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Departamento de História
Relações sindicais Estados Unidos e América Latina: a atuação do sindicalismo
norte-americano nas ditaduras militares do Brasil, Argentina e Chile
Orientanda: Carolina Fernandes Hinterhoff (1410641)
Orientadora: Larissa Rosa Corrêa
Introdução
O objetivo deste projeto é investigar a formulação da política internacional da AFL-CIO,
a maior central sindical norte-americana, e sua atuação no Brasil, Argentina e Chile, por
meio da observação das atividades do Instituto Americano para o Sindicalismo Livre
(IADESIL). A análise comparativa terá como referência a experiência da instituição no
Brasil, temática analisada em minha tese de doutorado, concluída em 2013. Buscamos
compreender não apenas os objetivos da política internacional da AFL-CIO, mas seus
mecanismos de atuação, bem como a elaboração de diferentes estratégias elaboradas pela
entidade para travar contato com sindicalistas do Brasil, Argentina e Chile. Mais
especificamente, procura-se analisar os arquivos produzidos pelo especialista em relações
laborais na América Latina, Robert J. Alexander. Trata-se de um arquivo fundamental
para a compreensão das ações do sindicalismo norte-americano nestes três países. Como
parte dos objetivos específicos, estão sendo desenvolvidas pela bolsista sob minha
orientação as seguintes atividades: 1-) o levantamento dos documentos que compõem o
arquivo particular de Robert Alexander, que se encontra em formato digital; 2- descrição
das séries documentais (impressos, relatórios e entrevistas transcritas); 3- catalogação das
entrevistas realizadas por Alexander durante suas estadias no Brasil; 4- leitura e análise
das entrevistas, bem como dos livros publicados pelo norte-americano sobre o movimento
sindical latino-americano.
“O Brasil é uma nação de individualistas”, afirmou Robert J. Alexander. Segundo
ele, o individualismo à brasileira “é perceptível em inúmeros pequenos exemplos, visíveis
até mesmo para um visitante casual”. Em seu livro comparativo “Labor Relations in
Argentina, Brazil, and Chile”, de 1962, o autor propõe tomar como exemplo a dança
favorita dos brasileiros – o samba. Assim ele explica: “embora na América do Norte o
samba seja ensinado nos ballroons como uma série de passos definidos de modo
coordenado e sincronizado, no Brasil a dança é tudo menos isso”. Afinal, comentou ele,
qualquer um que assista as performances das famosas escolas de samba durante o carnaval
está ciente de que o samba é “a forma como cada indivíduo quer que seja”. E na sequência
explicou: “não há uma forma padrão de dançar, qualquer coisa que parecer adequado para
a dança individual é a forma ‘correta’ de se fazer”1. Embora saibamos que não é possível
generalizar, as comparações críticas de Alexander fazem parte de um conjunto de
enunciados que contribuíram para a formação de uma certa identidade nacional brasileira.
No âmbito das relações trabalhistas, as análises elaboradas ao longo da carreira de
Alexander nos ajudam a compreender as supostas características particulares, bem como
os “desvios” do movimento sindical no Brasil.
Outras ausências marcariam o Brasil como uma “nação de individualistas”.
Segundo Alexander, não teriam proliferado no país as organizações voluntárias –
fraternidades, sociedades, irmandades (brotherhoods), associações de mulheres, ligas de
mulheres eleitoras, sociedades missionárias ou até mesmo os chamados businessmen’s
lunch clubs – organizações tão características da estrutura social norte-americana,
comparou o especialista. Sendo mais enfático, ele sentenciou “O brasileiro não sente a
necessidade de congregar do mesmo modo como fazem os norte-americanos”.
Alexander arriscou-se a elaborar duas razões principais para explicar tal
comportamento brasileiro. A primeira seria o fato de que não teria florescido no Brasil,
ao contrário da cultura estadunidense, o que ele define como “espírito de comunidade”.
Segundo, as relações públicas teriam sido historicamente contaminadas pelas relações
pessoais e por laços familiares, os quais, explicou o autor, existiriam com propósitos
puramente individualistas, de modo diferente como as organizações norte-americanas se
comportam.
É possível que Alexander tenha se inspirado em algumas ideias de Oliveira Viana,
um dos idealizadores da doutrina corporativista estatal no Brasil. É certo que Alexander
e Viana estavam em lados ideológicos opostos – o primeiro, um defensor do liberalismo
1 Robert J. Alexander. Labor Relations in Argentina, Brazil, and Chile. Nova York: McGraw-Hill Book
Company, 1962, pp. 43-44. Os dois parágrafos seguintes baseiam-se nesta obra.
econômico, enquanto o segundo advogava pela intervenção massiva do Estado nas
questões sociais e econômicas. No entanto, ambos compartilhavam da ideia,
marcadamente influenciada pelo pensamento eurocêntrico e pelas teorias científicas
raciais, de que no Brasil havia uma “carência de instituições de solidariedade social”. Ao
analisar os costumes e o trabalho nas zonas rurais, Viana em “Populações meridionais do
Brasil”, de 1920, destaca em sua obra o fato de que em todos os grupos sociais rurais a
“insolidariedade” era evidente2. Nem mesmo entre os grandes proprietários de terras
haveria, aos olhos de Viana, algum tipo de relação de “solidariedade consistente e forte”.
Enfim, para o construtor do corporativismo estatal, o “âmbito da solidariedade social é
restritíssimo”, limitando-se a pequenos atos de solidariedade vicinal entre vaqueiros da
região Sul e de assistência a enfermos entre vizinhos3.
Mas por que nos interessa as interpretações de Robert Alexander sobre o Brasil?
