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AHE Belo Monte Estudos de Impacto Ambiental (EIA) e Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) Componente Indígena PROCESSO IBAMA n° 02001.001848/2006-75 Estudos Sociombientais nas TIs Koatinemo, Arara, Kararaô, Cachoeira Seca, Apyterewa e Araweté/ Igarapé Ipixuna

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Page 1: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

AHE Belo Monte Estudos de Impacto Ambiental (EIA) e Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) Componente Indígena PROCESSO IBAMA n° 02001.001848/2006-75

  Estudos Sociombientais nas TIs Koatinemo, Arara,

Kararaô, Cachoeira Seca, Apyterewa e Araweté/ Igarapé Ipixuna  

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Termo de Referência (TR)- FUNAI

Processo n° 08620.2339/2000-DV

Page 3: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

SUMÁRIO

7.1 INTRODUÇÃO.......................................................................................................10

7.2 REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO.....................................................12

7.3 Caracterização sócio-geográfica regional..............................................................14

7.3.1 Economia regional e as 6 TIs estudadas..............................................................15

7.3.2 Vulnerabilidade territorial e a situação fundiária das Terras

Indígenas........................................................................................................................34

7.3.3 Os povos Indígenas e os projetos oficiais de desenvolvimento econômico

previsto para região........................................................................................................43

7.3.4 Os povos Indígenas e as políticas ambientais do Médio Xingu...........................52

7.4. Caracterização sócio-econômica e cultural dos povos indígenas Arara,

Kararaô, Asuriní, Araweté e Parakanã...........................................................................56

7.4.1 Arara- TI Arara e TI Cacheira Seca.......................................................................56

7.4.2 Kararaô – TI Kararaô.............................................................................................79

7.4.3 Asuriní do Xingu – TI Koatinemo...........................................................................87

7.4.4 Araweté – TI Araweté Igarapé Ipyxuna...............................................................110

7.4.5 Parakanã – TI Apyterewa....................................................................................129

7.4.6 Atenção à saúde nas TIs estudadas...................................................................152

7.4.7 Atenção à educação nas TIs estudadas.............................................................177

7.5 Caracterização ambiental das TIs a montante do AHE Belo Monte.

7.5.1 Introdução...........................................................................................................184

7.5.2 Metodologia.........................................................................................................185

7.5.3 Caracterização da Bacia Hidrográfica do Xingu..................................................187

7.5.4 Caracterização das áreas de estudo...................................................................190

7.5.4.1 Áreas prioritárias para conservação e Unidades de Conservação(UCs).........190

7.5.4.2 Unidades de Conservação de Uso Sustentável: tipologia................................195

7.5.4.3 Unidades de Conservação de Proteção Integral:tipologia................................195

Page 4: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

7.5.5 Rede Hídrica........................................................................................................198

7.5.6 Caracterização física e dinâmica superficial........................................................200

7.5.7 Caracterização da vegetação nas Terras Indígenas e

indução ao desmatamento...........................................................................................202

7.5.8 Caracterização da fauna.....................................................................................207

7.5.9 Caracterização e distribuição da fauna aquática.................................................209

7.5.10 Interferências na qualidade da água na área de abrangência regional............211

7.5.11 Resultados quanto ao grau de eutrofização......................................................216

7.6 Impactos ambientais nas 6 TIs e proposição de medidas mitigadoras..................218

7.6.1 Impactos para o transporte e acessibilidade às Terras Indígenas.....................218

7.6.2 Impactos sobre a Ictiofauna e Atividades de Subsistência.................................222

7.6.3 Possíveis interferências na mata ciliar e dinâmica dos mananciais....................225

7.6.4 Impactos sobre a qualidade das águas e saúde.................................................227

7.6.4.1 Na Área de Estudo – Área de Abrangência Regional – AAR...........................227

7.6.4.2 Na Área de Influencia Direta – Região do Reservatório – AID.........................227

7.6.5 Matrizes de Impacto Ambiental...........................................................................230

7.7 Impactos sobre o meio antrópico e indicação de programas para o meio

sócio-econômico e cultural dos povos indígenas.........................................................233

7.7.1 Metodologia utilizada para a avaliação dos impactos.........................................233

7.7.2 Matrizes dos impactos no meio antrópico...........................................................236

7.7.3 Impactos relacionados com a fase da obra processo de divulgação

do empreendimento e realização de serviços de campo............................................241

7.7.4 Impactos relacionados com a fase da obra de instalação da infra-estrutura

de apoio à construção..................................................................................................245

7.7.4.1 Impactos associados ao processo de mobilização e contratação de

mão-de-obra.................................................................................................................247

7.7.4.2 Impactos associados ao processo de aquisição de imóveis para as

obras de infra-estrutura................................................................................................252

7.7.4.3 Impactos associados ao processo de construção de estradas, vilas

residenciais, pátios, canteiros, alojamentos, postos de combustíveis,

Page 5: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

linhas de transmissão para as obras e outras instalações...........................................254

7.7.4.4 Impactos associados ao processo de operação de canteiros

de obra, alojamentos e vilas residenciais.....................................................................256

7.7.5 Impactos associados à fase de Construção das obras principais......................257

7.7.5.1 Impactos associados ao processo de desmobilização da infra-estrutura de apoio às obras e de mão-de-obra..........................................................................................260

7.7.6 Impactos associados à fase de Liberação das áreas para os

Reservatórios................................................................................................................264

7.7.6.1 Impactos associados ao processo de Aquisição de imóveis rurais e urbanos

para formação dos reservatórios..................................................................................266

7.7.6.2 Impactos associados ao processo de desmatamento e limpeza das áreas dos

reservatórios do Xingu e dos canais.............................................................................268

7.7.7 Impactos associados à fase de Enchimento dos reservatórios..........................269

7.7.8 Impactos associados à fase de Operação comercial da unidade geradora de

energia e ao processo de Liberação do trecho de Vazão Reduzida

(LVR)............................................................................................................................271

7.8 Conclusão ..............................................................................................................272

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.............................................................................276

Page 6: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Lista de Tabelas

TABELA 1 – População da região de Altamira e São Félix do Xingu / 1980 – 2007

TABELA 2. Informações econômicas e geográficas – Municípios do entorno do bloco de Terras

Indígenas do Médio Xingu

TABELA 3 – Assentamentos do INCRA na face norte do bloco de TIs

TABELA 4. Mineração no bloco de TIs do Médio Xingu

TABELA 5. Desmatamento e estradas endógenas nas TIs em 2005

TABELA 6. Síntese da situação fundiária das Terras Indígenas do bloco do Médio Xingu

TABELA 7. Obras de infra-estrutura do PAC previstas para a região de Altamira

Tabela 8. Situação fundiária da TI Arara

Tabela 9. Situação fundiária da TI Cachoeira Seca

Tabela 10. Tempo de viagem Altamira - aldeias Laranjal e Iriri

Tabela 11. Situação fundiária da TI Kararaô

TABELA 12. Situação fundiária da TI Koatinemo

TABELA 13. Tempo de viagem Altamira - Aldeia Koatinemo

Tabela 14. Situação fundiária da TI Araweté / Igarapé Ipixuna

TABELA 15. Tempo de viagem Altamira - aldeias da TI Apyterewa

Tabela 16. Percentual e n0 Óbitos Indígenas por causas Agrupadas, 2003 a 2006

Tabela 17 . Incidência de Malária em 2005 nas TIs Estudadas

Tabela 18. Malária – Transmissão na Região Amazônica

Tabela 19. Número de casos de Hepatites Virais nos Municípios da AII de 2001 a 2007

Tabela 20. Número de casos de Hepatites Virais nos Municípios da AII, Estado do Pará,

Região Norte e Brasil

Tabela 21. Número de casos de Leishmaniose Visceral de 2003 a 2006 por Município

Tabela 22. Coeficiente de Incidência de Leishmaniose Tegumentar nos Municípios da AII-2001

a 2007

Tabela 23. Escolas indígenas e número de alunos em 2006 e 2009

Tabela 24. Número de alunos por série das EMEFs em 2009

Tabela 25. - Concentrações Médias de Sedimentos em rios da Amazônia

Tabela 26. Unidades de Conservação da Terra do Meio inseridas na Bacia do Xingu

Tabela 27. – Dados das Estações Fluviométricas levantadas.

Tabela 28. - Etapas e Processos Considerados para Avaliação de Impactos Ambientais do

AHE Belo Monte sobre as Populações Indígenas

Tabela 29. Referência para classificação dos impactos

Page 7: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Lista de Gráficos

Gráfico 1 - Pirâmide demográfica Asuriní – 1976

Gráfico 2 - Pirâmide demográfica Asuriní – 1993

Gráfico 3 - Pirâmide demográfica Asuriní – 2005

Gráfico 4. Número de caos de Hepatites Virais nos Municípios da AII de 2001 a 2007

Gráfico 5- Casos de Leishmaniose Tegumentar na AII

Gráfico 6. Letalidade da Leishmaniose Visceral no Brasil, 1994 a 2004

Lista de Figuras

Figura 1 - Terras Indígenas e sua inserção nas Áreas Prioritárias para Conservação da

Biodiversidade. Extraído de http://mapas.mma.gov.br/i3geo.

Figura 2- Gráfico demonstrando as vazões médias nas estações fluviométricas

analisadas. Fonte: ANA – Hidroweb

Figura 3 - Focos de desmatamento no período de 2004 a 2007. Fonte:

Imazongeo.org.br. Dados do desmatamento obtidos do PRODE – INPE

Figura 4- Variação das cotas para uma vazão de 1017 m3/s.

Figura 5 - Variação das cotas para uma vazão de 7745 m3/s.

Figura 6 - Variação das cotas para uma vazão de 23.414 m3/s.

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Lista de Anexos

Anexo 1 – Mapa de Localização das Terras Indígenas estudadas

Anexo 2 – Imagem de satélite das Terras Indígenas estudadas

Anexo 3 – Mapa do Mosaico das áreas protegidas da Bacia do Rio Xingu

Anexo 4 – Mapa da Rede hidrográfica associada às Terras Indígenas

Anexo 5 – Mapa de Direitos Minerários incidentes na área de estudo

Anexo 6 – Mapa de Vulnerabilidade territorial das Terras Indígenas

Anexo 7 – Carta – Imagem uso do solo

Anexo 8 – Ofício FUNAI / CGPIMA

Anexo 9 – Morbidade por Aldeias – FUNASA/DSEI

Anexo 10 – Remanso no Reservatório

Anexo 11 – Equipe Técnica

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7.1 INTRODUÇÃO

O presente Relatório do Componente Indígena, referente aos povos indígenas Arara/TI

Arara e TI Cachoeira Seca, Kararaô/TI Kararaô, Asuriní do Xingu/TI Koatinemo,

Araweté/TI Araweté/Igarapé Ipixuna e Parakanã/TI Apyterewa, parte integrante da Peça

Antropológica do EIA/RIMA do AHE Belo Monte, foi realizado no âmbito do processo de

licenciamento ambiental conduzido pelo IBAMA n° 02001.001848/2006-75, e orientado

pelo Termo de Referência (TR) encaminhado pela FUNAI, referente ao processo n°

08620.2339/2000-DV.

Conforme o Ofício n° 815/CGPIMA/DAS/08 (vide Anexo 8), de 22 de dezembro de 2008,

item 4, solicitado pela ELETROBRÁS à FUNAI, o Relatório foi elaborado com base em

fontes secundárias, sendo facultativos o trabalho de campo e o levantamento de dados

primários para a resposta integral ao TR. Isso significa que alguns pontos foram

respondidos através de dados secundários, com a ressalva, como consta no item 5 deste

Ofício, “de que identificados impactos que necessitem maiores esclarecimentos, os

estudos de campo e levantamento de dados primários serão necessários” (Ofício em

Anexo). Estas diretrizes foram reiteradas na reunião de 04/02/09, realizada na FUNAI,

com a presença de técnicos da CGPIMA e representantes da ELETROBRAS,

ELETRONORTE, CNEC e THEMAG.

Além disso, foi realizada, no período de 15 a 26/03/2009, visita às seis TIs pela

coordenação dos Estudos do Componente Indígena, em companhia de representantes da

FUNAI e da ELETRONORTE, para apresentar aos povos indígenas o projeto do AHE

Belo Monte.

O Relatório é composto por um diagnóstico do meio sócio-econômico e geográfico do

entorno do bloco das seis Terras Indígenas, feito por um economista e por uma geógrafa;

por um diagnóstico sócio-econômico e cultural dos cinco povos indígenas estudados,

elaborado por quatro antropólogas; e por um diagnóstico ambiental regional, elaborado

por dois biólogos. A conclusão dos estudos do Componente Indígena aponta, classifica e

descreve os impactos sobre o meio antrópico e sobre o meio físico-biótico, através de

uma metodologia que se utiliza tanto das técnicas de avaliação de impactos utilizadas

10

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pelos Estudos de Impacto Ambiental de projetos hidrelétricos como do conhecimento

antropológico da equipe sobre os povos aqui estudados.

11

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7.2 REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO

A realização dos estudos sobre o Componente Indígena referente aos povos Arara/TI

Arara e TI Cachoeira Seca, Kararaô/TI Kararaô, Asuriní do Xingu/TI Koatinemo,

Araweté/TI Araweté/Igarapé Ipixuna e Parakanã/TI Apyterewa, baseou-se na seguinte

metodologia:

- Pesquisa das fontes secundárias sobre as referidas etnias de forma abrangente, sendo

considerados os seguintes aspectos: histórico territorial, organização social, economia,

aspectos socioambientais, cultura material e imaterial e relações com a sociedade

nacional.

- Análise das informações contidas no trabalho intitulado “Aproveitamento Hidrelétrico

(AHE) Belo Monte – Estudo de Impacto Ambiental (EIA)” - 2008, elaborado pela LEME

Engenharia Ltda. em atendimento ao Acordo de Cooperação Técnica ECE-120/2005

firmado em agosto de 2005 entre a ELETROBRÁS – Centrais Elétricas Brasileiras S.A. e

as construtoras Andrade Gutierrez, Camargo Correa e Norberto Odebrecht, visando

conclusão dos Estudos de Viabilidade Técnica, Econômica e Socioambiental do AHE Belo

Monte, incluindo a revisão do inventário do trecho principal do rio Xingu.

- Pesquisa de informações nos órgãos oficiais, fundações e entidades, complementares à

pesquisa das fontes secundárias.

- Consultas e contatos diretos com o empreendedor necessários aos esclarecimentos

sobre as especificidades das obras do empreendimento.

- Verificação de outros empreendimentos na região e análise das possíveis sinergias dos

mesmos com os impactos causados pelo AHE Belo Monte.

- Seminários internos da equipe técnica para proceder ao cruzamento dos relatórios da

pesquisa bibliográfica, documental e cartográfica, com o intuito de realizar uma matriz de

interação dos possíveis impactos do AHE projetado na região e consolidar o relatório final

dos estudos. Esta reflexão é necessária para delinear os programas e medidas de

12

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compensação que serão apresentados e discutidos com os povos indígenas na fase

posterior deste trabalho.

- Visita às Terras Indígenas visando a participação dos povos indígenas através de suas

manifestações a respeito do projeto de engenharia do AHE Belo Monte e atualização de

dados secundários.

13

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7.3 Caracterização sócio-geográfica regional

Este capítulo tem por objetivo caracterizar o contexto regional onde está inserido o bloco

composto pelas Terras Indígenas (TIs) Koatinemo, Araweté/Igarapé Ipixuna, Apyterewa,

Kararaô, Arara e Cachoeira Seca, no Médio Xingu, Estado do Pará, por meio da consulta

ao Estudo de Impacto Ambiental (EIA) do Aproveitamento Hidrelétrico (AHE) Belo Monte 1

e do levantamento de dados secundários.

Na primeira seção, após uma breve contextualização geográfica, histórica e demográfica

da área, é feita uma caracterização da economia regional e de sua incidência sobre o

bloco de TIs. Nesse caso, a área considerada abrange a porção da rodovia

Transamazônica (BR-230) polarizada pelo município de Altamira (situada ao norte do

bloco de TIs) e a porção polarizada pelo município de São Félix do Xingu (situada ao sul

do bloco). Na segunda seção, com o auxílio da análise cartográfica, são identificados os

pontos de maior vulnerabilidade e as áreas degradadas nas Terras Indígenas. Além disso,

é feita uma síntese da situação jurídico-fundiária do bloco abordado no estudo. Na

terceira seção são identificados os principais projetos oficiais de desenvolvimento

econômico implantados ou previstos para a região. Finalmente, na quarta seção é

caracterizado o modo como as TIs estão inseridas nas principais políticas ambientais para

a Amazônia.

1 Aproveitamento Hidrelétrico (AHE) Belo Monte – Estudo de Impacto Ambiental (EIA) - 2008, elaborado

pela LEME Engenharia Ltda. em atendimento ao Acordo de Cooperação Técnica ECE-120/2005 firmado em agosto de 2005 entre a ELETROBRÁS – Centrais Elétricas Brasileiras S.A. e as construtoras Andrade Gutierrez, Camargo Correa e Norberto Odebrecht, visando conclusão dos Estudos de Viabilidade Técnica, Econômica e Socioambiental do AHE Belo Monte.

14

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7.3.1 Economia regional e as 6 TIs estudadas

Localização

O bloco composto pelas Terras Indígenas Koatinemo (387.834 ha), Araweté/Igarapé

Ipixuna (940.900 ha), Apyterewa (773.000 ha), Kararaô (330.837 ha), Arara (274.010

ha) e Cachoeira Seca (760.000 ha), situado no Médio Xingu e no Baixo Iriri (principal

afluente da margem esquerda do Xingu), no Estado do Pará, configura uma área contínua

de 3.466.581 hectares.

Esta área caracteriza-se pela presença de sociedades indígenas pertencentes a três

troncos lingüísticos distintos: Tupi (povo Asuriní do Xingu, povo Araweté e povo

Parakanã), Macro-Gê (povo Kararaô) e Karib (povo Arara das TIs Arara e Cachoeira

Seca). Contatados nas décadas de 1970 e 80 (ver FAUSTO, 2001; MÜLLER, 1993;

TEIXEIRA PINTO, 1988; VIDAL, 1988 ; VIVEIROS DE CASTRO, 1986), em decorrência

da abertura da rodovia Transamazônica (BR-230), estes povos indígenas continuam em

situação de grande vulnerabilidade sociocultural e territorial, resultante do conturbado

processo econômico vigente na região.

Cercado ao norte pela rodovia Transamazônica (BR-230), a oeste pela área de influência

da rodovia Cuiabá – Santarém (BR-163), a leste pelas áreas de influência das rodovias

Belém – Brasília (BR-010) e PA-150 (que liga Marabá a Redenção) e ao sul pelos

municípios de São Félix do Xingu, Tucumã e Ourilândia do Norte, o bloco de TIs está

inserido em uma área de fronteira econômica e interétnica, polarizada pelo núcleo urbano

de Altamira, como mostra o Mapa de Localização das Terras Indígenas estudadas (vide

Anexo 1).

15

Page 16: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

A ocupação não indígena e o fluxo migratório na região

A fundação da aldeia-missão Tavaquara (ou Tauaquara) pela Companhia de Jesus, no

século XVIII, está na origem da vila de Altamira. Tendo concentrado índios Xipayas,

Kuruayas, Jurunas, Araras, Takunyapes e provavelmente outros não registrados pela

historiografia, a missão Tavaquara foi expulsa do Médio Xingu por ordem do Marquês de

Pombal, por meio da Lei Régia, em 1755.

A área ocupada pela missão (atual bairro São Sebastião, em Altamira) não deixou de

constituir, no entanto, uma referência para os povos indígenas.

A intensificação da colonização e dos registros de contatos entre indígenas e não

indígenas no Médio Xingu datam do período da borracha, no final do século XIX e início

do século XX (ver COUDREAU, 1977; NIMUENDAJÚ, 1948; VIVEIROS DE CASTRO e

ANDRADE, 1988). Com a decadência deste produto no mercado internacional, no

entanto, a economia agroextrativista local ficou em estado de prostração. No período da

Segunda Guerra Mundial, a revalorização da borracha provocou uma retomada do

crescimento econômico, incapaz, no entanto, de fomentar a colonização da região2. É

apenas na segunda metade do século XX que se intensificam a ocupação não indígena e

os contatos interétnicos na Volta Grande.

Tendo sido concebida e inicialmente posta em prática pelo Governo Juscelino Kubitschek

(JK) na década de 1950, a idéia da integração nacional se consolida no final da década

seguinte. Com a criação da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia

(SUDAM) e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), o Governo

Militar, por meio da chamada “Operação Amazônia”, alavancou a ocupação da região,

tendo sido a rodovia Transamazônica, inaugurada em 1971, o principal vetor de

penetração na floresta e nos territórios indígenas no Médio Xingu.

2 Ver Diagnóstico da Área de Abrangência Regional (AAR – Meio Socioeconômico e Cultural) do EIA do

AHE Belo Monte – volume 06 - seção 7.3.2.2.3 – “A ocupação do rio Xingu no território paraense”, pág. 55.

16

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Na fronteira sul do bloco de TIs, polarizada pelo município de São Félix do Xingu, o

processo de ocupação e colonização foi um pouco mais recente. Em 1977, o governo

brasileiro anunciou a licitação para a implantação nessa região de um Projeto de

Colonização, vencido e levado a cabo pela construtora Andrade-Gutierrez em 1982-85

(FAUSTO, 1996). Esse projeto, fundamentado na associação entre agropecuária e

extração madeireira, resultou na criação dos municípios de Tucumã e Ourilândia do Norte

(desmembrados de São Félix do Xingu), dando origem a um intenso processo migratório

e a uma nova dinâmica econômica e espacial na região. Tal processo tomou maiores

dimensões na segunda metade da década de 1980, com a abertura da rodovia PA-279

(que liga Xinguara a São Félix do Xingu) e do garimpo de Serra Pelada.

Conseqüentemente, estas áreas situadas ao norte e ao sul do bloco de TIs

experimentaram um boom populacional e econômico característico das frentes de

colonização. No período 1980-1991, por exemplo, de acordo com os dados do Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)3, a população regional pulou de 57.000 para

301.000 pessoas (ver Tabela 1 abaixo). Viabilizado pela abertura de estradas e pelos

Projetos de Colonização, esse rápido crescimento demográfico estava associado às

frentes agropecuárias, à extração ilegal de madeira e à atividade garimpeira. Esses vinte

anos de crescimento econômico sob um modelo de ocupação não planejada estão na

base do processo de invasão dos TIs Apyterewa, Araweté/Igarapé Ipixuna, Arara e

Cachoeira Seca a partir dos anos 1980 (Mapa de Vulnerabilidade Territorial das Terras

Indígenas –Anexo 6).

Ao longo dos anos 1990, em função da estagnação econômica, houve certa estabilização

demográfica da região. Como resultado da ineficácia da política de colonização da

Transamazônica e da situação precária da infra-estrutura das áreas colonizadas, foi

observado nessa década tanto uma desaceleração do crescimento demográfico regional

(no período 1991-2000, a população da área considerada pulou de 301.000 para 343.000)

como o crescimento desordenado dos núcleos urbanos dos municípios criados nessa

década, na esteira do processo de municipalização, como Brasil Novo (1993), Anapu

(1997), Placas (1997) e Vitória do Xingu (1993). Nesse contexto, municípios como

3 Dados censitários disponíveis na seção “O Brasil município por município”, no sítio do IBGE na internet

(www.ibge.gov.br).

17

Page 18: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Senador José Porfírio, Pacajá e Medicilândia perderam população para os municípios

recém-criados4.

Em 2007, a população regional chegou a 405.000 pessoas. Caso o fluxo migratório de

aproximadamente 100 mil pessoas previsto com a implantação do AHE Belo Monte seja

concretizado, pode ser que na próxima década este montante ultrapasse os 500 mil.

Nesse caso, em menos de quarenta anos a população regional terá sido multiplicada por

aproximadamente dez, o que, por sua vez, dá uma idéia da magnitude da pressão sobre

os territórios indígenas.

A tabela a seguir (Tabela 1) apresenta a evolução demográfica das áreas polarizadas por

Altamira e São Félix do Xingu, as quais também envolvem os municípios de Uruará,

Placas, Rurópolis, Medicilândia, Brasil Novo, Vitória do Xingu, Senador José Porfírio,

Anapu, Pacajá, Tucumã e Ourilândia do Norte.

4 Ver Diagnóstico da Área de Influência Indireta (AII – Meio Socioeconômico e Cultural) do EIA do AHE

Belo Monte – vol.09 - seção 7.6.4 - “Caracterização Demográfica”, pág. 105.

18

Page 19: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

TABELA 1 – População da região de Altamira e São Félix do Xingu / 1980 – 2007

Municípios População

1980 1991 1996 2000 2007

Altamira 46.496 72.408 78.782 77.439 92.105

Anapu - - - 9.407 17.787

Brasil Novo - - 13.990 17.193 18.749

Medicilândia - 29.728 30.940 21.379 22.624

Ourilândia do Norte - 28.718 20.199 19.471 20.415

Pacajá - 30.777 26.123 28.888 38.365

Placas - - - 13.394 17.898

Rurópolis 19.468 23.589 24.660 32.950

São Félix do Xingu 4.954 24.891 40.983 34.621 59.238

Senador José Porfírio 6.391 39.010 22.884 15.721 14.302

Tucumã - 31.375 34.560 25.309 26.513

Uruará - 25.399 37.395 45.201 35.076

Vitória do Xingu - - 12.778 11.142 9.693

Total regional 57.841 301.774 342.223 343.825 405.715

Pará 3.507.312 4.950.060 5.510.849 6.192.307 7.065.573

FONTE: IBGE – Censos Demográficos de 1980, 1991 e 2000. Contagem Populacional de 1996 e 2007.

Disponível no sítio do IBGE na internet (www.ibge.gov.br).

19

Page 20: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

As atividades econômicas com maior incidência nas Terras Indígenas

Com a reestruturação gerada pela abertura da Transamazônica e pelos Projetos de

Colonização, a partir da década de 1980 a economia desta área de fronteira passou a ser

caracterizada pela predominância das atividades agropecuária e de extração madeireira

sobre a atividade extrativista. No caso da atividade de mineração, diversos interesses

minerários incidem sobre as TIs desde a década de 1970 (vide mapa de Direitos

Minerários incidentes na área de estudo- Anexo 5). Na área a sudeste do bloco de TIs, no

município de Ourilândia do Norte, também está previsto um grande projeto de mineração

de Níquel, da empresa Onça Puma Ltda5.

Embora o setor terciário (prestação de serviços) represente atualmente a maior

porcentagem do Produto Interno Bruto (PIB) da maioria desses municípios6, as atividades

de extração madeireira e agropecuária (setor primário), pelo fato de muitas vezes serem

praticadas de modo ilegal (por exemplo, no interior de Terras Indígenas ou Unidades de

Conservação), provavelmente não são integralmente contabilizadas nos PIBs municipais,

os quais, por essa razão, não refletem bem a dinâmica econômica local.

De acordo com a classificação proposta no Diagnóstico da Área de Abrangência Regional

(AAR) do EIA do AHE Belo Monte7, os municípios do entorno do bloco de TIs podem ser

caracterizados a partir de atributos econômicos e geográficos. Assim, os municípios que

compõem as áreas polarizadas por Altamira e São Félix do Xingu foram enquadrados na

seguinte tipologia:

(i) Eixo Transamazônica – Municípios onde predomina a agropecuária: Altamira, Brasil

Novo, Medicilândia, Vitória do Xingu, Uruará, Placas, Rurópolis.

(ii) Baixo Xingu – Municípios predominantemente agroextrativistas: Pacajá, Anapu e

Senador José Porfírio. 5 Ver o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) do “Projeto Onça Puma – Lavra e processamento de minério

de Níquel”, elaborado pela empresa Brandt Meio Ambiente, Indústria, Comércio e Serviços Ltda., em março de 2004. 6 Ver diagnóstico da Área de Abrangência Regional (AAR – Meio Socioeconômico e cultural) do EIA – vol.

06 - Seção 7.3.5.1 – “Caracterização Geral da Base Econômica”, pág. 169. 7 Meio Socioeconômico e Cultural - volume 06 - seção 7.3.5.2. - “Tipologia Territorial”, pág. 181.

20

Page 21: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

(iii) Médio Xingu – Municípios onde predomina a pecuária extensiva: São Félix do Xingu,

Tucumã e Ourilândia do Norte.

Tendo como base essa classificação, a tabela a seguir (Tabela 2) apresenta algumas

informações relativas à dinâmica econômica e espacial dos municípios.

21

Page 22: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

TABELA 2. Informações econômicas e geográficas – Municípios do entorno do bloco de Terras Indígenas do Médio Xingu

Tipologia territorial

Município Área (Km2)

População 2007

PIB (R$) 2006

PIB per capita (R$)

2007

Incidência de pobreza (%)

2003

Rebanho bovino- 2006

(cabeças)

Área desflorestada

acumulada (Km2; %) 2007

Terras Indígenas

Altamira 159.696 92.105 404.049 4.718 40,6 402.340 5.835; 4% Koatinemo, Araweté/Igarapé Ipixuna, Apyterewa, Kararaô,

Arara e Cachoeira Seca

Brasil Novo 6.370 18.749 65.201 3.049 33,6 225.866 2.396; 38% -

Medicilândia 8.271 22.624 85.565 3.781 41,1 143.359 1.797; 22% Arara

Uruará 10.794 35.076 161.334 2.694 29,9 293.640 2.745; 25% Arara; Cachoeira Seca

Placas 7.174 17.898 37.944 2.430 49,5 59.450 1.545; 22% -

Rurópolis 7.025 32.950 69.464 2.438 43,4 117.821 1.643; 23% Cachoeira Seca

Eixo Transmazônica

Vitória do Xingu 2.969 9.693 63.105 6.183 26,6 195.201 1.719; 58% -

Pacajá 11.852 38.365 102.552 3.289 40,2 256.420 4.326; 37% -

Senador José Porfírio

14.388 14.302 37.471 3.643 57,3 60.899 628; 4% Koatinemo; Araweté/Igarapé Ipixuna

Baixo Xingu

Anapu 11.909 17.787 43.785 6.815 46,7 280.321 1.831; 15% -

São Félix do Xingu

84.249 59.238 284.248 6.798 36,4 1.653.231 15.375; 18% Araweté/Igarapé Ipixuna; Apyterewa

Tucumã 2.513 26.513 162.893 7.822 33,8 175.778 2.254; 90% -

Médio Xingu

Ourilândia do Norte

13.840 20.415 86.078 4.292 34,1 103.510 1.213; 9% -

Total Regional - 341.050 405.715 1.603.689 4.457 39,4 3.967.836 43.307; 12% -

FONTE: IBGE, 2003, 2006a, 2006b e 2007; INPE, 2007.

22

Page 23: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

As informações demográficas, econômicas e ambientais apresentadas mostram que os

municípios de Altamira e Uruará, no 'Eixo Transamazônica', e os de São Félix do Xingu

e Tucumã, no 'Médio Xingu', são aqueles cujas atividades econômicas exercem maior

pressão sobre o bloco de TIs (ver a próxima sub-seção).

No caso dos municípios do 'Baixo Xingu', as informações sobre Pacajá e Anapu

mostram que a dinâmica econômica desses municípios é similar àquela dos municípios

situados no 'Eixo Transamazônica', principalmente no que se refere ao rebanho bovino

relativamente grande e à extensão da área desmatada. Tais municípios, no entanto,

não fazem limites com o bloco de TIs aqui considerado. Apenas o município de

Senador José Porfírio (que abrange parte das TIs Koatinemo e Araweté/Igarapé

Ipixuna), apresentou um perfil característico da atividade extrativista, com PIB baixo,

rebanho bovino pequeno e pouca área desmatada (4% do município). De fato, a

atividade agroextrativista, embora ainda muito praticada na região (principalmente a

coleta da castanha-do-pará), quando comparada às atividades de extração madeireira,

agropecuária e mineração, não é a que gera maiores problemas em relação à situação

territorial e à conservação ambiental das TIs.

No 'Eixo Transamazônica', a atividade agropecuária foi consolidada com as frentes de

colonização. Em linhas gerais, a construção da rodovia Transamazônica (BR-230) tinha

o triplo objetivo de (i) aliviar a tensão fundiária no Nordeste e os impactos da

modernização agrícola no Sul; (ii) concretizar o "integrar para não entregar" e (iii)

aumentar e baratear a mão-de-obra regional. Conforme as informações contidas no

Diagnóstico da AAR do EIA (pág. 58)8:

“Sob responsabilidade do recém-criado INCRA (...), foram previstos vários tipos de

colonização: o Projeto Integrado de Colonização (PIC), no qual o INCRA encarregava-

se de organizar todo o assentamento, provendo, inclusive, assistência técnica e

financeira aos colonos; os Projetos de Assentamento (PA) e os Projetos de

8 Ver Diagnóstico da Área de Abrangência Regional (AAR – Meio Socioeconômico e Cultural) do EIA

do AHE Belo Monte – volume 06 - seção 7.3.2.2.3 – “A ocupação do rio Xingu no território paraense”.

23

Page 24: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Assentamento Rápido (PAR), nos quais a atuação do INCRA reduzia-se à simples

demarcação e titulação das terras ocupadas livre e desordenadamente.

É importante destacar que na região prevaleceram os PICs, por meio dos quais foram

distribuídos lotes de cerca 100 hectares para pequenos colonos, ao longo da

Transamazônica e das suas vicinais ou travessões, construídos a cada 5 km, tanto no

sentido Norte como no Sul”.

Os PIC ao longo da Transamazônica (PICs Altamira, Marabá e Itaituba) representaram

efetivamente investimentos públicos pesados: construção de estradas e vicinais, infra-

estruturas sociais e agrícolas, programas de crédito e assistência técnica. Apesar do

sentido 'dirigido' desses projetos de colonização, a migração espontânea para a região

iniciou-se nessa mesma época e correspondeu à chegada de muitas famílias de

agricultores, vindos principalmente do Nordeste.

No planejamento dos PICs estava prevista a configuração de uma rede hierarquizada

de núcleos urbanos, constituída por Rurópolis, Agrópolis e Agrovilas. Algumas dessas

comunidades, originariamente Agrópolis e Agrovilas, posteriormente emanciparam-se e

são atualmente sedes de município, tais como Rurópolis, Uruará, Medicilândia, Brasil

Novo, Vitória do Xingu, Anapu e Pacajá. No final dos anos 1980, a ausência de

recursos para a criação de infra-estrutura e de apoio técnico às famílias migrantes já

configurava o perfil de empobrecimento da população.

Como resultado, a colonização desordenada dos assentamentos do INCRA traduziu-se

em um incremento da pressão sobre os territórios indígenas adjacentes. Nesse caso,

conforme as informações contidas no Diagnóstico da AAR do EIA9, as frentes de

ocupação de Altamira, Uruará (face norte do bloco de TIs) e São Félix do Xingu (face

sul do bloco) são as mais relevantes. Conseqüentemente, as TIs Arara, Cachoeira

Seca e Apyterewa são aquelas que apresentam maior problemas de invasão a partir de

assentamentos do INCRA.

9 Meio Socioeconômico e Cultural – vol. 06 – seção 7.3.2.2.4 – “As Frentes de Ocupação da Região”.

24

Page 25: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Em períodos mais recentes, a criação de Projetos de Assentamento (PA), Projetos de

Assentamento Coletivo (PAC) e Projetos de Desenvolvimento Sustentável (PDS) pelo

INCRA foi alvo de uma ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal (MPF),

que resultou no cancelamento, pela Justiça Federal, de 107 projetos de assentamento

no oeste do Estado do Pará (ver MPF, 2007). O argumento apresentado pelo MPF é o

de que os PAs, PACs e PDSs foram criados sem licenciamento ambiental e sem infra-

estrutura para atender as famílias assentadas. Além disso, foram observadas

irregularidades na assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) entre o

INCRA e a Secretaria Estadual de Meio Ambiente (SEMA) do Pará. O TAC buscava

agilizar o processo de licenciamento da exploração florestal nos projetos de

assentamento. Nesse caso, com o aval do INCRA, a criação de assentamentos de

reforma agrária buscava favorecer o setor madeireiro.

Em alguns casos, houve sobreposição de áreas, com incidência de assentamentos

sobre espaços destinados a populações tradicionais, zonas de amortecimento e

Unidades de Conservação de proteção integral, em que é vedada qualquer ocupação

humana. No entorno do bloco de TIs estudado, foram cancelados10 pela Justiça

Federal assentamentos nos municípios de: Altamira, Uruará, Senador José Porfírio,

Rurópolis, Placas e Medicilândia. Nesse caso, as famílias assentadas não puderam ter

acesso aos benefícios provenientes de projetos como o Programa Nacional da

Agricultura Familiar (PRONAF). Dentre esses, foram cancelados três projetos de

assentamento que faziam fronteira com duas das TIs do bloco abordado. Na face norte

da TI Cahoeira Seca, foram cancelados os Projetos de Assentamento (PAs) Campo

Verde e Macanã II. Na imensa área de floresta ao norte da TI Koatinemo, foi cancelado

o PDS Itatá. Tais cancelamentos, no entanto, não significam que a atividade madeireira

nesses assentamentos tenha sido coibida.

A tabela a seguir (Tabela 3) apresentam as principais informações dos assentamentos

do INCRA situados no entorno do bloco de TIs. Não foram obtidas informações sobre

as características e a localização dos assentamentos situados na face sul do bloco de

TIs, na área polarizada por São Félix do Xingu.

10 Nesse caso, as famílias assentadas não puderam ter acesso aos benefícios provenientes

de projetos como o Programa Nacional da Agricultura Familiar (PRONAF).

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Page 26: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

TABELA 3 – Assentamentos do INCRA na face norte do bloco de TIs

Glebas Tipologia Número no mapa do EIA

Município Área Total (ha) Capacidade (famílias)

Famílias assentadas

Data de criação

PIC Altamira / Gleba Pium PA Uirapuru 11 Uruará 28.000 252 252 1999

PIC Altamira / Gleba Pium PA Tutuí-Sul 12 Uruará e Placas 11.673 200 166 1997

PIC Altamira PA Macanã I 20 Placas 25.727 257 201 2006

PIC Altamira PA Macanã II 21 Placas 30.301 303 170 2006

PIC Altamira / Gleba Cascata

PA Rio das Pedras 22 Placas 23.916 259 226 1998

PIC Altamira / Gleba Cascata

PA Placas 23 Uruará e Placas 28.945 344 270 1998

PIC Altamira / Gleba Cupari

PA Campo Verde 24 Altamira, Placas, Rurópolis

24.700 247 268 1996

PIC Altamira / Gleba Novo Horizonte

PA Laranjal 28 Brasil Novo 14.105 188 188 1998

PIC Altamira PA Assuriní 39 Altamira 32.140 500 519 1995

PIC Altamira PA Itapuama 40 Altamira 52.339 930 930 1999

PIC Altamira PA Morro das Araras 41 Altamira 20.820 250 170 1999

Gleba Ituna PDS Itatá 42 Altamira e Senador José Porfírio

105.734 1.000 929 2006

- PA Ressaca 43 Senador José Porfírio 30.265 500 462 1999

FONTE: Adaptado do Diagnóstico da AII do EIA (meio Socioeconômico e Cultural) – vol 09 – seção 7.6.9.2.4. - “Projetos de Assentamento

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Page 27: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Na área polarizada por São Félix do Xingu (face sul do bloco de TIs), a pecuária

extensiva representa a principal atividade econômica. No contexto regional

considerado, os municípios de Altamira e São Félix do Xingu são aqueles que

apresentaram maior crescimento da pecuária nas últimas duas décadas. No caso de

Altamira, no período 1993-2006 o rebanho bovino pulou de 70.000 para

aproximadamente 400.000 cabeças. Já em São Félix do Xingu o crescimento no

mesmo período foi mais intenso, com o número de cabeças de gado saltando de

15.000 para aproximadamente 1.600.000 (IBGE, 2006a; IMAZON, 2005a; CTI 2006).

No caso de Tucumã, as informações apresentadas na tabela 2 indicam que embora o

município seja pequeno em área, a atividade pecuária (rebanho bovino de 175.778 em

2006) é bastante representativa do ponto de vista ambiental, já que 90% da área do

município já havia sido devastada até 2007. Além disso, o maior desenvolvimento do

agronegócio fez com que o PIB per capita de Tucumã se consolidasse como o maior

dentre os municípios do entorno do bloco de TIs11.

De acordo com pesquisadores do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia

(Imazon) (2005a), as causas do crescimento da agropecuária na região podem ser

explicadas (i) pela maior lucratividade desta atividade na Amazônia; (ii) pelo baixo

preço da terra (35 a 65% do preço praticado no Centro-sul); (iii) maior produtividade

média dos sistemas de criação em larga escala (produtividade 10% maior que no

Centro-Sul e (iv) incentivos fiscais. Como conseqüência da vertiginosa expansão da

pecuária na Amazônia, os pesquisadores estimam que aproximadamente 80% da área

desmatada na região sejam pastos.

Embora não tenha sido contemplada na tipologia territorial proposta pelo Diagnóstico

da AAR do EIA, a atividade madeireira representa um dos pilares da economia

regional. Em conjunto com as atividades agropecuária e de mineração e com as

grandes obras de infra-estrutura, a atividade madeireira está entre as mais relevantes

do ponto de vista da dinâmica territorial e, conseqüentemente, entre as que exercem

maior pressão sobre as TIs.

11 Ver Estudo de Impacto Ambiental (EIA) do projeto de mineração de níquel da empresa Onça Puma,

seção 6.3.2.6 – “Dinâmica das Atividades Econômicas”, pág. 327.

27

Page 28: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Segundo dados do Imazon (2005b), no Estado do Pará (maior produtor amazônico de

madeiras, concentrando 45% da produção), as rodovias Cuiabá - Santarém (BR-163),

Transamazônica (BR-230) e do leste do estado (PA-150), situadas respectivamente a

oeste, norte e leste do bloco de TIs do médio Xingu, são os principais eixos de

produção e transporte madeireiro. Os municípios de Altamira e São Félix do Xingu

foram classificados em 2004 como 4º e 1º no ranking dos municípios brasileiros com

maior desflorestamento (IMAZON, 2006), embora este resultado esteja vinculado

também à atividade agropecuária, e não apenas à atividade madeireira. No município

de Altamira, cuja extensão territorial é da ordem de 160.000 km², estima-se que mais

de 80% da madeira comercializada seja de origem ilegal (ROCHA & BARBOSA, 2003)

apesar do decreto do Ibama (nº 17 de 22/10/2001), conhecido como a "moratória do

mogno", ter proibido a comercialização do mogno no Brasil. Um dos fatores que explica

estes resultados é a exaustão dos recursos madeireiros no sudeste do Pará, o que

terminou por determinar o deslocamento da indústria madeireira para o centro-oeste do

Estado.

Nesse contexto, uma questão importante é a expansão das chamadas 'estradas

endógenas'. Definindo uma nova dinâmica territorial na Amazônia e gerando graves

distorções socioeconômicas, a abertura destas estradas está intimamente relacionada

à atividade madeireira ilegal e ao crescimento vertiginoso da pecuária e, além disso,

tem facilitado a grilagem de terras, o desmatamento, e a ampliação pelos conflitos da

posse da terra (IMAZON, 2005c). Conforme os dados do Imazon, a malha de estradas

clandestinas na Amazônia supera os 300 mil quilômetros, com crescimento de

aproximadamente 1.900 quilômetros por ano. Nesse contexto, o centro-oeste do Pará,

área que engloba a Terra do Meio e área de influência da BR-163 naquele Estado, foi a

região que apresentou o crescimento mais acelerado de estradas clandestinas.

Pelo fato de Uruará, São Félix do Xingu, Ourilândia do Norte, Tucumã e Altamira serem

grandes centros madeireiros, diversas estradas endógenas já foram abertas no entorno

e no interior do bloco de TIs, sendo as principais as estradas Transiriri (TI Cachoeira

Seca) e Morada do Sol (TI Apyterewa) (mapa de Vulnerabilidade Territorial das Terras

Indígenas – Anexo 6 e capítulos etnográficos para mais informações). Neste caso, a

abundância de florestas intactas, o elevado número de terras públicas e a perspectiva

28

Page 29: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

de asfaltamento dos grandes eixos rodoviários (rodovias Transamazônica e Cuiabá-

Santarém) são fatores que têm contribuído para a expansão das estradas endógenas

(vide Mapa de Vulnerabilidade territorial das Terras Indígenas –Anexo 6).

A atividade madeireira ilegal no interior do bloco de TIs é praticada desde meados dos

anos 1980, com ou sem o consentimento tanto das sociedades indígenas como da

Administração Executiva Regional (AER) da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) em

Altamira. Fomentada pela abertura da Transamazônica (face norte) e pelos projetos de

colonização de Tucumã e Ourilândia do Norte (face sul), a atividade foi liderada por

grandes empresas madeireiras como Perachi (atual Juruá Florestal), Maginco, Ímpar e

Bannach. Tais empresas, atuando muitas vezes com o aval das Prefeituras locais,

foram responsáveis pela abertura e consolidação das maiores estradas endógenas no

interior do bloco de TIs (ver sub-seção a seguir). Atualmente, as TIs Cachoeira Seca12,

Apyterewa e Arara são aquelas que apresentam maiores problemas de extração ilegal

de madeira.

A grilagem de terras é outra atividade que tem gerado conseqüências nefastas do

ponto de vista da conservação ambiental do entorno do bloco de TIs. Segundo as

informações contidas no Diagnóstico da AII do EIA (pág 395)13:

“A Portaria nº 010 do INCRA de dezembro de 2004, fixou prazo máximo de

cadastramento de imóveis rurais em todo o território nacional: 31 de janeiro de 2005

para terras com mais de 400 hectares e 31 de março para as de menor área. A ordem

foi a de que o não cumprimento dos prazos cancelaria o registro no Cadastro Nacional

de Imóveis Rurais (CNIR). A Portaria nº 010 proibiu, também, a emissão de Certificado

de Cadastro de Imóvel Rural (CCIR) para posses em áreas de domínio da União. Com

isso, todas as florestas em áreas cuja propriedade não possa ser comprovada por

documento legal passam a poder reverter ao patrimônio público”.

12 Ver a reportagem “Cresce o desmatamento em terras indígenas”, publicada na Folha de São Paulo, em

04/03/2009. 13 Meio Socioeconômico e Cultural – volume 09 - seção 7.6.9.2.1 - “Conflitos por Posse de Terras e Grilagem”.

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Page 30: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Essa tentativa institucional de coibir a grilagem de terras gerou, no entanto, reações

violentas dos setores madeireiro e agropecuário em todos os Estados da Amazônia

Legal, principalmente através do fechamento dos principais eixos rodoviários.

Associada à atividade ilegal de extração madeireira e à agropecuária, a grilagem de

terras públicas é uma prática freqüente na área polarizada por Altamira. Conforme o

Diagnóstico da AII do EIA14, são conhecidos os casos da Gleba Ituna (situada em uma

área na margem direita da Volta Grande do Xingu, entre Senador José Porfírio e

Altamira), das Glebas Jaraucu e Penetecaua (entre Medicilândia e Uruará) e das áreas

de implantação de Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS)15 no município de

Anapu.

Na Terra do Meio, é bastante conhecido o caso do grupo CR Almeida (do empresário

Cecílio Rego de Almeida), que alegava a propriedade de uma fazenda (Fazenda

Curuá) de 4,7 milhões de hectares, incidentes sobre glebas do INCRA, Terras

Indígenas (82% da TI Baú e TIs Xipaya e Kuruaya) e Unidades de Conservação

(Reserva Extrativista Riozinho do Anfrísio e Floresta Nacional de Altamira) (ver

RIBEIRO, 2006).

14 Idem. 15 Os Projetos de Desenvolvimento Sustentáveis (PDS) são uma dentre as diversas categorias de assentamentos

de reforma agrária. Ver o quadro 7.6.9-1, na página 404 do Diagnóstico da AII do EIA – vol. 09 – seção 7.6.9.2.4 -

“Projetos de Assentamento”.

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Page 31: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Além das atividades agropecuária e madeireira, desde 1970 diversas empresas

realizam pesquisa mineral na região do bloco de TIs do Médio Xingu, todas com

autorização e licença do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). De

acordo com dados do Instituto Socioambiental (2005), vários interesses minerários

incidem sobre as TIs (vide Tabela 4). Os garimpos no interior das TIs estão, no entanto,

desativados16, e a concessão de Lavra constante na Tabela 4 refere-se provavelmente

à incidência na parte da TI Apyterewa excluída na última delimitação realizada (vide

Anexo 5 – Mapa de Direitos Minerários incidentes na área de estudo).

16 Informação fornecida por Caetano Ventura, técnico da Administração Executiva Regional (AER) da FUNAI em

Altamira, no dia 16/03/2009, na sede da AER.

31

Page 32: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

TABELA 4. Mineração no bloco de TIs do Médio Xingu

Terras Indígenas Área (ha)

Títulos minerários*

Processos minerários

incidentes**

Área (ha) da TI com incidência de processos

% da TI com incidência de

processos minerários

Mineradoras

Apyterewa

773.000 10 70 496.373 63,63 CVRD Samaúma, Capoeirana,

Guariba e Nayara.

Arara 274.010 0 36 252.034 90,73 Galesa

Araweté/Ig. Ipixuna

940.900 0 22 122.734 12,64 Rio Itajaí, CVRD, Jenipapo, Itamaracá,

Samaúma e Silvana

Cachoeira Seca

760.000 0 55 139.096 17,92 Canopus, Galesa, Boqueirão

Vermelho, Mount Isa do Brasil, QS

Kararaô

330.837 0 4 5.500 1,64 Jenipapo e Galesa

Koatinemo 387.834 0 11 68.312 18,32 Rio Itajaí e Itamaracá

TOTAL 3.466.581

10 198 1.084.049 31,27

NOTA: * Autorização para pesquisa e requerimento e concessão de lavra / ** Requerimento para pesquisa. FONTE: ISA (2005)

32

Page 33: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Na região situada a sudeste do bloco de TIs, a mineradora Onça Puma Ltda.,

subsidiária integral da mineradora canadense Canico Resource Corporation, pretende

implantar um grande projeto de lavra e processamento de minério de Níquel. Incidindo

sobre terras dos municípios de Ourilândia do Norte e São Félix do Xingu, tal projeto

será implantado em uma área (Serras do Onça e do Puma) adjacente à TI Cateté,

habitada pelo povo Xikrin do Cateté.

Devido às suas características (atividade econômica intensiva em mão-de-obra e

capital), este projeto produzirá um grande impacto na dinâmica ambiental,

socioeconômica e espacial regional. Inclusive, os municípios de São Félix do Xingu,

Tucumã e Ourilândia do Norte (localizados ao sul do bloco de TIs) estão incluídos na

Área de Influência Direta (AID) do referido empreendimento17. Nesse caso, é provável

que a implantação desse projeto de mineração desencadeie problemas fundiários para

as TIs do bloco estudado, particularmente sobre a TI Apyterewa.

A pesca ilegal é outra atividade econômica que tem gerado diversos conflitos de

natureza interétnica no região onde está inserido o bloco de TIs. A pesca ilegal,

praticada por pescadores de Altamira, vem sendo praticada em todas as TIs do bloco,

com menor freqüência na TI Araweté/Igarapé Ipixuna18. A TI Apyterewa também vem

sendo invadidas por pescadores de São Félix do Xingu. Em 2000, na TI Cachoeira

Seca, um jovem indígena foi assassinado por pescadores regionais, no rio Iriri, nas

proximidades da aldeia. Na TI Kararaô, o envolvimento de alguns jovens indígenas com

um pescador resultou na morte de um jovem, no segundo semestre de 2008. Na

maioria das vezes, a relação estabelecida entre indígenas e não indígenas por meio da

atividade de pesca envolve a troca e o consumo de bebidas alcoólicas

17 Ver Estudo de Impacto Ambiental (EIA) do projeto de mineração de níquel da empresa

Onça Puma, capítulo 5 - “Definição das Áreas de Influência”. 18 Informação fornecida por Caetano Ventura, técnico da Administração Executiva Regional

(AER) da FUNAI em Altamira, no dia 16/03/2009, na sede da AER.

33

Page 34: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

7.3.2 - Vulnerabilidade territorial e a situação fundiária das Terras Indígenas

Como resultado da crescente pressão exercida pelas atividades econômicas supra-

citadas, há pelo menos três décadas os territórios indígenas no Médio Xingu vêm

sendo ameaçados pela ocupação não indígena. Nesses casos, a ocupação

desordenada de assentamentos do INCRA, a atuação ilegal de empresas madeireiras

e o crescimento vertiginoso da pecuária extensiva geraram conseqüências sérias do

ponto de vista da integridade territorial e sociocultural dos povos indígenas. A Imagem

de satélite das Terras Indígenas estudadas (vide Anexo 2) mostra a situação do bloco

de TIs em 2007.

A partir das informações contidas no EIA do AHE Belo Monte e do levantamento de

dados secundários, foram identificadas quatro áreas críticas do ponto de vista da

vulnerabilidade territorial do bloco de Terras Indígenas: (i) Estrada Transiriri – TI

Cachoeira Seca; (ii) Face Norte/Leste da TI Arara – foz do Iriri; (iii) Estrada

Transassuriní – TI Koatinemo; (iv) Face Sudeste/Sul da TI Apyterewa.

Áreas vulneráveis

Estrada Transiriri / TI Cachoeira Seca

Dentre as áreas críticas identificadas, aquela associada à frente de ocupação de

Uruará é uma das que mais exerce pressão sobre o bloco de Terras Indígenas,

principalmente sobre a TI Cachoeira Seca (em toda a face norte). Como pode ser

observado no mapa 4 (ver adiante), o fato do limite norte da área delimitada pela

FUNAI para a TI Cachoeira Seca ser muito próximo à rodovia Transamazônica e

sobreposta, contígua ou muito próxima a diversos assentamentos do INCRA (Projetos

de Assentamento – PAs – Uirapuru, Tutuí-Sul, Macanã I e II, Rio das Pedras, Placas e

Campo Verde) faz com que a área seja alvo fácil para invasores.

Nesse caso, a principal via de penetração no território indígena é a estrada Transiriri,

travessão que liga perpendicularmente a Transamazônica, na altura de Uruará, ao rio

34

Page 35: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Iriri, e atravessa a TI Cachoeira Seca no sentido Norte-Sul (TEIXEIRA PINTO, [199-]).

Esta estrada foi aberta pela Madeireira Bannach, a partir de uma das picadas abertas

na década de 1970 pelos sertanistas da FUNAI e pela equipe de topografia da

Cooperativa Tritícola de Ijuí (COTRIJUI). Tendo capitaneado a invasão da TI Cachoeira

Seca, a Madeireira Bannach, além da infra-estrutura (serrarias, posto de gasolina, pista

de pouso, porto para embarcação das toras, etc), dispunha também de diversas

vicinais, abertas para facilitar o escoamento da madeira retirada do interior da TI.

De fato, há inúmeros registros de roubo de mogno e outras madeiras-de-lei realizados

por esta empresa ao longo dos últimos 25 anos. A abertura e a utilização da Transiriri

pela madeireira Bannach, além de permitir o escoamento da madeira no período da

seca, facilitou ao longo das últimas décadas a invasão da TI Cachoeira Seca por parte

de colonos. Conforme as informações contidas no diagnóstico da AII do EIA (pág

170)19:

“A Transiriri faz parte das estradas mais importantes para as frentes de ocupação que

pressionam a Terra do Meio, juntamente com a estrada da Canopus (que parte de São

Félix do Xingu) (...) Ambas as estradas são rotas de madeireiros e garimpeiros, legais e

ilegais, porém atendem também à população ribeirinha que busca serviços nas cidades

à beira da BR-230.”

De acordo com dados da FUNAI (Processos FUNAI nº 1384/2002), há registros de

invasões na TI Cachoeira Seca em 1993, 1994, 1997, 1998, 1999, 2000 e 2001.

Embora as atividades da madeireira Bannach estejam paralisadas, outras empresas

continuam a extrair ilegalmente madeira da TI.

Segundo informações fornecidas pela AER da FUNAI em Altamira (ver RIBEIRO,

2006), em 2006, 1.231 famílias de colonos estavam instaladas no interior da TI

Cachoeira Seca, ao longo da Transiriri e de suas principais vicinais. Inclusive, no

período anterior a interdição da área para fins de "pacificação", parte da área que hoje

constitui a TI Cachoeira Seca foi utilizada pelo INCRA para fins de reforma agrária. De

19 Meio Socioeconômico e Cultural – vol. 09 – seção 7.6.6.1.2 - “Sistema Rodoviário”.

35

Page 36: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

fato, parte das glebas Carajari, Leite, Pium e Cascata estavam sobrepostas à área

interditada pela FUNAI.

Como resultado dos 25 anos de atividade madeireira ilegal e invasão territorial por

parte de colonos, a análise das imagens de satélite revelou que, em 2006, 33.776 ha

da TI Cachoeira Seca já haviam sido devastados. A extensão das estradas endógenas

abertas no interior da Terra Indígena totalizaram 380 km (ver RIBEIRO, 2006). Além

disso, a TI ainda não foi regularizada (ver o capítulo etnográfico para mais informações

sobre a situação fundiária da TI Cachoeira Seca).

Faces Norte/Leste da TI Arara – Foz do Iriri

A TI Arara, principalmente nas faces norte e leste, é uma das mais vulneráveis do bloco

considerado. Na face norte, diversos travessões da Transamazônica na altura de

Medicilândia terminam no limite da TI, sendo que alguns a penetram. Inclusive, um

trecho da face norte da TI é limitado pela rodovia Transamazônica.

Na face leste, além da presença de diversos travessões que partem da

Transamazônica na altura de Brasil Novo, em direção ao sul, um fator de preocupação

é a presença de um assentamento do INCRA denominado PA Laranjal. Este

assentamento está localizado em uma porção de terras entre a TI Arara e o rio Xingu,

na altura da foz do rio Iriri. Além de pressionar a TI Arara, devido à sua localização na

confluência Iriri-Xingu este assentamento também pode em breve gerar impactos sobre

as TIs Kararaô e Koatinemo. Conforme pode ser observado no mapa da evolução do

desmatamento no entorno do bloco (mapa 4, adiante), esta área foi desflorestada

recentemente, o que indica um avanço da atividade econômica local.

A atividade madeireira é praticada na TI Arara desde a década de 1980, embora de

maneira não tão devastadora quanto à observada nas TIs Apyterewa e Cachoeira

Seca. De acordo com informações da FUNAI (Processo FUNAI nº 0026/86), há

registros de roubos tanto no final da década de 1980, ocasião em que 23 colonos

invasores foram flagrados vendendo madeira para as serrarias da região, quanto em

1993, quando 130 toras de mogno foram roubadas pela Fazenda Maracajá.

Atualmente, grupos madeireiros estão invadindo a porção oeste da TI Arara. Neste

36

Page 37: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

caso, a invasão da TI é feita através dos travessões perpendiculares a Transamazônica

situados no interior da TI Cachoeira Seca, em torno da estrada Transiriri (ver RIBEIRO,

2006). Por meio da reunião realizada na aldeia Laranjal no dia 18/03/2005, foi

registrado o fato de que a face NO da TI também se encontra ocupada ilegalmente por

alguns colonos (ver capítulo etnográfico para mais detalhes), que têm cultivado

principalmente o cacau.

