relato de viagem jornalismo

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

RENATO MODERNELL

EM TRNSITOUM ESTUDO SOBRE NARRATIVAS DE VIAGEM

So Paulo 2009

2

RENATO MODERNELL

EM TRNSITOUM ESTUDO SOBRE NARRATIVAS DE VIAGEM

Tese Mackenzie parcial

apresentada como a

Univer sidade para

Pr esbiter iana requisito do obten o

ttulo de Doutor em Letr as.

Orientadora: Prof. Dr. Helena Bonito Couto Pereira

So Paulo 2009

M689e Modernell, Renato. Em trnsito: um estudo sobre narrativas de viagem / Renato Modernell 2009. 129 f. ; 30 cm. Tese (Doutorado em Letras) Universidade Presbiteriana Mackenzie, So Paulo, 2009. Bibliografia: f. 125-129. 1. Literatura comparada. 2. Jornalismo literrio. 3. Narrativas de viagem. 4. Gneros literrios. I. Ttulo. CDD 809

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RENATO MODERNELL EM TRNSITOUM ESTUDO SOBRE NARRATIVAS DE VIAGEM Tese apresentada Universidade Presbiteriana Mackenzie como requisito parcial para a obteno do ttulo de Doutor em Letras.

Aprovado em 1 de junho de 2009. BANCA EXAMINADORA _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _________________ _____________ Prof. Dr. Helena Bonito Couto Pereira Universidade Presbiteriana Mackenzie _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _________________ _____________ Prof. Dr. Edvaldo Pereira Lima U ni vers idade de So Paulo _______________________________________________ Prof. Dr. Celso Lu iz Falasc hi Pontifcia Universidade Cat lica de Campinas _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _________________ _____________ P ro f. D r. Jos Gaston Hilge r t Universidade Presbiteriana Mackenzie _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _________________ _____________ P r o f . D r. J o s C a r l o s M a r q u e s Universidade Presbiteriana Mackenzie

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Para Gianna Attardo

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AGRADECIMENTOS

Prof. Dr. Helen a Bonito caminhos e aparou arestas.

Couto

Pereira,

que

indicou

Aos professores doutores Diana L u z P e s s o a d e B a r r o s , M a r l i s e Vaz Bridi, Jos Gaston Hilgert, Maria Lcia Marcondes Carvalho Vasconc elos e Ana Lc ia Trevisan Pelegrino , pela cor dia l acolhida no Programa de Ps-Graduao em Letras e pelos subsdios fornecidos ao longo do curso. Ao Instituto Presbiteriano Mack enzie e ao Fundo M ackenzie d e Pesquis a (Mackpesquisa), pelo apoio recebido.

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RESUMO

Este estudo investiga de que modo a Narrativa de Viagem se articula com a fico literria . L e v a n d o e m c o n t a p r o c e s s o s d e composi o, recursos de estilo e o hibridis mo temtico, disc ute s e e s s a n a rra ti va co n sti tui um g n e r o r e p r e s e n t a t i v o d a c u l t u r a ps-moderna. Trs livros aparec e m e m p r i m e i r o p l a n o : A ltima c a s a d e p i o (T he l a st op ium den) , de Nick Tosches; M u l h e r d e Porto Pim (Donna di Por t o Pim) , de Antonio Tab ucchi; e U m adivinho me diss e (Un indovino mi diss e), de T iziano Terz ani. Nessas obras, os autores relatam suas impresses de viagem por pases do sudeste asitico e pelo arquiplag o dos Aores. Este trabalho correlaciona os textos entre si e a diversos outros. Palavras -chave: Literatura comparada. Jornalis mo Literrio.

Narrativas de Viagem. Gneros literrios.

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ABSTRACT

The

present to

paper

inv estigates fiction.

how Taking

Travel into

Narrative

is

c o n n e cted

l i te rary

consideration

composition proc esses, tools of style and t hematical hybridism, this study discus s es if these narratives can be con s idered as a signific a nt genre of post-modern c u l t u r e . T h r e e b o o k s a p p e a r a t f i r s t : The last opium den, by Nick Tosches; W o ma n o f P o r t o P i m , by Antonio Tabuc chi; and A f o r t u n e - t e l l e r t o l d me , by Tiziano Terzani. In these books the authors narrate their impression s while travelling t hrough t he southe a s t o f A s i a a n d a l s o t h r o u g h the archipelago of Azores. This p a p e r c o m p a r e s t h e s e t e x t s among themselves and with others. K e y w o r d s : C o m p a r a t i v e L i t e r a t u r e. Literary Journalism. Trave l Narrative. Literary Genres.

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SUMRIOINTRODUO, 10 I. VIAGEM NO TEMPO, 13 Herdoto inaugura o exagero, 16 II. LITERATURA E JORNALISMO LITERRIO, 21 Sedentrios e itinerantes, 28 Embreagem e debreagem, 34 Colombo e Marco Polo, 39 Passaporte sem carimbo, 43 III. TOSCHES: UMA PICADA DE COBRA, 50 Cem pginas de provocao, 54 Um caf para homens ocos, 59 Existencialismo gonzo, 64 Gangorra de linguagens, 69 IV. TABUCCHI: A TRAIO SUTIL, 76 Uma tragdia nos Aores, 81 A baleia flutua imvel, 85 O mundo de fato estranho, sabiam? 89 V. TERZANI: PERIPCIAS DO CAMALEO, 91 Dez livros, muitas viagens, 97 Nada de iluses com a China, 104 Uma transformao interior, 110 Fantasmas na Siemens, 119 CONSIDERAES FINAIS, 122 FONTES DE REFERNCIA, 125

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Like all great travellers , I h a v e s e e n mor e t h a n I r e me m b e r , a n d r e me m b e r mor e t h a n I h a v e seen.Essper George, personagem de Benjamin Disraeli no romance Vivian Grey (1826)

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INTRODUOH i n fi ni tas ma n eir as de via j a r . U m a d e l a s e s c r e v e r uma tese. Esta tese composta de muitas viagens dentro de uma viagem. Pretendo transmitir nestas pginas um pouco do que acumulei como saber de ofcio. Viajei bastante, na juventude , tanto por interesse pess oal quan t o p o r e n c a r g o p r o f i s s i o n a l , como reprter, a servio de diferentes public aes. As impresses sobre o que vi em outros lugares ficaram registradas nas numerosas reportagens que produzi para revistas e jornais de So Paulo. E s s a s c o i s a s , p a r a m i m , j s o u m a l embran a di stan te . J no viajo como antes. Vivo em um andar alto, em um edifcio no bairro de Pinheiros, e posso observar pela manh, ao longe, av ies que se aproximam par a pousar em Cumbica. Ento tenho a estranha impresso de jamais ter estado em lugar algum, a n o s e r aqui. S que este aqui de hoje no mais c omo o a q u i de ontem. Est impregnado de outros lugares. Agora, na maturidade, chega o momento de refletir sobre o que significa v i ajar de uma maneira m ais sutil: o pr ocesso de o b s e r v a o e s u a inf lu n c ia n a c o n s t r u o d a e s c r it a . M in h a experincia, s ela, n o b a s t a . T e n t o d e c if r a r e x p e r i n c i a s relatadas nos livros de outros autores, em diferentes pocas. Para o corpus d e s t e t r ab a l h o , e s c o l h i t r s l i v r o s d e autores contemporneos , no Brasil, de modo obras que melhor sob possamos div ersos entre a compartir suas formas de sent ir o mundo. Embora no muit o divulgadas so singulares, aspectos, e cons tituem bons exem p l o s d a i n t e r f a c e

11 literatura ficcional e o Jornalis mo Literrio. Trata-se de A l t i m a casa de pio ( The last opium den) , d e N i c k T o s c h e s ; U m adivinho me diss e ( Un indovino mi disse) , d e T i z i a n o T e r z a n i ; e Mulher de Porto Pim, de Antonio Tabucchi. Diversos livros congneres apar ecem num segundo nvel de apr oveitamento. Eles tambm fornecem subsdios concernentes ao tema. De algum modo, todos conversam entre si. Formam um ambiente dialgico n o m e n o s p r o p c i o a o o l h a r inquisitiv o do que ao puro p r a z e r d a l e i t u r a . Ao penetrar nesse campo de ressonncias, ns nos perguntamos se a Narrativa de Viagem constituir ia um gn er o com identidade prpria. Desde o famoso livr o de Goethe referente s suas andanas pela Itlia no sculo XVIII, at as narrativas atuais que aqui nos servem de objeto, detectamo s certos traos, na engenharia da prosa, que se devem peculiar mixagem da observao e da imagina o no hom em que viaja de corpo e alma. Examinar esses atributos, discuti-los e compar los sob diferentes aspectos cons t i t u e m o o b j e t i v o d e s t e e s t u d o . Ao final, esperamos ter mais cl ara em nossa mente a resposta para a pergunta de fundo, ou seja, se a Narrativa de Viagem dotada de uma potica pr pria e se pode ser cons iderada um gnero da escrita. P a r a c o m p r e e n d e r m e l h o r e s s a categoria textual e como ela se c o nstitui, lanarei mo d e a l g u n s t r a b a l h o s t e r i c o s . E s s a base conceitual inclui pesquisa d o r e s a t u a i s e p e n s a d o r e s d e outras pocas, no necessariamente especialistas e m literatura. Entre mecnica desenvolvi da as ferramentas de ao atrs, que utiliz o no para examinar uma a de Narrativa Viagem, elaborar dispens o que

anos

minha

dis sertao

mestrado na Univ ersidade de So P aulo (USP). Trata-se do qu e denominei fato res de fab ulao. Ou seja, os elem entos ca pazes de transportar um texto do plano da realidade ao plano da imagina o.

12 A ideia propulsor a desta tese de que esse tipo de texto, pelos fatores de fabula o que institui, e tambm pela maneira de lidar c om o imaginrio do leitor, constitui o nc leo d a zona de confluncia entre os domn ios da fico e da no fic o. A image m que s vezes utilizo, p ara ilustrar essa premissa, a do crculo central do gramado onde se pratica o jogo de futebol. Aquela regio do campo sobressai do resto, prope uma ideia d e integrao. Ali, o sonho e a realidade se misturam. Espero que minha sur r ada m ochila, com tantos quilmetros rodados, no se des i n t e g r e a o l o n g o d a s p g i n a s q u e t e m o s p e l a f r e n t e . P r o c u r a r e i t or n a r e s t a v i a g e m d e t r e m o mais agr advel possvel. Aos que a q u i e m b a r c a m , b o a s - v i n d a s a bordo.