Professor do Departamento de Economia da Rutgers University, entre os anos de 1947
até sua aposentadoria em 1989, período em que estudou a Argentina, Brasil, Chile,
Bolívia, Venezuela e Peru, a trajetória política e intelectual de Alexander
surpreendentemente ainda é pouco explorada. Impressiona o fato de que suas obras até
hoje representem uma das poucas referências para aqueles interessados em traçar
comparações sobre regulamentação do trabalho e as relações trabalhistas na América
Latina.
Neste estudo argumento ser importante conhecer o pensamento de Alexander para
a compreensão do desenvolvimento da política sindical internacional norte-americana no
Brasil e em toda a América Latina, durante os anos da Guerra Fria. Como colaborador da
AFL-CIO, os estudos de Alexander sobre o movimento sindical latino-americano foram
fundamentais para que a cúpula da maior central sindical norte-americana formulasse
suas atividades na região. Colaboradora da intervenção militar que derrubou o presidente
João Goulart, a AFL-CIO investiu pesadamente na educação sindical brasileira. O seu
objetivo era implantar no país as bases de um sistema de relações de trabalho “livre” e
“democrático” e sem a intervenção do Estado. Esse projeto foi especialmente
desenvolvido durante a crise política que precedeu o golpe de 1964 e o governo Castelo
2 Viana, Oliveira. Populações meridionais do Brasil. Brasília: Senado Federal, Secretaria Especial de
Editoração e Publicação, 2005, vol. 27, p. 198. 3 Idem, p. 232.
Branco, período de forte alinhamento nas relações políticas e econômicas entre os dois
países4.
A análise da trajetória de Alexander no Brasil, também pode colaborar no
aprofundamento dos estudos que buscam compreender a política estadunidense para a
América Latina a partir de uma mirada que considera as relações entre os diversos atores
políticos nacionais e seus interesses, rejeitando interpretações mais tradicionais sobre a
temática que insistiam em pensar a relação Estados Unidos-América Latina
exclusivamente de “cima para baixo” ou a partir da visão de Washington. Hal Brands, por
exemplo, tem chamado a atenção para a diversidade de significados que os discursos
ideológicos produzidos pelas potências mundiais na Guerra Fria tiveram nos países
latino-americanos5.
Nesse sentido, há um conjunto de pesquisadores que vêm oferecendo uma
perspectiva mais ampla e menos maniqueísta sobre as relações político e diplomáticas
travadas entre as duas grandes potências mundiais e os países latino-americanos durante
a Guerra Fria. A partir de uma perspectiva multidimensional, transnacional e
descentralizada (dos Estados Unidos) e sem desconsiderar a assimetria dessas relações,
que incorpora diversos atores nacionais e regionais (governos, partidos políticos,
movimentos de direita e da esquerda e organizações da sociedade civil em geral), esse
conjunto de pesquisadores revela uma série de overlapping conflicts, em meio a um
emaranhado de interesses políticos e econômicos travados em diferentes escalas
regionais/ nacionais em disputa com as grandes potências mundiais6. Nesse sentido,
adentrar na trajetória política e militante de “Bob” Alexander (seria ele um “espião”
errante solitário a circular pela América Latina?) é uma tentativa de sair de um lugar
comum recorrente nas interpretações diplomáticas entre as duas regiões e, ao mesmo
tempo, chamar a atenção dos pesquisadores de relações internacionais para um campo um
tanto quanto ignorado pela área: as relações sindicais, trabalho e trabalhadores/as. Da
mesma forma, é interessante observar como os discursos, ideias e estudos elaborados por
4 Larissa Rosa Corrêa. Disseram que voltei americanizado. Relações sindicais Brasil-Estados Unidos na
Ditadura Militar. Campinas: Editora Unicamp, 2017. Ver especialmente o capítulo II. 5 Hal Brands, Latin America’s Cold War. Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 2010. 6 Há uma extensa bibliografia sobre a Guerra Fria na América Latina, ver, entre outros exemplos: Tom
Long. Latin America Confronts the United States: Asymmetry and Influence. Cambridge, Reino Unido:
Cambridge University Press, 2015; Tanya Harmer. Allende's Chile and the Inter-American Cold War.
Chapel Hill: University of Carolina Press, 2011; Jeffrey Taffet. Foreign Aid as Foreign Policy: The
Alliance of Progress in Latin America. Nova York: Routledge, 2007.
Alexander durante a Guerra Fria colocavam no centro da experiência política latino-
americana do pós-1945 a importância da questão social e do trabalho organizado.
Além disso, suas ideias contribuíram para disseminar um conjunto de
interpretações que até hoje predominam no imaginário acadêmico e militante sobre o
movimento sindical - ideias reproduzidas dentro e fora do Brasil - que tem como base
duas concepções: o “paradigma da ausência” e uma interpretação específica
estadunidense sobre o corporativismo brasileiro moldada pelos embates da Guerra Fria7.
Segundo Howard J. Wiarda, a compreensão do corporativismo latino-americano passa
pela construção de uma “falsa dicotomia imposta pelos Estados Unidos à América Latina
no período subsequente à Segunda Guerra Mundial, forçando-a [a América Latina] a
escolher artificialmente entre o autoritarismo repressivo, inaceitável, e o liberalismo à
americana, ao qual não se adaptava a região”8. Não cabe neste estudo analisar os debates
sobre o sistema corporativista de trabalho brasileiro, mas seria importante contextualizar
politicamente a construção dessa interpretação norte-americana sobre o corporativismo9.