Com relação aos garimpos, segundo Teixeira Pinto (1988), na década de 1980 alguns

funcionários da FUNAI permitiram a extração de ouro no interior da TI Arara.

Atualmente, entretanto, não há garimpos no interior desta TI. A despeito da pressão

que vem sendo exercida, a análise das imagens de satélite concluiu que em 2006

apenas 2.594 ha da TI estão desflorestados, justamente nos locais onde os travessões

perpendiculares à Transamazônica penetram o território indígena. As estradas

endógenas totalizaram naquele ano 67 km.

Estrada Transassuriní / TI Koatinemo

Na grande área de terras denominada “Assuriní”20, localizada na margem direita da

Volta Grande do Xingu, na altura da cidade de Altamira, a estrada conhecida por

Transassuriní é a principal via de acesso aos assentamentos do INCRA localizados

nessa área (PAs Assuriní, Itapuama, Morro das Araras e Ressaca e o PDS Itatá). Esta

estrada tem início no lado oposto da cidade de Altamira e avança no sentido NO-SE

até as proximidades da localidade da Ressaca. Conforme as informações contidas no

Diagnóstico da Área de Influência Direta (AID) do EIA (pág. 509)21:

“A ocupação da área foi iniciada a partir das margens do Rio Xingu, através dos

igarapés ou da abertura de ramais como o Palhal, Ramal dos Crentes, Gorgulho da

Rita, Cocal, dentre outros. Na década de 90 foi criado o Projeto de Assentamento

20 Embora essa área tenha sido desde tempos imemoriais habitada pelo povo indígena Asuriní do Xingu (ver

MÜLLER, 1993; NIMUENDAJÚ, 1948), a denominação regional contemporânea dessa área refere-se ao

assentamento Assuriní do Incra, e não ao povo Asuriní do Xingu. 21 Meio Socioeconômico e Cultural – parte 1 - volume 17 – seção 7.9.4.5 - “Subárea 5: Reservatório do Xingu

Margem Direita”.

37

Page 38: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Assurini, que acentuou a ocupação dirigida no interior da gleba com a construção da

Agrovila Sol Nascente e da Transassurini, rodovia de integração do referido projeto”.

No Vol. 9, Pg. 154, EIA RIMA – AHE Belo Monte – Item “Infra-estrutura de acessos”, o

Quadro 4.2.4-9 relaciona as melhorias e /ou implantação de novos acessos rodoviários

para suportar a implantação das obras afetas ao Sítio Pimental. Neste quadro

descreve-se como um dos acessos a BR-158 (Transassurini) à direita do Xingu “com

melhoria da estrada existente” como “tipo de serviço”.

Na Figura 10.4.2-52 – Base Cartográfica “Impactos sobre o sistema viário” do EIA

RIMA AHE Belo Monte, consta a informação da Rodovia Transassurini como BR 158.

Situada ao norte das TIs Koatinemo e Trincheira-Bacajá, a Transassuriní possuí

diversos travessões que recortam a área e avançam em direção à essas TIs. Os

principais são: do Cajá, do Terra Preta, do Pimentel, do Espelho, do Paratizinho, da

Firma, do Morro das Araras, Bom Jardim, Itapuama e Ramal dos Crentes. Os

travessões mais próximos da TI Koatinemo são: Itapuama, do Espanhol, Trans-União e

Nova Ituna, sendo que o final de alguns destes estão situados quase nos limites da TI,

como pode ser observado na “Carta- Imagem uso do solo”, contida no volume 17 do

EIA (vide Anexo 7)22.

Devido ao crescimento populacional da área e, conseqüentemente, ao avanço

desordenado dos travessões que partem da via principal, a área de influência da

Transassuriní constitui uma ameaça para a integridade territorial do bloco de TIs,

podendo em breve tornar-se um vetor de penetração na TI Koatinemo. Nesse contexto,

é relevante mencionar o fato de que dois importantes igarapés que nascem no interior

dessa TI (igarapés Ituna e Itatá) são cortados pela Transassuriní. Os dados sobre a

evolução do desmatamento também evidenciam o avanço da ocupação não indígena

na área, sendo que, nesse caso, a pecuária é a atividade econômica mais relevante.

As primeiras invasões na TI Koatinemo datam do final da década de 1980, quando

madeireiros começaram a adentrar o território Asuriní através do igarapé Ituna e por

22 “Carta Imagem uso do solo” - Diagnóstico da Área Diretamente Afetada – ADA – Meio Socioeconômico e Cultural,

volume 17.

38

Page 39: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

meio das estradas endógenas abertas na TI Trincheira-Bacajá, limite leste da TI

Koatinemo. Apenas na década de 1990, entretanto, foi registrada extração ilegal de

madeira no interior da TI (ver CEDI, 1993).

Face Sudeste/Sul da TI Apyterewa

De acordo com o antropólogo Carlos Fausto (1996), coordenador do Grupo de

Trabalho (GT) para Estudos Complementares sobre a TI Apyterewa, o projeto de

colonização dirigida levado a cabo pela Andrade-Gutierrez está na raiz da invasão

madeireira na TI Apyterewa, situada na face sul do bloco de TIs no Médio Xingu, a

partir da década de 1980.

A invasão da TI Apyterewa foi capitaneada por duas grandes empresas madeireiras - a

Exportadora Perachi (atual Juruá Florestal) e a Madeireira Araguaia (Maginco) -, que

buscavam explorar uma enorme reserva de mogno existente nas cabeceiras do Bacajá.

Para atingir este objetivo estas empresas construíram em 1986 uma estrada,

conhecida como "Morada do Sol", que, partindo de Tucumã, atravessa toda a TI

Apyterewa no sentido SE-NO e, por meio de diversas bifurcações, penetra nas TIs

Araweté/Igarapé Ipixuna e Trincheira-Bacajá pelas respectivas faces sul. Em 1988, o

estudo de identificação e delimitação da TI Apyterewa apontou a existência de grandes

aberturas efetuadas pelas madeireiras Perachi, Maginco, Impar e Bannach.

Em conjunto com a atividade madeireira, a política de assentamentos do INCRA na

região de São Félix do Xingu é uma das responsáveis pela situação fundiária

atualmente observada na TI Apyterewa. A proximidade com os municípios de São Félix

do Xingu e Tucumã tem resultado em sérios problemas fundiários (FAUSTO, 1996).

Em 2001, por pressão do poder local e devido à brecha aberta pelo decreto 1.775 de

08/01/1996 (ver MAGALHÃES, 2005) – assinado por FHC e que abriu a possibilidade

do ‘contraditório administrativo’, ou seja, a contestação das TIs não registradas em

cartório – a TI Apyterewa foi reduzida em 207 mil hectares. Ainda assim, em 2006

aproximadamente 1.100 pessoas continuavam assentadas ilegalmente dentro da TI

39

Page 40: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

(RIBEIRO, 2006), principalmente nas proximidades da localidade da Taboca. Em 2007,

embora a TI tenha sido homologada pelo Presidente Lula, o número de invasores pulou

para a marca de duas mil famílias (ver MENDES, 2007). Recentemente, a Prefeitura de

São Félix do Xingu construiu quatro pontes sobre o Igarapé São Sebastião - que

constitui o limite sul da TI Apyterewa – com o objetivo de melhorar o acesso às áreas

ocupadas por colonos no interior da TI23.

O Mapa de Vulnerabilidade Territorial das Terras Indígenas (vide Anexo 6) apresenta (i)

as principais áreas vulneráveis do bloco de TIs; (ii) a evolução do desmatamento; (iii)

as principais estradas endógenas e (iv) os assentamentos do INCRA no entorno do

bloco.

A Tabela 5 a seguir, apresenta a extensão do desmatamento e das estradas

endógenas no interior do bloco de TIs em 2005.

TABELA 5. Desmatamento e estradas endógenas nas TIs em 2005

Terra Indígena Área total (ha) Área desmatada (ha) Estradas (km)

Apyterewa 773.000 - -

Arara 274.010 2.594 67

Araweté 940.900 3.406 317,6

Cachoeira Seca 760.000 33.776 380

Kararaô 330.837 60 0

Koatinemo 387.834 318 0

FONTE: RIBEIRO, 2006.

NOTA: Não foram calculadas a área desmatada e a extensão das estradas endógenas na TI Apyterewa após a

redução territorial de 207.000 hectares.

23 Informação fornecida por Caetano Ventura, técnico da Administração Executiva Regional (AER) da FUNAI em

Altamira, no dia 16/03/2009, na sede da AER.

40

Page 41: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

3.Situação Fundiária

Dentre as seis TIs que compõem o bloco aqui considerado, as TIs Apyterewa

(homologada) e Cachoeira Seca (identificada) são as únicas que ainda não foram

registradas na Secretaria de Patrimônio da União (SPU). Nos dois casos, a atuação de

empresas madeireiras, a ocupação desordenada de assentamentos do INCRA e a

abertura de estradas endógenas são fatores que têm contribuído para a indefinição da

situação fundiária. A ação política das Prefeituras Municipais também tem dificultado o

processo de regularização das TIs (ver o capítulo etnográfico para mais informações

sobre esse assunto). A Tabela 6 a seguir sintetiza a situação fundiária das TIs.

41

Page 42: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

TABELA 6. Síntese da situação fundiária das Terras Indígenas do bloco do Médio Xingu

Terra Indígena Etnia/família lingüística

Nº de habitantes

Área (ha) Trecho da Bacia

Municípios Unidade da Federação

Situação Fundiária Atual

Koatinemo Asuriní do Xingu/Tupi-Guarani

144 387.304 Médio Altamira e Senador José Porfírio

PA Registrada

Araweté / Igarapé Ipixuna

Araweté/Tupi-Guarani

398 940.900 Médio Altamira, Senador José Porfírio e São Félix do Xingu

PA Registrada

Apyterewa Parakanã/Tupi-Guarani

411 773.000 Médio Altamira e São Félix do Xingu

PA Homologada

Kararaô Kayapó/Gê

39 330.837 Médio Altamira PA Registrada

Arara Arara/Karib

236 274.010 Médio Altamira, Medicilândia e Uruará

PA Registrada

Cachoeira Seca Arara/Karib 81 734.027 Médio Rurópolis, Altamira e Uruará

PA Identificada

FONTE: Diagnóstico da AII do EIA – Meio Socioeconômico e Cultural – vol. 09 – seção 7.6.9.2.6 - “Terras Indígenas”.

NOTAS: CRI = Cartório de Registro de Imóveis, SPU = Serviço de Patrimônio da União. Adaptado da tabela 7.3.2-2 (EIA – vol 9)

42

Page 43: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

7.3.3 Os povos Indígenas e os projetos oficiais de desenvolvimento econômico

previstos para região

Os principais projetos oficiais de desenvolvimento econômico previstos para a região

de Altamira são: (i) Programa de Aceleração do Crescimento (PAC); (ii) Plano

Amazônia Sustentável (PAS) e (iii) Plano Plurianual (PPA) 2008-2011 do Estado do

Pará. A construção do AHE Belo Monte e a pavimentação da rodovia Transamazônica

(BR-230) são as obras mais relevantes do ponto de vista econômico e da

transformação do espaço regional. As melhorias das condições dos eixos rodoviários e

das estradas situadas no entorno das TIs, previstas no PAC e no PPA, também são

importantes da perspectiva da situação territorial das TIs do Médio Xingu.

O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC)

Conforme as informações contidas no Diagnóstico da AAR do EIA (págs. 125 e 126)24:

“O Programa de Aceleração do Crescimento - PAC, foi instituído para o período

2007/2010 pelo Decreto nº. 6.025 de 22 de janeiro de 2007, que no seu Art. 1º o define

como: “(...) constituído de medidas de estímulo ao investimento privado, ampliação dos

investimentos públicos em infra-estrutura e voltadas à melhoria da qualidade do gasto

público e ao controle da expansão dos gastos correntes no âmbito da Administração

Pública Federal”.

“As ações do PAC estão organizadas em cinco blocos: 1) Investimento em Infra-

Estrutura; 2) Melhoria do Ambiente de Investimento; 3) Medidas Fiscais de Longo

Prazo 4) Desoneração e aperfeiçoamento do Sistema Tributário e 5) Estímulo ao

Crédito e ao Financiamento. (...) O conjunto de ações do PAC para a infra-estrutura

abrange três eixos: logística (rodovias, ferrovias, portos, aeroportos e hidrovias);

energia (geração e transmissão de energia, petróleo, gás natural, e combustíveis

renováveis); e infra-estrutura social e urbana (saneamento, habitação, transporte

urbano, Luz para Todos e recursos hídricos)”.

24 Meio Socioeconômico e Cultural – volume 06 – seção 7.3.3.5 - “Programa de Aceleração do Crescimento – PAC

(2007-2010)”.

43

Page 44: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

“O valor global previsto para os investimentos é da ordem de R$ 503,9 bilhões,

divididos entre o governo central que arcará com um pouco mais de 13% deste

montante (R$ 67,8 bilhões) e o restante será proveniente das estatais federais e do

setor privado (R$ 436,1 bilhões)”.

Dentre os eixos estratégicos do PAC no setor de infra-estrutura, o de “Energia” é o que

receberá o maior montante de recursos: R$ 274, 8 bilhões no período 2007-2010, o

que equivale à 54,5% da verba total do PAC para infra-estrutura. Na região Norte do

Brasil, será investido um total de R$ 50,9 bilhões nesse setor, sendo que, desse total,

R$ 32,7 bilhões será canalizado para o eixo “Energia”, R$ 6,3 bilhões estão destinados

ao eixo “Logística” e R$ 11,9 bilhões irão para o eixo “Social e Urbano”. No Estado do

Pará, a verba do PAC no setor de infra-estrutura totalizam R$ 18,3 bilhões. Desse

montante, R$ 14,7 bilhões serão investidos nos eixos de “Logística” e “Energia”.

Nesse contexto, as duas principais obras de infra-estrutura previstas pelo Programa de

Aceleração do Crescimento (PAC) para a região de Altamira são: o AHE Belo Monte

(eixo “Energia”) e a pavimentação da rodovia Transamazônica (BR-230), no trecho

Marabá-Altamira-Rurópolis (eixo “Logística”). Ambos já estavam previstos no Plano

Plurianual (conhecido como “Avança Brasil”) do Governo Fernando Henrique Cardoso.

Além dessas, também estão previstas a pavimentação da rodovia Cuiabá-Santarém

(BR-163; eixo “Logística”) e a construção da linha de transmissão Tucuruí-Macapá, que

será conectada ao AHE Belo Monte. A Tabela 7 a seguir apresenta as principais

informações sobre as obras de infra-estrutura do PAC previstas para a região

polarizada por Altamira:

44

Page 45: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

TABELA 7. Obras de infra-estrutura do PAC previstas para a região de Altamira

Eixo Empreendimento Investimento previsto 2007-2010

(R$ milhões)

Investimento previsto pós 2010

(R$ milhões)

Estágio da obra

Logística Pavimentação da rodovia Transamazônica (BR-230) – trecho Marabá/Altamira/Rurópolis

950 - Em andamento

Logística Pavimentação da BR-163 – trecho Guarantã do Norte/Rurópolis/Santarém

1.200 254 Em andamento

Energia Construção do AHE Belo Monte

2.810 4.190 Ação preparatória

Energia Construção da linha de transmissão Tucuruí-Macapá

2.267 1.133 Licitação da obra

TOTAL - 7.227 5.577 -

FONTE: Diagnóstico da AII do EIA – Meio Socioeconômico e Cultural – vol. 06 – seção 7.6.3.2.1 - “Programa de

Aceleração do Crescimento – PAC Pará”.

Plano Amazônia Sustentável-PAS

O Plano Amazônia Sustentável (PAS) é um instrumento de planejamento

macrorregional do Governo federal. Segundo as informações do Diagnóstico da AAR

do EIA25 (pág. 117),

“O objetivo do Plano Amazônia Sustentável – Diretrizes para o Desenvolvimento

Sustentável da Amazônia Brasileira (PAS), lançado em maio de 2008 pelo Presidente

da República, é a promoção do desenvolvimento sustentável da Amazônia Brasileira,

mediante a implementação de um novo modelo pautado na valorização de seu enorme

patrimônio natural e no aporte de investimentos em tecnologia e infra-estrutura,

voltadas para a viabilização de atividades econômicas dinâmicas e inovadoras coma

geração de emprego e renda, compatível com o uso sustentável dos recursos naturais

e a preservação dos biomas, e visando a elevação do nível de vida da população”.

25 Meio Socioeconômico e Cultural – vol. 06 – seção 7.3.3.4 - “Plano Amazônia Sustentável – PAS”.

45

Page 46: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

O PAS está ordenado em torno de quatro eixos temáticos: (i) Ordenamento territorial e

gestão ambiental; (ii) Produção sustentável com inovação e competitividade; (iii) Infra-

estrutura para o desenvolvimento sustentável e (iv) Inclusão social e cidadania. Os

recursos para a execução do PAS em todos eixos temáticos, por sua vez, decorrerão

da formação de parcerias público-privadas.

Dentre as diversas diretrizes do PAS, algumas estão diretamente ligadas aos povos

indígenas:

(i) “valorizar a diversidade sócio-cultural e ambiental da Amazônia; ampliar a presença

do Estado na Amazônia para a garantia de maior governabilidade sobre os processos

de ocupação territorial e de usos dos recursos naturais, maior capacidade de

orientação dos processos de transformação sócio-produtiva e melhor atendimento dos

direitos básicos das populações locais” (págs. 117 e 118);

(ii) assegurar os direitos territoriais dos povos e comunidades tradicionais da Amazônia,

condição para a reprodução social e a integridade cultural das populações ribeirinhas,

extrativistas, povos indígenas, quilombolas, entre outras (pág. 118), e;

(iii) combater o desmatamento ilegal (...), coibindo a replicação do padrão extensivo de

uso do solo das atividades agropecuárias, predominante na fronteira de expansão da

Amazônia nas últimas décadas (pág. 118).

No âmbito do PAS, destaca-se a recriação da Superintendência de Desenvolvimento

da Amazônia (SUDAM), que deverá elaborar o Plano Regional de Desenvolvimento da

Amazônia, que partirá de uma regionalização que reflita a diversidade ambiental,

econômica, social, cultural e política existente no vasto território amazônico.

Na área do Médio Xingu, esse processo já foi iniciado com alguns planos de

desenvolvimento regionais, tais como: o Plano de Desenvolvimento Regional

Sustentável para a área de Influência da Rodovia BR-163 (Cuiabá-Santarém) e o Plano

de Desenvolvimento Regional Sustentável do Xingu, este último ainda em elaboração.

As estratégias de implementação dos Planos de Desenvolvimento Regional

46

Page 47: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Sustentável nas áreas de abrangência estão organizada em torno dos quatro Eixos

Temáticos do PAS.

No caso do 'Plano BR-163 Sustentável', a região que incluí o Médio Xingu e o Médio

Tapajós foi eleita como área de abrangência do Plano, sendo denominada Mesorregião

Central, com área aproximada de 460 mil quilômetros quadrados. De todas as áreas de

abrangência do Plano, a Mesorregião Central é aquela com menor densidade

demográfica, estrutura fundiária mais concentrada (76% das terras privadas estão em

propriedades acima de 1.500 ha) e infra-estrutura mais precária. Entre 1990 e 2001, a

rede de estradas clandestinas nesta área cresceu 14%, dando suporte à extração

madeireira e à instalação de pastagens. Os municípios de Altamira e São Félix do

Xingu são os principais pólos econômicos da Mesorregião Central, que inclui a Terra do

Meio, vasta área de terras localizada no interflúvio Iriri – Xingu (MMA, 2006).

Os objetivos do 'Plano BR-163 Sustentável são os seguintes: (i) Criação de Unidades

de Conservação (UCs) e mosaicos de áreas protegidas; (ii) Regularização de Terras

Indígenas e territórios quilombolas; (iii) Regularização e consolidação de

assentamentos rurais já existentes; (iv) Regularização das terras públicas, levando em

consideração as recomendações do Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE); (v)

Promover o desenvolvimento territorial em nível municipal e microrregional; (vi)

Estabelecer acordos sobre o manejo dos recursos naturais (MMA, 2006).

No bloco das TIs do Médio Xingu, dentre as estratégias no âmbito do Eixo Temático

“Ordenamento Territorial e gestão ambiental”, estava previsto “demarcar e homologar a

TI Apyterewa e promover a desintrusão das terras” e “realizar ações de vigilância e

proteção das Terras Indígenas”. Dentre essas estratégias, a desintrusão da TI

Apyterewa e as ações de vigilância e proteção das TIs ainda não foram realizadas. No

entorno do bloco, também estava prevista a criação, já consolidada, pelo menos no

papel, de um mosaico de UCs na Terra do Meio (ver a próxima seção, sobre as

políticas ambientais na área).

Conforme as informações contidas no Diagnóstico da AAR, o Plano de

Desenvolvimento Regional Sustentável do Xingu, por meio da identificação de

oportunidades e ameaças ao desenvolvimento da região, tem como objetivo “[...]

47

Page 48: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

planejar e potencializar os investimentos trazidos com a implantação da Usina de Belo

Monte, além de atender ao passivo da região historicamente alijada do processo de

desenvolvimento” (págs. 80 e 81). Como, entretanto, o plano ainda está sendo

estruturado, ainda não há informações sobre as atividades previstas.

O Plano Plurianual (PPA) 2008 - 2011 do Estado do Pará

O Plano Plurianual (PPA) 2008-2011 é o principal instrumento de planejamento do

Estado do Pará. Segundo o PPA, as orientações estratégicas para cada Região de

Integração (RI) do Estado foram definidas com base nas potencialidades e nos

entraves ao desenvolvimento sustentável. As variáveis condicionantes consideradas

mais significativas para a integração regional foram a articulação político-institucional,

os investimentos em infra- estrutura e no desenvolvimento econômico e social, além do

apoio e incentivo à melhoria da competitividade das cadeias e arranjos produtivos

locais, em busca da dinamização da economia regional. Dessa forma, priorizam-se as

ações voltadas à diminuição dos gargalos ao desenvolvimento econômico e social e ao

incentivo das potencialidades dessas variáveis em cada RI, em cooperação com o PAC

do Governo Federal.

Nesse contexto, foram identificadas as seguintes potencialidades na RI do Xingu (ver

Diagnóstico da AII do EIA, pág. 81): (i) pólo de distribuição da produção, principalmente

se o asfaltamento da rodovia Transamazônica (BR-230) for consolidado; (ii) pecuária

bovina: carne, couro e lácteos; (iii) fruticultura (abacaxi, banana, cacau, laranja); (iv)

grãos (arroz, feijão, milho e soja); (v) cultivo florestal; (vi) Ovino – caprinocultura; (vii)

indústria extrativa mineral (níquel) e (viii) gemas, jóias e artesanato mineral.

No que tange aos povos indígenas, no Programa de Igualdade Étnico-Racial e Social

do PPA, estão previstos no Estado investimentos de aproximadamente R$ 39 milhões

(ver Tabela 7.6.3-6, na pág. 86 do Diagnóstico da AII) para “garantir direitos dos povos

indígenas, comunidades quilombolas e outras populações tradicionais e negras, com a

promoção e execução de ações integradas de políticas públicas específicas”. No

Diagnóstico, no entanto, não constam informações sobre qual o montante que será

48

Page 49: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

destinado a RI do Xingu nem sobre quais dessas políticas públicas específicas foram

ou serão direcionadas para os povos indígenas.

Com relação aos eixos rodoviários e estradas, além da pavimentação da

Transamazônica (BR-230), que será efetuada em conjunto com o PAC Federal26, no

PPA 2008-2011 serão efetivadas a pavimentação da rodovia PA-415 (Ernesto Acioly,

que liga Altamira a Vitória do Xingu) e melhorias na rodovia PA-150, situada a leste do

bloco de TIs do Médio Xingu. Também está previsto no PPA elevar à categoria de

estradas oficiais estaduais duas das principais estradas endógenas (denominadas no

EIA de 'estradas não oficiais') situadas ou no entorno ou no interior do bloco de TIs: a

estrada Transiriri, que atravessa a TI Cachoeira Seca, e a estrada Transassurini, que

corta a vasta área de terras situada ao norte da TI Koatinemo.

Os eixos rodoviários e as Terras Indígenas

Conforme mencionado acima, as pavimentações das rodovias Transamazônica (BR-

230) e Cuiabá-Santarém (BR-163) são duas das principais obras de infra-estrutura

previstas pelo PAC para a Amazônia Legal. Nesse caso, a relevância das obras

provêm não apenas do fato de que ambas as rodovias são eixos estruturais do

transporte rodoviário tanto para a região Norte como para região Centro-Oeste. Mas,

também, pelo fato de ambas estarem relacionadas à Área de Abrangência Regional

(AAR) do AHE Belo Monte.

Devido a estas características, a pavimentação dessas rodovias produzirá diversas

transformações na dinâmica da economia regional, principalmente por proporcionar

uma maior integração dos núcleos urbanos situados ao longo da rodovia e por facilitar

o escoamento da produção. Nesse contexto, é provável que o aquecimento das

atividades econômicas gerado em função das obras de infra-estrutura se traduza em

uma maior pressão sobre as TIs do bloco analisado.

26 Nesse caso, o Governo do Estado do Pará investirá na pavimentação da rodovia um montante de R$

918,5 milhões na obra (ver a tabela 7.6.3-8, na página 93 do Diagnóstico da AII do EIA do AHE Belo Monte).

49

Page 50: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

No ano 2000, pesquisadores do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM,

2000) já alertavam que, com base nos estudos que comprovam a relação entre a

implantação ou melhoria de infra-estrutura rodoviária e os desmatamentos, era possível

prever que, em apenas uma faixa de 50 km ao longo de quatro trechos de estradas a

serem pavimentadas através do “Avança Brasil” (e atualmente pelo PAC), uma área

entre 80.000 e 180.000 km2 poderia ser desmatada nos próximos 25 ou 35 anos

(IPAM, 2000). Além disso, a proposta de pavimentação das estradas poderia afetar um

quarto das TIs, Parques Nacionais e áreas de extrema importância para a conservação

da biodiversidade na Amazônia Legal. Isto porque, segundo os pesquisadores, as

melhorias nas estradas permitiriam o acesso rápido e de baixo custo às extensas áreas

de florestas de terra firme localizadas no centro da Amazônia e que, até aquele

momento, vinham sendo protegidas "passivamente" justamente devido a esta

dificuldade de acesso.

No caso das TIs e UCs, os pesquisadores previam que, considerando-se a mesma

faixa de 50 km ao longo de cada lado das estradas para as quais estava prevista a

pavimentação, seriam diretamente afetadas 31 TIs e 26 UCs (embora, no ano 2000, a

maioria das UCs da Terra do Meio ainda não tivessem sido criadas). Com relação às

TIs que compõe o bloco do Médio Xingu, o asfaltamento da rodovia Transamazônica

(BR-230) terá impacto direto sobre as TIs: Koatinemo, Arara, Cachoeira Seca e

Kararaô. Quanto às UCs, a pavimentação das duas rodovias (BR-230 e BR-163)

afetará diretamente a maior parte das área protegidas recentemente criadas na Terra

do Meio.

Ainda que não tenham sido contempladas pelo PAC ou pelo PPA do Estado do Pará,

as rodovias BR-158 e PA-167 estão incluídas no conjunto de eixos que compõem a

malha rodoviária do Médio Xingu. Embora possuam poucos trechos implantados na AII

do AHE Belo Monte, tais estradas possuem grande potencial de integração com as

regiões no interior da Bacia do Médio Xingu, onde estão localizadas diversas TIs e

UCs.

Conforme as informações contidas no Diagnóstico da AII, com uma extensão total

prevista de 3.955 km, a BR-158 é uma Rodovia Federal de diretriz longitudinal que

corta o Brasil de Norte a Sul, projetada para interligar Altamira (PA) a Santana do

50

Page 51: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Livramento (RS). No Estado do Pará a BR-158 foi implantada entre as cidades de

Redenção e Santana do Araguaia, no sul do Estado, trecho inserido na Área de

Abrangência Regional - AAR do AHE Belo Monte.

A partir de Redenção, a BR-158 está prevista para interligar a cidade de Ourilândia do

Norte (face sul do bloco de TIs) a Altamira (face norte). Nesse caso, é relevante o fato

de que, na Volta Grande do Xingu, na área de terra situada ao norte da TI Koatinemo, o

traçado da estrada Transassurini coincide com o traçado oficial projetado para a BR-

158 (ou seja, a Transassuriní é o trecho inicial da BR-158 projetada). No longo trecho

entre Ourilândia do Norte e a rodovia Transassuriní (situada na face norte da TI

Koatinemo) a BR-158 está projetada para passar por dentro da TI Trincheira-Bacajá

(vide Mapa de Vulnerabilidade Territorial das Terras Indígenas - Anexo 6).

A PA-167 tem também um traçado projetado de forma longitudinal. Partindo da

localidade de Carrazedo no município de Gurupá (situado nas proximidades da foz do

Xingu), esta estrada margeia a Floresta Nacional (Flona) de Caxiuanã e atravessa a

cidade de Senador José Porfírio, interligando-a a BR-230 (Transamazônica) na altura

da localidade de Belo Monte do Pontal, onde passa a ter seu traçado coincidente com a

rodovia federal até a cidade de Altamira; a partir deste ponto, a diretriz da PA-167 se

desenvolve na direção Sul acompanhando o interflúvio dos rios Iriri e Xingu, atravessa

a Estação Ecológica (Esec) da Terra do Meio e as TIs Kararaô e Menkragnoti até

conectar-se com outra rodovia também planejada, a BR-235, prevista para interligar a

BR-163 à BR-158, nas proximidades da divisa estadual entre os estados do Pará e do

Mato Grosso. O único trecho implantado, no entanto, é entre as cidades de Senador

José Porfírio e de Altamira, sendo boa parte comum à Rodovia Transamazônica (BR-

230).

Com relação às estradas endógenas, é importante frisar o fato de que as estradas

Transassurini e Transiriri, situadas no entorno e no interior do bloco de TIs,

respectivamente, estão incluídas no PPA 2008-2011 do Estado do Pará com estradas a

serem oficializadas no âmbito estadual e, portanto, passíveis de receberem recursos.

No caso da Transiriri, essa política representará a institucionalização da invasão da TI

Cachoeira Seca, iniciada pela madeireira Bannach na década de 1980.

51

Page 52: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

7.3.4 Os povos indígenas e as políticas ambientais no Médio Xingu

Mosaico de áreas protegidas do Vale do Xingu

A consolidação jurídica e prática do bloco de áreas protegidas da Terra do Meio –

contíguo, em suas faces norte e leste , ao bloco de TIs considerado - é o principal

objetivo da política ambiental oficial para o Médio Xingu. A consolidação do bloco

estava inclusive prevista no Plano Amazônia Sustentável (PAS), por meio do Plano de

Desenvolvimento Regional Sustentável para a Área de Influência da Rodovia BR-163

('Plano BR-163').

Nesse caso, é importante mencionar que os blocos da Terra do Meio e das TIs do

Médio Xingu constituem uma porção do mosaico mais amplo de áreas protegidas do

Vale do Xingu. Esse mosaico é formado por quatro grandes blocos: Parque Indígena

do Xingu (MT), bloco de TIs do sul do Pará e do norte do Mato Grosso (TIs Kayapó,

Baú, Mekragnoti, Badjonkore, Panará e Capoto-Jarina), bloco da Terra do Meio (que

inclui UCs e as TIs Xipaya e Kuruaya) e bloco de TIs do Médio Xingu (o qual, além das

seis TIs abordadas, incluí também a TI Trincheira-Bacajá). No total, esse mosaico

configura um corredor de áreas protegidas de mais de 26 milhões de hectares,

conforme pode ser observado no Mapa 3 – Mosaico das áreas protegidas da Bacia do

Rio Xingu.

Conforme as informações apresentadas no Diagnóstico da AII do EIA27, esta proposta

de ordenamento territorial segue as diretrizes do MacroZoneamento Ecológico-

Econômico (MacroZEE) da Amazônia Legal, estabelecidas pela Política Nacional de

Meio Ambiente em 2002. A gestão dos Zonemanetos Ecológico-Econômicos (ZEEs)

estaduais compete às Secretarias Estaduais de Meio Ambiente (SEMAs). Segundo

esse zoneamento, o território paraense divide-se em duas grandes zonas: (i) uma

destinada especialmente às áreas protegidas (65%) e (ii) a outra (35%) destinada à

consolidação e expansão de atividades produtivas, áreas de recuperação e áreas

27 Meio Socioeconômico e Cultural – vol. 09 – seção 7.6.2.1 - “Regionalização”.

52

Page 53: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

alteradas. Nesse caso, enquanto as TIs e UCs foram incluídas na categoria de áreas

protegidas, os municípios situados no entorno (tanto ao Norte, na área polarizada por

Altamira, quanto ao sul, na área polarizada por São Félix do Xingu) do bloco de TIs

considerado foram enquadradas na categoria de áreas para a consolidação da

atividade produtiva.

A chamada "Terra do Meio" é uma enorme área de terras no interflúvio Iriri-Xingu,

compreendendo aproximadamente 9 milhões de hectares de floresta. Ao longo dos

últimos anos, esta área vem sendo dilapidada pelo avanço (i) da fronteira econômica

dos municípios de São Félix do Xingu (que alcança a Terra do Meio através da estrada

da Canopus28) e Uruará (que a alcança por meio da estrada Transiriri) e (ii) da área de

influência da rodovia Cuiabá-Santarém (BR-163). Apesar deste avanço, que tem

resultado na expulsão de populações tradicionais, grilagem de terras públicas e

conversão da floresta em pastos de baixa rentabilidade, a Terra do Meio ainda acolhe

centenas de famílias extrativistas, além de ser considerada pelo Ministério do Meio

Ambiente (MMA), através do Programa Nacional de Diversidade Biológica, como "área

de muito alta importância" para a conservação da biodiversidade.

A criação de um conjunto articulado de áreas protegidas na Terra do Meio está sob

avaliação desde 2001, quando a Secretaria de Coordenação da Amazônia do MMA,

por reivindicação do movimento social da Transamazônica, contratou estudos para

esse fim. Assim, em 2002, a equipe do Programa Xingu do Instituto Socioambiental

(ISA) foi responsável, em parceria com organizações locais, pela identificação do

mosaico de UCs da Terra do Meio. O mapeamento revelou que a região é uma das

menos conhecidas e menos povoadas do País, apresenta cerca de 98% de sua área

bem preservada e é rica em biodiversidade e vários recursos naturais, como jazidas de

ouro e grande concentração de madeiras-de-lei (ISA, 2003).

Nesse contexto, a primeira proposta apresentada ao MMA, em 2002, previa a criação

de uma Estação Ecológica com 2,9 milhões de hectares e de um Parque Nacional com

780 mil hectares, ladeadas por três reservas para proteger as populações tradicionais

28 A estrada da Canopus é uma antiga estrada de garimpeiros que liga São Félix do Xingu (localidade

da Taboca) à vila da Canopus, no médio curso do rio Iriri, no sentido SE-NO. Atualmente, é o principal vetor de

penetração da Terra do Meio.

53

Page 54: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

da região. Propunha ainda a criação de uma Área de Proteção Ambiental (APA) -

categoria de unidade de conservação que admite a presença de propriedades

particulares em seu interior - com 1,29 milhão de hectares sobre a área ocupada por

propriedades rurais de São Félix do Xingu. No total, esse primeiro mosaico de áreas

protegidas teria 7,2 milhões de hectares. Como resultado, ao longo da atual gestão do

Governo Federal foram criadas a maioria das UCs que compõem o bloco da Terra do

Meio. O capítulo “Caracterização ambiental das Terras Indígenas” deste Relatório

apresenta informações mais detalhadas sobre o mosaico de áreas protegidas do vale

do Xingu.

Projeto Integrado de proteção às populações e Terras Indígenas da Amazônia

Legal (PPTAL) e PPG7

O Projeto Integrado de Proteção às Populações e Terras Indígenas da Amazônia Legal

(PPTAL) faz parte do Programa Piloto para a Conservação das Florestas Tropicais do

Brasil (PPG7). Criado em 1990 a partir de uma reunião do "Grupo dos Sete" (formado

por Alemanha, Canadá, EUA, França, Itália, Japão e Reino Unido), o PPG7 tem como

objetivo proteger as florestas tropicais e conservar a biodiversidade, reduzindo as

emissões de carbono e promovendo um maior conhecimento das atividades

sustentáveis da Floresta Tropical.

Vinculado à Coordenação Geral de Projetos Especiais da FUNAI, o PPTAL tem por

objetivo melhorar a qualidade de vida das populações indígenas, promovendo a

conservação de seus recursos naturais através da regularização fundiária das Terras

Indígenas da Amazônia Legal. Enquanto a regularização é executada pela FUNAI, a

implantação de projetos de proteção a essas áreas é feita através de parcerias entre

organizações indígenas, ONGs e FUNAI. O montante dos recursos destinados ao

PPTAL é da ordem de US$ 21 milhões.

As áreas a serem regularizadas no âmbito do Projeto são escolhidas a partir de

critérios como a existência de ameaça a integridade física e cultural do grupo e a

vulnerabilidade dos territórios indígenas em relação às frentes de expansão e

colonização. No caso do bloco de TIs do médio Xingu, a TI Kararaô foi a única incluída

54

Page 55: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

no PPTAL. Neste caso, o PPTAL financiou o processo de regularização fundiária desta

TI. Localizada na confluência dos rios Xingu e Iriri e declarada de posse indígena em

1971, A TI Kararaô foi registrada na Secretaria de Patrimônio da União (SPU) em 1999,

com área aproximada de 330.000 ha.

55

Page 56: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

7.4 Caracterização sócio-econômico e cultural dos povos indígenas das TIs

Arara, Cachoeira Seca, Kararaô, Koatinemo, Araweté Igarapé Ipixuna, Apyterewa

7.4.1 Arara – TI Arara e TI Cachoeira Seca

Lideranças Arara - Foto Fábio Ribeiro Março 2009

Nome

Os Arara se auto-denominam Ukarãngmã (ou Wokorongma), que literalmente significa

"povo das araras vermelhas" (ISA, 2006). A designação genérica "Arara", por sua vez,

provavelmente refere-se aos motivos que estes índios tatuavam na própria face

(Teixeira Pinto, 1988).

Não há relação entre os Arara aqui abordados e o povo Arara da Volta Grande,

descendente dos Arara do rio Bacajá, com língua, ocupação territorial e história do

contato diferentes (Patrício,1996).

56

Page 57: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Língua

O povo indígena Arara pertence à família lingüística Karib. As maiores concentrações

demográficas dos povos desta família lingüística encontram-se no maciço das Guianas

e na região dos formadores do rio Xingu (rios Kuluene, Batovi, Culiseu e Ronuro).Por

este motivo, o antropólogo Márnio Teixeira Pinto29 considera que os Arara ocupam uma

posição geográfica marginal em relação aos outros povos indígenas de mesma filiação

lingüística. Junto com os Apiacá do Tocantins (extintos),Yaruma (extintos) e Txicão

(hoje no Parque Indígena do Xingu), os Arara do Estado do Pará foram agrupados

numa subfamília dialetal de nome também "Arara", cujos membros estavam dispersos

principalmente pela bacia do médio e alto Xingu e Iriri.

Histórico do contato

O território tradicional ocupado pelos Arara desde meados do século XIX até meados

do século XX compreendia uma vasta região entre o oeste do rio Xingu, o leste do rio

Tapajós e o sul do baixo rio Amazonas, sendo que a maior concentração de

assentamentos de grupos locais Arara situava-se na margem esquerda do Xingu, na

região próxima a Altamira. Entretanto, a dinâmica social e espacial dos povos

indígenas do interflúvio Tapajós-Tocantins começou a transformar-se radicalmente a

partir do início do século XX, com a intensificação das frentes migratórias para a região

amazônica, as quais imprimiram um novo modo de gestão dos recursos naturais e do

território até então ocupado por populações nativas.

Este processo de modificação do espaço amazônico tomou maiores proporções a partir

dos trabalhos de abertura da rodovia Transamazônica (BR-230) no final da década de

1960. No caso específico do povo Arara, a abertura da Transamazônica além de iniciar

um longo processo de invasão do território indígena, que perdura até hoje, também

marcou o início do processo de "pacificação" do grupo.

29 Relatório de pesquisa - Port. nº 428/Pres FUNAI, s/d

57

Page 58: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

O impacto ocasionado pela Transamazônica foi de grande magnitude, cortando o

território Arara ao meio e impossibilitando, desse modo, que o modelo social de

interrelações entre os grupos Arara se reproduzoisse, devido à barreira física. Houve

um rompimento das relações de cooperação e solidariedade que existem entre estes

grupos. O distanciamento espacial a que foram submetidos comprometeu a circulação

dos grupos por diferentes zonas ecológicas, base das relações de reciprocidade, como

a troca de caça por bebida e de itens da cultura material como a taboca para flecha, a

folha de palmeira para a cestaria e uma espécie de coco de palmeira usada para

preparação de bebida ritual.

Todos estes itens da vida social e cultura material dependiam da circulação por

diferentes zonas ecológicas e do sistema de troca e especialidades produtivas dos

diferentes grupos Arara desta região. Os rituais e os casamentos complementavam

estas operações de interdependência.

Tradicionalmente, o sistema sociocultural Arara funciona na base de uma

complementaridade entre os grupos residenciais: quando um exerce o papel de

caçador, o outro se dedica à fabricação das bebidas. Toda a caça obtida por um grupo

será "trocada" pela bebida feita pelo outro. No momento seguinte tudo se inverte, e

quem caçou passa a fabricar a bebida, enquanto quem as fazia, volta a ser caçador.

Tal sistema, que supõe a circulação dos produtos agrícolas no interior de toda a rede

intercomunitária, tem o sentido maior de viabilizar a rede de trocas estabelecida entre

aqueles que exercem, de forma alternada no decorrer dos ciclos anuais, o papel de

caçadores e o de produtores de bebida, criando vínculos de cooperação e

reciprocidade entre todas as unidades domésticas. Tais formas de articulação são de

importância capital para o funcionamento do sistema sociocultural Arara, em suas

expressões econômicas, religiosas, matrimoniais, etc. (Teixeira Pinto, apud

Ribeiro,2006)

Como afirma Teixeira Pinto, “o impacto da implantação dos novos projetos em torno do

leito da rodovia Transamazônica sobre o modo de vida tradicional dos Arara afetou

principalmente o padrão de dispersão espacia, a articulação política dos grupos locais

58

Page 59: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

e a possibilidade de exploração extensiva dos ecótipos diferenciados (micro-ambientes

dos igarapés pertencentes às bacias do Amazonas e do Xingu/Iriri).”

O travessão do km 185 é, de fato, a grande "barreira" territorial imposta aos índios da

TI Cachoeira Seca , cujo efeito para a sua relação com os demais índios da TI Arara é

comparável, em todos os sentidos, àquele causado pela própria Transamazônica, nas

relações entre o grupo residencial do Ikoptsi30 que ficou ao norte da rodovia e os outros

que ficaram ao sul.

Contatados na década de 1980, em épocas e locais distintos, estes grupos foram

reunidos nas Terras Indígenas Arara e Cachoeira Seca, situadas ao sul da

Transamazônica, entre esta e o rio Iriri (Mapa de Localização das Terras Indígenas

estudadas – vide anexo 01). Embora sejam contínuas e contíguas e sejam controladas

pelo mesmo povo indígena (os Ukarãngmã), juridicamente as duas TIs estão em

situação completamente distinta, sendo que a TI Arara já está homologada e registrada

na Secretaria de Patrimônio da União - SPU. A TI Cachoeira Seca, por sua vez, teve

seus limites recentemente alterados pela União e ainda não foi homologada.

O longo processo de "pacificação" dos Arara teve início nos primeiros anos da década

de 1970, a partir da abertura da rodovia Transamazônica (BR-230). Quando o trecho

que liga as cidades de Altamira e Itaituba cortou ao meio o território tradicionalmente

ocupado pelos Arara, foram registrados inúmeros confrontos entre os índios e a

população regional.

Em 1971, a FUNAI criou uma Frente de Atração devido "a urgência da pacificação dos

índios para o não prejuízo das obras e projetos em andamento" (Teixeira Pinto, 1988).

A Frente de Atração passou a penetrar sistematicamente no território onde se

acreditava poder encontrar a aldeia dos índios, na altura do km 92 da Transamazônica.

Entretanto, o fato dos Arara estarem divididos em diversos subgrupos locais

extremamente móveis frustrou as tentativas de contato. De fato, muitas vezes as

Frentes de Atração foram desativadas e posteriormente reativadas.

30 Nome do homem mais velho do grupo local que, em geral, o lidera e pelo qual é identificado

59

Page 60: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

A situação tornou-se tensa a partir de 1974, quando uma grande parte (396.150 ha) do

território tradicional Arara foi concedido à Cooperativa Tritícola de Ijuí – COTRIJUI,

para a implantação de um projeto de colonização aprovado pelo Ministério da

Agricultura. Auxiliados pelos sertanistas da Frente de Atração, reativada em 1975, os

funcionários que realizavam os trabalhos de topografia da COTRIJUI abriram uma

picada no km 120 da Transamazônica, indo em direção ao sul, para o rio Iriri, cortando

a área já interditada para fins de atração entre os kms 80 e 160 da rodovia.31

Neste período também foram iniciados os Estudos do Inventário do Complexo

Hidrelétrico - CHE de Altamira. Em diversas ocasiões funcionários do CNEC –

Consórcio Nacional de Engenheiros Consultores (empresa responsável pelos estudos

do CHE de Altamira) foram desembarcados de helicópteros, abrindo clareiras próximas

às malocas e às roças indígenas.

Entretanto, apenas em 1979, há informações de choques com colonos, em intervalos

de tempo bastante curtos e locais muito distantes entre si (tanto abaixo do km 120

como acima do km 180), concluindo-se que não se tratava de apenas um grupo

indígena. Assim, a Frente de Atração da FUNAI foi desmembrada em várias equipes

para tentar o contato em pontos diferentes do território. Em maio de 1980, uma das

frentes que havia sido desativada, retomou suas atividades32, com uma grande

mudança qualitativa em sua postura: a política de "caça ao índio", praticada ao longo

da década de 1970, foi substituída pela proteção territorial, física e cultural do grupo

Arara. Assim, ao norte da Transamazônica, na altura do km 80, foi instalada a Frente

Penetacaua. Ao sul da rodovia foi criado o Posto de Vigilância nº 1 (PV 1), no limite sul

da estrada vicinal do km 120.

A partir de 1981, os Arara começam a aceitar cada vez mais os brindes oferecidos, e

passam a visitar freqüentemente o PV 1. Estava consolidado o contato. Ao contrário,

em 1980, a Frente Penetecaua havia perdido o contato com os Arara do norte, o qual

só será retomado no final de 1983.

31 Portaria nº 5.281/N de 30/10/1978 32 Portaria nº 641/N/80

60

Page 61: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Em 04/01/1984, através do Decreto nº 88.018, foi interditada a Área Indígena Arara II,

situada ao norte da Transamazônica. A fixação dos grupos contatados em 1981 e 1983

numa mesma área teve início já em 1984, quando os Arara do norte foram transferidos

para a área interditada ao sul da rodovia (Teixeira Pinto, 1988).

Durante todo o tempo em que a Frente de Atração Arara atuou na região do km 120 da

Transamazônica e do rio Penetecaua, surgiram registros sobre a existência de índios

arredios numa área mais oeste, na região próxima aos igarapés Olhões, Sem-Tripa,

Dois Irmãos e Leite. Assim, no início de 1980 o sertanista Sidney Possuelo coordenou

a primeira expedição para esta região e em 1981 foi instalado um Posto de Atração

junto ao igarapé Liberdade, local onde ocorreram alguns confrontos entre os índios e

alguns ribeirinhos. A partir de julho de 1983 este grupo Arara começa a aparecer nas

roças abertas pelos sertanistas do Posto. Entretanto, até o contato efetivo com o grupo,

realizado em 1987, os sertanistas da FUNAI não sabiam que se tratava de um

subgrupo Arara, visto que aquela região era área tradicional de perambulação de

diversos grupos indígenas como Xipaya, Kuruaya e Kayapó.

Em 1985, considerando o desenvolvimento dos trabalhos de localização e atração do

grupo, foi interditada uma área de 1.060.400 ha33, contígua à Área Indígena Arara I.

Porém, o contato definitivo com os índios que atualmente vivem na aldeia Iriri só

ocorreu em 1987, quando finalmente os sertanistas da FUNAI constataram que se

tratava de um subgrupo Arara.

33 Através da Portaria PP nº 1854/E de 15/04/1985

61

Page 62: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Situação fundiária da TI Arara e da TI Cachoeira Seca

Em 1986, o Grupo de Trabalho da FUNAI34 designado para proceder a identificação e

levantamento fundiário da Área Indígena Arara delimitou uma superfície de 390.000 ha

e 350 km de perímetro, denominada Arara I. A área situada ao norte da

Transamazônica recebeu a designação de Área Indígena Arara II.

Entretanto, como em 1974, grande parte do território indígena (396.150 ha) havia sido

concedida à Cooperativa Tritícola de Ijuí – COTRIJUI, para a implantação de um

projeto de colonização, aprovado pelo Ministério da Agricultura, em 1986, uma parcela

considerável da área delimitada pelo Grupo de Trabalho encontrava-se invadida por

colonos. Buscando uma solução pacífica para a retirada dos colonos, o então

Administrador da FUNAI de Altamira encaminhou uma proposta35 ao então Ministro de

Estado do MIRAD - Ministério da Reforma e Desenvolvimento Agrário, Dr. Jader

Barbalho. O teor da proposta era o seguinte: mediante a retirada dos colonos do

interior da Área Indígena Arara I (delimitada pelo GT de 1986), a FUNAI cederia ao

MIRAD a Área Indígena Arara II, que se encontrava completamente invadida desde a

transferência em 1984 do subgrupo contatado ao norte da Transamazônica, mais uma

área de 443.000 ha, excedente da terceira área interditada para os Arara.

Embora assumida verbalmente pelo Ministro Jader Barbalho, em 1988, tal proposta

não foi executada e a situação de tensão agravou-se36. De fato, o levantamento

fundiário realizado em 1987 revelou que, dos 486 invasores do território indígena,

apenas nove ocupações poderiam ser consideradas de boa-fé, aquelas dos ribeirinhos

da beira do Iriri.

Diante da continuidade das invasões, a FUNAI ingressou com uma ação de

reintegração de posse junto ao Ministério Público Federal. Em 10/01/1990, o Juíz

Federal da 4ª Vara de Belém, Daniel Paes Ribeiro, emitiu liminar de reintegração de

34 Criado pela Portaria nº 2024/E de 12/03/86 35 Através da EM 001/PRESI de 16/03/1988 36 Marco Antônio do Espírito Santo, In: Processos FUNAI nº 0026/86

62

Page 63: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

posse em favor da União, exigindo a desintrusão da Área Indígena. A sentença foi

cumprida em junho de 1990, ocasião em que Oficiais de Justiça, Ministério Público

Federal e FUNAI, com o auxílio do INCRA e Prefeitura de Medicilândia, retiraram

invasores dos travessões dos kms 90, 95, 100, 105 e 110.

Concomitante a este trabalho de desintrusão a FUNAI decidiu demarcar a Área

Indígena Arara I37, no entanto, por razões desconhecidas, este processo de

demarcação excluiu parte da área delimitada pelo GT de 198638. Em 24/12/1991, o

Decreto Presidencial nº 399 assinado por Fernando Collor homologa a demarcação

administrativa da Terra Indígena Arara.

Tabela 8. Situação fundiária da TI Arara

AREA (Ha) 274.010,024

PERÍMETRO (Km) 298.77196

MUNICÍPIOS Altamira, Brasil Novo, Medicilândia e Uruará

DECLARATÓRIA n/c

HOMOLOGAÇÃO 24/12/1991

REGISTRO 06/02/1996

SPU 22/06/1994

Fonte: DAF/FUNAI /Ribeiro,2006

A situação jurídica da Terra Indígena Cachoeira Seca encontra-se indefinida há anos.

Como foi citado anteriormente, o processo de regularização desta TI teve início em

1985, quando a FUNAI interditou uma área de 1.060.640 ha39, para realizar o processo

de "pacificação" de um dos subgrupos Arara. Com a efetivação do contato oficial em

1987, a FUNAI40 constituiu um grupo de trabalho de identificação, coordenado pela

antropóloga Wilma Marques Leitão, que propôs uma área de 686.501 ha. Esta proposta

estabeleceu a descontinuidade dos territórios Arara, até então contínuos.

37 Processo FUNAI nº 0026/86 38 Teixeira Pinto, In: Relatório de pesquisa - Port. nº 428/Pres FUNAI, s/d 39 Através da Portaria nº 1.854/E 40 Portaria nº 1.528 de 21/12/1988

63

Page 64: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Nas áreas excluídas pela FUNAI, situadas entre as Terras Indígenas Arara e Cachoeira

Seca, encontravam-se aquelas de atuação da madeireira Bannach e as de ocupação

das frentes de colonização. Devido a incorreções constatadas no lado da proposta de

1988, foi criada uma Comissão Especial de Análise da FUNAI, que definiu os limites do

que veio a ser a Terra Indígena Cachoeira Seca, com 760.000 ha contínua à TI Arara.

Em 22/01/1993, foi publicada no Diário Oficial da União a Portaria nº 26 do Ministério

da Justiça, que declarava de posse permanente indígena para efeito de demarcação a

TI Cachoeira Seca, com 760.000 há, incidentes sobre terras dos municípios de

Altamira, Placas e Uruará. Esta portaria foi contestada pelo Ministério Público Federal,

fundamentado principalmente pelo laudo da proposta de 1988. Além disso, em

05/02/93, o Prefeito de Uruará, em defesa dos fazendeiros, colonos e madeireiros,

instalados no interior da Terra Indígena, impetrou um Mandato de Segurança, contra a

ação administrativa do Ministério da Justiça. A partir de então se iniciou uma grande

disputa judicial em relação à TI Cachoeira Seca.

Como resultado, a FUNAI determinou a realização de novos estudos

complementares41, a serem coordenados pelo antropólogo Márnio Teixeira Pinto,

especialista na etnia Arara. No relatório de pesquisa apresentado, Teixeira Pinto,

defendendo a área definida pela Portaria nº 26, esclarece que os índios da TI

Cachoeira Seca reconhecem-se e são reconhecidos como pertencentes ao conjunto

dos Ukarãngmã (ou Wokorongma), ou seja, ao povo historicamente conhecido por

"Arara", e que engloba os indivíduos da TIs Arara e Cachoeira Seca. Além disso, ao

descrever o padrão de organização social e espacial do povo indígena Arara, Teixeira

Pinto prova o uso tradicional por parte dos Arara da área entre os igarapés Olhões e

Cajueiro, o que justifica a necessidade da demarcação contínua das duas TIs

controladas pelos Arara. No final do laudo, o antropólogo propõe apenas uma

retificação quanto ao limite norte da TI Cachoeira Seca.

Foram apresentadas diversas contestações à identificação e delimitação da TI

Cachoeira Seca. Entretanto, a maioria dos Mandatos de Segurança impetrados contra

a Portaria nº 26/MJ foram desconsiderados pelo Supremo Tribunal de Justiça. Em

41 Através da Portaria nº 428/Pres/FUNAI

64

Page 65: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

2004, tiveram início os trabalhos de demarcação da Terra Indígena, logo suspensos

por força da decisão do STJ42, que acatou novo mandato impetrado por invasores.

Em 2008, por meio da Portaria nº 1235 de 30/06/2008, a União modificou o limite norte

da TI. Por um lado, uma área cortada pela estrada Transiriri e caracterizada como de

impossível desintrusão foi excluída da TI. Por outro, uma área que anteriormente não

fazia parte da TI foi incluída na área declarada de posse indígena. Como resultado

dessa Portaria, a TI Cachoeira Seca foi reduzida em aproximadamente 26.000 ha (de

760.000 para 734.027 ha). A homologação da TI Cachoeira Seca bem como sua

desintrusão não foram concretizadas.

Tabela 9. Situação fundiária da TI Cachoeira Seca

AREA (Ha) 734.027

PERÍMETRO (Km) 541

MUNICÍPIOS Altamira, Placas e Uruará

DECLARATÓRIA PD nº 1235/MJ de 30/06/2008

HOMOLOGAÇÃO n/c

REGISTRO n/c

SPU n/c

Fonte: DAF/FUNAI /Ribeiro,2006

Aspectos demográficos

Tradicionalmente, no período anterior ao contato oficial, a estrutura social do povo

Arara era caracterizada pela dispersão espacial de vários grupos locais que, embora

autônomos em termos econômicos e políticos, articulavam-se através de uma imensa

rede de prestações e trocas comerciais e cerimoniais43. A partir da década de 1970,

com o início dos trabalhos de "pacificação" e com a dilapidação do território tradicional

deste povo indígena, a estratégia encontrada pelos Arara para resistir ao contato com a

sociedade brasileira, foi a aglutinação dos diversos grupos locais .

42 No julgamento do Mandato de Segurança nº 4.819-DF 43 Teixeira Pinto, In: Relatório de pesquisa - Port. nº 428/Pres FUNAI, s/d

65

Page 66: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

No caso dos índios que hoje habitam a TI Arara, o grupo contatado em 1981, ao sul da

rodovia, estava composto por indivíduos pertencentes a três sug-grupos. Em 1983, ao

norte da rodovia, a Frente da FUNAI estabeleceu contato com outro subgrupo local,

que provavelmente não conseguira cruzar a Transamazônica em busca da

aproximação com os outros grupos locais.

No caso do grupo que atualmente habita a TI Cachoeira Seca, o contato oficial foi feito

só em 1987, ocasião em que os sertanistas da FUNAI "pacificaram" os membros de um

único grupo local há muito tempo isolado dos outros grupos que compunham a rede

intercomunitária. Em ambos os casos, e em comparação aos processos de

"pacificação" dos outros grupos indígenas do médio Xingu, os Arara não sofreram (ou

sofreram pouco) os efeitos deletérios das doenças trazidas pelo contato. De fato, os

sete falecimentos causados por um surto gripal na TI Arara são as únicas mortes

atribuídas às condições epidemiológicas do pós-contato (Teixeira Pinto, 1988). Nos

últimos 15 anos observou-se um considerável crescimento demográfico do grupo.

Atualmente o povo Arara está dividido em duas aldeias, ambas situadas na margem

esquerda do rio Iriri: aldeia Laranjal, situada na TI Arara, cuja população atual é de 236

indivíduos e aldeia Iriri, situada na TI Cachoeira Seca, cuja população atual é de

81pessoas. O tempo de viagem destas duas aldeias até a cidade de Altamira está

sintetizado na Tabela 11 abaixo

Tabela 10. Tempo de viagem Altamira - aldeias Laranjal e Iriri

Aldeia Época Avião (ida) Voadeira (ida) Barco (ida)

Inverno 5 horas 16 horas Laranjal Verão

sem pista

pouso 8 horas 24 horas

Inverno 14 horas 25 horas Iriri Verão

sem pista

pouso 20 horas 30 horas

Fonte: FUNAI – 2003/ Ribeiro,2006

66

Page 67: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Em ambos os casos, o cargo de chefe de posto da FUNAI é ocupado por sertanistas44

que integraram as Frentes de Atração deste povo indígena. Além destes servidores da

FUNAI, outros indivíduos não indígenas vivem nas aldeias dos Arara: professores,

auxiliares de saúde , demais servidores da FUNAI e no caso da TI Arara, missionários

da ALEM - Associação Linguística Evengélica Missionária.

