos convexos estreitos muito dissecados, vales encaixados e encostas com
alta inclinação, formando serras tais como: do rio Iriri, dos Gradaus, do Gorotire, da
Fortaleza, dos Carajás, do Bacajá e do Cerrado, entre outras.
Os Morros e Serras Residuais Tabulares são terrenos fortemente ondulados, que
apresentam topos aplanados circundados por escarpas íngremes, podendo em alguns
casos apresentar topos tabulares circundados por morros fortemente dissecados, como
no caso das serras de Murure, da Casa de Pedra, da Seringa, do Pardo, dos
Cubencranquem e da Chapada do Cachimbo. Em geral, apresentam solos rasos.
Na bacia do rio Xingu encontra-se ainda terrenos relacionados às Planícies Fluviais deste
rio e de seus afluentes. Esses relevos acumulativos associados aos principais rios da
bacia hidrográfica do rio Xingu constituem um tipo de terreno específico, que intercepta os
demais tipos de terreno, caracterizando-se pelo predomínio de feições de sedimentação
associadas aos processos de erosão e de deposição fluvial.
A área em estudo apresenta uma sazonalidade climática que leva a um período de maior
atividade morfogenética durante o período chuvoso, quando a remoção de detritos e a
carga de material em suspensão é mais significativa, e um período de menor atividade,
associado à época seca, em relação à erosão e ao transporte fluvial.
A atividade morfogenética na região favorece a ocorrência de processos erosivos
associados ao escoamento das águas pluviais e fluviais em determinadas unidades de
relevo. Para a área em análise, deve-se destacar esse processo nos relevos mais suaves
da Depressão da Amazônia Meridional.
Os terrenos mais enérgicos da região são representados pelos Morrotes, Morros e Serras
residuais e Morros e Serras residuais tabulares e, também, pelas escarpas associadas a
esses tipos de relevo, que se caracterizam por apresentar amplitudes médias e altas,
201
associadas às encostas íngremes, que formam vales encaixados e muito encaixados,
erosivos, com talvegues entalhados com canais em rocha e blocos, e escoamento
torrencial nas vertentes e canais fluviais.
Destaca-se que a dinâmica superficial dos relevos que caracterizam a região é conduzida
basicamente pela ação fluvial, que entalha e transporta os sedimentos produzidos para o
rio Xingu, porém numa situação de equilíbrio, onde os canais estão ajustados às
declividades das encostas, não se observando processos erosivos intensos.
7.5.7 CARACTERIZAÇÃO DA VEGETAÇÃO NAS TERRAS INDÍGENAS E INDUÇÃO AO DESMATAMENTO
A região do médio Xingu apresenta basicamente duas unidades ecológicas: o interflúvio
Xingu/Tapajós, situado à margem esquerda do rio Xingu e caracterizado principalmente
pela ocorrência de formações da Floresta Ombrófila Densa e da Floresta Ombrófila
Aberta; e, o interflúvio Xingu/Tocantins, situado à margem direita do rio Xingu e
caracterizado pela ocorrência de Floresta Ombrófila, enclaves de savana e transições
entre essas formações (ELETROBRÁS, 2007).
A cobertura vegetal da bacia do rio Xingu como um todo é composta pelas seguintes
tipologias: Campinarana, Floresta Estacional. Floresta Ombrófila Aberta Submontana,
Floresta Ombrófila Densa Aluvial, Floresta Ombrófila Densa Submontana, Floresta
Ombrófila Densa de Terras Baixas, Savana Parque e Gramínio-Lenhosa, Savana
Arborizada, Savana Florestada, Formações Pioneiras, Vegetação Secundária, Contato
Campinarana e Floresta Ombrófila, Contato Savana e Floresta Ombrófila, Contato
Floresta Ombrófila e Floresta Estacional.
Especificamente no trecho do médio Xingu, nas áreas das TIs em análise, ocorrem a
Floresta Ombrófila Densa Submontana (TIs Kararaô, Arara e parte de Cachoeira Seca) e
Floresta Ombrófila Aberta Submontana (TIs Koatinemo, Araweté/Igarapé Ipixuna e
Apyterewa), de acordo com o sistema oficial do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística - IBGE (Veloso et. al., 1991; IBGE, 1997). Florestas Ombrófilas Aluviais
ocorrem na região, mas não podem ser observadas nessa escala de trabalho no médio
curso do rio Xingu.
202
A ocorrência da Floresta Ombrófila Densa está ligada ao clima tropical quente e úmido,
sem período biologicamente seco, com chuvas bem distribuídas durante o ano. É
caracterizado por árvores de grande porte, além de lianas e epífitas em abundância. Já a
Floresta Ombrófila Aberta ocorre em áreas com gradiente climático variando entre dois a
quatro meses secos. Apresenta árvores mais espaçadas e estrato arbustivo menos denso
que a Floresta Ombrófila Densa (IBAMA, 2004).
Na região podem ser encontradas palmeiras como o juari (Astrocaryum jauari), açaí
(Euterpe oleracea) e caranã (Mauritiella armata), árvores como o tarumã (Vitex triflora),
ipê da várzea (Tabebuia barbata), xixuá (Maytenus sp.), ipê (Macrolobium acaciaefolium),
açacu (Hura crepitans), a piranheira (Piranhea trifoliolata), a abiurana da várzea (Pouteria
glomerata) e acapurana (Campsiandra laurifolia), notadamente na Floresta Ombrófila
Densa Aluvial.
Já nas áreas de Floresta Ombrófila Aberta, podem ser encontradas espécies como
castanheira-do-Pará (Bertholletia excelsa), melancieira (Alexa grandiflora), pau de remo
(Chimarrhis turbinata), cacau do mato (Theobroma speciosum), ipês amarelo e roxo
(Tabebuia serratifolia e T. impetiginosa), acapu (Vouacapoua americana), muiracatiaras
(Astronium gracile e A. lecointei), geniparana (Gustavia augusta), tatajuba (Bagassa
guianensis), dentre outras.
Desflorestamento
De acordo com dados do Instituto de Pesquisas Espaciais – INPE disponibilizados através
do projeto PRODES, de 1988 a 2008 o desflorestamento no Estado do Pará somou
56.590 km2. No entanto, a variação anual no desmatamento vem apresentando queda
desde 2005.
No trecho do curso médio do rio Xingu, apesar do grande número de áreas protegidas,
existe uma significativa pressão sobre os recursos florestais, traduzida na forma de áreas
desmatadas. Conforme pode ser observado nos 4 boletins Transparência Florestal
produzidos pelo Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia – Imazon (Souza
Jr. & Veríssimo, 2007; Souza Jr. & Veríssimo, 2008), algumas das áreas que sofrem maior
203
pressão para o desmatamento estão localizadas no entorno das Terras Indígenas aqui
analisadas.
Um fator importante para o desmatamento na região da Terra do Meio é a presença uma
das últimas grandes reservas de mogno (Swietenia macrophylla), especialmente em
Terras Indígenas. Grogan et. al. (2002) resume o histórico da exploração do mogno no
Pará do seguinte modo:
“Durante os anos 1980, as regiões ricas em mogno situadas no sul do Pará e norte de
Mato Grosso foram intensamente exploradas. Essa exploração ocorreu principalmente em
terras devolutas e Terras Indígenas através de acordos ou simplesmente pela invasão das
áreas. Novas áreas ricas em mogno foram localizadas por exploradores através de
sobrevôos em pequenos aviões. As equipes de exploração deslocaram-se continuamente
para oeste numa frente ampla de norte a sul, cruzando o rio Xingu, e daí extraindo mogno
a oeste na região do rio Iriri. Depois disso, em anos recentes, as madeireiras migraram
para a região de Novo Progresso (oeste do Pará) ao longo da Santarém-Cuiabá e sudeste
do Amazonas. Enquanto isso, a extração continua ocorrendo na região da Terra do Meio,
situada entre os rios Iriri e Xingu, na medida em que os madeireiros retornam para extrair
os estoques remanescentes - em muitos casos árvores com diâmetro menor do que 45
cm.”
São Félix do Xingu, município localizado ao sul da TI Apyterewa, é palco de um grande
número de conflitos, possui uma das mais elevadas taxas de desflorestamento anual e
apresentou um aumento do rebanho bovino em 780% em apenas sete anos (1997-2004).
O processo de desmatamento da região leva, direta ou indiretamente, à implantação de
pastagens para a formação de fazendas, principalmente, de gado de corte (Escada et. al.,
2005).
A operação “boi-pirata”, que teve ampla repercussão na mídia, realizada entre Junho e
Julho de 2008 na região da Terra do Meio, e que resultou na apreensão de cerca de 3.500
cabeças de gado somente em área da Estação Ecológica da Terra do Meio.
A figura a seguir apresenta uma imagem das TIs no médio curso do rio Xingu e a
evolução do desmatamento no período de 2004 a 2007. Como pode ser observado nesta
204
figura, nesse período foram identificados diversos focos de desflorestamento, inclusive em
Terras Indígenas.
As TIs que sofreram maior pressão para desmatamento foram justamente as localizadas
na borda do grande bloco em análise, a TI Apyterewa e a TI Cachoeira Seca do Iriri.
Na região, um fator importante no que se refere ao desmatamento é a presença de
grandes vias de acesso, como a Transamazônica (BR-230). De acordo com o EIA, “cerca
de 85% das queimadas ocorrem a menos de 25,0 km das estradas” e “é na faixa de
aproximadamente 100,0 km a partir destas que se concentra a maior parte das
derrubadas”. Essa ligação entre o desmatamento e a presença de estradas apresenta um
padrão semelhante ao de uma espinha de peixe, como pode ser observado na TI
Cachoeira Seca.
205
Figura 3 - Focos de desmatamento no período de 2004 a 2007. Fonte: Imazongeo.org.br. Dados do
desmatamento obtidos do PRODE – INPE.
Desmatamento 2004
Desmatamento 2005
Desmatamento 2006
Desmatamento 2007
206
7.5.8 CARACTERIZAÇÃO DA FAUNA
Herpetofauna
Como já mencionado, a bacia do rio Xingu situa-se na porção leste da bacia Amazônica.
Cinco espécies de anuros (Rhynella castaneotica, Adelphobates castaneoticus, ª
galactonotus, Dendropsophus anataliasiasi e D. inframaculata), duas de cecílias
(Nectocaecilia ladigesi e Typhlonectes obesus) e sete espécies ou subespécies de
lagartos (Arthrosaura kockii, Cercosaura ocellata ocellata, Kentropyx calcarata, Leposoma
guianense, Neusticurus bicarinatus, Tretioscincus agilis e Uracentron azureum azureum)
são endêmicas da porção leste da Floresta Amazônica.
Para a bacia do rio Xingu foram levantadas 3 espécies de jacarés, 5 de quelônios, 3 de
anfisbenídeos, 45 de lagartos e 64 de serpentes. Para os anfíbios, a lista apresentada
possui 111 espécies, todas elas com ocorrência comprovada para a bacia do rio Xingu.
Observa-se que a literatura específica sobre a área de estudo é bastante escassa, tanto
para répteis quanto para anfíbios (EIA do Aproveitamento Hidrelétrico Belo Monte, 2007).
As cachoeiras de Belo Monte representam um divisor na distribuição das duas espécies
mais freqüentes de quelônios aquáticos do rio Xingu. A tartaruga-da-amazônia
(Podocnemis expansa) está praticamente concentrada nas praias a jusante da localidade
de Belo Monte, no trecho compreendido entre Vitória do Xingu e Senador José Porfírio
(tabuleiro de desova das tartarugas), enquanto que na área da Volta Grande, a montante
das cachoeiras, a espécie predominante é o tracajá (Podocnemis unifilis).
Com relação às espécies de répteis encontradas na região, os quelônios aquáticos
tartaruga-da-amazônia (Schizodon vitatum) e o tracajá (Podocnemis unifilis) e jacarés
como Caiman crocodilus e Melanosuchus niger sofrem grande pressão, seja pela apanha
de indivíduos, seja pela apanha de ovos, servindo inclusive como fonte alimentar paras os
índios da região.
207
Avifauna
O Médio Xingu, principalmente na porção acima da Cachoeira Grande (nas proximidades
da foz do rio Ambé e rio Tucuruí), inclui-se entre as regiões amazônicas menos
conhecidas do ponto de vista ornitológico. E, sobretudo, a região do Alto Xingu é uma das
várias áreas do “Arco do Desmatamento” da Amazônia Brasileira que, além de sujeita a
elevadas taxas de degradação ambiental, possui notória ausência de informações sobre
sua fauna e flora, carecendo, por conseqüência, de inventários biológicos urgentes.
De acordo com as informações levantadas e apresentadas no EIA do Aproveitamento
Hidrelétrico Belo Monte, foram registradas 769 espécies de aves de ocorrência confirmada
e de provável ocorrência para a bacia do rio Xingu. As espécies amostradas pertencem a
74 famílias, das quais 45 são de não passeriformes e 29 de passeriformes.
Mastofauna
De acordo com levantamento bibliográfico e com as informações apresentadas no EIA da
AHE Belo Monte, na região ocorrem 259 espécies de mamíferos, representando um total
de nove ordens: Didelphiomorpha (18 espécies), Xenarthra (14 espécies), Chiroptera (111
espécies), Primates (23 espécies), Carnivora (20 espécies), Perissodactyla (1 especie),
Artiodactyla (6 espécies), Rodentia (65 espécies) e Lagomorpha (1 espécie). Destas,
destaca-se a ocorrência dos primatas coatá-de-testa-branca (Ateles marginatus) e do
cuxiú-de-nariz-branco (Chiropotes albinasus), sendo o primeiro considerado vulnerável na
lista da World Conservation Union – IUCN.
Na Amazônia existem 5 espécies de mamíferos aquáticos pertencentes a 3 distintas
Ordens: Sirenia, com uma espécie, o peixe-boi da Amazônia (Trichechus inunguis); a
Ordem Cetacea, com 2 espécies de golfinhos, o boto-vermelho (Inia geoffrensis) e o boto-
tucuxi (Sotalia fluviatilis); e a Ordem Carnívora, com 2 espécies de mustelídeos aquáticos,
a ariranha (Pteronura brasiliensis) e a lontra (Lontra longicaudis).