Alexander não somente contribuiu para formar e difundir essa visão, mas
empenhou-se de corpo e alma para mostrar obstinadamente um outro caminho para a
América Latina - um caminho industrial-desenvolvimentista, economicamente liberal,
democrático e, claro, profundamente anticomunista. A análise da trajetória de Alexander
e suas ideias sobre o sindicalismo brasileiro também nos ajuda a pensar a atuação de
intelectuais norte-americanos sociais-democratas - um grupo ainda pouco estudado no
Brasil e que é frequentemente enquadrado como a expressão conservadora da direita
norte-americana durante a Guerra Fria. A armadilha que se apresenta aqui seria rotular
Alexander politicamente. No entanto, o objetivo é entender suas ideias, se possível, seus
dilemas ideológicos e opções tomadas diante de um contexto tão intrincado
proporcionado pelos embates da Guerra Fria e as diferentes políticas adotadas pelos
governos dos Estados Unidos nesse período.
E como não poderia deixar de ser, Alexander foi um pesquisador-militante imerso
em seu próprio tempo histórico. Como analisou John D. French, Alexander construiu sua
7 Sidney Chalhoub e Fernando Teixeira da Silva. “Sujeitos no imaginário acadêmico: escravos e
trabalhadores na historiografia brasileira desde os anos 1980”. Cadernos AEL, 14 (26), 2009, pp. 13-45. 8 Howard J. Wiarda. O modelo corporativo na América Latina e a latino-americanização dos Estados
Unidos. Petropólis, RJ: Vozes, 1983, p. 13. 9 Sobre a visão dos norte-americanos sobre o corporativismo brasileiro, ver: Larissa Rosa Corrêa,
“Corporativismo e regulamentação do trabalho no Brasil: um debate entre especialistas brasileiros e norte-
americanos na década de 1960”. Sociologia & Antropologia, 6 (1), 2016, pp. 209-234.
carreira reconhecida no eixo Estados Unidos-América Latina como “um intelectual
engagé e um participante direto das lutas políticas amargas que marcaram os assuntos
políticos e trabalhistas inter-hemisféricos”10. Entre os interesses imperialistas norte-
americanos e o seu comprometimento aparentemente legítimo com o desenvolvimento
das políticas de bem-estar da classe trabalhadora, um leitor apressado poderia encontrar
uma flagrante contradição. Mas embora impregnado pelas visões do “Norte”, as ideias de
Alexander ajudam as compreender parte das expectativas de um grupo de intelectuais
norte-americanos que, identificados com o legado do New Deal, ansiavam transformar a
América Latina. Da mesma forma, seus escritos explicitam as encruzilhadas geradas pela
aparente impossibilidade de criar outras vias de desenvolvimento nacional que escapasse
da estratégia do “vale tudo” conduzida pelos anticomunistas. Afinal de contas, Alexander
tinha condições e ferramentas concretas para convencer os latino-americanos, em
especial, trabalhadores e sindicalistas, de que a negociação coletiva livre em um regime
dito “democrático”, aliada ao livre mercado e aos investimentos estrangeiros, eram
suficientes para atingir o tão almejado progresso regional? E a pergunta mais incômoda:
até que ponto valeria a pena fomentar intervenções militares a fim de afastar os
comunistas na América Latina?
Este estudo aborda alguns de seus livros mais conhecidos sobre o Brasil e sua obra
comparativa a respeito do movimento sindical, política e economia no chamado ABC
countries (Argentina, Brasil e Chile). Além de sua produção bibliográfica, serão
analisados alguns depoimentos de sindicalistas entrevistados por Alexander e que fazem
parte de uma série extensa de entrevistas realizadas com representantes de entidades
sindicais e órgãos trabalhistas, autoridades políticas, militantes, entre outras
“personalidades”11. Como asseverou French, a coleção reunida durante toda a trajetória
de Alexander é de grande interesse para a história do trabalho, a história política da
América Latina e suas relações diplomáticas, tendo sido ainda pouco explorada pelos
historiadores. Estima-se que a coleção de entrevistas feitas por Alexander entre o final da
10 John D. French. “The Robert J. Alexander Interview Collection”, op.cit, p. 320. 11 Coleção Latin American twentieth-century pamphlets – IDC Publisher Pamphlets, microfilmada e
adquirida pelo Arquivo Edgard Leuenroth (AEL) da Unicamp. As viagens e contatos travados na América
Latina geraram esta extensa coleção de documentos sobre o movimento sindical latino-americano e dos
Estados Unidos, que reúne jornais, revistas, panfletos e outros impressos de entidades sindicais
internacionais e nacionais, além das entrevistas.
década de 1940 até a virada do século XXI seja de aproximadamente 12 mil entrevistas
feitas com norte-americanos, latino-americanos e caribenhos12.
Alexander: nem turista, nem um repórter apressado13
Nascido em 1918, morto em 2010, Alexander acompanhou os principais episódios
da história política latino-americana ao longo do século XX14. Como muitos de sua
geração que viveram a crise econômica de 1929, ele foi um entusiasta do New Deal. O
seu interesse pela América Latina teve início na época em que ele era estudante de
graduação na Universidade de Columbia15. Concluiu o mestrado em 1941 sobre trabalho
e sindicalismo na América Latina, recebendo rapidamente o título de “especialista” no
campo, uma vez que ele mesmo teria reconhecido que ninguém naquela época sabia algo
sobre o tema. E assim novamente como a maioria de sua geração, ele não passou pela
guerra incólume.