Organização social e estratégias de sobrevivência frente ao contato com a

sociedade nacional

O povo Arara era composto por diversos grupos locais, que estavam dispersos

territorialmente por todo o divisor de águas das bacias do Xingu e baixo Amazonas, até

provavelmente o final da década de 1960, como mostra o trecho a seguir:

"(...) no passado os vários grupos residenciais dispersos territorialmente

configuravam unidades políticas locais autônomas e independentes. Uma rede de

prestações múltiplas costurava as relações entre esses grupos, definindo as

nervuras da vida social Arara: a autonomia política e a independência econômica

eram justapostas à colaboração para os ciclos rituais e a vinculação matrimonial

de todos os subgrupos pertencentes à rede intercomunitária. A possibilidade de

que estes três marcos tradicionais da vida social Arara pudessem efetivar-se na

prática dependia, obviamente, da capacidade de cada subgrupo de se relacionar

com os demais." 45

Politicamente, as unidades locais eram lideradas pelo homem mais velho do grupo,

inclusive os subgrupos eram identificados pelo seu nome. Eventualmente,

acontecimentos que abalavam o prestígio ou o reconhecimento do velho líder de um

subgrupo, como crimes, acusações de feitiçaria, descumprimento de normas de

convívio, etc., poderiam levar ao isolamento social e espacial dos subgrupos

pertencentes à rede intercomunitária.

44 TI Arara: Arismar Mendes Barros; TI Cachoeira Seca: Afonso Alves Cruz 45 Teixeira Pinto, In: Relatório de pesquisa - Port. nº 428/Pres FUNAI, s/d

67

Page 68: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

De acordo com a mesma fonte, este isolamento denotava uma estratégia política que

visava à reafirmação do prestígio do líder perante os líderes dos outros subgrupos. A

contrapartida desta atitude política era a adoção da endogamia como única estratégia

de reprodução biológica do subgrupo. Entretanto, o isolamento tinha caráter

temporário: "após um par de anos, um líder de um grupo residencial com grande

prestígio junto aos outros, ou um xamã, atendendo a imperativos simbólicos, tomava a

iniciativa de procurar o líder do grupo isolado, incitando-o a retomar as relações com os

demais." 46

Contudo, a partir do final da década de 1960, com a abertura da rodovia

Transamazônica, planejada para passar exatamente no divisor de águas Xingu/baixo

Amazonas, e a implantação dos projetos de colonização do INCRA, consolidaram

barreiras concretas ao padrão tradicional de organização social do povo Arara.

Por um lado, em virtude da iminência do contato com a sociedade nacional, os

subgrupos locais se viram impedidos de utilizar extensivamente o território que

dominavam há anos e, por esse motivo, acabaram se aglutinando,como se afirmou

acima. Por outro lado, a intensiva ocupação não indígena do território Arara impediu

que retomassem a rede intercomunitária de subgrupos até então isolados. Este é o

caso dos subgrupos contatados em 1983, ao norte da Transamazônica, e em 1987, na

área onde está situada a TI Cachoeira Seca.

No caso da população que atualmente habita a TI Arara, a aglutinação estratégica

criou uma situação sui generis no período pós-contato: embora vivendo até hoje numa

única aldeia, cada subgrupo local ainda mantêm sua autonomia política e

independência econômica. Cada um dos subgrupos locais, que com a aglutinação em

uma só aldeia transformaram-se em subgrupos residenciais, tem lugares específicos

para caça e plantio, locais separados para tomar banho no rio, distintos papéis durante

os rituais e até horários diferentes para receber atendimento no posto de saúde. Por

este motivo, a aldeia Laranjal consiste num agregado sociopolítico-residencial, e não

numa unidade orgânica. Inclusive, há registros de pressões internas para o retorno ao

padrão tradicional de dispersão territorial.

46 Idem

68

Page 69: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

No caso do grupo que atualmente habita a aldeia Iriri, a história se mostrou mais

dramática. Isolado da rede intercomunitária por razões incertas, provavelmente um

assassinato, o único casal que deu origem a todo o grupo da TI Cachoeira Seca,

tentou uma reaproximação com os outros subgrupos locais em meados da década de

1980. Entretanto, a ocupação não indígena do território situado ao sul da rodovia

Transamazônica, principalmente ao longo dos travessões perpendiculares à rodovia,

impediu o processo de reintegração deste subgrupo à rede de prestações

intercomunitárias. Embora autônomo em termos políticos e econômicos, o grupo teve

que recorrer à estratégia da endogamia, para perpetuar sua reprodução biológica num

contexto de total isolamento.

Relação dos Arara com os recursos naturais da Bacia fluvial do Xingu

O povo indígena Arara é tradicionalmente agricultor e caçador. O confinamento

territorial observado nas últimas décadas, somado ao fato das duas aldeias deste povo

situarem-se na beira do rio Iriri transformaram a pesca numa atividade cada vez mais

importante para o grupo.

A gestão tradicional dos recursos naturais por parte dos Arara estava inteiramente

associada ao padrão de organização sócio-espacial do grupo. Neste sentido, o fato dos

Arara habitarem imemorialmente o divisor de águas entre as bacias do Xingu e do

baixo Amazonas permitia a utilização, pelos grupos locais, de matérias-primas oriundas

de dois ecótipos distintos, o que resultava no acesso a territórios de caça e coleta

diferenciados. Como mostra Teixeira Pinto47 :

"A dispersão espacial dos grupos residenciais, como condição para sua

independência econômica e autonomia política, implicava num modo de uso

extensivo e sazonal dos recursos naturais em toda a região do divisor de águas

entre a bacia do Amazonas e a bacia do Iriri/Xingu. Dada a rede de colaboração

47 Relatório de pesquisa - Port. nº 428/Pres FUNAI, s/d

69

Page 70: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

intercomunitária, cada grupo residencial/local ocupava e explorava um

determinado trecho do território, cujos recursos naturais acabavam circulando no

interior da rede, de modo a torná-la coesa e solidária, em relação à possibilidade

de acesso aos recursos naturais desigualmente distribuídos no território. O caráter

instável dos assentamentos permitia também uma espécie de rodízio do território,

de modo que as rotas tradicionais dos vários subgrupos acabavam se cruzando,

criando uma verdadeira "malha viária" nativa sobre o território explorado

coletivamente pelos vários grupos residenciais em que o povo Arara sempre

esteve dividido."

Com relação à prática agrícola, os Arara tendem a fazer as roças em lugares próximos

às aldeias. Tradicionalmente, a agricultura Arara supõe o preparo de dois tipos de

roças: uma individual, cujo objetivo é o sustento das unidades familiares; e outra

coletiva, preparada pelos membros de um subgrupo local e destinada ou aos membros

deste mesmo subgrupo ou, através da transformação dos vegetais em bebidas

fermentadas, ao oferecimento aos membros de outro subgrupo local.

Embora a preferência recaia sobre a macaxeira, os outros itens que plantam (batata,

cará, milho, banana e etc.) também servem para o preparo da bebida. Entretanto, o

fato dos grupos locais estarem aldeados num mesmo local há décadas, provocou uma

situação complicada na qual cada grupo residencial está sendo obrigado a fazer roças

cada vez mais distantes, o que diminui muito a produtividade do trabalho.

As caçadas, realizadas atualmente quase que exclusivamente com espingarda (com

exceção de alguns velhos da TI Cachoeira Seca, os quais continuam a utilizar o arco-

e-flecha), e a agricultura, são definidas pelos Arara em duas modalidades: uma

cotidiana, realizada o ano inteiro e que visa o consumo individual e familiar; e outra

coletiva, realizada principalmente na seca pelos homens de um mesmo grupo

residencial, e cujo objetivo é o abatimento de um grande número de animais, que

devem ser oferecidos aos membros dos outros grupos residenciais. Deveria haver, de

acordo com esta fonte, uma complementaridade entre as atividades agrícolas e de

caça praticada pelos grupos residenciais: toda caça obtida por um grupo será trocada

70

Page 71: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

pela bebida fermentada produzida pelo outro. No momento seguinte tudo se inverte, e

quem caçou passa a fabricar a bebida e vice-versa48.

Os Arara coletam grande variedade de produtos da floresta, utilizados na alimentação

(mel, castanha, frutas silvestres e cocos), na produção de armas (tabocas e madeiras),

na ornamentação corporal (principalmente o jenipapo) e na confecção de diversos

objetos da cultura material (fibras, palhas).

Relações com a sociedade envolvente e com outros grupos indígenas

As relações dos Arara com outros grupos indígenas e não-índios da região foram

belicosas até recentemente, isto é, até os contatos com a frente de atração da FUNAI,

de 1980 a 1987. Além das pressões que vinham sofrendo, alterando radicalmente a

ocupação tradicional de seu território, a mudança de metodologia na “atração” acabou

por obter o contato porque encontrou ressonância no sistema de representações Arara.

Os membros dessas frentes de atração foram generosos nos brindes que deixavam

para os índios, comportamento valorizado na ética Arara. De “Espíritos Maléficos”, pois

antes os atacavam, os não-índios passaram a ser considerados Ipari, ”aqueles com

quem se brigou no céu, mas, uma vez no chão, aceitoram, apesar das diferenças, as

regras de uma convivência solidária” (Teixeira Pinto, 2000:417). O antropólogo afirma

que o xamã que acompanhava o primeiro grupo a sair da floresta, chamou os brancos

por este termo, pois a mudança do comportamento destes “implicava, do lado dos

Arara, um novo modo de representá-los”.

Nesta lógica de incorporação de seres ao seu universo cosmológico, a partir das

circunstâncias históricas em que vivem, os Arara passam a estabelecer relações

variadas e comprometedoras com os diversos segmentos sociais da região, colonos e

ribeirinhos, numa rede que pode se estender cada vez mais, se o modo de reprodução

social Arara não estiver garantido.

48 Idem

71

Page 72: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Após o período do contato com a frente de atração, com a escassez dos bens

ofertados pelo Posto Indígena, e com seu território invadido por colonos, os Arara

passaram a buscar bens materiais, às vezes deixando seus afazeres para “cederem

seu trabalho às tarefas dos colonos”, tendo acesso ao uso indiscriminado de bebida

alcoólica. 49

Completados 20 anos da "pacificação" do grupo que hoje habita a aldeia Iriri, a TI

Cachoeira Seca pode ser considerada uma área de conflito interétnico. De acordo com

o levantamento realizado pela FUNAI em 2005 (ver RIBEIRO, 2006), 1.231 famílias de

colonos estavam instaladas no interior da Terra Indígena, principalmente ao longo do

travessão conhecido por Transiriri, com 92km, situado na porção leste da Terra

Indígena, ligando a Transamazônica ao rio Iriri. Com a redefinição dos limites da TI em

2008, diminuindo sua área exatamente onde se encontravam estas famílias, o número

chega atualmente em torno de 700, de acordo com informação do administrador da

FUNAI em Altamira.

Os Arara da TI Arara também tem tido problemas com os regionais, principalmente

madeireiros, que estão invadindo a porção oeste e norte da TI.

Nesse caso, na reunião realizada no dia 18/03/2009 na aldeia Laranjal, os Arara,

dentre eles o velho Toití e o jovem Toti, expressaram grande preocupação em relação

à invasão feita a partir do travessão do km 155, a qual já dura cinco anos. Segundo os

indígenas e segundo Caetano Ventura, técnico da FUNAI local, os invasores relutam

em desocupar a Terra Indígena. Embora o MPF já tenha sido alertado e embora a

FUNAI já tenha dialogado com os invasores sobre esta questão, os invasores têm feito

ameaças com armas aos indígenas que se deslocam para o local com o objetivo de

expulsá-los. Chegaram a afirmar nesta reunião que se não houver outra solução,

pretendem eles próprios realizar a expulsão.

Ainda de acordo com os Arara, a área de ocupação é utilizada pelo grupo para caça e

coleta de castanhas, mas os invasores já possuem lavouras de arroz, feijão, milho e

cacau.

49 Relatório de Pesquisa- Port.n 428/Pres.FUNAI,s/d

72

Page 73: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Pescadores de Altamira, que costumam invadir os territórios indígenas da região,

também têm invadido as duas terras indígenas Arara, conforme as informações

registradas durante as estadias nas duas Terras Indígenas.

Além dos invasores citados acima, atualmente, 35 famílias de ribeirinhos vivem no

interior da TI Cachoeira Seca. Neste caso, entretanto, a presença não indígena conta

com a conivência dos Arara.

Há também na TI Cachoeira Seca uma localidade denominada Cupim, anteriormente

formada por famílias Xipaya às quais se juntaram uma família Xikrin do Bacajá e,

recentemente, duas famílias (4 pessoas) Kararaô.

As relações dos Arara com os não-índios se diversificaram e as representações que

formulam sobre os invasores tentam dar conta da experiência atual, podendo-se admitir

a importância das mesmas no que se refere a este item dos estudos.

Por ocasião da estadia da equipe deste relatório na aldeia do Laranjal (TI Arara), em

19/03/2009, o depoimento de Aktô, revelou um estado agudo de frustração e tristeza

em relação ao trauma vivido pela abertura da rodovia Transamazônica. O sentimento

de revolta e insatisfação com os não-indígenas, manifesto na reunião sobre a AHE

Belo Monte é cumulativo, considerando-se os impactos já vivenciados pelos Arara por

outro empreendimento do governo brasileiro em suas terras.

Disse Aktô:

Porque o governo insiste no projeto da barragem? Por que o governo não

deixa a gente em paz? Eles já passaram em cima da nossa terra e

agora querem fazer outro projeto que piorará a nossa vida.

Aktô observou ainda que a cidade de Medicilândia foi formada em cima do local onde

seu avô encontra-se enterrado. Como resultado da abertura da Transamazônica,

contou que ficaram vários anos fugindo, escutando a zoada do trator, dia e noite, sem

poder fazer fogo, só comendo castanha e coco babaçu.

73

Page 74: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Os Arara e os projetos de aproveitamento hidrelétrico no rio Xingu

Reunião na Aldeia Laranjal / Foto Fábio Ribeiro Março 2009

Para Teixeira Pinto, a diminuição dos bens ofertados pelos brancos e as notícias sobre

os projetos hidrelétricos da bacia do Xingu foram os desafios, na década passada, para

o modo como os Arara têm representado o branco. Na versão apresentada à época em

que o pesquisador esteve entre eles, final dos anos 90, a inundação das suas terras

poderia significar a última etapa da catástrofe que começou com o “egoísmo”, que

causou a briga, que fez cair a “casca do céu” sobre as águas, de onde se originaram os

Arara e os brancos. (2000 : 417)

O mesmo autor se pergunta: “... agora, o assoalho terreno onde ainda podem pisar os

Arara desaparecerá sob as águas que os têm sustentado?” (idem: 419). Termina ainda,

por colocar uma questão fundamental, que seria compreender como os Arara irão

74

Page 75: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

estabelecer novas relações com os brancos, necessárias para as reivindicações de seu

direito sobre as terras e com relação às “ameaças das águas”. E conclui afirmando que

o problema para os Arara atualmente é “saber onde está, de fato, este outro branco

com o qual devem ser acertadas as regras da nova convivência” (idem:421).

Na reunião realizada com os Arara, nos dias 18 e 20/03/09, sobre o projeto AHE Belo

Monte, entre as preocupações manifestadas quanto ao aumento de invasores do

território e das doenças, devido ao crescimento explosivo da população na região, foi

explicitamente formulada a questão acima. Perguntou-se a quem deverão se dirigir

para exigir as providências devidas quanto à regularização do território, assistência à

saúde e recursos para garantirem condições de enfrentamento das perdas que

sofrerão.

Tembektodem disse:

Quem vai ficar responsável pelo atingimento dos índios, isso é o que nós queremos

saber. O governo está pensando só no crescimento do Brasil mas ele não pensa que

vai atingir os índios. Ele primeiro tem que pensar, tem que demarcar terra indígena,

tem que ver o que que índio passa quando ele construir a barragem.

Aí ele vai trazer emprego para a cidade mas para o índio não vai trazer nada de bom

não. Vai aumentar prostituição na cidade, alcoolismo, criminalidade, tudo vai aumentar

por aí, nas terras indígenas...porque tem muito índio que sai e pesca e que vai

trabalhar na Eletronorte. Tem muito índio já sai por ai que bebe cachaça, sai com os

brancos, aí esse aí doença né vai chegar na aldeia, vai aumentar tudo, vai piorar, isso

aí é que governo tem que pensar também, tem que beneficiar os índios através desse

negócio aí, prejudicação dos índios.

Esta manifestação foi complementada pela seguinte pergunta feita por outro Arara

presente à reunião:

Deve ter um pessoal que responsabiliza pelo prejuízo que o índio paga.

Para os mais velhos, a reação foi de grande preocupação com as conseqüências de

inundação das terras, como o desaparecimento dos animais, mesmo após se insistir,

na demonstração do projeto, que isso não ocorrerá. Houve manifestação também no

75

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sentido de que a nova informação os confunde, afirmando um dos presentes que se

misturou “sal com farinha”.

Outras falas a respeito do projeto AHE Belo Monte, foram as do jovem Toti que serviu

de intérprete e do velho líder Toiti. Este, antes da reunião se iniciar, apresentou-se

ornamentado, com pintura de jenipapo, enfeite plumário, arco e flecha e um chumaço

de folhas verdes. Dançando, Toiti abanava o ar com as folhas, em cima de um dos

membros da equipe.

Disse o jovem Toti:

O governo não nos deixa explorar comercialmente a nossa própria terra mas, ao

mesmo tempo, quer fazer o projeto da barragem, que afetará nossa terra.

Ao se pronunciar sobre a informação dada pela equipe dos estudos de que os peixes

do reservatório não migrariam a montante, o velho líder Toiti disse que o rio é a casa

dos peixes e eles podem ir para onde quiser. Desse ponto de vista, para os Arara, a

barragem provocaria mudanças na população dos peixes do rio Iriri.

Relações econômicas após o contato.

Quanto às relações econômicas criadas pelo contato com a sociedade nacional, as

fontes de recursos advindas destas são fundamentalmente as estabelecidas ou

intermediadas pelos órgãos governamentais de proteção e assistência (FUNAI e

FUNASA): aposentadorias, salários de Agentes Indígenas de Saúde (AIS) e

Saneamento Básico (Aisan) comercialização de artesanato, comercialização de

castanha e comercialização de sementes de mogno.

Com relação ao auxílio fornecido pelo governo federal, a aldeia Laranjal conta

atualmente com 18 aposentados, 1 AIS e 1 Aisan. Todos recebem um salário mínimo

mensal. O artesanato Arara é comercializado apenas na Casa do Índio de Altamira, e

por este motivo não representa uma fonte expressiva e regular de renda.

76

Page 77: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

A comercialização de castanha foi realizada entre 1998 e 2005 através da cooperativa

Amazoncoop50, na qual os Arara, da aldeia Laranjal, estavam envolvidos formalmente

desde 1998, ano de fundação da cooperativa. Mesmo que as atividades da cooperativa

tenham sido finalizadas em 2006, os Arara das duas TIs continuam a coletar castanhas

com objetivo comercial51. As castanhas são vendidas, no entanto, no mercado local.

Não foram obtidas informações específicas sobre as quantidades comercializadas e

sobre o montante de recursos monetários gerados pela atividade.

No que tange à comercialização de sementes de mogno, de acordo com Nerci Caetano

Ventura, técnico da AER da FUNAI de Altamira, em 2005, os Arara coletaram

aproximadamente 50 kg de sementes, cujo valor é de R$ 50,00 o quilograma

(RIBEIRO, 2006). Atualmente, os Arara das TI Arara e Cachoeira Seca, assim como os

Araweté e os Kararaô, continuam coletando e vendendo sementes, em uma escala

menor, no entanto, que aquela observada em 200552.

A instabilidade no fluxo de obtenção destes recursos monetários tem levado a

estratégias que podem comprometer a vida social e biótica do grupo em busca de

alternativas, uma vez que menos fontes de recursos monetários geram mais busca de

novas relações com os brancos.

No caso dos Arara que vivem na TI Cachoeira Seca(aldeia Iriri), as fontes de renda são

ainda mais escassas. As únicas fontes de renda disponíveis são as aposentadorias, os

50 Amazoncoop é o nome fantasia da Cooperativa Agrícola Mista dos Produtores Extrativistas de

Altamira (Campealta). Criada pelo administrador da AER-FUNAI de Altamira em 1998, a Amazoncoop exportava

óleo de castanha do Pará para a empresa britânica de cosméticos The Body Shop. Participavam formalmente como

cooperados os povos Asuriní, Araweté, Arara da TI Arara( aldeia Laranjal), Xikrin e Kararaô. Os Parakanã, Arara da

TI Cachoeira Seca, Xipaya, Kuruaya e Juruna aldeados, sociedades não cooperadas, vendiam a safra da castanha

para a cooperativa ou participavam da atividade de extração do óleo no galpão da Amazoncoop na cidade Altamira.

Na prática, os cooperados indígenas não participavam da divisão de lucros da cooperativa. A diretoria da

cooperativa (Presidente Honorário, Presidente Executivo e Diretor Financeiro) era composta por não-indígenas,

respectivamente, o administrador da FUNAI, um empresário local e um missionário da ALEM-Associação Linguística

Evangélica Missionária. Devido a desentendimentos administrativos entre a empresa e a diretoria da cooperativa, as

atividades da Amazoncoop foram finalizadas em 2006. O maquinário da extração de óleo foi encaminhado para a

aldeia Apyterewa, estando atualmente paralisado (Ribeiro, 2009). 51 Informação fornecida por Caetano Ventura, técnico da Administração Executiva Regional (AER) da

FUNAI em Altamira, no dia 16/03/2009, na sede da AER. 52 Idem.

77

Page 78: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

salários de Agentes Indígenas de Saúde (AIS) e Saneamento Básico (Aisan), a ínfima

comercialização de artesanato e a coleta de sementes de mogno. Durante a visita à TI

Cachoeira Seca, nos dias 19 e 20/03/2009, foi registrado que alguns jovens coletaram

castanhas com objetivo comercial.

Atualmente, a aldeia Iriri conta com apenas três aposentados, 1 AIS e 1 Aisan. O

artesanato feito pelo grupo é comercializado pelo Museu do Índio da FUNAI de

Altamira. Porém, assim como no caso dos Arara do Laranjal, esta atividade não

constitui fonte expressiva e regular de renda. Atualmente, inclusive, informaram que

este Museu não mais tem realizado a comercialização de seu artesanato, depois que a

Fundação Ipiranga53 .

53 A Fundação Ipiranga desenvolve ações de preservação e disseminação da cultura paraense. . Para mais informações ver: http://www.fundacaoipiranga.com.br

78

Page 79: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

7.4.2 Kararaô – TI Kararaô

Mulher Kararaô - Foto Fábio Ribeiro Março 2009

Nome e Língua

O termo Kararaô (que em algumas referências aparece como sendo um grito de guerra

na língua Kayapó) é o designativo utilizado para os sub-grupos Kayapó que se

originaram a partir da cisão com os Gorotire. Os Kararaô falam a língua Kayapó, família

lingüística Gê, tronco Macro-Gê.

Histórico do contato

Os Kararaô são um sub-grupo Kayapó que se cindiu do bloco Gorotire, provavelmente

nas primeiras décadas do século XX. De acordo com a antropóloga Lux Vidal (1988), é

provável que os Kararaô, assim como todos os outros grupos Kayapó, inclusive os

Xikrin, se auto-denominem Mebengokré, que significa “gente do buraco d’água” ou

79

Page 80: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

“gente da água grande”, em referência aos rios Tocantins e Araguaia, cuja travessia

provavelmente marcou a separação do grupo ancestral54.

Após a cisão entre os Gorotire e os Kararaô, ocorrida provavelmente no rio Vermelho,

afluente secundário do Xingu, os Kararaô rumaram para norte, para o interflúvio Curuá-

Iriri, onde posteriormente dividiram-se em dois grupos (Arnaud,1989), provavelmente

na década de 1930. Conforme este autor, um desses grupos permaneceu na aldeia

(interflúvio Curuá-Iriri), e o outro migrou para o baixo Xingu, para a área drenada pelos

igarapés Penetecaua e Jaraucu (afluentes da margem esquerda do Xingu), nas

proximidades do município de Porto de Moz.

O grupo que permaneceu na aldeia do interflúvio Curuá-Iriri posteriormente cindiu-se

em vários grupos menores, sendo que um deles quase foi exterminado por uma

expedição punitiva organizada por seringalistas (auxiliados por índios Xipaya e

Kuruaya), segundo a mesma fonte.

Um outro grupo foi pacificado nos finais da década de 1950, pela Frente do SPI

chefiada pelo sertanista Francisco Meirelles. Tal grupo foi fundido com o grupo Kayapó

Kubén-Kragnotí. Um outro grupo proveniente dessa cisão deslocou-se para o baixo

Iriri, tendo sido pacificado em 1971 em decorrência dos trabalhos de abertura da

Transamazônica. Esse grupo é o mesmo que hoje habita a TI Kararaô (ARNAUD,

1989).

O grupo que após a cisão no Curuá-Iriri migrou para o baixo Xingu, permaneceu não

pacificado durante aproximadamente trinta anos (1930-1960), período em que foram

registrados diversos conflitos entre esses índios e a população regional. Como

resultado, no período pré-contato esse grupo já vinha sofrendo forte redução

demográfica. Após a pacificação na década de 1960, uma epidemia de sarampo quase

vitimou o grupo (informação fornecida em 19/03/2009, pelo sertanista Afonso Alves da

Cruz, que participou da pacificação desses Kararaô). Os oito sobreviventes foram

integrados aos Xikrin do Bacajá e do Cateté.

54 Para mais informações sobre a etno-história Kayapó, ver as obras de Vidal (1977) e Turner (1992).

80

Page 81: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Organização social e política

Pelo fato de ser um grupo Kayapó, é muito provável que a organização social dos

Kararaô no período anterior ao contato se assemelhasse muito com aquela observada

nos demais grupos auto-designados Mebengokré, ou seja, aldeias circulares

compostas por unidades residenciais matrilocais, grupos de trabalho organizados por

categorias de idade, rituais, etc. (VIDAL, 1977). De fato, Arnaud (1989) registra que, no

caso do grupo pacificado no igarapé Jaraucu, a aldeia Kararaô era circular. Esse autor

não fornece, no entanto, informações detalhadas sobre a organização social daquele

grupo.

No caso dos Kararaô que atualmente habitam a TI Kararaô, na viagem realizada pela

equipe responsável pelo Componente Indígena, foi observado que a aldeia não possui

formato circular. Nesse caso, é provável que a depopulação do grupo no período pré-

contato os tenha obrigado a encontrar novos arranjos matrimoniais, necessários à

reprodução física e cultural do grupo. Nesse caso, no entanto, o curto período da visita

à TI Kararaô inviabilizou o levantamento de dados detalhados sobre a organização

social atual.

O velho Kamayurá - índio Gorotire que participu da Frente de Atração dos Kararaô e

posteriormente fixou-se no seio desse grupo – é a principal liderança tradicional da

aldeia. Seu filho Irepri, no entanto, é aquele que mantém maior relação com os

brancos, sendo o atual Chefe de Posto da Funai na aldeia.

Situação fundiária

Em 1971, com a pacificação do grupo Kararaô no baixo Iriri, foi criada a Reserva

Indígena Kararaô (atual TI Kararaô), a primeira da região de Altamira. Esta Reserva foi

declarada como de posse permanente indígena através da Portaria PD DD-68.914 de

81

Page 82: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

13/07/1971 com extensão aproximada de 224.000 ha e situada na confluência dos rios

Iriri e Xingu.

Em 1979, a população Kararaô foi transferida compulsoriamente pela FUNAI para a

Reserva Indígena Bacajá (atual TI Trincheira-Bacajá). De acordo com o então Chefe da

Ajudância de Altamira, Salomão Santos, a transferência foi realizada porque o "o grupo

era constituído por uma só família onde ocorriam cruzamentos de pai com filha, irmão

com irmã, tio com sobrinha, etc. Como resultado, havia casos visíveis de oligofrenia

(sic) e epilepsia"55 Na ocasião desta transferência, segundo informações contidas no

Processo FUNAI Nº 3380/79, a Reserva Indígena Kararaô ficou desativada. Entretanto,

devido ao fiasco da tentativa, os Kararaô foram levados de volta para sua reserva, que

foi então reativada (VIDAL, 1988). Não há informações acerca das propostas de

demarcação da TI Kararaô ao longo das décadas de 1980.

Na década de 1990, a TI Kararaô foi a única TI do Médio Xingu contemplada pelo

Projeto Integrado de Proteção às Populações e Terras Indígenas da Amazônia Legal

(PPTAL)(Ribeiro, 2006). Nesse caso, o PPTAL financiou o processo de regularização

fundiária desta TI. Conseqüentemente, a TI Kararaô teve sua demarcação homologada

através do Decreto Presidencial de 14/04/1998. Em 06/10/1999 a TI foi registrada na

Secretaria de Patrimônio da União (SPU) com área de aproximadamente 330.837 ha e

308 km de perímetro, incidentes inteiramente sobre o município de Altamira, Estado do

Pará.

Tabela 11. Situação fundiária da TI Kararaô

AREA (Ha) 330.837,5422

PERÍMETRO (Km) 308,92738

MUNICÍPIOS Altamira

DECLARATÓRIA PD DD-68.914 de 13/07/1971

HOMOLOGAÇÃO 14/04/1998

REGISTRO 04/03/1999

SPU 06/10/1999

55 Trecho do Relatório de viagem ao Posto Indígena Kararaô, assinado por Salomão Santos em

09/12/1979. In: Processos FUNAI nº 3380/79.

82

Page 83: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Aspectos demográficos

Conforme mencionado acima, a depopulação da TI Kararaô, verificada a partir das

cisões históricas e do processo de "pacificação", causou modificações na morfologia

social do grupo. Informações contidas em uma carta enviada ao Diretor do

DGPC/FUNAI pelo antropólogo Gustaaf Verswijver56, em 1975, por exemplo, mostram

que a população da TI Kararaô naquele anos era composta por 2 homens adultos, 6

mulheres e 15 crianças, totalizando 23 indivíduos. Em 1973, com a transferência de um

dos homens para a Reserva Indígena Bacajá, restaram apenas 22, sendo que o índio

Kamayurá era o único homem adulto. Segundo Lux Vidal (1988), este desequilíbrio

entre os sexos chegou a criar uma situação sui generis: uma aldeia de mulheres, onde

elas pescavam e caçavam.

Atualmente, mesmo com a recuperação demográfica parcial do grupo, ainda são

observados alguns fenômenos provavelmente relacionados ao baixo número

populacional: endogamia, transferência de alguns homens adultos para a cidade de

Altamira ou TIs adjacentes, miscigenação com a população regional e com outros

grupos indígenas da região, inclusive grupos Tupi.

Relações interétnicas, utilização dos recursos naturais e estratégias de

sobrevivência frente ao contato com a sociedade envolvente

Os Kararaô mantêm grande contato com a cidade de Altamira, devido à proximidade

geográfica da cidade. A venda da safra de castanhas e de artesanato, a necessidade

de assistência à saúde e o recebimento de salários de agentes de saúde e

aposentadorias do Governo Federal, são os principais motivos pelos quais os Kararaô

56 In: Processos FUNAI nº 3380/79

83

Page 84: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

se deslocam para a cidade (RIBEIRO, 2006). A viagem de voadeira entre a aldeia

Kararaô e Altamira é de aproximadamente cinco horas.

Atualmente, as aposentadorias do Governo Federal, os salários de agentes de saúde,

os serviços esporádicos, a comercialização de castanhas e sementes de mogno e a

pesca ilegal constituem as principais fontes de renda monetária dos Kararaô. No caso

da castanha, embora os Kararaô estivessem envolvidos na parceria entre a cooperativa

Amazoncoop e a empresa The Body Shop, com o fim da parceria as castanhas

coletadas pelo Kararaô passaram a ser comercializadas no mercado local.

O artesanato feito pelos Kararaô é comercializado na Casa do Índio de Altamira.

Entretanto, como a partir de 2004 o comércio de arte plumária foi proibido por lei, o

comércio de artesanato não representa mais uma fonte regular e expressiva de renda

para os Kararaô, considerando que boa parte das peças confeccionadas por este

grupo contém penas de aves.

A pesca ilegal na TI vem gerando graves problemas para os Kararaô. Nesse caso, ou

os Kararaô trocam peixe por bebidas alcoólicas com ou regionais, ou estes, para

poderem pescar na TI, pagam um “pedágio” para o líder Kamayurá. Na visita à TI

Kararaô realizada em 17/03/2009, foi registrado que no final de 2008 o relacionamento

de jovens indígenas com um barco de pescadores resultou no assassinato de um

Kararaô.

Com relação à atividade madeireira, embora os Kararaô estivessem envolvidos ou

fossem coniventes com o comércio ilegal de madeira nos anos de 1980 e 1990

(RIBEIRO, 2006), atualmente esta atividade não está sendo praticada no interior da TI,

conforme as informações fornecidas por Caetano Ventura, técnico da AER-FUNAI

Altamira, em 16/03/2009. Segundo a AER/FUNAI Altamira, há um único registro de

roubo de mogno nesta TI, praticado pela empresa Madecil em 1992. No entanto, em

site oficial da mesma AER/FUNAI, atualizado em fevereiro de 2001, consta um registro

de infração na TI Kararaô em janeiro de 2001.

84

Page 85: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Com relação às práticas de subsistência, os Kararaô fazem grandes roças, com o

auxílio de motosserra e do machado (RIBEIRO, 2006). Cultivam principalmente a

mandioca, sendo a farinha o componente fundamental da dieta kararaô. Pelo fato da

aldeia estar situada na beira do rio Iriri, a pesca realizada com anzol e linha de nylon é

outra atividade importante na economia de subsistência do grupo. Outras atividades

relevantes são a caça, realizada nos dias de hoje exclusivamente com espingarda, e a

coleta da castanha, destinada tanto para o consumo como para a venda.

A Associação Indígena do Povo Kayapó da Aldeia Kararaô (AIPKAK) foi fundada no

final de 2005 (RIBEIRO, 2006). Não foram levantadas, no entanto, informações

detalhadas sobre as atividades desenvolvidas pela Associação.

Os Kararaô e os projetos de aproveitamento hidrelétrico no rio Xingu

Reunião na Aldeia Kararaô / Foto Fábio Ribeiro Março de 2009

O líder Kamayurá, na reunião realizada no dia 18 de março de 2009 sobre o projeto

AHE Belo Monte, manifestou seu conhecimento sobre o reservatório da Hidrelétrica de

Tucuruí, afirmando que teria visitado o mesmo e que sabe, portanto, quais são os

impactos gerados por uma hidrelétrica.

85

Page 86: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Disse que os “brancos” podem muito bem dizer uma coisa e fazer outra em relação à

barragem, demonstrando incredulidade sobre o projeto que não inundará as terras

Kararaô.

A necessidade de um barco e o afluxo de “parentes” que viriam para a TI atraídos pelas

benfeitorias advindas pelo empreendimento no rio Xingu foram outras de suas

manifestações. Irritado com as informações fornecidas, Kamayurá se retirou da

reunião.

Permaneceram jovens Kararaô que se manifestaram demonstrando também

incredulidade sobre o fato do projeto não inundar suas terras e afirmando que não

poderiam se pronunciar pois teriam que entendê-lo melhor.

O jovem Tikuri perguntou porque que a energia elétrica gerada por Belo Monte não

chegará na aldeia.

Britê, outro jovem, disse que só acreditará que a TI Kararaô não será alagada quando

ele ver com os próprios olhos (“só acredito vendo”).

86

Page 87: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

7.4.3 Asuriní do Xingu – TI Koatinemo

Crianças Asurini - Foto Alice Villela Setembro 2007

Nome

Embora na cidade de Altamira, desde os tempos antigos, a margem direita do Xingu

seja conhecida como “Terra dos Asuriní”, este designativo parece ter sido aplicado a

diversos grupos Tupi da região, entre eles os próprios Asuriní contemporâneos e os

Araweté.Tinha-se notícia a respeito deles através de outros grupos. Desse modo, os

Juruna os denominavam pelo termo asonéri (vermelho), do qual teria derivado o nome

Asuriní (Müller, 1993)

A auto-denominação dos Asuriní do Xingu é Awaeté (Awá = gente + eté = verdadeiro,

real). O termo Asuriní do Xingu foi introduzido pelos padres Karl e Anton Lukesch, em

87

Page 88: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

1971, ano em que efetuaram o contato com essa população indígena.

Língua

Os Asuriní do Xingu são um povo indígena da família lingüística Tupi-Guarani. A língua

Asuriní está classificada no sub-conjunto que incluí também a língua Kayabi.

Histórico do contato

O território tradicional dos Asurini compreende o interflúvio Xingu-Bacajá,

principalmente as cabeceiras dos igarapés Ipiaçava, Piranhaquara e Ipixuna. Segundo

a antropóloga Regina Polo Müller, de acordo com relatos dos próprios índios, esta

área foi ocupada pelo grupo, fato confirmado pelo conhecimento profundo que os

Asuriní têm dos afluentes do Xingu e Bacajá nesta região.

Por conta de represálias efetuadas pela população regional ao norte, e dos ataques por

parte dos Xikrin do Bacajá e Araweté respectivamente nos limites leste e sul do

território Asuriní, este grupo foi se deslocando para o médio curso dos igarapés

Ipiaçava e Piranhaquara.

Neste período, a intensificação da penetração de "gateiros" no interflúvio Xingu-Bacajá

causou uma reconfiguração dos espaços ocupados pelas populações indígenas desta

região. Conseqüentemente, a área central entre as bacias do Xingu e Bacajá,

principalmente as cabeceiras dos igarapés Ipiaçava e Piranhaquara representou para

os Asuriní uma espécie de refúgio para se proteger dos grupos indígenas inimigos,

cada vez mais invadindo o território tradicional Asuriní, e das investidas dos brancos,

tão perigosos quanto os inimigos tradicionais. Contudo, em 1966 um ataque dos Xikrin

do Bacajá forçou os Asuriní a se deslocarem para o médio curso destes igarapés.

Com a abertura da Transamazônica no início da década de 1970, e

conseqüentemente, devido à presença das Frentes de Atração (oficiais e missionárias),

os Asuriní ficaram encurralados. Na região leste havia os temidos Xikrin do Bacajá, ao

sul, os Araweté, às margens do igarapé Ipixuna, e, ao norte e a oeste, os brancos, que

alcançavam o território Asuriní através do rio Xingu e seus afluentes da margem direita.

88

Page 89: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Entre os inimigos tradicionais de quem levavam desvantagem nos últimos tempos

antes do contato, e os brancos que, agora, deixavam presentes e pareciam não

pretender atacá-los, os Asuriní não tiveram outra saída senão aceitar a convivência

com os akaraí (brancos) para pôr fim ao estado de guerra que os vinha debilitando há

anos (Müller, 1993). De fato, segundo relatos dos próprios Asuriní, a direção tomada

por eles em suas fugas dos Araweté e Xikrin foi determinada pelo conhecimento da

presença do branco nesta região.

Em 1971, a expedição liderada pelos padres Anton e Karl Lukesch e patrocinada pela

CVRD- Companhia Vale do Rio Doce (que nesta época pretendia ampliar a província

ferrífera de Carajás até a margem direita do Xingu), "pacificou" os Asuriní. Naquele

momento, o grupo estava dividido em duas aldeias de aproximadamente 50 indivíduos

cada, sendo que uma se encontrava no interflúvio Ipiaçava-Piranhaquara e a outra se

situava na margem direita do médio Ipiaçava.

O contato realizado pelos padres fez com que a Frente de Atração da FUNAI, chefiada

pelo sertanista Antônio Cotrim Soares, que naquele ano tentava "pacificar" os Araweté,

se deslocasse para o Ipiaçava. De acordo com a FUNAI, a Frente dos irmãos Lukesch

causou sérios prejuízos à população Asuriní, pois a não adoção de medidas de

assistência à saúde resultou numa violenta epidemia de gripe e malária, a qual vitimou

treze índios. Realizado o contato, os Asuriní se juntaram numa só aldeia às margens

do médio Ipiaçava, onde permaneceram até 1985, quando então se deslocaram para a

foz deste igarapé. Apesar do contato oficial com os Asuriní ter sido feito há 35 anos,

ainda hoje os membros desta sociedade indígena afirmam haver um grupo Asuriní

isolado nas cabeceiras do igarapé Piranhaquara.

89

Page 90: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Situação fundiária da TI Koatinemo

Em 1972 o então DGEP - Departamento Geral de Estudos e Pesquisas - da FUNAI

propôs57 a delimitação da chamada "Reserva Asuriní ", com 947.500 ha, destinada à

sociedade Asuriní, grupos arredios da região (provavelmente Araweté e Parakanã) e

Xikrin do Bacajá. A extensão da área proposta justificava-se pela presença de grupos

arredios na região entre os rios Bacajá, Xingu e Ipixuna. Esta proposta de delimitação

da Reserva foi transformada em proposta de interdição, chegando a ser elaborada uma

minuta de decreto do Presidente da República.

Passados cinco anos, esta proposta de interdição não foi realizada e, ao invés disso,

em 1976 foram delimitadas pelo convênio FUNAI/RADAM duas áreas, destinadas às

Resevas Indígenas Koatinemo (sociedade Asuriní) e Bacajá (sociedade Xikrin). A área

delimitada para os Asuriní totalizava 78.050 ha, entre os igarapés Ipiaçava e

Piranhaquara. Felizmente esta área não foi demarcada, pois excluía os sítios de

antigas aldeias e áreas de perambulação tradicional do grupo.

Em 1979, através de Grupo de Trabalho58 coordenado pela antropóloga Regina Polo

Müller, foi elaborada nova proposta de interdição de uma área de 2.391.600 ha, para a

criação de uma Reserva comum aos índios Asuriní, Araweté, Xikrin e grupos arredios

da região. Esta proposta, denominada Área Indígena Koatinemo-Ipixuna-Bacajá,

englobava todo o interflúvio Xingu-Bacajá, da altura aproximada do Piranhaquara até o

Bom Jardim, no Xingu, e todo o rio Bacajá a partir do igarapé Dois Irmãos. Tal proposta

de demarcação de área apresentava a vantagem de não deixar "corredor" entre as

áreas dos índios do Xingu (Asuriní e Araweté) e os Xikrin do Bacajá, o que poderia

evitar invasões, e de incluir o território de índios ainda desconhecidos. Apesar disso, o

projeto proposto pelo GT não conseguiu se efetivar.

57 Através do Processo nº 10711.M.I/S COM/BSB/72. 58 Criado através da Portaria 627/E de 15/10/1979.

90

Page 91: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Em 1982, por iniciativa dos antropólogos Regina Polo Müller e Eduardo Viveiros de

Castro59, foi proposta a demarcação conjunta das áreas Asuriní e Araweté, isto é, a

demarcação de seus limites externos, dado que se trata de territórios contíguos. Neste

caso, a área Asuriní proposta para demarcação totalizava aproximadamente 288.600

ha. Em 05/11/198660, o GT aprovou os limites então propostos pelos antropólogos,

tanto para a TI Araweté / Igarapé Ipixuna como para a TI Koatinemo. Em 17/03/198861,

foi interditada a Área Indígena Koatinemo, com 288.600 ha e tendo como limites norte

e sul os igarapés Ipiaçava e Piranhaquara respectivamente.

Com relação aos Asuriní, entretanto, estes alegaram que o igarapé Lajes, localizado ao

norte do igarapé Ipiaçava e considerado pelos regionais como área de ocupação

imemorial dos Asuriní, havia sido excluído da área interditada. Em agosto de 1992 a

antropóloga autora da proposta foi designada pela FUNAI para colher um Termo de

Anuência junto aos Asuriní, para que a área reivindicada pelos índios pudesse ser

incluída nos limites da TI Koatinemo. Acatado o Termo de Anuência, os limites da TI

Koatinemo foram revistos de forma que, em 199362, a TI foi declarada de posse

indígena, com área aproximada de 387.000 ha, 425 km de perímetro e incidindo sobre

os municípios de Altamira e Senador José Porfírio. A Tabela 17 a seguir apresenta a

situação fundiária atual da TI Koatinemo.

TABELA 12. Situação fundiária da TI Koatinemo

AREA (Ha) 387.834,2501

PERÍMETRO (Km) 425, 402417

MUNICIPIOS Altamira e Sen. José Porfírio

DECLARATÓRIA PD 320 de 18/06/1993

HOMOLOGAÇÃO 05/01/1996

REGISTRO 12/11/1999

SPU 23/09/2003

Fonte: DAF/FUNAI/ Ribeiro,2006

59 Através da informação nº 460/DDC/DGO/82 de 26/05/1982. 60 Através do parecer nº 132/86, GT Portaria Interministerial nº 002/83 - Decreto 88.118/83. 61 Através da Portaria PP/0291/FUNAI. 62 Através da portaria PD 320 de 18/06/1993.

91

Page 92: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Aspectos demográficos

Nos cinqüenta anos anteriores ao contato, os Asuriní estavam espalhados por várias

aldeias nas cabeceiras e junto a diversos afluentes dos igarapés Ipiaçava,

Piranhaquara e Ipixuna. Inclusive, a área de perambulação do grupo nesta época

englobava alguns cursos d'água mais ao sul, como os igarapés Bom Jardim e São

José (que atualmente constituem os limites norte e sul da TI Apyterewa). Entretanto, no

período imediatamente anterior ao contato, os Asuriní estavam divididos em apenas

duas aldeias, uma situada nas margens do médio Ipiaçava e outra no interflúvio

Ipiaçava-Piranhaquara.

Após a "pacificação" as duas aldeias se fundiram. Desde então, devido à presença do

Posto da FUNAI e do Posto de Saúde, os Asuriní vivem numa única aldeia,

denominada Koatinemo. Inicialmente situada nas margens do médio Ipiaçava, esta

aldeia foi transferida para a foz deste igarapé em 1985 e, no final da década de 1980,

para as margens do rio Xingu, onde permanece até os dias de hoje. Situada a

aproximadamente 100 km de Altamira, o acesso à aldeia Koatinemo é feito

exclusivamente por via fluvial, dado que a aldeia não dispõe de pista de pouso. A

tabela a seguir sintetiza o tempo de viagem até a aldeia nas duas estações

amazônicas.

TABELA 13. Tempo de viagem Altamira - Aldeia Koatinemo

Aldeia Época Avião (ida) Voadeira (ida) Barco (ida)

Inverno 5 horas 16 horas Koatinemo Verão

sem pista

pouso 8 horas 24 horas

Fonte: FUNAI – 2003/Ribeiro,2006

Sofrendo redução demográfica desde antes do contato oficial, por conta dos ataques

dos Xikrin e Araweté, a população Asuriní no ano da "pacificação" era de

aproximadamente 100 pessoas. Entretanto, as epidemias trazidas pelo contato quase

dizimaram os Asuriní, pois reduziram esta população indígena em mais de 50%. Já em

1974, três anos após o contato, a população era de 58 indivíduos. Em 1982, os Asuriní

chegaram a um patamar mínimo de 52 pessoas. Só a partir de meados de 80 é que o

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Page 93: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

grupo começou a se recuperar demograficamente.

A redução demográfica observada na década de 1970 teve como resultado uma lacuna

na estrutura etária do grupo. Em censo populacional realizado em 2005 (Ribeiro, 2006)

verificou-se que, dos 119 indivíduos que viviam na aldeia naquele ano, apenas dois

homens (um deles um índio Arara) e três mulheres estavam situados na faixa de idade

entre 25 e 40 anos, e cerca de dois terços da população tinha menos de 20 anos.

Evidentemente, essa lacuna trouxe sérias conseqüências para o padrão de

organização social e econômica e para a reprodução cultural do grupo. De acordo com

a antropóloga Regina Polo Müller, essa transformação na configuração política e

econômica indígena corresponde à passagem de uma sociedade indígena

gerontocrática para outra ‘infantocrática’. Assim, com a depopulação observada na

década pós-contato e a posterior aceleração da taxa de natalidade a partir da década

de 1990, a pirâmide etária Asuriní sofreu uma inversão, conforme mostram os gráficos

abaixo:

Gráfico 1 - Pirâmide demográfica Asuriní – 1976

Fonte: Ribeiro, 2009

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Page 94: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Gráfico 2 - Pirâmide demográfica Asuriní – 1993

Fonte: Ribeiro, 2009

Gráfico 3 - Pirâmide demográfica Asuriní – 2005

Fonte: Ribeiro, 2009

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Page 95: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Organização social e política e estratégias de sobrevivência frente ao contato

com a sociedade nacional

Tradicionalmente, à semelhança de outras sociedades Tupi da Amazônia como os

Guajajara e os Tapirapé, os Asuriní viviam em grandes casas que abrigavam famílias

extensas. O grupo doméstico Asuriní era matrilocal, ou seja, o núcleo da família

extensa era composto por mulheres relacionadas pelo parentesco, embora lideradas

por um homem, geralmente um xamã. Este grupo de mulheres, juntamente com os

respectivos maridos, constituía uma unidade de produção.

Segundo Müller (1979), no período posterior ao contato, a instabilidade na composição

dos grupos residenciais poderia ser explicada, dentre vários fatores, pela depopulação

do grupo. Ou seja, reduzidos em número os Asuriní foram obrigados a realizar várias

outras combinações de parentes na constituição dos grupos residenciais, que até hoje

constituem a unidade básica da estrutura social Asuriní. De fato, os grupos domésticos

Asuriní constituem unidades sociais, políticas e econômicas.

A aketé (casa verdadeira) ou tavyve é a maior casa da aldeia Asuriní, com

aproximadamente 10 metros de largura, 12 de altura e 30 de comprimento. Além de

abrigar um ou dois grupos residenciais, a tavyve é também tanto o espaço público

cerimonial quanto o local de sepultamento dos mortos. Por este motivo, esta casa tem

conotação sagrada e mágica dentro do imaginário Asuriní, e todos os membros da

sociedade participam de sua construção.

Com relação aos casamentos, verificava-se entre os Asuriní casos de poliginia e

poliandria. Nos casamentos poligâmicos onde ocorria a poliginia, havia dois padrões:

ou as mulheres do mesmo homem eram mãe e filha (de um casamento anterior), ou as

esposas eram unidas por laços estreitos de parentesco. Quanto à poliandria, o padrão

observado era inter-geracional, ou seja, uma mulher com um marido mais novo e um

mais velho.

A natalidade, ou melhor, o controle dela pelos Asuriní obedecia a algumas regras

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Page 96: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

culturais como: inexistência de maridos jovens; idade ideal da mulher para procriação

(entre 20 e 25 anos); a capacidade do grupo doméstico de arcar com o sustento da

família do recém-nascido.

O padrão político tradicional é caracterizado pela independência dos grupos

domésticos, liderados por um homem, geralmente um xamã. No entanto, embora o

xamã ocupasse posição de grande prestígio, a chefia também era definida

circunstancialmente conforme a atividade a ser exercida. Ocupava a posição de

liderança, nesse caso, aquele que tomava a iniciativa na escolha do espaço para a

construção da nova aldeia, na confecção de determinados objetos da cultura material,

nas atividades de caça, dentre outros.

A morte de oito xamãs ao longo das últimas duas décadas resultou na concentração

nas mãos do xamã Mureyra da liderança religiosa e de outros assuntos de interesse

coletivo (Müller, 1994). Embora não sejam xamãs, Takamuí e Manduka também são

lideranças tradicionais na aldeia. O primeiro é estimado por ser um grande agricultor e

caçador e por representar o último caso de poliginia intergeracional. O poder de

Manduka, denominado ‘Capitão’ por funcionários da FUNAI, advém de suas

habilidades de interlocução com órgãos governamentais, participação no movimento

indígena e liderança em expedições de fiscalização (como, por exemplo, durante as

invasões madeireiras na década de 90), fatores que asseguram a representatividade

indígena nos âmbitos local, regional e nacional no contexto das relações inter-étnicas

(Müller, 1994).

No pós-contato, o decréscimo populacional causado por doenças e epidemias coincide

com o aumento das atividades xamanísticas. Entre 1976 e 1982, Müller (1996)

registrou a existência de 12 xamãs numa população de 55 indivíduos, ou seja, um

xamã para cada quatro pessoas. Devido à importância do líder religioso na sociedade

Asuriní, o xamã passa a ser a característica do perfil do líder político. Atualmente, a

aldeia conta com quatro xamãs, sendo que três têm mais de sessenta anos. O mais

novo se chama Parajuá, tem cerca de 20 anos e é um dos poucos jovens interessado

nas atividades rituais.

Desde o início da década de 80, entretanto, diversos fatores simultâneos têm

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Page 97: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

contribuído para a transformação da organização social, dos espaços políticos na

aldeia, das práticas econômicas e, conseqüentemente, da reprodução cultural

indígena. Entre os fatores principais podemos citar:

- número pequeno de adultos e idosos e elevado de jovens;

- o incremento da relação inter-tribal através de casamentos63;

- a atuação da FUNAI, principalmente através dos Chefes de Posto na aldeia64; a

atuação de missionários65;

- o maior contato com a população regional;

- a relação com a economia de mercado (Ver Ribeiro, 2009).

Neste período, houve uma grande aceleração da taxa de natalidade. Se antes as

mulheres geravam um filho apenas depois dos 20 anos, atualmente ganham bebês

todas as meninas púberes. O padrão de casamento poligâmico e inter-geracional foi

praticamente abandonado, assim como a regra de residência matrilocal, sendo

observados apenas alguns casos remanescentes. Hoje em dia os casais jovens tem

criado proles de 6, 7 ou até 8 filhos. Além disso, poucos jovens tem se interessado pela

atividade xamanística ou pelos rituais iniciatórios ou propiciatórios. Influenciada pela

"moral branca", a juventude Asuriní parece se espelhar atualmente no padrão

sociocultural da população regional.

A essa mudança estão associados, logicamente, novos padrões de sociabilidade:

famílias influenciadas por padrões não indígenas de casamento, fraca participação de

jovens nas atividades rituais (Müller, 1994; Villela, 2009), consumo de bebida alcoólica

(cachaça), status social e político determinado pela capacidade de acesso e

acumulação de produtos industrializados, individualismo e enfraquecimento da

63 No pós-contato os Asuriní realizaram casamentos intertribais com indivíduos Arara (Karib), Parakanã (Tupi- Guarani), Kararaô (Gê) e, em 2005, Mundurucu. No caso dos Parakanã, o contingente populacional entre os Asuriní chegou à 10 indivíduos (MÜLLER, 1994), cuja entrada e saída deles da aldeia Koatinemo aconteceu na primeira metade da década de 1990. Atualmente verifica-se apenas dois casamentos intertribais, com índios das etnias Munduruku e Arara. 64 A atuação da FUNAI na aldeia Koatinemo, iniciada no período posterior ao contato, teve como resultados imediatos a aglutinação dos dois grupos locais em uma única aldeia, a sedentarização do grupo e a intensificação do contato com a população regional (Ribeiro, 2009). 65 Na aldeia Koatinemo, atuam dois missionários da ALEM desde o início da década de 1990, tendo um deles bom domínio da língua nativa. A ALEM é uma associação civil sem fins lucrativos, de cunho científico, caráter assistencial e objetivo religioso. Através do aprendizado das línguas dos povos indígenas, os missionários da ALEM têm por objetivo traduzir a Bíblia para as respectivas línguas indígenas (ver www.missaoalem.org.br).

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Page 98: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

transmissão da história oral e de conhecimentos tradicionais como a atividade

ceramista e outros itens da cultura material, as técnicas agrícolas e de caça e os

repertórios rituais.

Como argumenta Silva (2005: 26), “[...] diferentemente das velhas gerações, os jovens

e as crianças vêm convivendo intensamente com o mundo branco, deparando-se com

novas realidades e tendo que construir sua identidade a partir desta situação de

intenso contato.”

Nas reuniões realizadas no pátio, prevalece a opinião dos mais velhos. Nessas

ocasiões, os jovens atuam como tradutores (por dominarem o português), obedecendo

à hierarquia dada pelas relações geracionais de chefia. No entanto, em reuniões na

cidade os jovens falam em nome do povo indígena diante de outros grupos indígenas e

dos não-indígenas, que os tomam como “representantes” dos Asuriní. São rapazes na

faixa dos vinte anos que passam a ocupar posição importante em relação à sociedade

envolvente por dominarem os saberes dos “brancos” (leitura, escrita, comunicação em

português), cada vez mais importantes para a vida dos Asuriní. Como observa Ribeiro

(2009), o poder de auferir renda monetária, assim como o bom relacionamento com

chefes de posto da FUNAI e a habilidade de falar a língua portuguesa, são os

fundamentos das lideranças jovens, em contraposição ao poder religoso dos velhos

xamãs.

Entretanto, apesar de todas essas vicissitudes, os rituais xamanísticos realizados pelos

velhos xamãs, a intensa atividade ceramista praticada pelas mulheres e a permanência

da tavyve como espaço cerimonial e de socialização constituem discursos não-verbais

da resistência cultural Asuriní.

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Page 99: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Relação dos Asuriní com os recursos naturais da Bacia fluvial do Xingu

O compasso da economia Asuriní é nitidamente marcado pela sazonalidadade

amazônica, caracterizada pela alternância das estações seca e chuvosa (Ver Ribeiro,

2009).

A agricultura é a principal fonte de recursos da economia de subsistência dos Asuriní. A

mandioca é o item principal da dieta alimentar, sendo que de uma de suas variedades

(mandioca-brava) fabricam diferentes tipos de farinha, mingaus e beijus.

Tradicionalmente, enquanto o preparo do terreno (brocagem, derrubada, queima e

coivara) fica a cargo dos homens do grupo doméstico, as mulheres são responsáveis

pela colheita. O plantio é realizado por ambos. Na fase de derrubada da mata todos os

homens da aldeia são convidados a auxiliar, e aos participantes do mutirão é oferecido

mingau. Além da mandioca (atualmente 3 variedades são cultivadas) os Asuriní

também plantam o milho (2 variedades), batata, cará, banana e algodão.

Os produtos da caça constituem o principal complemento aos produtos agrícolas.

Atualmente a caça é realizada exclusivamente com espingarda. Logo após o contato,

os Asuriní caçavam os seguintes animais, por ordem de preferência (Müller, 1993):

queixada (Tayassu pecari), mutum (Mitua sp), cateto (Tayassu tajacu), cutia

(Dasyprocta sp), jacú (Penelope sp) e o inambú (Crypturellus sp). Nos dias de hoje,

também caçam a anta (Tapirus terrestris), o veado (não identificado), a paca (Agouti

sp) e o tracajá (Podocnemis sp).

Os Asuriní caçam o ano inteiro, embora cada espécie tenha sua própria sazonalidade.

A melhor época é no início das chuvas, quando “a água cerca bicho na ilha” e diversos

frutos encontram-se disponíveis para os animais na mata, que por esse motivo ficam

concentrados nas proximidades dos frutos. Alguns deles, como os jabutis, são mais

facilmente encontrados no inverno amazônico, período de chuva. Outros, como a paca

e o mutum, são caçados com maior sucesso no período seco. Já o porcão, o cateto, o

veado, a anta, a cutia, o jacu e o nambú são caçados o ano inteiro, mas com maior

intensidade no período chuvoso.