208
7.5.9 CARACTERIZAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO DA FAUNA AQUÁTICA
A diversidade de ambientes na bacia do rio Xingu condiciona a estrutura de sua ictiofauna,
pois em cada um deles há características ecológicas diferentes, com oferta diferenciada
de recursos, selecionando as espécies por características de sua biologia, particularmente
quanto aos aspectos alimentares e reprodutivos. Há espécies que completam todo o seu
ciclo de vida no canal principal do rio, outras que o fazem em lagoas marginais ou áreas
alagadas e ainda aquelas que exploram as áreas alagadas durante a enchente e
dependem do canal principal para migrações reprodutivas ou alimentares (Santos &
Ferreira, 1999, apud AHE Belo Monte – EIA/RIMA – Meio Biótico - Diagnóstico Ambiental
da AAR, 2008).
O rio Xingu apresenta uma grande diversidade de gêneros de peixes, somando cerca de
299 gêneros. A proporção relativa de espécies entre os Gêneros na ictiofauna do rio Xingu
indica maior riqueza para Moenkhausia (26), Crenichla (23), Leporinus (22),
Hyphessobrycon (14), Hemigramus (13), Astyanax (12), Cyphocharax (12), Bryconops
(11), Hemiodus (11), Serrasalmus (11) e Teleocichla (11). Juntos, esses 11 gêneros
dominantes (1,5% dos gêneros) englobam 22% das espécies da bacia. Outros 134
gêneros (17% dos gêneros) apresentam níveis intermediários de diversificação (entre 9 e
2 espécies cada) e abarcam 453 espécies (58% das espécies) da bacia.
As espécies de peixes do rio Xingu apresentam grande especialização de habitats e a
maioria dos peixes está associada a um habitat preferencial (60%), e pode ser
considerada “especialista de habitat”. Dessas espécies “especialistas”, quase 50%
utilizam remanso, conforme apresentado no EIA do AHE Belo Monte. O segundo habitat
preferencial dessas espécies são os igarapés.
De acordo com o levantamento feito por Isaac (2008), o trecho do Rio Xingu, que vai de
logo a montante foz do rio Iriri até a cachoeira Furo da Boa Esperança, apresenta
importância relativa em espécies de Characiformes significativamente mais que dos outros
grupos (>50%). Em seguida, aparecem os Siluriformes, com pouco mais de 30% das
espécies amostradas. O total de espécies de Perciformes, Gymnotiformes e outros grupos
soma menos de 20% das espécies amostradas.
209
Com relação ao deslocamento da ictiofauna no sistema formado pelo rio Xingu e seus
principais afluentes, após a amostragem de peixes em diferentes ambientes e trechos do
rio, Isaac conclui que as cachoeiras nesse trecho do rio não são até o momento uma
barreira eficiente para a ictiofauna como um todo; apesar de algumas espécies não
conseguirem se estabelecer ao longo de todo o rio, os deslocamentos entre a parte baixa
e a parte alta do rio são evidentes para boa parte da ictiofauna.
Dessa forma, exemplares adultos das espécies migradoras, como o curimatã, pacu e
outros, se deslocariam, por curtas distâncias, rio acima, na busca de locais de inundação
adequados para a desova e alimentação durante a cheia.
Os dados de pesca levantados por Isaac indicam que a região mais produtiva do médio-
baixo curso do rio Xingu é aquela no entorno da foz do rio Iriri.
Com relação à composição específica, destaca-se a produção de tucunaré (Cichla
melaniae), com 29% do total pescado, seguido por aracu (Schizodon vitatum) e pescada,
com 20% do total cada, diversas espécies de pacu, que representa 13% do total pescado,
e curimatã (Prochilodus nigricans), com 8%.
Esta grande diferenciação entre o ambiente do alto Xingu, caracterizado por clima e
vegetação típicos de cerrado, em relação ao baixo Xingu, com vegetação e climas
marcadamente amazônicos, função do gradiente altitudinal do rio Xingu, aliado à
existência de grande número de cachoeiras, corredeiras e acidentes fluviais, que
constituem barreiras geográficas para diferentes espécies de peixes, são fatores
importantes que favorecem a diversificação da fauna íctica.
Nesta questão de diferenciação da ictiofauna é importante ressaltar a presença, na
interface do alto e médio cursos, da cachoeira de von Martius como um importante
controle hidráulico para as rotas migratórias, e na diferenciação da ictiofauna do alto e
baixo curso do rio Xingu.
210
Segundo CAMARGO et al. (2004), apud Atualização do Inventário Hidrelétrico da Bacia do
rio Xingu – Consolidação dos Estudos Realizados, 2007, as cabeceiras do Xingu são
caracterizadas por um número relativamente grande de espécies consideradas endêmicas
de pequeno porte. Já a região encachoeirada da Volta Grande funciona como barreira
para os grandes migradores da calha do rio Amazonas que se deslocam para o rio Xingu,
configurando um obstáculo intransponível à dispersão de muitas espécies.
Em termos conclusivos, pode-se afirmar que, em linhas gerais, são detectados dois
grandes compartimentos em relação à composição de espécies da ictiofauna, sendo a
cachoeira de Von Martius o grande divisor, que separa o Alto Xingu e o Médio Xingu.
7.5.10 INTERFERÊNCIAS NA QUALIDADE DA ÁGUA NA ÁREA DE ABRANGÊNCIA REGIONAL
Foi retirado do Prognóstico Temático Meio Físico Biótico, na área de interferência direta
(AID) as seguintes avaliações relevantes:
“As alterações ambientais com desmatamento, fragmentação de hábitats e modificação
das comunidades ecológicas naturais têm ocorrido de maneira marcante nas duas últimas
décadas na região." Com base na análise dessas transformações atuais, é possível
destacar alguns aspectos que tendem ao crescimento, dado as deficiências no sistema de
fiscalização e controle da região. Em termos gerais, destacam-se os seguintes aspectos,
que poderão vir a aumentar a pressão sobre os ambientes naturais da região:
Tendência acelerada de desmatamentos, principalmente para implantação de pastos para
a pecuária, além de alterações dos ambientes florestais naturais pela exploração de
madeira, com perda e modificação de hábitats naturais e conseqüente perda de
biodiversidade.
Aumento do processo de fragmentação da cobertura de floresta ombrófila antes contínua,
com isolamento de populações de plantas e animais, e suas seqüelas ecológicas e
desafios para conservação, como a redução potencial da dispersão associada à
incapacidade de muitos animais em transpassar as áreas fortemente antropizadas entre
211
os remanescentes florestais. O processo de fragmentação da cobertura vegetal traz as
seguintes conseqüências:
- Perda de elos importantes da cadeia trófica, p.ex.: a extinção local de um carnívoro pode
causar a sua substituição por outros carnívoros ou potencializar a sobre exploração de
outros recursos.
- Efeitos deletérios de borda, quando as condições do interior da floresta se tornam mais
secas e quentes em função da abertura de bordas, estradas e clareiras, o que certamente
provoca a morte e afugentamento de espécies ombrófila.
- Pressão da caça e de outros processos de extrativismo não sustentável, com perda local
de populações e alteração de comunidades ecológicas.
- Invasão de espécies exóticas: a invasão de espécies adaptadas as áreas alteradas ou
degradadas competem com as espécies nativas.
No caso da qualidade da água e das características limnológicas podem ser listados as
seguintes tendências dentro de um horizonte de curto e médio prazo:
a) O sistema aquático do rio Xingu e de seus tributários na área de influência do
empreendimento contam com nível relativamente baixo de impacto presente na qualidade
da água, a não ser em alguns pontos mais afetados pelas atividades agropecuárias e
desmatamentos, onde foram detectados maiores concentrações de nutrientes,
principalmente, as formas nitrogenadas. Esses impactos presentes são atenuados pela
alta vazão do rio. Apesar disso, há indicadores de qualidade de água que apontam para o
uso não sustentável do solo, tais como elementos que apresentam mais altas
concentrações de material em suspensão (nitrato, amônia, cloreto e ferro).
Foi constatado que a principal fonte desses elementos são os solos da região, carreados
para o sistema hídrico, quando é retirada a cobertura vegetal.
212
b) As áreas mais afetadas em termos de concentração de metais e de nutrientes são as
que se encontram próximas aos locais urbanizados, como em Altamira, Ressaca e outros.
O crescimento da população nesses locais poderá causar o aumento desses elementos.
c) As plantas macrófitas aquáticas têm maior número de espécies nas proximidades de
Altamira, com maior biomassa na estação de cheia, sendo que a proliferação dessas
plantas também poderá aumentar com o crescimento da população e incremento de
matéria orgânica nos cursos de água.
d) A tendência natural é a de que a qualidade da água e os atributos limnológicos
continuem a sofrer modificações, particularmente em locais próximos às concentrações
humanas e aos locais de atividades relacionadas à pecuária, agricultura e mineração.
Foi aplicado o Índice de Estado Trófico nos pontos onde foi avaliada a qualidade da água,
portanto nos pontos localizados na Área de Influência Direta (AID).
A cidade de Altamira se encontra, aproximadamente, na metade do reservatório que se
formará com a construção do AHE Belo Monte. Esta cidade se desenvolveu entre os três
igarapés que deságuam no rio Xingu, denominados, de montante para jusante, de
Panelas, Altamira e Ambé.
Estas áreas caracterizam-se por apresentar ambientes sedimentares recentes referentes
às planícies de inundação e descargas do material erodido das encostas. Os baixos
cursos desses igarapés desenvolvem-se na planície fluvial do rio Xingu sobre terrenos
planos constituídos por argilas e siltes, ricos em matéria orgânica que são anualmente
inundados no período chuvoso.
As inundações dos igarapés podem ocorrer por influência direta do rio Xingu, sem que
haja ocorrência de cheia nos igarapés, ocorrência de precipitação crítica nas bacias
hidrográficas dos igarapés ou ainda pela ocorrência simultânea de chuvas moderadas a
intensas nas bacias e cheias de maior magnitude no Xingu.
213
O Diagnóstico da Qualidade da Água do EIA Volume 14, aponta que:
“ - Os resultados das análises da qualidade da água permitiram concluir que a água do
aqüífero superficial constituído pelo aluvião na região de Altamira encontra-se
contaminada. O lançamento de efluentes domésticos nos igarapés, a existência de fossas
e a disposição de lixo de forma inadequada são os agentes poluidores mais significativos,
dadas as elevadas concentrações de DBO, de DQO e de coliformes.”
E que:
“- O lixão de Altamira está implantado em região de topografia elevada, onde ocorrem
Diabásio Penatecaua e seus produtos de alteração. Como os solos residuais de diabásio
são caracterizados por permeabilidades baixas, avalia-se que a migração de
contaminantes a partir dessa fonte de contaminação para aqüíferos subjacentes é
dificultada. Entretanto, a jusante do lixão existe drenagem que permite o escoamento
superficial do chorume do lixão para o igarapé Altamira”.
Sabe-se que a presença de um lixão, que é uma área de disposição final de resíduos
sólidos sem nenhuma preparação anterior do solo, não tendo nenhum sistema de
tratamento de efluentes líquidos, gera alta carga poluidora. O chorume possui carga
orgânica até 200 vezes superior a carga orgânica do esgoto, e desta forma , vai acelerar o
processo de eutrofização.
214
Lixão de Altamira - Foto Fabio Ribeiro março 2009
O chorume penetra pela terra levando substancias contaminantes como metais pesados
para o solo, para o lençol freático, os rios e reservatórios. Mesmo sendo desativada, esta
área poderá gerar chorume por até 20 anos.
Chorume produzido no lixão de Altamira- Foto Fábio Ribeiro março 2009
215
7.5.11 RESULTADOS QUANTO AO GRAU DE EUTROFIZAÇÃO
O grau de eutrofização de um corpo hídrico é considerado um importante indicador
hidrobiológico. De acordo com Golterman (1975 apud Toledo et al., 1983) deve-se fazer
uma clara distinção no processo de eutrofização, entre o aumento do suprimento de
nutrientes (causa) e o resultante aumento do crescimento fitoplanctônico (efeito). No caso
do Índice de Estado Trófico (IET) modificado por Lamparelli (2004), aplicado neste
relatório, das duas variáveis relacionadas com o processo de eutrofização, o fósforo total
está relacionado com a causa e a clorofila a com o efeito. Deste modo, esta última
variável também tem sido utilizada para a avaliação da qualidade das águas dos rios e
dos reservatórios.
Os pontos da tabela onde foram calculados o Índice de Estado Trófico - IET, estão na
Área de Influência Direta, mas contempla o rio Xingu após a confluência com o rio Iriri, na
área da TI Koatinemo. O rio Iriri, esta incluído nos tributários da calha do Xingu, na área
que compreende a TI Arara. Desta forma:
- Os pontos da Calha do rio Xingu são os pontos no rio Xingu, desde a montante da
confluência com o rio Iriri até próxima a futura barragem.
- Os pontos de Tributários da Calha do Xingu são formados pelo afluente do Xingu,
incluindo o rio Iriri e os Igarapés até a barragem.
- Os pontos que compõem Volta Grande do Xingu, estão na área de vazão reduzida.
- Os pontos Tributários de Volta Grande do Xingu, estão próximos a área de vazão
reduzida.
- Os pontos a jusante da casa de força estão localizados no rio Xingu.
216
min max min max min max min max min max min max
IET FT 2001 10 19 16 24 14 21 21 24 14 17 17 22
IET FT 2007/2008 11 17 7 20 10 17 12 20 11 18 10 18
IET CL 2007/2008 30 66 22 65 26 65 28 69 30 64 40 64
Jusante da Casa
de Força
Tributários ajusante da Casa de Força
ÍNDICE DE ESTADO
TRÓFICO
Calha do rio
Xingu
Tributários da Calha do rio Xingu
Volta GrandeTributários da
Volta Grande
ESTADO TRÓFICO:
HIPEREUTRÓFICO SUPEREUTRÓFICO EUTRÓFICO
MESOTRÓFICO OLIGOTRÓFICO ULTRAOLIGOTRÓFICO
Para o calculo do ITE FT foram utilizados os dados brutos de fósforo total de mínimo e
máximo de 2001, e os dados brutos de fósforo total e clorofila a, de mínimo e máximo, de
2007 e 2008. Os valores encontrados em 2001 indicaram estado permanentemente
ultraoligotrófico,com carga extremamente baixa, calculado somente com os valores de
fósforo total.