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I. VIAGEM NO TEMPODocumentos antigos comprovam a importncia da

v i a g e m c omo tema de especulao filosfic a. E tam bm a aur a d o v i a j a n t e , c o m o u m i n d i v d u o que se enc ontr a num a situao especial, em contraste com a do h o m e m a rr a i g a d o . E s t e l t i m o , ontem como hoje, tende a ficar no local em que est, a menos que sinta alguma ameaa sua se gurana ou ao s e u futuro. Se isso no ocorre, as pessoas, em geral, no se movem; ao c o n t r r i o , a p r o f u n d a m r a z e s , per m anecem em contato com os hbitos da sua comunidade, e env elhecem sombra das rv ores que viram crescer. Sabemos , no entanto, que a vida feita de inter m itncia e i n s e g u r a n a . P o r i s t o s em p r e h, em maior ou menor escala , i n d i v d u o s q u e s e s e n t e m a t r ados pela poe ira das estradas e p e l o s v e n to s ma rti mos. Rem otas civilizaes se ocuparam em refletir sobre a figura do homem q u e s e d e s l o c a d e u m p o n t o a outro na superfcie da Terra. O t a r e g p c i o , c u j a o r i g e m pode r em ontar a cer ca de 5 mil anos , tem entre seus 78 arcanos um (o de nmero 56) dedicado ao tema Peregrinao. Ela entendida como um ato de purifica o interior. Associa-se possibilidade de redeno do indivduo, que para obt-la deve submeter-se a aflies e desafios ao longo do processo. Algo desse gnero s e aplic a aos devotos cristos que acompanhav am os cr uzados at a Ter r a Santa, na Idade Mdia, e aos peregrinos islm icos que se dirigem cidade de Mec a para um ritual que se mantm at os dias de hoje. Na viagem, h algo mais a ser deixado para trs

14 a l m do s cen ri o s exte rnos. O cenr io inter no tam bm tem que mudar. Na civ ilizao chinesa, o tema viagem tambm se faz p r e s e n t e d e s d e p r i s c a s e r a s . O I ching ( L i v r o d a s m u t a e s ) um compndio filosfico criado ant es do incio da d inastia Chou, em 1150 a.C. De l para c tem sido estudado e com entado no apenas por praticantes do taosmo, mas tambm por sucessiv as geraes de sbios do oriente e do o c i d e n t e . C a r l G u s t a v J u n g (1875-1961) redigiu um prefcio obra. Um dos 64 hexagramas do I c hi n g intitula-se O viajante ( L ) . Coincidnc ia ou no, ele t a m b m r e c e b e o n m e r o 5 6 c o m o o a r c a n o Peregrinao d o t a r e g p c i o. Esse hexagrama sinal gr fic o de seis linhas contnuas ou segmentadas, que conforme a combinao ger a diferen t es textos do que interpretativos pequeno, ou recomenda seja, no cautela, reserva e perseverana ao viajant e. Diz que ele pode ter sucesso atr av s dev e alimentar grandes ambies . Mas o viajante tambm no deve se ocupa r de coisas banais, c aso contrrio atrairia a d e s g r a a s o b r e s i . Q u a n t o m a i s humilde e indefesa for a sua situ a o e x t er n a , t a n t o m a i s e l e deve preservar a sua dignidade interior, recomenda o I ching. Tambm usa uma curiosa metfora como advertncia: se quiser evitar reveses, o viajante no deve jamais perder sua vaca, isto , sua modstia, sua prudncia, sua c a p ac i d a d e de adaptao. O I c h i n g chega mesmo a adotar um tom didtic o em relao ao viajante. Isso signific a reconhec er que para ele no bastam os ensinamentos comuns da vida em sociedade. Alg o m a i s p re ci sa ser d i to, pa ra que o v i a j a n t e c o n s i g a l i d a r c o m s u a situao singular, ao mesmo tempo privilegiada e f r gil. O fat o de que ele se move no mundo indi ca que algo se move dentro dele. A qu i ca b e re co rda r o conc eito de individua o c o n c e b ido por Jung: uma viagem do indivduo ao centro de si mesmo. Para

15 o psiquiatra e pensador suo, a i n d i v i d u a o u m p r o c e s s o d e evoluo psquic a que impele uma pessoa a realizar s uas potencialidades. Tal proc esso sur ge ou se acentua a partir de certa altura da vida, em geral n a m e i a - i d a d e . N e s s e m o m en t o , i n s t i t u mos co mo meta p essoal a l g o m a i o r , o u t r a n s c e n d e n t e , uma espcie de misso que se s u p e r p e a o s c o m p r o m i s s o s imediatos. Tal ampliao da conscincia faz o indivduo dar mais i m p o r t n ci a convices, longa, a sua s vozes int eriores insights press entimentos, do que s intuies, e impulsos, Ao etc.

condutas impostas pelo meio social. A jornada da individua o s olitria traioeira. cum pr i- la, segundo Jung, enfrentamos psic ologicamente os m e s m o s d e s a f i o s p r e v i s t o s e m rituais de inicia o de povos antigos. E m n u m e r o s a s c u l t u r a s , a i d e i a d e v ia g e m t r a z e m b u t i d a a premissa do amadurecim ento ps quico. Ent r e os islmicos, no diferente. O filsofo e poeta sufi Ibn al-Arabi (1164-1240), um dos mais prolficos escritores msticos do perodo medieval e tambm um calejado vi ajante, em sua obra K i t b a l - i s f r ( O L i v r o das revelaes sobre os efeitos do viajar) aborda a questo d e um modo tal que mistura os aspectos geogrfico e espiritual. A origem da existncia movimento , reflete. Nela, a imobilidade n o t e m l u g a r , p o r q u e s e a e x i s t n c ia fosse im vel ela voltar ia sua fonte, que o Vazio. Eis por q u e a v i a g e m n u n c a p a r a , s e j a neste mundo ou no que vir depois. Pode-se supor que em outra s c u l t u r a s , u r b a n a s o u tribais, dos aborgenes australia nos aos indgenas brasileiros, essas considera es de c arter filo s f i c o o u i n s t r u t i v o , q u e s e valem de uma linguagem simblic a para expor o significado da v i a g e m , ten h a m an te ce d ido em lar ga m ar gem os r elatos de viajantes tal como os ente n d e m o s h o j e n o o c i d e n t e , e q u e derivam da tradio europeia. Neste l t i m o c a s o , t em o s e m v i s t a aqueles textos que se preocupam m a i s c o m o q u e a c o n t e c e u durante a jornada. Narram fatos, apresentam personagen s,

16 descrevem cenrios, costumes e situaes que podem ser pic a s e cotidianas. Porm vale l e m br a r que, mesmo entre ns, ocidentais, a viagem nunc a deixou de s e r a l g o s i g n i f i c a t i v o . N e l a pode-se encontrar a vida ou a morte, mas em qualquer caso isso se dar longe do lugar onde fincamos razes. Portanto, h perigo.

Herdot o inaugura o exagero C o s t u m a - s e a t r i b u i r a o h i s t o r iador grego Herdoto, que viveu no sculo V a.C., a posio d e d e c a n o e n t r e o s a u t o r e s d e N a r r a t i v a s d e V i a g e m . E m s u a s a n danas, esteve no Eg ito, na Babilnia, na Ucrnia, na Itlia e na Siclia. Nesses e em outros lugares, depois como contou Em nos ao campos pblico de em batalha festivais He rdoto em que os grego s em de enfrentaram os persas, ele colheu m ater ial par a as histr ias que que foi ocorriam acusado diferentes cidades da Grcia. pocas pos teriores, exagerar na extenso das suas vi agens e na variedade de fontes utiliza da s para captar informaes. Algo s emelhant e se pas sou, sculos depois, c om o mercador Marco Polo, que ditou sua longa v i a g e m d e V en e za ao ori ente par a um com panheir o de pr iso, o escritor toscano Rustichello, de Pi s a. I s s o r e s u l t o u , e m 1 2 9 9 , n a publica o de Milion e , tambm conhecido c omo Liv r o das maravil h as. O veneziano no apenas levou a pecha de impos t or por parte de estudiosos e historia d o r e s , c om o t a m b m c h e g o u a s e r r i d i c u l a r i z a d o n a s r ua s , p e lo p o v o , p o r m e i o d a f i g u r a carnavalesca de um personagem b u f o e m e i o l u n t i c o . M e s m o a s s i m , o l i v r o f i c o u c l e b r e . A f i na l d e c o n t a s , n a q u e l a p o c a , n o era qualquer um que tinha tanta coisa para contar. A Idade Mdia no foi uma poca das mais propcias aos viajantes. Era um tempo de cidades cercadas por altos muros, plancies insalubres, assaltantes espreita nas curvas das estradas. Quase ningum se animava a se mover de um lug ar

17 para outro, se no tivesse uma razo imperiosa para faz-lo, como no caso de militares, peregrinos, saltimbancos e funcionr ios do correio. Os cruzados no ignoravam a dureza de sua jornada, mas a encaravam como o preo da salvao. Encontramos situao difer e n t e n o s c u l o X V I I I . O s i l u m i n i s t a s , a o d e f e n d e r e m a l i b e r d ad e d e p e n s a m e n t o e d e a o como forma de redimir o mundo, s p o d i a m v er c o m b o n s o l h o s o contato de um indivduo com um ambiente diferente do seu. Isto n o e r a d i f c i l d e l e v a r p r t i c a num continente apinhado de naes prximas e no muito e x t e n s a s . O m a p a d a E u r o p a sempre foi to retalhado quanto os vitrais de suas mais antiga s igrejas. O privilgio, f i l s of o para um Voltaire europeu, ( 1694- 1778) po der viajar consider ava e obser var um os

contrastes existentes entre os modos de viver dos ingleses, dos franceses e dos italianos. O linguista alemo Wilhelm Humboldt (1767-1835), amigo dos poetas Goethe e Schiller , estudou a relao entre as estruturas dos i d i o m a s e a o r g a n i z a o m e n t a l dos povo s que os utilizav a m . Por conta diss o, fez questo de ir a Paris e v er de perto a Rev oluo F r ancesa. A essa altura, tinhase a noo de que mov er-se por o u t r a s t e r r a s , e xp e r i m e n t a r outros costumes, ouvir novos sons, provar comidas diferentes , tudo isso constitua etapa essencia l no cam inho das luzes. J na primeira dcada do sculo XX, o e scr itor ur uguaio Jos Enr ique Rod (1872-1917) refletia sobre os efeitos positivos da viagem sobre a formao do carter individual:O viajar dilata nossa faculdade de empatia, fora que contribui para a imitao transformante, redimindo-nos da recluso e da modorra nos limites da prpria personalidade. [...] A primeira viagem que fazes uma iniciao liberadora de tua fantasia, que rompe a falsa uniformidade das imagens que forjaste s com os elementos da tua realidade circunstante (ROD, 1920, p. 245, traduo nossa).

18 A palavr a alem Bild u n g , traduzida grosso modo p o r cultura, nas lnguas latinas, na verdade tem alcan ce semntico mais amplo, referindo-se ao processo de formao de um indivduo ou de um povo. Ela ilustr a bem o esprito da poca do Iluminis mo. As viagens, s egundo a concep o dos europeus em geral ao fim da Idade Moderna, tinham um sentido formativo e complementar escola. Na verdade, o I luminism o consolidou um a tendncia inic iada no sculo XVI. A mudan a d e m e n t a l i d a d e o c o r r i d a n a Europa a partir da Reforma j havia estimulado o interesse de conhecer pases estrangeiros. Foi o in c io do Grand Tour. Rapazes ingleses com cerca de 25 anos, filhos das class e s abastadas e sados das universidades de Oxford ou Cambridge, a n t e s de assu mi rem responsabi lidades no mundo do trabalho, p a s s a v am u m p e rod o de seis m es es a d o i s a n o s a v i a j a r p e l a s p r i n c i p ai s ci d a d e s d a E u r opa m eridional. Roma, por exem plo, no podia faltar em seus roteiros. Assim , aps um contato dir eto com os monumentos clssicos, esses jovens supostamente a t i n g i r i a m u m stat u s intele ctual con dizente c om as exignc ias d a poca.Com Francis Bacon e os empiristas do sculo XVII, os sentidos na poca medieval considerados como o caminho do pecado e da corrupo e, em particular, a viso, passaram a ser vistos como canais voltados para a alma. Logo ficaria evidente que essa nova concepo conferia uma dignidade filosfica aos viajantes e lhes dava um certo prestgio. [...] O Grand Tour deu origem profisso do preceptor viajante, que tinha como funo zelar pela moral do nobre durante a viagem, fazer reservas nas hospedarias, ocupar-se de sua introduo nas artes, nos livros e junto aos homens cultos, e avaliar seu progresso nas qualidades que eram admiradas nas cortes e nos meios literrios. Os preceptores viajantes criaram os novos mtodos de viagem, estabeleceram as categorias de observao e as tcnicas para se registrar as experincias, e escreveram guias da Itlia e da

ao

conhec imento

que

era

possvel

obter

na

19Frana, na poca centros da arte e dos modos refinados da nobreza. Dessa forma, o jovem senhor nobre deveria manter um dirio de viagem, no qual registrava suas observaes. Alguns preceptores viajantes se dedicaram particularmente formulao de esquemas e questionrios, que mais tarde deram origem aos relatos de viagem. Outros, como o italiano Giuseppe Baretti (1719-1789), escreveram relatos em forma epistolar ou de dirios. Lettere familiari a suoi tre fratelli, de 1762, descreve, em cartas, as viagens que o autor empreendeu Espanha e a Portugal (MARCOLINI, 2003, p. 4041).