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Page 100: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Embora considerada como população indígena tradicionalmente de terra firme, o

deslocamento em meados da década de 1980 para as margens do Xingu teve como

resultado o incremento da importância da pesca como fonte de proteína para os

Asuriní, principalmente no período da seca, época em que aumenta a quantidade e

diversidade de peixes nos rios e igarapés e em que os produtos da caça são mais

escassos. Antigamente, quando habitavam as cabeceiras dos igarapés, a pesca, ainda

que esporádica, era realizada com arco-e-flecha, armadilhas e timbó. Pelo fato mesmo

de serem da terra firme, os Asuriní apreciavam (e ainda apreciam) muito o tamoatá

(Hoplosternum sp) e o jejú (Hoplerythrinus sp), pequenos peixes obtidos com peneiras

em lagoas e igarapés.

Atualmente, esta atividade é praticada quase que exclusivamente com linha de nylon e

anzol ou com tarrafas. No período chuvoso, são abundantes no Xingu o pacú

(Piaractus sp), a piranha (Serrassalmus sp.), a pescada (Plagioscium sp) e a curimatá

(Prochilodus sp). Na seca, embora haja maior diversidade de espécies, os principais

peixes consumidos são o tucunaré (Cichla sp.) e o trairão (Hoplias sp) No caso do

curimatá, a pesca é realizada preferencialmente na piracema (período de reprodução

dos peixes), que ocorre na época de alagamento da zona da várzea. Concentradas e

se reproduzindo nessas áreas sazonalmente alagadas, os curimatás viram presas

fáceis, sendo pescados inclusive com as mãos (Ribeiro, 2009).

Os Asuriní coletam diversas espécies alimentares não domesticadas como a castanha-

do-pará, o cupuaçu (Theobroma grandiflorum), o pariri ou frutão (Pouteria pariry), o

cacau (Theobroma ssp), o ingá (Inga sp.), o inajá (Maximiliana ssp), o açaí (Euterpe

oleracea) e a bacaba (Oenocarpus bacaba). Embora esporádico, o produto da

atividade de coleta representa um importante complemento alimentar. A castanha-do-

pará, por exemplo, é utilizada no preparo de mingaus ou consumida com carne e

farinha. Para o preparo de mingau, os Asuriní também coletam o côco inajá. O

consumo do açaí e da bacaba, introduzido pelos regionais, tem constituído outra

importante fonte alimentar, embora não sejam muito apreciados pelos mais velhos.

Pelo fato de cada espécie ter sua própria dinâmica sazonal, a coleta de diferentes

produtos é realizada em diferentes períodos do ano.

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Page 101: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Os Asurini estão habituados a comer alimentos industrializados, mas não é possível

afirmar que são dependentes destes produtos, pois os alimentos produzidos localmente

são muito abundantes. Não há períodos de escassez e fome. O que há é uma

escassez relativa de alimentos em determinadas épocas do ano, de acordo com a

sazonalidade. Por exemplo, no período da chuva determinados alimentos são

abundantes, como a caça, a bacaba, o milho e a castanha. Na seca são abundantes a

pesca, a mandioca-doce, a macaxeira, a batata e o açaí. A população relativamente

pequena do grupo também é um fator que contribui para a abundância de alimentos.

Os principais alimentos industrializados consumidos pelos Asurini são: café, açúcar,

bolacha, trigo, sal, feijão, macarrão, leite em pó, óleo de soja e arroz.

Na dimensão econômica, Ribeiro (2009) nota um processo de monetarização de parte

das relações sociais indígenas, pelo fato de que os circuitos de circulação de dinheiro e

de consumo de produtos industrializados dificilmente são compatíveis com, ou

integrados aos circuitos indígenas de troca e reciprocidade. Inclusive, a circulação de

alguns elementos básicos da economia indígena passou a ser regulada por relações

monetárias. Tal fenômeno (a circulação interna de bens mediada por dinheiro) foi

observado principalmente na construção de casas e na distribuição de farinha de

mandioca.

Aspectos relativos à conservação dos recursos naturais

As primeiras invasões da Terra Indígena Koatinemo datam da década de 1980,,

quando madeireiros começaram a adentrar o território Asuriní através do igarapé Ituna,

na face norte da TI, e através de estradas endógenas abertas na TI Trincheira-Bacajá,

limite leste da TI Koatinemo. Entretanto, apenas na década de 1990 foi registrada

extração ilegal no interior da TI. De acordo com informações fornecidas pela FUNAI,

em 1992 a madeireira Exportadora Perachi foi flagrada roubando 8.000 m² de madeira-

de-lei. No ano seguinte foi a madeireira Impar, flagrada roubando mogno. Em ambos os

casos a atividade madeireira não contava com o consentimento da população indígena.

Na análise das imagens de satélite, verificou-se a cobertura vegetal da TI. Observa-se

318 ha desmatados, que provavelmente correspondem às roças abertas pelos

regionais, que até 2007 habitavam a face norte da TI Koatinemo, numa área

101

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denominada Passaí, com o consentimento dos Asuriní (Ribeiro, 2006). Esses

moradores se estabeleceram ai há décadas, antes da declaração de posse indígena da

área e, apenas recentemente, foram indenizados e reassentados. Nesse caso, esses

moradores foram transferidos pelo INCRA para o PDS Itatá, situado na margem direita

do igarapé das Lages (que constitui o limite norte da TI Koatinemo).

Embora ao longo da última década tenha havido arrefecimento das invasões do

território indígena, em viagem realizada em agosto de 2008 por equipe do Centro de

Trabalho Indigenista (CTI), os Asuriní expressaram grande preocupação quanto ao

avanço do “Assentamento Asuriní”, gleba do INCRA situada ao norte da TI Koatinemo

e cortado pela estrada conhecida por ‘Trans-asuriní’. Com extensão atual de

aproximadamente 120 km habitados (no sentido norte-sul), esta estrada - cujo início

situa-se na margem direita da Volta Grande do Xingu, na margem oposta à cidade de

Altamira - pode se tornar em breve um vetor concreto de invasão do território indígena.

Segundo informações fornecidas por um funcionário da FUNAI em Altamira, o

travessão tem várias bifurcações e já se aproxima da cabeceira do Igarapé Lages,

limite norte da TI Koatinemo.

Atualmente a área não se encontra invadida por madeireiros nem garimpeiros.

Contudo, em outubro de 2006 ocorreu um fato interessante: um grupo japonês invadiu

uma área denominada Passaí, limite norte da TI, ocupada pela comunidade ribeirinha

acima mencionada, com o objetivo de construir um hotel ecológico. Informados pelos

ribeirinhos, todos os homens Asuriní se deslocaram armados para o local, expulsaram

os empreendedores e trabalhadores que estavam por lá e embargaram o início da

obra.

Além disso, assim como no caso das outras TIs que compõe o bloco do médio Xingu, o

território Asuriní vem sendo invadido por pescadores de Altamira. Em 2008, os Asuriní

apontaram o roubo de peixes pelos pescadores de Altamira como um dos principais

problemas que ameaçam a garantia da integridade do território indígena. Os

pescadores, além de roubarem grandes quantidades de peixe, também têm cooptado

alguns jovens Asuriní, os quais têm freqüentemente trocado peixes por cachaça. Nesse

caso, vendem um litro de cachaça para os índios por R$ 10. Conseqüentemente, vários

jovens têm recorrido à prática de trocar peixe pela bebida. Além desses, outro

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Page 103: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

fornecedor recorrente de bebidas alcoólicas é o ex-Chefe do Posto da FUNAI, na aldeia

Koatinemo. Este, embora tenha sido afastado do cargo em 2006, atualmente vive com

a família em uma casa situada em uma ilha do Xingu distante uma hora da aldeia por

barco, razão pela qual continua a exercer considerável influência sobre os Asuriní,

principalmente os jovens. Atua também como entreposto da pesca ilegal da qual

participam seus familiares.

Outro problema apontado pelos índios diz respeito às roças. Uma vez que não são

todas as famílias que plantarem roças, nos últimos anos tem havido escassez

freqüente de produtos agrícolas e, conseqüentemente, de roubo de mandioca, dentro

da própria aldeia. Esse problema das roças foi observado por Ribeiro (2009) ao longo

de sua pesquisa de campo, no ano de 2005. Naquela ocasião, devido à escassez de

mandioca (apenas 8 das 13 famílias Asuriní plantaram roças naquele ano), algumas

famílias foram obrigadas a comprar farinha dos regionais, prática que, segundo o relato

de alguns indivíduos, continua a ser realizada. Neste ano, os Asuriní informaram que

os indivíduos mais velhos são aqueles que continuam a plantar mais roças. Dentre as

roças abertas no ano passado, entretanto, duas das maiores delas foram

completamente devoradas pelos queixadas e catetos. Finalmente, os Asuriní

queixaram-se da escassez de casas de farinha na aldeia, principalmente porque essas

não são de uso comunitário, ou seja, há uma divisão de propriedade das casas de

farinha existentes.

Outra questão relevante e intimamente relacionada à questão territorial refere-se à

presença de grupos isolados na área. Nesse sentido, no dia 26/08/2008, na aldeia

Koatinemo, Fábio Ribeiro gravou um relato no qual Apebú Asuriní descreve em

detalhes a ocasião em que ele e outros indivíduos confirmaram a existência de índios

isolados não identificados pelos Asuriní nas cabeceiras do igarapé Ipiaçava, limite norte

da TI Koatinemo. Inclusive, essa informação foi confirmada pelo sertanista Afonso

Alves da Cruz (atual Chefe de Posto da TI Cachoeira Seca), no dia 19/03/2009. Afonso

participou na década de 1990 de uma expedição para essa região em companhia de

alguns Asuriní. Embora não tenham tido contato visual direto com o grupo isolado,

foram encontrados diversos vestígios de presença humana na área.

Finalmente, interesses minerários também recaem sobre a TI Koatinemo. De acordo

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com dados do Instituto Socioambiental (ISA, 2005), a empresa Mineração Rio Itajaí SA

solicitou no DNPM requerimentos de pesquisa de ouro, prata e platina. A empresa

Mineração Itamaracá Ltda solicitou requerimentos de pesquisa de ouro. Embora

nenhuma destas duas empresas tenham títulos minerários incidentes sobre a TI

Koatinemo, o território Asuriní é alvo de 11 interesses minerários, que no total

abrangem 68.312 ha, equivalentes a 18,32% do total da área da TI.

Relação da sociedade com o ambiente regional

Embora o contato oficial em 1971 tenha marcado uma modificação na relação dos

Asuriní com a sociedade envolvente, a tensão proveniente do contato interétnico não

foi eliminada. Pelo contrário, no período posterior à "pacificação" os conflitos entre os

indígenas e os regionais tornaram-se mais freqüentes e mais nervosos, principalmente

devido à invasão madeireira verificada nas décadas de 1980 e 1990.

Ao longo da última década, com o arrefecimento das invasões do território indígena

(exceto a invasão de alguns pescadores) a relação dos Asuriní com a população

regional vem experimentando uma mudança qualitativa. Outrora muito temidos, nos

dias de hoje os Asuriní freqüentemente vão à cidade de Altamira para tratar de

problemas de saúde, receber pensões, fazer compras e trabalhos esporádicos e tirar

documentos. Com relação ao contato com a população ribeirinha, atualmente os

Asuriní vão esporadicamente comprar farinha e canoas na casa dos regionais e estes

vêm até a aldeia para fazer exames de saúde, principalmente malária, dado que o

posto de saúde da aldeia possui microscópio.

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Os Asuriní e os projetos de aproveitamento hidrelétrico no Rio Xingu

Reunião na Aldeia Koatinemo / Foto Alice Villela Março 2009

As primeiras notícias que os Asuriní tiveram a respeito da construção de barragens no

rio Xingu e conseqüente inundação de suas terras, ocorreram por volta de 1976, sendo

que na década de 80, continuaram a ser veiculadas. Müller (1988) analisa

depoimentos dos Asuriní manifestando preocupações a respeito da segurança

alimentar (“vai acabar comida”), da sobrevivência física (“os filhos morrerão de fome”) e

de lugares sagrados como a casa comunal onde são enterrados os mortos, em cada

aldeia habitada (“os cemitérios desaparecerão”). Inclui nestas manifestações a

interpretação dada por um xamã, baseada na mitologia: para ele os brancos iriam

“cortar o céu” pois ao se romper a abóboda celeste a qual contém as águas, deveria

ocorrer um dilúvio e desse modo, o fim da humanidade. Na cosmologia Asuriní, ainda,

o lugar de origem do universo é onde se encontram a água grande, a terra e o céu. A

água grande é o rio Xingu (Yh’oho) e, no seu final, encontram-se Maíra, herói criador, e

os avaeté ( gente de verdade) que são os ancestrais dos Asuriní. Aí não há doença,

105

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não se morre, as roças se fazem sozinhas, há abundância. (Müller, 1993:200). Em todo

o rio Xingu e seus afluentes há pedras com marcas que os Asuriní identificam como as

“pegadas” de Maíra. Trata-se provavelmente de marcas que resultaram da confecção,

por outros povos que habitaram a região em tempos imemoriais, de machados de

pedra cujas lâminas eram aí afiadas.

Em reunião realizada na aldeia Asuriní em 23/03/2009 para apresentação do projeto

AHE Belo Monte,, os velhos reafirmaram o medo da inundação. O líder político e

religioso More’yra, em discurso contundente disse estar preocupado com o possível

aumento das invasões na TI se a barragem for construída. O índio Takamuin recuperou

a história do contato com os brancos com a trágica redução demográfica devido à

contração de doenças. Afirmou que o contato com o brancos trouxe muitas coisas ruins

e que atualmente o consumo de cachaça na aldeia é a mais recente delas. O jovem

Kuai, que atuou como tradutor durante a reunião, disse que hoje os índios não

possuem recursos para vistoriar a área e lançou a pergunta: “Se Belo Monte sair, como

a gente vai fazer para controlar os invasores?”.

Relações econômicas após o contato

Os Asuriní tornaram-se dependentes da infra-estrutura instalada na aldeia por iniciativa

de órgãos e instituições governamentais, principalmente o posto indígena da FUNAI, o

posto de saúde, administrado pela Fundação Nacional de Saúde - Funasa e a escola

indígena, administrada pela Secretaria Municipal de Educação de Altamira - Semec.

O posto indígena é administrado pelo chefe de posto da FUNAI, que reside na aldeia, e

é responsável pela manutenção da infra-estrutura do Posto Indígena (sede, barcos),

conserto de máquinas (motores de popa, motores “rabeta”, motosserras, cortadores de

grama, motores de casa de farinha, rádios), fornecimento de combustível, fiscalização

territorial e gestão dos recursos monetários provenientes das aposentadorias do

governo federal (Ribeiro, 2009).

Em 2007, os Asuriní dispunham das seguintes fontes de renda: aposentadorias,

salários de Agentes Indígenas de Saúde e Saneamento Básico, comercialização de

106

Page 107: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

castanha-do-pará, comercialização de artesanato e trabalhos esporádicos. À

semelhança dos Araweté, as aposentadorias e os salários dos Agentes Indígenas (AIS

e Aisan) constituem as maiores e mais regulares fontes de renda da sociedade Asuriní.

A aldeia Koatinemo contava, em 2007, com 16 aposentados, 1 Agente Indígena de

Saúde e 1 Agente Indígena de Saneamento Básico. Assim, do total de 125 indivíduos

que compunham a aldeia, 18 recebiam um salário mínimo mensal do Governo federal.

Segundo Ribeiro (2009), se, por um lado, a quantia proveniente das aposentadorias é

convertida, a cada quatro meses, em alimentos industrializados e motores ‘rabeta’ e

distribuídos na aldeia entre os diferentes grupos familiares (mesmo entre os que não

contam com aposentados), por iniciativa da administração da FUNAI, os salários de

agentes de saúde eram recebidos individual e mensalmente em Altamira.

Os trabalhos esporádicos eram realizados exclusivamente por indivíduos jovens do

sexo masculino. Nesse caso, as principais atividades eram os serviços de piloteiro e

construção civil (por exemplo, o novo Posto da FUNAI na aldeia) contratados pela

FUNAI, os serviços de ajudante de campo contratados por pesquisadores, venda de

artesanato, além do comércio de peixe para alguns regionais, atividade proibida pela

FUNAI e pelo IBAMA em meados de 2007.

Entre 2003 e 2006, os Asuriní estiveram envolvidos na parceria para a comercialização

do óleo de castanha-do-pará entre a cooperativa Amazoncoop, organizada pela FUNAI,

e a empresa The Body Shop. De 1998 a 2002, apenas alguns indivíduos auferiam

renda com a atividade de coleta de castanha-do-pará e, em 2005, os Asuriní coletaram

um total de 300 caixas de 30 kg de castanha. Considerando que o preço que a

cooperativa pagou naquele ano pela caixa de castanha era de R$ 30,00, a atividade

rendeu para os Asuriní R$ 5.700,00 (Ribeiro, 2006). Entretanto, com a paralisação da

parceria comercial causada por conflitos entre as partes envolvidas (FUNAI x The Body

Shop) em 2006, as atividades de coleta da castanha-do-pará realizadas pelos Asuriní

foram paralisadas.

Segundo Ribeiro (2009), essa alternativa econômica, da forma como foi estruturada,

não constituiu um instrumento efetivo para o etno-desenvolvimento das sociedades

indígenas no Médio Xingu, pois os cooperados não participavam da divisão de lucros

107

Page 108: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

da cooperativa, mas vendiam a safra da castanha no sistema de adiantamento de

mantimentos para a execução das atividades de coleta.

No que se refere à comercialização de artesanato, nos últimos anos, com aval da AER

da FUNAI em Altamira, a Fundação Ipiranga66 passou a atuar entre os Asuriní por meio

do 'Projeto Awaeté'. De acordo com esses “empreendedores indígenas” trata-se de

uma ação social, sem fins lucrativos (Silva, 2005), na qual a compra do artesanato

Asuriní tem como contrapartida o investimento em infra-estrutura (placas solares) e

serviços e aparelhos odontológicos. Recentemente, a Fundação Ipiranga por meio de

parceria com a AER da FUNAI em Altamira, criou o Museu do Índio do Pará,em Belém,

que incorporou o acervo do Museu do Índio da FUNAI/Altamira. O museu67, dentre

outras atividades, comercializa objetos, como peças de cerâmica, bancos e enfeites

corporais dos Asuriní do Xingu.

Em 2007, marcas da cultura Asuriní (desenhos geométricos, pintura corporal, palavras

da língua Asuriní) foram utilizadas pela empresa Chamma da Amazônia para o

lançamento no mercado nacional de uma linha de perfumes. Não se dispõe de dados

sobre a participação comercial dos Asuriní neste empreendimento, além da informação

de que as mulheres recebiam pagamento por rótulos de tecido pintados à mão, além

da doação de um valor em torno de R$4.000,00 à comunidade. Além disso, há a

informação de que esta atividade das mulheres Asuriní e a utilização de suas marcas,

através de parceria entre a Fundação Ipiranga e a empresa de cosméticos, seriam

parte dos produtos comercializados em contrapartida aos benefícios já mencionados

acima (equipamentos de infra-estrutura e de assistência à saúde). Há informação

também de que a fim de se legalizar a utilização do patrimônio imaterial e as relações

comerciais estabelecidas entre empresa e comunidade indígena, foi criada a

Associação Indígena Asuriní Awaeté, por iniciativa da referida fundação.

Em janeiro de 2009, a Fundação Ipiranga inaugurou uma loja em Belém para a venda

exclusiva dos produtos indígenas da Associação, destacando-se as bolsas e roupas

66 A Fundação Ipiranga desenvolve ações de preservação e disseminação da cultura paraense. Junto ao povo Asuriní realiza projetos de “responsabilidade social”, apoiando a produção e a comercialização de objetos, instalando consultório odontológico e placas de energia solar, dentre outros. Para mais informações ver: http://www.fundacaoipiranga.com.br 67 Para mais informações ver http://www.museudoindiopa.com.br

108

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customizadas com os grafismos indígenas, além de objetos cerâmicos, bancos,

enfeites corporais, dentre outros.

Não há informação de como se estabelecem as relações comerciais entre a loja e a

Associação.

109

Page 110: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

7.4.4 Araweté – TI Araweté Igarapé Ipixuna

Araweté - Foto Fábio Ribeiro 2005

Nome

Araweté foi a designação dada ao grupo indígena pelo sertanista João Evangelista

Carvalho que chefiou a frente de atração no contato realizado em 1976. De acordo com

Viveiros de Castro, uma autodenominação seria bidê que significa “nós”, “gente”, os seres

humanos. Em eventuais conversas com brancos, os Araweté se auto-designam como

Ararawa, Araweté ou Ararawé, termos que não constituem a auto-denominação tradicional

do grupo.

Língua

Lingüisticamente, o Araweté é claramente da família Tupi-Guarani, embora bastante

individualizado, não podendo assim ser considerado como dialeto de línguas Tupi que já

foram descritas. De fato, a língua Araweté comparada com a língua de seus vizinhos mais

próximos, falantes do tupi-guarani, os Asuriní do Koatinemo, os Parakanã, os Asuriní do

110

Page 111: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Trocará, os Suruí, os Tapirapé, todas elas semelhantes entre si, mostra-se bastante

diferenciada. Isto sugere que a separação dos Araweté foi mais antiga.

Histórico do contato

Segundo Viveiros de Castro (ISA, 2006), é possível garantir que os Araweté vivem no

interflúvio Xingu-Tocantins há muitos anos, talvez séculos. Embora considerados isolados

até 1976, ano do contato oficial, o fato é que os Araweté conhecem o homem branco há

muito tempo.

Há décadas utilizam machados e facões, que pegavam de capoeiras abandonadas. A

tradição oral araweté registra vários encontros com grupos de kamarã68 na floresta.

Entretanto, foram as penetrações dos "gateiros" (caçadores de felinos) no Ipixuna que

iniciaram o processo de contato com os Araweté. Nas décadas de 1960 e 1970,

sucessivas levas de caçadores de peles (em sua maioria seringueiros e moradores da

beira do Xingu) percorreram todo o rio Ipixuna. Apesar disso, a atividade dos gateiros não

parece ter levado a grandes choques armados com os Araweté.

Em 1970, com a construção da Transamazônica, a FUNAI decidiu iniciar os trabalhos de

"atração" dos grupos indígenas da região do igarapé Ipiaçava ao Bom Jardim. Uma frente

chefiada por Antônio Cotrim Soares subiu o Ipixuna, sem sucesso. Neste mesmo ano, os

gateiros tiveram um encontro com um grande grupo Araweté na área do igarapé Bom

Jardim. Em janeiro e fevereiro de 1971, numa segunda expedição, Cotrim encontrou um

grupo de índios, que o levaram a visitar sua aldeia, de 13 casas. Tratava-se,

provavelmente de uma antiga aldeia Asuriní ocupada pelos Araweté (Müller et al., 1979).

Em maio de 1971, os padres Karl e Antônio Lukesch contataram os Asuriní do Ipiaçava. A

frente do Ipixuna deslocou-se para lá, abandonando o contato inicial com os Araweté.69

De 1972 a 1973, a frente do Ipixuna, agora chefiada por Raimundo Alves, tentou sem

sucesso novo contato com os índios. Em novembro de 1973 ocorreu um breve contato

68 Homem branco 69 Eduardo Viveiros de Castro, In: Processo FUNAI nº: 0707/79, fls. 90 e 91

111

Page 112: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

com 13 índios, que não permitiram que a frente de atração visitasse sua aldeia. Em 1974,

a cerca de 100 km da foz do Ipixuna, a frente de atração começou a construir um posto e

abrir roças. Mas, deste ano até 1976 não se conseguiu contato com os índios (Müller et

al., 1979). Nesta época, os Araweté estavam divididos em dois blocos de aldeias, um mais

ao sul, na bacia do igarapé Bom Jardim, e outro ao norte, no alto igarapé Ipixuna.

No fim de 1975 ou início de 1976, os Araweté sofreram um grande ataque Parakanã no

alto Ipixuna, e abandonam este igarapé em direção ao igarapé Jatobá. Uma boa parte do

grupo dirigiu-se diretamente para as margens do Xingu, aonde acamparam junto à roça de

um ribeirinho.

Esta aparição no Xingu foi informada à FUNAI / Altamira por funcionários do CNEC-

Consórcio Nacional de Engenheiros Consultores, empresa que realizava pesquisas para a

implantação do CHE- Complexo Hidrelétrico do Xingu. Em fins de maio de 1976, a frente

de atração, chefiada por João Carvalho, encontrou os índios no "beiradão".70

Carvalho encontrou os Araweté no dia 29/05/1976, em condições precárias de nutrição e

saúde. Assim que Carvalho deixou os Araweté, no final de junho daquele ano, o sertanista

Raimundo Alves, que novamente passou a chefiar a frente de contato, convenceu os

índios a se mudarem para o local do Posto de atração da FUNAI, no alto Ipixuna. A

viagem de aproximadamente 100 km foi feita por terra, durando 22 dias. A maioria dos

índios estava fraca demais para prosseguir, e 66 indivíduos morreram nocaminho.

Raimundo Alves chegou ao Posto de atração no dia 27/07/1976, com 27 índios.

Em setembro de 1976, Carvalho voltou para o Ipixuna encontrando 44 índios acampados

próximos ao Posto de atração, todos muito doentes. Este grupo provavelmente estava se

deslocando de acampamentos na mata em direção ao Posto. No final de setembro, outro

grupo de índios, também muito doentes chegou ao Posto. Não se sabe se este grupo

estava no Xingu ou se eram provenientes da aldeia do igarapé Jatobá. Por fim, em

dezembro, chegam ao Posto alguns índios da aldeia Jatobá, trazendo a notícia do ataque

recente dos Parakanã a esta aldeia.

70 Eduardo Viveiros de Castro, In: Processo FUNAI nº: 0707/79, fls. 90 e 91

112

Page 113: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Como o censo realizado em março de 1977 indicava 120 índios, e a população Araweté

em setembro de 1976 era de aproximadamente 70 indivíduos, deduz-se que houve

deslocamentos maciços de índios da outra aldeia, e de acampamentos ao longo do trecho

Xingu - Ipixuna, em direção ao Posto.

Os Araweté, atingidos em 1977 por epidemias de gripe e desinteria, começam a se

recuperar. A partir de 1978 a frente de atração instalou um novo Posto na margem

esquerda do médio Ipixuna. Duas aldeias foram erguidas: uma junto ao Posto, com roça

aberta pela FUNAI, e outra na margem direita do igarapé, junto às roças abertas pelos

índios. Em 1981, os Araweté da margem direita fundem-se com a aldeia do Posto, devido

à necessidade de se situarem mais próximos dos bens e serviços oferecidos pela

FUNAI.71

Curiosamente, em setembro de 1987 os Xikrin da Terra Indígena Cateté, a centenas de

quilômetros a sudeste do Ipixuna, do outro lado da Serra dos Carajás, atacaram um

pequeno grupo de índios desconhecidos, matando um homem e um menino, capturando

duas mulheres e outro menino pequeno. Um médico da FUNAI que visitava a aldeia do

Cateté reconheceu a pele branca e os olhos castanho-claros dos Araweté, bem como os

característicos brincos de pena usados pelas mulheres. Depois da transferência para a

aldeia Ipixuna, descobriu-se que este grupo de índios "isolados" fazia parte do grupo do

Iwarawi, que havia se separado do bloco maior há aproximadamente 30 anos, durante um

ataque Xikrin nas cabeceiras do Bacajá.

A partir do contato oficial, que implicou na fixação da sociedade indígena em uma área

restrita, começou a emergir entre os Araweté uma concepção "fechada" de território.

Como argumenta Viveiros de Castro (1988), o estabelecimento de uma só aldeia junto ao

Posto da FUNAI deteriorou o modus vivendi tradicional, que consistia em várias aldeias

simultâneas cobrindo uma vasta extensão territorial, diminuindo o raio de movimentação

do grupo, que agora se encontra numa situação de maior dependência em relação ao

Posto.

71

Eduardo Viveiros de Castro, In: Processo FUNAI nº: 0707/79, fls. 92 e 93

113

Page 114: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Quanto à atividade missionária, os primeiros trabalhos foram desenvolvidos pela

Associação Lingüística Evangélica Missionária (ALEM) no início dos anos 1990.

Atualmente a ALEM conta com três missionários na aldeia Ipixuna, sendo que um deles

fala fluentemente a língua Araweté e é professora da escola indígena.

Situação fundiária da TI Araweté/Igarapé Ipixuna

Em 1996, o Decreto do Presidente Fernando Henrique Cardoso homologou a demarcação

administrativa da TI Araweté, com 940.900 ha de área e 576 km de perímetro. Atualmente

o território Araweté está registrado oficialmente no Serviço de Patrimônio da União (SPU),

abrangendo os municípios de Altamira, São Félix do Xingu e Senador José Porfírio. A

Tabela 20 a seguir apresenta alguns dados referentes ao processo demarcatório desta TI.

Tabela 14. Situação fundiária da TI Araweté Igarapé Ipixuna

AREA (Ha) 940.900,8

PERÍMETRO (Km) 576,38

MUNICÍPIOS Altamira, SF Xingu e José Porfírio

DECLARATÓRIA PD 254 de 21/12/1992

HOMOLOGAÇÃO 05/01/1996

REGISTRO 04/03/1996

SPU 20/05/1997

Fonte: DAF/FUNAI/Ribeiro,2006

O processo de regularização fundiária da terra indígena teve início em fevereiro de 1979,

quando o Sr. Salomão Santos, então chefe da Ajudância de Altamira, apresentou uma

proposta de criação da Reserva Indígena Araweté, com aproximadamente 400.000 ha,

englobando a área tradicional e atual dos Araweté - cabeceiras do Bacajá, margens dos

igarapés Jatobá, Bom Jardim, Canafístula e Ipixuna.

Em novembro de 1979, o Grupo de Trabalho criado pela Portaria 627/E de 15/10/1979 e

coordenado pela antropóloga Regina Müller apresentou à FUNAI uma proposta de

demarcação conjunta das áreas indígenas Koatinemo-Ipixuna-Bacajá (sociedades Asuriní,

Araweté e Xikrin). Essa área contínua, que englobava todo o interflúvio Xingu-Bacajá, indo

114

Page 115: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

do Piranhaquara até o Bom Jardim, no Xingu, e todo o rio Bacajá a partir do igarapé Dois

Irmãos, incluía ainda o território de possíveis índios arredios (provavelmente Parakanã).

Tal proposta de demarcação apresentava a vantagem de não deixar um "corredor" entre

as áreas dos índios do Xingu (Asuriní e Araweté) e a dos Xikrin do Bacajá, evitando

invasões, e incluindo o território de índios ainda desconhecidos.

O projeto proposto pelo GT não se realizou e cada terra indígena foi demarcada

separadamente, com os mesmos limites da proposta de uma área continua. A área

Araweté foi interditada em 30/12/1987, através da Portaria PP/4101 com 985.000 hectares

e 500 km de perímetro. Em maio de 1992 esta área foi delimitada, para fins de

demarcação. A demarcação física do território Araweté foi realizada entre junho de 1994 e

maio de 1995, com recursos do governo austríaco destinados à conservação de florestas

tropicais, concedidos durante a ECO-92.

A TI Araweté está situada na área de influência do Projeto Carajás, da Companhia Vale

do Rio Doce (CVRD). Apesar disto, esta área não foi incluída nos projetos compensatórios

que a empresa foi obrigada a instituir, e que contemplaram apenas as TI Parakanã e

Cateté, situadas fora do bloco de TIs do médio Xingu. Além da CVRD, segundo dados do

ISA (2005) diversos interesses minerários recaem sobre a TI Araweté. De fato, seis

empresas solicitaram ao DNPM requerimento de pesquisa, totalizando 22 processos

minerários incidentes sobre esta TI.

A área da TI com incidência em interesses minerários totaliza 122.734 ha, equivalente a

12,64% da Terra Indígena Araweté. As principais empresas com interesses minerários

incidentes são: Mineração Rio Itajaí (pesquisa de ouro, prata e platina), CVRD (níquel),

Mineração Jenipapo (ouro), Mineração Itamaracá (ouro), Indústria Samaúma (ouro) e

Mineração Silvana (ouro).

A invasão da TI Araweté por empresas madeireiras seguiu-se à invasão das Terras

Indígenas Apyterewa e Trincheira-Bacajá. Liderada pelas empresas Exportadora Perachi

e Madeireira Aragüaia (Maginco), esta invasão iniciou-se em 1986, quando as referidas

empresas abriram uma estrada - Morada do Sol, de aproximadamente 200 km partindo de

Tucumã e avançando sobre as TIs Apyterewa, Araweté e Trincheira-Bacajá.

115

Page 116: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Conseqüentemente, em 1988 os Araweté e o então Chefe de Posto da aldeia Ipixuna

(Benigno Pessoa Marques, atual Superintendente da FUNAI-Altamira) encontraram e

apreenderam uma grande quantidade de mogno derrubada no interior da Terra Indígena

pelas duas madeireiras citadas. Após uma negociação estabelecida entre a FUNAI-

Altamira e estas duas madeireiras, que terminou por oficializar a retirada e a venda ilegal

de madeira das Terras Indígenas, as sociedades Araweté e Apyterewa-parakanã

receberam uma indenização pela madeira roubada.

Embora a maior parte desta verba tenha sido confiscada posteriormente pelo Governo

Collor, o período em que ela esteve disponível foi suficiente para gerar, por um lado,

melhorias nas condições de infra-estrutura da aldeia e, por outro, aumento da

dependência dos Araweté em relação a mercadorias como espingarda, roupas, lanternas,

panelas, facões e machados.

Em 1992, a madeireira Exportadora Perachi foi flagrada retirando mogno no interior do

território Araweté. Atualmente, segundo o chefe de posto Nivaldo Porfírio, a atividade

madeireira no interior da TI Araweté/Igarapé Ipixuna está paralisada. (Ribeiro, 2006).

Entretanto, segundo Nerci Caetano Ventura , técnico da FUNAI-Altamira, a TI Araweté foi

invadida por alguns madeireiros em 2000 e 2001. Efetuada através da TI Apyterewa, esta

invasão contou com o auxílio de alguns jovens índios Parakanã envolvidos na extração

ilegal de madeira. (Ribeiro,2006)

Segundo as informações disponíveis, a pesca praticada pelos regionais seria a única

atividade ilegal dentro da TI, atualmente. Analisando as imagens de satélite são visíveis

as cicatrizes deixadas pela atividade madeireira no território Araweté: dos 940.000 ha que

compõe a TI, aproximadamente 3.406 ha foram devastados e 317 km de estradas

endógenas foram abertas (vide Anexo 06- Mapa de Vulnerabilidade territorial das Terras

Indígenas).

116

Page 117: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Aspectos demográficos

Atualmente os Araweté moram em três aldeias: Juruãti, formada em novembro de 2008,

próximo a foz do igarapé Ipixuna; Ipixuna, formada em outubro de 2001, logo acima, e

aldeia Pakañã, formada em outubro de 2005, localizada a 2:00hs da foz do Ipixuna,

igarapé acima.

Os Araweté somam hoje 398 indivíduos, vivendo nestas três aldeias:

Ipixuna - 208

Pakanã – 77

Juruãti - 113

A população imediatamente anterior ao contato era de aproximadamente 200 pessoas.

Entretanto, a mortalidade causada por epidemias e desnutrição decorrentes do "contato"

levou o grupo a um mínimo de 120 pessoas, em 1977. Posteriormente, os Araweté

chegaram a 189 indivíduos no ano de 1992, passando a 299 em 2003. Em julho de 2005,

a população do grupo havia alcançado os 326 indivíduos, atingindo a marca de 335 em

novembro deste mesmo ano. O gráfico 7 a seguir apresenta o crescimento da população

Araweté no período 1990-2006.

Organização social e estratégias de sobrevivência frente ao contato com a

sociedade envolvente.

As residências na aldeia se organizam de modo multicêntrico, não possuindo um centro

no sentido geográfico ou político-ritual. Uma das implicações desta organização é o fato

de que o Posto da FUNAI assume a função de centro político e de espaço público, o que

dá ao Posto (e ao chefe de Posto) uma importância política grande. Neste sentido é que

Viveiros de Castro afirma que

" (...) a aldeia Araweté não tem - e tradicionalmente nunca parece ter tido - um

centro, no sentido próprio, geográfico, ou no sentido político-ritual. Isto possui várias

implicações, ligadas à estrutura social Araweté. Uma implicação importante é que o

117

Page 118: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Posto Indígena da FUNAI assume-cria a função de centro político, e de espaço

comunal público. Dá-se então que o espaço coletivo Araweté é ao mesmo tempo

comunal e dos brancos, que passam assim a exercer um poder eminente sobre toda

a sociedade. O "pátio dos brancos" é o "pátio central", que se superimpõe à

sociedade Araweté, a unifica e engloba. É assim que se fabrica o poder."72

O contato Araweté com os "brancos" é muito anterior à década de 1970. Nos 40 anos

anteriores ao contato, os antigos Araweté se lembram de massacres efetuados pelos

"brancos" e do costume de se pegar objetos de metal em capoeiras abandonadas. Apesar

destes contatos esporádicos, os Araweté afirmam que, realmente, só vieram a ver os

brancos quando chegaram ao igarapé Ipixuna, por volta dos anos 1960, período em que

diversos "gateiros" estavam percorrendo a região deste igarapé (VIVEIROS DE CASTRO,

1988).

No período pós-contato, nas décadas de 1980 e 1990, embora a TI Araweté/Igarapé

Ipixuna tenha sido alvo de madeireiros, garimpeiros e empresas mineradoras, a relação

da sociedade Araweté com a população regional raramente assumiu caráter conflituoso.

Em períodos mais recentes os Araweté intensificaram progressivamente o processo de

interação com a sociedade envolvente. Por um lado, esta interação foi resultado da maior

facilidade de acesso à cidade - os Araweté possuem um barco e a FUNAI fornece

combustível regularmente.

Por outro lado, a intensificação da relação entre os Araweté e o "mundo dos brancos" foi

conseqüência direta da inserção de na economia de mercado, viabilizada pela cooperativa

Amazoncoop (para a qual coletavam castanha-do-Brasil), pelas aposentadorias, pelos

salários dos Agentes Indígenas de Saúde(2) e pela comercialização de sementes de

mogno por meio da FUNAI.

Atualmente, vários Araweté freqüentam a cidade de Altamira, a qual, segundo Viveiros de

Castro (1988), é um símbolo fundamental no imaginário desta sociedade indígena por

representar, ao mesmo tempo, lugar de abundância e foco das doenças, que os matam.

72 Eduardo Viveiros de Castro, In: Processos FUNAI nº 707/79

118

Page 119: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Tradicionalmente a vida social era marcada pelas estações do ano e atividades produtivas

correspondentes Hoje, os Araweté passam a maior parte do tempo vivendo na aldeia,

sendo os acampamentos na floresta, restritos à coleta da castanha-do-Brasil para

comercialização e às caçadas coletivas. (Faria, 2007).

Esse padrão difere do descrito na literatura sobre os Araweté (Viveiros de Castro, 1986)

onde há o relato da época em que o ciclo anual de atividades se dividia em duas fases, a

da vida na floresta e a da vida aldeã.

A fase na floresta se iniciava após o plantio dos roçados de milho, quando as famílias

deixavam a aldeia por quase três meses, até a época de colheita do milho-verde.

Retornavam em março, para a fase de vida aldeã. Mesmo nesta fase, sempre havia

famílias acampando fora da aldeia por períodos de até 15 dias, por razões variadas, quais

sejam: as caçadas masculinas coletivas de tatus, que ocorriam a partir de abril-maio; a

colheita do milho, em julho-agosto, quando muitas famílias acampavam perto de seus

roçados e, por fim, as excursões de grupos de famílias para coletar ovos de tracajá,

pescar, caçar e capturar filhotes de arara e papagaios. A fase de vida na floresta, contudo,

não ocorreu nos anos de 1981 e 1982, conforme já destacava Viveiros de Castro.

O estudo de Faria (2006, 2007), bióloga que no período 2004-2006 realizou pesquisas a

respeito das transformações no uso dos recursos naturais por parte da sociedade

Araweté, mostra as transformações no modo de vida tradicional, particularmente as que

foram geradas pelas relações econômicas dos Araweté com a sociedade envolvente. De

acordo com este estudo, nos primeiros 15 anos que se passaram após seu aldeamento

pela FUNAI, os Araweté permaneceram mais isolados do contato com a sociedade

envolvente do que seus vizinhos Asurini e Xikrin.

Apesar disso, poucos anos após o aldeamento, os Araweté já dependiam da FUNAI para

obtenção de produtos exógenos como querosene, sal, fósforos, panelas, roupas para os

homens, sabão, pilhas, lanternas, facas, machados, facões, ferramentas, tesouras,

pentes, espelhos, açúcar, óleo de cozinha, espingardas, munição, canoas e remédios.

Também era grande a solicitação de remédios e do serviço de saúde prestado pelo

119

Page 120: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

auxiliar de enfermagem que morava na aldeia. Em 1982 foram introduzidas as primeiras

espingardas, e em 1987, os Araweté, eles próprios, fabricaram as primeiras canoas.73

Descreve-se a seguir algumas mudanças ocorridas nas práticas econômicas nos últimos

dez anos:

O consumo de itens industrializados aumentou consideravelmente após o ano de 1989,

quando ocorreu uma importante transformação na aldeia. Os Araweté receberam grande

soma em dinheiro como indenização por madeira apreendida que havia sido retirada

ilegalmente de suas terras e, com este dinheiro, foram comprados motores para

transporte e geração de energia elétrica, bem como um barco com alta capacidade de

carga.74

A partir de outubro de 2001, quando se mudaram para a Aldeia Ipixuna, a relação dos

Araweté com o mundo externo mudou radicalmente, pois eles passaram de uma distância

de 30 km entre a aldeia e o rio Xingu, para uma distância de apenas 6,3 Km. Esta maior

proximidade trouxe nova movimentação à aldeia, intensificaram-se as visitas dos Araweté

aos seus vizinhos ribeirinhos, a freqüência de não índios na aldeia intensificou-se, como

as equipes da área de saúde, representantes da FUNAI, ribeirinhos em busca de

tratamento médico, outros índios de passagem, turistas estrangeiros, etc.

Este fluxo de pessoas, associado aos programas televisivos eram, até então, a principal

forma de contato dos Araweté com a sociedade envolvente. Essas pessoas que

passavam pela aldeia, muitas vezes acabavam comprando artesanatos ou produtos

florestais e, aos poucos, os Araweté passaram a ter mais contato com a moeda brasileira

e com produtos exógenos trazidos pelos visitantes. (FARIA, 2006)

No início de 2005, a maioria dos Araweté ainda não conhecia um centro urbano. As

poucas exceções que estiveram na cidade, foram para tratamento médico e, um número

ainda menor, para outros propósitos, como participar de reuniões e conselhos ou a convite

de pesquisadores.

73 VIVEIROS DE CASTRO, apud Faria, 2007 74 VIVEIROS DE CASTRO, apud Faria, 2007

120

Page 121: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

No final de 2005, o quadro havia mudado radicalmente. A maioria dos homens jovens

casados e alguns idosos já haviam conhecido Altamira, seja para receber o dinheiro pela

castanha-do-Brasil coletada, seja para participar dos II Jogos Tradicionais Indígenas do

Pará, realizados em agosto de 2005 (FARIA, 2007). A partir desta época os Araweté

passaram a demonstrar maior interesse pela cidade e seus produtos.

Por outro lado, as rendas proporcionadas aos Araweté para suprir suas “novas”

necessidades, advindas da coleta da castanha e de sementes de mogno para

comercialização, foram reduzidas ao longo dos últimos anos. A parceria entre a

cooperativa Amazoncoop e a empresa The Body Shop na comercialização da castanha se

desfez e com isso os Araweté passaram a comercializar castanha no mercado local. Da

mesma forma, a venda de sementes de mogno realizada através da FUNAI (ver Faria,

2007) também sofreu um decréscimo.

A participação dos Araweté na economia de mercado, conforme apresentado no estudo

de Faria, se dá por meio de poucas fontes, e a renda obtida é geralmente baixa e, à

exceção dos salários e das aposentadorias, todas as outras fontes de renda não são

regulares. Apesar da pouca participação no mercado, observou-se que há diferenças

quanto ao grau de envolvimento das unidades domésticas e que o crescente interesse

dos Araweté pela cidade e por seus produtos, tem aumentado o consumo de bens

industrializados.

Relação dos Araweté com os recursos naturais da Bacia fluvial do Xingu

O ciclo de subsistência anual tradicional da sociedade Araweté consistia em fases de

dispersão na mata e reconcentração na aldeia, de expedições realizadas por pequenos

grupos e de consumo cerimonial e coletivo do resultado destas expedições. O calendário

sazonal do ciclo de subsistência podia ser dividido da seguinte maneira:

- Agosto-outubro: derrubada da roça nova de milho; fim dos estoques de milho, início do

processamento da mandioca;

121

Page 122: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

- Outubro: coivara;

-Outubro-novembro: pescarias com timbó, nas quais a aldeia se divide em grupos que

acampam junto aos poções e grotas;

- Novembro-dezembro: plantio do milho; coleta do mel, na qual novamente a aldeia se

divide em grupos que acampam por semanas na mata. A época do plantio do milho, com

as primeiras chuvas, coincide com a época em que as castanhas estão quase maduras

nas castanheiras.

- Dezembro-fevereiro: dispersão da aldeia até a maturação do milho verde; pequenos

grupos se dispersam na mata, caçando e coletando castanha-do-pará, cupuaçu e bacaba;

- Março-setembro: consumo do milho verde; ciclo da farinha do milho e das caçadas ao

tatu75

Atualmente, vários fatores (entre eles a inserção no mercado de produtos florestais não

madeireiros e a introdução de novas tecnologias) contribuem para a transformação das

práticas tradicionais de subsistência. Sem dúvida, a principal modificação no ciclo anual

de subsistência Araweté é a atual não dispersão do grupo no período de maturação do

milho, na época das chuvas. De acordo com Faria (2006), a dispersão no período das

chuvas foi substituída pela coleta de castanha-do-pará com objetivo comercial.

A maior parte das atividades praticadas pelos Araweté, nos dias de hoje, tanto de

subsistência quanto de mercado, se distribuem de acordo com as estações do ano

(chuvosa e seca), com o nível das águas dos igarapés e dos rios, e com a safra dos

produtos florestais.

Com relação à agricultura, os dois principais produtos da roça Araweté são o milho,

principal item da dieta Araweté, e a mandioca-brava. A maioria das famílias abre duas

roças por ano, uma de milho e outra de mandioca. Tanto os roçados de milho quanto os

de mandioca são cultivados por apenas um ano, até que os novos roçados sejam abertos,

sendo então abandonados para regeneração. No entanto, produtos como cará, batata,

frutos e, às vezes, mandioca e macaxeira podem ser colhidos nos roçados antigos por até

75 Eduardo Viveiros de Castro, In: Processo FUNAI nº: 0707/79, fls. 107

122

Page 123: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

dois anos. Estes roçados continuam pertencendo aos donos, e terceiros precisam de

autorização para retirar produtos deles.

As primeiras roças a serem abertas são as de milho. Em geral, são abertas em

localidades distantes da aldeia e próximas às roças anteriores, em áreas de floresta em

estágio avançado de regeneração. O local da nova roça é escolhido pelo tipo de solo. O

milho-verde é colhido a partir de março, e o milho maduro só é colhido entre junho e julho.

A mandioca é colhida ao longo do ano, de acordo com a necessidade de consumo de

farinha, sendo que algumas famílias só colhem mandioca quando estão sem milho para

consumo. O restante da mandioca é deixado no roçado para ser colhido posteriormente.

(Faria, 2006) Outros produtos importantes das roças Araweté são: batata-doce, cará,

macaxeira, mamão, banana, algodão, urucum, cana-de-açúcar, tabaco e sementes para

confecção de colares.

Atualmente a caça é realizada quase que exclusivamente com espingarda, sendo que

apenas alguns velhos ainda utilizam arco-e-flecha, além da espingarda. A caça entre os

Araweté é uma atividade essencialmente masculina. As mulheres só acompanham os

homens em caçadas com pernoite, geralmente para caçar jabutis. A variedade de animais

caçados é grande, seja para retirada de penas, seja para alimentação. Em ordem de

preferência alimentar, pode-se citar: jabutis, tatus, mutuns, jacus, cutia, porcos-do-mato,

guariba, macacos-pregos, paca, veado-mateiro, inhambus, arara vermelha, arara-canindé,

arara-azul-grande, jacamins, jaós e anta. Esta grande variedade de carne de caça

consumida é outra característica que distingue os Araweté de outros grupos Tupi-Guarani.

Outra atividade importante para a economia de subsistência dos Araweté é a coleta de

produtos florestais. Em geral, a coleta é praticada por ambos os sexos e usualmente

realizada por casais, com exceção da coleta de mel que é exclusivamente realizada pelos

homens. De acordo com Viveiros de Castro, além do mel, outros produtos importantes de

coleta são: castanha-do-pará, açaí, bacaba, cupuaçu e coco babaçu. Dentre os demais

recursos naturais necessários para a construção de casas, confecção de artesanatos,

utensílios, etc., estão as folhas e talos de babaçu, inajá e açaí, taquaras, madeiras para

usos diversos, envira e barro. 76

76 Eduardo Viveiros de Castro, In: Processo FUNAI nº: 0707/79, fls. 115

123

Page 124: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

A estação chuvosa, de dezembro a maio, é a época dedicada à coleta de castanha-do-

Brasil (Bertholletia excelsa H.B.K.), bem como de frutos como a bacaba (Oenocarpus

distichus Mart.), várias espécies de ingá (Inga spp), a golosa e o caju-do-mato. É nessa

época também que a caça adquire maior importância, sendo o jabuti (Geochelone

denticulata, G. carbonaria) o principal item caçado, seguido por outros animais como os

tatus (Dasypusnovemcinctus, D. septemcinctus, Cabassous unicinctus e Priodontes

maximus), as queixadas (Tayassu pecari), os catetos (Pecari tajacu) e as pacas

(Cuniculus paca). Quando as chuvas estão mais fracas e o nível de água dos rios começa

a retroceder, inicia-se a época dedicada à colheita do milho-verde (Zea mays L.). (Faria,

2006)

Entre os meses de junho e julho ocorre a coleta das sementes de mogno (Swietenia

macrophylla King, Meliaceae), a qual coincide com a colheita do milho já maduro, sendo

também época do açaí (Euterpe oleracea.). Pouco tempo depois é época de coleta de mel

e de ovos de tracajá (Podocnemis spp) e novamente estão disponíveis o açaí e algumas

espécies de ingá.

Inicia-se então a fase de abertura (broca, derrubada e queima) dos novos roçados de

mandioca, bem como a queima dos roçados de milho e mandioca. Em seguida são

plantados a mandioca, a macaxeira (Manihot esculenta Crantz) e todos os outros

vegetais, exceto o milho. A caça começa novamente a ganhar espaço, ao mesmo tempo

em que entra a safra de cacau-nativo (Theobroma speciosum Willd. ex Spreng.).

Os Araweté caçam o ano todo, mas a atividade é ainda mais expressiva durante o

inverno, quando é alta a disponibilidade de frutos que atraem os animais, permitindo que

os Araweté cacem em espera, isto é, aguardando o animal vir se alimentar.

A pesca é atividade importante principalmente na época de seca, quando os rios estão

baixos e pescar se torna menos custoso do que caçar. Tradicionalmente, a pesca é uma

atividade essencialmente masculina. No entanto, com a introdução de anzol e linha de

nylon, crianças passaram a pescar, ganhando papel importante na alimentação familiar.

124

Page 125: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Como é uma atividade tipicamente sazonal, em cada época do ano, transforma-se o tipo

de pesca, as pessoas envolvidas na atividade e os instrumentos preferencialmente

empregados. Na época da seca, a pesca é praticada por homens e mulheres de todas as

idades, enquanto que no restante do ano, os mais envolvidos nessa atividade são homens

adolescentes e as crianças de ambos os sexos, com idade entre cinco e doze anos. (Faria

2006)

Os homens pescam com arco e flecha, linha de pesca e anzol e, na seca, também com

timbó e hará. Alguns poucos Araweté possuem malhadeira ou tarrafa (tipos de rede de

pesca), que compram com o dinheiro da aposentadoria de algum parente ou com dinheiro

obtido por outras fontes.

As mulheres costumam pescar apenas quando seus maridos se ausentam da aldeia por

alguns dias, e neste caso, sempre pescam junto outras mulheres, utilizando anzol e linha

de pesca. No verão também podem pescar com hará, desde que não haja homens por

perto, pois às mulheres só é permitido utilizar este artefato masculino na ausência de

homens.

Os Araweté consomem quase todas as espécies de peixes do Ipixuna, exceto pirarara.

Entre agosto e novembro, o Ipixuna forma poços de água estagnada propícios à pesca.

Nessas ocasiões, os homens pescam utilizando o hara, uma armadilha manual, fabricada

com talas do pecíolo do babaçu, no formato de um cone fechado na extremidade posterior

(Ribeiro, 1983). O hará é introduzido verticalmente e com rapidez na água represada,

aprisionando o peixe em seu interior. Os peixes são então retirados com as mãos, pela

lateral do hará, forçando-se uma abertura entre as varas de sua estrutura. Este

instrumento possibilita a pesca de várias espécies de peixes.

Quando as águas atingem seu nível mais baixo, entre outubro e novembro, acontece a

pesca com timbó, cipó utilizado pelos índios para envenenar os peixes (da família

Sapindaceae). Nesta ocasião as famílias saem em grupos para os poços de água

represada, onde acampam por um ou dois dias. A primeira fase da atividade é

exclusivamente masculina. São os homens casados que já são pais que coletam os cipós

e os batem na água, para que liberem as toxinas. As mulheres não podem assistir a esta

125

Page 126: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

atividade, e neste período arrumam e limpam o acampamento, preparam o fogo (cada

casal possui seu fogo) e cozinham cará e café que serão consumidos com farinha de

mandioca, alimentos trazidos da aldeia.

No inverno, é mais comum observar crianças, de ambos os sexos, ou meninos mais

velhos pescando. Nessa época, os homens adultos raramente se dedicam à pesca, à

exceção dos que possuem malhadeira ou tarrafa, artefatos que aumentam

consideravelmente o rendimento da atividade. Essas redes são compradas em Altamira.

Ainda não são acessíveis a todos os Araweté, mas o número de redes existentes na

aldeia vem crescendo ano a ano. Também tem se tornado cada dia mais comum ver

homens engajados no conserto desses artefatos, que exigem manutenção constante.

126

Page 127: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Os Araweté e os projetos de aproveitamento hidrelétrico no Rio Xingu

Reunião na Aldeia Juruãti / Foto Alice Villela Março 2009

Na reunião realizada no dia 24/03/2009, sobre o projeto AHE Belo Monte, os velhos

deram inúmeras demonstrações de preocupação e medo em relação ao alagamento das

suas terras caso a “barragem” seja construída. Duas senhoras idosas da aldeia Ipixuna

choraram diante da equipe e demonstraram desconfiança em relação ao projeto do AHE.

Nas palavras do jovem tradutor Araweté Jarirutyre, dois homens velhos disseram: “essa

barragem que vocês estão falando, ou vocês estão mentindo que não vai encher ou a

água vai subir”.

127

Page 128: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Na aldeia Juruãti, os índios mais velhos demonstraram ter entendido o projeto hidrelétrico

e expressaram profunda preocupação com as conseqüências do empreendimento. Nas

palavras do jovem tradutor, perguntaram: “Se a barragem sair mesmo, o que que vai

acontecer daqui pra frente? (...) o que que nós vamos comer? E se a gente perder a

cultura, o que que vai ser de nós?”. O jovem Jarirutyre disse estar preocupado com o

aumento de conflitos entre diferentes etnias indígenas devido aos posicionamentos

diversos frente ao empreendimento. Segundo ele, os Araweté são “fracos” e nas reuniões

em Altamira tem que ficar do lado dos mais fortes.

128

Page 129: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

7.4.5 Parakanã – TI Apyterewa

Parakanã da Aldeia Xingu - Foto Caetano Ventura Março 2009

Nome

O termo “Parakanã” não é uma autodenominação. A designação entrou no vocabulário

indigenista no início do século XX, através dos Arara-Pariri, população indígena de língua

Karib que fora obrigada a abandonar seu território, na bacia do rio Pacajá, em virtude de

repetidos ataques de um grupo que eles designavam por este termo (Tânia Chaves, In:

Processos FUNAI nº 0948/86, fls.135).

Os Parakanã, assim como os Asuriní do Xingu, se autodenominam Awaeté (gente de

verdade), em oposição aos Akwawa, categoria genérica para estrangeiros. Segundo

Fausto77, os Parakanã também se dizem descendentes dos Apyterewa (aqueles de

cabeça boa, calmos), denominação de um dos grupos étnicos que compunha

provavelmente um mesmo sistema social no interflúvio Pacajá-Tocantins.

77 (In: Relatório do GT para estudos complementares sobre a TI Apyterewa, 1996)

129

Page 130: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Língua

Os Parakanã falam uma língua da família Tupi-Guarani classificada num sub-conjunto

formado pelos Tapirapé, Avá Canoeiro, Asuriní do Tocantins, Suruí do Tocantins,

Guajajara e Tembé.

Histórico do contato

Contatados em momentos e locais distintos entre 1971 e 1984, os Parakanã habitam

atualmente duas terras indígenas: a TI Parakanã, localizada na bacia do Tocantins, e a TI

Apyterewa, situada na bacia do Xingu em área sujeita às influências dos impactos

associados ao empreendimento AHE – Aproveitamento Hidroelétrico Belo Monte e que,

portanto, será objeto dos estudos do Componente Indígena.

O território tradicionalmente ocupado por esta sociedade indígena compreendia a região

Tocantina: os rios Cajazeiras, Tapirapé, Anapu, Pacajá, Bacuri, Pucuruí e Pacajazinho.

Entretanto, para compreendermos a ocupação territorial dos Parakanã em períodos mais

recentes é necessário distingüir dois grandes ramos Parakanã, formados a partir de

conflito interno que levou a cisão definitiva do grupo no final do século XIX. Um dos

ramos, denominados por Fausto (1996) Parakanã Ocidentais, após a cisão do grupo,

dirigiu-se para oeste, estabelecendo-se na bacia do rio Pacajá, onde permaneceram até a

década de 1960.

Os Parakanã Orientais se fixaram na área drenada pelos afluentes da margem esquerda

do Tocantins, onde se encontram até hoje, na TI Parakanã. A partir da cisão ocorrida,

estes dois blocos assumiram progressivamente modos de vida distintos quanto à

mobilidade, padrão de assentamento e estratégias de subsistência, com ênfases

diferentes na caça e na agricultura. Por um lado, os Ocidentais foram abandonando o

modo de vida aldeão, ampliando os períodos de trekking e baseando a subsistência na

caça e coleta. Os Orientais adotaram, por outro lado, um padrão mais sedentário, ligado

ao cultivo de mandioca e com maior valorização da sociabilidade aldeã.

As primeiras tentativas de "pacificar" os Parakanã Ocidentais ocorreram na década de

1920. Nas décadas iniciais do século XX, a região de Marabá e Tucuruí (ex-Alcobaça)

passava por acentuado crescimento econômico, baseado na coleta de castanha, o que

impulsionou a construção da Estrada de Ferro do Tocantins, que funcionaria como meio

130

Page 131: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

de ligação entre o médio Tocantins e Belém78. Neste momento, começam a se multiplicar

os ataques de indígenas a trabalhadores e moradores, ao longo da linha férrea.