A experiência curta no Setor de Relações de Trabalho da Coordenação de
Assuntos Interamericanos, dirigido por Nelson Rockefeller e o período que passou na
Inglaterra com as Forças Armadas norte-americanas, entre os anos de 1943 e 1945, foram
cruciais para moldar o seu pensamento político e ideológico. Alexander acabou
convencido de que a política externa, mais especificamente a luta contra o totalitarismo,
era inseparável da política interna e seus conflitos com outros países. Como French
enfatizou, a experiência da Segunda Guerra fez fortalecer a crença de Alexander na
honestidade das políticas criadas pelo governo norte-americano, a ponto de silenciar-se
sobre os seus erros16.
Tais ideias e experiências internacionais fizeram com que Alexander abraçasse a
chamada “American mission” após o término da Segunda Guerra. Sua tese de doutorado
12 John French. “The Robert J. Alexander Interview Collection”, op. cit., 324-325. 13 Esse subtítulo é inspirado na reportagem escrita por Stefan Baciu, intitulada “Homem para o lugar”, de
1961, em que o jornalista descreve Alexander como um dos estudiosos mais expressivos dos problemas
latino-americanos, “não apenas por sua formação socialista e democrática, mas, antes de mais nada, por seu
profundo conhecimento”. Um homem, afirmou o jornalista, que “percorreu várias vezes, não como turista,
nem como repórter apressado, mas como homem disposto a estudar e a compreender estes países e seus
problemas básicos”. Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, 17 de fevereiro de 1961, p. 6. 14 French, John D. Robert Alexander: The Complete Bibliography of a Pioneering Latin Americanist. Latin
American Labor Studies Bibliography, no. 3, Miami: Center for Labor Research and Studies, Florida
International University, 1991. 15 John French. “The Robert J. Alexander Interview Collection”, op. cit., p. 316-17 e os dois parágrafos
seguintes. 16 Possivelmente a crítica que esteja implícita nessa observação é o apoio e participação ainda que de forma
indireta de Alexander nos golpes e ditaduras militares na América Latina.
defendida na área de economia na Universidade de Colúmbia intitulada “Organized
Labor in Chile” foi finalizada em 1950 e contou com recursos do Departamento de
Estado. A tese, nunca publicada, apresentou uma pesquisa de trabalho de campo realizada
entre os anos de 1947 e 1948 sobre as relações industriais e de trabalho no Chile.
Oportunidade em que ele coletou depoimentos de 349 pessoas. Essas entrevistas captaram
um momento importante na história política chilena, quando se intensificavam as ações
do movimento sindical, sob o controle dos comunistas, no governo de González Videla
(1946-1952).
Durante sua estadia no Chile, Alexander visitou o Brasil e a Argentina -
oportunidade em que testemunhou movimentos intensos de mobilização política e social
durante os governos de dois presidentes que conduziam políticas externas distintas, mas
que tinham em comum projetos sociais e econômicos industrial-nacionalistas
centralizados na ampliação do poder do Estado. Sob o rótulo de “ditadores” e
“populistas”, Perón e Vargas, salvo as diferenças no trato diplomático com essas duas
lideranças, se tornaram símbolos do “totalitarismo latino-americano” a ser combatido
pela “American mission”.
Embora as relações diplomáticas amigáveis entre os Estados Unidos e Brasil
durante a chamada “Política da Boa Vizinhança”, entre 1933 a 1945, tenha sido baseada
na confluência de interesses, especialmente durante a Segunda Guerra, e além das boas
relações entre Vargas e Franklin D. Roosevelt, Vargas não angariava a confiança de
muitos setores estadunidenses17. Serafino Romualdi, um imigrante italiano anticomunista
fervoroso, que coordenou a política sindical da AFL na América Latina entre os anos
1946 a 196518, e muito ligado a Alexander, não escondeu ao relatar suas memórias sobre
o Brasil, o desprezo por Vargas e, consequentemente, por seu herdeiro político João
Goulart19. Em sua autobiografia, Romualdi afirmou ter dedicado sua carreira ao combate
17 Adolf Berle, embaixador dos Estados Unidos no Brasil (1945-46), por exemplo, como um new dealer,
era admirador de Getúlio como estadista, mas discordava profundamente de suas medidas repressivas. A
oposição de Berle à possível manutenção de Vargas no poder se deu em circunstâncias bastante pontuais
geradas ao longo da crise política no fim do Estado Novo. Stanley Hilton. Ditador e embaixador: Vargas
e Berle e a queda do Estado Novo. Rio de Janeiro: Record, 1987. Ver também Weis, W. Michael. Cold
Warriors & Coups D’Etat. Brazilian-American Relations, 1945-1964. Albuquerque: University of New
Mexico Press, 1993, p. 14. 18 A fusão entre as centrais sindicais AFL e CIO ocorreu em 1955, quando Romualdi continuou sua função
de representante dos Assuntos Internacional da AFL-CIO na América Latina. 19 Romualdi em seu livro de memórias apresentou João Goulart como um líder do PTB jovem e rico do Rio
Grande do Sul, que estava ganhando popularidade utilizando táticas políticas semelhantes às de Perón.
Serafino Romualdi. Presidents and Peons. Recollections of a Labor Ambassador in Latin America. Nova
York: Funk & Wagnalls, 1967, p. 275.
da ideologia comunista e das forças totalitárias na América Latina, fazendo questão de se
referir a Vargas como ditador, que nutria simpatias pelo eixo20.
Dos “ABC countries”, sem dúvida, a Argentina foi o país sul-americano que mais
politicamente atraiu a atenção de Alexander, a ponto de ele ter dedicado um livro inteiro
ao movimento peronista21. Em 1946, como enviado especial da AFL, o jovem
pesquisador percorreu os cinturões industriais argentino, entre Rosário e Córdoba,
travando contato com lideranças sindicais antiperonistas e sociais reformistas. De volta
aos Estados Unidos, Alexander traduziu para o “seu público norte-americano a
perplexidade dos seus amigos locais, agora furiosos anti-peronistas”22.