No incio se fa zia o G r a n d T o u r c l s s i c o , no qua l predominavam os aspectos culturais, com visitas a museus, galerias de arte e locais histric os. Em um segundo momento, o principal cenrios interesse naturais, dos viajant e s que voltou-se se para os amplos Tour r oteiro denominou

Grand

romntic o. Porm em ambos os casos entendia-se que a viagem no era apenas de instruo, mas tambm de lazer. A vid a m u n d a na , co m tod o s o s seus atr ativos, constitua um a espcie de agenda paralela dos jovens endinheirados e tambm de espritos maduros, apolneos, como Goethe, que s aos 37 anos inic iou s ua viagem pela Itlia, realizando- a entre os anos de 1786 e 1788. Cerca de quatro dcadas mais tarde, quase octogenrio, o gnio alem o cunharia o termo Weltliteratur par a designar a vertente cosmopolita e tr a n s n a c i o n a l d a l i t e r a t u r a . E l a pressupe, clar o, a disponibilidade do es cr itor para imerses em cenrios e valores culturais diferentes dos seus. A popularizao do G r a n d T o u r , a partir do sculo XVIII, fez proliferar pousadas e hospedar ias. Nessa poca surgiram t a m b m o s p ri mei ro s rel at os de v i a g e m c o m a m p l a d i s t r i b u i o n a E u r o p a . E s s e s t e x t o s d i s t r a a m os leitores , por um lado, e p or outro estimulavam ainda mais a mania de viajar. Essa mania, hoje, chega a provocar situaes inau ditas. H cerca de dez anos, no centro da Austrlia, os aborgenes anangus criaram sua prpria oper adora turstica para atrair

20 visitantes a seus locais s agr ados. Se pensar m os nos aspectos profanantes do turismo massivo, no nos faltariam razes par a desconfiar da modernidade. No comeo do sculo XXI, Umberto Eco escreveu um artigo sagaz, mas nada auspic ios o, sobr e o ato de viajar na p o c a em q u e vi ve mos. Em Andare nello stesso posto (Ir ao mesmo lugar), publicado em f e ver eir o de 2001 na r evista italia na L e s p r e s s o , o autor sustenta que nunc a se viajou tanto q u a n t o a g o ra, mas e sse fluxo inc e ssante faz, cada v ez mais, os lugares se parecerem uns aos outros. Em suma, argumenta ele, j n o ma i s vi aj am os para o desconhecido, como faziam nossos ancestrais. Viajamos, isto sim, para confirmar o que j vimos na tela da televiso. Me smo assi m, os r elatos de v i agem que fogem d o padro continuam a nos encant ar . Os homens que con t am histrias ocorridas em lugares distantes parecem sempre ter provocado no pblico, ao longo do t e m p o , u m m i s t o d e f a s c n i o e desconfiana. A dvida por no sabermos at onde v ai a imagina o do autor Herdoto ou noss o prprio av em relao aos elem entos comprovveis constitui, sem dvida, um atrativo a mais. Ele talvez nos ajude a entender por que, enquanto tantas outras modalidad e s d e e s c r i t a s u c u m b e m a o tempo, a Narrativa de Viagem se m a n t m v i v a e s a u d v e l h 2 5 sculos.

21

II. LITERATURA E JORNALISMO LITERRIONosso trem para na velha e s t a o d e H i p o n a , q u e a atual cidade de Annaba, na Argl i a . A q u i e m b a r c a o t e l o g o Santo Agostinho. Em s eu livro autobiogrfic o Confis ses, escrito entre os anos 397 e 398, expressa sua dificuldade em definir o tempo. Se ningum me pergunt a r , e u s e i , g a r a n t e . M a s , s e q u i s e r e xp l i c -l o a qu e m m e fiz e r e s t a p e r g u n t a , j n o s a b e r e i d i z - l o . Uma dificuldade semelhante a e s s a o c o r r e e m r e l a o literatura. No fcil defini-la de modo preciso e, ao mesmo tempo, abrangent e. Se miramos num alvo, aparece m outros. Acertamos na mosca, mas aquilo um f u r o . A t n i t o s c o m o S a n t o Agostinho, ficamos tentados a diz er algo mais ou menos assim: Literatura quando se constri uma frase de d e n t r o p a r a f o r a . Isso, em duplo sentido: de dentro de ns e de dentro da frase. E ssa necessariamente ideia a pode mais s er sugestiva, aos m as no dest e adequada propsitos

trabalho. demasiado vaga, e tam b m h e r m t i c a , j q u e e x c l u i indivduos no envolvidos com o o f c i o d a e s c r i t a . N o e n t a n t o , mesmo estes podem sentir que a penltim a frase do pargrafo a n t e r i o r t e m , a s e u m o d o , a l g u m grau de veracida de. Por que ento nos causa certo receio? Ora, porque uma frase literria. Pode haver certo risco em se tent ar definir a literatura a partir dela prpria. Num trabalho acad mico, no basta o sopro das musas para se alar voo. Sabemos , sim, o que lit eratura. Mas se nos p e rmi ti rmo s tom ar emprestada a ideia de Santo Agostinho melhor que no nos perguntem.

22 Muitos autores buscaram e continuam a buscar um conceito satisfatrio para a literatura. O ensasta blgaro Tzvetan Todorov refere-se a um tipo de texto que[...] produz um tremor de sentidos, abala nosso aparelho de interpretao simblica, desperta nossa capacidade de associao (TODOROV, 2009, p. 78)

Mas parece que isto ainda no nos basta. Vamos ver o que tem a nos dizer o passageiro que embarca na estao seguinte: Manchester, noroeste da I nglaterra. O filsofo e crtico literrio Terry Eagleton traz na pasta de couro seu livro mais c o n h e c i d o . N e l e , a f i r m a s e r p o s s v el definir a literatura como a escrita imaginativa, no sentido d a f i c o , m a s d ep o i s r e p e n s a o assunt o e acaba por concluir que tal definio no procede. A s e g u i r , re fl ete :Talvez nos seja necessria uma abordagem totalmente diferente. Talvez a literatura seja definvel no pelo fato de ser ficcional ou imaginativa, mas porque emprega a linguagem de forma peculiar. [...]. A literatura transforma e intensifica a linguagem comum, afastando-se sistematicamente da fala cotidiana. [...] Trata-se de um tipo de linguagem que chama a ateno sobre si mesma e exibe sua existncia material, ao contrrio do que ocorre com frases tais como Voc no sabe que os motoristas de nibus esto em greve? (EAGLETON, 1994, p. 2)

Eagleton faz bem em duvidar de que o fato de um texto ser supostamente ficcional ou im aginativ o, como diz, seja a pedra angular par a consid er - lo liter r io . Se houv esse nasc ido duzentos anos antes, e lido o rela t o atnito de seu conterrneo James Cook sobr e um animal to intrigante quanto o cangur u, Eagleton talvez tivesse colocado o descobridor da Austrlia na galeria dos grandes no ficcionistas . havia Marco homens Polo, com bem antes , de registrara que oriente cabeas

cachorro. E as fantsticas bale i a s d o s A o r e s , q u e A n t o n i o

23 Tabucchi descrev e? Borges teria includo es ses prodgios em O livro dos seres imaginrios, j u n t o c o m o s d r a g e s , s e q u a n d o o escreveu, j no sculo XX, no dispuses se de meios m a is eficazes para separar o joio do trigo do que os venezianos do s c u l o X IV ou os i n g l ese s do s c u l o X V I I I . N o t e m p o d e M a r c o Polo ou de James Cook , v a l i a a p a l a v r a d o n a r r a d o r e a s s u n t o encerrado. O grau de verificabilidade de uma afirmao ou de um relato condiciona a lgica do pensamento de sua poca. O que tido como fico, hoje, pode no s - l o a m a n h , o u v i c e - v e r s a . Atrelar a literatura ao prerrequisito da verificabilidade seria u m a forma de menosprez-la. No o que desejamos, claro. J a ideia de que a literatur a transforma e intensifica a l i n g u a ge m comum, a i nd a que nos par ea im pr ecisa, adequada para designar uma forma de escrit a cuja fonte primordial o fundo do corao. Podem os adot-la , c o m o a p o i o t e r i c o , p a r a o s p r o p si tos de ste estu d o. P o r m , q u a n d o E a g l e t o n d i z , m ais adiante, ou d a e n t e n d er , qu e a s u p o sta banalidade da fr ase V o c n o s a b e q u e o s moto ri sta s d e n i bu s esto em gr ev e? a s itua fora dos domnios da literatura, ento precis am os r efletir m elhor sobr e o assunto. A coisa no to simples. A frase sobre a greve dos motoristas s nos soar banal, de fato, se vivemos em uma cidade grande, atulhada de nibus e s a t u r a da mesma de no tci as sobr e a r ealidade a im ediata, que consumimos com o olho grudado na televis o. Porm essa situao corriqueira comea ganhar contorno s singulares, ou quem sabe literrios, quando a deslocamos de seu contexto temporal ou espacial. Imaginemos que a pergunta proposta por Eagleton s e referisse no a m otoristas de nibus, mas a condutores de bigas, jangadas ou disc os voadores. Eles e s t o e m g r e v e , n o s d i z em . Ora, esse fato, na es sncia s emelhant e ao pr imeiro, no s desperta a aten o por c ausa do deslocam ento de contexto. Um

24 f e n m e n o c o n h e c i d o , a g r e v e n o s t r a n s p o r t e s , o c o r r e n um a poca ou num ambiente distante, estranho, talvez encantador, n a s p r a i a s d o n o r d e s t e , n a R o m a antiga ou num pla n eta fora do sistema solar. Verifica-se a, portanto, um lapso, um salto, uma m u d a n a d e c e n r i o o u s e j a , um a viagem , entendid a e sta p a l a v r a n o se n ti do mai s am plo, c l ar o. Houve um tr anspor te da imagina o, com base em um estmulo exter no (uma notcia, um relato), a um contexto j no t o c o n h e c i d o c o m o a c i d a d e o n d e v i v e m os. Disso se depreende que, em si, o fato referido (a greve) no bast a para aquilatar o teor lit e r r i o d e u m a f r a s e . E l e tambm sofre influncia direta do grau de intimidad e ou interesse do leitor em relao ao contexto em que ocorre aquilo que lhe contado. A ins e ro des se algo que e le conhece num ambiente que ele desconhece produz, como num passe de mgica, uma espcie de fascni o no receptor. Queremos conhecer a maneira como as coisas se passam num mbito que nos pouco familiar. Esse fas c nio o princpio ativo da Narrativa de Viag em, cuja origem imemorial quase s e c o n f u n d e c o m a d a p r pr i a l i t e r a t u r a . V a m o s e m f r e n t e , portanto, deixando para trs a neblinos a Manchester onde Eaglet on embarcou. Surgem as luzes de Berlim. Na t er c e i r a e s t a o , v e m o s entrar no trem outro pensador que pode ser til para o panoram a t e r i c o q u e p r o c u r a m o s c o m p o r . Trata-se do filsofo Walter B e n j a m i n ( 1 8 9 2 - 1 9 4 0 ) , c o m s e u s cu l o s d e a r o s r e d o n d o s e s e u espesso bigode. Ao refletir sobr e o trabalho do narrador, ele nos fornece mais subsdios para a abordagem do nosso tema.A experincia que passa de pessoa a pessoa a fonte a que recorreram todos os narradores. E, entre as narrativas escritas, as melhores so as que menos se distinguem das histrias orais contadas pelos inmeros narradores annimos. Entre estes, existem dois grupos, que se

25interpenetram de mltiplas maneiras. A figura do narrador s se torna plenamente tangvel se temos presente esses dois grupos. Quem viaja tem muito o que contar, diz o povo, e com isso imagina o narrador como algum que vem de longe. Mas tambm escutamos com prazer o homem que ganhou honestamente sua vida sem sair de seu pas e que conhece suas histrias e tradies. Se quisermos concretizar esses dois grupos atravs dos seus representantes arcaicos, podemos dizer que um exemplificado pelo campons sedentrio, e outro pelo marinheiro comerciante. Na realidade, esses dois estilos de vida produziram de certo modo suas respectivas famlias de narradores. Cada uma delas conservou, no decorrer dos sculos, suas caractersticas prprias. [...] A extenso real do reino narrativo, em todo o seu alcance histrico, s pode ser compreendida se levarmos em conta a interpenetrao desses dois tipos arcaicos. O sistema corporativo medieval contribuiu especialmente para essa interpenetrao. O mestre sedentrio e os aprendizes migrantes trabalhavam juntos na mesma oficina; cada mestre tinha sido um aprendiz ambulante antes de se fixar em sua ptria ou no estrangeiro. Se os camponeses e os marujos foram os primeiros mestres na arte de narrar, foram os artfices que a aperfeioaram. No sistema corporativo associa-se o saber das terras distantes, trazidos para casa pelos migrantes, com o sabor do passado, recolhido pelo trabalhador sedentrio (BENJAMIN, 1994, p. 198-199).