O Serviço de Proteção ao Índio – SPI - foi chamado para garantir a segurança dos

trabalhadores através da pacificação dos indígenas, fundando em 1928 o Posto de

Pacificação do Tocantins, freqüentado pelos Parakanã ao longo da década de 30. De fato,

os ataques e pilhagens eram realizados por dois grupos indígenas - os Parakanã e os

Asuriní do Tocantins – sendo que os primeiros buscavam trocar pacificamente

mercadorias por produtos da mata e os segundos saqueavam e matavam os donos das

mercadorias.

Na segunda metade da década de 1960, a expansão da atividade econômica na bacia do

Pacajá levou os Parakanã a se deslocarem para Oeste, onde acreditavam não haver

brancos. Explode então o conflito interno que dividiu os Parakanã Ocidentais em três

grupos. Um dos subgrupos rumou em direção ao rio Bacajá, sendo reprimido pelos Xikrin,

grupo Kayapó que dominava a região desde a década de 1930.

Em 1972 os grupos se reuniram novamente em um tributário do rio Cajazeiras (afluente

do Tocantins) e apareceram na roça de colonos locais em busca de mandioca. Avisada da

presença dos índios a FUNAI enviou uma frente de atração ao local, a qual manteve

contato por dois meses com os Parakanã Ocidentais. Entretanto, a Frente foi obrigada a

se retirar por falta de recursos.

Os Parakanã rumaram novamente para oeste e um novo conflito interno levou a cisão do

grupo: cerca de 200 pessoas se dirigiram para as cabeceiras do rio Bacajá, enquanto um

grupo menor, com cerca de 50 pessoas, seguiu para noroeste, alcançando as cabeceiras

do rio Anapu. Entretanto, este último grupo já se encontrava muito próximo da zona de

colonização da Transamazônica, que cortara o rio Anapu em seu alto curso (km 377 do

trecho Altamira-Marabá). Assim, em 1976 a FUNAI conseguiu "pacificar" os primeiros

Parakanã Ocidentais, o chamado "grupo do Akaria", transferindo-os para a Reserva

Pucuruí, onde um terço dos indígenas veio a falecer no primeiro ano pós-contato (Fausto,

1996).

O restante do grupo se dirigiu para o interflúvio Xingu-Bacajá, atravessando o território

xikrin e se instalando num polígono limitado ao sul pelo igarapé São José, a leste pelo 78 Tânia Chaves In: Processos FUNAI 0948/86, fls. 136

131

Page 132: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

igarapé Lontra e ao norte pelo rio Branco de Cima e igarapé Bom Jardim. Esta área que

vieram a ocupar era território tradicional Araweté, e seria invadida por madeireiros e

garimpeiros na década de 1980.

Para ocupar esta região, os Parakanã forçaram o deslocamento para o norte do bloco

meridional Araweté, que habitava nas cabeceiras do igarapé Bom Jardim. Os primeiros

ataques aos Araweté datam de 1974, mas os Parakanã mantiveram a pressão sobre eles

até 1976, obrigando-os a aceitar o contato com a FUNAI.

A disputa por esta área relativamente preservada do avanço da colonização levou a novo

conflito com os Xikrin do Bacajá. Em 1977, os Xikrin armados com espingardas mataram

dezesseis Parakanã no rio Branco de Cima. Este ataque sustou o avanço setentrional dos

Parakanã no interflúvio Xingu-Bacajá, os quais decidiram então retomar a agricultura

(Fausto, 1996). Utilizando a maniva de aldeias Araweté abandonadas, fixaram-se entre os

igarapés Bom Jardim e São José. Entre 1977 e 1978 ocorreu outra cisão no grupo

Parakanã isolado, dividindo-o em três.79

Provavelmente a maior dificuldade para a fixação dos Parakanã nesta área foi o fato que o

projeto de colonização da região ao sul das nascentes do rio Bacajá conduziu à

transformação do pequeno vilarejo de Tucumã, que se transformou em pólo de expansão

da frente econômica, baseada na exploração madeireira e agropecuária.

No início dos anos 1980, algumas fazendas madeireiras já atingiam a margem esquerda

do igarapé São José, enquanto que os garimpos alcançavam as cabeceiras do Bacajá e

Bom Jardim. Desta forma, entre 1980 e 1982 os Parakanã promoveram ataques às

fazendas Cajazeira e Castanhal, situadas no igarapé São José.

Ao entrarem em choque com não índios que se aproximavam de seu território, os

subgrupos Parakanã acabaram sendo localizados e contatados pela FUNAI. O contato

com o "grupo de Namikwarawa", composto por 44 índios, se deu em janeiro de 1983,

entre o igarapé São José e o igarapé Cedro, seu afluente na margem direita. Após o

contato eles foram transferidos de aeronave para a TI Parakanã, na região do rio

Tocantins, e 11 índios vieram a falecer nos primeiros seis meses pós-contato.

79 Tânia Chaves In: Processos FUNAI 0948/86, fls. 139

132

Page 133: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

De fevereiro a maio de 1983, os Parakanã ainda não contatados rumaram em direção

norte e acabaram entrando em choque com os Araweté no igarapé Ipixuna. Uma equipe

chefiada pelo sertanista Sidney Possuelo seguiu para o local, mas não conseguiu localizar

o grupo. Em maio, este grupo saqueou os acampamentos garimpeiros, em dois garimpos

entre as cabeceiras do Bom Jardim e do Bacajá.

Entre julho e setembro de 1983, uma nova Frente de Atração chefiada por Sidney

Possuelo partiu para as cabeceiras do Bom Jardim e de lá para norte, rumo às nascentes

do Ipixuna. Por esta razão a Frente não realizou o contato, pois o grupo se localizava ao

sul do Bom Jardim.

Finalmente, em dezembro de 1983 o auxiliar de sertanista Luís Moreira realizou o contato

com um grupo de 106 Apyterewa-Parakanã entre as nascentes do Bom Jardim e do

Bacajá. Devido às dificuldades de acesso e à presença de garimpos na região, os

indígenas foram transferidos para o baixo curso do igarapé Bom Jardim. Em março de

1984, um novo grupo ("grupo de Axowyhá") de 31 Parakanã veio se juntar àqueles já

contatados. Assim foi formado o Posto Indígena Apyterewa-Parakanã, contando

inicialmente com 137 pessoas (Fausto, 1996).

A chamada "pacificação" foi conseqüência da expansão da fronteira econômica sobre o

território Parakanã. A transferência compulsória do "grupo de Namikwarawa" e o

deslocamento do grupo mais populoso para o baixo Bom Jardim deixou desguarnecido o

divisor de águas Xingu-Bacajá e permitiu o avanço da fronteira econômica sobre o

território indígena. Durante os quatro anos pós-contato, a situação de saúde do grupo

levou a uma menor mobilidade e controle menos efetivo do território. Neste espaço de

tempo a atividade madeireira, principal vetor de impacto à conservação ambiental no

interior da terra indígena, ganhou corpo.

133

Page 134: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Situação fundiária da TI Apyterewa

Através da Portaria nº 627/E de 15/10/1979 foi constituído Grupo de Trabalho, coordenado

pela antropóloga Regina Müller, cujo objetivo era propor áreas de interdição para os

Asurini, os Araweté, grupos arredios da região (mais tarde identificados como os

Parakanã) e reexaminar os limites da TI Trincheira-Bacajá. Do estudo realizado pelo GT

resultou uma proposta de delimitação de uma área de 2.391.600 ha, englobando uma

terra contínua para os Asuriní, Araweté, Xikrin e os índios arredios.

Os limites desta área compreendiam a norte o igarapé Ipiaçava, a sul o igarapé Bom

Jardim, a oeste o Xingu e a leste o Bacajá. Tal proposta levava em consideração dois

pontos importantes: a possível redução dos territórios indígenas com a construção do

CHE Belo Monte e evitar o começo das invasões no corredor existente entre as áreas

Asuriní, Araweté e Bacajá. Apesar de demonstrar a necessidade de se delimitar uma área

contínua para os grupos indígenas da região, a proposta do GT foi engavetada.

Após o contato com os últimos grupos Parakanã, e com informações mais concretas

sobre sua área de ocupação, foi encaminhada à FUNAI outra proposta de área conjunta

para os grupos Xikrin, Asuriní, Araweté e Parakanã. Tratava-se de proposta dirigida à

FUNAI e a Companhia Vale do Rio Doce em 1985, elaborada pelos antropólogos Lux

Vidal, Regina Müller, Eduardo Viveiros de Castro e Antônio Carlos Magalhães.

Esta proposta retomava a proposta de área única formulada pelo GT de 1979, com o

acréscimo de uma porção de terras para os Parakanã recém-contatados - da margem

esquerda do Bom Jardim até a margem direita do igarapé São José. Esta proposta,

denominada Área Indígena Xingu-Bacajá, não teve andamento apesar das diversas

justificativas apresentadas. Desse modo, os processos fundiários de cada uma destas TIs

foram encaminhados separadamente.

No caso da TI Apyterewa, em 1987 a FUNAI interditou uma área de 266.000 ha para os

Parakanã. Entretanto, esta área excluiu a maior parte do território apyterewa-parakanã,

134

Page 135: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

deixando grande parte do território indígena sujeito a ocupação e a degradação ambiental.

A invasão do território apyterewa foi capitaneada por duas grandes empresas madeireiras

- a Exportadora Perachi (atual Juruá Florestal) e a Madeireira Araguaia (Maginco), que

buscavam explorar uma enorme reserva de mogno existente nas cabeceiras do Bacajá.

Para atingir este objetivo estas empresas construíram uma estrada, conhecida como

"Morada do Sol", que partindo de Tucumã, atravessava cerca de 105 km até atingir o

igarapé São José, seguindo por mais 100 km no interior das TIs Apyterewa, Araweté e

Trincheira- Bacajá.

Em 1988, o estudo de identificação e delimitação da TI Apyterewa apontou a existência da

abertura de estradas, efetuadas pelas madeireiras Perachi, Maginco, Impar e Bannach.

Com a publicação da Portaria Ministerial (PP 267/MJ de 28/05/1992), que reconheceu

como de posse indígena a TI Apyterewa, com 980.000 ha, iniciaram - se operações

conjuntas de fiscalização (FUNAI, IBAMA e Polícia Federal).

Até o início dos anos 1990, a maior parte dos invasores da TI Apyterewa era constituída

por garimpeiros e trabalhadores a serviço das madeireiras. Após 1992, quando a TI foi

declarada de posse indígena, e ocorreram as primeiras ofensivas para coibir a atividade

madeireira, iniciou-se um grande movimento de entrada de posseiros.

De um lado, as madeireiras começaram a franquear o acesso a área indígena relaxando o

controle que mantinham sobre a estrada Morada do Sol. De outro, o crescimento

demográfico da região de Tucumã levou trabalhadores sem terra a avançar em direção a

nova área. Desde então, o fluxo de famílias sem terra que adentravam a terra indígena

manteve-se contínuo.

Em 1994, a FUNAI realizou a licitação para a demarcação da Terra Indígena Apyterewa,

de acordo com os limites definidos pela Portaria 267/MJ de 28/05/1992. Entretanto, às

vésperas do início da demarcação ocorreu uma nova invasão, desta vez mais ao norte,

patrocinada pelo INCRA local, que assentou os colonos na gleba São Francisco. De fato,

a iniciativa do INCRA de promover o assentamento dentro do território indígena, acabou

por inviabilizar a demarcação física da TI.

135

Page 136: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Quando o Ministério da Justiça, por meio do decreto 1.775 de 08/01/1996, abriu a

possibilidade de contestação das TIs não registradas em cartório, o Governo do Pará80, a

Prefeitura de Tucumã, a Exportadora Perachi, uma associação de agricultores e diversos

particulares solicitaram a revisão dos limites da TI Apyterewa. A despeito da fragilidade

das contestações apresentadas, o Ministro da Justiça Nélson Jobim determinou a

realização de estudos complementares na TI Apyterewa, para avaliar a conformidade da

delimitação com o artigo constitucional (Despacho n° 25 de 10/07/1996). Por meio da

Portaria 710/PRES de 30/08/1996, a FUNAI constituiu Grupo Técnico para realizar esses

estudos complementares, coordenado pelo antropólogo Carlos Fausto. A principal do GT

foi a de que o estudo anterior de identificação e delimitação da TI Apyterewa estva de

acordo com o parágrafo 1º do art. 231 da Constituição Federal;

Em 1997, o Ministro Nélson Jobim, embora tenha acatado o relatório do GT/96, através do

Despacho nº 17 de 07/04/97 determinou a alteração dos limites da TI Apyterewa, com a

exclusão de 130 a 160 mil hectares no limite sudeste da área, dos quais 39.204 ha em

favor da Exportadora Perachi. O ministro argumentou que, ainda no caso da conformidade

da demarcação com o paradigma constitucional, o Poder Público não estaria impedido de

fazer "ajustes, ditados pelo interesse público".

Posteriormente, em outubro de 1998 foi encaminhado ao Ministério da Justiça, através do

Ofício nº 552/PRES/98, pedido de reconsideração do Despacho nº 17, tendo em vista que

a permuta e a exclusão de áreas consideradas tradicionais não encontravam respaldo

técnico-antropológico, nem jurídico. Tal pedido foi negado. Não obstante, o pedido de

reconsideração da FUNAI, reiterado por meio do Ofício nº 079/PRES de 19/02/01, foi

acatado parcialmente para incluir na TI Apyterewa a área ocupada pela Exportadora

Perachi, mantendo-se os demais tópicos do Despacho nº 17.

Desta forma, a Portaria nº 1192/01, publicada em 31/12/2001, declarou como de posse

80 Em 1994 o STJ denegou totalmente o mandato de segurança impetrado pelo Estado do Pará, por determinação

do então governador Jader Bartbalho, que visava anular as Portarias do MJ que demarcaram as TIs Rio Paru do Leste,

Koatinemo, Araweté, Apyterewa e Trincheira-Bacajá.

136

Page 137: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

permanente do grupo Parakanã a TI Apyterewa, com superfície aproximada de 773.000

ha e perímetro aproximado de 678 km, com a qual foi dado início os trabalhos de

demarcação física da área. Entretanto, os trabalhos foram paralisados em consonância à

Ementa do Mandado de Segurança nº 8.241 DF, do STJ, pela qual declara nula a Portaria

nº 1192/01.

Finalmente, em 2004, o Ministro Márcio Thomaz Bastos, através da Portaria nº 2.581/2004

declara a TI Apyterewa, localizada nos municípios de São Félix do Xingu e Altamira, como

de posse permanente dos Parakanã. Nesta ocasião, o pedido de Mandado de Segurança,

no qual o Município de São Félix do Xingu alega ofensa aos princípios do contraditório e

da ampla defesa, foi negado pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ).

O levantamento, com objetivo de averiguar a existência dos não-índios dentro da reserva,

qualificá-los e quantificá-los, e pesquisar o domínio das glebas junto aos CRIs da região,

não pôde ser finalizado, diante da constatação de invasões desenfreadas por posseiros.

Em 19 de abril de 2007, por Decreto Presidencial, s/n, foi homologada a reserva

Apyterewa, pondo fim ao processo de demarcação. No entanto, ainda há famílias de

colonos na área indígena, assentados pelo INCRA há mais de 15 anos. Em 2006,

Caetano Ventura, técnico da AER/FUNAI em Altamira, estimava que o número de

invasores em 2006 girava em torno de 1.100 indivíduos (RIBEIRO, 2006). Segundo o

mesmo técnico, em informação fornecida em 16/03/2009, a TI Apyterewa continua

invadida, mesmo após a homologação. A desintrusão da TI, prevista no artigo 231 da

Constituição Federal de 1988, ainda não foi efetivada.

TABELA 15. Situação fundiária TI Apyterewa

AREA (Ha) 773.000

PERÍMETRO (Km) 678

MUNICÍPIOS Altamira e São Félix do Xingu

DECLARATÓRIA PD nº 2.581/2004

HOMOLOGAÇÃO s/ nº abril/2007

REGISTRO n/c

SPU n/c

Fonte: DAF/FUNAI/Ribeiro,2006

137

Page 138: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Aspectos demográficos

Na TI Apyterewa os Parakanã estão divididos atualmente em duas aldeias: Apyterewa,

com 230 habitantes, e aldeia Xingu, com 181 (Censo FUNASA, 2009) O gráfico abaixo

apresenta o crescimento demográfico dos Apyterewa-Parakanã no período 1990-2009.

Neste período, a população Parakanã apresentou grande vitalidade demográfica, com

taxa média anual de crescimento demográfico em torno de 4,8% ao ano.

Atualmente o rio Xingu é a via de acesso mais utilizada para se chegar a TI Apyterewa,

sendo que a época mais propícia é o período do inverno amazônico (novembro a abril),

quando o rio está cheio. Além do acesso fluvial, a aldeia Apyterewa conta com uma pista

de pouso. A Tabela 23 a seguir apresenta a forma de acesso e o tempo de viagem até a

TI Apyterewa.

TABELA 15. Tempo de viagem Altamira - aldeias da TI Apyterewa

Aldeia Época Avião (ida) Voadeira (ida) Barco (ida)

Inverno 13 horas 24 horas Xingu

Verão

sem pista de

pouso 17 horas 29 horas

Inverno 12 horas 23 horas Apyterewa

Verão

02:40 min

16 horas 28 horas

Fonte: FUNAI - 2003

Além dos chefes de posto, vivem outros não-indígenas na TI Apyterewa: professores,

auxiliares de saúde e missionários da ALEM - Associação Linguística Evengélica

Missionária.

A atuação de missionários católicos (Conselho Indigenista Missionário - CIMI) e

evangélicos (Associação Lingüística Evangélica Missionária -ALEM) na TI Apyterewa tem

sido uma constante desde o final da década de 1980. Devido a desentendimentos

políticos com a FUNAI de Altamira, as equipes do CIMI deixaram as aldeias da região e,

138

Page 139: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

atualmente, a ALEM é a única instituição missionária atuante nas aldeias Apyterewa.

Transformações sociais e políticas frente ao contato com a sociedade nacional

O termo Parakanã que melhor traduz o conceito de 'aldeia' é tawa, vocábulo tupi que

passou para o português com esse sentido. Tradicionalmente, tawa era um local de

moradia não provisório, constituído por uma casa coletiva coberta com o olho da palha de

babaçu, por roças de mandioca e por um espaço descampado a alguma distância da

habitação para reuniões masculinas.

A aldeia era a síntese dessas três dimensões diferentes: casa, roças e 'praça'. Tal

configuração foi comum aos Parakanã até meados dos anos 1950, a partir dessa data

eles iniciaram um processo de rompimento com este padrão tradicional: primeiro, com a

multiplicação das casas, depois com o abandono das roças e, em seguida, com o

desaparecimento da 'praça'.

A partir do conflito interno que dividiu os Parakanã em dois grandes grupos no final do

século XIX, cada um destes blocos assumiu progressivamente modos de vida diferentes

quanto à mobilidade, padrão de assentamento e estratégia de subsistência. Os

Apyterewa-Parakanã foram abandonando o modo de vida aldeão, ampliando os períodos

de trekking e baseando a subsistência na caça e coleta.

A ampliação dos períodos de expedição na floresta resultou na intensificação da atividade

guerreira inter-tribal e do contato com a população regional. A aldeia, além de ser o local

para onde se retornava para fazer farinha era também o ponto de referência quando os

grupos retornavam após incursões guerreiras e longas caçadas, transformando-se,

portanto, em um acampamento semi-permanente.

Assim, a aldeia dos Parakanã representava, ao mesmo tempo, uma garantia da

permanência da horticultura da mandioca e da unidade política do grupo. Entretanto, com

o incremento do nomadismo este bloco terminou por abandonar o padrão de casa

comunal (tekatawa), adotando habitações uni-familiares e a praça deslocou-se para o

139

Page 140: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

pátio entre as casas. Tal transformação refletiu o movimento progressivo de fragmentação

do grupo e teve repercussões nas relações de gênero, reduzindo a dissimetria política e

econômica entre homens e mulheres.

As modificações se deram no sentido de uma crescente igualdade em todos os setores da

vida social e foram acompanhadas por uma redução das oportunidades de

reconhecimento público, prestígio e autoridade (FAUSTO, 2001). Portanto, os

mecanismos sociológicos de produção e reprodução do grupo no pós-contato podem ser

caracterizados pelos seguintes aspectos: intensificação das atividades guerreiras,

descentralização política, morfologia social não diferenciada e poligamia generalizada.

De acordo com Fausto, os Apyterewa-Parakanã estão organizados de acordo com uma

lógica virilocal e patrilinear, na qual os agregados residenciais são formados por irmãos do

sexo masculino e por primos paralelos patrilaterais. O sistema para obtenção de esposas

é pouco regulado, sendo que há quatro formas de se conseguir uma mulher: (a) através

de um arranjo matrimonial; (b) por sucessão após a morte do marido; (c) roubando-a de

um parente ou (d) raptando-a de um inimigo.81

Segundo o antropólogo Antônio Carlos Magalhães (1988), do Museu Paraense Emílio

Goeldi, os Apyterewa- Parakanã não possuem a liderança centralizada em uma única

pessoa e o domínio do político está reservado aos homens mais velhos (moroirowa), os

quais lideram os grupos residenciais e de descendência.

No pós-contato o posto da FUNAI passou a ser utilizado como um arremedo da takatawa,

(instância de representação política tradicional Parakanã), onde os homens passaram a

se reunir junto aos funcionários do Posto Indígena para conversas. Pouco a pouco, os

jovens perceberam que os novos desafios impostos pela sociedade envolvente exigiam

que eles se apresentassem, interna e externamente, como uma comunidade política. Em

visita à aldeia Apyterewa em 1996, Fausto (2001) observou que alguns adolescentes com

domínio do português começaram a se auto-proclamar “ajudantes de cacique” nomeando

81 Carlos Fausto, In: Enciclopédia dos Povos Indígenas. ISA, 2006

140

Page 141: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

“cacique” um adulto de sua parentela. Contudo, embora pretendessem representar a

comunidade na relação com os brancos, não eram capazes de exercer qualquer liderança

interna.

Relação dos Parakanã com os recursos naturais da Bacia fluvial do Xingu

A horticultura parakanã é do tipo queima e coivara, tendo como principal produto a

mandioca. Tradicionalmente cultivavam três variedades de mandioca-brava e duas de

mandioca-doce, sendo que hoje possuem outras variedades introduzidas com o contato.

No início dos anos 1960, os Parakanã haviam abandonado por completo a horticultura,

vivendo exclusivamente de caça e coleta, e de eventuais roubos de produtos de roças

alheias.

Com a "pacificação", a horticultura foi reintroduzida pelos funcionários da FUNAI, com

conseqüências importantes para a mobilidade e dieta do grupo. Essa reintrodução se deu

na forma de grandes roças coletivas, abertas pelos índios sob a direção do Chefe de

Posto e com auxílio de motosserras e machados de metal. Nas roças, passou-se a

cultivar, também coletivamente, mandioca, milho, banana, arroz e feijão (cará, macaxeira

e batata-doce são plantadas separadamente pelas famílias nucleares). Todo trabalho

coletivo ficou a cargo dos homens, e as mulheres, ao contrário do passado, deixaram de

participar do plantio e de algumas colheitas.

Assim, a reintrodução da agricultura teve por conseqüência a redefinição da divisão

sexual do trabalho. Entretanto, a agricultura continua sendo estranha aos Apyterewa–

Parakanã. Segundo Fausto (2001) esta dificuldade na reintrodução da horticultura é

menos técnica do que sociológica e diz respeito antes à ausência de uma estrutura

produtiva do que à falta de conhecimento pedológico ou do calendário agrícola. Para este

grupo, deve-se trabalhar unicamente para prover o sustento de esposas e filhos. A família

nuclear é, portanto, o único 'agente econômico', sendo a cooperação entre o marido e sua

esposa que movimentam as atividades de subsistência. Isso não significa que não existe

uma articulação dos esforços produtivos inter-familiares, no entanto eles se dão através

de redes flexíveis de relações, e não de grupos.

141

Page 142: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

As mulheres, ao contrário do que ocorria no passado, deixaram de participar do plantio e

de algumas colheitas. Se, com freqüência, a adoção de novas culturas - e em particular da

mandioca brava, devido ao tempo de seu processamento - tem repercussões importantes

sobre o trabalho feminino (Beckerman s/d:82), no caso dos Parakanã Ocidentais, o

impacto mais expressivo se deu sobre os homens. Eles não apenas assumiram a maior

parte das tarefas agrícolas, como passaram a participar ativamente do processamento da

mandioca.82

Os Parakanã são caçadores, especializados em animais terrestres. Antes do contato,

desprezavam a maior parte da fauna aquática e arborícola, as mais densas da floresta

tropical. A pesca era uma atividade secundária, sendo que sua importância na dieta

restringia-se aos meses da seca, quando os rios vazavam e os peixes se concentravam

nos poções e lagoas, adequados ao uso do timbó.

O grosso da alimentação proteíca dos Parakanã provinha da caça seletiva de mamíferos e

répteis. Os únicos mamíferos sobre os quais não recai qualquer restrição são a anta, a

queixada e o caititu, que junto de duas espécies de jaboti (Geochelone Carbonária e

Geochelone Denticulata) constituem as caças preferidas dos Parakanã.

Segundo Fausto (1996), as características comportamentais destes animais têm

repercussões sobre o padrão de assentamento da sociedade indígena. Por um lado, antas

e jabotis tendem a desaparecer primeiro do entorno da aldeia, por serem vulneráveis à

caça. Por outro lado, os porcos (queixada e caititu) são animais extremamente móveis e

por esse motivo não podem representar fonte regular de proteína animal. A resultante é

que o grupo que dirigir sua dieta para estas caças deve possuir uma estratégia de

subsistência bastante móvel. Alguns animais de grande porte não eram caçados, sendo

que a capivara é estritamente proibida para os Parakanã, pois está associada à feitiçaria.

82 Carlos Fausto In: Enciclopédia dos Povos Indígenas.ISA,2006

142

Page 143: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Após o contato oficial, a mudança mais significativa nas práticas de subsistência parakanã

está associada a maior sedentarização do grupo. De fato, o tempo de permanência na

aldeia se ampliou em conseqüência inevitável da estrutura dos Postos da FUNAI e da

necessidade de assistência à saúde.

A crescente escassez no entorno da aldeia, causada pela sedentarização do grupo, foi

compensada pela expansão do consumo de animais como o veado e a paca. Além disso,

a introdução da espingarda ampliou as possibilidades de caça e a eficiência dos

caçadores. Mas, sem dúvida, foi o consumo de peixe que teve maior crescimento,

representando papel cada vez mais importante na dieta parakanã, principalmente durante

a seca.

A introdução de linha e anzol, e de canoas tornou esta atividade uma empreitada menos

coletiva e exigente, e os meninos com mais de oito anos passaram a contribuir de forma

crescente na alimentação do grupo. Assim, passaram a fazer parte da dieta parakanã:

piranhas, tucunarés, fidalgo, peixe-cachorro, entre outros. Estas transformações,

combinadas com a retomada da agricultura, contrabalançaram a maior sedentarização do

grupo no pós-contato.

A despeito deste processo de sedentarização, os Parakanã continuam a realizar trekkings,

sendo que as expedições curtas – três a quatro dias - de caça e coleta ocorrem o ano

inteiro. A época da chuva é mais propícia à caça, pois é quando amadurecem e caem ao

solo vários frutos consumidos pelos animais terrestres, e para a coleta de produtos como

castanha-do-pará, bacaba e cupuaçu. Neste período, a aldeia passa a ser o lugar ao qual

se retorna para fazer farinha. As expedições realizadas durante a seca são fartas em

pescados e mel.

Cada uma das aldeias (Apyterewa e Xingu) domina uma parcela determinada do território,

cujo uso é preferencialmente realizado por seus membros. Os habitantes da aldeia Xingu

tendem a explorar a porção sul da TI, entre o igarapé São José e os afloramentos

rochosos, com elevação discreta, que constituem o prolongamento da Serra do Bacajá no

sentido leste-oeste. Já os habitantes da aldeia Apyterewa exploram o norte da TI, região

compreendida ao norte dos afloramentos até o igarapé Bom Jardim. Dentro de cada

143

Page 144: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

aldeia, há também subdivisões no uso do território, sendo que caminhos de caça são

explorados prioritariamente por certas parentelas, ainda que não haja usufruto exclusivo

(Fausto, 2003).

As áreas ocupadas pelos Parakanã para caça é extensa, visto que a floresta amazônica

apresenta, ao mesmo tempo, grande diversidade e baixa densidade de espécies. No

caso de caçadores seletivos como são os Apyterewa-Parakanã, esta área é ainda mais

extensa. Além disso, para a reposição da caça o território deve comportar regiões

raramente predadas, áreas de refúgio que permitam a reprodução da vida selvagem e a

rotatividade das áreas de caça. Assim, Carlos Fausto, em relatório circunstanciado de

identificação e delimitação da TI Apyterewa realizado em 2003, demonstra que as

invasões na TI representam forte ameaça à integridade do território e da reprodução do

modo de vida indígena.

A atividade de caça e coleta a leste da TI Apyterewa está limitada pela densidade de

ocupação não indígena, em particular a atividade madeireira e a colonização. Além disso,

a degradação ambiental, causada pelo desmatamento e contaminação por mercúrio de

alguns cursos d'água, devido à invasão dos madeireiros e garimpeiros, têm implicado em

dificuldades para a economia de subsistência parakanã.

Relação dos Parakanã com o ambiente regional

A exploração ilegal - tanto madeireira como garimpeira - do território Apyterewa-Parakanã

seguiu-se ao projeto de colonização da região, anunciado pelo governo militar em 1977 e

levado a cabo pela construtora Andrade Gutierrez entre 1982 e 1985.

Este projeto, baseado na associação entre atividade madeireira e agropecuária, foi

responsável pela transformação do vilarejo de Tucumã numa cidade de aproximadamente

40 mil habitantes. Segundo o relatório do GT de 1996, já em 1990 o volume de madeira

processado pelas serrarias de Tucumã e Redenção alcançava a marca de 460.000 m³,

sendo que boa parte havia sido tirada ilegalmente das terras indígenas da região,

144

Page 145: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

principalmente Apyterewa e Cateté (sociedade Xikrin-Kayapó).

Como já foi dito, a atividade madeireira no interior da Terra Indígena Apyterewa foi

liderada pelas empresas Exportadora Perachi e Madeireira Aragüaia (Maginco), que já em

1986 abriram uma estrada Morada do Sol, de aproximadamente 200 km partindo de

Tucumã e avançando sobre as TIs Apyterewa, Araweté e Trincheira-Bacajá. Em 1988,

dezesseis Parakanã e dois funcionários do Posto da FUNAI apreenderam trabalhadores a

serviço das madeireiras nas cabeceiras do Bom Jardim.

Lamentavelmente, a administração da FUNAI-Altamira, ao invés de instaurar processo

judicial contra as madeireiras, preferiu estabelecer acordo para a liberação da madeira. De

fato, este acordo oficializou a retirada e venda ilegal de madeira do interior das Terras

Indígenas. Inevitavelmente, a impunidade dos infratores permitiu a continuidade da

exploração madeireira e a ocupação posterior da área por posseiros.

Mesmo com a identificação e delimitação da TI Apyterewa em 1988, cujo GT foi

coordenado pela antropóloga Tânia Chaves, a atividade madeireira não foi interrompida.

As empresas apenas mudaram as estratégias de atuação. A Perachi investiu na

ampliação de uma Fazenda chamada "Pé-de- Morro", com objetivo de estabelecer

benfeitorias que caracterizassem a posse da área. Como resultado, em 1996 a área desta

fazenda representava a maior devastação florestal no interior da TI, com 5.000 ha de mata

derrubados.

A madeireira Impar agiu da mesma forma. A empresa Maginco, por sua vez, investiu no

aliciamento dos indígenas através da distribuição de presentes, para que estes

concordassem com a exploração madeireira dentro da TI. Houve inclusive relatos de

casos em que os madeireiros mantinham relações sexuais com mulheres parakanã,

quando da visita dos invasores à aldeia.

A escola e certo número de casas da aldeia Apyterewa foram construídas por madeireiros,

de acordo com informação obtida junto ao chefe do Posto Indígena, em março de 2009.

145

Page 146: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Em 1993, as conclusões contidas na "Avaliação de danos causados pela exploração

madeireira nas TIs Araweté, Apyterewa e Trincheira-Bacajá" estudo realizado pela FUNAI-

Altamira e Centro Ecumênico de de Documentação e Informação (CEDI), apontavam que

o total do volume de madeira explorado em um ano no interior das referidas TIs

correspondia a 6.150 toras de mogno, equivalente a 20.000 m³ de toras de mognos por TI

por ano. As empresas Perachi, Maginco e Impar foram apontadas como as três maiores

madeireiras atuando nestas áreas.

Em 1998, houve uma apreensão de madeira de mogno retirada da TI cuja indenização no

valor de R$1.115.000,00 está sendo gerenciada pela procuradoria do Estado e pela

Coordenação do Patrimônio Indígena/CGPIMA/Diretoria de Assistência da FUNAI. Parte

da indenização no valor de R$300.000,00 foi paga aos Araweté, cujo território havia

também sido explorado.

Com relação à exploração de ouro, no início dos anos 1980 foi instalado nas cabeceiras

do Bacajá (porção leste da TI Apyterewa) um enorme complexo garimpeiro denominado

Liberdade, cujo acesso inicialmente só se dava por aeronave. Com a abertura da estrada

Morada do Sol foi aberto um ramal que ligava a via principal ao garimpo, o que levou a um

grande crescimento populacional e expansão da exploração mineral dentro da TI.

Já na porção sul do território indígena, o garimpo de ouro é praticado no igarapé São José

desde o início da década de 1990. No início, os Parakanã expulsaram os garimpeiros,

mas no final da década, a atividade foi retomada, sendo instaladas três "chupadeiras" e

várias balsas, que extraíam ouro do igarapé. Através da distribuição de presentes nas

aldeias, os garimpeiros conseguiram autorização dos Parakanã para explorar o território.

Outro garimpo situado no interior da TI é aquele explorado por João Cordeiro (vulgo João

Cai-Cai), situado nas cabeceiras do Bom Jardim, porção norte da TI. Neste caso, em

outubro de 1993 os Parakanã invadiram o garimpo e forçaram a retirada dos garimpeiros

e do maquinário. Em 1994, entretanto, o garimpo foi reativado.

A TI Apyterewa está situada na área de influência do projeto Carajás, da Companhia Vale

146

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do Rio Doce. Embora a empresa tenha financiado os trabalhos demarcatórios da TI no

início dos anos 1990, através de um convênio com a FUNAI, atualmente a TI Apyterewa,

da mesma forma que as TIs Trincheira-Bacajá e Araweté, não estão incluídas nos projetos

compensatórios que a empresa foi obrigada a instituir, e que contemplaram apenas as TIs

Parakanã e Cateté, situadas fora do bloco de TIs do médio Xingu.

Já em 1988 o GT para identificação e delimitação da TI Apyterewa constatou que havia,

segundo informações do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), 16

empresas com requerimento para pesquisa, 9 empresas com alvará para pesquisa e 1

empresa com concessão de lavra no interior da Terra Indígena Apyterewa.

Atualmente, segundo dados do Instituto Socioambiental (ISA, 2005), há 18 empresas,

entre elas a Companhia Vale do Rio Doce (requerimento para mineração de ouro), com

requerimento para pesquisa, 7 empresas com autorização de pesquisa e uma empresa

com concessão de lavra (CVRD, concessão para extração de estanho).

No total, há 70 processos incidentes sobre a Terra Indígena, sendo que dos 773.000ha

delimitados, 496.373 ha são alvo de interesses para extraçã de minério, o que representa

63% do território indígena. As empresas mineradoras com títulos incidentes na TI

Apyterewa são: Companhia Vale do Rio Doce, Samaúma Exportação e Importação ltda.,

Joel de Souza Pinto, Mineração Capoeirana, Mineração Guariba e Mineração Nayara.

Passados 20 anos do início da exploração econômica ilegal, a degradação ambiental

resultante da associação entre as atividades madeireira e garimpeira e as invasões de

terra por colonos afetaram uma vasta área da TI Apyterewa.

Por um lado, diversos cursos d'água foram afetados:

- igarapé Lontra, formador do Bacajá (limite leste da TI), onde o complexo garimpeiro da

Liberdade há anos lança lama e mercúrio, prejudicando a saúde dos Parakanã e Xikrin do

Bacajá;

- igarapé São José (limite sul da TI), também contaminado pela atividade garimpeira;

- no igarapé Bom Jardim (limite norte da TI) as cabeceiras deste curso d'água foram

147

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cortadas pelas estradas e ramais abertos pelas madeireiras. Tal impacto modificou seu

regime de águas, fazendo com que secasse durante o verão amazônico.

Por outro lado, a devastação florestal causada pela atividade madeireira e pela

intensidade da invasão de posseiros resultou numa enorme área desmatada,

principalmente nas faces leste, sudeste e sul da TI. Em abril de 2006, a análise das

imagens dos satélites Cibers e Prodes, realizada no escritório da Conservação

Internacional em Belém-PA, concluiu que atualmente 106.000ha da TI Apyterewa (que

tem área de 773.000 ha) encontram-se desmatados. Já as estradas endógenas

construídas pelas madeireiras no interior da TI somam 728 km11.

No relatório do GT de 1996, Carlos Fausto coloca a seguinte questão: como os

Apyterewa-Parakanã vêm reagindo diante da invasão do seu território?

Desde 1988, a sociedade indígena têm procurado regularmente expulsar os invasores que

avançam ao norte da coordenada 5°50' S, mas não se arriscam a penetrar na região mais

densamente ocupada. Entretanto, em todas as incursões os Parakanã jamais causaram

danos físicos às pessoas, limitando-se à pilhagem de objetos e a destruição do

maquinário. A cada uma destas ações a FUNAI-Altamira era chamada para negociar uma

saída pacífica ou, no caso da Exportadora Perachi, para evitar novos danos materiais à

empresa. Isto criou uma situação ambígua, na qual a FUNAI acabava zelando pelo bem

estar dos invasores (Fausto, 1996).

No final dos anos 90, a relação dos Parakanã com o ambiente regional tomou dois rumos

diferentes. Por um lado, iniciou- se uma interação entre alguns índios e garimpeiros no

igarapé São José sem a intermediação da FUNAI. Como já foi dito, em troca da liberação

da exploração da TI, os indígenas receberam dos garimpeiros algumas gramas de ouro,

dinheiro e alimentos industrializados. Também é sabido que alguns jovens Parakanã

tomaram parte na venda ilegal de madeira e de lotes de terra.

Na visita às aldeias da TI Apyterewa em março de 2009, constatou-se que estes

envolvimentos cessaram.

148

Page 149: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

A atitude em relação aos invasores está mudando. Se, no passado, havia um consenso

entre os Parakanã de que não se deveria recorrer à violência física, de uns anos para cá,

eles têm considerado a possibilidade de fazer ataques guerreiros aos invasores. Ambas

as atitudes podem ter conseqüências perigosas e desastrosas para a sociedade indígena.

Na visita à aldeia em março de 2009, foi relatado um episódio em que os Parakanã

haviam recentemente matado três cabeças de gado da fazenda de um dos invasores. Os

velhos se queixaram de que um castanhal onde buscavam o produto para suas festas foi

desmatado pelos invasores.

Os Parakanã e o aproveitamento hidrelétrico no rio Xingu

Reunião Aldeia Apyterewa / Foto Caetano Ventura Março 2009

Na reunião realizada em 21/03/2009, sobre o projeto AHE Belo Monte, na aldeia Xingu, a

palavra foi tomada inicialmente por um membro da comunidade, que manifestou-se

dizendo que exigiriam indenização pela inundação das terras, com o relato das perdas daí

advindas. Após a explicação do projeto, a reação como nas demais aldeias visitadas foi

de perplexidade.

149

Page 150: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Na aldeia Apyterewa, os velhos tomaram a palavra para manifestar sua preocupação com

a inundação das terras, mesmo após as explicações de que no projeto em pauta não

haverá inundação.

Um dos principais problemas apontados foi a ameaça de incremento das invasões de seu

território numa situação já considerada de conflito iminente. Um jovem disse que tem

“segurado” os mais velhos para não partirem para uma ação violenta para expulsar os

invasores mas que não sabe até quando conseguirá mantê-los a espera de uma solução

por parte do Governo.

Relações econômicas após o contato

Em 2006 os Parakanã tinham como únicas fontes de renda os salários dos agentes de

saúde, as aposentadorias, a comercialização de artesanato e sementes de mogno e, no

caso de alguns indivíduos mais jovens, a comercialização ilegal de madeira.

No período, cada uma das aldeias da TI Apyterewa contavam com um Agente Indígena de

Saúde (AIS) e um Agente Indígena de Saneamento Básico (AISAN), sendo que cada um

recebia um salário mínimo mensal para desempenhar a função. Quanto às

aposentadorias, a aldeia Apyterewa contava com 9 indivíduos aposentados e a aldeia

Xingu com 5.

O artesanato produzido pelos Parakanã (principalmente a cerâmica e os arco-e-flechas)

era comercializado no Museu do Índio da Funai em Altamira. No entanto, depois que a

Fundação Ipiranga assumiu o mesmo, o artesanato Parakanã não vem sendo

comercializado.

Com relação ao comércio de castanha-do-pará, os Parakanã nunca estiveram envolvidos

formalmente na cooperativa Amazoncoop, embora já tenham vendido castanha para a

cooperativa em anos anteriores. No início de 2006, na eleição que escolheu a nova

diretoria da cooperativa, o índio Kururu Parakanã foi escolhido Vice-Presidente da

Amazoncoop. Contudo, devido aos desentendimentos entre a The Body Shop e a FUNAI-

150

Page 151: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Altamira, que culminaram com a saída da empresa da parceria comercial, as atividades da

Amazoncoop estão paralisadas. Com o fim da parceria comercial, o maquinário de

extração de óleo foi transferido do galpão da Amazoncoop em Altamira para a aldeia

Apyterewa, estando, no entanto, paralisado.

Os recursos da indenização pela madeira retirada ilegalmente da TI no final da década de

1990, estão sendo utilizados desde 2007 através do PDI - Projeto de Desenvolvimento

Integrado, gerenciado pela CPIN – Coordenação do Patrimônio Indígena e AER/FUNAI de

Altamira. De acordo com informações do chefe do PI da aldeia Apyterewa, discutiu-se

com os Parakanã o modo como os recursos devem ser aplicados, propondo-se então os

seguintes projetos:

1) Extrativista: coleta e extração do óleo da castanha;

2) Vigilância da TI, com a compra de embarcação, combustível e rádio amador;

3) Roça de subsistência com a compra de ferramentas e sementes;

4) Criação de gado para o consumo de leite;

5) Diversos: vestuário, programas de intercâmbio, etc.

Quanto ao primeiro, foram extraídos 800lts de óleo que não puderam ser totalmente

comercializados pois a certificação do produto não foi realizada, apesar de haver recursos

para esta finalidade. Desse modo, 400 lts retornaram à aldeia para serem distribuídos aos

Parakanã.

No projeto “ Vigilância” houve problemas para a compra da “voadeira”, porque a empresa

que venceu a licitação faliu.

Na roça do Projeto de Subsistência, plantou-se arroz, milho e mandioca. De acordo com o

chefe de posto, apenas os velhos participam desta atividade que acaba sendo de iniciativa

da chefia do PI.

O gado comprado não serviu aos objetivos de consumo de leite pois o rebanho adquirido

não é adequado aos mesmos, segundo a mesma fonte. Tem-se então abatido o gado

para o consumo da carne.

A criação do gado é realizada pelos Parakanã, sendo que dois indivíduos das aldeias

151

Page 152: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Parakanã foram treinados como vaqueiros. Receberam três meses de salário, de acordo

com as regras do PDI, e nos meses restantes têm recebido cesta básica de alimentos

comprados com os recursos das aposentadorias.

7.4.6 Atenção à saúde nas Terras Indígenas estudadas

Introdução

O diagnóstico sobre a situação de saúde nas TIs estudadas se baseou em fontes

secundárias, tais como publicações acadêmicas e relatórios do DSEI Distrito Sanitário

Especial Indígena de Altamira / FUNASA, nos estudos de saúde pública do EIA-RIMA

referente à AII - Área de Influência Indireta – AHE Belo Monte,entrevista com a

coordenadora do DSEI e na visita às aldeias. Neste último caso, o breve período de tempo

em cada aldeia limitou o alcance dos mesmos, servindo para se confirmar ou

complementar os dados dos relatórios. Esta visita possibilitou fundamentalmente

observar-se as condições sanitárias das aldeias e de atendimento à saúde.

De acordo com Coimbra Jr. & Santos (2000), o perfil epidemiológico dos povos indígenas

no Brasil é muito pouco conhecido, o que decorre da exigüidade de investigações, da

ausência de censos, de outros inquéritos regulares e da precariedade dos sistemas de

registro de informações sobre morbidade, mortalidade e cobertura vacinal, dentre outros

fatores.

Este quadro se confirma e segue atual quando consideramos o último Relatório de dados

e informações sobre Saúde Indígena da FUNASA, onde se encontra a tabela e as

observações abaixo:

152

Page 153: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Tabela 16. Percentual e n0 Óbitos Indígenas por causas Agrupadas, 2003 a 2006

“Referente à mortalidade proporcional por causa, a proporção de óbitos devida a outras

causas mal definidas, cerca de 20% na média, indica precariedade no sistema de

informação, falta de diagnóstico ou investigação de causas ou subnotificação. A

distribuição dos grupos de causas de mortalidade pode sugerir associações com fatores

contribuintes ou determinantes das doenças. Neste sentido, proporções elevadas de

óbitos por doenças infecciosas e parasitárias refletem, em geral, baixas condições

socioeconômicas e de saneamento ambiental.” ( Relatório de dados e informações sobre

Saúde Indígena: Análise de processo dos indicadores do projeto VIGIUS II, 2004-2006;

Fundação Nacional de Saúde – FUNASA – Março 2007,p.25).

São quase desconhecidos os aspectos mais básicos da dinâmica demográfica dos povos

indígenas (Azevedo, 1997; Coimbra Jr. &Santos, 2000; Ricardo, 1996).

Estatísticas vitais, tais como coeficiente de mortalidade infantil, esperança de vida ao

nascer e taxas brutas de natalidade e mortalidade, essenciais para monitorar o perfil de

saúde/doença e planejar ações de saúde e educação, não são encontrados com respeito

à maioria dos grupos indígenas. Segundo Coimbra Jr. & Santos (2000) chama atenção as

153

Page 154: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

implicações do que denominam uma “danosa invisibilidade demográfica e

epidemiológica”.

No que diz respeito às TIs aqui estudadas não se dispõe, por exemplo, de dados sobre

avaliação nutricional. Esta avaliação na população infantil é instrumento bastante útil na

aferição das condições de vida da população em geral. Na visita às TIs em março de

2009, apenas na aldeia Xingu obteve-se dados sobre desnutrição, diagnosticada em

crianças de 0 a 2 anos, através do controle de peso e estatura que o auxiliar de

enfermagem realiza. A alimentação que o mesmo recebe para atender estes casos é

composta principalmente de farinha de maisena, fubá, milharina, macarrão, arroz e feijão,

podendo ocasionar outros danos na saúde da população.

O alcoolismo verificado em todas as aldeias das TIs estudadas, também não consta dos

relatórios disponíveis sobre a situação da saúde indígena na região.

O complexo quadro de saúde indígena está diretamente relacionado a processos

históricos de mudanças atrelados à expansão de frentes demográficas e econômicas nas

diversas regiões do país ao longo do tempo.

Tais frentes exerceram importante influência sobre os determinantes e os perfis da saúde

indígena, seja através da introdução de patógenos exóticos, ocasionando graves

epidemias, quer seja pela mudança de hábitos alimentares que vêm ocasionando doenças

crônicas como alcoolismo, diabetes, obesidade, hipertensão e outras. Nas TIs Arara e

Koatinemo foram relatados casos de níveis altos de colesterol e trigliceris.

Assistência à saúde indígena – TIs Apyterewa, Arara, Araweté, Kararaô, Cachoeira

Seca e Koatinemo

Com a descentralização da assistência à saúde indígena em 1999, ela é realizada,

atualmente, pela: Funasa / Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI).

Todas as aldeias das TIs aqui consideradas possuem Posto de Saúde com recursos

administrados pela Funasa. Além de contar com assistência à saúde 365 dias por ano,

com a atuação de um auxiliar de enfermagem, cada uma das aldeias dispõe de um

154

Page 155: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Agente Indígena de Saúde (AIS) e um Agente Indígena de Saneamento Básico (Aisan),

contratados com salários da Funasa. A interferência da monetarização nas comunidades,

através destes membros assalariados,vem trazendo mudanças sócio-econômicas de

grande importância a serem consideradas para o estudo aqui realizado, como se tratou no

itens 6 a 9 deste relatório.

Do ponto de vista de sua atuação na assistência à saúde, pode-se afirmar que na maioria

das aldeias, os agentes indígenas de saúde desempenham funções de baixo nível

técnico. Sua atividade é manter a limpeza do Posto e dos equipamentos, com alguns

poucos casos em que auxiliam os procedimentos feitos pelo auxiliar de enfermagem,

ministrando medicação. A atuação do AIS é considerada de pouca importância pelos

auxiliares de enfermagem que ressaltam, entretanto, sua contribuição como intérpretes.

Há uma alta rotatividade de pessoas na função de auxiliar de enfermagem com

dificuldades para fixação nas aldeias e sem preparo para realizar seu trabalho num

contexto de relações interculturais. O desestímulo destas condições compromete a

continuidade necessária a um trabalho de assistência à saúde a populações que viveram

recentemente traumas de ameaça de extinção e com estado de saúde afetado até os dias

de hoje pelas epidemias que ocorreram no contato. Há exceções de profissionais da área

de saúde que se encontram nas aldeias há 7 anos (aldeia Apyterewa), 9 anos ( aldeia do

Laranjal/TI Arara e aldeia Xingu/TI Apyterewa). Nos três casos, acumulam a função de

professor da EMEF com dedicação de 100 horas. Desse modo, recebem remuneração

que garante melhor sua fixação nas TIs. Entre eles, há mais interesse pela língua nativa e

há caso em que a auxiliar/professora a domina.

Em todas as adeias, o Posto de Saúde (em alvenaria ou madeira) está equipado para

atendimento básico e rádio para comunicação, com exceção da aldeia Juruãti (TI Araweté

Igarapé Ipixuna) formada em setembro de 2008, onde o Posto ainda não foi construido

mas já funciona numa estrutura improvisada com teto e paredes de palha.

Recentemente, todas as aldeias, com exceção das aldeias Iriri da TI Cachoeira Seca e

Juruãti da TI Araweté, passaram a possuir sistema de tratamento (com hipoclorito),

captação de água (poço artesiano) e distribuição de água com sistema de encanamento

para as moradias. Na TI Arara houve relato de que freqüentemente o motor gerador que

155

Page 156: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

distribui a água da caixa reservatório para as moradias apresenta avaria e a população

volta a utilizar a água do rio Xingu para beber, quando passam a ocorrer surtos de

diarréia.

Na aldeia da Cachoeira Seca há um poço que seca no verão e está ameaçado de ruir. A

água é bombeada do rio para uma caixa reservatório e é distribuída por um encanamento

precário para as pias distribuídas pela aldeia, próximo às moradias (uma pia para três ou

quatro casas).

No caso das aldeias formalmente envolvidas na parceria comercial estabelecida entre a

cooperativa Amazoncoop e a empresa The Body Shop (TIs Koatinemo, Araweté, Arara do

Laranjal e Kararaô), foi a empresa, através da Fundação Body Shop, que instalou um

sistema de encanamento da água pias e poço artesiano. No caso da TI Koatinemo,

banheiros e chuveiros coletivos, construídos pela mesma iniciativa, se sobressaem por

apresentar condições de higiene e conservação mais adequados em relação às outras 5

TIs.

Os Postos de Saúde dispõem de microscópios utilizados para diagnóstico de malária.

Além de atender à população indígena, alguns postos são utilizados pela população

ribeirinha do Xingu e Iriri para tratar de seus doentes, em particular, os casos de malária.

A freqüência destes doentes nas aldeias foi indicada como causa dos índices de malária

da população indígena.

A principal necessidade apontada pelos auxiliares de enfermagem foi a assistência nas

aldeias por equipe multi (dentista, laboratorista, nutricionista) com participação de médico.

Isto evitaria remoções à Altamira, único centro urbano para onde recorrem estas

populações para tratamento de saúde. Esta remoção é considerada inadequada pela

contaminação das muitas doenças existentes como se verá abaixo. Além disso, os

parentes que acompanham os pacientes se expõem ao uso de álcool e drogas. Outro

fator negativo para a remoção é a superlotação de hospitais na cidade, prolongando a

permanência dos indígenas na CASA I- residência para indígenas em tratamento e

acompanhantes, mantida pela FUNASA, e na Casa do Índio - residência para indígenas

da Administração Regional da FUNAI.

156

Page 157: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Como já se afirmou acima, são muito poucos os estudos sobre as condições de saúde dos cinco povos indígenas aqui estudados bem como são escassas as informações sobre a atenção à saúde dos mesmos. Desse modo, tentou-se cruzar dados dos estudos de saúde pública do EIA-RIMA

referente à AII - Área de Influência Indireta, dados das fontes secundárias e da visita às

aldeias.

Segundo informações cedidas pela Funasa, confirmadas na visita às aldeias, as doenças

com maior incidência nas TIs estudadas são: doenças diarréicas agudas (DDAs),

infecções respiratórias agudas (IRAs), parasitoses intestinais, hepatite B e malária (vide

Anexo 9 – Morbidade por aldeia - FUNASA/DSEI).

No “ DIAGNÓSTICO DA ÁREA DE INFLUÊNCIA INDIRETA – AII” do EIA-RIMA, lê-se à

pg. 252, Vol.18 que “ A AII é endêmica para grande número de doenças tropicais, e é

altamente receptiva para outras doenças ainda inexistentes, ou não descobertas na

microrregião, mas prevalentes nos locais de origem dos migrantes. As endemias mais

prevalentes são: malária; leishmaniose tegumentar; febre amarela silvestre; dengue; e

grande número de outras arboviroses. A leishmaniose visceral, a dengue e as

hantaviroses foram introduzidas recentemente e estão em processo de expansão. Há uma

patologia inusitada exclusiva da região: a febre hemorrágica de Altamira, ainda de

etiologia desconhecida. As endemias com maior risco de introdução na área são a

esquistossomose, doença de Chagas, filarioses e a febre amarela urbana, e é possível

que se tenha que enfrentar a pandemia de gripe aviária durante as obras de construção

do AHE de Belo Monte” (EIA AHE Belo Monte, Vol. 18 - DIAGNÓSTICO DA ÁREA DE

INFLUÊNCIA INDIRETA – AII, Pg. 252)

Doenças Infecto-Parasitárias e Saúde Ambiental

Como se observa nos quadros acima , é informado pela FUNASA um grande número de

doenças infecto parasitárias nas TIs estudadas.

Com exceção da TI Koatinemo, em todas as aldeias as instalações sanitárias são muito

precárias, com número baixo de banheiros proporcionalmente ao número da população.

157

Page 158: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

São feitos de madeira, palha, barro, algumas em sistema de fossa, outras com buracos

rasos (as “casinhas”) cuja conservação é muito precária. Na aldeia da TI Cachoeira Seca

nem as “casinhas” existem e a população defeca ao redor da aldeia.

Este quadro ganha indicadores potenciais quando somados às condições de saneamento

da cidade de Altamira e região. O fluxo de indígenas para Altamira é constante e é

crescente o fluxo de não-indígenas para as áreas indígenas aqui estudadas.

No mesmo capítulo do “Diagnóstico da Área de Influência Indireta”, lê-se que “ O

esgotamento sanitário dos municípios da AII do AHE Belo Monte constitui o aspecto de

saneamento básico mais preocupante dessa região. Cerca de 25% dos domicílios não

dispõem de instalações sanitárias e 61% contam com formas inadequadas de disposição

dos dejetos gerados: fossas rudimentares (forma preponderante, em 55% dos domicílios)

ou valas abertas, cursos d’água e outros escoadouros (formas utilizadas por 6% dos

domicílios). Apenas 13% das residências são servidas por fossas sépticas e 1% por rede

geral de esgoto ou pluvial.

“A comparação dos índices de atendimento da AII com as médias estaduais revela a

precariedade das condições sanitárias dessa região. No Pará como um todo, o percentual

de domicílios atendidos por rede é maior em cerca de sete vezes, e, por fossas sépticas,

em aproximadamente de 1,5 vezes. Embora também predomine no Estado o uso de

fossas rudimentares, o percentual de domicílios atendidos por essa forma de esgotamento

é cerca de 1/3 menor que o registrado na AII.” (EIA AHE Belo Monte, Vol. 18 -

DIAGNÓSTICO DA ÁREA DE INFLUÊNCIA INDIRETA – AII Pg. 200)

“Quanto ao resíduo sólido, temos que com relação ao destino do lixo, nenhum município

da AII possui a totalidade dos seus domicílios particulares permanentes contemplados

com o sistema de coleta. Em Altamira, cidade mais bem atendida em relação a esse

serviço, apenas aproximadamente 73% dos domicílios dispõe desse sistema. Nos demais

municípios, a coleta varia entre cerca de 5% dos domicílios, em Anapu, a, no máximo,

30%, em Porto de Moz. Excetuando-se Altamira, esses índices de atendimento são

inferiores aos do Pará, onde, em média, 54% dos domicílios contam com sistema de

coleta de lixo.

158

Page 159: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

“Na maioria dos municípios, o lixo coletado é disposto integralmente em lixões. No

entanto, em Altamira e em Vitória do Xingu, parte desse lixo – 33% e 77%,

respectivamente, tem como destino final áreas alagadas, contribuindo para agravar as

condições sanitárias desses locais” (EIA AHE Belo Monte, Vol. 18 - DIAGNÓSTICO DA

ÁREA DE INFLUÊNCIA INDIRETA – AII Pg 202)

Malária

De acordo com os dados coletados nos Postos de Saúde das TIs estudadas e em

entrevista com a coordenadora do DSEI/FUNASA, o número de casos de malária vem

diminuindo sensivelmente na população indígena aqui considerada. A coordenadora

informou que alguns órgãos públicos se juntaram nos últimos dois anos para um programa

de controle da malária através de “busca ativa”, diagnosticando os portadores para

tratamento preventivo, o que teria contribuído para alterar o quadro alarmante que vinha

se verificando, tal como se descreve abaixo para a região.

Na aldeia Juruãti recém criada (em setembro de 2008, na TI Araweté Igarapé Ipixuna) a

“busca ativa” identificou 18 casos de malária, o que foi explicado pelo auxiliar de

enfermagem daquela aldeia devido à proximidade das casas a um lago que seria foco dos

mosquitos transmissores.

Na aldeia Xingu, a diminuição de casos também é atribuída à retirada dos moradores

ribeirinhos da margem esquerda do rio Xingu, em frente a TI Apyterewa. As visitas

freqüentes dos mesmos, às vezes portadores da doença, ao Posto Indígena, em busca,

inclusive, de tratamento de saúde e a freqüência dos indígenas aos seus locais de

residência eram causas da incidência de malária na aldeia, de acordo com depoimento do

auxiliar de enfermagem.