O IET FT calculado para os anos de 2007/2008 também indicou ambiente ultraoligotrófico,
portanto na coluna de água a carga de fósforo total é bem baixa.
O valor baixo da carga de fósforo total na água pode estar relacionada a dois fatores: a
vazão alta e a precipitação do chorume, por ser mais denso que a água.
Os valores de clorofila a referentes ao ano de 2007/2008 em todas as máximas indicaram
ambiente eutrofizado, sendo que no tributário da Volta Grande indicou estado
hipereutrófico, portanto, alto desenvolvimento da comunidade fitoplanctônica.
217
A eutrofização é a fertilização excessiva, permanente e contínua de um corpo d’água,
podendo resultar no aumento do número de organismos aquáticos e conseqüentemente
aumento da freqüência de problemas ecológicos e sanitários. A aceleração da
eutrofização é causada pela crescente introdução de nutrientes minerais proveniente de
esgotos das cidades, resíduos ou ainda fertilizantes agrícolas.
7.6 IMPACTOS AMBIENTAIS NAS 6 TIs E PROPOSIÇÃO DE MEDIDAS MITIGADORAS
Neste item serão abordados aspectos e atividades relacionadas à implantação e operação
do AHE Belo Monte, que podem vir a impactar as Terras Indígenas Cachoeira Seca,
Arara, Kararaô, Koatinemo, Araweté e Apyterewa.
7.6.1 IMPACTOS PARA O TRANSPORTE E ACESSIBILIDADE ÀS TERRAS INDÍGENAS ESTUDADAS
Como resultado do barramento do rio Xingu no sítio Pimental, será formado um
reservatório que se estenderá desde o eixo da barragem até a cachoeira Furo da Boa
Esperança, chamado reservatório do Xingu. Dessa forma, são esperados impactos diretos
do barramento nesse trecho. As figuras 4, 5 e 6 demonstram as cotas a partir do Furo da
Boa Esperança até o eixo da barragem, naturais e com a presença do reservatório para a
vazão mínima média anual, média de longo termo e cheia anual. Os dados para
elaboração da figura foram extraídos do capítulo 6 do EIA – Áreas de Influência.
218
Figura 4 – Variação das cotas para uma vazão de 1017 m3/s.
Figura 5 – Variação das cotas para uma vazão de 7745 m3/s.
0 12551 21633 29721 31305 40842 52317 61482 74144 76335 79440
75
80
85
90
95
100
Variação das cotas pela implantação do Reservatório na vazão mínima média anual
natural
com reservatório
Distância (m)
cota
(m
)
0 12551 21633 29721 31305 40842 52317 61482 74144 76335 79440
75
80
85
90
95
100
105
Variação das cotas pela inundação do Reservatório na vazão média de longo termo
natural
com reservatório
distância (m)
cota
(m
)
219
Figura 6 – Variação das cotas para uma vazão de 23.414 m3/s.
Como pode ser observado nas figuras, a diferença de cotas entre a situação natural e a
situação com a presença do reservatório é inversamente proporcional à vazão e é tanto
maior quanto mais próximo do eixo da barragem.
Mesmo quando consideramos a vazão mínima média anual, a diferença de cotas entre a
situação natural e com reservatório na altura da cachoeira Furo da Boa Esperança é de
pouco mais de 1 metro.
Considerando que a cachoeira está na cota 104 m, e que considerando a vazão média de
longo termo já não há influência do reservatório na variação de cotas na altura da
cachoeira, não é esperado que a montante dela haja qualquer variação no nível do rio
devido à presença do reservatório. Além disso, deve-se considerar que, conceitualmente,
quanto maior a vazão, mais o limite do reservatório desloca-se para jusante. Dessa forma,
não são esperadas alterações diretas nos rios associados às Terras Indígenas devido à
formação deste reservatório.
No entanto, apesar de não serem esperadas alterações nos rios diretamente associados
às TIs, ou nos trechos do rio Xingu a elas associados, deve ser considerado o impacto
0 12551 21633 29721 31305 40842 52317 61482 74144 76335 79440
80
85
90
95
100
105
Variação das cotas pela inundação do Reservatório na vazão cheia média anual
natural
com reservatório
Distância (m)
cota
(m
)
220
sobre a acessibilidade às TIs que a presença do reservatório irá causar, e suas
conseqüências para as mesmas.
O rio Xingu apresenta no trecho que vai da foz do rio Iriri até a cidade de Altamira uma
grande quantidade de pedrais, corredeiras, furos e ilhas. Esses obstáculos tornam a
viagem por rio até Altamira significativamente mais longa no período seco(Setembro a
Novembro) em relação aos períodos de maior vazão.
Com o enchimento do reservatório, muitos dos obstáculos naturais presentes no rio irão
desaparecer, permanecendo submersos durante todo o ano, especialmente nos trechos
mais próximos à Altamira e a jusante da cidade, similarmente ao que ocorre em períodos
chuvosos. Assim, pode-se considerar que o transporte fluvial entre as TIs e Altamira
através do rio Xingu seja facilitado pela presença do reservatório, a jusante do Furo da
Boa Esperança.
Para identificar o quão facilitado será esse transporte, cabe levantar alguns dados a
respeito da relação espacial entre as TIs, a cidade de Altamira e o empreendimento como
um todo:
O reservatório terá uma extensão total na cota 97,0 m igual à cerca de 84 km;
A cidade de Altamira está localizada a cerca de 40 km a montante do barramento;
A cachoeira Furo da Boa Esperança dista cerca de 44 km da cidade de Altamira;
A foz do rio Iriri dista cerca de 45 km do Furo da Boa Esperança; e,
A menor distância entre o Furo da Boa Esperança e a Terra Indígena Koatinemo – das TIs
em análise a mais próxima do reservatório – é de cerca de 20 km.
O Desenho do Anexo 10 – Remanso no Reservatório, extraído do volume 19 do EIA da
AHE Belo Monte, indica as ilhas que serão alagadas de acordo com a vazão no rio Xingu
e o limite do reservatório de acordo com a vazão. A partir da análise da figura e dos dados
acima expostos, percebe-se que o transporte por via fluvial será facilitado, especialmente
no período de menores vazões e apenas no reservatório. Não são esperadas alterações a
montante do Furo da Boa Esperança.
221
Tendo em vista que as alterações na navegabilidade estarão restritas ao reservatório, as
TIs que sentirão mais diretamente esse impacto serão aquelas localizadas mais a jusante
na bacia do rio Xingu, quais sejam: Arara, Kararaô e Koatinemo.
Este pode ser considerado um impacto negativo para estes grupos indígenas, quando se
considera que o acesso através da navegação por não índios às TIs será parcialmente
facilitado. É um impacto direto da implantação do empreendimento, irreversível, pois
deverá perdurar enquanto o reservatório existir, e localizado.
Ações Ambientais e Medidas Mitigadoras Propostas
As ações relacionadas à mitigação dos impactos da facilitação do acesso de não índios às
Terras Indígenas por via fluvial estão relacionadas à fiscalização do tráfego de barcos
nessas áreas, especialmente no trecho do rio Xingu onde se localiza a TI Koatinemo e na
foz do rio Iriri.
7.6.2 IMPACTOS SOBRE A ICTIOFAUNA E ATIVIDADES DE SUBSISTÊNCIA
A alteração do trecho do rio Xingu de ambiente lótico para lêntico com a formação do
reservatório, pode trazer algumas conseqüências para a comunidade íctica do trecho do
médio Xingu. Essa mudança no regime do rio irá ocasionar alterações na qualidade da
água, que por sí só podem trazer conseqüências para a ictiofauna.
A perda de habitats-chave pelo alagamento de ilhas, corredeiras e pedrais podem trazer
conseqüências negativas para a comunidade de peixes. No entanto, é importante
ressaltar que muitas das ilhas na parte superior do reservatório continuarão emersas,
mesmo após o fechamento da barragem. Além disso, a perda de habitats-chave é restrita
à área diretamente afetada, de modo que este impacto não é esperado a montante do
reservatório.
Ainda, a interrupção de rotas de migração, pela própria natureza do empreendimento,
poderá trazer alterações nas comunidades icticas.
222
Isaac (2008) levantou para o curso médio-baixo do rio Xingu um total de 357 espécies de
peixes, das quais ao menos 22 foram confirmadas como espécies migradoras. A maior
parte das espécies que ocorrem no médio curso do Xingu ou não são consideradas
espécies migradoras, ou realizam curtas migrações longitudinais.
Nesse sentido, cabe destacar que das espécies com significativa importância para a
pesca comercial na região, apenas o aracu e o curimatã realizam longas migrações
longitudinais.
Dentre os peixes que sabidamente são consumidos pelos Asuriní, apenas o curimatã
apresenta migração reprodutiva. No entanto, esta espécie realiza uma migração curta em
relação a outras espécies que ocorrem em rios da Amazônia, como algumas espécies de
bagre. Com relação a esta espécie, há a preferência da realização da pesca na piracema,
que não é proibida para povos indígenas.
Com relação à ictiofauna, espera-se que as maiores conseqüências do barramento do rio
Xingu se dê do reservatório para jusante. A montante do Furo da Boa Esperança é
possível que haja algum impacto sobre as populações de peixes migradores. Porém,
devido ao pequeno conhecimento sobre a biologia da ictiofauna local, especialmente dos
rios associados às Terras Indígenas, é difícil prever quão impactante será a construção do
AHE Belo Monte sobre as comunidades de peixes.
Tendo em vista a distância entre as TIs em análise e o fim do reservatório, além da
presença de barreiras físicas naturais, espera-se que o impacto sobre a ictiofauna seja
pequeno nessas áreas. Novamente, as terras mais sujeitas a serem observadas
alterações são as TIs localizadas nas proximidades da foz do rio Iriri, TI Arara, TI Kararaô
e TI Koatinemo. Inversamente, quanto mais afastado, menor será a alteração na
disponibilidade de peixes, podendo até mesmo não ser observada qualquer alteração nas
áreas das TIs Cachoeira Seca, Areweté e Apyterewa.
Os impactos indiretos da implantação do empreendimento sobre as atividades de
subsistência dos povos indígenas referem-se ao aumento da pressão sobre os recursos
naturais. Com a chegada de um grande número de trabalhadores para as obras do AHE
223
Belo Monte, haverá uma maior demanda de produtos. Dessa forma, é esperado um
aumento da pressão sobre a pesca e até mesmo sobre produtos florestais, como a
madeira.
A região onde se inserem as Terras Indígenas é composta por um mosaico de áreas
protegidas, onde a pesca, a caça e a extração de madeira é bastante restringida. Os
impactos referentes ao aumento da pressão sobre os recursos naturais, quando incidirem
sobre as TIs, deverão ser principalmente resultado de atividades ilegais.
As TIs em análise hoje já estão cercadas por pressões antrópicas, como pode ser
ilustrado pela figura 3 (focos de desmatamento). Com o aumento do número de pessoas e
a melhoria das infra-estruturas de transporte propostas para a região, a pressão sobre as
terras indígenas poderá ameaçar as atividades de subsistência atualmente desenvolvidas.
Esse é um impacto negativo, indireto e permanente. Considera-se um impacto de grande
importância, devido à dificuldade em se prever com precisão sua magnitude.
Ações Ambientais e Medidas Mitigadoras Propostas
O EIA do AHE Belo Monte já prevê um Projeto de Monitoramento da Ictiofauna. De acordo
com esse Projeto, serão analisados os seguintes aspectos: estrutura, composição
específica, distribuição e abundância da ictiofauna; distribuição de ovos e larvas do
ictioplâncton; estado de exploração e capacidade de suporte dos estoques de importância
comercial para a pesca e, genética, das principais populações de peixes migradores.
Nesse sentido, entre outras atividades, serão realizadas coletas de peixes nos seguintes
ambientes: pedrais com corredeiras; canal do rio; remansos e lagoas marginais; igarapés.
A área de estudo deverá ser subdividida em seis setores: 1) baixo Xingu, 2) Volta Grande,
3) Reservatório dos Canais; 4) Rio Bacajá; 5) Reservatório do Xingu; 6) Setor Iriri. Os
setores 1 e 6 são considerados como “controle” no âmbito desse projeto.
Além disso, o Projeto prevê a realização de duas campanhas (seca e cheia) de coleta
intensiva na área das TIs estudadas.
224
Dessa forma, entende-se que impactos sobre as comunidades de peixes que venham a
incidir nas TIs poderão ser avaliados e, a partir dos resultados do projeto, serem
elaboradas medidas de conservação específicas para as TIs.
Ainda, é importante ressaltar que a prevenção de impactos indiretos relacionados ao
aumento da pressão sobre recursos naturais (caça, pesca e extração de recursos
florestais) está diretamente relacionada à fiscalização das áreas que se quer proteger.
Dessa forma, um Programa de Monitoramento das Fronteiras das TIs poderá mitigar
esses impactos.
7.6.3 POSSÍVEIS INTERFERÊNCIAS NA MATA CILIAR E DINÂMICA DOS
MANANCIAIS
Em conseqüência da implantação do AHE Belo Monte, não são esperados impactos na
mata ciliar ou na dinâmica dos mananciais nas Terras Indígenas em análise. As atividades
relacionadas à instalação e operação da hidrelétrica podem provocar apenas impactos
indiretos relacionados a este aspecto.
É da natureza de um empreendimento deste tipo não impor impactos diretos sobre a
dinâmica superficial dos mananciais localizados à montante do fim do remanso. Dessa
forma, não são esperadas mudanças nas vazões, cotas ou ritmo de cheias nos corpos
d'água associados às Terras Indígenas.