Esse

fragmento

de

Benjam in

valios o

por

dois

aspectos. Primeiro, por ressaltar a importncia histrica d o n a r r a d o r como a l g u m q u e v e m d e l o n g e . O t e x t o q ua s e c h e g a a dizer, mas deixa nas entrelinhas, que essa situao especial do homem que viaj a, e v coisas que pouc os veem, lhe d uma credibilidade especial junt o a seus p a r e s . Q u e m s e a t r e v e r i a a duvidar da palav ra de algum to distint o como o comandante Cook? Em segundo lugar, Benjamin ressalta o contraponto entre esses dois grupos que cham a de famlias de narradores: o sedentrio e o itinerante, res pectivamente representados pelo c a m p o n s e p e l o m a r u j o . E , m a i s do que is so, ele prope a ideia

26 d e q u e a f o r a d a a r t e n a r r a t i v a , na formao cultural dos povo s, resulta da integrao de relatos de naturezas diferentes. Deve-se observar, porm, que o narrador sedentrio que no se move e, por is so, tem a c h a n c e d e c o n h e c e r a f u n d o as histrias produzidas no lu g a r e m q u e v i v e , e m d i f e r e n t e s p o c a s n o est prop ri am ente im vel , ou seja, algem ado s c i r c u n s t n c i a s d o m o m e n t o . E l e tambm faz suas viagens, s que no tempo, no no espao, ou quem sabe na s f r e s t a s d o espao pelas quais o tempo flui. Um ancio, um artista ou um sbio tambm podem ser percebidos como algum que ve m d e longe. Machado de Assis, que quas e n u n c a s a a d o R i o d e Janeiro, era capaz de ver tudo o que quis esse ver na Rua do Ouvidor e em um punhado de out r a s a l i p o r p e r t o . N o f i n a l d o sculo XIX, em 11 de nov embro de 1897, ele afir m ava em sua crnica semanal na Ga ze ta de Notcias:Eu gosto de catar o mnimo e o escondido. Onde ningum mete o nariz, a entra o meu, com a curiosidade estreita e aguda que descobre o encoberto. Da vem que, enquanto o telgrafo nos dava notcias to graves como a taxa francesa sobre a falta de filhos e o suicdio do chefe de polcia paraguaio, cousas que entram pelos olhos, eu apertei os meus para ver cousas midas, cousas que escapam ao maior nmero, cousas de mopes. A vantagem dos mopes enxergar onde as grandes vistas no pegam (ASSIS, 1985, p. 772).

H ness a machadiana miopia criativa um modo de ver as c o u s a s que capaz de traduzi-las e de renov-las. Todos ns j deparamos alguma vez, na vida real ou na s pgin as impressas, com esse homem que viajou no tempo. Ele pode s er, p o r e x e m p l o , o p e s c a d o r S antiago, de Hemingway, em O v e l h o e o mar, ou o fanfarro Alexis Zorba, de Nikos Kaz antzakis, em Zorba, o grego, para recordar dois livros d e a m p l a d i f u s o e m meados do sculo passado. Mas pode s er tambm o ltimo s a p a t e i r o d o b a i r r o , c o m q u e m c os t u m a m o s p r o s e a r . Q u e e s s a

27 figura meio medieval, meio atemporal, seja mais ou menos valorizada, conforme o meio em que se vive, j outra quest o e no cabe discuti-la aqui. O h o m e m que v e m de longe, m as nunc a se m oveu, r em et e- nos hi pt es e de Fernand Braudel (1902-1985), hist or iad or f r ancs q u e e n s i n o u n a U S P e m m e a d o s d a d c a d a d e 1 9 3 0 , s o b r e a p l u r a l i d a d e d a s d u r a e s . S e g u n d o Br aude l, o tempo da histria se desdobra em trs planos: o tempo geogrfico, dimenses almanaques. o no tempo Mas se social e nos o tempo em individual. Essas nos nos aparecem guias tursticos total nem

entrelaam,

harmonia,

relatos desses homens de cabedal que podemos considerar narradores sedentrios espera de um narrador itinerante. No Jornalismo Literrio, o reprter tem de estar atento para encontrar, em cada lugar que visita, os porta-vozes dessas diferentes dimenses do tempo. Viajar como conversar com homens de outros sculos, observou Ren Descartes . M a s a f r a s e d o f i l s o f o francs pode ser expandida para al m da dimenso temporal. Durante a viagem, ao pas sar compem mundo especial, pelas suces sivas f i l t r a g e n s q u e por vezes temos chance de

conhecer pessoas (at de nossa prpria terra) que pertencem a outra esfera social. Realiz a-se a s s i m u m e n c o n t r o i m p r o v v e l e m condies normais. Vejamos um caso. No final do sculo XIX, em um trem na Europa, o imperador Pedro II te v e F r i e d r i c h N i e t z s c h e c o m o c o m p a n h e i r o d e v ia g e m . C o n s t a q u e o f i l s o f o a l e m o g o s t o u d a prosa mantida com o monarca brasile iro, e at o elogiou. Par ece fico. Um encontro entre esses dois homens seria pouco provvel caso fossem conterrneos e e s t i v e s s e m e m s e u p r p r i o p a s . Mesmo se po rven tu r a e m b a r c a s s e m n o m e s m o t r e m , n o partilhariam o mesmo vago. difci l i m a g i n - l o s a l i , f r e n t e a frente, a trocar ideias des compromissadas, tendo co mo pano de fundo o cenrio externo que desliza pela janela do trem.

28 N e s s e c a s o , v e r i f i c o u - s e u m a m is t u r a d e e s f e r a s s o c i a i s , uma quebra de barreiras propiciada pela s i tuao d e viagem . O filsofo e o monarca, ambos em t r n s i t o , t o r n a r a m - s e i g u a i s perante o fato s upremo de esta r e m s e n d o a r r a s t a d o s f r e n t e pela mesma locomotiva, e sobre os mesmos trilhos. A frase de Descartes, portanto, se aplicaria no apenas (em seu sentido figurado) a homens pertencentes a sculos difer entes, mas tambm queles que, mes m o cont e m p o r n e o s e n t r e s i , t r a n s i t a m e m a mbi en te s qu e n o s e com unic a m d e n t r o d o s l i m i t e s d o mundo comum. precis o que pelo m e n o s u m d e l e s e s t e j a e m t e r r a estran h a . Vale a pena chamar a at eno para o fato de que, quando o narrador itinerante conta histrias de outras plagas , vale-se t ambm de contedos qu e per tencem ao acer vo d os n a r r a d o r e s s e d e n t r i o s r a d i c a d os naqueles tais lugares que visitou. Marco Polo, quando voltou a Venez a para c omunicar aos conterrneos o que vira em seu pr iplo pelo oriente, no narrou apenas s uas andanas e observae s. Registrou d a t r a di o . tambm o que ouviu de pessoas sedentrias, ent endidas aqui como repositrios

Sedentr ios e itinerantes Com as consider aes feitas at aqui, pe rcebemos a importncia dos viajantes por su a f u n o p o l i n i z a d o r a n o r e i n o da narrativa. Mas tambm nos damos conta do quanto fundamental o homem sedentrio que o municia e tambm o e s c u t a . S o mun d o s co mplem entar es. Um alim enta o outr o. Tratamos aqui do narrador it i n e r a n t e , d a q u e l e q u e v ia j a , mas no perdemos de vista sua necessria con t raparte, o sedentrio. As obras selec ionadas para o c or pus deste trabalho foram produzidas por homens q ue tambm atuaram, nos lu gares onde estiveram, como arquelogos do que ocorrera ali em outros tempos.

29 A intera o entre os narradores it inerante e sedent rio no o nico fenmeno responsv el por instalar a Narrativa de Viagem numa zona de confluncia co m a dita liter atur a ficcional. Outros meca n i s m o s, no mais ou m enos evidentes, um dos tam bm nos sos interferem propsitos. Em um trabalho anterior, como j disse, procurei compor u m p a i ne l do s f ato res d e fabula o . O e x c e r t o a b a i x o d u m a ideia mais clara sobre o assunto:Quando falamos em fabulao, aplicada ao universo do jornalismo, queremos nos referir a textos embasados em fatos pblicos ou plausveis, mas cujos atributos internos (de enfoque ou linguagem) levam o leitor pelos caminhos da fantasia, sem que ele necessariamente o saiba. Ele pode chegar mesmo a comprar gato por lebre, em certos casos, quando ocorre falseamento dos fatos, mesmo num texto dito objetivo; mas em outros pode simplesmente deixar-se envolver por artifcios estticos, quando o autor lana mo de recursos literrios. Por conseguinte, os fatores de fabulao so entidades amplas e multiformes. Atuam de maneira direta (quando eles prprios so os agentes ficcionais) ou indireta (quando so apenas condies facilitadoras). De modo geral, podemos defini-los como as caractersticas intrnsecas ou extrnsecas de um determinado texto que nos permitem enquadr-lo como fico (MODERNELL, 2004, p. 29).

processo.

I n v estig-los

A adjetiv ao tendencios a , por exemplo, um dos mais recorrentes entre os dispositivos textuais que podem atuar com o fatores de fabula o. E funciona. O prprio adjetivo tendencios a seria des necessrio para expor a id e i a c o n t i d a n a p r i m e i r a f r a s e deste pargrafo. O seu uso apenas r efor a o poder de per suaso q u e e s te au to r, co mo qualquer outr o, alm eja ter sobr e s eus leitores. Neste caso, a palavra tendenciosa , e l a m e s m o , t e n d e n ci o sa . P a ra mui tos leitor es, esse detalhe ter ia pass ado batido, sem esta breve pausa para deteco. Outros fatores de fabulao, mais sofisticados, no dizem respeito ao plano da e s c r i t a , m a s s i m a o s i s t e m a d e

30 crenas no qual o redator est imerso, e cujos valores reprodu z com maior ou menor grau de conscincia. So fenmenos que ocorrem nos planos sociolgico, poltico ou at mesmo, se preferirmos, no que Ju ng chamou de inconsciente c oletivo. Dois exemplos so os equvocos cristalizados e a confir mao do pacto social, que discuti em meu anterior trabalho de mestrado. Para seguirmos em frente neste estudo, precisamos ter e m m en te u ma d e fi ni o sucinta d o s f a t o r e s d e f a b u la o . S o dispos itiv os de linguagem ou fo r m a s d e c a p t a o d a r e a l i d a d e que fazem o mundo da fantasia se infiltrar naquilo que, em princpio, se prope ao leitor como uma nar r ativa de fatos reais . O s f a tores de f ab u l a o tm par entesco com os p r i n c p i o s mediador es r e f e r i d o s p o r u m s e n h o r d e b i g o d e b r a n c o q u e e n t r a no trem, em uma rpida parada na USP. No, no se trata de Fernand Braudel. Estamos em outra dimenso do tempo. Q u e m e m b a r c a n e s s a e s t a o o c r t i c o lit er r io Ant onio Candido. Ele toma assento e declara:[...] O sentimento da realidade na fico pressupe o dado real mas no depende dele. Depende de princpios mediadores, geralmente ocultos, que estruturam a obra e graas aos quais se tornam coerentes as duas sries, a real e a fictcia (CANDIDO, 1970, p. 67).