Conforme pontuou Ernesto Semán, os diplomatas norte-americanos viam o
peronismo como uma séria ameaça fascista que rondava todo o continente americano,
sendo preciso, portanto, conter os anseios de expansão além-fronteiras do movimento
peronista. Ao mesmo tempo, Alexander, junto de lideranças sindicais como Romuadi e
representantes do corpo diplomático dos Estados Unidos na América Latina, como Berle,
concordavam com os peronistas de que era preciso extinguir a profunda desigualdade
social na região, mas lamentavam que essas demandas populares fossem sequestradas por
políticos mal-intencionados23.
Ao pisar pela primeira vez em solo sul-americano, Alexander pôde comparar os
efeitos da Segunda Guerra e seu impacto na região com o que havia visto na Europa e nos
Estados Unidos. Nesse contexto de formação de uma nova ordem mundial, a Argentina
de Perón passou a ser mencionada como uma das principais ameaças ao liberalismo
democrático no continente.
No Brasil, a visita de Alexander no ano de 1946 foi publicizada pelo Jornal de
Notícias de São Paulo. O periódico anunciou a chegada do então jovem e promissor
estudante do Departamento de Economia da Universidade de Columbia. Era a primeira
20 Idem, p. 6. 21 Robert J. Alexander, The Perón Era. Nova York: Columbia University Press, 1951. O livro foi publicado
um ano depois de ele ter concluído a tese sobre o Chile. Mas ainda em 1950 ele publicou o livreto, Perón
Unmasked: The Martyrdom of the Free Trade Union Movement in Argentina. Washington, D.C.:
Educational and Publicity Department, Inter-American Regional Organization-ICFTU, 1950. 22 Ernesto Semán. Ambassadors of the Working Class. Argentina’s International Labor Activists & Cold
War Democracy in the Americas. Durham/ Londres: Duke University Press, 2017, p. 56. 23 Idem, p. 4. Semán afirma que “os diplomatas norte-americanos que questionavam a ascensão de Perón
reafirmavam que o país precisava urgentemente de mudanças sociais, mas lamentavam que essas reformas
estavam sendo conduzidas por políticos populistas”, mas seria preciso refletir sobre o uso do termo
“populista” nas fontes utilizadas pelo autor, p. 20.
visita de Alexander à América Latina, que, segundo a matéria, tinha o propósito de coletar
material para redigir a história do movimento operário latino-americano. Até o momento
da reportagem, Alexander já havia visitado várias entidades sindicais da capital paulista,
incluindo a Federação dos Jornalistas, a Federação dos Empregados do Comércio e todos
os partidos políticos24.
Ao pensarmos na circulação de Alexander pela América do Sul em datas tão
próximas, seria impossível separar a visão dele sobre esses países, na medida em que a
imagem que ele construía sobre o Brasil era moldada a partir das experiências acumuladas
na Argentina e no Chile. E como que num espelho invertido, Alexander analisava esses
países a partir da sua visão política e social moldada previamente pela cultura política
norte-americana, como vimos nos exemplos apresentados no início desse trabalho.
Ao longo dos anos 1950 e 1960, como professor na Rutgers University, Alexander
escreveu freneticamente sobre as relações trabalhistas e sindicais nesses países, a partir
do que viu e ouviu em suas viagens realizadas periodicamente na região25. Com base em
uma larga rede de contatos travada com sindicalistas, políticos latino-americanos e
demais personalidades dos mundos do trabalho e da política, Alexander colaborou
diretamente com o governo estadunidense passando informações e análises de conjuntura
para a alta cúpula sindical da AFL-CIO, autoridades do Departamento de Estado, do
governo estadunidense e, possivelmente, para os órgãos de inteligência norte-
americana.26 Em janeiro de 1962, Alexander já acumulava 15 anos de viagens
consecutivas à América Latina. “Nós não podemos mais arcar com o luxo de ser ignorante
sobre as vinte repúblicas para o sul de nós. O que acontece em Havana, Brasília ou Buenos
Aires é tão importante para o nosso bem-estar e futuro nacional quanto os eventos que
24 “Movimento sindical”, Jornal de Notícias, São Paulo, 23 de agosto de 1946, p. 5. 25 Alexander tornou-se membro do Socialist Party of America’s – SPA, quando tinha apenas 16 anos. Após
ter se graduado no ensino médio em 1936, o jovem Alexander percorreu a Europa e visitou a Espanha, no
momento em que a Guerra Civil se iniciava. Essa marcante viagem à Europa combinada com a sua
experiência acumulada durante o auge do radicalismo sindical e político da história norte-americana, ao
mesmo tempo em que a Congresso of Industrial Organizations (CIO) encontrava-se em ascensão, podem
ter sido fatores cruciais na formação política e ideológica de Alexander. Da mesma forma que pode explicar
o seu interesse permanente ao longo de sua trajetória de vida pelas questões político-partidárias da esquerda
e sobre labor radicalism, não somente nos Estados Unidos, mas como em todo o mundo. Victor G.
Devinatz. “Robert J. Alexander’S U.S. Left-wing Interview Collection and Archaeology of Dissident
Communism”. Working USA: The Journal of Labor and Society, 15, junho de 2012, p. 154. 26 Serafino Romualdi, que por décadas conduziu a política internacional da AFL-CIO na América Latina
em seu livro de memórias agradeceu especialmente o amigo Alexander por ter colocado a sua disposição
um conjunto de documentos e relatórios, possibilitando o autor a narrar a história do sindicalismo nos países
latino-americanos, bem como a sua atuação como representante da central sindical-norte americana na
região.
acontecem em Paris ou Berlim ou New Delhi”.27 Nessas duas décadas, ele testemunhou
a ascensão e a queda de Perón, a Revolução Boliviana de 1952, a queda do ditador Pérez
Jiménez na Venezuela em 1958 e a Revolução Cubana de 1959. Mais tarde, nosso viajante
em foco iria presenciar a instauração de ditaduras militares em diversos países latino-
americanos.