Por outro lado, alterações na mata ciliar destes corpos d'água, especialmente com relação
à supressão de vegetação, podem interferir diretamente nesses mananciais,
especialmente no que se refere à disponibilidade de nutrientes e presença de sedimentos.
Nesse sentido, o aumento da pressão por recursos naturais esperado pelo incremento da
população nos municípios do entorno do empreendimento, especialmente de Altamira,
pode indiretamente levar a alterações na mata ciliar. Tais alterações se realizariam
principalmente pela extração de recursos florestais como o açaí, ou madeireiros como
ipês que crescem na Floresta Ombrófila Aluvial.
225
A pressão sobre os recursos naturais pode agravar os conflitos pela terra na região.
Dessa forma, deverá haver a busca por novas terras para pastagem, inclusive nas
Unidades de Conservação da Terra do Meio, e maior pressão sobre as Terras Indígenas.
Finalmente, deve-se observar que haverá a necessidade de realocação de parte da
população para o enchimento do reservatório. Nesse sentido, e considerando que ainda
não estão definidas as áreas para onde irá essa população, é fundamental que se evite ao
máximo sua realocação para as áreas no entorno do mosaico de áreas protegidas da
Terra do Meio.
A eventual realocação de parte dessa população para essa região exerceria grande
pressão sobre a floresta e sobre as comunidades indígenas, com conseqüências
desastrosas. Nesse caso todo o esforço para a conservação dessas áreas, através da
criação de Unidades de Conservação e manutenção de Terras Indígenas estaria
ameaçado.
Caso ocorram tais realocações, teríamos certamente graves alterações nas matas ciliares
da região, e conseqüentes alterações na qualidade da água não só das TIs, mas de todo
o mosaico de áreas protegidas.
Ações Ambientais e Medidas Mitigadoras Propostas
Tendo em vista que a ocorrência de alterações nas matas ciliares ou na dinâmica dos
mananciais associados às Terras Indígenas é improvável frente às ações diretas do
empreendimento, não foram feitas recomendações específicas visando mitigar este
impacto. No entanto, a partir dos resultados do Programa de Conservação e Manejo de
Habitats Aquáticos, especialmente relacionados ao monitoramento da integridade
ecológica dos habitats, conforme proposto no EIA (Volume 25 – Planos, Programas e
Projetos Ambientais) para a foz do rio Iriri, poderá ser proposto o monitoramento de áreas
mais a montante, com mais um ponto neste rio (nas TIs KAraraô e Arara) e outro no rio
Xingu (na TI Koatinemo próximo a aldeia Asurini).
Ressalta-se que o melhor modo de se prevenir impactos decorrentes da implantação do
AHE sobre as áreas protegidas da Terra do Meio como um todo é a não realocação de
população no entorno dessas áreas.
226
7.6.4 IMPACTOS SOBRE A QUALIDADE DAS ÁGUAS E SAÚDE
7.6.4.1 Na Área de Estudo – Área de Abrangência Regional - AAR
Os recursos hídricos avaliados neste estudo, baseado apenas em fontes secundárias,
atesta que o rio Xingu e o rio Iriri, a montante do reservatório não sofrerão alteraçoes
significativas, pois não terão alterações em suas vazões após o enchimento do
reservatório, permanecendo como ambientes lóticos, além de estarem localizados a
aproximadamente 85 km (Foz do Iriri) do AHE Belo Monte.
Suas características de canais predominantemente em rochas, com planícies fluviais
estreitas e descontínuas, grande quantidade de pedrais, rápidos e cachoeiras, não serão
modificadas pela construção do AHE Belo Monte. Nesta região a ictiofauna continuará a
apresentar alta diversidade.
7.6.4.2 Na Área de Influencia Direta – Região do Reservatório - AID
Deve-se levar em consideração esta área, a jusante da área de estudo, dado sua
importancia sócio-economica, sendo considerado o principal centro comercial da região e
conseqüentemente de saúde publica.
O reservatório do AHE Belo Monte poderá sofrer um processo rápido de eutrofização, pois
a mudança de ambiente lótico para lêntico em conjunto com a alta carga orgânica de
esgoto doméstico e do chorume proveniente da cidade de Altamira, serão dois fatores que
poderão acelerar este processo.
227
A Ictiofauna sofrerá perdas, sendo selecionados os mais resistentes, o desenvolvimento
fitoplâctonico poderá apresentar um potencial tóxico, pois foi constatada a presença de
Cianobactéria. A qualidade da água poderá apresentar alta toxicidade por metais pesados
e conseqüentemente problemas de saúde pública.
Condições alarmantes quanto ao impacto negativo sobre o meio ambiente de toda a
região, tendo como fonte o Lixão de Altamira.
• problema sanitário de grande relevância para o município, em face da insalubridade ali
reinante;
• habitat ideal para a proliferação de vetores como moscas, mosquitos, baratas, roedores,
aves, etc. Dentre os mosquitos os principais gêneros e espécies mais encontrados são
Aedes aegypti e Aedes albopictus, transmissores de dengue e febre amarela e Anopheles,
transmissor da malária.
Doenças causadas por Metais Pesados
O chorume penetra pela terra, no rio, no lençol freático levando substâncias
contaminantes como metais pesados e estes podem causar doenças. Os metais que
apresentam efeito cumulativo são o chumbo, o níquel, o zinco e o mercúrio. A toxicidade
aguda por alumínio pode causar Osteomalacia e Alzheimer.
O cádmio pode desencadear vários processos patológicos no homem, tais como,
disfunção renal, hipertensão, arteriosclerose, inibição no crescimento, doenças crônicas
em idosos e câncer.
O chumbo, quando em exposição crônica, apresenta efeito no sistema nervoso central,
com sintomas como: tontura, irritabilidade, dor de cabeça, perda de memória. Quando o
efeito é no sistema periférico, o sintoma é a deficiência dos músculos extensores.
228
O mercúrio pode causar no homem intoxicação aguda caracterizada por náuseas, vômito,
dores abdominais, diarréia, danos nos ossos e morte. A intoxicação crônica afeta as
glândulas salivares, rins e altera as funções psicológicas e psicomotoras.
Os impactos relacionados ao chorume formado pelo lixão de Altamira e a conseqüente
presença de metais pesados no reservatório do Xingu, poderão afetar principalmente as
comunidades indígenas que habitam as TIs Asurini, Kararaô e Arara, a montante da área
de influência direta, pois utilizam o rio como transporte e têm na cidade de Altamira a
principal área de comércio e atendimento hospitalar (saúde pública).
Ações Ambientais e Medidas Mitigadoras Propostas
Como medida de mitigação, a recuperação do lixão e o tratamento do chorume são ações
primordiais que deverão anteceder ou serem realizadas concomitantemente com o a
instalação da infra estrutura do AHE Belo Monte.
Deve-se estabelecer um Plano de Monitoramento Ambiental para os principais corpos
hídricos das TIs estudadas, e na área de influência direta (AID), além do reservatório
formado pelo AHE Belo Monte, uma vez que o Conselho Nacional do Meio Ambiente -
CONAMA, resolução nº 357/2005, prevê classe 1 para os corpos de água e a proteção
das comunidades aquáticas em Terras Indígenas.
O Plano de Monitoramento Ambiental deverá ser estabelecido por no mínimo 5 anos no
reservatório do AHE Belo Monte, no rio Xingu a montante do reservatório e no rio Iriri.
Para tal avaliação é indicado o (IET) Índice de Estado Trófico para Rios e Reservatório e o
(IVA) Índice de Proteção a Vida Aquática.
Para a avaliação da qualidade da água é indicado a aplicação do Índice de Proteção a
Vida Aquáticas - IVA, pois leva em consideração os parâmetros essências à Proteção da
Vida Aquática , a Eutrofização, a Toxicidade e as Substâncias Tóxicas como alguns
metais pesados, de forma integrada.
229
No que diz respeito à recuperação do Lixão e ao tratamento do esgoto doméstico da
cidade de Altamira, sugere-se o aproveitamento de verbas do Plano de Ação do Governo
na área da AII. Os municípios da AII contemplados são Altamira, Vitória do Xingu, Anapu,
Senador José Porfírio, Porto de Moz, Placas, Uruará, Medicilândia e Brasil Novo.
7.6.5 MATRIZES DE IMPACTO AMBIENTAL
230
AHE Belo MonteDescrição dos Impactos
Meio Físico
Classificação dos Impactos
Fases da obra Água
NATUREZA
Benéfico
Adverso
FORMA
Direto
Indireto
DURAÇÃO
Permanente
Temporário
REVERS.
Reversível
Irreversível
ABRANG.
Bloco das TIs
/Localizado
MAGNITUDE
Alta/Média/
Baixa
Realização dos estudos de
engenharia e meio ambiente
Instalação da infra-estrutura
de apoio
Instalação das obras
principais
Liberação das áreas para os
reservatórios
Facilidade do acesso de não índios às terras indígenas
(TIs)
A
D
P
I
L (TIs Arara ,
Kararaô,
Koatinemo)
M
Enchimento dos
reservatórios
Potencialização da eutrofização com a presença do
Chorume (esgoto e Lixão Altamira) A I P R
B
A
Operação comercial das
unidades geradoras de
energia
Potencialização da eutrofização com a presença do
Chorume (esgoto e Lixão Altamira)
A I P R
B
A
231
AHE Belo Monte
Descrição dos Impactos / Meio
Biótico
Classificação dos Impactos
Fases da obra Fauna Aquática/
atividades de subsistência
NATUREZA
Benéfico Adverso
FORMA Direto
Indireto
DURAÇÃO Permanente Temporário
REVERS. Reversível Irreversível
ABRANGÊNCIA Bloco Das TIs
/Localizado
MAGNITUDE Alta/Média/
Baixa Realização dos estudos de
engenharia e meio ambiente
Instalação da infra-estrutura de
apoio
Instalação das obras principais
Intensificação do fluxo migratório de
não indios para as TIs em busca de
recursos naturais (pesca).
A
I
P
I
B
A
Enchimento do reservatório
Acúmulo de metais pesados na
ictiofauna com a presença do chorume
no reservatório.
A
D
P
I
B
A
Operação comercial das unidades
geradoras de energia
A
D
P
I
B
A
232
7.7 IMPACTOS SOBRE O MEIO ANTRÓPICO E INDICAÇÃO DE PROGRAMAS PARA O MEIO SÓCIO-ECONÔMICO E CULTURAL DOS POVOS INDÍGENAS
7.7.1 Metodologia utilizada para a avaliação de impactos
Os impactos ocasionados pela construção do AHE Belo Monte no meio
antropópico (cultura, economia, ordenamento territorial e saúde), que incidem
nos 5 povos/6 TIs estudados neste Componente Indígena, foram avaliados de
acordo com as etapas e processos do empreendimento.
233
Tabela 28. - Etapas e Processos Considerados para Avaliação de Impactos Ambientais do AHE Belo Monte sobre as Populações Indígenas
Etapa Processo
Planejamento Divulgação do Empreendimento e Realização de serviços de
campo
Mobilização e Contratação de Mão-de-obra; Operação de
canteiros de obras e alojamentos e vilas residenciais;
Aquisição e transporte de insumos e equipamentos por via
terrestre;
Aquisição de imóveis para as obras de infra-estrutura de apoio,
obras principais e para a formação do reservatório
Construção de estradas, vilas residenciais, pátios, canteiros,
acampamentos, alojamentos, postos de combustível, linhas de
transmissão para atendimento às obras e a outras instalações,
dragagem e implantação do porto; Escavação dos canais de
derivação nos igarapés Galhoso e Di Maria, construção dos
diques, Vertedouro do sítio Bela Vista e conformação do
reservatório dos canais; Construção das barragens e estruturas
no Sítio Belo Monte e montagem eletromecânica de turbinas e
geradores
Construção da barragem e estruturas no Sítio Pimental
(ensecadeiras, desvio do rio, Barragem, Vertedouro Principal e
Casa de Força Complementar) e montagem eletromecânica de
turbinas e geradores
Desmatamento e limpeza das áreas dos reservatórios do Xingu
e dos Canais
Construção:
- Infra-estrutura de apoio
- Obras principais
- Liberação das áreas para
reservatórios
Desmobilização da infra-estrutura de apoio e da mão-de-obra
Enchimento Inundação das áreas e desvio das águas para formação dos
reservatórios
Geração e transmissão de energia
Operação Liberação do hidrograma de vazões mínimas para o Trecho de
Vazão Reduzida
234
A classificação de cada impacto foi feita através de indicadores, apresentados
a seguir:
Tabela 29. Referência para classificação dos impactos
Os programas de compensação necessários para minimizar e/ou compensar
os impactos apontados nas Matrizes de Impactos (Cultura, Economia e
Ordenamento Territorial e Saúde), nos Quadros de Rede de Precedência de
Impactos Associados, e nas descrições e classificações dos impactos serão
apenas indicados neste capítulo.
Metodologicamente a etapa de elaboração e detalhamento de projetos (PBA)
deverá ser realizada pelos especialistas conjuntamente com os cinco povos
indígenas estudados neste Componente Indígena, subsidiando ações de
mitigação e compensação de acordo com a realidade sócio-econômica e
Classificação Critério Avaliação do Impacto
NATUREZA Efeitos dos impactos Adversos/negativos
Impacto Direto, decorrente de uma ação do
empreendimento
FORMA Como se manifesta o impacto
Impacto indireto
Permanentes DURAÇÃO Tempo de persistência do impacto
Temporários
Irreversíveis REVERSIBILIDADE Identificar se os impactos poderão ser
evitados, mitigados ou compensados Reversíveis
Bloco das TIs (incide de uma maneira geral em
todas as 6 TIs aqui analisadas)
ABRANGÊNCIA Locais onde os efeitos dos impactos
se fazem sentir
Localizada (incide em TIs específicas)
Alta
Média
MAGNITUDE Refere-se à intensidade de
transformação da situação pré-
existente do fator ambiental
impactado
Baixa
235
cultural dos mesmos, bem como de acordo com as condições ambientais
atuais das seis TIs. A formulação e o detalhamento dos programas devem ser
feitos, portanto, com base em fontes primárias com base em trabalho de campo
7.7.2 Matrizes dos impactos no meio Antrópico
Considerando a metodologia utilizada para descrição e classificação dos
impactos do AHE Belo Monte nas 6 TIs aqui estudadas, em seguida serão
apresentadas as matrizes de impacto do meio antrópico: Cultura (material e
imaterial); Economia e Ordenamento Territorial; Saúde.