Examinemos que modo os fatores de fabula o atuam na N a r r a t i va de V i a g e m, to r nando- a um a r ea m ais pr xim a da literatura de fico do que ocorre no ca so da reportagem convencional, quando esta ltima no implica deslocame n t o geogrfic o. Ou seja, quando seu aut or aquele que, segundo Benjamin, poderamos qualificar com o nar r ador sedentr io. Dito de outro modo, nosso propsito compreender por que o fato de o observador estar em trnsito por determinado l u g a r o faz con e c ta r-se de m odo es pecial ao m undo exter no; s ua condio de mobilidade constituiria, em si mesma, um fator de fabulao. Esta hiptese no estranha ao senso comum. Todos s a b e m os, p o r exp e ri n ci a, que ao vi a j a r p e r c e b e m o s a s c o i s a s e

31 as pessoas de um modo diferent e d o h a b i t u a l , n o l u g a r o n d e vivemos ou fomos criados. Contrastes tnues se ace ntuam . o que nos mostra o jornalista e escr itor italiano Alber to Ar basino, autor de fices, ensaios e livros de viagem. O trem faz sua quinta parada: Milo. Arbasino entra trazendo um texto seu, que contm um detalhe captado na Austrlia:A distncia que os australianos guardam um do outro, em qualquer paisagem, d uma agradabilssima sensao de agorafobia o contrrio da claustrofobia confortante e reparadora. Eles se detm e conversam entre si a no menos de dois metros de distncia, em grupinhos esparsos e distantes [...] (ARBASINO, 1981, p. 75-76, traduo nossa)

O autor do presente estudo no teria por que desconfiar de Arbas ino. Uma amiga australiana, radicada no Brasil h q uas e trs dcadas, conta que em suas e s p o r d i c a s v i s it a s t e r r a natal cos t uma ouvir queixa s de am igos e fa miliares porque e l a l h e s f a l a m u i t o d e p e r t o e , p i o r ainda, toca neles, ou abr aa- os em situaes fortuitas. Enfim, est muito pegajosa, maneira brasileira, e isto deixa os australianos um pouco incomodados . Vale tam bm citar o caso semelhante de uma jovem universit ria residente em So Paulo . E m v i s i t a c id a d e n a t a l n o interior do Estado, com pouco mais de 30 mil habitan tes, ela se impacientava ao sair para caminhar com as pessoas dali. Antes de atravessar a rua, elas paravam na calada par a espera r a p a s s a ge m d e u m ca rro que v i nha ainda a um a quadr a de distncia. Provavelmente a moa fazia o mesmo quando vivia em Agudos. Mas agora, ali, j era uma pessoa e m t r n s i t o , q u e t i n h a sua base assentada em um local com outros cdigos, outros ritmos, outros protocolos. Podia, p o r t a n t o , o b s e r v a r d e f o r a . A distncia no importa. Pode ser tanto os 16 mil quilmetros areos entre a Itlia e a Austrlia qua nto os 330 quilmetros rodovirios ent re S o P a u l o e A g u d o s . O f a t o q u e o ritual do estranhamento se realiz a. Basta o observ ador ser um viajante. Esse estado psicolgico diferenciado (mais poroso,

32 diramos) produz efeitos sobre o processo, em si, da captao da realidade. A alquimia se estabele c e na medida em que a viagem se encaixa, de algum modo, no processo de indiv i duao do viajante. Se alguma dvida nos resta sobre isso, dissip a-se ltima baforada da locomotiva . Ela faz sua sexta parada: Amsterd. Aqui embarca um e scritor holands volta e meia cogitado para o Prmio Nobe l. Cees Noot eboom um globet r o t t er . Viajar a minha maneira de est a r q u i e t o , d e c l a r o u c e r t a vez. Des de os 17 anos ele se movi m e n t a p e l o s q u a t r o c a n t o s d o mundo de forma quase compulsiva.Viajar algo que voc tem de aprender. Trata-se de uma constante negociao com as outras pessoas, durante a qual voc se encontra s. E aqui reside o paradoxo: voc se move sozinho em um mundo que controlado pelos outros. So eles os donos daquela pousada familiar onde voc precisa alugar um quarto, eles que decidem se h lugar para voc em um voo que s parte uma vez por semana, eles que, sendo mais pobres, almejam tirar alguma vantagem de voc, eles que so mais poderosos porque podem recusar um carimbo ou um documento. Eles falam lnguas que voc no pode entender, lhe barram a entrada em uma balsa ou sentam-se ao seu lado em um nibus, vendem-lhe comida no mercado e indicamlhe um caminho que pode ser certo ou errado, s vezes eles so perigosos, mas em geral no so, e tudo isso est l para ser aprendido: o que voc deve fazer, o que voc no deve fazer e o que no deve jamais fazer. Voc tem de aprender a lidar com a bebedeira dos outros e com a sua prpria; voc tem de saber reconhecer um gesto e um disfarce, pois no importa o quo solitrio voc esteja, sempre estar cercado de gente; por suas expresses, suas ofertas, seu descaso, suas expectativas. E cada lugar diferente, nenhum deles vai se parecer com aquilo que voc est acostumado no pas de onde veio (NOOTEBOOM, 2006, p. 3-4, traduo nossa).

Um

viajante

calejado

como

Nooteboom

acaba

por

treinar-se em captar detalhes que o turista despreza , em seu af por aproveitar o tempo e cumprir o roteiro preestabelecido.

33 Ve j a m os, n e sta refl ex o , com o o prprio local de hospedagem, por exem plo, pode ser um subtema da viagem:[] Um hotel um mundo fechado, um territrio demarcado, um claustro, um lugar onde se entra por vontade prpria. Os hspedes no esto ali por acaso, so membros de uma ordem. Seus quartos, sejam simples ou luxuosos, so suas celas. Quando fecham a porta atrs de si, e ficam do lado de dentro, eles cortam seu contato com o mundo (Ibidem, p. 81, traduo nossa).

E logo adiante:[] Quem ocupa esses hotis, alm das pessoas em viagem de lazer? Polticos, funcionrios pblicos, enxadristas, vendedores, representantes, msicos, banqueiros, jornalistas. So essas as principais categorias, embora existam outras. O que essas pessoas tm em comum, falando de modo geral, que se sentem mais em casa nos hotis do que em suas prprias casas [...] (Ibidem, p. 86, traduo nossa).

De Amsterd, o trem parte logo para Buenos Aires. Mas continuamos pensando no hotel. Na stima estao do percurso, recebemos a bordo um homem cego que se move devagar, com a ajuda de uma bengala. Jorge Luis Bo r ges ( 1899- 1986) senta n a poltrona e nos relata uma espcie de epifania que lhe aconteceu no Hotel Esja, em Reikjavik .Eu acabava de chegar ao hotel. Sempre ao centro dessa clara neblina que os olhos dos cegos veem, explorei o quarto indefinido que haviam reservado a mim. Tateando as paredes, que eram ligeiramente rugosas, e contornando os mveis, descobri uma grande coluna redonda. Era to grossa que quase no pude cingi-la com meus braos estirados. Foi difcil encostar uma mo na outra. Soube ento que era branca. Macia e firme, elevava-se em direo ao teto baixo. Durante uns segundos conheci essa curiosa felicidade que reservam aos homens essas coisas que so quase um arqutipo. Naquele momento, eu sei, resgatei o gozo elementar que senti

34quando me foram reveladas as formas puras da geometria euclidiana: o cilindro, o cubo, a esfera, a pirmide (BORGES,1984, p. 59, traduo nossa).

mais

difcil

imaginar

que

uma

cena

como

essa

houvesse ocorrido a Borges na cidade de Buenos A i r e s , o n d e nasceu e viveu. Podemos supor que essa condio especial, a de um cego que visita um pas remoto, a Islndia, tenha de algum modo lhe aguado os senti d o s , a b r i n d o e s p a o p a r a o insig ht, ou seja, a captao do mu ndo de forma instantnea , transfigurada, como quem olha de soslaio por uma fresta que logo se fecha. C o i s a s d e s s e t i p o n o s o c o r r e m com m a i o r f r e q u n c i a quando estamos em viagem. Sabemos disso, mas no temos essa no o presente conosco, o tempo inteiro, quando lemos ou ouvimos relatos de viagem feitos p o r o u t r a s p e s s o a s . A q u i , o q u e nos interessa compreender esse fenmeno de maneira mais aprofundada. encanto apreciar do ainda No, por certo, com o intuito se de quebrar o narrador mais i t i n e r a nt e , arte como de q u i s s s e m o s e contar

desmascarar o truque de um mgico, mas sim para poder m os es sa milenar v ia j a r histrias. Os fatores de f abula o c o n s t i t u e m , p o r t a n t o , o u t r o conjunto de ferramentas para c o mpreender o q ue exist e de especfico nos textos de viagem, dentro do campo geral da narrativa.

Embreagem e debreagem O trem para pela oit ava vez. Novos passageiro s

embarcam na Estao da Luz, em S o P a u l o . J o s L u i z F io r i n , l i n g u i s ta e p rofe ss or da U SP, o p r i m e i r o a f al a r . D i s c o r r e s o b r e as categorias de pessoa, espao e tempo na pr oduo do discurso. Para is so, vale-se dos conceitos de d ebreage m e

35 e mb r e a g e m de se n vo l vi d o s pelo linguist a lituano Alg irdas Juliu s Greimas em suas pesquis a s semiticas. E mb r e a g e m sentido original e de debreagem s o termos derivado s do f r a n c s e mb r a y a g e, surgido em meados do sculo XIX, e cujo transmi sso por aderncia, engate, acoplam ento. Logo nos fazem pensar nos dispo sitivos pelo s

quais a energia da combusto repassada s rodas dos veculos a u t o m oto res. N o mbi to da an lis e do dis c urso es ses termos identificam a relao entre o ato da enunc iao e o enunciado que dela resulta. Pedimos licen a a Fiorin e tambm a Greimas para flexibiliz ar o uso do termo d e b r e a g e m n o m b i t o d a N a r r a t i v a d e Viagem , tomando-o em um sentido at mais onde imagtico o relato do que conceitual. Interessa-nos saber adquir e

autonomia em relao viagem e ao viajante. Trs aspec tos podem ser questionados. No que diz respeit o categor ia de pessoa, vale lembrar que, em geral, um texto de viagem produzido a post eriori. I s s o signific a que o narrador, ao escrever, est num estado psicolgico diferente do que esta v a n o m o m e n t o e m q u e v i v e u a experincia. J v imos que um hom e m e m t r n s i t o , q u e s e m ov e pelo mundo, observa as coisas por um prisma especial que lhe dado por sua prpria condio de observador itinerante ou at errante, em alguns casos. Isso nada tem a ver com a situao do redator que escreve sobr e aquilo que, para el e, est situado no mundo comum, no cotidiano. E isso vale no tanto para o contedo quanto para a forma de c apt- lo. No lim ite, quas e podemos pensar que se trata de duas pessoas diferentes. A qu e lembra a viagem j no mais aquela que v iajou e a registra em palavras. Um exem plo signif icativo disto M a r i n h e i r o d e p r i me i r a viagem, de Osman Lins, analis ado por Sandra Nitrini tambm professora da USP, como Fiorin no artigo V i a g e m e p r o j e t o l i t e r r i o (Osman L i ns n a Fr ana) . Em suas pginas, o autor fala