Entre o final da década de 1940 e os anos 1950, Alexander se tornou referência,
dentro e fora de seu país de origem, como um dos maiores especialistas em questões
políticas e trabalhistas na América Latina. No Brasil, seus textos e opiniões sobre Brasil,
Argentina, Guatemala, Cuba e diversos países latino-americanos foram com alguma
frequência reproduzidos pelos jornais da grande imprensa. Em 1948, por exemplo,
Alexander opinou sobre os conflitos trabalhistas ocorridos em Bogotá. O Jornal do Brasil
reproduziu um artigo escrito por ele originalmente publicado pelo New York Herald
Tribune. A matéria destacava o que seria a tese central do especialista norte-americano:
“há três forças, os Estados Unidos, a Rússia Soviética e a Argentina de Perón, estas
disputam entre si para obterem o apoio dos governos e dos povos dessa região”28.
Nesse contexto político internacional da Guerra Fria, ele apresentou sugestões ao
governo estadunidense no âmbito das relações internacionais com os países latino-
americanos. Vale descrever os cinco pontos sugeridos por ele: 1- “Proteção das nossas
próprias liberdades civis” - Alexander asseverou que as perseguições políticas cometidas
pelo governo estadunidense não poderiam servir de exemplo internacional e enfraquecia
“nossa posição na América Latina”; 2 – sugeriu fortemente a realização de um programa
de intercâmbio entre as duas regiões e, quando possível, “mandar norte-americanos
inteligentes e simpatizantes para estudar e conhecer melhor a América Latina e seus
povos”, reconhecendo que não havia “contato amistoso entre a gente comum do nosso
hemisfério”; 3 – era imperativo respeitar o nacionalismo latino-americano, aconselhando
que os Estados Unidos deveriam dar continuidade à política iniciada por Roosevelt “de
tratar os latino-americanos como iguais, não como inferiores”; 4- não intervenção nos
assuntos domésticos da América Latina; 5 – cooperar com os programas de
27 Robert J. Alexander. Today’s Latin America. Garden City, Nova York: Anchor Books, 1962, prefácio,
s/n. 28 Hernane Tavares de Sá, “Brasil-Estados Unidos – a imprensa americana comenta os acontecimentos de
Bogotá”, Jornal do Brasil, 2º seção, 25 e 26 de abril de 1948, p.1-2.
desenvolvimento econômico da região, destacando que havia lugar para “cooperação
tanto de capital privado como de ajuda do governo norte-americano”29.
Esses cinco pontos sintetizam as ideias de Alexander para obtenção de um bom
relacionamento diplomático entre os Estados Unidos e a região latino-americana. Em
1953, essas sugestões de “como lidar com os latino-americanos” foram fortemente
recomendadas por ele no artigo “A boa vizinhança – elementos indispensáveis para uma
real amizade entre os países americanos”, matéria publicada no Correio da Manhã. Em
tom crítico ao governo de Dwight D. Eisenhower (1953-1961), Alexander explicitou o
descaso do governo estadunidense com a região ao recomendar que os Estados Unidos
deveriam “demonstrar que se preocupam seriamente com a América Latina”30. E, com a
segurança de um especialista no assunto, Alexander asseverou
A esquerda anticomunista é o mais importante obstáculo ao totalitarismo
naquela área, e assim o mais importante grupo pró-Estados Unidos. O
comunismo e o peronismo gozam de grande apoio porque os elementos
de prestígio das classes médias e operárias estão descontentes com a
situação existente e querem reformas agrárias, seguro social, sindicatos,
industrialização com apoio do governo31.
No mesmo artigo reproduzido pelo jornal brasileiro, Alexander toca em uma
questão fundamental para a América Latina – as mudanças de regime democráticos e
autoritários, advertindo o governo estadunidense de que o reconhecimento oficial desse
problema seria de grande ajuda para a região. Com receio de que os democratas latino-
americanos julgassem que “a propaganda americana de democracia é apenas um manto
para os interesses nacionais dos Estados Unidos na Guerra Fria e que os americanos não
têm nenhum interesse pela democracia se não houver um perigo comunista imediato”,
Alexander, na contramão do discurso mais utilizado pela Guerra Fria, alertava que o
maior perigo para a democracia é o peronismo e as ditaduras militares e não o comunismo.
Por fim, mais uma vez, ele aconselhou o governo norte-americano a investir em
programas de intercâmbio, uma vez que “muitos latino-americanos depois de tais visitas,
voltam amigos dos Estados Unidos”32.
29 Idem. 30 Sobre a relação do governo Eisenhower com a América Latina, ver: João Roberto Martins Filho. “Os
Estados Unidos, a Revolução Cubana e a contra-insurreição”. Revista de Sociologia Política, Curitiba, 12,
junho de 1999, Dossiê Política Internacional, pp. 67-82. 31 Correio da Manhã, 28 de junho de 1953, p. 6. 32 Idem.