Sabe-se, entretanto, que a doença é endêmica na região e na história de todos estes

povos está presente em episódios trágicos.

Após o contato em 1971, os Asuriní do Xingu, que já vinham sofrendo ataques de outros

povos indígenas da região, viveram a aceleração de um processo de decréscimo

159

Page 160: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

populacional, causado, principalmente, devido aos surtos epidêmicos de gripe,

tuberculose e malária, contraídas por meio da convivência com os brancos. Tal situação

foi agravada pela ineficiência do atendimento à saúde por parte do órgão indigenista

(Müller, 1993)

Até 1979, a malária não se apresentava como um problema de saúde na aldeia

Koatinemo. No entanto, no fim deste ano, a equipe de pesquisadores do “Projeto de

Recuperação dos Assurini do Koatinemo” (Müller et al, 1979b) registrou 5 casos da

doença. A localização da aldeia na margem direita do igarapé Ipiaçava, situado à cerca de

20 km do rio Xingu, contribuiu para manter baixo o índice de incidência da doença.

Segundo a mesma fonte, a região malarígena mais próxima seria o rio Xingu, aliás

“corredor” fluvial-epidemiológico. Assim, concluiu-se que nos anos pós-contato, devido ao

aumento da freqüência de passeios dos índios ao Xingu, atraídos pela pesca abundante e

pela possibilidade de fazer “negócios” com os brancos, os casos de malária aumentaram

significativamente, sobretudo entre crianças e jovens.

Sabe-se que este processo, exemplificado com este caso, sobre o qual se dispôs deste

registro,sobre o qual há registro deste caso, ocorreu em todos os povos estudados,

contatados nas décadas de 70 e 80, cujo crescente contato a população regional elevou a

índices comprometedores a ocorrência de malária entre os mesmos.

Não se obteve junto ao DSEI de Altamira os dados atuais sobre a incidência de malária

nos últimos dois anos, registrando-se aqui os dados obtidos nos Postos de Saúde das

aldeias.

160

Page 161: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Tabela 17 . Incidência de Malária em 2005 nas TIs Estudadas

Fonte:FUNASA, 2006/Ribeiro, 2006

Estudos epidemiológicos indicam que a malária é endêmica nas regiões do leste do Pará

e Baixo Rio Xingu, incluindo as etnias Arara, Kayapó e Parakanã (Arruda et al., 1989;

Martins &Menezes, 1994b).

A relevância da malária no perfil epidemiológico da população indígena no Brasil é

inquestionável (Ianelli, 2000). Grupos vivendo em certas áreas da Amazônia, em especial

aquelas sob a influência de fluxos migratórios, atividades de mineração e garimpos ou de

implantação de projetos de desenvolvimento, são particularmente vulneráveis.

Ao considerar a endemia da Malária no estado do Pará podemos considerar seu

agravamento a partir de 1999 quando a migração interna relacionada a projetos

agropecuários, a construção de rodovias, hidrelétricas, garimpos, extração ilegal de

madeira e mineração foram os principais motivos. Este movimento migratório

desordenado dificultou o controle da malária, permitindo um enorme afluxo de pessoas

não-imunes para áreas de alta transmissão. Além disso, o grande refluxo de indivíduos

com infecção para regiões onde a transmissão da malária fora interrompida possibilitou

sua reintrodução.

161

Page 162: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Tabela 18. Malária – Transmissão na Região Amazônica

Sob a perspectiva da região onde se encontram as TIs estudadas temos um quadro

endêmico em potencial crescimento:

De acordo com o “ DIAGNÓSTICO DA ÁREA DE INFLUÊNCIA INDIRETA – AII” do EIA-

RIMA “a malária é a principal endemia da AII, a mais susceptível a dispersões e a

exacerbações diante de aumento do fluxo migratório, da movimentação de pessoas, da

atividade no meio rural ou ainda do aquecimento econômico. A malária na região funciona

como um verdadeiro indicador econômico: qualquer aquecimento da economia resulta em

agravamento da situação da malária e vice-versa.

“Número de Casos: Mais de 82 mil casos de malária foram registrados nos últimos cinco

anos, de 2003 a 2007. Uma média de 16 mil casos por ano, 1.367 casos por mês e 46

casos por dia. Em média, cada um dos 11 municípios registra 124 casos novos de malária

mensalmente ou quatro casos diariamente.

“No Estado do Pará, a AII é uma das áreas mais problemáticas no tocante a malária.

Concentra 15,6 % dos casos do estado e 3,3 % do total da área malarígena brasileira.

Como a população da AII representa apenas 4,5 % da população do estado e 1,4 % da

área malarígena, isto significa que a situação na malária na AII é 3 vezes e meia a do

estado e duas vezes e meia a da área malarígena brasileira.

162

Page 163: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

“Altamira é o segundo município em número de casos. Concentra quase 30 % dos casos

da AII. Teve mais de 23 mil casos nos últimos cinco anos. Registra uma média de 4.500

casos por ano, quase 400 casos por mês ou 13 casos novos por dia.” (EIA AHE Belo

Monte, Vol. 18,pg 253)”

Lê-se ainda :

"O grande problema da malária na AII são os Projetos de Assentamentos, implantados

pelo INCRA - Marabá em Pacajá e Anapu, onde se concentra 64 % dos casos da doença

da AII e 90 % dos casos dos dois Municípios. Estes assentamentos têm atraído fluxos

migratórios através da Rodovia Transamazônica, principalmente, do Município de Novo

Repartimento, e também de Breu Branco, Tucuruí, e de outros Municípios do entorno da

UHE Tucuruí, segundo informações dos coordenadores de endemia e Secretários

Municipais de Saúde dos Municípios e conforme relata o vídeo “O Retrato da Malária no

Ladário” produzido pela Secretaria Municipal de Saúde de Pacajá, com apoio da FUNASA

e SESPA. O maior foco de transmissão de malária da AII atualmente é a região do

Ladário em Pacajá, onde existem quatro Projetos de Assentamento (P.A) e uma invasão:

os P.A. Montes Belos, Rio Bandeira, Raio do Sol e Cururuí, e a invasão de sem-terra

Cururuí, que deu origem ao PA de mesmo nome. “ (EIA AHE Belo Monte, Vol. 18 -

DIAGNÓSTICO DA ÁREA DE INFLUÊNCIA INDIRETA – AII Pg 256)

Neste diagnóstico, destaca-se como aspecto relevante a existência em Altamira de

transmissão urbana da malária, principalmente nos bairros São Domingos I e Jaburu.

Afirma-se também que os postos indígenas Ipixuna e Arara (Laranjal) Iriri possuem um

perfil de alta transmissão. (idem, pg 260)

Além da cidade de Altamira, aqui considerada prioritária para análise da condições de

saúde dos povos indígenas estudados, deve-se levar em conta os habitantes de outros

municípios com alta incidência da doença em sua forma mais letal que freqüentam a

cidade de Altamira, pólo comercial e de assistência à saúde. Os dados abaixo

exemplificam esta afirmação:

“Senador José Porfírio tem a maior proporção de casos de falciparum da AII (33 %).

Anapu, o município com transmissão mais intensa registrou 25 % de falciparum.”

163

Page 164: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

“Oitenta e dois por cento (82%) dos casos de malária na Bacia do Rio Xingu são causados

pelo Plasmodium vivax e menos de 18 % pelo Plasmodium falciparum. Isto é considerado,

sob a ótica da gravidade do contágio, um aspecto positivo porque a malária falciparum é a

mais grave, potencialmente letal e altamente resistente às drogas antimaláricas.” (idem,pg

264)

HEPATITE

Uma pesquisa sobre a prevalência dos vírus das hepatites B (HBV) e D (HDV), nas

aldeias Apyterewa e Xingu aqui estudadas, a partir de amostras coletadas em 2004 junto

aos Parakanã83 revelou que a aldeia Apyterewa apresenta maior índice de endemicidade

do HBV do que a aldeia Xingu e que a transmissão sexual parece ser um dos principais

meios de contágio. Além disso, embora na população estudada a ocorrência maior seja

entre indivíduos do sexo feminino, o estado de portador e de previamente infectados pelo

HBV foi mais freqüente no masculino. O consumo de bebida alcoólica e as viagens para

fora da área indígena, atingindo adolescentes e adultos situados em faixas etárias nas

quais o estudo detectou aumento de prevalência da infecção pregressa pelo HBV,

poderão vir a ser elementos de propagação da infecção pelo HBV nessas aldeias.

(Ribeiro, 2006).

Na visita à aldeia Apyterewa em março de 2009, foi informado dois óbitos por CA hepático

de doentes diagnosticados por ocasião da pesquisa. Atualmente, são 9 os casos de

infectados pelo HBV cujo controle tem sido realizado. De acordo com o auxiliar de

enfermagem, em 2008, houve o nascimento de uma criança, filha de portadora, na qual

ainda não foi ministrada a vacinação recomendada (hemoglobina). A criança também

apresenta quadro de desnutrição.

Apesar da ausência de indicadores da incidência de hepatites nas outras TIs aqui

83

Por pesquisadores da Seção de Hepatologia do Instituto Evandro Chagas e do Núcleo de Medicina Tropical,

Universidade Federal do Pará, ambos de Belém, publicada em 2007. Ver NUNES, M; MONTEIRO, M; SOARES, M.

“Prevalência dos marcadores sorológicos dos vírus das hepatites B e D na área indígena Apyterewa, do grupo

Parakanã, Pará, Brasil” In: Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, 23(11): 2756-2766, nov, 2007.

164

Page 165: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

estudadas podemos indicar que as hepatites constituem atualmente importantes causas

de morbidade e mortalidade entre os povos indígenas. Diversos inquéritos têm revelado

elevadas prevalências de marcadores sorológicos para hepatite B. Por vezes, a presença

de portadores crônicos do vírus é numericamente expressiva (Azevedo et al., 1996;

Coimbra Jr. et al., 1996; Santos et al., 1995). Nesses casos, não é rara a presença de co-

infecção pelo vírus Delta (HDV), ocasionando número significante de óbitos devido a

quadros graves de hepatite aguda.

Com relação à hepatite, por ser uma doença transmissível, consideramos abaixo o

histórico atual da doença na região dos povos aqui analisados:

“ Hepatites Virais: De 2001 a 2005 foram registrados 604 casos de Hepatites Virais na AII,

o que corresponde a 4,6 % do total de casos de Estado do Pará, 1,6 % da região Norte e

a 0,2 % do Brasil Isto significa que a situação das Hepatites Virais na AII é idêntica à do

Estado e do País e 23 % melhor que a da Região.” (EIA AHE Belo Monte Vol. 8 Pg 282)

Tabela 19. Número de casos de Hepatites Virais nos Municípios da AII de 2001 a 2007

165

Page 166: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

“Ocorrem em média na AII, 86 casos de hepatite por ano, 7 casos por mês e 1 caso novo

a cada 4 dias. Mais de um terço dos casos ocorreram em Altamira, 18 % em Pacajá, 18 %

em Senador José Porfírio e 8 % em Uruará (GRÁFICO 4).

Gráfico 4. Número de caos de Hepatites Virais nos Municípios da AII de 2001 a 2007

“O Vírus A é a etiologia mais freqüente das Hepatites da área, o que evidencia falta de

saneamento básico e contaminação fecal-oral. O Vírus B é a segunda etiologia conhecida,

e o Vírus C a menos freqüente, apenas 9 casos, 2,6 %. Estes dois tipos de vírus têm sua

transmissão por via sexual ou sangüínea. Ocorrem superinfecções com o Vírus A + B ou

C, e com o Vírus B + C. Quase 10 % das hepatites são causadas por outros vírus que não

o A, B ou C, e 28 %

dos casos são de etiologia ignorada. Não foram registrados casos de Hepatites pelos

vírus E ou D na área no período (TABELA 20) “(EIA AHE Belo Monte, Vol. 18 -

DIAGNÓSTICO DA ÁREA DE INFLUÊNCIA INDIRETA – AII –Pg 284)

166

Page 167: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Tabela 20. Número de casos de Hepatites Virais nos Municípios da AII, Estado do Pará, Região Norte e Brasil

Leishmanioses

Chama atenção a existência de muito poucos estudos sobre a epidemiologia das

leishmanioses84 em grupos indígenas, considerando-se que, em sua grande maioria,

estes vivem em áreas endêmicas e em contextos que interferem nos ciclos enzoóticos do

parasita.

84 No Brasil, a doença é causada por um protozoário da família tripanosomatidae, gênero Leishmania, espécie

chagasi. Seu ciclo evolutivo é caracterizado por apresentar duas formas: a amastigota, que é obrigatoriamente parasita

intracelular em vertebrados, e a forma promastígota, que se desenvolve no tubo digestivo dos vetores invertebrados e

em meios de culturas artificiais. Reservatórios: no Brasil, os mais importantes reservatórios são o cão (Canis familiaris),

e a raposa (Dusycion vetulus), que agem como mantenedores do ciclo da doença. O homem também pode ser fonte de

infecção, principalmente quando o Calazar incide sob a forma de epidemia. Modo de Transmissão: a Leishmaniose

Visceral é uma antropozoonose transmitida pelo inseto hematófago flebótomo Lutzomia longipalpis, mosquito de

pequeno tamanho, cor de palha, grandes asas pilosas dirigidas para trás e para cima, cabeça fletida para baixo, aspecto

giboso do corpo e longos palpos maxilares. Seu habitat é o domicílio e o peridomicílio humano onde se alimenta de

sangue do cão, do homem, de outros mamíferos e aves.

167

Page 168: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

No caso dos povos aqui estudados, a situação não é diferente. Lê-se mais uma vez no

“DIAGNÓSTICO DA ÁREA DE INFLUÊNCIA INDIRETA – AII” do EIA-RIMA que:

“ A Leishmaniose Tegumentar é historicamente endêmica na Área de influência Indireta.

Mas, a Leishmaniose Visceral, mais grave e letal se não for tratada, é de introdução

recente e está em expansão, devido às alterações ambientais induzidas pela atividade

humana.” (pg. 271)

Gráfico 5- Casos de Leishmaniose Tegumentar na AII

E mais:

“ A Leishmaniose Visceral era uma doença típica do Nordeste, que se tornou emergente

no Norte e Centro-Oeste nas últimas duas décadas, em decorrência de alterações

ambientais provocadas pela atividade humana.

“De 2001 a 2006, o Brasil registrou mais de 20 mil casos, a região Norte 3.310, mais de

dois mil deles no Estado do Pará. É uma endemia em expansão em todo o Estado do

Pará.

Nunca havia sido detectada na AII até 1991, quando surgiu um caso em Altamira. Doze

anos após, ressurge em Pacajá, e, no ano seguinte, mais 2 casos em Uruará. Mais 4

168

Page 169: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

casos ocorreram em Pacajá em 2006 e, em 2007, mais 5 casos. Foram registrados

também 3 casos em Altamira, um em Medicilândia e um em Pacajá. Até 2007, foram

registrados 13 casos de Leishmaniose Visceral na AII, e a tendência é de que esta

zoonose se consolide como mais uma endemia na região (TABELA 21).”

( Pg. 272)

Tabela 21. Número de casos de Leishmaniose Visceral de 2003 a 2006 por Município

“Nos últimos dez anos, apesar dos recursos de tratamento intensivo e das rotinas

estabelecidas para o tratamento específico da Leishmaniose Visceral, constatou-se

aumento na letalidade da doença em diversas regiões do País. Um dos principais fatores

que contribuíram para o aumento dessa letalidade é o diagnóstico tardio. Nas duas

últimas décadas, a leishmaniose visceral (LV) reapareceu no mundo de forma

preocupante.

“No Brasil, epidemias urbanas foram observadas em várias cidades. Além disso, a

expansão da epidemia acometendo grupos de indivíduos jovens ou com co-morbidades

tem ocasionado número elevado de óbitos. Observa-se que, nos últimos anos, a letalidade

da LV vem aumentando gradativamente, passando de 3,6% no ano de 1994 para 6,7%

em 2003, o que representa um incremento de 85%.

169

Page 170: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

A análise parcial dos dados, em novembro de 2004, demonstrou aumento de 26% na

letalidade desta doença. (Gráfico 6).85

Gráfico 6. Letalidade da Leishmaniose Visceral no Brasil, 1994 a 2004

Outro tipo, não tão letal quanto a Visceral possui grandes indicadores na AII:

“ Leishmaniose Tegumentar: A Leishmaniose Tegumentar é a segunda endemia mais

importante da AII, só perdendo para a malária. A incidência da doença é alta. Nos últimos

7 anos, de 2001 a 2007, foram registrados quase 5.000 casos de Leishmaniose. Isto

corresponde a 16 % do total de casos do Estado do Pará, a 7 % dos casos da Região

Norte e a 2,8 % dos casos do Brasil. Isto significa que a situação da Leishmaniose da AII

é 3,5 vezes pior que a do Estado, 3,2 vezes pior que a da Região e 16 vezes pior que a do

85 Leishmaniose Visceral Grave: Normas e Condutas MINISTÉRIO DA SAÚDE Secretaria de Vigilância

em Saúde Departamento de Vigilância Epidemiológica. Brasília – DF , 2006

170

Page 171: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

País. (EIA AHE Belo Monte, Vol. 18 - DIAGNÓSTICO DA ÁREA DE INFLUÊNCIA

INDIRETA – AII - Pg. 271)

Tabela 22. Coeficiente de Incidência de Leishmaniose Tegumentar nos Municípios da AII-2001 a 2007

Na visita às aldeias em março de 2009, constatou-se os seguintes casos de Leishmaniose

tegumentar:

1 caso na aldeia Iriri (TI Cachoeira Seca)

2 casos na aldeia Apyterewa (TI Apyterewa), apesar de constar apenas 1 no quadro de

morbidade

1 caso na aldeia Xingu (TI Apyterewa)

1caso na aldeia Asurini(TI Koatinemo)

171

Page 172: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Assistência à saúde na região das TIs (AII)

A escolha por adotar uma análise integrada para mensurar os impactos de atenção à

saúde para as TIs aqui estudadas não pode deixar de contemplar a precariedade de

atendimento à saúde na região.

Considerar as condições de saúde nas TIs implica considerar como a população do

entorno é atendida uma vez que a estrutura de atendimento à saúde utilizada é a mesma.

Desse modo, são importantes as informações abaixo:

“Os Serviços de Saúde da AII se caracterizam pela grande polarização exercida por

Altamira. Com exceção de Gurupá e Placas, todos os outros municípios dependem, com

maior ou menor grau de intensidade, de Altamira para procedimentos de média e alta

complexidades.

Municípios como Uruará, Brasil Novo e Porto de Moz possuem serviços com nível de

Atenção Secundária à Saúde. Outros, como Senador José Porfírio e Vitória do Xingu, não

possuem hospital, não realizam sequer parto normal. A modalidade de Atenção Básica à

saúde está muito pouco estruturada na maioria dos municípios.” (EIA AHE Belo Monte,

Vol. 18 - DIAGNÓSTICO DA ÁREA DE INFLUÊNCIA INDIRETA – AII – Pg 321)

“A maioria da população da AII não tem acesso às ações básicas de saúde,

principalmente, às ações preventivas e de intervenção precoce. As pessoas esperam

adoecer para procurar assistência médica, que, geralmente, é de difícil acesso, em

serviços centralizados, lotados, e são atendidos em consultas rápidas e de baixa

resolubilidade.É importante que seja mais bem estruturada a Atenção Básica dos

Municípios da AII, de modo não somente a ampliar a cobertura de atendimento do PSF

para suprir o déficit de 66 % já existente, mas também se preparar para um possível

aumento de demanda decorrente da intensificação do fluxo migratório para a região.Os

Municípios devem assumir este compromisso, com apoio do setor elétrico, ainda na fase

172

Page 173: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

de licenciamento, para evitar uma queda brutal da qualidade de vida da população e

grande piora de todos os indicadores de saúde durante as obras de construção do AHE

Belo Monte.” (EIA AHE Belo Monte, Vol. 18 - DIAGNÓSTICO DA ÁREA DE INFLUÊNCIA

INDIRETA – AII – Pg 331)

Históricos de situações específicas de atenção à saúde

Algumas situações específicas relacionadas ao processo de contato de alguns dos povos

indígenas aqui estudados e que refletem diretamente no histórico de atenção à saúde

destes povos serão aqui consideradas.

TI Koatinemo

No ano do contato, a população pôde ser estimada em 100 indivíduos. Em 1975, o grupo

contava com 58 pessoas, em 1976 com 60 e em 1977, com 56. Entre 1971 e 1977, a

população diminuiu sensivelmente, observando-se, durante o período, um índice de

mortalidade de 20% e de nascimento de 0,05% (Ver Projeto de Recuperação do grupo

Assurini do Koatinemo, 1978).

No ano de 1978, a FUNAI implantou o “Projeto de Recuperação dos Assurini do

Koatinemo”, sob a coordenação da antropóloga Regina Polo Müller e equipe médica, com

duração prevista de dois anos. Visando recuperar o grupo em seus aspectos

demográficos, sociais e culturais, o projeto tinha como principais objetivos (i) assegurar a

assistência médica permanente, (ii) realizar pesquisa interdisciplinar (medicina-

antropologia) para melhorar a adequação da medicina científica às formas de curar

tradicionais e, (iii) propor uma ação de saúde adequada ao contexto de sociedades

indígenas recém-contatadas.

Segundo a coordenadora do projeto a ineficiência do atendimento à saúde por parte do

Posto Indígena era ocasionada devido ao choque cultural entre os agentes da medicina

ocidental e o grupo indígena. Essa era uma preocupação do projeto que propunha, então,

um trabalho de ação conjunta entre o antropólogo e o médico. Em entrevista ao Boletim

173

Page 174: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

do CEPAM - Centro de Estudos e Pesquisas em Antropologia Médica/IUnB, em 1982, a

coordenadora do projeto justificava:

Um programa de saúde entre populações indígenas, como qualquer

outro, deve ser orientado segundo uma perspectiva antropológica. A

saúde e a doença estão em estreita relação com os demais fatores

da vida social e cultural do grupo. O cuidado com a saúde deve

estar, portanto, baseado fundamentalmente no conhecimento desta

relação.

Durante o projeto, levantou-se dados sobre a: (i) incidência de malária, parasitoses

intestinais, tuberculose, leishmaniose, arboviroses, hepatite, toxoplasmose, sífilis e

doença de chagas e (ii) o estado de saúde do grupo e as causas da depopulação, entre

elas, supostamente, a prática do abortamento, tanto do ponto de vista médico quanto

antropológico. Além disso, realizou-se assistência médica permanente através das

atividades de fichamento clínico, vacinação, exames parasitológicos de fezes, prova

tuberculínica, tratamento de parasitoreses intestinais, exames de laboratório, organização

da farmácia, dentre outras ações.

O projeto propunha, também, atividades em outras áreas consideradas importantes no

processo de recuperação do grupo: a demarcação do território indígena e a orientação

das atividades do Posto Indígena junto aos índios.

Durante a realização do projeto a pesquisa médica constatou que a tuberculose constituía

o principal problema de saúde entre os Asuriní. Foram registrados 5 casos da doença nos

anos de vigência do projeto (1978 e 1979), sendo que dois deles ocorreram apesar da

vacinação realizada em toda a aldeia em 1977. Das 7 mortes ocorridas entre 1976 e 1978,

3 foram casos de tuberculose, casos em que a doença foi diagnosticada quando já se

encontrava em estágio avançado de desenvolvimento (Müller, 1979b).

Exames realizados no mês de julho (época da seca) acerca da incidência de parasitoses

intestinais demonstraram um alto índice desse tipo de doença, apresentando 100% de

174

Page 175: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

positividade. Novos exames realizados na época de chuva, em abril de 1979,

apresentaram grande número de resultados negativos, ao que a equipe de pesquisa

concluiu que as enteroparasitoses estão ligadas e determinadas pelo meio-ambiente,

obedecendo a um padrão ecológico de controle86. Diante disso, e observando que

tradicionalmente os Asuriní eram um grupo de grande mobilidade, conclui-se que a

sedentarização do grupo no período pós-contato contribuiu para o aumento das

parasitoses intestinais, já que as condições desfavoráveis de higiene se devem à fixação

dos indígenas numa única área junto ao Posto Indígena. (Müller, 1979b).

Durante os dois anos do projeto, obteve-se o controle das doenças que estavam

causando mortes entre o grupo. Além disso, o projeto contribuiu para a tentativa de

experimentar um método de tratamento em saúde em que é possível articular a tecnologia

e o conhecimento científico da medicina ao saber tradicional indígena referente à cura das

doenças.

Em 1982, ano em que os Asuriní chegaram a um patamar mínimo de 52 pessoas, um

novo projeto de assistência ao grupo foi implantado pela FUNAI, sob a responsabilidade

da mesma antropóloga que havia coordenado o projeto em 1978/79. Com assessoria do

CEPAM- Centro de Estudos e Pesquisas em Antropologia Médica/UnB , o projeto visava

dar continuidade à assistência prestada ao grupo Asuriní, controlando o nível de saúde

indígena, em particular o combate à tuberculose e a vigilância sobre outras ocorrências de

moléstias. Para tanto, um técnico em enfermagem foi treinado em baciloscopia e

orientado pela coordenação do projeto para desenvolver as atividades de assistência à

saúde no Posto Indígena Koatinemo. Este projeto teve a duração de 1 ano e não houve

continuidade, interrompendo-se uma atuação diferenciada na assistência à saúde entre os

Asuriní do Xingu.

86 Os vermes observados encontravam facilidades em completar seu ciclo biológico dadas as condições de

higiene da população e a existência de solo arenoso, bastante favorável ao desenvolvimento das lavras. Ver “Relatório

Final dos Assurini do Koatinemo” In: FUNAI, 1979.

175

Page 176: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

TI Araweté Igarapé Ipixuna

No histórico das condições de saúde do povo Araweté, sem considerar a mortalidade verificada no contato, com epidemias de gripe e desinteria citadas acima no item “Histórico do Contato”, temos a situação descrita na Enciclopédia dos Povos Indígenas (ISA) quando, em 2001, se transferem para um novo local após mais de duas décadas na mesma aldeia. De acordo com este relato, a exaustão do solo para o plantio próximo a aldeia e a escassez da caça foram motivos desta mudança, “(...) acirrada por uma epidemia de varicela (doença virótica popularmente conhecida como catapora) no segundo semestre de 2000”. A epidemia contaminou pelo menos 218 dos então 278 habitantes da aldeia, ocasionando nove mortes. De acordo com depoimento de Benigno Marques (diretor da Administração da FUNAI de Altamira) dado ao ISA, a deformação física ocasionada pela doença horrorizou o grupo, levando a um ímpeto de dispersão, sendo necessária uma incisiva atuação da FUNAI para evitar que aqueles que ainda não apresentavam os sintomas fugissem para a mata (onde não teriam condições de tratamento, caso adoecessem).

Ainda segundo Marques, o impacto do surto foi mais drástico pela ineficiência do convênio da Funasa com a Prefeitura de Altamira, que contratou profissionais sem experiência, os quais permitiram que índios doentes retornassem às comunidades e contaminassem os demais. Na mesma direção, Tarcísio Feitosa (membro do CIMI) apontou a má aplicação dos recursos do convênio da Funasa pela Prefeitura, mencionando a precariedade das instalações do posto de saúde no Ipixuna e dos serviços odontológicos e médicos disponibilizados no local.

176

Page 177: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

7.4.7 Atenção à educação nas Tis estudadas

Todas as aldeias das TIs estudadas possuem escolas com infra-estrutura semelhante:

construções de madeira e telhas de barro ou brasilit, quadros negros, livros didáticos de

Ciências, História, Geografia, Matemática, Portugês e Artes, carteiras, mimeógrafos e

mapas. As exceções são a aldeia Juruãti (TI Araweté Igarapé Ipixuna), formada em 2008,

onde a escola foi construída com estrutura de madeira e folhas de palmeira nas paredes e

cobertura, e a aldeia da TI Cachoeira Seca onde não há escola, apesar de haver

atividades de educação desde 1987. Nesta aldeia, as atividades de educação se deram

em locais como embaixo de árvores e casa de farinha abandonada. Esta ruiu e

atualmente as aulas estão sendo dadas na casa do chefe de Posto da FUNAI, em

construção. Algumas escolas foram construídas com recursos de doações de particulares,

como o médico Aldo Lo Curto que se dedica voluntariamente à saúde indígena, e até de

madeireiros que exploravam a TI Apyterewa nos anos 90 e início da presente década.

Todos os povos indígenas abordados neste estudo foram contatados nas décadas de 70 e

80 de modo que atividades na área de educação somente passam a se verificar a partir

da metade dos anos 80 e são iniciativas de instituições religiosas como o CIMI- Conselho

Indigenista Missionário com o apoio da Prelazia do Xingu, da Igreja Católica, e da ALEM -

Associação Linguística Evangélica Missionária.

O CIMI desenvolveu programas de educação nas TI Koatinemo, TI Apyterewa e TI Arara,

de 1990 a 2000, enquanto que a ALEM vem atuando nas TI Arara, TI Apyterewa, TI

Koatinemo e TI Araweté Igarapé Ipixuna de 1982 até os dias de hoje.

Na TI Arara, em 1982, Isaac Costa de Souza, lingüista da ALEM, inicia atividades fixando-

se no Posto de Vigilância 1 para onde parte do grupo da TI havia se mudado. O lingüista

que hoje atua na aldeia do Laranjal da mesma TI, assessora desde então professores da

FUNAI e da rede pública (SEDUC-Secretaria de Estado da Educação e SEMEC -

Secretaria Municipal de Educação, Cultura e Desporto de Altamira), quando estas

assumem a escola indígena. Atualmente, a ALEM mantem dois missionários com trabalho

177

Page 178: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

voluntário voltado para atividades da 5ª. da escola da rede pública municipal em TI

indígena (ver adiante).

Na TI Araweté Igarapé Ipixuna, a interferência missionária se inicia em 1991, quando

administração regional da FUNAI “quis levar a organização ALEM, de orientação

fundamentalista, para avaliar a situação da tribo no âmbito da educação”(ISA). De acordo

com a mesma fonte, esta administração estendeu um convênio com a ALEM, mediante a

contratação de uma professora, sob coordenação da associação religiosa. Atualmente,

uma missionária é professora concursada (aldeia Juruãti) e outros dois missionários são

contratados (aldeia Pakaja) pela SEMEC para atuar nas escolas da TI dos Araweté. Na TI

Apyterewa, em 1984, um casal de missionários da ALEM ser fixou na aldeia Xingu,

desenvolvendo trabalho voluntário até 2000 na escola indígena, com alfabetização na

língua nativa. Um deles chegou a ser contratado pela SEDUC. Em 2003, a presença da

ação missionária volta a ocorrer na aldeia Xingu, com a assessoria de um membro da

mesma ao professor da escola municipal.

O CIMI também atuou na aldeia Xingu entre meados dos anos 80 e início dos anos 90. Na

aldeia do Laranjal da TI Arara, após a permanência sem êxito, desde 1987, de

professores da FUNAI, o CIMI implantou uma escola em 1994 e atuou até 1998. Na TI

Cachoeira Seca, o CIMI inicia atividades em 1996 e atua até 1999.

De acordo com informação obtida na Enciclopédia dos Povos Indígenas/ISA, com o

trabalho de educação nas aldeias Arara, crianças e adolescentes começaram a usar mais

intensamente o português, chegando a substituir o idioma nativo mesmo quando apenas

entre si.

Na TI Koatinemo, povo Asuriní, uma escola construída pela Prelazia do Xingu com

professores por ela contratados desenvolveu entre 1990 e 2000 um programa de

educação indígena sob os auspícios do CIMI. As missionárias católicas “Irmãzinhas de

Jesus” que atuavam na TI desde 1982, participaram do programa na pesquisa, orientação

dos professores e preparação de material didático. Tiveram o apoio da lingüista Ruth

M.F.Monserrat que, em 1998, publicou em co-autoria com as missionárias uma gramática

intitulada ¨Língua Asuriní do Xingu, observações gramaticais¨/Prelazia do Xingu/CIMI.

178

Page 179: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Os alunos eram alfabetizados na língua e contaram durante 13 anos (1991-2004) com a

professora Lucilene Arruda do Nascimento que domina a língua Asuriní, sete dos quais

como professora do programa do CIMI.

Em 1998, cerca de 7 alunos encontravam-se alfabetizados na língua Asuriní e na língua

portuguesa, e 10, alfabetizados na língua Asuriní (Müller, 1998). Com exceção das

mulheres adultas (4), estes alunos e outros alfabetizados nos últimos 10 anos formam

uma classe de 5ª. série com 17 alunos. Eles participam do programa ENCCEJA - Exame

Nacional para Certificação de Competências dos Jovens e Adultos, conhecido como

“provão”. Orientados pelo professor, preparam-se para realizar exames cuja aprovação

permite obter o certificado de conclusão do ensino fundamental. Trata-se, segundo

informação da SEMEC – Secretaria Municipal de Educação, Cultura e Desporto de

Altamira, de uma tentativa piloto para se dar uma solução ao problema de inexistência da

segunda parte do ensino fundamental (5ª. a 8ª. séries), fortemente reivindicada pelas

comunidades indígenas.

De 2006 a 2008, foi desenvolvido na TI Koatinemo projeto piloto de educação diferenciada

pela Secretaria Municipal de Educação de Altamira, assessorado por pesquisadores da

Unicamp –Universidade Estadual de Campinas e USP- Universidade de São Paulo, com

apoio do CNPq- Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Através

deste projeto foi reintroduzida a alfabetização na língua Asuriní, abandonada desde 2004.

O programa educacional foi elaborado tendo como base os parâmetros curriculares para

Educação Indígena/MEC, contemplando o ensino de conteúdos das áreas de

conhecimento aliado aos saberes tradicionais e a temas relacionados à realidade

indígena. O projeto equipou a escola indígena com televisão, vídeo cassete, aparelho de

som, material didático, apostilas na língua materna e plano pedagógico. O projeto foi

assistido pela Profª Lucilene Arruda do Nascimento, que lecionou nesta aldeia no período

de 1991-2004 e fala fluentemente a língua Asuriní.

Com o término do apoio do CNPq, apesar dos esforços da equipe junto à SEMEC-

Altamira e SEDUC- Secretaria de Educação do Estado do Pará, o projeto não teve

continuidade. Do mesmo modo, foi frustrada a tentativa desta equipe de se implantar nas

demais Tis a segunda parte do ensino fundamental com a mesma orientação deste

projeto piloto.

179

Page 180: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

No ano corrente, criou-se em 6 escolas da rede pública municipal das TIs (ver abaixo),

uma 5ª. série formada por todos os alunos que concluíram a primeira parte do ensino

fundamental.

Como se vê no quadro de número de alunos por série, registra-se em 6 escolas alunos

na 5ª.série , com diferentes níveis de aproveitamento escolar, porém todos alfabetizados.

Devido ao fato de que a reprovação de alunos não ocorre por exigência do sistema

educacional, alunos permaneciam cursando a 4ª. série por vários anos, quando eram

então efetivamente alfabetizados. Como relatado acima, na TI Koatinemo os alunos que

formam a 5º série participam do programa INSEJA. Nas demais escolas, os professores

desenvolvem com os alunos programa de reforço da alfabetização, aguardando-se uma

solução para a demanda da segunda parte do ensino fundamental. Em geral, trata-se de

classe multiseriada ( 4ª. e 5ª. séries) e há um caso ( TI Cachoeira Seca) em que a

professora informou estar aguardando orientação para desenvolver atividades com estes

alunos.

No final dos anos 90, a área de educação na assistência governamental aos povos

indígenas passou a ser de responsabilidade da administração pública municipal, num

movimento de municipalização cuja repercussão foi sentida de diversas maneiras pelas

populações indígenas. De igual modo, a assistência à saúde indígena deixaria de ser

prestada pela FUNAI passando sua responsabilidade ao Ministério da Saúde através da

FUNASA, como apresentado no relativo à atenção à saúde.

Desse modo, em 2000, a SEMEC , de acordo com a Lei n 9394/96 de Diretrizes e Bases

da Educação Nacional, assume as atividades da Educação Indígena na região e implanta

neste ano, com reconhecimento oficial em 2001, as seguintes escolas:

EMEF- Escola Municipal de Ensino Fundamental- Indígena Kwatinemu (TI Koatinemo)

EMEF- Escola Municipal de Ensino Fundamental- Indígena Patukrê (TI Kararaô)

EMEF-Escola Municipal de Ensino Fundamental- Indígena Arara (TI Arara)

EMEF- Escola Municipal de Ensino Fundamental- Indígena Cachoeira Seca (TI Cachoeira

Seca)

EMEF- Escola Municipal de Ensino Fundamental- Indígena Iatora Parakanã (TI

Apyterewa)

180

Page 181: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

EMEF- Escola Municipal de Ensino Fundamental- Indígena Aldeia Xingu (TI Apyterewa)

EMEF- Escola Municipal de Ensino Fundamental- Indígena Ipixuna (TI Araweté Igarapé

Ipixuna)

Em 2007, foi implantada a EMEF- Escola Municipal de Ensino Fundamental- l- Indígena

Pakaja, anexa a EMEF Ipixuna.

Em 2009, foi implantada a EMEF- Escola Municipal de Ensino Fundamental- Indígena

Juruãti (TI Araweté Igarapé Ipixuna), anexa a EMEF Ipixuna.

As EMEFs seguem a proposta pedagógica e o sistema administrativo da Secretaria de

Educação do Estado – SEDUC e tem suas atividades acompanhadas pelo setor de

Educação da ADRA FUNAI. As EMEFs oferecem ensino da série inicial a 4ª. série do

Ensino Fundamental, com atividades, já descritas acima, para grupos de alunos

aprovados.

De acordo com informação obtida junto à SEMEC e ao setor de educação da FUNAI de

Altamira e confirmada em visita às Tis realizada em março de 2009, os professores

destas escolas, todos não-indígenas, não recebem formação ou treinamento em

Educação Indígena Diferenciada, não aprendem a língua indígena dos povos com os

quais trabalham e encontram e dificuldade em se fixar nas aldeias, localizadas a

distâncias consideráveis da cidade de Altamira. Esta situação tem provocado problemas

no desempenho da docência por eles exercida.

Desse modo, o resultado das atividades desses professores é deficiente com baixa

porcentagem de alfabetizados, apesar dos números fornecidos pelas escolas

apresentarem outra realidade, como classes de até 10 alunos na 4ª. série e 48 alunos na

5ª. série, quando se verifica entre estes deficiência na alfabetização.

O melhor aproveitamento se verifica nas escolas onde o ensino é bilíngüe.

181

Page 182: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Tabela 23. Escolas indígenas e número de alunos em 2006 e 2009

Terra

Indígena Aldeia Escola

Número de

alunos em

2009

Ensino Bilingue

Apyterewa Apyterewa EMEF Iatora Parakanã

155

Não

Xingu EMEF Aldeia Xingu

93

Sim

Arara Laranjal EMEF Arara 143 Não

Cachoeira

Seca

Iriri EMEF Cachoeira Seca

39

Não

Araweté Ipixuna EMEF Ipixuna

46

Não

Pakaja

EMEF

Pakaja

41 Sim

Juruãti EMEF Juruãti

48 Sim

Kararô Kararaô EMEF

Patukrê 45 Não

Koatinemo Koatinemo EMEF Koatinemo

71

Não

Fontes: p/2006: Ribeiro, 2006

p/2009: Secretaria Municipal de Educação,Cultura e Desporto de Altamira/Coordenadoria de Educação Escolar

Indígena e dados de campo

182

Page 183: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Tabela 24. Número de alunos por série das EMEFs em 2009

Escola Inicial 1ª. 2ª. 3ª. 4ª. 5. Total

EMEF Alunos Alunos Alunos Alunos Alunos Alunos Alunos

01 Kwatinemo 05 08 14 11 16 17 71

02 Ipixuna 09 12 08 07 10 00 46

03 Pakaja 00 27 14 00 00 00 41

04 Juruãti 08 32 00 04 04 00 48

05 Iatora

Parakanã 10 15 51 00 31 48 155

06 Aldeia

Xingu

12

04

31

01

19

26

93

07 Patukrê 01 02 07 01 04 13 45

08 Arara 16 27 22 02 12 64 143

09 Cachoeira

Seca 08 03 11 01 09 07 39

Fonte:Secretaria de Educação,Cultura e Desporto de Altamira, 2009 e dados de campo

183

Page 184: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

7.5 CARACTERIZAÇÃO AMBIENTAL DAS TIs A MONTANTE DO AHE BELO MONTE

7.5.1 INTRODUÇÃO

O presente relatório foi elaborado em atendimento ao Plano de Trabalho para a realização

dos Estudos Socioambientais nas Terras Indígenas – Koatinemo, Arara, Kararaô,

Cachoeira Seca, Apyterewa e Araweté/Igarapé Ipixuna.

O objetivo é caracterizar alguns aspectos bióticos das TIs, avaliar possíveis impactos

ambientais decorrentes da implantação do AHE Belo Monte nessas terras e indicar

eventuais medidas mitigadoras ou compensatórias cabíveis, que deverão ser discutidas

posteriormente com as populações indígenas das TIs citadas, na fase de elaboração dos

PBAs.

O Estudo de Impacto Ambiental definiu, além da Área Diretamente Afetada – ADA, três

áreas de abrangência das análises, de acordo com os diferentes níveis de influência que o

empreendimento apresenta para cada uma dessas áreas. Dessa forma, foram definidas

as seguintes áreas para o estudo:

- Área de Influência Direta – AID: abrangendo as áreas que possam sofrer

influência direta do empreendimento, incluindo a Área Diretamente Afetada e a futura Área

de Entorno do Reservatório, espaço para o qual deverá ser desenvolvido o Plano

Ambiental de Conservação e Uso do Entorno do Reservatório Artificial – PACUERA,

conforme definido na Resolução CONAMA 302/2002;

- Área de Influência Indireta: considera a área que poderá ser atingida pelos

impactos indiretos do empreendimento. A delimitação da AII circunscreve a AID,

adotando-se como critério a configuração das bacias hidrográficas afluentes a mesma.

Com relação aos aspectos socioeconômicos, a AII corresponde aos limites dos municípios

integrantes da Região de Integração Xingu, definida pelo Governo do Estado do Pará

184

Page 185: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

como sendo Altamira, Senador José Porfírio, Anapu, Vitória do Xingu, Pacajá, Placas,

Porto de Moz, Uruará, Brasil Novo, Gurupá e Medicilândia;

- Área de Abrangência Regional: é a área objeto da caracterização macro-

regional, constituída por toda a bacia hidrográfica do rio Xingu.

Tendo em vista que as TIs objeto deste Relatório encontram-se localizadas na Área de

Abrangência Regional do empreendimento, as análises ambientais apresentadas neste

Parecer estarão focadas nesta área.

7.5.2 METODOLOGIA

Para o levantamento das informações a respeito dos aspectos bióticos da região do médio

curso do rio Xingu, especificamente das Terras Indígenas em análise, foram utilizados

dados secundários exclusivamente.

Foi realizada consulta a diferentes bases de dados, tais como: Scielo – Scientific eletronic

library online, Portal de Periódicos Capes, sites governamentais como Ministério do Meio

Ambiente e Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, além de Organizações Não-

Governamentais que atuam na região. Finalmente, também foram utilizadas as

informações apresentadas no EIA do AHE Belo Monte.

O Índice de Estado Trófico (IET) de Calrson Modificado por Lamparelli foi aplicado. Este

índice de estado trófico Calrson Modificado por Lamparelli (2004) é aplicável em

ambientes lóticos (Rios) e ambientes lênticos (Reservatórios). As variáveis que compõem

o índice são Clorofila a e Fósforo Total para os rios, e Clorofila a e Fósforo total e Secchi

para os reservatórios.

185

Page 186: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Índice de Estado Trófico para Rios:

Hipereutrófico Supereutrófico Mesotrófico Oligotrófico Eutrófico Ultraoligotrófico

186

Page 187: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Índice de Estado Trófico para Reservatórios:

Hipereutrófico Supereutrófico Mesotrófico Oligotrófico Eutrófico Ultraoligotrófico

7.5.3 CARACTERIZAÇÃO DA BACIA HIDROGRÁFICA DO XINGU

A bacia hidrográfica do Xingu apresenta forma bastante alongada, sendo que a alta bacia,

ao sul, drena terrenos mais planos e sedimentares e a maior parte, ao norte, situa-se nos

domínios do embasamento cristalino. Desta forma, as cheias da área sul e da área norte

têm comportamento diverso, destacando-se a influência do abatimento das cheias devido

187

Page 188: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

ao efeito de acumulação das áreas permeáveis das cabeceiras. Na porção norte, incluindo

a bacia do rio Iriri, as descargas acompanham de perto o regime das chuvas, resultando

em cheias elevadas e estiagens severas. Da combinação dos citados comportamentos,

distintos na sua gênese, resultam cheias no rio Xingu que podem ser classificadas como

não muito elevadas, considerando as dimensões da bacia.

Tabela 25. - Concentrações Médias de Sedimentos em rios da Amazônia

Rio Posto Flúvio-

Sedimentométrico

Área de Drenagem

(km2)

Vazão Líquida Média (m3/s)

Concentração Média de

Sedimentos (mg/l) Madeira Porto Velho-ANA 954.200 15.777 324,7

Madeira Porto Velho-Furnas 954.200 19.005 717,8

Tocantins Marabá 691.000 9.045 35,4

Tapajós Itaituba 456.600 7.558 12,7

Xingu Altamira 446.000 7.602 20,6

Os resultados apresentados correspondem à situação natural dos rios, anterior à

implantação de barramentos, e abrangeram períodos de mais de 15 anos de medições.

Com exceção do rio Tapajós, os outros dois rios, em especial o rio Madeira, apresentam

uma concentração de sedimentos bastante superior à do rio Xingu, que é de 20,6 mg/l.

Esse quadro comprova que o rio Xingu em Altamira se caracteriza por baixo transporte de

sedimentos do tramo de montante da bacia, evidenciando um certo equilíbrio da bacia

como um todo.

As principais características dos diversos trechos do rio são descritas a seguir:

a) A região das cabeceiras do rio Xingu, apresenta dinâmica diferenciada em relação ao

ambiente vizinho. Os rios de cabeceira, situados na porção sul da bacia, no bioma

cerrado, apresentam-se com pequeno volume de água e declividade, de modo geral,

acentuada, com águas apresentando poucos nutrientes. Sendo assim, são

dependentes da matéria orgânica do entorno para sustento da comunidade aquática,

188

Page 189: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

resultando comunidades ícticas de pequeno porte e compostas de espécies restritas a

esses ambientes.

b) Nas planícies do alto curso do rio Xingu, a montante da cachoeira de von Martius, os

rios se apresentam com alta sinuosidade, meândricos, associados a extensas

planícies de inundação, com a formação de lagos de várzea, praias e vegetação

flutuante que representam ambientes favoráveis à diversificação da ictiofauna, por

fornecerem condições adequadas à reprodução e alimentação de muitas espécies.

c) O médio Xingu compreende o trecho a jusante da cachoeira de von Martius até a

localidade de Belo Monte, incluindo a bacia do rio Iriri e seu principal afluente, o rio

Curuá. Caracteriza-se por apresentar canais predominantemente formados por rochas,

com planícies fluviais estreitas e descontínuas, grande quantidade de pedrais, rápidos

e cachoeiras. Na região do médio curso do rio a ictiofauna é relativamente conhecida,

mostrando alta diversidade, e presença de espécies endêmicas. Nessa área estão

concentradas as espécies de maior porte, bem como a atividade de pesca na bacia,

tanto de peixes para consumo quanto de espécies ornamentais.

d) As bacias dos rios Fresco e Bacajá situam-se na margem direita do rio Xingu,

apresentando rios com canais em rocha, com baixa sinuosidade, instáveis, com erosão

das margens e do fundo, com grande quantidade de sedimentos em suspensão. A

ictiofauna do Bacajá é condicionada pelos trechos de corredeiras e cachoeiras do rio

Xingu a jusante de Belo Monte. Muito provavelmente as espécies encontradas neste

afluente são semelhantes às existentes no próprio rio Xingu, no trecho a montante da

confluência.

e) A região da Volta Grande do Xingu situa-se entre a foz do rio Iriri e a localidade de

Belo Monte, caracterizada por canais predominantemente em rochas, com rápidos e

cachoeiras, além de uma forte inflexão de seu curso. As águas são claras,

relativamente pobres em nutrientes, com influência antrópica nas proximidades de

Altamira. A fauna de peixes é rica e apresenta endemismos.

f) O baixo Xingu, situado ao norte da bacia hidrográfica, no trecho de jusante da Volta

Grande até a foz no rio Amazonas, caracteriza-se pela presença da ria do Xingu,

configurando um canal largo e, em alguns trechos, profundo, com margens altas,

sendo afetado por variações do nível d’água decorrentes das marés. Este trecho

189

Page 190: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

apresenta condições ecológicas distintas do restante do rio Xingu, a montante,

apresentando ictiofauna similar à do rio Amazonas. Nesse trecho tem-se a presença

de tabuleiros de desova de tartarugas, bem como a ocorrência de botos. A formação

de praias e ilhas na região próxima à Vitória do Xingu define ambientes pouco comuns

no restante do rio, nos quais se encontram várias espécies que não ocorrem à

montante. A presença de áreas alagadas e de lagos centrais nas ilhas fluviais serve

como hábitats permanentes para espécies sedentárias, como pirarucu e aruanã, ou

como hábitats temporários para espécies migradoras como o tambaqui, que se

alimentam nestes locais, durante a sua fase jovem e/ou periodicamente durante o

período chuvoso, quando adultos. Estas espécies não ocorrem rio acima.

Nossa área de estudo refere-se ao item c, que compreende o médio Xingu, onde a

atividade pesqueira é intensa devido à concentração de espécies de maior porte.

7.5.4 CARACTERIZAÇÃO DAS ÁREAS DE ESTUDO

7.5.4.1 Áreas Prioritárias para a Conservação e Unidades de Conservação(UCs)

As áreas onde estão localizadas as TIs analisadas são consideradas Áreas Prioritárias

para a Conservação da Biodiversidade, conforme definido pelo Ministério do Meio

Ambiente. Conforme pode ser observado na figura 1, todas as TIs encontram-se em áreas

de prioridade Extremamente Alta quanto à importância biológica. Além disso, as TIs

Cachoeira Seca, Arara e Apyterewa são consideradas áreas de prioridade de ação

extremamente alta.

190

Page 191: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Figura 1 – Terras Indígenas e sua inserção nas Áreas Prioritárias para Conservação da

Biodiversidade. Extraído de http://mapas.mma.gov.br/i3geo.

191

Page 192: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

A região do médio curso do rio Xingu, incluindo a sub-bacia do rio Iriri, apresenta um

grande número de Unidades de Conservação, muita das quais fronteiriças às TIs. A

implantação de um mosaico de áreas protegidas, incluindo Unidades de Conservação e

Terras Indígenas, criou um grande corredor ecológico ao longo da maior parte do curso

médio do rio Xingu.

Algumas da UCs presentes na região conhecida como Terra do Meio estão apresentadas

de modo geral na tabela a seguir. Ressalta-se que o próprio bloco da Terra do Meio é

composto por outras áreas protegidas além das apresentadas nessa tabela. No entanto,

essas UCs estão fora da bacia do Xingu, como é o caso da Floresta Nacional Trairão e o

Parque Nacional Jamanxim, ambos situados na bacia do Tapajós, na área de influência

da rodovia Cuiabá-Santarém (BR-163).

192

Page 193: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Tabela 26. Unidades de Conservação da Terra do Meio inseridas na Bacia do Xingu

Categoria de UC

Tipologia da UC

Nome da UC Área (Km2)

Municípios Bacia hidrográfica

Ano de Criação

RESEX Médio Xingu 3.038 Altamira Xingu 2008

RESEX Rio Iriri 3.989 Altamira Xingu 2006

RESEX Riozinho do Anfrísio

7.393 Altamira Xingu, Tapajós 2004

FLONA Altamira 7.642 Altamira, Itaituba Xingu, Tapajós 1989

FES Iriri 4.404 Altamira Xingu 2006

Uso sustentável

APA Triunfo do Xingu

16.792 Altamira, São Félix do Xingu

Xingu 2006

REBIO Nascentes da Serra do Cachimbo

3.436 Altamira, Novo Progresso

Xingu, Tapajós 2005

ESEC Terra do Meio 33.877 Altamira, São Félix do Xingu

Xingu 2005

Proteção integral

PARNA Serra do Pardo

4.473 Altamira, São Félix do Xingu

Xingu 2005

FONTE: Diagnóstico da AII do EIA (vol. 09), seção 7.6.9.2. - A estrutura fundiária da AII do AHE Belo Monte.

SIGLAS Resex – Reserva Extrativistas Flona – Floresta Nacional Fes – Floresta Estadual APA – Área de Proteção Ambiental Rebio – Reserva Biológica Esec – Estação Ecológica Parna – Parque Nacional

193

Page 194: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

A Lei 9.985/2000, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Lei do

SNUC), divide as UCs no território nacional em duas grandes categorias: Unidades de

Conservação de Uso Sustentável e Unidades de Conservação de Proteção Integral.

Nesse caso, o termo “Uso Sustentável” é definido como:

“exploração do ambiente de maneira a garantir a perenidade dos recursos ambientais

renováveis e dos processos ecológicos, mantendo a biodiversidade e os demais atributos

ecológicos, de forma socialmente justa e economicamente viável” (parágrafo IX do artigo 2

da Lei 9.985/2000).

As UCs de Uso Sustentável objetivam, portanto, a conservação da natureza, admitem o

uso direto dos recursos naturais e permitem a permanência de populações tradicionais no

interior da área protegida. O termo “Proteção Integral”, por sua vez, é definido pela Lei do

SNUC como:

“ manutenção dos ecossistemas livres de alterações causadas por interferência humana,

admitido apenas o uso indireto dos seus atributos naturais” (parágrafo VI do artigo 2 da

Lei 9.985/2000).

As UCs de Proteção Integral objetivam, portanto, a preservação da natureza, admitem o

uso indireto dos recursos naturais e não permitem a permanência de populações

humanas.

194

Page 195: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

7.5.4.2 Unidades de Conservação de Uso sustentável: tipologia

De acordo com as informações contidas no Diagnóstico da AII, no bloco da Terra do Meio

as UCs de Uso Sustentável são: Reservas Extrativistas (RESEXs), Florestas Nacionais e

Estaduais (Flonas e Fes) e Áreas de Proteção Ambiental (APA), definidas de acordo com

a Lei do SNUC.

As Reservas Extrativistas tem como objetivos básicos proteger os meios de vida e a

cultura das populações tradicionais que a utilizam, e assegurar o uso sustentável dos

recursos naturais da unidade.

As Florestas Nacionais e Estaduais (FLONA/FES) são áreas com cobertura florestal de

espécies predominantemente nativas e tem como objetivo básico o uso múltiplo

sustentável dos recursos florestais e a pesquisa científica, com ênfase em métodos para

exploração sustentável de florestas nativas.

As Áreas de Proteção Ambiental (APAs) são áreas dotadas de atributos abióticos,

bióticos, estéticos ou culturais especialmente importantes para a qualidade de vida e o

bem-estar das populações humanas, e tem como objetivos básicos proteger a diversidade

biológica, disciplinar o processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso dos

recursos naturais.

7.5.4.3 Unidades de Conservação de Proteção Integral: tipologia

No bloco da Terra do Meio existem três tipos de UCs de Proteção Integral: Reservas

Biológicas (Rebio), Estações Ecológicas (Esec) e Parques Nacionais (Parna).

As Reservas Biológicas tem como objetivo a preservação integral da biota e demais

atributos naturais existentes em seus limites, sem interferência humana direta ou

modificações ambientais, excetuando-se as medidas de recuperação de seus

ecossistemas alterados e as ações de manejo necessárias para recuperar e preservar o

equilíbrio natural, a diversidade biológica e os processos ecológicos naturais.

195

Page 196: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

As Estações Ecológicas tem como objetivo a preservação da natureza e a realização de

pesquisas científicas, e a visitação pública só é permitida com objetivos educacionais, de

acordo com o Plano de Manejo da unidade ou regulamento específico.

Os Parques Nacionais tem como objetivo básico a preservação de ecossistemas naturais

de grande relevância ecológica e beleza cênica, possibilitando a realização de pesquisas

científicas e o desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, de

recreação em contato com a natureza e de turismo ecológico.

Por representar a face norte desse mosaico de áreas protegidas e, portanto, sofrer forte

pressão das áreas polarizadas por Altamira e São Félix do Xingu, o bloco de TIs é uma

espécie de “zona de amortecimento” do mosaico, ocupando, assim, uma posição

estratégica do ponto de vista da conservação ambiental da bacia do Xingu. Do mesmo

modo, devido a sua localização intermediária entre a BR-163 e a calha do Xingu, as UCs

da Terra do Meio, caso sejam consolidadas na prática, podem representar uma “zona de

amortecimento” para o bloco de TIs do Médio Xingu (principalmente para as TIs Kararaô e

Araweté/Igarapé Ipixuna). Nesse sentido, cabe destacar, devido à sua localização em

relação às TIs do Médio Xingu, a presença das seguintes UCs (todas de administração

Federal):

(i) Estação Ecológica da Terra do Meio - compreende parte da margem direita do rio Iriri

oposta à TI Cachoeira Seca e faz fronteira com a parte sul da TI Kararaô;

(ii) Parque Nacional da Serra do Pardo - tem seu limite leste estabelecido pela margem

esquerda do rio Xingu, oposta a TI Apyterewa;

(iii) Reserva Extrativista do rio Xingu - localizada entre a EE da Terra do Meio e a margem

esquerda do rio Xingu, oposta à TI Araweté/Igarapé Ipixuna;

(iv) Reserva Extrativista rio Iriri - localizada entre a ESEC da Terra do Meio e a margem

direita do rio Iriri, oposta à Ti Cachoeira Seca; e

(v) Reserva Extrativista Riozinho do Afrísio - limita a TI Cachoeira Seca ao sul.

196

Page 197: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

No que tange à gestão das UCs recém-criadas na Terra do Meio, a Portaria n. 28 do

Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, de 17/12/2007, estabeleceu a

gestão integrada das UCs na área de influência da rodovia Cuiabá-Santarém (BR-163).

Nesse caso, a Portaria determinou que a gestão integrada seria instrumentalizada por

meio da criação de três bases operacionais, em Altamira, Itaituba e Novo Progresso. A

base de Altamira está encarregada pela gestão das seguintes UCs: ESEC Terra do Meio,

PARNA da Serra do Pardo, RESEX Riozinho do Afrísio e RESEX do Iriri. A base de Novo

Progresso, por sua vez, está encarregada pela gestão, entre outras, da FLONA de

Altamira. A base de Itaituba está responsável pela gestão de UCs situadas fora da bacia

do Xingu.