Após a apresentação das matrizes, serão apresentados os quadros de rede de
precedência de impactos associados, e descritos os impactos com suas
classificações respectivas e indicações dos programas para mitigação e
compensação dos impactos.
236
AHE Belo Monte
Descrição dos Impactos / Meio Antrópico Classificação dos Impactos
Fases da obra
Cronograma do empreendimento
Economia e Ordenamento territorial
NATUREZA
Benéfico
Adverso
FORMA
Direto
Indireto
DURAÇÃO
Permanente
Temporário
REVERS.
Reversível
Irreversível
ABRANG.
Bloco das TIs
/Localizado
MAGNITUDE
Alta/Média/
Baixa
Realização dos estudos de
engenharia e meio ambiente
Divulgação do empreendimento e
realização de serviços de campo
Produção de expectativas econômicas na população regional ocasionando
pressão fundiária e nos recursos naturais.
A
D
P
I
L
(Tis Koatinemo,
Kararaô e Arara)
M
M
Mobilização e contratação de mão-
de-obra
Maior deslocamento de indígenas para Altamira em busca de alternativas de
renda: serviços de piloteiro, venda ilegal de recursos naturais, venda de
artesanato, dentre outras.
Abandono da vida na aldeia para a busca de alternativas econômicas de
renda.
Intensificação do fluxo migratório de não índios para as TIs em busca de
recursos naturais.
Ocupação desordenada da terra no entorno da TI Koatinemo.
A
A
A
A
D
D
D
I
T
T
P
P
R
R
I
I
B
B
B
L (TI Koatinemo)
M
M
M
Aquisição de imóveis para as obras
de infra-estrutura
Realocação populacional no entorno das terras indígenas ocasionando
intensificação da pressão fundiária sobre as Tis.
A
I
T
R
B
M
Instalação da infra-estrutura de
apoio
Construção de estradas, vilas
residenciais, pátios, canteiros,
alojamentos, postos de
combustíveis, linhas de transmissão
para as obras e outras instalações,
implantação do porto
Operação de canteiros de obras,
alojamentos e vilas residenciais
Intensificação da atividade econômica: maior demanda por produtos
agropecuários, recursos pesqueiros e extravistas que fomentam invasão das
TIs e atividades ilegais.
Dinamização econômica da margem direita da Volta Grande do Xingu, na
área cortada pela estrada Transassuriní ocasionando maior pressão na TI
Koatinemo.
A
A
D
D
P
P
I
I
B
L (TI Koatinemo)
A
M
Construção das obras
principais
Aquisição e transporte de insumos e
equipamentos por via terrestre e
fluvial
Aquisição de imóveis rurais para as
obras principais
Exploração de áreas de
empréstimos, pedreiras e jazidas de
areia
Intensificação do fluxo de pessoas e mercadorias na Transamazônica e
Transassuriní, ocasionando maior pressão nas TIs: invasão e atividades
ilegais.
Realocação populacional no entorno das terras indígenas ocasionando
invasão territorial, exploração dos recursos naturais e conflitos interétnicos.
A
A
D
D
T
P
R
I
L(TIs Arara,
Cachoeira Seca e
Koatinemo)
L(TIArara, Cachoeira
Seca, Koatinemo,
Kararaô, Apyterewa)
A
A
237
Construção da barragem e
estruturas no Sítio Pimental
(ensecadeiras, desvio do rio,
barragem, vertedouro principal e
casa de força complementar) e
montagem de turbinas e geradores
Escavação dos canais de derivação
dos igarapés (galhoso e Di Maria)
construção dos diques, vertedouro
do Sítio Bela Vista e conformação do
reservatório dos canais
Disposição de bota-fora
Construção das barragens e
estruturas no Sítio Belo Monte e
Montagem de turbinas e geradores
Desmobilização da infra-estrutura de
apoio às obras e de mão-de-obra
Interrupção da navegação entre Altamira e o trecho a jusante do barramento,
com conseqüente Intensificação do fluxo de pessoas e mercadorias na área
da Transamazônica e Transassuriní, ocasionando maior pressão nas TIs:
invasão e atividades ilegais .
Dinamização econômica da margem direita da Volta Grande do Xingu, na
área cortada pela estrada Transassuriní ocasionando maior pressão nas TIs:
invasão e atividades ilegais .
Deslocamento de indígenas para Altamira em busca de alternativas de renda:
serviços de piloteiro, venda ilegal de recursos naturais, venda de artesanato,
dentre outras.
Abandono da vida na aldeia em busca de alternativas econômicas de renda.
Desaceleração da atividade econômica e aumento do desemprego, que
mantém a pressão nas TIs: invasão e atividades ilegais.
A
A
A
A
A
D
D
D
D
I
T
T
T
T
T
R
R
R
R
R
L(TIs Arara,
Cachoeira Seca e
Koatinemo)
L (TI Koatinemo)
B
B
L (TI Arara,
Koatinemo, Kararaô
A
A
A
A
M
Aquisição de imóveis rurais e
urbanos para formação dos
reservatórios
Realocação populacional no entorno das terras indígenas ocasionando
invasão territorial, exploração dos recursos naturais e conflitos interétnicos.
A
D
P
I
L (TI Arara, Cachoeira
Seca, Koatinemo,
Kararaô, Apyterewa
A
Desmatamento e limpeza das áreas
dos reservatórios do Xingu e dos
canais
Alteração na economia pesqueira regional e indígena; maior pressão sobre
os recursos naturais a montante do reservatório, nas TIs.
A
D
P
I
B
A
Liberação das áreas para os
reservatórios
Diminuição da atividade agropecuária na margem esquerda da Volta Grande,
com conseqüente intensificação da atividade econômica na Transamazônica
e Transassurini, resultando em maior pressão sobre as Tis.
A
I
P
I
L (TIs Arara,
Cachoeira Seca e
Koatinemo)
A
Inundação das áreas para formação
dos reservatórios
Maior acessibilidade às TIs, ocasionando maior pressão: invasões e
atividades ilegais.
A
I
P
I
L (TI Arara, Kararaô
e Koatinemo)
M
Enchimento dos reservatórios
Operação comercial das unidades
geradoras de energia
Geração e transmissão de energia
Liberação do hidrograma de vazões
mínimas para o trecho de vazão
reduzida(TVR)
Dinamização da atividade econômica, mas com aumento do desemprego
gerado pelo fim da obra, que mantém a pressão nas TIs: invasão e atividades
ilegais.
A
D
P
I
B
A
238
AHE Belo Monte
Meio Antrópico Classificação dos impactos
Fases da obra Cultura (material e imaterial)
NATUREZA
Benéfico
Adverso
FORMA
Direto
Indireto
DURAÇÃO
Permanente
Temporário
REVERSIBILIDADE
Reversível
Irreversível
ABRANGÊNCIA
Regional
Entorno/Localizado
MAGNITUDE
Alta/Média/
Baixa
Sentimento de ameaça associado às concepções cosmológicas
ligadas ao rio Xingu. A D P I
L (TIs Koatinemo e
Arara) A
Criação de expectativas diferentes entre velhos e jovens
provocando conflito de gerações. A D T I B M Realização dos estudos de engenharia e meio ambiente
Rejeição à construção do empreendimento devido a
incredulidade em relação ao projeto hidroelétrico. A D T R B A
Assédio sobre a população da aldeia comprometendo a
integridade física e a estrutura social tradicional.
A
I
T
R
L (Tis Koatinemo,
Kararaô e Arara)
M
Aliciamento de indígenas por parte de regionais para a
exploração ilegal de recursos naturais.
A
I
P
R
L (Tis Koatinemo,
Kararaô e Arara)
M
Insegurança em relação a integridade do território e dos recursos
naturais das Tis.
A
I
P
I
B
M
Potencial aumento de conflitos interétnicos.
A
I
P
I
B
A
Aumento da exposição dos indígenas à prostituição, ao
alcolismoe às drogas e à violência fora da aldeia.
A
D
P
I
B
M
Mudanças no modo de vida das juventudes das TIs ocasionando
conflitos de gerações.
A
I
P
R
B
M
Aumento da demanda e consequênte disputa por fontes de
renda.
A
I
T
R
B
M
Desestímulo às práticas tradicionais de subsistência.
A
I
P
I
B
M
Instalação da infra-estrutura de apoio
Desestruturação das cadeias de transmissão dos conhecimentos
tradicionais.
A
I
P
I
B
M
Construção das obras principais Maximização de todos os impactos descritos nas fases
anteriores.
Liberação das áreas para os reservatórios Sentimento de ameaça associado às concepções cosmológicas
ligadas ao rio Xingu.
A
D
P
I
B
A
Enchimento dos reservatórios Sentimento de ameaça associado às concepções cosmológicas
ligadas ao rio Xingu.
A
D
P
I
B
A
Operação comercial das unidades geradoras de energia
239
AHE Belo Monte
Descrição dos Impactos / Meio Antrópico
Classificação dos Impactos
Fases da obra Saúde
NATUREZA
Benéfico
Adverso
FORMA
Direto
Indireto
DURAÇÃO
Permanente
Temporário
REVERS.
Reversível
Irreversível
ABRANG.
Bloco
TIs/Localizado
MAGNITUDE
Alta/Média/
Baixa
Realização dos estudos de engenharia e meio ambiente
Instalação da infra-estrutura de apoio Aumento das endemias gerado pelo fluxo migratório.
A
I
T
R
B
A
Cosntrução das obras principais
Maximização do impacto descrito acima.
Liberação das áreas para os reservatórios
Potencial disseminação de mosquitos e outras doenças de
mesmo vetor
A
D
P
I
B
A
Enchimento dos reservatórios
Presença de chorume no reservatório: potencialização das
doenças já endêmicas e surgimento de outras provenientes de
ingestão (água e ictiofauna) de metais pesados (chumbo, cádimo
e mercúrio); Problemas provenientes da eutrofização com o
provável domínio de cianobactéria (algas azuis).
Maior acesso de não indígenas as TIs e de indígenas a Altamira
e região ocasionando maior incidência das doenças já presentes
na população indígena e possível ocorrência de novas doenças.
A
A
D
I
P
P
R
R
B
B
A
A
Operação comercial das unidades geradoras de energia
240
7.7.3 Impactos relacionados com a fase da obra: processo de
divulgação do empreendimento e realização de serviços
de campo.
Foram identificados para o processo de Divulgação do empreendimento e
realização de serviços de campo, impactos que geram uma rede de precedência,
ou “cadeia de impactos” :
Geração de expectativas na população Indígena e Regional;
241
Rede de Precedência de Impactos Associados ao Processo de Divulgação do Empreendimento e Realização de Serviços de Campo
- Impactos que incidem na cultura material e imaterial dos cinco povos
estudados.
a)A divulgação do empreendimento, ou melhor, do projeto de engenharia do AHE
Belo Monte, pode trazer inquietação para os grupos indígenas estudados,
principalmente para os Asuriní e Arara. As concepções cosmológicas destes
povos estão relacionadas com o rio Xingu, como, por exemplo, para os Asurini, o
lugar de origem do universo é onde se encontram a água grande (Rio Xingu), a
terra e o céu, morada de Maíra (herói criador) e dos Awaeté (gente de verdade)
ancestrais dos Asuriní. Para este grupo, em todo o rio Xingu e seus afluentes
encontram-
Geração de expectativas na população indígena e da região
Sentimento de ameaça pelas concepções cosmológicas ligadas ao rio Xingu * Tis Arara e Asurini
Inquietação social nos grupos indígenas
Diferentes expectativas frente
ao empreendimento(jovens x
velhos)
Pressão fundiária e nos
recursos naturais.
Aumento da insegurança da população indígena quanto ao espaço de uso da terra e dos recursos naturais
Início da especulação imobiliária da região ocasionando pressão fundiária nas TIs.
Rejeição a construção do empreendimento devido a incredulidade em relação ao projeto hidrelétrico Belo Monte
Potencial acirramento de
conflitos internos em função
das posições frente ao
empreendimento
242
se pedras com “pegadas”, que os Asuriní identificam como as pegadas de Maíra.
A possibilidade de construção do AHE Belo Monte, com conseqüente alteração do
rio Xingu, pode trazer desconforto, aflição, inquietação, alterações de ordem
psicológica, principalmente nos adultos e idosos para os quais o rio Xingu é
referência do saber cosmológico.
Este impacto é adverso, direto, permanente, localizado principalmente nas terras
indígenas Asurini e Arara, de alta magnitude e irreversível, não podendo, portanto
ser mitigado e compensado por nenhum programa.
b) A divulgação do empreendimento poderá criar expectativas distintas entre as
pessoas mais velhas e os jovens. Os mais velhos lutando pela manutenção da
vida tradicional e os jovens em busca das “novidades” oferecidas pelos brancos, o
fascínio exercido pela cidade de Altamira, e o novo cenário armado para
construção do AHE Belo Monte – o canteiro de obras. A contradição entre estas
expectativas pode gerar um conflito entre gerações.
Considerou-se como um impacto adverso, direto, temporário, irreversível, que
atinge todas as TIs e de média magnitude. É um impacto temporário porque tem a
duração da obra, no entanto, como pode trazer transformações para a estrutura
social destas sociedades, julgou-se irreversível.
É possível que com um Programa de Comunicação Social, considerando-se as
especificidades sócio-culturais de cada povo estudado, seja possível minimizar a
natureza adversa deste impacto. Da mesma forma, Programas de Educação
específicos para os cinco povos podem intervir beneficamente no conflito de
gerações.
c)Em todas as aldeias visitadas, durante as reuniões para comunicação do
projeto do AHE Belo Monte, as lideranças mais velhas e algumas mais jovens,
apresentaram incredulidade em relação ao projeto e se manifestaram temerosos
e revoltados contra a inundação de suas terras, mesmo após as explicações
devidas. É um impacto adverso, direto, temporário, reversível, que incide em
todas as TIs, de alta magnitude.