Trabalho e legislação trabalhista no Brasil
Ao analisar o Brasil entre meados dos anos 1950 e início da década de 1960,
Alexander se deparou com um país que passava por um processo intenso de
industrialização e urbanização. Já a Argentina, asseverou o autor, tinha um dos mais altos
níveis de qualidade de vida se comparado com toda a região. Sendo que o Chile se
destacava por ter sido pioneiro na aplicação da legislação social e de educação. Seu estudo
comparativo sobre as relações trabalhistas no Brasil, Argentina e Chile, mostrou que essas
relações se desenvolviam de forma diferente. Segundo ele, nenhum desses países
apresentava um modelo típico de sistema de gestão do trabalho. Ao procurar estabelecer
pontos comparativos sobre as relações trabalhistas desenvolvidas nestes três países, ele
ressaltou algumas características particulares na história dessas nações em contraposição
ao modelo estadunidense, uma vez que “as relações trabalhistas são muito mais reguladas
pela lei na América Latina do que nos Estados Unidos” 33.
O autor acentuou que esses três países apresentam diferenças marcantes em
relação ao papel do Estado nos assuntos econômicos. O Brasil teria vivenciado entre os
anos de 1937 e 1945 uma tentativa de imposição de um padrão corporativo estatal na vida
política, econômica e social da nação, que teria perdurado intacto nas décadas posteriores.
Se a história do trabalho e dos negócios no Brasil havia sido marcada pelo projeto
corporativista de Getúlio Vargas, na Argentina o “experimento totalitário” teria ocorrido
de modo sui generis. O peronismo, explicou o autor, jamais teria obtido sucesso em
submeter business ao controle completo do Estado, exceto no campo das relações
trabalhistas. Por outro lado, o Chile teria tido uma trajetória mais democrática se
comparado aos outros dois países, tendo ficado livre de regimes “totalitários” desde o
começo da revolução industrial naquele país34.
Nos três países, o autor observou que os lucros altos obtidos no processo de
acumulação do capital por investidores estrangeiros foram assegurados pela política de
baixos salários para os trabalhadores. Esses últimos teriam sido pouco beneficiados com
o aumento da produtividade nacional. Além do fato de o processo de urbanização ter se
baseado na mudança e adaptação do trabalho rural para o urbano, os trabalhadores não
teriam obtido uma noção clara do seu papel como trabalhador industrial.
33 Robert J. Alexander. Labor Relations in Argentina, Brazil, and Chile, op. cit. p. 4. 34 Idem, p. 5.
Diferentemente do mundo rural, argumentou Alexander, onde os trabalhadores do
campo estavam acostumados com a hierarquia de submissão ao empregador, os operários
não estavam cientes sobre como deveria ocorrer a relação entre patrão e empregado.
Demoraria tempo para que o trabalhador se acostumasse com as novas relações sociais
travadas dentro da indústria, suas relações com os demais trabalhadores, com o
contramestre, a gerência e o proprietário.
Essa falta de garantias e suas incertezas em relação ao mundo fabril teriam levado
os operários sul-americanos ao sindicato, vendo os seus empregadores como um inimigo
comum da classe trabalhadora. Lá, no sindicato, esse trabalhador poderia ter um papel,
mesmo que fosse apenas para votar nas propostas apresentadas pelas lideranças sindicais.
Esses fatores teriam colaborado para os protestos dos trabalhadores e tinha pouca
importância se a fábrica a qual o operário era empregado pertencia ao Estado ou a
propriedade privada, na visão de Alexander, “os trabalhadores não estão protestando
contra o capitalismo. Pelo contrário, esse é o novo sistema industrial do qual ele se tornou
parte”35.
Em “O ABC do sindicalismo”, um livro publicado em português no ano de 1962,
quando a Aliança para o Progresso dava os seus primeiros passos no Brasil, Alexander
criticou o movimento organizado dos trabalhadores latino-americanos, argumentando que
as centrais sindicais nacionais estariam sob o controle de um ou de outro partido político.
Existia uma tendência, afirmou o autor, “por parte do movimento trabalhista, de ser um
instrumento dos políticos, em vez de os sindicatos usarem um ou outro partido para os
seus propósitos”. A consequência direta do estreito relacionamento entre o movimento
sindical e a política seria o maior controle do governo nas organizações dos trabalhadores.
Como evidência de tal fato, Alexander observou que a maioria dos países latino-
americanos possuía vastos códigos trabalhistas que permitiam ao Estado interferir nos
assuntos internos dos sindicatos, assim como nas ex-colônias inglesas, onde as
regulamentações trabalhistas coloniais da Inglaterra foram mantidas pelos governos
independentes36.
Ao comparar as relações trabalhistas nos países considerados “desenvolvidos” e
“subdesenvolvidos”, Alexander observou que nas nações “subdesenvolvidas”, “o
35 Idem, p. 9. 36 Robert Alexander. O ABC do desenvolvimento econômico. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1962, p.
201.
processo de crescimento econômico e industrialização começou em uma época em que o
sufrágio universal já tinha sido alcançado”. A incorporação do voto popular nesses países
teria levado, segundo as reflexões de Alexander, os políticos a perceberem que os
trabalhadores, se bem organizados e mobilizados, poderiam ter uma força política
poderosa. Em consequência, asseverou ele, “muitos políticos não apenas encorajaram os
trabalhadores a se organizar, e passaram a legislação social em seu benefício, mas também
procuraram impor um certo controle sobre os sindicatos, para impedir que sejam usados
contra si mesmos”37.
Ainda em “O ABC do sindicalismo”, Alexander observou que a legislação
trabalhista garantia aos trabalhadores benefícios que ele julgava excessivos, pois o seu
efeito acabava sendo o oposto do que os legisladores desejavam. Um caso típico apontado
por ele era a lei da “estabilidade” no Brasil, adquirida após dez anos de serviços prestados
na empregadora. Para evitar a lei, os patrões demitiam bons operários com receio de que
eles adquirissem tal direito. Em suma, Alexander acreditava que a legislação social e a
regulamentação dos sindicatos nos moldes do corporativismo aplicada “nos países
subdesenvolvidos” representavam um obstáculo ao desenvolvimento38.