36 de si prprio, na poca da viagem, usando a terceira pessoa do singular. Dessa f orma evidencia u m d i s t a n c i a m e n t o e m r e l a o aos fatos que na maioria dos casos est implcito ou disfarado. como se o esc r itor pernambuc ano quises se chamar a ateno para o ato da debreagem, da desc o n e x o d e s i p r p r i o q u a n d o se coloc a na condio de personagem. Recurso idntico usado p o r C e e s N o o te b o o m n o ensaio Musings in Munich ( M editaes e m M u n i q u e ) , publicado em maro de 1989, como segunda verso do texto original de 1978. Os dois autores se veem de fora. A debreagem quase total. R e ssa l tamos ta mbm que, nesse mesmo livro, ao falar sobre experincias vividas no per odo em que morou na Frana e percorreu outros pases da Europa, Lins no se importa com a sequnc ia cronolgica nem dos acontecimentos externos nem de suas reflexes. A obra um mosaico de pequenos text os, organizados por uma lgica (um fluxo) subjacente ao que nos mostrado em primeiro plano. O texto se apr esenta aos nosso s o l h o s c omo um mb i l e de Alexan d e r C a l d e r , t o e m v og a n a q u e l a poca, o incio da dcada de 1960. Nele, os elementos como que flutuam ao sabor do momento, numa forma de harmonia que somos capazes de reconhecer mas no de explicar com palavras. Assim o livro de Osm an Lins. E assim so as ideias e evocaes de um viajante quando v os cenrios passarem diante de seus olhos. Ess e efeito calidosc pico se atrofia aos p o u c o s qu a n d o pe rma n e cem os atr elados a m undo com um . P ortan to , de te cta m os a um a espcie de debrea gem temporal. Alguma coisa faz o viajan te, na medida em que viaj a, d e s v e nci l h a r-se d e su a agenda, do s seus trajetos cotidianos, ditados pela tela do seu comput ador e pela sola dos s eus s a p a t o s, pa ra tomar p a rte em algo q u e , n a l i t e r a t u r a , d e n o m i n o u se de fluxo de conscinc ia. Segundo a verso popular iz ada da Teoria da Relativ idade, de Albert Einstein, o tempo passar ia de m odo d i f e r e n te a o o b s e rvad o r que se des loca v elocidade da luz, em

37 relao a outro que fi c a a q u m d e s s a m a r c a , o u s e j a, a n c o r a d o no mundo comum. Claro est que, n e s t e c a s o , t e m o s e m m i r a o tempo cronolgic o ( c h r o n o s ) , ou seja, aquele que no s proposto pelos rel g i os e ca l en d r ios. J no sentido qu e aqui no s i n t e r e s sa, tomamos o tem po no s e n t i d o d e u m f l u x o p s i c o l g i c o (kairs, para os gregos), que algo pes soal e intransfervel, uma experincia que faz o indivd u o , m e s m o e m v i g l i a , v i v er a s emoes da vida com nuances que se assemelham aos sonhos . Um bom exemplo disso Borges naquele seu hotel, em Reikjavik , a abraar um arqutipo. Nosso pr essuposto, como j vimos, de que o viajante est mais expost o a situaes desse tipo do que o indivduo s e d e n t r i o . O u s e j a , a v i a g e m , o u a verdadeira via g em, ocorre quando o tempo reverbera em dif e r entes planos, c om o Br aude l pensou. Nessa nova amlgama, kairs se s obrepe a c h r o n o s , dando uma feio onrica ao modo pelo qual inter agimos com a realidade. Ainda a se aplica o co nceito de debreagem, tomado em sentido amplo. Com is so quer e m o s d i z e r q u e a v ia g e m u m a d e s c o n e x o e n t r e o n o s s o n t im o e a n o s s a a g e n d a , a m e n o s q u e se trate, bvio, de uma viagem protocolar ou de negcios mas no esse o caso de que nos ocupamos aqui. O carter da v iagem e o est a d o d e n i m o d o v i a j a n t e , n o momento em que a realiz a, infl uem sobre sua capacida de de c a p t a r ma te ri a l e de prod uzir o te xto. Mesmo os mais talentoso s no podem dispor do prprio talento o tempo inteiro. O que nos faz pensar assim o text o no muito inspirado que o escritor francs Albert Camus (1913-1960) produziu com bas e em sua vind a ao Brasil, em 1949, e que faz p a r t e do vol ume Dir io d e Via g e m. N a q u e l a o c a s i o e l e e s t a v a deprimido, deu conferncias que no estava disposto a dar, queixou-se o tempo todo da mara tona de c om pr om issos soc iais que lhe arranjaram por aqui. Resultado: uma obra muito abai xo de suas possibilidades.

38 A mesma coisa acontece no ltimo livro de Graciliano Ramos, Viagem. Trata-se de um relato em forma de dirio de seu giro pela Tchecos lovquia e pel a Unio Sov itica em 1952, em meio a uma comitiva de es critores brasileiros. Ele n o queria ir, mas acabou indo. Foi uma viagem to rgida e protocolar, to cheia de coq u e t i s e discur sos, to laudatr ia ao r egim e sovitico , que o livro de Gracilian o bem que poderia intitular-se Memrias do crcere n 2. J Memri a s d o cr cer e n 3 o l i v r o q u e C l a r i c e L i s p e c t o r p o d e r i a t e r e s c r i t o , o u q u e m s a b e o t e n h a f e i t o s ob diferentes ttulos, a julgar pel as c artas e crnicas produzidas durante o perodo em que viveu fora do Br a s il, e n t r e 1 9 4 3 e 1959. Ela foi contrafeita, s u b o r d i n a d a c a r r e i r a d o m a r i d o diplomata. Clarice abor recia-se naquela vida cravejada de recepes oficiais, sempre a pular de galho em galh o, em diferentes cidades da Europa e dos Estados Unidos. Vejamos um trecho de uma carta enviada da Inglaterra em novembro de 1950:Vocs no podem imaginar como estamos cansados de viagens e mudanas. Estamos espiritualmente cansados, fisicamente cansados. Para decidirmos ir a Londres, foi um problema. Imagina que daqui a uns anos estaremos exaustos. O corpo e a cabea ficam constantemente procurando uma adaptao, a gente fica fora de foco, sem saber mais o que e o que no . Nem meu anjo da guarda sabe mais onde moro (LISPECTOR in MONTEIRO, 2007, p. 234).

Esse tipo de vida cigana, a reboque do marido do qual mais tarde iria se separar, por vezes chegou a empanar o brilho de Clarice. A vida igual em toda parte, queixou-se numa frase q u e r eve l a um e sta d o de nim o q u e n o d e v e t e r s i d o m u i t o diferente daquele com que Camus desceu aos trpicos. Mas deixemos os crceres invis veis dos protocolos, onde o viajante se extravia de si mesmo, e voltemos ao nosso roteiro terico. Ainda c abe mencionar a ltima das trs

39 categorias da enunciao, a espacia l. Sendo ela ma is bvia, j que a viagem por definio o ato de percorrer cenrio s externos, alheios ao mundo com um, no vale a pena nos e s t e n d e r m o s d e m a i s n o a s s u n t o . O viajante est num hotel, n u m a b a r r a c a , n u m t r e m , h o j e a q u i e am anh acol, m as sem pr e fora da sua casa e dos seus hbi t o s , c o m t o d a s a s i n s e g u r a n as enumeradas por Nooteboom e outras tantas que s descobrimos na hora. O nico aspecto que talvez valha a pena ressaltar, no que diz respeito debreagem espacial, que ela sendo neste caso essencial e definidora condic iona as outras duas, a temporal e a pessoal, de uma maneira mais efetiva do que acontece quando o narrador conta fatos que se passam dentro d a s f r o n t e i r a s d o m u n d o c o m u m . A p e r g u n t a a s er f e i t a o quanto a debreagem espacial, e s ua preponderncia sobre a s suas duas irms na Narrativa de Viagem , institui um a potic a especfica para esse gnero de escrita.

Colombo e Marco Polo D e S o P a u l o p a r tim os par a Bolonha. Na nona est ao d o p e rcurso re ce b e mos a bor do um pr ofessor da univer sidade local. G egrafo espec i a l i z a d o e m c a r t o g r a f i a , F r a n c o F a r i n e l l i aborda a figura de Cristvo Colombo por uma de suas atividades no muito lembrada o homem dos mapas. De fato, durante o obscur o perodo de ce rca de oit o anos em que v i veu em Portugal, Colombo trabalhou como cartgrafo e empenhou-se em tomar contato com o que havia de mais avanado nessa rea. De tudo o que Farinelli nos diz sobre Colombo, um dos aspectos mais interessantes o contraponto que estabelec e, a certa altura, entre ele e s eu antec essor Marco Polo. O genovs tem grande admirao pelo veneziano, pois quer chegar ao m e s m o d e s t in o a q u e o o u t r o c h e g a r a , o o r ie n t e , s q u e

40 n a v e g an d o e m di re o a o poente. M as a gr ande difer ena no est a, e sim na forma de se locomover.A Marco Polo, cada coisa do mundo impe a sua prpria durao, e lhe d a durao da vida. [...] Ele aprende vrios idiomas pelo caminho. E as direes no so fixadas pela rigidez dos pontos cardeais. Segue-se a direo dos ventos. No existe o tempo, a no ser como alternncia do dia, da noite e das estaes (FARINELLI, 2006).

Caso bem diferente o de Co lombo, que tem pressa coisa que Marco Polo no tinha n e m p o d i a t e r . O g e n o v s q u e r chegar s ndias o mais rpido possvel, para trazer de l as riquezas que prometera aos reis espanhis ; com isso, imagina, sua vida ser elevada a um novo s t a t u s . Colombo no est muito preocupado com as coisas que encontra no caminho, a no ser quando lhe servem como pontos de r e f e r n c i a . O a l m i r a n t e t e m o olhar fixo em um plano pr edeterminado, s o que se encaixa ali lhe diz respeito. Busca enxergar, sua volta, aquelas coisas que c o n s t a m n o map a d o c l ebr e car t grafo e astrnomo florentino Pa o l o dal P o zzo T o sca n e l l i ( 1397- 1482) . F a r i n e l l i c l a s s i f i c a C o l o m bo como o pr imeiro viajante moderno. E o faz por dois fatores. Primeiro, por caus a da pressa do navegador genovs em chegar ao seu destino; segundo, por sua ateno conc entrada no que o e n s a s t a i t a l i a n o c h a m a d e reversibilida de d o movimento, isto , a po ssibilida d e de volt ar ao ponto de partida.Ele est ansioso por fazer coincidir o que v com o que lhe indica a cartografia. Para Colombo, trata-se de uma relao entre o tempo e a imagem da coisa, no a coisa em si. [...] Ele se move ao sabor de uma abstrao (FARINELLI, 2006).

Marco Polo, dois sculos antes, experimentara a viagem de um modo diverso. A veloc id a d e i r r e l e v a n t e q u a n d o a l g o mais concreto se im pe ao viajante:

41

[...] a relao entre o tempo e a qualidade da superfcie terrestre. [...] Lugares e jornadas de viagem so a mesma coisa. Coincidem na experincia do caminho (FARINELLI, 2006).

Por mais estranho que parea, a viagem de Marco Polo, um homem da Idade Mdia, est mais prxima da concepo r o m n ti ca qu e i n e b ri o u os gr ande s v i a j a n t es d o s c u l o X I X d o que aquela de Colombo. No viaj o para ir a algum lugar, mas para ir, confessou o escritor escocs Rober t Louis Stevens on ( 1 8 5 0 - 1 8 9 4 ) . V i a j o p o r v i a j a r . A emoo me mover. E nos sculo XX o russo Alexander Soljentsin (1918-2008) r e c o m e n d a v a : D e i x e s u a m e m r ia s e r s u a m a l a d e v i a g e m . D e s p o j a men to tota l , p o rtanto. Claro que no s e trata exatament e do cas o de Marco Polo af inal de contas, tem negcios em vista na China. Mas ele no , de forma alguma, um hom em com um mapa debaixo do b r a o , c o m o C o l o m b o . O g e n o v s j se parece com o turista dos dias de hoje. O turista-padr o , b e m e n t e n d i d o , e s s e c i d a d o ansioso por confirmar o que lhe foi mostrado antes. O contraponto proposto p or Farine lli n os ser til para aquilatar que tipo de e x p e r i n cias interessa (ou n o) ao s narradores a ser em examinados neste trabalho. Para melhor nos situarmos, adotamos os conceitos opostos que o italiano atribui a esses seus dois remotos conter rneos que figuram entre os mais clebres viajantes do ocidente. Falamos de um viajante poliano (ao estilo de Marco Polo) e de um viajante colo mbin o (como Colombo). Com is so, vamos nos referir a homens que, respectivamente, tm o seu maior interesse no percurso, no fluxo d o m o vi men to , e a o u tros que tm em m ir a, sobr etudo, a m e ta e as vantagens que podem obter ao alcan-la. Trata-se da diferena bsica entre o viajante e o turista, s e a t ran sp o mos ao qu e acontece nos dias de hoje. E para que tal diferena fique bem marcada, o tr em par a no bair r o da T ijuca,