243
Para reverter este tipo de impacto, será necessário desenvolver ações de
comunicação social específicos para as TIs que possibilite uma melhor
compreensão sobre o projeto AHE Belo Monte, para que os Povos Indígenas
possam se posicionar nos procedimentos de realização da Oitiva.
- Impactos que incidem na economia e no ordenamento territorial.
a) Durante o período de realização dos estudos de engenharia e meio ambiente
do empreendimento AHE Belo Monte, e de sua divulgação, está sendo gerada
uma expectativa econômica na população regional. Tal expectativa pode
alavancar um incremento da pressão sobre as TIs e sobre seus recursos naturais.
É um impacto de natureza adversa, direto, permanente, que deverá pressionar
num primeiro momento as TIs mais próximas (Koatinemo, Kararaô e Arara), de
média magnitude. Este impacto pode ser minimizado desde que sejam
elaborados e adotados Programas para Monitoramento das Fronteiras das Terras
Indígenas. É importante grifar que já há casos de invasão nestas áreas indígenas,
narradas no diagnóstico sócio econômico deste estudo.
244
7.7.4 Impactos relacionados com a fase da obra: instalação da
infra-estrutura de apoio à construção.
Foram identificados para a fase “Instalação da infra-estrutura de apoio”, impactos
que geram quatro redes de precedência, ou “cadeias de impactos”, a saber:
▪ Aumento do Fluxo Migratório
▪ Transferência compulsória da população dos imóveis afetados
▪ Dinamização econômica da margem direita da Volta Grande do Xingu, na área
cortada pela estrada Transassuriní
▪ Desaceleração da atividade econômica
245
Rede de Precedência derivada do Impacto Primário “Aumento do fluxo migratório”
Processo: Mobilização e contratação de mão de obra
Aumento do fluxo
migratório
Deslocamento de
indígenas para Altamira
Abandono da vida na aldeia
em busca de possíveis
alternativas econômicas de
renda.
Ameaça a integridade
física e estrutura social
tradicional.
Aumento da pressão
fundiária e nos recursos
naturais das TIs (caça, pesca,
recursos extrativistas
Aumento da incidência de
doenças endêmicas
Aliciamento de indígenas por parte
de regionais para a exploração
ilegal de recursos naturais.
Desestímulo as práticas
tradicionais de subsistência
Aumento da exposição dos
indígenas à prostituição,
alcoolismo, drogas e
violência fora da Aldeia
Aumento das doenças
endêmicas
Aumento de demanda por
assistência à saúde nas TIs
Mudança no modo de vida da
juventude nas TIs
ocasionando conflitos de
Desestruturação das cadeias de
transmissão dos conhecimentos
tradicionais
246
7.7.4.1 Impactos associados ao processo de mobilização e contratação de
mão-de-obra.
- Impactos que incidem na cultura material e imaterial dos cinco povos
estudados.
a) Quando se inicia a contratação de mão-de-obra, que no primeiro ano/obra
parte da média de 6.500 pessoas, abre-se o período onde pode ocorrer assédio
aos habitantes das aldeias das 6 TIs, principalmente nas três áreas mais
próximas do empreendimento (Koatinemo, Kararaô e Arara) por parte tanto da
mão-de-obra contratada, como do fluxo migratório atraído pelo AHE Belo Monte.
O assédio pode trazer problemas relacionados com a integridade física dos índios
e ameaçar sua estrutura sócio-cultural tradicional. Neste caso, o alcoolismo vem
se mostrando como um problema geral em todas as seis TIs, podendo ser
potencializado com a instalação do empreendimento.
Trata-se de um impacto adverso, indireto, temporário, podendo ocorrer nas seis
TIs. Um programa de Comunicação Social, ministrado tanto para os povos
indígenas desta região como para a população do canteiro de obras, poderá
minimizar, ou mesmo impedir este impacto. No entanto, é impossível levar este
Programa para toda a população atraída pelo empreendimento, cabendo,
portanto, a necessidade da instalação de um Programa de Monitoramento das
Fronteiras das TIs.
b)Com o aumento da demanda econômica criada pelo fluxo migratório pode
ocorrer aliciamento dos índios por parte dos regionais para a exploração ilegal
dos recursos naturais das TIs. No diagnóstico ficou registrado que esta prática já
vem ocorrendo, principalmente através dos pescadores de Altamira. É um
impacto adverso, indireto, permanente, que pode atingir principalmente as TIs
Arara, Kararaô e Koatinemo, e de média magnitude. Este impacto poderá ser
reversível caso haja inibição da pesca clandestina e caso seja implantado um
Programa de Monitoramento das Fronteiras das TIs.
247
c) As possíveis invasões de não índios nas TIs irão gerar insegurança nos índios
com relação à integridade de seus territórios, bem como apreensão pela
possibilidade da exploração dos recursos naturais. Trata-se de um impacto
adverso, indireto, permanente, irreversível, incidindo no bloco das Tis e de alta
magnitude. Este impacto pode tornar-se reversível através dos programas de
Comunicação Social e Monitoramento das Fronteiras das áreas indígenas.
d)A pressão e possíveis invasões das terras indígenas podem acarretar conflitos
inter-étnicos. Em visita às aldeias Arara e Parakanã, teve-se notícia de ataque de
índios contra o gado de invasores, e ameaça de expulsarem os invasores com
violência. Em contrapartida, na TI Arara houve manifestação dos índios de que os
invasores os têm ameaçado com armas quando se deslocam para a área
invadida. Com a implantação do AHE Belo Monte, esses conflitos podem ser
intensificados. É um impacto adverso, indireto, permanente, irreversível, que
abrange o bloco das TIs estudadas e de alta magnitude. Pode ser minimizado se
houver programas de regularização fundiária das TIs Cachoeira Seca e
Apyterewa e de Monitoramento das Fronteiras de todas as seis TIs.
e)Os índios das seis TIs freqüentam a cidade de Altamira por diversos motivos:
tratamento de saúde, venda de artesanato, compras no comércio, retirada de
aposentadorias, etc. Nesta etapa do empreendimento deverá aumentar o fluxo de
indígenas para Altamira, aumentando sua exposição à prostituição, alcoolismo,
drogas e violência fora das aldeias. É um impacto adverso, direto, permanente,
irreversível, que incide na população das seis TIs que visita a cidade
freqüentemente. Trata-se de um impacto de média magnitude, dado o despreparo
dos índios com relação aos problemas apontados, além do que o aumento
demográfico na região de Altamira e da Volta Grande do Xingu será
desproporcional com relação ao montante da população indígena.
f)O aumento demográfico na região, criando uma série de demandas já
levantadas acima, deverá impactar os modos de vida da juventude das TIs. Em
248
conseqüência do pouco tempo de contato (em média 30 anos, ou seja, desde a
abertura da Transamazônica), e da baixa qualidade da educação nas TIs, os
jovens não estão sendo preparados para lidar com os diferentes cenários em
transformação da sociedade envolvente, podendo gerar conflito de gerações
dentro das sociedades aqui estudadas.
É um impacto adverso, indireto, permanente, reversível, abrangendo o bloco das
seis TIs e de média magnitude. Este impacto pode ser compensado por
Programas de Educação nas TIs, que busquem interagir com a juventude, dando-
lhe alternativas de reflexão crítica , em contrapartida ao fascínio que os jovens,
com certeza, irão sentir a partir da instalação do canteiro de obras na Volta
Grande do Xingu, bem como da efervescência em Altamira.
g)Com o aumento da demanda em diversos setores da economia regional
(alimentação, serviços, etc.) gerada pela instalação da infra-estrutura de apoio,
integrantes das aldeias das TIs estudadas podem mobilizar-se na busca de novas
fontes de renda. Este impacto que a princípio poderia ser classificado como
benéfico, foi considerado adverso, uma vez que irá contribuir para desestruturar a
organização social tradicional dos cinco grupos indígenas. Além das
conseqüências internas causadas pela busca de fontes de renda, haverá
desdobramentos externos, uma vez que, como já foi dito anteriormente, os índios
que irão buscar trabalho no canteiro de obras e na cidade ficam expostos a toda
sorte de “mazelas” de nossa sociedade. É um impacto adverso, indireto, que
deverá durar enquanto perdurar a construção do AHE Belo Monte, reversível,
podendo abranger todos os cinco povos indígenas e de média magnitude. Este
impacto pode se tornar reversível caso incremente-se Programas de alternativas
de renda e de Educação de qualidades nas seis TIs.
h)Os impactos narrados anteriormente, mais o aquecimento do comércio em
Altamira e na Volta Grande do Xingu, poderão desestimular as práticas
tradicionais de subsistência destes povos indígenas, uma vez que será mais fácil
comprar “a comida dos brancos”. Durante a visita às seis TIs, realizada em março
de 2009, pela equipe responsável pelos estudos do Componente Indígena,
249
observou-se que está em curso um processo acelerado de desestímulo às
práticas de subsistência, principalmente entre os jovens, com conseqüente
repercussão na segurança e qualidade da dieta alimentar. É considerado um
impacto adverso, indireto, permanente, irreversível, incidindo em todas as TIs e
de média magnitude, uma vez que dificilmente é possível realizar um programa de
compensação para um impacto desta natureza.
i)Todos os impactos descritos para esta etapa do empreendimento – instalação
da infra-estrutura de apoio – relativos à cultura material e imaterial dos Asuriní,
Kararaô, Arara, Araweté e Parakanã, podem ocasionar um impacto de alta
magnitude nestas sociedades, com pouco tempo de contato. O conflito de
gerações, a busca de novas fontes de renda, o desestímulo às praticas
tradicionais de subsistência podem desestruturar as cadeias de transmissão dos
conhecimentos tradicionais. Ou seja, em sociedades de cultura oral, uma vez
rompidas as cadeias de transmissão de conhecimentos tradicionais, a reprodução
destas sociedades enquanto tais pode estar ameaçada. Não existem medidas
mitigadoras capazes de impedir um impacto destas proporções, no entanto, um
conjunto de programas, elaborados e discutidos com os grupos que são objetos
deste Componente Indígena, pode tentar reverter esta situação. A educação e o
monitoramento das fronteiras das seis TIs terão papel fundamental nesta
problemática.
- Impactos na economia e no ordenamento territorial regional, incidindo nas
seis TIs.
a) Durante a fase de mobilização e contratação de mão-de-obra, haverá maior
deslocamento dos índios para Altamira em busca de alternativas de renda tais
como: serviços de “piloteiros”, venda ilegal de recursos naturais, venda de
artesanato, dentre outras. É um impacto adverso, direto, temporário, reversível,
que atinge o bloco das TIs e de média magnitude, uma vez que pode trazer
desestruturação da organização social dos cinco povos, onde houver maior êxodo
250
para a região da Volta Grande do Xingu e Altamira. É importante frisar a diferença
numérica entre a população das TIs e o fluxo migratório previsto pelo EIA do AHE
Belo Monte (vide tabela abaixo).
O maior deslocamento dos índios para Altamira em busca de alternativas de
renda ocasiona o desestímulo das atividades de subsistência tradicionais e o
assédio sobre os índios por parte dos não índios em Altamira, que demandam
produtos advindos dos recursos naturais das TIs assim como a mão-de-obra
indígena.
Altamira/TIs
Demografia comparativa
População atual da cidade de Altamira
68.565 – mil habitantes 1
Fluxo migratório previsto- Município de Altamira com o AHE Belo Monte
96.000 – mil migrantes 2
População atual das 6 TIS estudadas
144 habitantes - TI Koatinemo
236 habitantes- TI Arara
81 habitantes- TI Cachoeira Seca
38 habitantes- TI Kararaô
398 habitantes-TI Araweté / Igarapé Ipixuna
411 habitantes- TI Apyterewa
1.308 habitantes- Total 6 TIs 3
1 – Fonte: IBGE – Contagem População, 2007 2 – Fonte: EIA AHE Belo Monte- Vol. 23, Avaliação de Impactos, Pg. 105-Quadro 10.4.2-1, 2008
3 – Fonte: DSEI/FUNASA Altamira, 2009. b)Esta etapa do empreendimento pode ocasionar não apenas o deslocamento
para a cidade, mas também o abandono da vida em aldeia, na busca de
alternativas de renda próximas ao canteiro de obras, principalmente por parte da
juventude indígena. É um impacto adverso, direto, temporário, reversível,
251
incidindo no bloco das TIs, de média magnitude. Nesse caso, esse impacto pode
ser minimizado com Programas de Geração de Renda.
c) Neste período do empreendimento, pode haver intensificação da invasão das
TIs por não índios, em busca de recursos naturais, como são exemplos a
castanha, os recursos madeireiros e o peixe. Com menor freqüência entre os
Araweté, todos os povos indígenas visitados convivem com essa realidade. É um
impacto adverso, direto, permanente, irreversível, abrangendo as seis TIs, de
média magnitude. Pode ser minimizado caso haja fiscalização através de um
Programa de Monitoramento das Fronteiras das seis áreas indígenas.
d) O aumento do fluxo migratório a partir do início da contratação de mão-de-obra
pode acarretar uma ocupação desordenada da terra, principalmente na região da
Transassurini, ocasionando pressão de largo espectro sobre a TI Koatinemo. É
um impacto adverso, indireto, permanente, irreversível, localizado, de média
magnitude. Este impacto será reversível caso seja implantado Programa de
Monitoramento das Fronteiras na área.
7.7.4.2 Impactos associados ao processo de aquisição de imóveis para as
obras de infra-estrutura.
Rede de Precedência de Impactos associados a “Transferência compulsória da população
dos imóveis afetados”
Transferência compulsória da população
Deslocamento desordenado da população para áreas rurais próximas as TIs Arara , Cachoeira Seca, Kararaô e Apyterewa.