Finalmente, uma questão de extrema importância refere-se à presença de populações

humanas no interior de UCs. Por um lado, a Lei do SNUC deixa claro que as UCs de Uso

Sustentável podem admitir a presença de populações tradicionais em seu interior, desde

que a ocupação da área pela população tradicional em questão seja anterior a criação da

UC. Ou seja, as UCs não podem receber populações humanas, tradicionais ou não,

provenientes de outras áreas. Por outro lado, entretanto, a Tipologia de Assentamentos de

Reforma Agrária do INCRA87 inclui UCs de Uso Sustentável como as RESEXs e as

FLONAs. Nesse caso, as populações dessas UCs poderiam ser beneficiadas pelos

programas destinados às famílias assentadas, como o Programa Nacional da Agricultura

Familiar (PRONAF). Não está claro na Lei do SNUC, no entanto, se as áreas ocupadas

pelas UCs de Uso Sustentável poderiam ser utilizadas para o assentamento de famílias

de agricultores sem-terra provenientes de outras áreas.

O Mapa do Mosaico das áreas protegidas da Bacia do Rio Xingu (vide Anexo 3) apresenta

as Unidades de Conservação e Terras Indígenas do vale do Xingu.

87 Ver o Diagnóstico da AII do EIA – vol. 09 – seção 7.6.9.2.4 – “Projetos de Assentamento”.

197

Page 198: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

7.5.5 REDE HÍDRICA

A área em estudo está situada no médio curso do rio Xingu. Esse trecho do rio apresenta

canais predominantemente em rocha, com diversos pedrais e cachoeiras. Uma cachoeira

que merece especial destaque é a denominada Furo da Boa Esperança. Esta cachoeira,

localizada aproximadamente a 45 km a jusante da foz do rio Iriri, limita o fim do

reservatório da AHE Belo Monte.

A bacia do rio Xingu situa-se na porção leste da bacia Amazônica. Essa bacia pode ser

subdividida em 10 sub-bacias, quais sejam: Iriri, Curuá, Bacajá, Fresco, Comendador

Fontoura, Ronuro, Culuente, Van Den Steined, Curisevo, Suiá-Miçu e Manissau-Miçú.

As Terras Indígenas Cachoeira Seca, Arara e Kararaô estão parcialmente inseridas na

sub-bacia do Iriri. As TIs Koatinemo e Apyterewa estão integralmente localizadas no curso

principal do rio Xingu. A TI Araweté/Igarapé Ipixuna apresenta seu território

majoritariamente situado no curso principal do Xingu, porém algumas nascentes da bacia

do rio Bacajá situam-se na porção leste de seu território, com destaque para o rio Igarapé

do Lontra. Dessa forma, os dados levantados compreendem apenas a sub-bacia do rio

Iriri, além do curso principal do rio Xingu.

Os principais cursos d'água que atravessam a região do empreendimento e as Terras

Indígenas estão demonstrados no Mapa da Rede Hidrográfica associada às Terras

Indígenas – vide Anexo 4).

De maneira geral, a bacia do rio Xingu apresenta um regime pluviométrico caracterizado

por uma estação chuvosa e uma estação seca. Apresenta uma defasagem entre as

vazões das cabeceiras e do trecho baixo da bacia no que se relaciona ao regime de

chuvas. Das cabeceiras até a parte média alta da bacia, o período chuvoso compreende

os meses de dezembro a março. Do trecho médio até o baixo curso, o período chuvoso

vai de janeiro a maio.

198

Page 199: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

O rio Xingu caracteriza-se por variações significativas de volume escoado, entre as

épocas de cheia e estiagem, com regime fluvial fortemente marcado pela sazonalidade.

As descargas mínimas são da ordem de 10% da vazão média, enquanto as cheias

chegam a atingir valores quatro vezes superiores a essa média.

Visando caracterizar as vazões no trecho da bacia do rio Xingu em análise, foram

levantados os dados de vazão na série histórica de algumas estações fluviométricas na

Agência Nacional de Águas – ANA – Hidroweb. São apresentadas algumas informações a

respeito dessas estações na tabela 27.

Tabela 27. – Dados das Estações Fluviométricas levantadas.

As estações Pedra do Ó, Laranjeiras, Boa Sorte e Boa Esperança forneceram dados

sobre a vazão no médio curso do rio Xingu, e o levantamento de dados na estação de

Altamira serviu como referência para análise.

De acordo com os dados levantados, as vazões na bacia do rio Xingu tendem a aumentar

em direção ao norte. As maiores vazões observadas estão localizadas no rio Xingu, a

jusante da foz do rio Iriri. A figura 2 apresenta a comparação entre as vazões médias

observadas nas cinco Estações ao longo de um ano.

Código Posto Rio Área de Drenagem Período de Dados18850000 Altamira Xingu 446203 Jan/71 a Mar/0718700000 Pedra do Ó Iriri 123827 Set/76 a Abr/0718600000 Laranjeiras Iriri 60058 Jan/76 a Abr/0718460000 Boa Sorte Xingu 206863 Fev/77 a Fev/0718500000 Boa Esperança Fresco 43030 Jan/76 a Fev/07

199

Page 200: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Vazões Médias em cinco pontos de amostragem na Bacia do rio Xingu

0

5000

10000

15000

20000

25000

Jane

iro

Fever

eiro

Mar

çoAbr

il

Maio

Junh

oJu

lho

Agosto

Setem

bro

Outub

ro

Novem

bro

Dezem

bro

Vaz

ões

(m

3/s) Fresco Boa Esperança

Iriri Laranjeiras

Iriri Pedra do Ó

Xingu Boa Sorte

Xingu Altamira

Figura 2 – Gráfico demonstrando as vazões médias nas estações fluviométricas analisadas. Fonte:

ANA – Hidroweb.

De acordo com os dados do gráfico, os meses de maior vazão vão de Fevereiro à Junho,

quando a diferença de vazão registrada entre o rio Xingu na estação Altamira, a jusante

da foz do rio Iriri, e o rio Xingu na Estação Boa Sorte, na altura de São Feliz do Xingu,

chega a quase 13.000 m3/s. No entanto, no período de estiagem, as vazões aparecem

muito mais próximas.

7.5.6 CARACTERIZAÇÃO FÍSICA E DINÂMICA SUPERFICIAL

Na região ocorrem duas unidades de relevo: a Depressão da Amazônia Meridional, que

apresenta terrenos classificados como Colinas e Rampas sedimentares, e a unidade

Planaltos Residuais do Sul da Amazônia, com terrenos que podem ser agrupados em

duas unidades: Morrotes, Morros e Serras Residuais e Morros e Serras Residuais

Tabulares.

Os terrenos Colinas e Rampas sedimentares são suavemente ondulados, predominando

formas colinosas de baixa amplitude, que se associam a rampas sedimentares formadas

no sopé dos relevos residuais. Esses terrenos são sustentados por rochas ígneas e

metamórficas de diferentes composições, mas que foram igualmente arrasadas pelos

200

Page 201: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

processos de aplanamento. Os solos nessa região são profundos e com boas

características físicas.

Os Morrotes, Morros e Serras Residuais são terrenos constituídos por morrotes residuais

isolados, com topos convexos que podem formar agrupamentos, até grandes conjuntos de

morros com topos convexos estreitos muito dissecados, vales encaixados e encostas com

alta inclinação, formando serras tais como: do rio Iriri, dos Gradaus, do Gorotire, da

Fortaleza, dos Carajás, do Bacajá e do Cerrado, entre outras.

Os Morros e Serras Residuais Tabulares são terrenos fortemente ondulados, que

apresentam topos aplanados circundados por escarpas íngremes, podendo em alguns

casos apresentar topos tabulares circundados por morros fortemente dissecados, como

no caso das serras de Murure, da Casa de Pedra, da Seringa, do Pardo, dos

Cubencranquem e da Chapada do Cachimbo. Em geral, apresentam solos rasos.

Na bacia do rio Xingu encontra-se ainda terrenos relacionados às Planícies Fluviais deste

rio e de seus afluentes. Esses relevos acumulativos associados aos principais rios da

bacia hidrográfica do rio Xingu constituem um tipo de terreno específico, que intercepta os

demais tipos de terreno, caracterizando-se pelo predomínio de feições de sedimentação

associadas aos processos de erosão e de deposição fluvial.

A área em estudo apresenta uma sazonalidade climática que leva a um período de maior

atividade morfogenética durante o período chuvoso, quando a remoção de detritos e a

carga de material em suspensão é mais significativa, e um período de menor atividade,

associado à época seca, em relação à erosão e ao transporte fluvial.

A atividade morfogenética na região favorece a ocorrência de processos erosivos

associados ao escoamento das águas pluviais e fluviais em determinadas unidades de

relevo. Para a área em análise, deve-se destacar esse processo nos relevos mais suaves

da Depressão da Amazônia Meridional.

Os terrenos mais enérgicos da região são representados pelos Morrotes, Morros e Serras

residuais e Morros e Serras residuais tabulares e, também, pelas escarpas associadas a

esses tipos de relevo, que se caracterizam por apresentar amplitudes médias e altas,

201

Page 202: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

associadas às encostas íngremes, que formam vales encaixados e muito encaixados,

erosivos, com talvegues entalhados com canais em rocha e blocos, e escoamento

torrencial nas vertentes e canais fluviais.

Destaca-se que a dinâmica superficial dos relevos que caracterizam a região é conduzida

basicamente pela ação fluvial, que entalha e transporta os sedimentos produzidos para o

rio Xingu, porém numa situação de equilíbrio, onde os canais estão ajustados às

declividades das encostas, não se observando processos erosivos intensos.

7.5.7 CARACTERIZAÇÃO DA VEGETAÇÃO NAS TERRAS INDÍGENAS E INDUÇÃO AO DESMATAMENTO

A região do médio Xingu apresenta basicamente duas unidades ecológicas: o interflúvio

Xingu/Tapajós, situado à margem esquerda do rio Xingu e caracterizado principalmente

pela ocorrência de formações da Floresta Ombrófila Densa e da Floresta Ombrófila

Aberta; e, o interflúvio Xingu/Tocantins, situado à margem direita do rio Xingu e

caracterizado pela ocorrência de Floresta Ombrófila, enclaves de savana e transições

entre essas formações (ELETROBRÁS, 2007).

A cobertura vegetal da bacia do rio Xingu como um todo é composta pelas seguintes

tipologias: Campinarana, Floresta Estacional. Floresta Ombrófila Aberta Submontana,

Floresta Ombrófila Densa Aluvial, Floresta Ombrófila Densa Submontana, Floresta

Ombrófila Densa de Terras Baixas, Savana Parque e Gramínio-Lenhosa, Savana

Arborizada, Savana Florestada, Formações Pioneiras, Vegetação Secundária, Contato

Campinarana e Floresta Ombrófila, Contato Savana e Floresta Ombrófila, Contato

Floresta Ombrófila e Floresta Estacional.

Especificamente no trecho do médio Xingu, nas áreas das TIs em análise, ocorrem a

Floresta Ombrófila Densa Submontana (TIs Kararaô, Arara e parte de Cachoeira Seca) e

Floresta Ombrófila Aberta Submontana (TIs Koatinemo, Araweté/Igarapé Ipixuna e

Apyterewa), de acordo com o sistema oficial do Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística - IBGE (Veloso et. al., 1991; IBGE, 1997). Florestas Ombrófilas Aluviais

ocorrem na região, mas não podem ser observadas nessa escala de trabalho no médio

curso do rio Xingu.

202

Page 203: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

A ocorrência da Floresta Ombrófila Densa está ligada ao clima tropical quente e úmido,

sem período biologicamente seco, com chuvas bem distribuídas durante o ano. É

caracterizado por árvores de grande porte, além de lianas e epífitas em abundância. Já a

Floresta Ombrófila Aberta ocorre em áreas com gradiente climático variando entre dois a

quatro meses secos. Apresenta árvores mais espaçadas e estrato arbustivo menos denso

que a Floresta Ombrófila Densa (IBAMA, 2004).

Na região podem ser encontradas palmeiras como o juari (Astrocaryum jauari), açaí

(Euterpe oleracea) e caranã (Mauritiella armata), árvores como o tarumã (Vitex triflora),

ipê da várzea (Tabebuia barbata), xixuá (Maytenus sp.), ipê (Macrolobium acaciaefolium),

açacu (Hura crepitans), a piranheira (Piranhea trifoliolata), a abiurana da várzea (Pouteria

glomerata) e acapurana (Campsiandra laurifolia), notadamente na Floresta Ombrófila

Densa Aluvial.

Já nas áreas de Floresta Ombrófila Aberta, podem ser encontradas espécies como

castanheira-do-Pará (Bertholletia excelsa), melancieira (Alexa grandiflora), pau de remo

(Chimarrhis turbinata), cacau do mato (Theobroma speciosum), ipês amarelo e roxo

(Tabebuia serratifolia e T. impetiginosa), acapu (Vouacapoua americana), muiracatiaras

(Astronium gracile e A. lecointei), geniparana (Gustavia augusta), tatajuba (Bagassa

guianensis), dentre outras.

Desflorestamento

De acordo com dados do Instituto de Pesquisas Espaciais – INPE disponibilizados através

do projeto PRODES, de 1988 a 2008 o desflorestamento no Estado do Pará somou

56.590 km2. No entanto, a variação anual no desmatamento vem apresentando queda

desde 2005.

No trecho do curso médio do rio Xingu, apesar do grande número de áreas protegidas,

existe uma significativa pressão sobre os recursos florestais, traduzida na forma de áreas

desmatadas. Conforme pode ser observado nos 4 boletins Transparência Florestal

produzidos pelo Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia – Imazon (Souza

Jr. & Veríssimo, 2007; Souza Jr. & Veríssimo, 2008), algumas das áreas que sofrem maior

203

Page 204: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

pressão para o desmatamento estão localizadas no entorno das Terras Indígenas aqui

analisadas.

Um fator importante para o desmatamento na região da Terra do Meio é a presença uma

das últimas grandes reservas de mogno (Swietenia macrophylla), especialmente em

Terras Indígenas. Grogan et. al. (2002) resume o histórico da exploração do mogno no

Pará do seguinte modo:

“Durante os anos 1980, as regiões ricas em mogno situadas no sul do Pará e norte de

Mato Grosso foram intensamente exploradas. Essa exploração ocorreu principalmente em

terras devolutas e Terras Indígenas através de acordos ou simplesmente pela invasão das

áreas. Novas áreas ricas em mogno foram localizadas por exploradores através de

sobrevôos em pequenos aviões. As equipes de exploração deslocaram-se continuamente

para oeste numa frente ampla de norte a sul, cruzando o rio Xingu, e daí extraindo mogno

a oeste na região do rio Iriri. Depois disso, em anos recentes, as madeireiras migraram

para a região de Novo Progresso (oeste do Pará) ao longo da Santarém-Cuiabá e sudeste

do Amazonas. Enquanto isso, a extração continua ocorrendo na região da Terra do Meio,

situada entre os rios Iriri e Xingu, na medida em que os madeireiros retornam para extrair

os estoques remanescentes - em muitos casos árvores com diâmetro menor do que 45

cm.”

São Félix do Xingu, município localizado ao sul da TI Apyterewa, é palco de um grande

número de conflitos, possui uma das mais elevadas taxas de desflorestamento anual e

apresentou um aumento do rebanho bovino em 780% em apenas sete anos (1997-2004).

O processo de desmatamento da região leva, direta ou indiretamente, à implantação de

pastagens para a formação de fazendas, principalmente, de gado de corte (Escada et. al.,

2005).

A operação “boi-pirata”, que teve ampla repercussão na mídia, realizada entre Junho e

Julho de 2008 na região da Terra do Meio, e que resultou na apreensão de cerca de 3.500

cabeças de gado somente em área da Estação Ecológica da Terra do Meio.

A figura a seguir apresenta uma imagem das TIs no médio curso do rio Xingu e a

evolução do desmatamento no período de 2004 a 2007. Como pode ser observado nesta

204

Page 205: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

figura, nesse período foram identificados diversos focos de desflorestamento, inclusive em

Terras Indígenas.

As TIs que sofreram maior pressão para desmatamento foram justamente as localizadas

na borda do grande bloco em análise, a TI Apyterewa e a TI Cachoeira Seca do Iriri.

Na região, um fator importante no que se refere ao desmatamento é a presença de

grandes vias de acesso, como a Transamazônica (BR-230). De acordo com o EIA, “cerca

de 85% das queimadas ocorrem a menos de 25,0 km das estradas” e “é na faixa de

aproximadamente 100,0 km a partir destas que se concentra a maior parte das

derrubadas”. Essa ligação entre o desmatamento e a presença de estradas apresenta um

padrão semelhante ao de uma espinha de peixe, como pode ser observado na TI

Cachoeira Seca.

205

Page 206: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Figura 3 - Focos de desmatamento no período de 2004 a 2007. Fonte: Imazongeo.org.br. Dados do

desmatamento obtidos do PRODE – INPE.

Desmatamento 2004

Desmatamento 2005

Desmatamento 2006

Desmatamento 2007

206

Page 207: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

7.5.8 CARACTERIZAÇÃO DA FAUNA

Herpetofauna

Como já mencionado, a bacia do rio Xingu situa-se na porção leste da bacia Amazônica.

Cinco espécies de anuros (Rhynella castaneotica, Adelphobates castaneoticus, ª

galactonotus, Dendropsophus anataliasiasi e D. inframaculata), duas de cecílias

(Nectocaecilia ladigesi e Typhlonectes obesus) e sete espécies ou subespécies de

lagartos (Arthrosaura kockii, Cercosaura ocellata ocellata, Kentropyx calcarata, Leposoma

guianense, Neusticurus bicarinatus, Tretioscincus agilis e Uracentron azureum azureum)

são endêmicas da porção leste da Floresta Amazônica.

Para a bacia do rio Xingu foram levantadas 3 espécies de jacarés, 5 de quelônios, 3 de

anfisbenídeos, 45 de lagartos e 64 de serpentes. Para os anfíbios, a lista apresentada

possui 111 espécies, todas elas com ocorrência comprovada para a bacia do rio Xingu.

Observa-se que a literatura específica sobre a área de estudo é bastante escassa, tanto

para répteis quanto para anfíbios (EIA do Aproveitamento Hidrelétrico Belo Monte, 2007).

As cachoeiras de Belo Monte representam um divisor na distribuição das duas espécies

mais freqüentes de quelônios aquáticos do rio Xingu. A tartaruga-da-amazônia

(Podocnemis expansa) está praticamente concentrada nas praias a jusante da localidade

de Belo Monte, no trecho compreendido entre Vitória do Xingu e Senador José Porfírio

(tabuleiro de desova das tartarugas), enquanto que na área da Volta Grande, a montante

das cachoeiras, a espécie predominante é o tracajá (Podocnemis unifilis).

Com relação às espécies de répteis encontradas na região, os quelônios aquáticos

tartaruga-da-amazônia (Schizodon vitatum) e o tracajá (Podocnemis unifilis) e jacarés

como Caiman crocodilus e Melanosuchus niger sofrem grande pressão, seja pela apanha

de indivíduos, seja pela apanha de ovos, servindo inclusive como fonte alimentar paras os

índios da região.

207

Page 208: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Avifauna

O Médio Xingu, principalmente na porção acima da Cachoeira Grande (nas proximidades

da foz do rio Ambé e rio Tucuruí), inclui-se entre as regiões amazônicas menos

conhecidas do ponto de vista ornitológico. E, sobretudo, a região do Alto Xingu é uma das

várias áreas do “Arco do Desmatamento” da Amazônia Brasileira que, além de sujeita a

elevadas taxas de degradação ambiental, possui notória ausência de informações sobre

sua fauna e flora, carecendo, por conseqüência, de inventários biológicos urgentes.

De acordo com as informações levantadas e apresentadas no EIA do Aproveitamento

Hidrelétrico Belo Monte, foram registradas 769 espécies de aves de ocorrência confirmada

e de provável ocorrência para a bacia do rio Xingu. As espécies amostradas pertencem a

74 famílias, das quais 45 são de não passeriformes e 29 de passeriformes.

Mastofauna

De acordo com levantamento bibliográfico e com as informações apresentadas no EIA da

AHE Belo Monte, na região ocorrem 259 espécies de mamíferos, representando um total

de nove ordens: Didelphiomorpha (18 espécies), Xenarthra (14 espécies), Chiroptera (111

espécies), Primates (23 espécies), Carnivora (20 espécies), Perissodactyla (1 especie),

Artiodactyla (6 espécies), Rodentia (65 espécies) e Lagomorpha (1 espécie). Destas,

destaca-se a ocorrência dos primatas coatá-de-testa-branca (Ateles marginatus) e do

cuxiú-de-nariz-branco (Chiropotes albinasus), sendo o primeiro considerado vulnerável na

lista da World Conservation Union – IUCN.

Na Amazônia existem 5 espécies de mamíferos aquáticos pertencentes a 3 distintas

Ordens: Sirenia, com uma espécie, o peixe-boi da Amazônia (Trichechus inunguis); a

Ordem Cetacea, com 2 espécies de golfinhos, o boto-vermelho (Inia geoffrensis) e o boto-

tucuxi (Sotalia fluviatilis); e a Ordem Carnívora, com 2 espécies de mustelídeos aquáticos,

a ariranha (Pteronura brasiliensis) e a lontra (Lontra longicaudis).

208

Page 209: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

7.5.9 CARACTERIZAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO DA FAUNA AQUÁTICA

A diversidade de ambientes na bacia do rio Xingu condiciona a estrutura de sua ictiofauna,

pois em cada um deles há características ecológicas diferentes, com oferta diferenciada

de recursos, selecionando as espécies por características de sua biologia, particularmente

quanto aos aspectos alimentares e reprodutivos. Há espécies que completam todo o seu

ciclo de vida no canal principal do rio, outras que o fazem em lagoas marginais ou áreas

alagadas e ainda aquelas que exploram as áreas alagadas durante a enchente e

dependem do canal principal para migrações reprodutivas ou alimentares (Santos &

Ferreira, 1999, apud AHE Belo Monte – EIA/RIMA – Meio Biótico - Diagnóstico Ambiental

da AAR, 2008).

O rio Xingu apresenta uma grande diversidade de gêneros de peixes, somando cerca de

299 gêneros. A proporção relativa de espécies entre os Gêneros na ictiofauna do rio Xingu

indica maior riqueza para Moenkhausia (26), Crenichla (23), Leporinus (22),

Hyphessobrycon (14), Hemigramus (13), Astyanax (12), Cyphocharax (12), Bryconops

(11), Hemiodus (11), Serrasalmus (11) e Teleocichla (11). Juntos, esses 11 gêneros

dominantes (1,5% dos gêneros) englobam 22% das espécies da bacia. Outros 134

gêneros (17% dos gêneros) apresentam níveis intermediários de diversificação (entre 9 e

2 espécies cada) e abarcam 453 espécies (58% das espécies) da bacia.

As espécies de peixes do rio Xingu apresentam grande especialização de habitats e a

maioria dos peixes está associada a um habitat preferencial (60%), e pode ser

considerada “especialista de habitat”. Dessas espécies “especialistas”, quase 50%

utilizam remanso, conforme apresentado no EIA do AHE Belo Monte. O segundo habitat

preferencial dessas espécies são os igarapés.

De acordo com o levantamento feito por Isaac (2008), o trecho do Rio Xingu, que vai de

logo a montante foz do rio Iriri até a cachoeira Furo da Boa Esperança, apresenta

importância relativa em espécies de Characiformes significativamente mais que dos outros

grupos (>50%). Em seguida, aparecem os Siluriformes, com pouco mais de 30% das

espécies amostradas. O total de espécies de Perciformes, Gymnotiformes e outros grupos

soma menos de 20% das espécies amostradas.

209

Page 210: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Com relação ao deslocamento da ictiofauna no sistema formado pelo rio Xingu e seus

principais afluentes, após a amostragem de peixes em diferentes ambientes e trechos do

rio, Isaac conclui que as cachoeiras nesse trecho do rio não são até o momento uma

barreira eficiente para a ictiofauna como um todo; apesar de algumas espécies não

conseguirem se estabelecer ao longo de todo o rio, os deslocamentos entre a parte baixa

e a parte alta do rio são evidentes para boa parte da ictiofauna.

Dessa forma, exemplares adultos das espécies migradoras, como o curimatã, pacu e

outros, se deslocariam, por curtas distâncias, rio acima, na busca de locais de inundação

adequados para a desova e alimentação durante a cheia.

Os dados de pesca levantados por Isaac indicam que a região mais produtiva do médio-

baixo curso do rio Xingu é aquela no entorno da foz do rio Iriri.

Com relação à composição específica, destaca-se a produção de tucunaré (Cichla

melaniae), com 29% do total pescado, seguido por aracu (Schizodon vitatum) e pescada,

com 20% do total cada, diversas espécies de pacu, que representa 13% do total pescado,

e curimatã (Prochilodus nigricans), com 8%.

Esta grande diferenciação entre o ambiente do alto Xingu, caracterizado por clima e

vegetação típicos de cerrado, em relação ao baixo Xingu, com vegetação e climas

marcadamente amazônicos, função do gradiente altitudinal do rio Xingu, aliado à

existência de grande número de cachoeiras, corredeiras e acidentes fluviais, que

constituem barreiras geográficas para diferentes espécies de peixes, são fatores

importantes que favorecem a diversificação da fauna íctica.

Nesta questão de diferenciação da ictiofauna é importante ressaltar a presença, na

interface do alto e médio cursos, da cachoeira de von Martius como um importante

controle hidráulico para as rotas migratórias, e na diferenciação da ictiofauna do alto e

baixo curso do rio Xingu.

210

Page 211: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Segundo CAMARGO et al. (2004), apud Atualização do Inventário Hidrelétrico da Bacia do

rio Xingu – Consolidação dos Estudos Realizados, 2007, as cabeceiras do Xingu são

caracterizadas por um número relativamente grande de espécies consideradas endêmicas

de pequeno porte. Já a região encachoeirada da Volta Grande funciona como barreira

para os grandes migradores da calha do rio Amazonas que se deslocam para o rio Xingu,

configurando um obstáculo intransponível à dispersão de muitas espécies.

Em termos conclusivos, pode-se afirmar que, em linhas gerais, são detectados dois

grandes compartimentos em relação à composição de espécies da ictiofauna, sendo a

cachoeira de Von Martius o grande divisor, que separa o Alto Xingu e o Médio Xingu.

7.5.10 INTERFERÊNCIAS NA QUALIDADE DA ÁGUA NA ÁREA DE ABRANGÊNCIA REGIONAL

Foi retirado do Prognóstico Temático Meio Físico Biótico, na área de interferência direta

(AID) as seguintes avaliações relevantes:

“As alterações ambientais com desmatamento, fragmentação de hábitats e modificação

das comunidades ecológicas naturais têm ocorrido de maneira marcante nas duas últimas

décadas na região." Com base na análise dessas transformações atuais, é possível

destacar alguns aspectos que tendem ao crescimento, dado as deficiências no sistema de

fiscalização e controle da região. Em termos gerais, destacam-se os seguintes aspectos,

que poderão vir a aumentar a pressão sobre os ambientes naturais da região:

Tendência acelerada de desmatamentos, principalmente para implantação de pastos para

a pecuária, além de alterações dos ambientes florestais naturais pela exploração de

madeira, com perda e modificação de hábitats naturais e conseqüente perda de

biodiversidade.

Aumento do processo de fragmentação da cobertura de floresta ombrófila antes contínua,

com isolamento de populações de plantas e animais, e suas seqüelas ecológicas e

desafios para conservação, como a redução potencial da dispersão associada à

incapacidade de muitos animais em transpassar as áreas fortemente antropizadas entre

211

Page 212: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

os remanescentes florestais. O processo de fragmentação da cobertura vegetal traz as

seguintes conseqüências:

- Perda de elos importantes da cadeia trófica, p.ex.: a extinção local de um carnívoro pode

causar a sua substituição por outros carnívoros ou potencializar a sobre exploração de

outros recursos.

- Efeitos deletérios de borda, quando as condições do interior da floresta se tornam mais

secas e quentes em função da abertura de bordas, estradas e clareiras, o que certamente

provoca a morte e afugentamento de espécies ombrófila.

- Pressão da caça e de outros processos de extrativismo não sustentável, com perda local

de populações e alteração de comunidades ecológicas.

- Invasão de espécies exóticas: a invasão de espécies adaptadas as áreas alteradas ou

degradadas competem com as espécies nativas.

No caso da qualidade da água e das características limnológicas podem ser listados as

seguintes tendências dentro de um horizonte de curto e médio prazo:

a) O sistema aquático do rio Xingu e de seus tributários na área de influência do

empreendimento contam com nível relativamente baixo de impacto presente na qualidade

da água, a não ser em alguns pontos mais afetados pelas atividades agropecuárias e

desmatamentos, onde foram detectados maiores concentrações de nutrientes,

principalmente, as formas nitrogenadas. Esses impactos presentes são atenuados pela

alta vazão do rio. Apesar disso, há indicadores de qualidade de água que apontam para o

uso não sustentável do solo, tais como elementos que apresentam mais altas

concentrações de material em suspensão (nitrato, amônia, cloreto e ferro).

Foi constatado que a principal fonte desses elementos são os solos da região, carreados

para o sistema hídrico, quando é retirada a cobertura vegetal.

212

Page 213: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

b) As áreas mais afetadas em termos de concentração de metais e de nutrientes são as

que se encontram próximas aos locais urbanizados, como em Altamira, Ressaca e outros.

O crescimento da população nesses locais poderá causar o aumento desses elementos.

c) As plantas macrófitas aquáticas têm maior número de espécies nas proximidades de

Altamira, com maior biomassa na estação de cheia, sendo que a proliferação dessas

plantas também poderá aumentar com o crescimento da população e incremento de

matéria orgânica nos cursos de água.

d) A tendência natural é a de que a qualidade da água e os atributos limnológicos

continuem a sofrer modificações, particularmente em locais próximos às concentrações

humanas e aos locais de atividades relacionadas à pecuária, agricultura e mineração.

Foi aplicado o Índice de Estado Trófico nos pontos onde foi avaliada a qualidade da água,

portanto nos pontos localizados na Área de Influência Direta (AID).

A cidade de Altamira se encontra, aproximadamente, na metade do reservatório que se

formará com a construção do AHE Belo Monte. Esta cidade se desenvolveu entre os três

igarapés que deságuam no rio Xingu, denominados, de montante para jusante, de

Panelas, Altamira e Ambé.

Estas áreas caracterizam-se por apresentar ambientes sedimentares recentes referentes

às planícies de inundação e descargas do material erodido das encostas. Os baixos

cursos desses igarapés desenvolvem-se na planície fluvial do rio Xingu sobre terrenos

planos constituídos por argilas e siltes, ricos em matéria orgânica que são anualmente

inundados no período chuvoso.

As inundações dos igarapés podem ocorrer por influência direta do rio Xingu, sem que

haja ocorrência de cheia nos igarapés, ocorrência de precipitação crítica nas bacias

hidrográficas dos igarapés ou ainda pela ocorrência simultânea de chuvas moderadas a

intensas nas bacias e cheias de maior magnitude no Xingu.

213

Page 214: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

O Diagnóstico da Qualidade da Água do EIA Volume 14, aponta que:

“ - Os resultados das análises da qualidade da água permitiram concluir que a água do

aqüífero superficial constituído pelo aluvião na região de Altamira encontra-se

contaminada. O lançamento de efluentes domésticos nos igarapés, a existência de fossas

e a disposição de lixo de forma inadequada são os agentes poluidores mais significativos,

dadas as elevadas concentrações de DBO, de DQO e de coliformes.”

E que:

“- O lixão de Altamira está implantado em região de topografia elevada, onde ocorrem

Diabásio Penatecaua e seus produtos de alteração. Como os solos residuais de diabásio

são caracterizados por permeabilidades baixas, avalia-se que a migração de

contaminantes a partir dessa fonte de contaminação para aqüíferos subjacentes é

dificultada. Entretanto, a jusante do lixão existe drenagem que permite o escoamento

superficial do chorume do lixão para o igarapé Altamira”.

Sabe-se que a presença de um lixão, que é uma área de disposição final de resíduos

sólidos sem nenhuma preparação anterior do solo, não tendo nenhum sistema de

tratamento de efluentes líquidos, gera alta carga poluidora. O chorume possui carga

orgânica até 200 vezes superior a carga orgânica do esgoto, e desta forma , vai acelerar o

processo de eutrofização.

214

Page 215: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Lixão de Altamira - Foto Fabio Ribeiro março 2009

O chorume penetra pela terra levando substancias contaminantes como metais pesados

para o solo, para o lençol freático, os rios e reservatórios. Mesmo sendo desativada, esta

área poderá gerar chorume por até 20 anos.

Chorume produzido no lixão de Altamira- Foto Fábio Ribeiro março 2009

215

Page 216: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

7.5.11 RESULTADOS QUANTO AO GRAU DE EUTROFIZAÇÃO

O grau de eutrofização de um corpo hídrico é considerado um importante indicador

hidrobiológico. De acordo com Golterman (1975 apud Toledo et al., 1983) deve-se fazer

uma clara distinção no processo de eutrofização, entre o aumento do suprimento de

nutrientes (causa) e o resultante aumento do crescimento fitoplanctônico (efeito). No caso

do Índice de Estado Trófico (IET) modificado por Lamparelli (2004), aplicado neste

relatório, das duas variáveis relacionadas com o processo de eutrofização, o fósforo total

está relacionado com a causa e a clorofila a com o efeito. Deste modo, esta última

variável também tem sido utilizada para a avaliação da qualidade das águas dos rios e

dos reservatórios.

Os pontos da tabela onde foram calculados o Índice de Estado Trófico - IET, estão na

Área de Influência Direta, mas contempla o rio Xingu após a confluência com o rio Iriri, na

área da TI Koatinemo. O rio Iriri, esta incluído nos tributários da calha do Xingu, na área

que compreende a TI Arara. Desta forma:

- Os pontos da Calha do rio Xingu são os pontos no rio Xingu, desde a montante da

confluência com o rio Iriri até próxima a futura barragem.

- Os pontos de Tributários da Calha do Xingu são formados pelo afluente do Xingu,

incluindo o rio Iriri e os Igarapés até a barragem.

- Os pontos que compõem Volta Grande do Xingu, estão na área de vazão reduzida.

- Os pontos Tributários de Volta Grande do Xingu, estão próximos a área de vazão

reduzida.

- Os pontos a jusante da casa de força estão localizados no rio Xingu.

216

Page 217: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

min max min max min max min max min max min max

IET FT 2001 10 19 16 24 14 21 21 24 14 17 17 22

IET FT 2007/2008 11 17 7 20 10 17 12 20 11 18 10 18

IET CL 2007/2008 30 66 22 65 26 65 28 69 30 64 40 64

Jusante da Casa

de Força

Tributários ajusante da Casa de Força

ÍNDICE DE ESTADO

TRÓFICO

Calha do rio

Xingu

Tributários da Calha do rio Xingu

Volta GrandeTributários da

Volta Grande

ESTADO TRÓFICO:

HIPEREUTRÓFICO SUPEREUTRÓFICO EUTRÓFICO

MESOTRÓFICO OLIGOTRÓFICO ULTRAOLIGOTRÓFICO

Para o calculo do ITE FT foram utilizados os dados brutos de fósforo total de mínimo e

máximo de 2001, e os dados brutos de fósforo total e clorofila a, de mínimo e máximo, de

2007 e 2008. Os valores encontrados em 2001 indicaram estado permanentemente

ultraoligotrófico,com carga extremamente baixa, calculado somente com os valores de

fósforo total.

O IET FT calculado para os anos de 2007/2008 também indicou ambiente ultraoligotrófico,

portanto na coluna de água a carga de fósforo total é bem baixa.

O valor baixo da carga de fósforo total na água pode estar relacionada a dois fatores: a

vazão alta e a precipitação do chorume, por ser mais denso que a água.

Os valores de clorofila a referentes ao ano de 2007/2008 em todas as máximas indicaram

ambiente eutrofizado, sendo que no tributário da Volta Grande indicou estado

hipereutrófico, portanto, alto desenvolvimento da comunidade fitoplanctônica.

217

Page 218: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

A eutrofização é a fertilização excessiva, permanente e contínua de um corpo d’água,

podendo resultar no aumento do número de organismos aquáticos e conseqüentemente

aumento da freqüência de problemas ecológicos e sanitários. A aceleração da

eutrofização é causada pela crescente introdução de nutrientes minerais proveniente de

esgotos das cidades, resíduos ou ainda fertilizantes agrícolas.

7.6 IMPACTOS AMBIENTAIS NAS 6 TIs E PROPOSIÇÃO DE MEDIDAS MITIGADORAS

Neste item serão abordados aspectos e atividades relacionadas à implantação e operação

do AHE Belo Monte, que podem vir a impactar as Terras Indígenas Cachoeira Seca,

Arara, Kararaô, Koatinemo, Araweté e Apyterewa.

7.6.1 IMPACTOS PARA O TRANSPORTE E ACESSIBILIDADE ÀS TERRAS INDÍGENAS ESTUDADAS

Como resultado do barramento do rio Xingu no sítio Pimental, será formado um

reservatório que se estenderá desde o eixo da barragem até a cachoeira Furo da Boa

Esperança, chamado reservatório do Xingu. Dessa forma, são esperados impactos diretos

do barramento nesse trecho. As figuras 4, 5 e 6 demonstram as cotas a partir do Furo da

Boa Esperança até o eixo da barragem, naturais e com a presença do reservatório para a

vazão mínima média anual, média de longo termo e cheia anual. Os dados para

elaboração da figura foram extraídos do capítulo 6 do EIA – Áreas de Influência.

218

Page 219: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Figura 4 – Variação das cotas para uma vazão de 1017 m3/s.

Figura 5 – Variação das cotas para uma vazão de 7745 m3/s.

0 12551 21633 29721 31305 40842 52317 61482 74144 76335 79440

75

80

85

90

95

100

Variação das cotas pela implantação do Reservatório na vazão mínima média anual

natural

com reservatório

Distância (m)

cota

(m

)

0 12551 21633 29721 31305 40842 52317 61482 74144 76335 79440

75

80

85

90

95

100

105

Variação das cotas pela inundação do Reservatório na vazão média de longo termo

natural

com reservatório

distância (m)

cota

(m

)

219

Page 220: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Figura 6 – Variação das cotas para uma vazão de 23.414 m3/s.

Como pode ser observado nas figuras, a diferença de cotas entre a situação natural e a

situação com a presença do reservatório é inversamente proporcional à vazão e é tanto

maior quanto mais próximo do eixo da barragem.

Mesmo quando consideramos a vazão mínima média anual, a diferença de cotas entre a

situação natural e com reservatório na altura da cachoeira Furo da Boa Esperança é de

pouco mais de 1 metro.

Considerando que a cachoeira está na cota 104 m, e que considerando a vazão média de

longo termo já não há influência do reservatório na variação de cotas na altura da

cachoeira, não é esperado que a montante dela haja qualquer variação no nível do rio

devido à presença do reservatório. Além disso, deve-se considerar que, conceitualmente,

quanto maior a vazão, mais o limite do reservatório desloca-se para jusante. Dessa forma,

não são esperadas alterações diretas nos rios associados às Terras Indígenas devido à

formação deste reservatório.

No entanto, apesar de não serem esperadas alterações nos rios diretamente associados

às TIs, ou nos trechos do rio Xingu a elas associados, deve ser considerado o impacto

0 12551 21633 29721 31305 40842 52317 61482 74144 76335 79440

80

85

90

95

100

105

Variação das cotas pela inundação do Reservatório na vazão cheia média anual

natural

com reservatório

Distância (m)

cota

(m

)

220

Page 221: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

sobre a acessibilidade às TIs que a presença do reservatório irá causar, e suas

conseqüências para as mesmas.

O rio Xingu apresenta no trecho que vai da foz do rio Iriri até a cidade de Altamira uma

grande quantidade de pedrais, corredeiras, furos e ilhas. Esses obstáculos tornam a

viagem por rio até Altamira significativamente mais longa no período seco(Setembro a

Novembro) em relação aos períodos de maior vazão.

Com o enchimento do reservatório, muitos dos obstáculos naturais presentes no rio irão

desaparecer, permanecendo submersos durante todo o ano, especialmente nos trechos

mais próximos à Altamira e a jusante da cidade, similarmente ao que ocorre em períodos

chuvosos. Assim, pode-se considerar que o transporte fluvial entre as TIs e Altamira

através do rio Xingu seja facilitado pela presença do reservatório, a jusante do Furo da

Boa Esperança.

Para identificar o quão facilitado será esse transporte, cabe levantar alguns dados a

respeito da relação espacial entre as TIs, a cidade de Altamira e o empreendimento como

um todo:

O reservatório terá uma extensão total na cota 97,0 m igual à cerca de 84 km;

A cidade de Altamira está localizada a cerca de 40 km a montante do barramento;

A cachoeira Furo da Boa Esperança dista cerca de 44 km da cidade de Altamira;

A foz do rio Iriri dista cerca de 45 km do Furo da Boa Esperança; e,

A menor distância entre o Furo da Boa Esperança e a Terra Indígena Koatinemo – das TIs

em análise a mais próxima do reservatório – é de cerca de 20 km.

O Desenho do Anexo 10 – Remanso no Reservatório, extraído do volume 19 do EIA da

AHE Belo Monte, indica as ilhas que serão alagadas de acordo com a vazão no rio Xingu

e o limite do reservatório de acordo com a vazão. A partir da análise da figura e dos dados

acima expostos, percebe-se que o transporte por via fluvial será facilitado, especialmente

no período de menores vazões e apenas no reservatório. Não são esperadas alterações a

montante do Furo da Boa Esperança.

221

Page 222: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Tendo em vista que as alterações na navegabilidade estarão restritas ao reservatório, as

TIs que sentirão mais diretamente esse impacto serão aquelas localizadas mais a jusante

na bacia do rio Xingu, quais sejam: Arara, Kararaô e Koatinemo.

Este pode ser considerado um impacto negativo para estes grupos indígenas, quando se

considera que o acesso através da navegação por não índios às TIs será parcialmente

facilitado. É um impacto direto da implantação do empreendimento, irreversível, pois

deverá perdurar enquanto o reservatório existir, e localizado.

Ações Ambientais e Medidas Mitigadoras Propostas

As ações relacionadas à mitigação dos impactos da facilitação do acesso de não índios às

Terras Indígenas por via fluvial estão relacionadas à fiscalização do tráfego de barcos

nessas áreas, especialmente no trecho do rio Xingu onde se localiza a TI Koatinemo e na

foz do rio Iriri.

7.6.2 IMPACTOS SOBRE A ICTIOFAUNA E ATIVIDADES DE SUBSISTÊNCIA

A alteração do trecho do rio Xingu de ambiente lótico para lêntico com a formação do

reservatório, pode trazer algumas conseqüências para a comunidade íctica do trecho do

médio Xingu. Essa mudança no regime do rio irá ocasionar alterações na qualidade da

água, que por sí só podem trazer conseqüências para a ictiofauna.

A perda de habitats-chave pelo alagamento de ilhas, corredeiras e pedrais podem trazer

conseqüências negativas para a comunidade de peixes. No entanto, é importante

ressaltar que muitas das ilhas na parte superior do reservatório continuarão emersas,

mesmo após o fechamento da barragem. Além disso, a perda de habitats-chave é restrita

à área diretamente afetada, de modo que este impacto não é esperado a montante do

reservatório.

Ainda, a interrupção de rotas de migração, pela própria natureza do empreendimento,

poderá trazer alterações nas comunidades icticas.

222

Page 223: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Isaac (2008) levantou para o curso médio-baixo do rio Xingu um total de 357 espécies de

peixes, das quais ao menos 22 foram confirmadas como espécies migradoras. A maior

parte das espécies que ocorrem no médio curso do Xingu ou não são consideradas

espécies migradoras, ou realizam curtas migrações longitudinais.

Nesse sentido, cabe destacar que das espécies com significativa importância para a

pesca comercial na região, apenas o aracu e o curimatã realizam longas migrações

longitudinais.

Dentre os peixes que sabidamente são consumidos pelos Asuriní, apenas o curimatã

apresenta migração reprodutiva. No entanto, esta espécie realiza uma migração curta em

relação a outras espécies que ocorrem em rios da Amazônia, como algumas espécies de

bagre. Com relação a esta espécie, há a preferência da realização da pesca na piracema,

que não é proibida para povos indígenas.

Com relação à ictiofauna, espera-se que as maiores conseqüências do barramento do rio

Xingu se dê do reservatório para jusante. A montante do Furo da Boa Esperança é

possível que haja algum impacto sobre as populações de peixes migradores. Porém,

devido ao pequeno conhecimento sobre a biologia da ictiofauna local, especialmente dos

rios associados às Terras Indígenas, é difícil prever quão impactante será a construção do

AHE Belo Monte sobre as comunidades de peixes.

Tendo em vista a distância entre as TIs em análise e o fim do reservatório, além da

presença de barreiras físicas naturais, espera-se que o impacto sobre a ictiofauna seja

pequeno nessas áreas. Novamente, as terras mais sujeitas a serem observadas

alterações são as TIs localizadas nas proximidades da foz do rio Iriri, TI Arara, TI Kararaô

e TI Koatinemo. Inversamente, quanto mais afastado, menor será a alteração na

disponibilidade de peixes, podendo até mesmo não ser observada qualquer alteração nas

áreas das TIs Cachoeira Seca, Areweté e Apyterewa.

Os impactos indiretos da implantação do empreendimento sobre as atividades de

subsistência dos povos indígenas referem-se ao aumento da pressão sobre os recursos

naturais. Com a chegada de um grande número de trabalhadores para as obras do AHE

223

Page 224: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Belo Monte, haverá uma maior demanda de produtos. Dessa forma, é esperado um

aumento da pressão sobre a pesca e até mesmo sobre produtos florestais, como a

madeira.

A região onde se inserem as Terras Indígenas é composta por um mosaico de áreas

protegidas, onde a pesca, a caça e a extração de madeira é bastante restringida. Os

impactos referentes ao aumento da pressão sobre os recursos naturais, quando incidirem

sobre as TIs, deverão ser principalmente resultado de atividades ilegais.

As TIs em análise hoje já estão cercadas por pressões antrópicas, como pode ser

ilustrado pela figura 3 (focos de desmatamento). Com o aumento do número de pessoas e

a melhoria das infra-estruturas de transporte propostas para a região, a pressão sobre as

terras indígenas poderá ameaçar as atividades de subsistência atualmente desenvolvidas.

Esse é um impacto negativo, indireto e permanente. Considera-se um impacto de grande

importância, devido à dificuldade em se prever com precisão sua magnitude.

Ações Ambientais e Medidas Mitigadoras Propostas

O EIA do AHE Belo Monte já prevê um Projeto de Monitoramento da Ictiofauna. De acordo

com esse Projeto, serão analisados os seguintes aspectos: estrutura, composição

específica, distribuição e abundância da ictiofauna; distribuição de ovos e larvas do

ictioplâncton; estado de exploração e capacidade de suporte dos estoques de importância

comercial para a pesca e, genética, das principais populações de peixes migradores.

Nesse sentido, entre outras atividades, serão realizadas coletas de peixes nos seguintes

ambientes: pedrais com corredeiras; canal do rio; remansos e lagoas marginais; igarapés.

A área de estudo deverá ser subdividida em seis setores: 1) baixo Xingu, 2) Volta Grande,

3) Reservatório dos Canais; 4) Rio Bacajá; 5) Reservatório do Xingu; 6) Setor Iriri. Os

setores 1 e 6 são considerados como “controle” no âmbito desse projeto.

Além disso, o Projeto prevê a realização de duas campanhas (seca e cheia) de coleta

intensiva na área das TIs estudadas.

224

Page 225: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Dessa forma, entende-se que impactos sobre as comunidades de peixes que venham a

incidir nas TIs poderão ser avaliados e, a partir dos resultados do projeto, serem

elaboradas medidas de conservação específicas para as TIs.

Ainda, é importante ressaltar que a prevenção de impactos indiretos relacionados ao

aumento da pressão sobre recursos naturais (caça, pesca e extração de recursos

florestais) está diretamente relacionada à fiscalização das áreas que se quer proteger.

Dessa forma, um Programa de Monitoramento das Fronteiras das TIs poderá mitigar

esses impactos.

7.6.3 POSSÍVEIS INTERFERÊNCIAS NA MATA CILIAR E DINÂMICA DOS

MANANCIAIS

Em conseqüência da implantação do AHE Belo Monte, não são esperados impactos na

mata ciliar ou na dinâmica dos mananciais nas Terras Indígenas em análise. As atividades

relacionadas à instalação e operação da hidrelétrica podem provocar apenas impactos

indiretos relacionados a este aspecto.

É da natureza de um empreendimento deste tipo não impor impactos diretos sobre a

dinâmica superficial dos mananciais localizados à montante do fim do remanso. Dessa

forma, não são esperadas mudanças nas vazões, cotas ou ritmo de cheias nos corpos

d'água associados às Terras Indígenas.

Por outro lado, alterações na mata ciliar destes corpos d'água, especialmente com relação

à supressão de vegetação, podem interferir diretamente nesses mananciais,

especialmente no que se refere à disponibilidade de nutrientes e presença de sedimentos.

Nesse sentido, o aumento da pressão por recursos naturais esperado pelo incremento da

população nos municípios do entorno do empreendimento, especialmente de Altamira,

pode indiretamente levar a alterações na mata ciliar. Tais alterações se realizariam

principalmente pela extração de recursos florestais como o açaí, ou madeireiros como

ipês que crescem na Floresta Ombrófila Aluvial.

225

Page 226: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

A pressão sobre os recursos naturais pode agravar os conflitos pela terra na região.

Dessa forma, deverá haver a busca por novas terras para pastagem, inclusive nas

Unidades de Conservação da Terra do Meio, e maior pressão sobre as Terras Indígenas.

Finalmente, deve-se observar que haverá a necessidade de realocação de parte da

população para o enchimento do reservatório. Nesse sentido, e considerando que ainda

não estão definidas as áreas para onde irá essa população, é fundamental que se evite ao

máximo sua realocação para as áreas no entorno do mosaico de áreas protegidas da

Terra do Meio.

A eventual realocação de parte dessa população para essa região exerceria grande

pressão sobre a floresta e sobre as comunidades indígenas, com conseqüências

desastrosas. Nesse caso todo o esforço para a conservação dessas áreas, através da

criação de Unidades de Conservação e manutenção de Terras Indígenas estaria

ameaçado.

Caso ocorram tais realocações, teríamos certamente graves alterações nas matas ciliares

da região, e conseqüentes alterações na qualidade da água não só das TIs, mas de todo

o mosaico de áreas protegidas.

Ações Ambientais e Medidas Mitigadoras Propostas

Tendo em vista que a ocorrência de alterações nas matas ciliares ou na dinâmica dos

mananciais associados às Terras Indígenas é improvável frente às ações diretas do

empreendimento, não foram feitas recomendações específicas visando mitigar este

impacto. No entanto, a partir dos resultados do Programa de Conservação e Manejo de

Habitats Aquáticos, especialmente relacionados ao monitoramento da integridade

ecológica dos habitats, conforme proposto no EIA (Volume 25 – Planos, Programas e

Projetos Ambientais) para a foz do rio Iriri, poderá ser proposto o monitoramento de áreas

mais a montante, com mais um ponto neste rio (nas TIs KAraraô e Arara) e outro no rio

Xingu (na TI Koatinemo próximo a aldeia Asurini).

Ressalta-se que o melhor modo de se prevenir impactos decorrentes da implantação do

AHE sobre as áreas protegidas da Terra do Meio como um todo é a não realocação de

população no entorno dessas áreas.

226

Page 227: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

7.6.4 IMPACTOS SOBRE A QUALIDADE DAS ÁGUAS E SAÚDE

7.6.4.1 Na Área de Estudo – Área de Abrangência Regional - AAR

Os recursos hídricos avaliados neste estudo, baseado apenas em fontes secundárias,

atesta que o rio Xingu e o rio Iriri, a montante do reservatório não sofrerão alteraçoes

significativas, pois não terão alterações em suas vazões após o enchimento do

reservatório, permanecendo como ambientes lóticos, além de estarem localizados a

aproximadamente 85 km (Foz do Iriri) do AHE Belo Monte.

Suas características de canais predominantemente em rochas, com planícies fluviais

estreitas e descontínuas, grande quantidade de pedrais, rápidos e cachoeiras, não serão

modificadas pela construção do AHE Belo Monte. Nesta região a ictiofauna continuará a

apresentar alta diversidade.

7.6.4.2 Na Área de Influencia Direta – Região do Reservatório - AID

Deve-se levar em consideração esta área, a jusante da área de estudo, dado sua

importancia sócio-economica, sendo considerado o principal centro comercial da região e

conseqüentemente de saúde publica.

O reservatório do AHE Belo Monte poderá sofrer um processo rápido de eutrofização, pois

a mudança de ambiente lótico para lêntico em conjunto com a alta carga orgânica de

esgoto doméstico e do chorume proveniente da cidade de Altamira, serão dois fatores que

poderão acelerar este processo.

227

Page 228: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

A Ictiofauna sofrerá perdas, sendo selecionados os mais resistentes, o desenvolvimento

fitoplâctonico poderá apresentar um potencial tóxico, pois foi constatada a presença de

Cianobactéria. A qualidade da água poderá apresentar alta toxicidade por metais pesados

e conseqüentemente problemas de saúde pública.

Condições alarmantes quanto ao impacto negativo sobre o meio ambiente de toda a

região, tendo como fonte o Lixão de Altamira.

• problema sanitário de grande relevância para o município, em face da insalubridade ali

reinante;

• habitat ideal para a proliferação de vetores como moscas, mosquitos, baratas, roedores,

aves, etc. Dentre os mosquitos os principais gêneros e espécies mais encontrados são

Aedes aegypti e Aedes albopictus, transmissores de dengue e febre amarela e Anopheles,

transmissor da malária.

Doenças causadas por Metais Pesados

O chorume penetra pela terra, no rio, no lençol freático levando substâncias

contaminantes como metais pesados e estes podem causar doenças. Os metais que

apresentam efeito cumulativo são o chumbo, o níquel, o zinco e o mercúrio. A toxicidade

aguda por alumínio pode causar Osteomalacia e Alzheimer.

O cádmio pode desencadear vários processos patológicos no homem, tais como,

disfunção renal, hipertensão, arteriosclerose, inibição no crescimento, doenças crônicas

em idosos e câncer.

O chumbo, quando em exposição crônica, apresenta efeito no sistema nervoso central,

com sintomas como: tontura, irritabilidade, dor de cabeça, perda de memória. Quando o

efeito é no sistema periférico, o sintoma é a deficiência dos músculos extensores.

228

Page 229: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

O mercúrio pode causar no homem intoxicação aguda caracterizada por náuseas, vômito,

dores abdominais, diarréia, danos nos ossos e morte. A intoxicação crônica afeta as

glândulas salivares, rins e altera as funções psicológicas e psicomotoras.

Os impactos relacionados ao chorume formado pelo lixão de Altamira e a conseqüente

presença de metais pesados no reservatório do Xingu, poderão afetar principalmente as

comunidades indígenas que habitam as TIs Asurini, Kararaô e Arara, a montante da área

de influência direta, pois utilizam o rio como transporte e têm na cidade de Altamira a

principal área de comércio e atendimento hospitalar (saúde pública).

Ações Ambientais e Medidas Mitigadoras Propostas

Como medida de mitigação, a recuperação do lixão e o tratamento do chorume são ações

primordiais que deverão anteceder ou serem realizadas concomitantemente com o a

instalação da infra estrutura do AHE Belo Monte.

Deve-se estabelecer um Plano de Monitoramento Ambiental para os principais corpos

hídricos das TIs estudadas, e na área de influência direta (AID), além do reservatório

formado pelo AHE Belo Monte, uma vez que o Conselho Nacional do Meio Ambiente -

CONAMA, resolução nº 357/2005, prevê classe 1 para os corpos de água e a proteção

das comunidades aquáticas em Terras Indígenas.

O Plano de Monitoramento Ambiental deverá ser estabelecido por no mínimo 5 anos no

reservatório do AHE Belo Monte, no rio Xingu a montante do reservatório e no rio Iriri.

Para tal avaliação é indicado o (IET) Índice de Estado Trófico para Rios e Reservatório e o

(IVA) Índice de Proteção a Vida Aquática.

Para a avaliação da qualidade da água é indicado a aplicação do Índice de Proteção a

Vida Aquáticas - IVA, pois leva em consideração os parâmetros essências à Proteção da

Vida Aquática , a Eutrofização, a Toxicidade e as Substâncias Tóxicas como alguns

metais pesados, de forma integrada.

229

Page 230: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

No que diz respeito à recuperação do Lixão e ao tratamento do esgoto doméstico da

cidade de Altamira, sugere-se o aproveitamento de verbas do Plano de Ação do Governo

na área da AII. Os municípios da AII contemplados são Altamira, Vitória do Xingu, Anapu,

Senador José Porfírio, Porto de Moz, Placas, Uruará, Medicilândia e Brasil Novo.

7.6.5 MATRIZES DE IMPACTO AMBIENTAL

230

Page 231: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

AHE Belo MonteDescrição dos Impactos

Meio Físico

Classificação dos Impactos

Fases da obra Água

NATUREZA

Benéfico

Adverso

FORMA

Direto

Indireto

DURAÇÃO

Permanente

Temporário

REVERS.

Reversível

Irreversível

ABRANG.

Bloco das TIs

/Localizado

MAGNITUDE

Alta/Média/

Baixa

Realização dos estudos de

engenharia e meio ambiente

Instalação da infra-estrutura

de apoio

Instalação das obras

principais

Liberação das áreas para os

reservatórios

Facilidade do acesso de não índios às terras indígenas

(TIs)

A

D

P

I

L (TIs Arara ,

Kararaô,

Koatinemo)

M

Enchimento dos

reservatórios

Potencialização da eutrofização com a presença do

Chorume (esgoto e Lixão Altamira) A I P R

B

A

Operação comercial das

unidades geradoras de

energia

Potencialização da eutrofização com a presença do

Chorume (esgoto e Lixão Altamira)

A I P R

B

A

231

Page 232: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

AHE Belo Monte

Descrição dos Impactos / Meio

Biótico

Classificação dos Impactos

Fases da obra Fauna Aquática/

atividades de subsistência

NATUREZA

Benéfico Adverso

FORMA Direto

Indireto

DURAÇÃO Permanente Temporário

REVERS. Reversível Irreversível

ABRANGÊNCIA Bloco Das TIs

/Localizado

MAGNITUDE Alta/Média/

Baixa Realização dos estudos de

engenharia e meio ambiente

Instalação da infra-estrutura de

apoio

Instalação das obras principais

Intensificação do fluxo migratório de

não indios para as TIs em busca de

recursos naturais (pesca).

A

I

P

I

B

A

Enchimento do reservatório

Acúmulo de metais pesados na

ictiofauna com a presença do chorume

no reservatório.

A

D

P

I

B

A

Operação comercial das unidades

geradoras de energia

A

D

P

I

B

A

232

Page 233: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

7.7 IMPACTOS SOBRE O MEIO ANTRÓPICO E INDICAÇÃO DE PROGRAMAS PARA O MEIO SÓCIO-ECONÔMICO E CULTURAL DOS POVOS INDÍGENAS

7.7.1 Metodologia utilizada para a avaliação de impactos

Os impactos ocasionados pela construção do AHE Belo Monte no meio

antropópico (cultura, economia, ordenamento territorial e saúde), que incidem

nos 5 povos/6 TIs estudados neste Componente Indígena, foram avaliados de

acordo com as etapas e processos do empreendimento.