42 n o R i o d e J a n e i r o . D c i m a e s t a o do noss o tr ajeto. Recebem os a sorridente Ceclia Meireles, que assim se pronuncia:Grande a diferena entre o turista e o viajante. O primeiro uma criatura feliz, que parte por este mundo com a sua mquina fotogrfica a tiracolo, o guia no bolso, um sucinto vocabulrio entre os dentes: seu destino caminhar pela superfcie das coisas, como do mundo, com a curiosidade suficiente para passar de um ponto a outro, olhando o que lhe apontam, comprando o que lhe agrada, expedindo muitos postais, tudo com uma agradvel fluidez, sem apego nem compromisso, uma vez que j sabe, por experincia, que h sempre uma paisagem por detrs da outra, e o dia seguinte lhe dar tantas surpresas quanto a vspera. O viajante criatura menos feliz, de movimentos mais vagarosos, todo enredado em afetos, querendo morar em cada coisa, descer origem de tudo, amar loucamente cada aspecto do caminho, desde as pedras mais toscas s mais sublimadas almas do passado, do presente e at do futuro um futuro que ele nem conhecer. O turista murmura como pode o idioma do lugar que atravessa, e considera-se inteligente e venturoso se consegue ser entendido numa loja, numa rua, num hotel. O viajante d para descobrir semelhanas e diferenas de linguagem, perfura dicionrios, procura razes, descobre um mundo histrico, filosfico, religioso e potico em palavras aparentemente banais; entra em livrarias, em bibliotecas, compra alfarrbios, deslumbra-se a mirar aqueles foscos papis e leve, para tomar um apontamento, mais tempo que o turista em percorrer uma cidade inteira. Quando lhe dizem que h sol, que o dia belo, que preciso sair do hotel, caminha como empurrado, cheio de saudade daqueles alfabetos, daqueles misteriosos jogos de consoantes, daquelas fantasmagorias das declinaes. Portase diante de um monumento, e comea outra vez a descobrir coisas: um pedao de coluna, uma porta que esteve noutro lugar, uma esttua cuja famlia anda dispersa pelo mundo, o desenho de uma janela, a cabea de um anjo que lhe conta sua existncia, so as figuras que saem dos quadros e vm conversar sobre as relaes entre a vida e a pintura, uma pedra que o arrebata para o seu abismo interior e o cativa entre suas coloridas paredes transparentes.

43O turista j andou lguas, j gastou a sola dos sapatos e todos os rolos da mquina e o viajante continua ali, aprisionado, inerme, sem mquina, sem prospectos, sem lpis, s com os seus olhos, a sua memria, o seu amor (MEIRELES, 2000).

Acomodamos Cec lia e Farinel l i l a d o a l a d o , e m d u a s poltronas no centro do vago. Des de j lhes somos gratos por s e u s a c h a d o s c o m p l e m e n t a r e s , u m imagtico e outro conceitual. Este ltimo nos ser de grande v alia ainda neste pargrafo. O contraponto entre as maneiras colo mbina e poliana de viajar no s serve para configurar s formas narrativas de que correspondem, publicadas na respectivamente, reportagens turismo

imprensa e aos textos de Jornalismo Literrio. As primeiras p a r t e m d e e l e m e n t o s e x t e r n o s c o m o a p a u t a , e s t a b e l e c id a n a r e d a o , e o c h a m a d o g a n c h o , i s to , s circuns tncias que e n s e j a m o u j u s t i f i c a m a p u b l i c a o de tal matria em dado momento; as outras se apoiam, acima de tudo, no mundo interno do autor, em suas inquiet udes e obsesses , ainda q ue se trate de um jornalista, e no de um literato. E aqui chegamos ao momento de nos determos um pouco no Jornalismo Literrio, como fizemos com a literatura, pginas atrs. A reflexo nos ajudar a ter em mente, de form a clara, os cenrios que o trem vai percorrer daqui em diante, agora que temos a bordo to ilustres passageiros.

Passap o r te sem carimbo S e c o n s i d e r a r m o s o a r c o d e tempo decorrido desde que Herdoto contou a seus conterrneos gr egos o que vira em terras distantes, as obr as escolhidas para o c orpus d es t e trabalho podem ser consideradas ultr ar r ecentes. O livr o de Tabucchi saiu em 1983; o de Ter z ani, em 1995; o de Tosches , em 2000. O primeiro multiforme; se nas livrarias o encontramos na prateleira das obras de fico, ser m ais por que o autor

44 visto como ficcionista e menos por causa das caractersticas da obra. J os dois ltimos se situam se situam no campo a que hoje denominamos Jornalismo Literrio. No haveria problema se Tabucchi lhes fizesse companhia na prateleira. O Jornalismo Literrio abarca obras de autores que podem ser t anto escritores ou jornalistas, ou ter ambas as atividades. Atravessam a fronteira, daqui para l e de l p a r a c , s e m a n e c e s s i d a d e d e carim bar o pa ssaporte, ao contrrio do que ocorre nas viagens reais, geogrficas. A denom inao J ornalism o Literrio, pred ominante no Brasil, deriva d aquela adotada pelos americanos (Literary Journalis m), em virtude da excelnc i a q u e e s s a m o d a l i d a d e jornalstica atingiu nos Es tados U n i d o s , n a d c a d a d e 1 9 6 0 , c o m textos de autores como Gay Talese, Tom Wolfe, Truman Capot e e Hunter S. Thompson. Mas no a nica. O Jornalis mo Literrio tambm conhecido como novo jornalis mo, literatura no-ficcional, profundidade, literatura jornalis m o da r e alidade, jornalis mo em e aos

diversional, denominao

r e p o r t a g e m- e n s a i o mais ajustada

j o r n a l i s mo de au to r. O s e s p a n h i s o c h a m a m d e p e r i o d is m o infor mativo de creacin, conceitos esboados sobre o gner o, com o ver em os a seguir . Dcima primeira estao: A m h e r s t , 1 2 0 q u i l m e t r o s a oeste de Boston. Recebem os a bo rdo Norman H. Sims, professor de jornalismo da Un i v e r s i d a d e d e M a s s a c hu s e t t s . P a r a e le , o Jornalismo Literrio tem sete caractersticas: imerso, autoria, e s t i l o , p r e c i s o , s i mbo l o g i a , d i g r e s s o e humaniz ao. Porm, podemos deixar se o assunto mencionar Jo r n a l i s m o um dos Literrio, no que de passageiros

e m b a r c a r a m n a E s t a o d a L u z . T r ata-se de Edvaldo Pereira Lima, jornalista e professor da ECA-USP, um dos pioneiros no estudo desse tipo de jornalismo no Brasil. Ele toma a palavra:A chance que o jornalismo poderia ter para se igualar, em qualidade narrativa, literatura, seria

45aperfeioando meios sem porm jamais perder a sua especificidade. Isto , teria de sofisticar seu instrumental de expresso, de um lado, e elevar seu potencial de captao do real, de outro (LIMA, 1993, p. 146).

Apesar jornalismo toque. No

dessa a

interseo, ser o

vale

frisar,

literatu r a no

e

continuam segundo

campos do

diferentes

univer s o vnculo

t e x t u a l . P ara d i feren ci -l os, o vnculo com o real a pedra de caso, j or n a l i s m o, esse obrigatrio, mesmo quando se apr esenta de uma forma menos ostensiv a ou at ofuscada pela funo esttica do texto. H um outro aspecto des se contraponto a ressaltar. A literatura (sobretudo no caso da fic o h i s t r i c a ) u t i l i z a c o m m a i s autonomia o chamado j o g o c o n t r a f a c t u a l d a h i s t r i a . Ou seja, contrape ao fato conhecido um ou tr o, inventado pelo autor , qu e s p r e c i s a f a z e r s e n t i d o n o i n t er i o r d a o b r a . I m agi n e m o s , p o r exemplo, que um romancista escr e v e u m a c e n a n a q u a l G e t l i o Vargas s e suicida no c om um tiro no c orao, mas com um clice de cicuta, como Scrates . Sabemos que no foi assim , m a s n o i m p o r t a , t r a t a - se de um romance. J o Jornalismo Literrio no c hegaria ao pont o de t r a n s f o rm a r u m f a t o t i d o c o m o lquido e certo. Mas poder ia, a p a r t i r d e l e , a g r e g a r e l e m e n t o s n o d o c um e n t a d o s , m a s q u e ningum prova que no t enham estado presentes no epis dio. D i g a m o s q u e , e n t r e o m o m e n t o e m q u e V a r g a s r e d i g e a c ar t a t e s t a m e n to e aq u e l e em q ue afinal d i s p a r a c o n t r a o p r p r i o p e i t o , o autor insira cenas em que o amargurado presidente olha a rua pela janela do palcio, ou passa uma flanela na pistola, ou aspira o perfume de um ltimo char uto, ou hesita em escolher o pijama com o qual depois ser encontrado, morto. So deta lhes plausveis. No mudam o que s e sabe s obre o e pisdio, mas agregam elementos em seus pon tos cegos. Podemos chamar isso de j o g o i n t e r f a c t u a l d a h i s t r i a . O u s e j a , e n f i a - s e u m curinga na brecha entre duas cartas abertas, que so os fatos comprovados. Tal procedimento bastante usado no Jornalis mo

46 Literrio. s vezes, reala tant o o brilho da repo r t a g e m , q u e e l a prpria acaba por dar novas tintas histria oficial. Nas livrarias no faltam te xt o s , b o n s t e xt o s , q u e s o reportagens romanceadas por meio de um hbil jogo inter factual. O p b lic o a s a p r e c ia . Co m b a s e e m s u a s p e s q u is a s s o b r e o q u e vem sendo public ado ness a rea ao longo das ltim as dcadas , Edvaldo Lima estabelec e as segu intes categorias para os livr osreportagem: perfil, d e p o i me n t o , r e t r ato, cincia , ambiente,

h i s t r i a, no va c on sci n c i a, instantneo, atualidade , antolog ia, dennc ia, ensaio e viagem. Outro componente do gr upo da Estao da Luz que merece ser citado a jornalista e p r o f e s s o r a D e n i s e C a s a t t i . E l a observa que o Jornalismo Literrio tem certos pressupostos:[...] a imerso do reprter na realidade; a preciso de dados e observaes; a busca do ser humano por trs do que se deseja relatar; e a elaborao de um texto que permita que a histria venha tona por meio de uma voz autoral e de um estilo (CASATTI, 2004).

E Fiorin, a seu lado, complementa:O texto de reportagem narrativa tem como caracterstica fundamental conter os fatos organizados dentro de uma relao de anterioridade ou de posterioridade, mostrando mudanas progressivas de estado nas pessoas ou nas coisas (FIORIN, 2002, p. 44).

A dc ima segunda esta o do nosso percurso a Central do Brasil, no Rio de Janei r o . A q u i q u e m e s p e r a a v e z d e entrar no trem Felipe Pena, professor do curso de psgraduao Fluminense. em Para comunicao ele, o da Universid ade Literrio tem Fe deral algu mas Jornalismo

caractersticas fundamentais:[...] potencializa os recursos do jornalismo; ultrapassa os limites dos acontecimentos; proporciona uma viso mais ampla da realidade;

47exerce a cidadania; rompe correntes burocrticas; evita os 'donos da verdade'; e garante perenidade e profundidade aos relatos (PENA, 2005, p. 3).