Aumento da pressão fundiária e sobre os recursos naturais (caça, pesca, recursos extrativistas vegetais)
Especulação imobiliária na área rural
Insegurança em relação a integridade do território e dos recursos naturais das TIs
252
- Impactos na economia e no ordenamento territorial regional, incidindo nas
seis TIs.
a) Nesta etapa do empreendimento, a realocação populacional pode intensificar a
pressão fundiária sobre as TIs. Caso não ocorra planejamento de possibilidades
regionais de realocação populacional em áreas distantes do bloco das seis TIs,
pode haver ocupação desordenada no entorno das mesmas, ocasionando
invasões territoriais (como já vem ocorrendo nas TIs Apyterewa, Arara e
Cachoeira Seca), exploração clandestina dos recursos naturais e,
conseqüentemente, conflitos inter-étnicos. Trata-se de um impacto adverso,
indireto, temporário, reversível, abrangendo as seis TIs, de média magnitude,
dependendo de um plano de ordenamento territorial e da implantação de
Programas de Monitoramento das Fronteiras destas TIs, capazes de sustar
possíveis invasões.
253
7.7.4.3 Impactos associados ao processo de construção de estradas, vilas
residenciais, pátios, canteiros, alojamentos, postos de combustíveis, linhas de
transmissão para as obras e outras instalações, implantação do porto.
Rede de Precedência de Impactos Derivados do Impacto Primário “Dinamização econômica da
margem direita da Volta Grande do Xingu, na área cortada pela estrada Transassuriní”
Dinamização econômica da margem direita da Volta Grande do Xingu, na área cortada pela estrada Transassuriní:
Aumento do fluxo de pessoas e mercadorias na Transassurini. Maior pressão na TI Koatinemo
Aumento da exposição dos
indígenas a prostituição,
alcoolismo, drogas e violência fora
da aldeia.
Aumento de atividades ilegais e
conseqüente pressão dos
recursos naturais (caça, pesca,
Ameaça a integridade física
e estrutura social tradicional.
Aumento da incidência de
doenças endêmicas
254
- Impactos na economia e no ordenamento territorial regional, incidindo nas
seis TIs.
Nesta etapa do empreendimento haverá intensificação das atividades econômicas
em Altamira, na Volta Grande do Xingu e na área de interferência regional gerando
um aumento na demanda por produtos agropecuários, recursos pesqueiros e
extrativistas que podem fomentar as invasões nas terras indígenas, bem como as
atividades ilegais. É um impacto adverso, direto, permanente, irreversível, podendo
incidir nas seis TIs, e de alta magnitude.
Com a evolução da montagem de toda a infra-estrutura necessária para o início das
obras propriamente ditas do AHE Belo Monte, haverá aumento sensível da
contratação de mão-de-obra e maior afluxo migratório para a região do entorno das
obras. Os impactos na economia e no ordenamento territorial descritos
anteriormente serão maximizados, devido principalmente ao impacto primário de
fluxo migratório e de seus impactos associados. Desta forma, os programas
previstos pelo EIA do AHE Belo Monte, que tratam especificamente da normatização
deste novo cenário, já deverão ter sido implantados e estar em curso. Da mesma
forma, os programas já indicados por este Componente Indígena, também devem
estar implantados ou em andamento, para de fato minimizarem a forte pressão
sócio-econômica e fundiária que o empreendimento deve ocasionar no entorno das
seis TIs. Nesse caso, é imprescindível a articulação institucional para apoio à
regularização fundiária das TIs Cachoeira Seca e Apyterewa, assim como a
implantação do Programa de Monitoramento das Fronteiras.
255
7.7.4.4. Impactos associados ao processo de operação de canteiros de obra,
alojamentos e vilas residenciais.
- Impactos na economia e no ordenamento territorial regional, incidindo nas
seis TIs.
Neste período prevê-se uma dinamização econômica da margem direita da Volta
Grande do Xingu, na área cortada pela Transasurini, com aumento do fluxo de
pessoas e mercadorias. Esta realidade ocasiona maior demanda por produtos
agropecuários, recursos pesqueiros, extrativistas, que fomenta maior pressão
principalmente sobre a TI Koatinemo, aumentando as possibilidades de invasão
territorial e atividades ilegais. Trata-se de um impacto adverso, direto, permanente,
irreversível, localizado e de média magnitude.
- Impactos que incidem sobre a saúde pública.
No período de instalação da infra-estrutura de apoio haverá um aumento das
endemias, ocasionado pelo incremento do fluxo migratório regional. Essa situação
pode ser agravada pelo aumento da demanda por atendimento de saúde em região
que apresenta precariedade nesse setor e más condições sanitárias. Com o
aumento do fluxo de índios para Altamira, também previsto com a implantação do
empreendimento, esse problema impactará todas as seis TIs. Trata-se, portanto, de
um impacto adverso, indireto, temporário, reversível, incidindo no bloco das seis TIs
estudadas e de alta magnitude. Este impacto pode ser reversível desde que sejam
implantados os programas de Saúde Pública previstos pelo EIA do AHE Belo Monte,
que tratam de públicos diferentes, todos sujeitos à problemática levantada:
população de Altamira, mão-de-obra contratada e moradores da Volta Grande do
Xingu. Além destes programas, a região deverá ser contemplada com expansão da
rede pública de atenção à saúde. Além dos programas propostos no EIA na área de
saúde pública, será necessária articulação institucional para elaborar e desenvolver
um programa de saúde específico para a realidade das seis TIs, de acordo tanto
com o diagnóstico apresentado neste Componente Indígena, como a partir de uma
256
análise mais profunda da situação de atenção à saúde nas TIs, a partir de pesquisa
de campo.
7.7.5 Impactos associados à fase de construção das obras principais
- Impactos que incidem na cultura material e imaterial dos cinco povos
estudados.
a) Na etapa da construção do AHE Belo Monte, todos os impactos levantados nas
fases “Realização de estudos de engenharia e meio ambiente” e “Instalação da infra-
estrutura de apoio” que incidem na cultura material e imaterial dos cinco povos
estudados serão maximizados, devido principalmente ao “pico” de contratação de
mão-de-obra, ao aumento do fluxo migratório que acompanha este tipo de
empreendimento, com todos os desdobramentos na economia, no ordenamento
territorial, na saúde pública e no meio ambiente. Os impactos são em síntese:
sentimento de ameaça associado às concepções cosmológicas relacionadas com o
rio Xingu; conflitos devido à rejeição ao empreendimento; conflitos de gerações nas
sociedades estudadas; ameaça da integridade física dos índios; exploração dos
recursos naturais das TIs; ameaça de invasão territorial; possibilidade de conflitos
inter-étnicos; desestímulo às praticas de subsistência tradicionais; desestruturação
das cadeias de transmissão de conhecimento tradicional; aumento da exposição dos
índios à prostituição, alcoolismo, drogas e violência dentro e fora das TIs.
Todos estes impactos são de alta magnitude e precisarão de programas voltados
para as especificidades culturais distintas dos cinco grupos estudados neste
Componente Indígena, passando por discussões com os próprios índios.
257
- Impactos na economia e no ordenamento territorial regional, incidindo nas
seis TIs.
a) Nesta etapa do empreendimento intensificar-se-á o fluxo de pessoas e
mercadorias na Transamazônica e Transassurini, ocasionando maior pressão nas
seis TIs, como a possibilidade de invasão territorial e atividades ilegais. É um
impacto adverso, direto, temporário, reversível, localizado nas TIs Koatinemo, Arara
e Cachoeira Seca, de alta magnitude. Pode ser revertido caso já tenha sido
implantado nas TIs Programas de Monitoramento de Fronteiras.
Neste período deverá ocorrer nova realocação populacional no entorno das terras
indígenas, podendo ocasionar invasão territorial, exploração dos recursos naturais e
conflitos inter-étnicos. É um impacto adverso, direto, permanente, irreversível
incidindo sobre as TIs Arara, Cachoeira Seca, Koatinemo, Kararaô e Apyterewa, e
de alta magnitude. Este impacto pode ser mitigado caso haja Programas de
Monitoramento das Fronteiras das TIs, e uma política de reassentamento
populacional preocupada com a fragilidade das terras indígenas, que já apresentam
casos de invasão.
Foram identificados na fase de construção das obras principais, impactos que geram
três redes de precedência, ou “cadeias de impactos”, a saber:
▪ Intensificação do tráfego nas vias existentes (destaque para a Transamazônica e
Transassurini).
▪ Dificuldade da navegação na região da obras principais na Barragem Pimental.
▪ Desaceleração da atividade econômica
258
Rede de precedência de impactos associados à intensificação do tráfego nas vias existentes
Intensificação do tráfego nas vias existentes (destaque para a Transamazônica e Transasurini)
Aumento de pressões sobre as TIs Arara, Cachoeira Seca e Koatinemo
Invasão territorial e exploração ilegal de recursos naturais das TIs .
Assédio sobre a população indígena comprometendo a integridade física e a estrutura social tradicional.
Aumento de conflitos
interetnicos
Aliciamento de indígenas
por parte dos regionais para
exploração ilegal de
recursos naturais.
259
7.7.5.1 Impactos associados ao processo de desmobilização da infra-estrutura de apoio às obras e de mão-de-obra.
Rede de Precedência de Impactos Derivada do Impacto “Desaceleração da atividade
econômica”
- Impactos na economia e no ordenamento territorial regional, incidindo nas
seis TIs.
Nesta etapa, após a instalação do “cenário” necessário ao início das obras do AHE
Belo Monte, haverá uma desaceleração da atividade econômica, ocasionando
desemprego, o que, por sua vez, poderá gerar pressão sobre as TIs. Trata-se de um
impacto adverso, indireto, temporário, reversível, localizado (TIs Arara, Koatinemo e
Kararaô) e de média magnitude.
Desaceleração da
atividade
econômica
Aumento do desemprego,
que mantém a pressão nas
TIs: invasão e atividades
ilegais.
Aumento de atividades ilegais e
conseqüente pressão dos
recursos naturais (caça, pesca,
260
Rede de Precedência de Impactos Derivada do Impacto “Dificuldade da Navegação na região das obras principais”
Dificuldade da navegação na região das obras principais – Barragem Pimental.
Intensificação do tráfego nas vias existentes (destaque para a Transamazônica e Transasurini)
Invasão territorial e exploração de recursos naturais das TIs Arara, Cacheira Seca e Koatinemo
Dinamização econômica da margem direita da Volta Grande do Xingu, na área cortada pela estrada Transassuriní
Maior demanda por produtos
agropecuários, recursos
pesqueiros e extravistas que
fomentam maior pressão nas
TIs: invasão e atividades
ilegais . TIs Arara, Cachoeira
Seca e Koatinemo
261
- Impactos na economia e no ordenamento territorial regional, incidindo nas
seis TIs.
Na fase de construção das obras principais, na qual o fluxo migratório será
intensificado bem como haverá um incremento do número de operários passando
para 18 mil no “pico” da obra, a atividade econômica regional será dinamizada em
proporções não mensuráveis, assim como não é possível prever o que acontecerá
com Altamira.
Em conseqüência haverá um grande fluxo de pessoas e mercadorias nos municípios
do entorno das TIs, principalmente naqueles cortados pela Transamazônica. Neste
caso o aquecimento da economia regional terá reflexo nos assentamentos do INCRA
e nas estradas endógenas situadas no entorno ou no interior das TIs, como são os
casos da Transiriri (que atravessa a TI Cachoeira Seca) e da Transassuriní, situada
ao norte da TI Koatinemo.
Ainda nesta etapa de construção das obras principais, com a redução da vazão do
rio Xingu na parte a jusante do empreendimento, e conseqüente dificuldade da
navegação neste trecho do Rio, haverá uma intensificação do fluxo migratório e das
atividades econômicas na Transamazônica e a Transassuriní, que serão muito mais
utilizadas para este fim.
Nesta fase, com a intensificação das relações inter-étnicas e com a demanda
econômica super aquecida pela construção do AHE Belo Monte, existe a
possibilidade de parte da população das TIs, principalmente a juventude, abandonar
as aldeias em busca de empregos diretos e indiretos, gerados pelo empreendimento.
Todos estes impactos já estavam presentes nas fases anteriores da obra, e nesta
etapa podem alcançar seu grau máximo. São impactos adversos, diretos,
temporários, reversíveis e localizados principalmente nas TIs Arara, Cachoeira Seca
e Koatinemo.
262
Esta cadeia de impactos pode gerar conseqüências consideradas altamente
negativas para as sociedades tradicionais aqui estudadas, que seriam o abandono
da vida tradicional
na aldeia, a princípio em busca de alternativas de renda, que, se mal sucedidas,
podem trazer miséria, prostituição, alcoolismo e violência. Existe a possibilidade
destes indivíduos não se readaptarem à vida na aldeia e nem se integrarem à nova
realidade econômica regional.
Tais impactos podem ser minimizados caso sejam implantados programas de
Comunicação Social, Educação, Monitoramento das Fronteiras e Geração de
Renda.
- Impactos que incidem sobre a saúde pública
Nesta etapa do empreendimento, os impactos sobre a saúde pública descritos para
a etapa anterior serão maximizados. Caso não tenham sido implantados os
programas de saúde pública, pode haver um incremento da incidência de doenças
endêmicas, venéreas e de epidemias por falta de estrutura sanitária capaz de
suportar a explosão demográfica esperada. É um impacto adverso, indireto,
temporário, reversível, incidindo sobre as seis TIs, e de alta magnitude.
263
7.7.6 Impactos associados à fase de Liberação das áreas para os reservatórios.
Foram identificados, para a Fase de Liberação de área para reservatórios, impactos
que geram duas redes de precedência, ou “cadeias de impactos”, a saber:
▪ Realocação da população da Volta Grande
▪ Desmatamento das áreas dos reservatórios do Xingu e dos canais
264
Rede de Precedência de Impactos Derivada do Impactos “Realocação da população da Volta
Grande”
Realocação de pessoas da Volta Grande
Intensificação da pressão
fundiária sobre as TIs
Aumento da pressão sobre
ambientes e recursos
naturais (caça, pesca,
recursos extrativistas
vegetais) nas TIs Arara,
Cachoeira Seca, Koatinemo,
Kararaô, Apyterewa
Conflitos interétnicos no
entorno das TIs Arara,
Cachoeira Seca, Koatinemo,
Kararaô, Apyterewa
Aumento das doenças
endêmicas com a
aproximação da pop.