233

Page 234: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Tabela 28. - Etapas e Processos Considerados para Avaliação de Impactos Ambientais do AHE Belo Monte sobre as Populações Indígenas

Etapa Processo

Planejamento Divulgação do Empreendimento e Realização de serviços de

campo

Mobilização e Contratação de Mão-de-obra; Operação de

canteiros de obras e alojamentos e vilas residenciais;

Aquisição e transporte de insumos e equipamentos por via

terrestre;

Aquisição de imóveis para as obras de infra-estrutura de apoio,

obras principais e para a formação do reservatório

Construção de estradas, vilas residenciais, pátios, canteiros,

acampamentos, alojamentos, postos de combustível, linhas de

transmissão para atendimento às obras e a outras instalações,

dragagem e implantação do porto; Escavação dos canais de

derivação nos igarapés Galhoso e Di Maria, construção dos

diques, Vertedouro do sítio Bela Vista e conformação do

reservatório dos canais; Construção das barragens e estruturas

no Sítio Belo Monte e montagem eletromecânica de turbinas e

geradores

Construção da barragem e estruturas no Sítio Pimental

(ensecadeiras, desvio do rio, Barragem, Vertedouro Principal e

Casa de Força Complementar) e montagem eletromecânica de

turbinas e geradores

Desmatamento e limpeza das áreas dos reservatórios do Xingu

e dos Canais

Construção:

- Infra-estrutura de apoio

- Obras principais

- Liberação das áreas para

reservatórios

Desmobilização da infra-estrutura de apoio e da mão-de-obra

Enchimento Inundação das áreas e desvio das águas para formação dos

reservatórios

Geração e transmissão de energia

Operação Liberação do hidrograma de vazões mínimas para o Trecho de

Vazão Reduzida

234

Page 235: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

A classificação de cada impacto foi feita através de indicadores, apresentados

a seguir:

Tabela 29. Referência para classificação dos impactos

Os programas de compensação necessários para minimizar e/ou compensar

os impactos apontados nas Matrizes de Impactos (Cultura, Economia e

Ordenamento Territorial e Saúde), nos Quadros de Rede de Precedência de

Impactos Associados, e nas descrições e classificações dos impactos serão

apenas indicados neste capítulo.

Metodologicamente a etapa de elaboração e detalhamento de projetos (PBA)

deverá ser realizada pelos especialistas conjuntamente com os cinco povos

indígenas estudados neste Componente Indígena, subsidiando ações de

mitigação e compensação de acordo com a realidade sócio-econômica e

Classificação Critério Avaliação do Impacto

NATUREZA Efeitos dos impactos Adversos/negativos

Impacto Direto, decorrente de uma ação do

empreendimento

FORMA Como se manifesta o impacto

Impacto indireto

Permanentes DURAÇÃO Tempo de persistência do impacto

Temporários

Irreversíveis REVERSIBILIDADE Identificar se os impactos poderão ser

evitados, mitigados ou compensados Reversíveis

Bloco das TIs (incide de uma maneira geral em

todas as 6 TIs aqui analisadas)

ABRANGÊNCIA Locais onde os efeitos dos impactos

se fazem sentir

Localizada (incide em TIs específicas)

Alta

Média

MAGNITUDE Refere-se à intensidade de

transformação da situação pré-

existente do fator ambiental

impactado

Baixa

235

Page 236: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

cultural dos mesmos, bem como de acordo com as condições ambientais

atuais das seis TIs. A formulação e o detalhamento dos programas devem ser

feitos, portanto, com base em fontes primárias com base em trabalho de campo

7.7.2 Matrizes dos impactos no meio Antrópico

Considerando a metodologia utilizada para descrição e classificação dos

impactos do AHE Belo Monte nas 6 TIs aqui estudadas, em seguida serão

apresentadas as matrizes de impacto do meio antrópico: Cultura (material e

imaterial); Economia e Ordenamento Territorial; Saúde.

Após a apresentação das matrizes, serão apresentados os quadros de rede de

precedência de impactos associados, e descritos os impactos com suas

classificações respectivas e indicações dos programas para mitigação e

compensação dos impactos.

236

Page 237: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

AHE Belo Monte

Descrição dos Impactos / Meio Antrópico Classificação dos Impactos

Fases da obra

Cronograma do empreendimento

Economia e Ordenamento territorial

NATUREZA

Benéfico

Adverso

FORMA

Direto

Indireto

DURAÇÃO

Permanente

Temporário

REVERS.

Reversível

Irreversível

ABRANG.

Bloco das TIs

/Localizado

MAGNITUDE

Alta/Média/

Baixa

Realização dos estudos de

engenharia e meio ambiente

Divulgação do empreendimento e

realização de serviços de campo

Produção de expectativas econômicas na população regional ocasionando

pressão fundiária e nos recursos naturais.

A

D

P

I

L

(Tis Koatinemo,

Kararaô e Arara)

M

M

Mobilização e contratação de mão-

de-obra

Maior deslocamento de indígenas para Altamira em busca de alternativas de

renda: serviços de piloteiro, venda ilegal de recursos naturais, venda de

artesanato, dentre outras.

Abandono da vida na aldeia para a busca de alternativas econômicas de

renda.

Intensificação do fluxo migratório de não índios para as TIs em busca de

recursos naturais.

Ocupação desordenada da terra no entorno da TI Koatinemo.

A

A

A

A

D

D

D

I

T

T

P

P

R

R

I

I

B

B

B

L (TI Koatinemo)

M

M

M

Aquisição de imóveis para as obras

de infra-estrutura

Realocação populacional no entorno das terras indígenas ocasionando

intensificação da pressão fundiária sobre as Tis.

A

I

T

R

B

M

Instalação da infra-estrutura de

apoio

Construção de estradas, vilas

residenciais, pátios, canteiros,

alojamentos, postos de

combustíveis, linhas de transmissão

para as obras e outras instalações,

implantação do porto

Operação de canteiros de obras,

alojamentos e vilas residenciais

Intensificação da atividade econômica: maior demanda por produtos

agropecuários, recursos pesqueiros e extravistas que fomentam invasão das

TIs e atividades ilegais.

Dinamização econômica da margem direita da Volta Grande do Xingu, na

área cortada pela estrada Transassuriní ocasionando maior pressão na TI

Koatinemo.

A

A

D

D

P

P

I

I

B

L (TI Koatinemo)

A

M

Construção das obras

principais

Aquisição e transporte de insumos e

equipamentos por via terrestre e

fluvial

Aquisição de imóveis rurais para as

obras principais

Exploração de áreas de

empréstimos, pedreiras e jazidas de

areia

Intensificação do fluxo de pessoas e mercadorias na Transamazônica e

Transassuriní, ocasionando maior pressão nas TIs: invasão e atividades

ilegais.

Realocação populacional no entorno das terras indígenas ocasionando

invasão territorial, exploração dos recursos naturais e conflitos interétnicos.

A

A

D

D

T

P

R

I

L(TIs Arara,

Cachoeira Seca e

Koatinemo)

L(TIArara, Cachoeira

Seca, Koatinemo,

Kararaô, Apyterewa)

A

A

237

Page 238: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Construção da barragem e

estruturas no Sítio Pimental

(ensecadeiras, desvio do rio,

barragem, vertedouro principal e

casa de força complementar) e

montagem de turbinas e geradores

Escavação dos canais de derivação

dos igarapés (galhoso e Di Maria)

construção dos diques, vertedouro

do Sítio Bela Vista e conformação do

reservatório dos canais

Disposição de bota-fora

Construção das barragens e

estruturas no Sítio Belo Monte e

Montagem de turbinas e geradores

Desmobilização da infra-estrutura de

apoio às obras e de mão-de-obra

Interrupção da navegação entre Altamira e o trecho a jusante do barramento,

com conseqüente Intensificação do fluxo de pessoas e mercadorias na área

da Transamazônica e Transassuriní, ocasionando maior pressão nas TIs:

invasão e atividades ilegais .

Dinamização econômica da margem direita da Volta Grande do Xingu, na

área cortada pela estrada Transassuriní ocasionando maior pressão nas TIs:

invasão e atividades ilegais .

Deslocamento de indígenas para Altamira em busca de alternativas de renda:

serviços de piloteiro, venda ilegal de recursos naturais, venda de artesanato,

dentre outras.

Abandono da vida na aldeia em busca de alternativas econômicas de renda.

Desaceleração da atividade econômica e aumento do desemprego, que

mantém a pressão nas TIs: invasão e atividades ilegais.

A

A

A

A

A

D

D

D

D

I

T

T

T

T

T

R

R

R

R

R

L(TIs Arara,

Cachoeira Seca e

Koatinemo)

L (TI Koatinemo)

B

B

L (TI Arara,

Koatinemo, Kararaô

A

A

A

A

M

Aquisição de imóveis rurais e

urbanos para formação dos

reservatórios

Realocação populacional no entorno das terras indígenas ocasionando

invasão territorial, exploração dos recursos naturais e conflitos interétnicos.

A

D

P

I

L (TI Arara, Cachoeira

Seca, Koatinemo,

Kararaô, Apyterewa

A

Desmatamento e limpeza das áreas

dos reservatórios do Xingu e dos

canais

Alteração na economia pesqueira regional e indígena; maior pressão sobre

os recursos naturais a montante do reservatório, nas TIs.

A

D

P

I

B

A

Liberação das áreas para os

reservatórios

Diminuição da atividade agropecuária na margem esquerda da Volta Grande,

com conseqüente intensificação da atividade econômica na Transamazônica

e Transassurini, resultando em maior pressão sobre as Tis.

A

I

P

I

L (TIs Arara,

Cachoeira Seca e

Koatinemo)

A

Inundação das áreas para formação

dos reservatórios

Maior acessibilidade às TIs, ocasionando maior pressão: invasões e

atividades ilegais.

A

I

P

I

L (TI Arara, Kararaô

e Koatinemo)

M

Enchimento dos reservatórios

Operação comercial das unidades

geradoras de energia

Geração e transmissão de energia

Liberação do hidrograma de vazões

mínimas para o trecho de vazão

reduzida(TVR)

Dinamização da atividade econômica, mas com aumento do desemprego

gerado pelo fim da obra, que mantém a pressão nas TIs: invasão e atividades

ilegais.

A

D

P

I

B

A

238

Page 239: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

AHE Belo Monte

Meio Antrópico Classificação dos impactos

Fases da obra Cultura (material e imaterial)

NATUREZA

Benéfico

Adverso

FORMA

Direto

Indireto

DURAÇÃO

Permanente

Temporário

REVERSIBILIDADE

Reversível

Irreversível

ABRANGÊNCIA

Regional

Entorno/Localizado

MAGNITUDE

Alta/Média/

Baixa

Sentimento de ameaça associado às concepções cosmológicas

ligadas ao rio Xingu. A D P I

L (TIs Koatinemo e

Arara) A

Criação de expectativas diferentes entre velhos e jovens

provocando conflito de gerações. A D T I B M Realização dos estudos de engenharia e meio ambiente

Rejeição à construção do empreendimento devido a

incredulidade em relação ao projeto hidroelétrico. A D T R B A

Assédio sobre a população da aldeia comprometendo a

integridade física e a estrutura social tradicional.

A

I

T

R

L (Tis Koatinemo,

Kararaô e Arara)

M

Aliciamento de indígenas por parte de regionais para a

exploração ilegal de recursos naturais.

A

I

P

R

L (Tis Koatinemo,

Kararaô e Arara)

M

Insegurança em relação a integridade do território e dos recursos

naturais das Tis.

A

I

P

I

B

M

Potencial aumento de conflitos interétnicos.

A

I

P

I

B

A

Aumento da exposição dos indígenas à prostituição, ao

alcolismoe às drogas e à violência fora da aldeia.

A

D

P

I

B

M

Mudanças no modo de vida das juventudes das TIs ocasionando

conflitos de gerações.

A

I

P

R

B

M

Aumento da demanda e consequênte disputa por fontes de

renda.

A

I

T

R

B

M

Desestímulo às práticas tradicionais de subsistência.

A

I

P

I

B

M

Instalação da infra-estrutura de apoio

Desestruturação das cadeias de transmissão dos conhecimentos

tradicionais.

A

I

P

I

B

M

Construção das obras principais Maximização de todos os impactos descritos nas fases

anteriores.

Liberação das áreas para os reservatórios Sentimento de ameaça associado às concepções cosmológicas

ligadas ao rio Xingu.

A

D

P

I

B

A

Enchimento dos reservatórios Sentimento de ameaça associado às concepções cosmológicas

ligadas ao rio Xingu.

A

D

P

I

B

A

Operação comercial das unidades geradoras de energia

239

Page 240: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

AHE Belo Monte

Descrição dos Impactos / Meio Antrópico

Classificação dos Impactos

Fases da obra Saúde

NATUREZA

Benéfico

Adverso

FORMA

Direto

Indireto

DURAÇÃO

Permanente

Temporário

REVERS.

Reversível

Irreversível

ABRANG.

Bloco

TIs/Localizado

MAGNITUDE

Alta/Média/

Baixa

Realização dos estudos de engenharia e meio ambiente

Instalação da infra-estrutura de apoio Aumento das endemias gerado pelo fluxo migratório.

A

I

T

R

B

A

Cosntrução das obras principais

Maximização do impacto descrito acima.

Liberação das áreas para os reservatórios

Potencial disseminação de mosquitos e outras doenças de

mesmo vetor

A

D

P

I

B

A

Enchimento dos reservatórios

Presença de chorume no reservatório: potencialização das

doenças já endêmicas e surgimento de outras provenientes de

ingestão (água e ictiofauna) de metais pesados (chumbo, cádimo

e mercúrio); Problemas provenientes da eutrofização com o

provável domínio de cianobactéria (algas azuis).

Maior acesso de não indígenas as TIs e de indígenas a Altamira

e região ocasionando maior incidência das doenças já presentes

na população indígena e possível ocorrência de novas doenças.

A

A

D

I

P

P

R

R

B

B

A

A

Operação comercial das unidades geradoras de energia

240

Page 241: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

7.7.3 Impactos relacionados com a fase da obra: processo de

divulgação do empreendimento e realização de serviços

de campo.

Foram identificados para o processo de Divulgação do empreendimento e

realização de serviços de campo, impactos que geram uma rede de precedência,

ou “cadeia de impactos” :

Geração de expectativas na população Indígena e Regional;

241

Page 242: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Rede de Precedência de Impactos Associados ao Processo de Divulgação do Empreendimento e Realização de Serviços de Campo

- Impactos que incidem na cultura material e imaterial dos cinco povos

estudados.

a)A divulgação do empreendimento, ou melhor, do projeto de engenharia do AHE

Belo Monte, pode trazer inquietação para os grupos indígenas estudados,

principalmente para os Asuriní e Arara. As concepções cosmológicas destes

povos estão relacionadas com o rio Xingu, como, por exemplo, para os Asurini, o

lugar de origem do universo é onde se encontram a água grande (Rio Xingu), a

terra e o céu, morada de Maíra (herói criador) e dos Awaeté (gente de verdade)

ancestrais dos Asuriní. Para este grupo, em todo o rio Xingu e seus afluentes

encontram-

Geração de expectativas na população indígena e da região

Sentimento de ameaça pelas concepções cosmológicas ligadas ao rio Xingu * Tis Arara e Asurini

Inquietação social nos grupos indígenas

Diferentes expectativas frente

ao empreendimento(jovens x

velhos)

Pressão fundiária e nos

recursos naturais.

Aumento da insegurança da população indígena quanto ao espaço de uso da terra e dos recursos naturais

Início da especulação imobiliária da região ocasionando pressão fundiária nas TIs.

Rejeição a construção do empreendimento devido a incredulidade em relação ao projeto hidrelétrico Belo Monte

Potencial acirramento de

conflitos internos em função

das posições frente ao

empreendimento

242

Page 243: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

se pedras com “pegadas”, que os Asuriní identificam como as pegadas de Maíra.

A possibilidade de construção do AHE Belo Monte, com conseqüente alteração do

rio Xingu, pode trazer desconforto, aflição, inquietação, alterações de ordem

psicológica, principalmente nos adultos e idosos para os quais o rio Xingu é

referência do saber cosmológico.

Este impacto é adverso, direto, permanente, localizado principalmente nas terras

indígenas Asurini e Arara, de alta magnitude e irreversível, não podendo, portanto

ser mitigado e compensado por nenhum programa.

b) A divulgação do empreendimento poderá criar expectativas distintas entre as

pessoas mais velhas e os jovens. Os mais velhos lutando pela manutenção da

vida tradicional e os jovens em busca das “novidades” oferecidas pelos brancos, o

fascínio exercido pela cidade de Altamira, e o novo cenário armado para

construção do AHE Belo Monte – o canteiro de obras. A contradição entre estas

expectativas pode gerar um conflito entre gerações.

Considerou-se como um impacto adverso, direto, temporário, irreversível, que

atinge todas as TIs e de média magnitude. É um impacto temporário porque tem a

duração da obra, no entanto, como pode trazer transformações para a estrutura

social destas sociedades, julgou-se irreversível.

É possível que com um Programa de Comunicação Social, considerando-se as

especificidades sócio-culturais de cada povo estudado, seja possível minimizar a

natureza adversa deste impacto. Da mesma forma, Programas de Educação

específicos para os cinco povos podem intervir beneficamente no conflito de

gerações.

c)Em todas as aldeias visitadas, durante as reuniões para comunicação do

projeto do AHE Belo Monte, as lideranças mais velhas e algumas mais jovens,

apresentaram incredulidade em relação ao projeto e se manifestaram temerosos

e revoltados contra a inundação de suas terras, mesmo após as explicações

devidas. É um impacto adverso, direto, temporário, reversível, que incide em

todas as TIs, de alta magnitude.

243

Page 244: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Para reverter este tipo de impacto, será necessário desenvolver ações de

comunicação social específicos para as TIs que possibilite uma melhor

compreensão sobre o projeto AHE Belo Monte, para que os Povos Indígenas

possam se posicionar nos procedimentos de realização da Oitiva.

- Impactos que incidem na economia e no ordenamento territorial.

a) Durante o período de realização dos estudos de engenharia e meio ambiente

do empreendimento AHE Belo Monte, e de sua divulgação, está sendo gerada

uma expectativa econômica na população regional. Tal expectativa pode

alavancar um incremento da pressão sobre as TIs e sobre seus recursos naturais.

É um impacto de natureza adversa, direto, permanente, que deverá pressionar

num primeiro momento as TIs mais próximas (Koatinemo, Kararaô e Arara), de

média magnitude. Este impacto pode ser minimizado desde que sejam

elaborados e adotados Programas para Monitoramento das Fronteiras das Terras

Indígenas. É importante grifar que já há casos de invasão nestas áreas indígenas,

narradas no diagnóstico sócio econômico deste estudo.

244

Page 245: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

7.7.4 Impactos relacionados com a fase da obra: instalação da

infra-estrutura de apoio à construção.

Foram identificados para a fase “Instalação da infra-estrutura de apoio”, impactos

que geram quatro redes de precedência, ou “cadeias de impactos”, a saber:

▪ Aumento do Fluxo Migratório

▪ Transferência compulsória da população dos imóveis afetados

▪ Dinamização econômica da margem direita da Volta Grande do Xingu, na área

cortada pela estrada Transassuriní

▪ Desaceleração da atividade econômica

245

Page 246: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Rede de Precedência derivada do Impacto Primário “Aumento do fluxo migratório”

Processo: Mobilização e contratação de mão de obra

Aumento do fluxo

migratório

Deslocamento de

indígenas para Altamira

Abandono da vida na aldeia

em busca de possíveis

alternativas econômicas de

renda.

Ameaça a integridade

física e estrutura social

tradicional.

Aumento da pressão

fundiária e nos recursos

naturais das TIs (caça, pesca,

recursos extrativistas

Aumento da incidência de

doenças endêmicas

Aliciamento de indígenas por parte

de regionais para a exploração

ilegal de recursos naturais.

Desestímulo as práticas

tradicionais de subsistência

Aumento da exposição dos

indígenas à prostituição,

alcoolismo, drogas e

violência fora da Aldeia

Aumento das doenças

endêmicas

Aumento de demanda por

assistência à saúde nas TIs

Mudança no modo de vida da

juventude nas TIs

ocasionando conflitos de

Desestruturação das cadeias de

transmissão dos conhecimentos

tradicionais

246

Page 247: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

7.7.4.1 Impactos associados ao processo de mobilização e contratação de

mão-de-obra.

- Impactos que incidem na cultura material e imaterial dos cinco povos

estudados.

a) Quando se inicia a contratação de mão-de-obra, que no primeiro ano/obra

parte da média de 6.500 pessoas, abre-se o período onde pode ocorrer assédio

aos habitantes das aldeias das 6 TIs, principalmente nas três áreas mais

próximas do empreendimento (Koatinemo, Kararaô e Arara) por parte tanto da

mão-de-obra contratada, como do fluxo migratório atraído pelo AHE Belo Monte.

O assédio pode trazer problemas relacionados com a integridade física dos índios

e ameaçar sua estrutura sócio-cultural tradicional. Neste caso, o alcoolismo vem

se mostrando como um problema geral em todas as seis TIs, podendo ser

potencializado com a instalação do empreendimento.

Trata-se de um impacto adverso, indireto, temporário, podendo ocorrer nas seis

TIs. Um programa de Comunicação Social, ministrado tanto para os povos

indígenas desta região como para a população do canteiro de obras, poderá

minimizar, ou mesmo impedir este impacto. No entanto, é impossível levar este

Programa para toda a população atraída pelo empreendimento, cabendo,

portanto, a necessidade da instalação de um Programa de Monitoramento das

Fronteiras das TIs.

b)Com o aumento da demanda econômica criada pelo fluxo migratório pode

ocorrer aliciamento dos índios por parte dos regionais para a exploração ilegal

dos recursos naturais das TIs. No diagnóstico ficou registrado que esta prática já

vem ocorrendo, principalmente através dos pescadores de Altamira. É um

impacto adverso, indireto, permanente, que pode atingir principalmente as TIs

Arara, Kararaô e Koatinemo, e de média magnitude. Este impacto poderá ser

reversível caso haja inibição da pesca clandestina e caso seja implantado um

Programa de Monitoramento das Fronteiras das TIs.

247

Page 248: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

c) As possíveis invasões de não índios nas TIs irão gerar insegurança nos índios

com relação à integridade de seus territórios, bem como apreensão pela

possibilidade da exploração dos recursos naturais. Trata-se de um impacto

adverso, indireto, permanente, irreversível, incidindo no bloco das Tis e de alta

magnitude. Este impacto pode tornar-se reversível através dos programas de

Comunicação Social e Monitoramento das Fronteiras das áreas indígenas.

d)A pressão e possíveis invasões das terras indígenas podem acarretar conflitos

inter-étnicos. Em visita às aldeias Arara e Parakanã, teve-se notícia de ataque de

índios contra o gado de invasores, e ameaça de expulsarem os invasores com

violência. Em contrapartida, na TI Arara houve manifestação dos índios de que os

invasores os têm ameaçado com armas quando se deslocam para a área

invadida. Com a implantação do AHE Belo Monte, esses conflitos podem ser

intensificados. É um impacto adverso, indireto, permanente, irreversível, que

abrange o bloco das TIs estudadas e de alta magnitude. Pode ser minimizado se

houver programas de regularização fundiária das TIs Cachoeira Seca e

Apyterewa e de Monitoramento das Fronteiras de todas as seis TIs.

e)Os índios das seis TIs freqüentam a cidade de Altamira por diversos motivos:

tratamento de saúde, venda de artesanato, compras no comércio, retirada de

aposentadorias, etc. Nesta etapa do empreendimento deverá aumentar o fluxo de

indígenas para Altamira, aumentando sua exposição à prostituição, alcoolismo,

drogas e violência fora das aldeias. É um impacto adverso, direto, permanente,

irreversível, que incide na população das seis TIs que visita a cidade

freqüentemente. Trata-se de um impacto de média magnitude, dado o despreparo

dos índios com relação aos problemas apontados, além do que o aumento

demográfico na região de Altamira e da Volta Grande do Xingu será

desproporcional com relação ao montante da população indígena.

f)O aumento demográfico na região, criando uma série de demandas já

levantadas acima, deverá impactar os modos de vida da juventude das TIs. Em

248

Page 249: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

conseqüência do pouco tempo de contato (em média 30 anos, ou seja, desde a

abertura da Transamazônica), e da baixa qualidade da educação nas TIs, os

jovens não estão sendo preparados para lidar com os diferentes cenários em

transformação da sociedade envolvente, podendo gerar conflito de gerações

dentro das sociedades aqui estudadas.

É um impacto adverso, indireto, permanente, reversível, abrangendo o bloco das

seis TIs e de média magnitude. Este impacto pode ser compensado por

Programas de Educação nas TIs, que busquem interagir com a juventude, dando-

lhe alternativas de reflexão crítica , em contrapartida ao fascínio que os jovens,

com certeza, irão sentir a partir da instalação do canteiro de obras na Volta

Grande do Xingu, bem como da efervescência em Altamira.

g)Com o aumento da demanda em diversos setores da economia regional

(alimentação, serviços, etc.) gerada pela instalação da infra-estrutura de apoio,

integrantes das aldeias das TIs estudadas podem mobilizar-se na busca de novas

fontes de renda. Este impacto que a princípio poderia ser classificado como

benéfico, foi considerado adverso, uma vez que irá contribuir para desestruturar a

organização social tradicional dos cinco grupos indígenas. Além das

conseqüências internas causadas pela busca de fontes de renda, haverá

desdobramentos externos, uma vez que, como já foi dito anteriormente, os índios

que irão buscar trabalho no canteiro de obras e na cidade ficam expostos a toda

sorte de “mazelas” de nossa sociedade. É um impacto adverso, indireto, que

deverá durar enquanto perdurar a construção do AHE Belo Monte, reversível,

podendo abranger todos os cinco povos indígenas e de média magnitude. Este

impacto pode se tornar reversível caso incremente-se Programas de alternativas

de renda e de Educação de qualidades nas seis TIs.

h)Os impactos narrados anteriormente, mais o aquecimento do comércio em

Altamira e na Volta Grande do Xingu, poderão desestimular as práticas

tradicionais de subsistência destes povos indígenas, uma vez que será mais fácil

comprar “a comida dos brancos”. Durante a visita às seis TIs, realizada em março

de 2009, pela equipe responsável pelos estudos do Componente Indígena,

249

Page 250: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

observou-se que está em curso um processo acelerado de desestímulo às

práticas de subsistência, principalmente entre os jovens, com conseqüente

repercussão na segurança e qualidade da dieta alimentar. É considerado um

impacto adverso, indireto, permanente, irreversível, incidindo em todas as TIs e

de média magnitude, uma vez que dificilmente é possível realizar um programa de

compensação para um impacto desta natureza.

i)Todos os impactos descritos para esta etapa do empreendimento – instalação

da infra-estrutura de apoio – relativos à cultura material e imaterial dos Asuriní,

Kararaô, Arara, Araweté e Parakanã, podem ocasionar um impacto de alta

magnitude nestas sociedades, com pouco tempo de contato. O conflito de

gerações, a busca de novas fontes de renda, o desestímulo às praticas

tradicionais de subsistência podem desestruturar as cadeias de transmissão dos

conhecimentos tradicionais. Ou seja, em sociedades de cultura oral, uma vez

rompidas as cadeias de transmissão de conhecimentos tradicionais, a reprodução

destas sociedades enquanto tais pode estar ameaçada. Não existem medidas

mitigadoras capazes de impedir um impacto destas proporções, no entanto, um

conjunto de programas, elaborados e discutidos com os grupos que são objetos

deste Componente Indígena, pode tentar reverter esta situação. A educação e o

monitoramento das fronteiras das seis TIs terão papel fundamental nesta

problemática.

- Impactos na economia e no ordenamento territorial regional, incidindo nas

seis TIs.

a) Durante a fase de mobilização e contratação de mão-de-obra, haverá maior

deslocamento dos índios para Altamira em busca de alternativas de renda tais

como: serviços de “piloteiros”, venda ilegal de recursos naturais, venda de

artesanato, dentre outras. É um impacto adverso, direto, temporário, reversível,

que atinge o bloco das TIs e de média magnitude, uma vez que pode trazer

desestruturação da organização social dos cinco povos, onde houver maior êxodo

250

Page 251: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

para a região da Volta Grande do Xingu e Altamira. É importante frisar a diferença

numérica entre a população das TIs e o fluxo migratório previsto pelo EIA do AHE

Belo Monte (vide tabela abaixo).

O maior deslocamento dos índios para Altamira em busca de alternativas de

renda ocasiona o desestímulo das atividades de subsistência tradicionais e o

assédio sobre os índios por parte dos não índios em Altamira, que demandam

produtos advindos dos recursos naturais das TIs assim como a mão-de-obra

indígena.

Altamira/TIs

Demografia comparativa

População atual da cidade de Altamira

68.565 – mil habitantes 1

Fluxo migratório previsto- Município de Altamira com o AHE Belo Monte

96.000 – mil migrantes 2

População atual das 6 TIS estudadas

144 habitantes - TI Koatinemo

236 habitantes- TI Arara

81 habitantes- TI Cachoeira Seca

38 habitantes- TI Kararaô

398 habitantes-TI Araweté / Igarapé Ipixuna

411 habitantes- TI Apyterewa

1.308 habitantes- Total 6 TIs 3

1 – Fonte: IBGE – Contagem População, 2007 2 – Fonte: EIA AHE Belo Monte- Vol. 23, Avaliação de Impactos, Pg. 105-Quadro 10.4.2-1, 2008

3 – Fonte: DSEI/FUNASA Altamira, 2009. b)Esta etapa do empreendimento pode ocasionar não apenas o deslocamento

para a cidade, mas também o abandono da vida em aldeia, na busca de

alternativas de renda próximas ao canteiro de obras, principalmente por parte da

juventude indígena. É um impacto adverso, direto, temporário, reversível,

251

Page 252: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

incidindo no bloco das TIs, de média magnitude. Nesse caso, esse impacto pode

ser minimizado com Programas de Geração de Renda.

c) Neste período do empreendimento, pode haver intensificação da invasão das

TIs por não índios, em busca de recursos naturais, como são exemplos a

castanha, os recursos madeireiros e o peixe. Com menor freqüência entre os

Araweté, todos os povos indígenas visitados convivem com essa realidade. É um

impacto adverso, direto, permanente, irreversível, abrangendo as seis TIs, de

média magnitude. Pode ser minimizado caso haja fiscalização através de um

Programa de Monitoramento das Fronteiras das seis áreas indígenas.

d) O aumento do fluxo migratório a partir do início da contratação de mão-de-obra

pode acarretar uma ocupação desordenada da terra, principalmente na região da

Transassurini, ocasionando pressão de largo espectro sobre a TI Koatinemo. É

um impacto adverso, indireto, permanente, irreversível, localizado, de média

magnitude. Este impacto será reversível caso seja implantado Programa de

Monitoramento das Fronteiras na área.

7.7.4.2 Impactos associados ao processo de aquisição de imóveis para as

obras de infra-estrutura.

Rede de Precedência de Impactos associados a “Transferência compulsória da população

dos imóveis afetados”

Transferência compulsória da população

Deslocamento desordenado da população para áreas rurais próximas as TIs Arara , Cachoeira Seca, Kararaô e Apyterewa.

Aumento da pressão fundiária e sobre os recursos naturais (caça, pesca, recursos extrativistas vegetais)

Especulação imobiliária na área rural

Insegurança em relação a integridade do território e dos recursos naturais das TIs

252

Page 253: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

- Impactos na economia e no ordenamento territorial regional, incidindo nas

seis TIs.

a) Nesta etapa do empreendimento, a realocação populacional pode intensificar a

pressão fundiária sobre as TIs. Caso não ocorra planejamento de possibilidades

regionais de realocação populacional em áreas distantes do bloco das seis TIs,

pode haver ocupação desordenada no entorno das mesmas, ocasionando

invasões territoriais (como já vem ocorrendo nas TIs Apyterewa, Arara e

Cachoeira Seca), exploração clandestina dos recursos naturais e,

conseqüentemente, conflitos inter-étnicos. Trata-se de um impacto adverso,

indireto, temporário, reversível, abrangendo as seis TIs, de média magnitude,

dependendo de um plano de ordenamento territorial e da implantação de

Programas de Monitoramento das Fronteiras destas TIs, capazes de sustar

possíveis invasões.

253

Page 254: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

7.7.4.3 Impactos associados ao processo de construção de estradas, vilas

residenciais, pátios, canteiros, alojamentos, postos de combustíveis, linhas de

transmissão para as obras e outras instalações, implantação do porto.

Rede de Precedência de Impactos Derivados do Impacto Primário “Dinamização econômica da

margem direita da Volta Grande do Xingu, na área cortada pela estrada Transassuriní”

Dinamização econômica da margem direita da Volta Grande do Xingu, na área cortada pela estrada Transassuriní:

Aumento do fluxo de pessoas e mercadorias na Transassurini. Maior pressão na TI Koatinemo

Aumento da exposição dos

indígenas a prostituição,

alcoolismo, drogas e violência fora

da aldeia.

Aumento de atividades ilegais e

conseqüente pressão dos

recursos naturais (caça, pesca,

Ameaça a integridade física

e estrutura social tradicional.

Aumento da incidência de

doenças endêmicas

254

Page 255: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

- Impactos na economia e no ordenamento territorial regional, incidindo nas

seis TIs.

Nesta etapa do empreendimento haverá intensificação das atividades econômicas

em Altamira, na Volta Grande do Xingu e na área de interferência regional gerando

um aumento na demanda por produtos agropecuários, recursos pesqueiros e

extrativistas que podem fomentar as invasões nas terras indígenas, bem como as

atividades ilegais. É um impacto adverso, direto, permanente, irreversível, podendo

incidir nas seis TIs, e de alta magnitude.

Com a evolução da montagem de toda a infra-estrutura necessária para o início das

obras propriamente ditas do AHE Belo Monte, haverá aumento sensível da

contratação de mão-de-obra e maior afluxo migratório para a região do entorno das

obras. Os impactos na economia e no ordenamento territorial descritos

anteriormente serão maximizados, devido principalmente ao impacto primário de

fluxo migratório e de seus impactos associados. Desta forma, os programas

previstos pelo EIA do AHE Belo Monte, que tratam especificamente da normatização

deste novo cenário, já deverão ter sido implantados e estar em curso. Da mesma

forma, os programas já indicados por este Componente Indígena, também devem

estar implantados ou em andamento, para de fato minimizarem a forte pressão

sócio-econômica e fundiária que o empreendimento deve ocasionar no entorno das

seis TIs. Nesse caso, é imprescindível a articulação institucional para apoio à

regularização fundiária das TIs Cachoeira Seca e Apyterewa, assim como a

implantação do Programa de Monitoramento das Fronteiras.

255

Page 256: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

7.7.4.4. Impactos associados ao processo de operação de canteiros de obra,

alojamentos e vilas residenciais.

- Impactos na economia e no ordenamento territorial regional, incidindo nas

seis TIs.

Neste período prevê-se uma dinamização econômica da margem direita da Volta

Grande do Xingu, na área cortada pela Transasurini, com aumento do fluxo de

pessoas e mercadorias. Esta realidade ocasiona maior demanda por produtos

agropecuários, recursos pesqueiros, extrativistas, que fomenta maior pressão

principalmente sobre a TI Koatinemo, aumentando as possibilidades de invasão

territorial e atividades ilegais. Trata-se de um impacto adverso, direto, permanente,

irreversível, localizado e de média magnitude.

- Impactos que incidem sobre a saúde pública.

No período de instalação da infra-estrutura de apoio haverá um aumento das

endemias, ocasionado pelo incremento do fluxo migratório regional. Essa situação

pode ser agravada pelo aumento da demanda por atendimento de saúde em região

que apresenta precariedade nesse setor e más condições sanitárias. Com o

aumento do fluxo de índios para Altamira, também previsto com a implantação do

empreendimento, esse problema impactará todas as seis TIs. Trata-se, portanto, de

um impacto adverso, indireto, temporário, reversível, incidindo no bloco das seis TIs

estudadas e de alta magnitude. Este impacto pode ser reversível desde que sejam

implantados os programas de Saúde Pública previstos pelo EIA do AHE Belo Monte,

que tratam de públicos diferentes, todos sujeitos à problemática levantada:

população de Altamira, mão-de-obra contratada e moradores da Volta Grande do

Xingu. Além destes programas, a região deverá ser contemplada com expansão da

rede pública de atenção à saúde. Além dos programas propostos no EIA na área de

saúde pública, será necessária articulação institucional para elaborar e desenvolver

um programa de saúde específico para a realidade das seis TIs, de acordo tanto

com o diagnóstico apresentado neste Componente Indígena, como a partir de uma

256

Page 257: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

análise mais profunda da situação de atenção à saúde nas TIs, a partir de pesquisa

de campo.

7.7.5 Impactos associados à fase de construção das obras principais

- Impactos que incidem na cultura material e imaterial dos cinco povos

estudados.

a) Na etapa da construção do AHE Belo Monte, todos os impactos levantados nas

fases “Realização de estudos de engenharia e meio ambiente” e “Instalação da infra-

estrutura de apoio” que incidem na cultura material e imaterial dos cinco povos

estudados serão maximizados, devido principalmente ao “pico” de contratação de

mão-de-obra, ao aumento do fluxo migratório que acompanha este tipo de

empreendimento, com todos os desdobramentos na economia, no ordenamento

territorial, na saúde pública e no meio ambiente. Os impactos são em síntese:

sentimento de ameaça associado às concepções cosmológicas relacionadas com o

rio Xingu; conflitos devido à rejeição ao empreendimento; conflitos de gerações nas

sociedades estudadas; ameaça da integridade física dos índios; exploração dos

recursos naturais das TIs; ameaça de invasão territorial; possibilidade de conflitos

inter-étnicos; desestímulo às praticas de subsistência tradicionais; desestruturação

das cadeias de transmissão de conhecimento tradicional; aumento da exposição dos

índios à prostituição, alcoolismo, drogas e violência dentro e fora das TIs.

Todos estes impactos são de alta magnitude e precisarão de programas voltados

para as especificidades culturais distintas dos cinco grupos estudados neste

Componente Indígena, passando por discussões com os próprios índios.

257

Page 258: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

- Impactos na economia e no ordenamento territorial regional, incidindo nas

seis TIs.

a) Nesta etapa do empreendimento intensificar-se-á o fluxo de pessoas e

mercadorias na Transamazônica e Transassurini, ocasionando maior pressão nas

seis TIs, como a possibilidade de invasão territorial e atividades ilegais. É um

impacto adverso, direto, temporário, reversível, localizado nas TIs Koatinemo, Arara

e Cachoeira Seca, de alta magnitude. Pode ser revertido caso já tenha sido

implantado nas TIs Programas de Monitoramento de Fronteiras.

Neste período deverá ocorrer nova realocação populacional no entorno das terras

indígenas, podendo ocasionar invasão territorial, exploração dos recursos naturais e

conflitos inter-étnicos. É um impacto adverso, direto, permanente, irreversível

incidindo sobre as TIs Arara, Cachoeira Seca, Koatinemo, Kararaô e Apyterewa, e

de alta magnitude. Este impacto pode ser mitigado caso haja Programas de

Monitoramento das Fronteiras das TIs, e uma política de reassentamento

populacional preocupada com a fragilidade das terras indígenas, que já apresentam

casos de invasão.

Foram identificados na fase de construção das obras principais, impactos que geram

três redes de precedência, ou “cadeias de impactos”, a saber:

▪ Intensificação do tráfego nas vias existentes (destaque para a Transamazônica e

Transassurini).

▪ Dificuldade da navegação na região da obras principais na Barragem Pimental.

▪ Desaceleração da atividade econômica

258

Page 259: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Rede de precedência de impactos associados à intensificação do tráfego nas vias existentes

Intensificação do tráfego nas vias existentes (destaque para a Transamazônica e Transasurini)

Aumento de pressões sobre as TIs Arara, Cachoeira Seca e Koatinemo

Invasão territorial e exploração ilegal de recursos naturais das TIs .

Assédio sobre a população indígena comprometendo a integridade física e a estrutura social tradicional.

Aumento de conflitos

interetnicos

Aliciamento de indígenas

por parte dos regionais para

exploração ilegal de

recursos naturais.

259

Page 260: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

7.7.5.1 Impactos associados ao processo de desmobilização da infra-estrutura de apoio às obras e de mão-de-obra.

Rede de Precedência de Impactos Derivada do Impacto “Desaceleração da atividade

econômica”

- Impactos na economia e no ordenamento territorial regional, incidindo nas

seis TIs.

Nesta etapa, após a instalação do “cenário” necessário ao início das obras do AHE

Belo Monte, haverá uma desaceleração da atividade econômica, ocasionando

desemprego, o que, por sua vez, poderá gerar pressão sobre as TIs. Trata-se de um

impacto adverso, indireto, temporário, reversível, localizado (TIs Arara, Koatinemo e

Kararaô) e de média magnitude.

Desaceleração da

atividade

econômica

Aumento do desemprego,

que mantém a pressão nas

TIs: invasão e atividades

ilegais.

Aumento de atividades ilegais e

conseqüente pressão dos

recursos naturais (caça, pesca,

260

Page 261: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Rede de Precedência de Impactos Derivada do Impacto “Dificuldade da Navegação na região das obras principais”

Dificuldade da navegação na região das obras principais – Barragem Pimental.

Intensificação do tráfego nas vias existentes (destaque para a Transamazônica e Transasurini)

Invasão territorial e exploração de recursos naturais das TIs Arara, Cacheira Seca e Koatinemo

Dinamização econômica da margem direita da Volta Grande do Xingu, na área cortada pela estrada Transassuriní

Maior demanda por produtos

agropecuários, recursos

pesqueiros e extravistas que

fomentam maior pressão nas

TIs: invasão e atividades

ilegais . TIs Arara, Cachoeira

Seca e Koatinemo

261

Page 262: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

- Impactos na economia e no ordenamento territorial regional, incidindo nas

seis TIs.

Na fase de construção das obras principais, na qual o fluxo migratório será

intensificado bem como haverá um incremento do número de operários passando

para 18 mil no “pico” da obra, a atividade econômica regional será dinamizada em

proporções não mensuráveis, assim como não é possível prever o que acontecerá

com Altamira.

Em conseqüência haverá um grande fluxo de pessoas e mercadorias nos municípios

do entorno das TIs, principalmente naqueles cortados pela Transamazônica. Neste

caso o aquecimento da economia regional terá reflexo nos assentamentos do INCRA

e nas estradas endógenas situadas no entorno ou no interior das TIs, como são os

casos da Transiriri (que atravessa a TI Cachoeira Seca) e da Transassuriní, situada

ao norte da TI Koatinemo.

Ainda nesta etapa de construção das obras principais, com a redução da vazão do

rio Xingu na parte a jusante do empreendimento, e conseqüente dificuldade da

navegação neste trecho do Rio, haverá uma intensificação do fluxo migratório e das

atividades econômicas na Transamazônica e a Transassuriní, que serão muito mais

utilizadas para este fim.

Nesta fase, com a intensificação das relações inter-étnicas e com a demanda

econômica super aquecida pela construção do AHE Belo Monte, existe a

possibilidade de parte da população das TIs, principalmente a juventude, abandonar

as aldeias em busca de empregos diretos e indiretos, gerados pelo empreendimento.

Todos estes impactos já estavam presentes nas fases anteriores da obra, e nesta

etapa podem alcançar seu grau máximo. São impactos adversos, diretos,

temporários, reversíveis e localizados principalmente nas TIs Arara, Cachoeira Seca

e Koatinemo.

262

Page 263: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Esta cadeia de impactos pode gerar conseqüências consideradas altamente

negativas para as sociedades tradicionais aqui estudadas, que seriam o abandono

da vida tradicional

na aldeia, a princípio em busca de alternativas de renda, que, se mal sucedidas,

podem trazer miséria, prostituição, alcoolismo e violência. Existe a possibilidade

destes indivíduos não se readaptarem à vida na aldeia e nem se integrarem à nova

realidade econômica regional.

Tais impactos podem ser minimizados caso sejam implantados programas de

Comunicação Social, Educação, Monitoramento das Fronteiras e Geração de

Renda.

- Impactos que incidem sobre a saúde pública

Nesta etapa do empreendimento, os impactos sobre a saúde pública descritos para

a etapa anterior serão maximizados. Caso não tenham sido implantados os

programas de saúde pública, pode haver um incremento da incidência de doenças

endêmicas, venéreas e de epidemias por falta de estrutura sanitária capaz de

suportar a explosão demográfica esperada. É um impacto adverso, indireto,

temporário, reversível, incidindo sobre as seis TIs, e de alta magnitude.

263

Page 264: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

7.7.6 Impactos associados à fase de Liberação das áreas para os reservatórios.

Foram identificados, para a Fase de Liberação de área para reservatórios, impactos

que geram duas redes de precedência, ou “cadeias de impactos”, a saber:

▪ Realocação da população da Volta Grande

▪ Desmatamento das áreas dos reservatórios do Xingu e dos canais

264

Page 265: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Rede de Precedência de Impactos Derivada do Impactos “Realocação da população da Volta

Grande”

Realocação de pessoas da Volta Grande

Intensificação da pressão

fundiária sobre as TIs

Aumento da pressão sobre

ambientes e recursos

naturais (caça, pesca,

recursos extrativistas

vegetais) nas TIs Arara,

Cachoeira Seca, Koatinemo,

Kararaô, Apyterewa

Conflitos interétnicos no

entorno das TIs Arara,

Cachoeira Seca, Koatinemo,

Kararaô, Apyterewa

Aumento das doenças

endêmicas com a

aproximação da pop.

Indígena com os não

indígenas.

265

Page 266: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

7.7.6.1 Impactos associados ao processo de Aquisição de imóveis rurais e

urbanos para formação dos reservatórios.

- Impactos que incidem na cultura material e imaterial dos cinco povos

estudados.

Na etapa da construção do AHE Belo Monte, todos os impactos levantados nas

fases anteriores que incidem na cultura material e imaterial dos cinco povos

estudados podem ser mantidos. Em síntese, os impactos são os seguintes:

sentimento de ameaça pelas concepções cosmológicas relacionadas com o rio

Xingu; conflitos devido à rejeição ao empreendimento; conflitos de gerações nas

sociedades estudadas; ameaça à integridade física dos índios; exploração dos

recursos naturais das TIs; ameaça de invasão territorial; possibilidade de conflitos

inter-étnicos; desestímulo às praticas tradicionais de subsistência; desestruturação

das cadeias de transmissão de conhecimento tradicional; aumento da exposição dos

índios à prostituição, alcoolismo, drogas e violência dentro e fora das TIs.

É possível que no período de desmatamento da região do futuro reservatório, os

índios para os quais o rio Xingu possui significado cosmológico e esperam pelo

“dilúvio” desde as primeiras notícias de aproveitamento hidrelétrico do rio, poderão

sofrer muita inquietação, medo e revolta. No caso dos mais idosos, não há qualquer

medida mitigadora ou programa de compensação capaz de minimizar este impacto.

- Impactos na economia e no ordenamento territorial regional, incidindo nas

seis TIs.

Nesta etapa se repete a pressão fundiária sobre as TIs. A realocação populacional

no entorno das terras indígenas poderá ocasionar uma intensificação da invasão

territorial, da exploração dos recursos naturais e de conseqüentes conflitos inter-

étnicos. Trata-se de impactos adversos, de alta magnitude, que podem ser

minimizados caso tenham sido implantados os Programas de Monitoramento das

Fronteiras das TIs, e já esteja em curso o reassentamento populacional distante do

entorno das seis TIs.

266

Page 267: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Rede de Precedência de Impactos Derivada do Impactos “Desmatamento e limpeza dos

reservatórios”

Potencial disseminação de

mosquitos e outras doenças de

mesmo vetor

Sentimento de ameaça

associado as concepções

cosmológicas ligadas ao Rio

Xingu.

Desmatamento e limpeza das

áreas dos reservatórios do

Xingu e dos canais

267

Page 268: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

7.7.6.2 Impactos associados ao processo de desmatamento e limpeza das

áreas dos reservatórios do Xingu e dos canais

- Impactos que incidem sobre a saúde pública

Nesta etapa haverá potencial disseminação de mosquitos e outras doenças de

mesmo vetor. O desmatamento das áreas para liberação do reservatório, áreas

estas de circulação e acesso constante da população das TIs aqui analisadas, se

configura como um impacto adverso, direto, permanente, irreversível e de alta

magnitude. Esse impacto pode ser minimizado desde que sejam tomadas medidas

de controle epidemiológico.

Impactos que incidem na cultura material e imaterial dos cinco povos

estudados.

É possível que no período de desmatamento e limpeza das áreas do reservatório do

Xingu, os índios para os quais este rio possui significado cosmológico e que

esperam pelo “dilúvio” desde as primeiras notícias de aproveitamento hidrelétrico do

rio, poderão sofrer inquietação, medo e revolta. Não existem ações mitigadoras e

programas de compensação capazes de interferir positivamente nesse impacto.

268

Page 269: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

7.7.7 Impactos associados à fase de Enchimento dos reservatórios

Foram identificados para a fase de liberação de área para reservatórios, impactos que

geram duas redes de precedência, ou “cadeias de impactos”, a saber:

▪ Inundação da área dos reservatórios

▪ Presença de chorume (esgoto e lixão não tratado) de Altamira

Rede de precedência de impactos derivado da “inundação dos reservatório”

Impactos que incidem na cultura material e imaterial dos cinco povos estudados.

É possível que no período de enchimento e formação do reservatório, os índios para os

quais o rio Xingu possui significado cosmológico e que esperam pelo “dilúvio” desde as

primeiras notícias de aproveitamento hidrelétrico do rio, aumente o sentimento de

inquietação, medo e revolta. Não existem ações mitigadoras e programas de

compensação capazes de interferir positivamente nesse impacto.

Inundação da área dos reservatórios

Facilitação do acesso de não indios às TIs .

Aumento de pressões sobre as TIs: invasão fundiária e acesso ilegal aos recursos naturais (pesca)

Mag.A

Diminuição da atividade

agropecuária na margem esquerda

da Volta Grande.

Sentimento de ameaça ligado as

concepções cosmológicas ligadas

ao Rio Xingu

intensificação da atividade

econômica na Transamazônica e

Transassurini,

269

Page 270: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

- Impactos na economia e no ordenamento territorial regional, incidindo nas seis

TIs.

a) Com o enchimento do reservatório dos canais, haverá uma diminuição da atividade

agropecuária na margem esquerda da Volta Grande do Xingu, e conseqüente

intensificação da atividade econômica na Transamazônica e Transassurini, resultando em

maior pressão nas TIs. Para minimizar este impacto, é necessário que já tenham sido

implantados os Programas de Monitoramente das Fronteiras das seis TIs, bem como da

regularização fundiária da TI Cachoeira Seca. O impacto é adverso, indireto, permanente,

irreversível, localizado nas TIs Koatinemo, Arara e Cachoeira Seca, e de alta magnitude.

b) Quando estiver formado o reservatório do Xingu, haverá maior acessibilidade às TIs

Koatinemo, Kararaô e Arara, principalmente no período da seca. É um impacto adverso,

indireto, permanente, irreversível, localizado nas TIs Arara, Kararaô e Koatinemo, e de

média magnitude.

Rede de Precedência de Impactos Derivada do Impactos “Presença do chorume”

-

Presença de chorume do lixão de Altamira no reservatório do Xingu

Potencialização da eutrofização no reservatório

Potencialização das doenças já

endêmicas e Problemas

provenientes da eutrofização

com o provável domínio de

cianobactéria (algas azuis).

Acúmulo de metais pesados na

ictiofauna.

surgimento de outras doenças provenientes de ingestão (água e ictiofauna) de metais pesados (chumbo, cádimo e mercúrio);

270

Page 271: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

Impactos que incidem sobre a saúde pública

a)Com o enchimento do reservatório poderá ser constatada presença de chorume na

água desde que o atual lixão de Altamira não receba tratamento adequado. Tal chorume

poderá potencializar as doenças já endêmicas e ocasionar o surgimento de outras

doenças provenientes de ingestão de metais pesados (chumbo, cádimo e mercúrio) por

meio da água e ictiofauna. Também poderá ocasionar doenças provenientes da

eutrofização, com o provável domínio de cianobactéria (algas azuis). É um impacto

adverso, direto, permanente, reversível, incidente sobre as populações estudadas , de alta

magnitude pela freqüência com que os indígenas visitam a cidade. Poderá ser mitigado

por um conjunto de programas voltados para saúde pública elaborados no âmbito do EIA

do AHE Belo Monte e os programas de requalificação urbana de Altamira.

b) A facilidade de acesso com a formação do reservatório, atraindo um número maior de

não indígenas para as TIs Koatinemo, Kararaô e Arara, poderá aumentar a incidência das

doenças já presentes na população indígena e possível ocorrência de novas doenças.

Trata-se de um impacto adverso, indireto, permanente, reversível, incidindo no bloco das

TIs, mas principalmente nas três TIs mais próximas do reservatório, e de alta magnitude.

Os programas de compensação indicados são os específicos na área de saúde, educação

e Monitoramento das Fronteiras das TIs.

7.7.8 Impactos associados à fase de Operação comercial da unidade geradora de

energia e ao processo de Liberação do trecho de Vazão Reduzida (LVR)

- Impactos sobre o meio antrópico

Neste período, poderá haver uma dinamização da atividade econômica (início do

pagamento dos royalties). No entanto, haverá aumento do desemprego gerado pelo fim da

obra. Estes dois fatores (dinamização econômica e desemprego) podem manter a pressão

nas seis TIs, possíveis invasões e atividades ilegais. Caso os programas indicados não

estejam implantados, todos os impactos descritos nas etapas anteriores para o meio

antrópico poderão ser maximizados/aprofundados.

271

Page 272: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

7.8 CONCLUSÃO

Nos Estudos Socioambientais do Componente Indígena referente aos povos Arara,

Kararaô, Asurini, Araweté e Parakanã das TIs respectivas Arara, Cachoeira Seca,

Kararaô, Koatinemo, Araweté/Igarapé Ipixuna e Apyterewa, ficou comprovado que devido

à magnitude dos impactos sócio-econômicos, culturais e ambientais, será necessário

realizar trabalho de campo nas seis TIs, tanto para fornecer um melhor esclarecimento do

projeto de engenharia do AHE Belo Monte para estes povos, como para buscar

informações atualizadas e garantir sua participação na elaboração dos Projetos básicos

ambientais específicos para o Componente Indígena.

É importante lembrar que a visita às seis TIs, realizada por membros da equipe deste

Componente Indígena - Regina Pólo Müller, Fabio Nogueira Ribeiro e Alice Villela Pinto,

conjuntamente com a FUNAI e a Eletronorte, para apresentação do projeto de engenharia

do AHE Belo Monte, ocorreu na etapa de conclusão destes estudos, impossibilitando que

se contasse com um prazo adequado para as devidas explicações sobre o

empreendimento e seus possíveis impactos para as populações indígenas. A equipe

concluiu que estas populações ainda estão sintonizadas com o projeto antigo do

empreendimento hidrelétrico e continuam acreditando que suas terras serão inundadas.

Outra questão a ser ressaltada, é que a participação dos indígenas está prevista na

elaboração dos PBAs, de acordo com a metodologia estabelecida pelas normativas da

FUNAI.

No entanto, mesmo antes da realização dos estudos com fontes primárias, a equipe

responsável por este Componente Indígena concluiu que ações de articulação

institucional para mitigar e/ou compensar os efeitos dos impactos são recomendados, com

relação a:

- Regularização fundiária da TI Cachoeira Seca;

- Desintrusão da TI Apyterewa;

- Programa de Monitoramento das Fronteiras das seis TIs;

272

Page 273: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

- Programas de Educação Indígena diferenciada para os povos indígenas;

- Programa de atenção à Saúde Indígena;

- Programa de Geração de Renda.

Julga-se que estas medidas e programas devem ser implementados durante a fase de

Instalação da infra-estrutura de apoio, para que na fase posterior - Instalação das obras

principais, quando o conjunto de obras do AHE Belo Monte será construído e o fluxo

migratório será maximizado - os impactos de alta magnitude para as seis TIs não

assumam maiores proporções.

Recomenda-se que os Planos, Programas e Projetos propostos nos demais

Componentes Indígenas da Peça Antropológica sejam considerados para os cinco povos

indígenas aqui estudados, de modo a se garantir ações integradas na área de educação e

saúde, uma vez que tratam-se de sistemas de assistência comuns a estes povos.

Foram analisados os Planos, Programas e Projetos propostos no EIA do AHE Belo Monte,

Vol.33, sendo selecionados aqueles que contemplam medidas mitigatórias e/ou de

compensação que podem ter reflexos positivos sobre o meio físico-biótico e sócio-

econômico e cultural das terras e povos indígenas aqui estudados. Os Planos, Programas

e Projetos selecionados foram:

273

Page 274: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

1. Plano de Gestão Ambiental (pág. 15)

2. Plano de Gestão dos Recursos Hídricos (pág 77)

2.1 Programa de monitoramento limnológico e de qualidade da água (pág. 101)

2.1.1 Projeto de monitoramento da qualidade da água (pág 102)

2.1.2 Programa de monitoramento do microclima local (pág 112)

3. Plano de conservação dos ecossistemas terrestres (pág 115)

3.1 Programa de compensação ambiental (pág 154)

3.1.1 Projeto de Criação de Unidades de Conservação (pág 155)

3.1.2 Projeto de Apoio às ações de implantação e manejo de Unidade de

Conservação já existente (pág 160).

4. Plano de Conservação dos Ecossistemas aquáticos (pág. 169)

4.1 Programa de Conservação e manejo de hábitats aquáticos (pág. 169)

4.2 Programa de Conservação da Ictiofauna (pág. 171)

4.2.1. Projeto de Aqüicultura de Peixes Ornamentais (pág 172)

4.2.2. Projeto de Monitoramento da Ictiofauna (pág 175)

4.2.3. Projeto de Incentivo à Pesca Sustentável (pág 179)

5. Plano de atendimento à população atingida (pág 197)

5.1. Programa de Negociação e Aquisição de Terras e Benfeitorias na Área Rural (pág 213)

5.1.1. Projeto de Regularização Fundiária Rural (pág 218)

5.1.2. Projeto de Reassentamento Rural (pág 224)

5.2. Programa de Recomposição das Atividades Produtivas Rurais (pág 234)

5.2.1 Projeto de Reestruturação do Extrativismo Vegetal (pág 250)

5.3. Programa de Recomposição/Adequação dos Serviços e Equipamentos Sociais (pág 299)

5.3.1. Projeto de Recomposição/Adequação da Infra-estrutura e Serviços de Educação (pág 300)

274

Page 275: Relatório ahe belo monte 5 povos 6 t is

5.3.2. Projeto de Recomposição/Adequação dos Equipamentos e Serviços de Saúde (pág 301)

6. Plano de Requalificação Urbana (pág. 304)

7. Plano de Articulação institucional (pág. 348)

7.1 Programa de Articulação e Interação Institucional (pág 355)

7.2 Programa de Fortalecimento da Administração Pública (pág 363)

8. Plano de Relacionamento com a População (pág. 369)

8.1 Programa de Orientação e monitoramento da população migrante (pág 372)

8.2 Programa de interação social e comunicação (pág 374)

8.3 Programa de educação ambiental (pág 377)

9. Plano de Saúde Pública (pág 414)

9.1. Programa de Vigilância epidemiológica, prevenção e controle de

doenças (pág 422)

9.2. Programa de Incentivo à Estruturação da atenção básica à saúde (pág

417)

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