Como

podemos

observar,

todas

essas

defini e s

colhidas dos pass ageiros embarc ados nas ltimas e staes tm certa semelhan a, na essncia, mas no chegam a delinear com preciso as fronteiras do J ornalism o Literrio. Talvez porque, na prtica, elas sejam por dem ais per meveis para serem engolfadas nos parmetros que est amos ac ostumados a ver, por exemplo, no campo das c incias exatas. O Jor nalis m o Liter r io, como o jazz, baseia-se mais no im pr oviso do que num padr o estrutural. Vale-s e de modulaes similares s que ocorrem na msica, embora obtidas com outros recursos. Por isso, neste estudo, vamos buscar outra maneira de definir o Jornalis mo Literrio. Ta l definio ser mais fluid a, e assim compatvel com aquilo que essa forma de escrita de fato , na prtica, e sobretudo com os trs textos que analisamos no s prximos captulos. Para chegar a essa definio, lanam os aqui a s e g u i n t e i d e i a : a arte uma resposta a um a per gunta que ainda no foi feita. E a ela agregamos out ras duas. A primeira do escrit or italiano Italo Calvin o ( 1 9 2 3 - 1 9 8 5 ) : U m c l s s i c o u m livro que nunca acaba de dizer aquilo que tem para diz er. A outra, do filsofo alemo Arthur Schopenhauer (1788-1860): "Ter talento acertar no alvo em que ningum acertou, e ser gnio a c e r t a r no al vo qu e ni ng u m viu . No dif cil perceber que as trs ideias acima expo sta s tm relao com o que antes havia sido dito, em moldes mais acadmic os, a respeito do Jornalis mo Literrio. Delas partimos para ger ar uma outra, que vem a s er a definio qu e nos serve: u m t e x t o d e Jornalis mo Literrio uma fl e c h a q u e a t i n g e u m a l v o que ningum viu, responde a uma p e r g u n t a q u e n i n g u m f e z , e nunca ac aba de dizer o que tem par a dizer. Poderamos at nos arriscar a dizer que o Jornalismo L i t e r r io, a ri g o r, no exist e, m a s acontece. Exige um a recepo

48 m a i s q u a l i f i c a d a . S g a n h a s u b s t ncia quando encontra um leitor que sabe saborear um texto. O Jo rnalismo Literrio no e xist e n e m p o d e e x i s t i r n u m a f o r m a c r is t a l i z a d a c o m o o s m a p a s q u e Colombo levava c onsigo na carave la, mas sim na flexibilidade de Marco Polo em termos de tempo e espao. Agora que explor amos o c enrio em que o Jornalismo Literrio se insere, voltamos a ateno a uma zona es pecfica: a Narrativa de Viagem. Como vimos, e la u m a d a s 1 3 c a t e g o r i a s de livros -reportagem propostas po r E d v a l d o L i m a . C o m b a s e n o q u e e x p u s e m o s a t a q u i , e m t e r m os conceituais, e no co ntato com um conjunto diversific ado de ob ras classificveis na rea de Narrativa de Viagem (as que formam o c o r p u s des t e estudo e o u t r a s co m as q u a i s i n te ragem ) , podem os esboar um elenco de caractersticas para essa modalidade de escrita: o ponto de partida da narrativa um desequilbrio no mundo co mum: o p rotagonista sente- se desconfor tvel no ambiente onde vive, como um exi l a d o e m s u a p r p r i a t e r r a ; a obra inclui contedos autobiogr ficos; a obra retrata uma exper incia vivida em profundidade (imerso), na qual o viajante se lana c om a sensao de queimar as pontes, ou seja, encerrar uma fase de sua vida; o protagonista passa por uma transformao int erior ao longo do caminho (individuao); o texto tem caractersticas de uma grande reportagem, apesar de certo descompromisso ger al com a funo infor m ativa; o texto transmite conhecimento especializado em determinada rea, na voz do aut o r o u d e u m p e r s o n a g e m ; a estratgia narrativa incl ui o jogo inter f actual, mas no o contrafactual, que mais prprio da fico literria; o texto tem elementos de romance de aventura; o viajante se diferencia do t u r i s t a p o r s u s t e n t a r u m olhar despojado e inquisitivo sobr e o que o cerca; convive de forma criativa com a insegurana e a surpresa; deixa-se levar

49 pelo fluxo dos acontecimentos; e delic ia- se com os pequ enos flagrantes da vida; o texto d menos relevncia aos fatos em si do que a seus efeitos sobre o observado r; h uma prevalnc ia da subjetividade; o autor prope ao leitor uma nova maneira de digerir ou interpretar as coisas que lhe expe; na sua e jornada, o acaso; o viajante tem como aliados a da disponibilidade consegue detectar lampejos

eternidade naquilo que transitrio; o au to r refl ete sobr e a natur eza e a v elocidade d o deslocam ento; o autor tem acesso a esf eras sociais com as quais no est habituado a conviver no mundo comum; o a u t o r t e m insights a o o b s e r v a r o r i t m o e m q u e a s coisas acontecem em cada lugar ou situa o, e na sua narrativ a c o n s e gu e tran smi ti r a o l eitor as d i f er e n t e s d i m e n s e s d o t e m p o (geogrfica, social e indiv i dual); o autor parece se mover nas entrelinhas dos guias tursticos, sem dar relevncia a elementos conhecidos p or todos, os chamados cartes postais; ao des cortinar novos cenrio s , o t e x t o e v o c a o p o n t o de partida do protagonista, pr opiciando- lhe um olhar r e t r o s pe cti vo e re n o va d o s obr e o m undo com um . Com as pondera es feitas, bem como as ferramentas de trabalho presenteadas por todos aqueles que embarcaram na s doze est aes do percurso, temos condi es de olhar pela s j a n e l a s d o tre m e exa mi n ar m elh o r o c e n r i o e x t e r n o . L e s t o Tosches, Tabucc hi e T erzani, nossa espera. Em seus livr os, b u s c a m o s a s r e s p o s t a s p a r a a p e r g u n t a q u e c o n s t it u i o c e r n e deste trabalho de investigao. Apenas para recordar: A Narrativa de Viagem constitui um gnero com identidade prpria ou um simples derivado do relato factual?

50

III. TOSCHES: UMA PICADA DE COBRAAntes de nos dedicarmos anl ise do primeiro dos trs l i v r o s q u e f o r m am o corpus d e s t e t r a b a l h o , A ltima casa de pio, u m p o u c o s o b r e o a u t o r . O a mericano Nick Tos ches nas ceu e m 1 9 4 9 e m N e w a r k , a m a i o r c idade do Es tado de Nova Jr sei. Hoje com cerca de 300 mil habitantes, conhecida por abrigar o segundo maior aeroporto da regio me tropolitana de Nova Yor k e um distrito oper rio, Ironbund, que concentra portugueses, brasileiros e latino-americanos em geral. Aos 14 anos, Tosches trabalhou como porteiro no bar de seu pai. No foi uma experincia duradoura. Po uco dep ois arrumou emprego no s et o r de criao de uma fbric a de v e s t u r i o n ti mo e m N o va Yor k. M a s a q u i l o t a m b m n o e r a o que ele sonhava fazer na vida. Assim, em janeiro de 1972, aos 23 anos, abandonou o duro inverno no va-iorquino e partiu rumo ao sul, atrado pelo ca l o r d a F l r i d a . A l i e x p e r i m e n t o u d i f e r e n t e s trabalhos , entre os quais o de caador de cobras para o Miami Serpentarium. Certa manh, foi picado na ca nela. Er a o prenncio de algo novo. Tosches pulou for a desse emprego e resolveu atender vocao de escritor. Comeou a escrever poesia e matrias para revistas especializadas em rock como a Cree m, que durante duas dcadas (1969-1989) marcou presen a ness e segmento editorial. O p r i m e i r o l i v r o d e T o s c h e s , s o b r e m s i c a c ou n t r y , foi p ublic ado em 1977 e no t eve grande reper cusso. J o s egundo livr o -H e l l f i r e (19 8 2 ), s ob re Je rry Lee Lewis f o i b e m r e c eb i d o p e l a i m p r e nsa . A revista Rolling Stone chegou a consider - lo a melhor biografia de um msico de r o c k jamais escrita at ento.

51 Com iss o, Tosches des cobriu um filo. Nos a nos

seguintes dedicou-se a uma sri e de biogr afias de personagens famosos como o cantor e comedi a n t e Dea n M a r t in, o b a n q u e ir o m a f i o s o Mi che l e S i n d o n a , o boxead o r S o n n y L i s t o n , o c a n t o r Emmet Miller e o homem de negcios Arnold Rothstein, que tinha liga es com o crime organizado. Em 2006, a Conrad Editor a publicou no Bras il C r i a t u r a s f l a me j a n t e s , um pequeno livro em que Tosc hes relata o surgimento de um novo gnero musical no s Estados estrelas. Grande parte das figuras biografadas por Tosches, e m b o r a d s p a r e s , t e m c o m o t r a o c o m u m u m a v i d a p es s o a l turbulenta ou alguma forma de insero no submundo. No so , d e m o d o a l g u m , p e s s o a s q u e a s o c iedade em ger al c o n s i d e r a r i a exemplar es. O veneno da cobra parecia continuar a circular no apenas nas veias do bigrafo, mas tambm nas dos se us biografados. O primeiro trabalho ficcional de T osches, Cut num ber s, publicado em 1988, reaf irmou seu interesse em trafegar pela s zonas sombrias da sociedade. Depois vieram Trinities ( 1 9 9 4 ) e The hand of Dante (2002), este ltimo considerad o pelo autor s u a o b r a m a i s b e m r e a l i z a d a . E m paralelo produo ficcion al, Tosches mantinha sua atividade n o c a m p o d a p o e s i a , s e j a n a forma de livro ( Chaldea, 1 999) , seja em colabor aes ocasion ais p a r a r e v i s t a s c o m o Open City, Esquire, C o n t e n t s , G Q , S mo k e s Like a Fish, Long Shot, entre outras. Ele tambm tem CDs gravados em parceria com outros escritores e artistas. A carreira jornalstica de Tosches ganhava visibilid ade na medida em que seu nome adquiria relevncia como bigrafo e ficcionist a. Isso acontecia no apenas nos meios literrios americanos, mas tambm fora do pas. Primeiro, na Europa. Sua obra comeou por ser lan ada na Itlia e na Alem anha. Depois Trinities foi traduzido para nove lnguas , entre as quais o chins, Unidos, o r o c k - n - r o l l , e apresenta suas prim eiras

52 e recebeu uma marcante verso em audiolivro na voz do ator J e r r y O r bac h . Em meados da dcada de 1990, Tosches de ixou d e ser um jornalista circunscrito a publica es especializadas em m s i c a, a d q u i ri nd o p restgio na im prensa em geral. Assinav a m a t r i a s a u t o r a i s e m p g i n a s d e revistas prestigios as como Vanity F air e Es quire. S e u l i v r o Dino: liv ing h igh in the dirty business of dreams, publicado em 1992, rendeu-lhe no ano s e g u i n te dos o Ita l i a n -A me ri can nomes do Lite r a r y Achievement Literrio. Award for Distinction in Literature, prmio q u e d i v i d i u c o m G a y T a l e s e , u m grandes Jornalismo Crticos mais empolgados chegar am a prever que Hellfire , lanado uma dcada antes, mais cedo ou mais tarde hav eria de s er reconhecido c omo um clssico da literatura no-ficcional americana. Alguns situam o estilo de Tosches dentro de uma vertente denominada jornalismo g onzo. A expr esso identific a u m a f o r m a n a r r a t i v a n a q u a l o a u tor abre mo da objetivid ade para mergulhar intensamente na ao. Em geral, trata de v i v n c i a s pe sso a i s e m si tuaes extr em as ou tr ansgr essivas. A palavra gonzo, originria de uma gria ir landesa falada ao sul de Boston, refere-se ao ltim o homem a s e m a n t e r d e p e m u m a bebedeira generalizada. O no me d o a mericano Hunter S. Thompson bast ante a s s o c i a d o a o j o r n a l i s m o g o n z o . U m de s e us t ext os m ais c it ado s Medo e delrio em Las Vegas ( Fear and loathing in Las Vegas), lanado no Brasil com o ttulo alterado para Las Vegas na cabe a. O p o n to d e par tida de Thom pson foi a encom enda pela revista Rolling Stone de um a r epor tagem sobr e um a cor r ida no des erto. Porm, em vez de c o b r i r o e v e n t o , c o n f o r m e o combinado, ele ficou no hote l, pr om oveu bader nas, ar r um ou e n c r e n c a s , g a s t o u s u a v er b a c o m l c o o l e d r o g a s , c o n t r a i u dvidas e escafedeu-se sem pagar a conta. No fi