Indígena com os não
indígenas.
265
7.7.6.1 Impactos associados ao processo de Aquisição de imóveis rurais e
urbanos para formação dos reservatórios.
- Impactos que incidem na cultura material e imaterial dos cinco povos
estudados.
Na etapa da construção do AHE Belo Monte, todos os impactos levantados nas
fases anteriores que incidem na cultura material e imaterial dos cinco povos
estudados podem ser mantidos. Em síntese, os impactos são os seguintes:
sentimento de ameaça pelas concepções cosmológicas relacionadas com o rio
Xingu; conflitos devido à rejeição ao empreendimento; conflitos de gerações nas
sociedades estudadas; ameaça à integridade física dos índios; exploração dos
recursos naturais das TIs; ameaça de invasão territorial; possibilidade de conflitos
inter-étnicos; desestímulo às praticas tradicionais de subsistência; desestruturação
das cadeias de transmissão de conhecimento tradicional; aumento da exposição dos
índios à prostituição, alcoolismo, drogas e violência dentro e fora das TIs.
É possível que no período de desmatamento da região do futuro reservatório, os
índios para os quais o rio Xingu possui significado cosmológico e esperam pelo
“dilúvio” desde as primeiras notícias de aproveitamento hidrelétrico do rio, poderão
sofrer muita inquietação, medo e revolta. No caso dos mais idosos, não há qualquer
medida mitigadora ou programa de compensação capaz de minimizar este impacto.
- Impactos na economia e no ordenamento territorial regional, incidindo nas
seis TIs.
Nesta etapa se repete a pressão fundiária sobre as TIs. A realocação populacional
no entorno das terras indígenas poderá ocasionar uma intensificação da invasão
territorial, da exploração dos recursos naturais e de conseqüentes conflitos inter-
étnicos. Trata-se de impactos adversos, de alta magnitude, que podem ser
minimizados caso tenham sido implantados os Programas de Monitoramento das
Fronteiras das TIs, e já esteja em curso o reassentamento populacional distante do
entorno das seis TIs.
266
Rede de Precedência de Impactos Derivada do Impactos “Desmatamento e limpeza dos
reservatórios”
Potencial disseminação de
mosquitos e outras doenças de
mesmo vetor
Sentimento de ameaça
associado as concepções
cosmológicas ligadas ao Rio
Xingu.
Desmatamento e limpeza das
áreas dos reservatórios do
Xingu e dos canais
267
7.7.6.2 Impactos associados ao processo de desmatamento e limpeza das
áreas dos reservatórios do Xingu e dos canais
- Impactos que incidem sobre a saúde pública
Nesta etapa haverá potencial disseminação de mosquitos e outras doenças de
mesmo vetor. O desmatamento das áreas para liberação do reservatório, áreas
estas de circulação e acesso constante da população das TIs aqui analisadas, se
configura como um impacto adverso, direto, permanente, irreversível e de alta
magnitude. Esse impacto pode ser minimizado desde que sejam tomadas medidas
de controle epidemiológico.
Impactos que incidem na cultura material e imaterial dos cinco povos
estudados.
É possível que no período de desmatamento e limpeza das áreas do reservatório do
Xingu, os índios para os quais este rio possui significado cosmológico e que
esperam pelo “dilúvio” desde as primeiras notícias de aproveitamento hidrelétrico do
rio, poderão sofrer inquietação, medo e revolta. Não existem ações mitigadoras e
programas de compensação capazes de interferir positivamente nesse impacto.
268
7.7.7 Impactos associados à fase de Enchimento dos reservatórios
Foram identificados para a fase de liberação de área para reservatórios, impactos que
geram duas redes de precedência, ou “cadeias de impactos”, a saber:
▪ Inundação da área dos reservatórios
▪ Presença de chorume (esgoto e lixão não tratado) de Altamira
Rede de precedência de impactos derivado da “inundação dos reservatório”
Impactos que incidem na cultura material e imaterial dos cinco povos estudados.
É possível que no período de enchimento e formação do reservatório, os índios para os
quais o rio Xingu possui significado cosmológico e que esperam pelo “dilúvio” desde as
primeiras notícias de aproveitamento hidrelétrico do rio, aumente o sentimento de
inquietação, medo e revolta. Não existem ações mitigadoras e programas de
compensação capazes de interferir positivamente nesse impacto.
Inundação da área dos reservatórios
Facilitação do acesso de não indios às TIs .
Aumento de pressões sobre as TIs: invasão fundiária e acesso ilegal aos recursos naturais (pesca)
Mag.A
Diminuição da atividade
agropecuária na margem esquerda
da Volta Grande.
Sentimento de ameaça ligado as
concepções cosmológicas ligadas
ao Rio Xingu
intensificação da atividade
econômica na Transamazônica e
Transassurini,
269
- Impactos na economia e no ordenamento territorial regional, incidindo nas seis
TIs.
a) Com o enchimento do reservatório dos canais, haverá uma diminuição da atividade
agropecuária na margem esquerda da Volta Grande do Xingu, e conseqüente
intensificação da atividade econômica na Transamazônica e Transassurini, resultando em
maior pressão nas TIs. Para minimizar este impacto, é necessário que já tenham sido
implantados os Programas de Monitoramente das Fronteiras das seis TIs, bem como da
regularização fundiária da TI Cachoeira Seca. O impacto é adverso, indireto, permanente,
irreversível, localizado nas TIs Koatinemo, Arara e Cachoeira Seca, e de alta magnitude.
b) Quando estiver formado o reservatório do Xingu, haverá maior acessibilidade às TIs
Koatinemo, Kararaô e Arara, principalmente no período da seca. É um impacto adverso,
indireto, permanente, irreversível, localizado nas TIs Arara, Kararaô e Koatinemo, e de
média magnitude.
Rede de Precedência de Impactos Derivada do Impactos “Presença do chorume”
-
Presença de chorume do lixão de Altamira no reservatório do Xingu
Potencialização da eutrofização no reservatório
Potencialização das doenças já
endêmicas e Problemas
provenientes da eutrofização
com o provável domínio de
cianobactéria (algas azuis).
Acúmulo de metais pesados na
ictiofauna.
surgimento de outras doenças provenientes de ingestão (água e ictiofauna) de metais pesados (chumbo, cádimo e mercúrio);
270
Impactos que incidem sobre a saúde pública
a)Com o enchimento do reservatório poderá ser constatada presença de chorume na
água desde que o atual lixão de Altamira não receba tratamento adequado. Tal chorume
poderá potencializar as doenças já endêmicas e ocasionar o surgimento de outras
doenças provenientes de ingestão de metais pesados (chumbo, cádimo e mercúrio) por
meio da água e ictiofauna. Também poderá ocasionar doenças provenientes da
eutrofização, com o provável domínio de cianobactéria (algas azuis). É um impacto
adverso, direto, permanente, reversível, incidente sobre as populações estudadas , de alta
magnitude pela freqüência com que os indígenas visitam a cidade. Poderá ser mitigado
por um conjunto de programas voltados para saúde pública elaborados no âmbito do EIA
do AHE Belo Monte e os programas de requalificação urbana de Altamira.
b) A facilidade de acesso com a formação do reservatório, atraindo um número maior de
não indígenas para as TIs Koatinemo, Kararaô e Arara, poderá aumentar a incidência das
doenças já presentes na população indígena e possível ocorrência de novas doenças.
Trata-se de um impacto adverso, indireto, permanente, reversível, incidindo no bloco das
TIs, mas principalmente nas três TIs mais próximas do reservatório, e de alta magnitude.
Os programas de compensação indicados são os específicos na área de saúde, educação
e Monitoramento das Fronteiras das TIs.
7.7.8 Impactos associados à fase de Operação comercial da unidade geradora de
energia e ao processo de Liberação do trecho de Vazão Reduzida (LVR)
- Impactos sobre o meio antrópico
Neste período, poderá haver uma dinamização da atividade econômica (início do
pagamento dos royalties). No entanto, haverá aumento do desemprego gerado pelo fim da
obra. Estes dois fatores (dinamização econômica e desemprego) podem manter a pressão
nas seis TIs, possíveis invasões e atividades ilegais. Caso os programas indicados não
estejam implantados, todos os impactos descritos nas etapas anteriores para o meio
antrópico poderão ser maximizados/aprofundados.
271
7.8 CONCLUSÃO
Nos Estudos Socioambientais do Componente Indígena referente aos povos Arara,
Kararaô, Asurini, Araweté e Parakanã das TIs respectivas Arara, Cachoeira Seca,
Kararaô, Koatinemo, Araweté/Igarapé Ipixuna e Apyterewa, ficou comprovado que devido
à magnitude dos impactos sócio-econômicos, culturais e ambientais, será necessário
realizar trabalho de campo nas seis TIs, tanto para fornecer um melhor esclarecimento do
projeto de engenharia do AHE Belo Monte para estes povos, como para buscar
informações atualizadas e garantir sua participação na elaboração dos Projetos básicos
ambientais específicos para o Componente Indígena.
É importante lembrar que a visita às seis TIs, realizada por membros da equipe deste
Componente Indígena - Regina Pólo Müller, Fabio Nogueira Ribeiro e Alice Villela Pinto,
conjuntamente com a FUNAI e a Eletronorte, para apresentação do projeto de engenharia
do AHE Belo Monte, ocorreu na etapa de conclusão destes estudos, impossibilitando que
se contasse com um prazo adequado para as devidas explicações sobre o
empreendimento e seus possíveis impactos para as populações indígenas. A equipe
concluiu que estas populações ainda estão sintonizadas com o projeto antigo do
empreendimento hidrelétrico e continuam acreditando que suas terras serão inundadas.
Outra questão a ser ressaltada, é que a participação dos indígenas está prevista na
elaboração dos PBAs, de acordo com a metodologia estabelecida pelas normativas da
FUNAI.
No entanto, mesmo antes da realização dos estudos com fontes primárias, a equipe
responsável por este Componente Indígena concluiu que ações de articulação
institucional para mitigar e/ou compensar os efeitos dos impactos são recomendados, com
relação a:
- Regularização fundiária da TI Cachoeira Seca;
- Desintrusão da TI Apyterewa;
- Programa de Monitoramento das Fronteiras das seis TIs;
272
- Programas de Educação Indígena diferenciada para os povos indígenas;
- Programa de atenção à Saúde Indígena;
- Programa de Geração de Renda.
Julga-se que estas medidas e programas devem ser implementados durante a fase de
Instalação da infra-estrutura de apoio, para que na fase posterior - Instalação das obras
principais, quando o conjunto de obras do AHE Belo Monte será construído e o fluxo
migratório será maximizado - os impactos de alta magnitude para as seis TIs não
assumam maiores proporções.
Recomenda-se que os Planos, Programas e Projetos propostos nos demais
Componentes Indígenas da Peça Antropológica sejam considerados para os cinco povos
indígenas aqui estudados, de modo a se garantir ações integradas na área de educação e
saúde, uma vez que tratam-se de sistemas de assistência comuns a estes povos.
Foram analisados os Planos, Programas e Projetos propostos no EIA do AHE Belo Monte,
Vol.33, sendo selecionados aqueles que contemplam medidas mitigatórias e/ou de
compensação que podem ter reflexos positivos sobre o meio físico-biótico e sócio-
econômico e cultural das terras e povos indígenas aqui estudados. Os Planos, Programas
e Projetos selecionados foram:
273
1. Plano de Gestão Ambiental (pág. 15)
2. Plano de Gestão dos Recursos Hídricos (pág 77)
2.1 Programa de monitoramento limnológico e de qualidade da água (pág. 101)
2.1.1 Projeto de monitoramento da qualidade da água (pág 102)
2.1.2 Programa de monitoramento do microclima local (pág 112)
3. Plano de conservação dos ecossistemas terrestres (pág 115)
3.1 Programa de compensação ambiental (pág 154)
3.1.1 Projeto de Criação de Unidades de Conservação (pág 155)
3.1.2 Projeto de Apoio às ações de implantação e manejo de Unidade de
Conservação já existente (pág 160).
4. Plano de Conservação dos Ecossistemas aquáticos (pág. 169)
4.1 Programa de Conservação e manejo de hábitats aquáticos (pág. 169)
4.2 Programa de Conservação da Ictiofauna (pág. 171)
4.2.1. Projeto de Aqüicultura de Peixes Ornamentais (pág 172)
4.2.2. Projeto de Monitoramento da Ictiofauna (pág 175)
4.2.3. Projeto de Incentivo à Pesca Sustentável (pág 179)
5. Plano de atendimento à população atingida (pág 197)
5.1. Programa de Negociação e Aquisição de Terras e Benfeitorias na Área Rural (pág 213)
5.1.1. Projeto de Regularização Fundiária Rural (pág 218)
5.1.2. Projeto de Reassentamento Rural (pág 224)
5.2. Programa de Recomposição das Atividades Produtivas Rurais (pág 234)
5.2.1 Projeto de Reestruturação do Extrativismo Vegetal (pág 250)
5.3. Programa de Recomposição/Adequação dos Serviços e Equipamentos Sociais (pág 299)
5.3.1. Projeto de Recomposição/Adequação da Infra-estrutura e Serviços de Educação (pág 300)
274
5.3.2. Projeto de Recomposição/Adequação dos Equipamentos e Serviços de Saúde (pág 301)
6. Plano de Requalificação Urbana (pág. 304)
7. Plano de Articulação institucional (pág. 348)
7.1 Programa de Articulação e Interação Institucional (pág 355)
7.2 Programa de Fortalecimento da Administração Pública (pág 363)
8. Plano de Relacionamento com a População (pág. 369)
8.1 Programa de Orientação e monitoramento da população migrante (pág 372)
8.2 Programa de interação social e comunicação (pág 374)
8.3 Programa de educação ambiental (pág 377)
9. Plano de Saúde Pública (pág 414)
9.1. Programa de Vigilância epidemiológica, prevenção e controle de
doenças (pág 422)
9.2. Programa de Incentivo à Estruturação da atenção básica à saúde (pág
417)
275
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