A distância entre os níveis de qualidade de vida e status social dos trabalhadores
em relação às classes altas da sociedade, somado ao fato de que os líderes sindicais não
participavam de nenhuma decisão dos rumos das indústrias empregadoras, tornava as
organizações dos trabalhadores um local exclusivamente para protesto e politização das
relações de trabalho. Tendo ocorrido, asseverou Alexander, poucas tentativas por parte
dos empregadores em dar aos sindicatos “consultative status” na formulação das políticas
para regulação das relações trabalhistas, tais como treinamento de trabalhadores, moradia,
serviços médicos, produção e produtividade.
No Brasil, Alexander argumentou que, a partir de 1945, os sindicatos lutaram para
conquistar a independência do Estado e buscaram determinar as condições de trabalho de
seus associados frente ao poder do empregador. Essas ações, observou o autor, foram
realizadas de forma mais ativa via a Justiça do Trabalho, apresentando reclamações nas
cortes trabalhistas e investindo pouco no canal de negociação direta com os
empregadores. Por outro lado, os partidos políticos tiveram um papel importante ao tentar
37 Idem, p. 195-96. 38 Idem. p. 203.
direcionar as reivindicações dos trabalhadores para as questões políticas. No Chile,
comparou o autor, havia poucos sindicatos que não eram controlados por um ou outro
partido. Já na Argentina, Alexander afirmou que Perón teria utilizado a organização dos
trabalhadores como uma alavanca para alcançar o poder e posteriormente “subordinando
os sindicatos ao domínio completo”.
Segundo ele, havia uma diferença interessante entre as atitudes de Perón e Vargas
em relação ao movimento dos trabalhadores. Este último teria destruído a maior parte das
organizações existentes no pré-1930 e estabeleceu no lugar dessas associações novos
grupos controlados pelo Estado. O líder argentino teria feito o oposto, ou seja, teria
curvado os sindicatos existentes à sua vontade. “Talvez fosse por isso”, analisou “que ele
nunca foi tão bem-sucedido quanto seu contemporâneo brasileiro em destruir
completamente a independência do movimento trabalhista”39. No Brasil, após a queda do
Estado Novo, o PTB e o Partido Comunista buscaram controlar os trabalhadores. Esse
último ganha destaque na análise de Alexander por ser considerado um partido
particularmente perigoso devido às suas conexões com os militares. O autor enfatiza que
Luís Carlos Prestes ainda gozava de certo prestígio nos baixos escalões das Forças
Armadas, enquanto o Partido estava sendo bem-sucedido em incorporar nomes de
militares em suas várias campanhas políticas de petições40.
De toda forma, Alexander observou que tanto Brasil, como Argentina e Chile
utilizaram de um conjunto de leis para o estabelecimento de cláusulas que versavam sobre
a formação e a competência dos sindicatos. Suas finanças e eleições também ficaram sob
o controle da lei. No caso brasileiro, a legislação trabalhista tornou a collective bargaining
praticamente inexistente. Para Alexander, o Estado coloca-se como ator principal nas
relações de trabalho desses três países e desempenha um papel importante na estruturação
da força de trabalho, fazendo com que a legislação trabalhista ocupe um lugar especial no
sistema legal desses países latino-americanos41. Ele constatou que a grande maioria dos
empregadores não tinha dúvida sobre a capacidade de inteligência, agilidade e capacidade
dos trabalhadores de aprender. O problema estaria na falta de investimentos em educação
e treinamento. Segundo ele, a “natureza do trabalhador brasileiro ajudava a explicar em
39 Robert Alexander. Labor Relations in Argentina, Brazil, and Chile, op. cit., p. 181. 40 Idem, p. 40. 41 Idem, p. 13-16.
parte tal exploração, uma vez que a mesma docilidade e tolerância poderia ser facilmente
manipulada por regimes totalitários”42.
Para além das críticas ao sistema corporativista de regulação de trabalho e dos
diferentes estágios de industrialização que separavam os países “desenvolvidos” dos
“subdesenvolvidos”, Alexander não se conformava com a profunda ausência de
preocupação dos brasileiros, argentinos e chilenos com os problemas ideológicos que
configuravam o mundo entre capitalistas e socialistas. Era mesmo espantoso, adjetivo
utilizado pelo próprio autor, que outras questões fossem consideradas mais importantes
para os sul-americanos, sendo o desenvolvimento econômico a maior prioridade desses
países. De modo que a preocupação para estas nações era a obtenção do desenvolvimento
industrial e não quem ou de que forma deveria ser feito,
Se um determinado campo de desenvolvimento pode ser tratado
melhor pela empresa privada, há pouca objeção ao fato de os
empreendedores privados cuidarem disso. Por outro lado, se a
intervenção do Estado é necessária, há pouca oposição ideológica
por razões baseadas em um "creeping Socialism" ou qualquer
outro slogan43.
Em outras palavras, o pesquisador norte-americano não se conformava com o fato de os
sul-americanos não estarem devidamente comprometidos com a polarização ideológica
imposta pela Guerra Fria.
Voltando a questão da suposta “falta de espírito comunitário” dos brasileiros,
Alexander atribuiu tal ausência ao legado deixado pelo ditador Getúlio Vargas. Ao impor
um sistema rígido de relações sociais na indústria, Vargas teria suprimido as
responsabilidades de ambos os lados da relação capital-trabalho. Fazendo com que dessa
forma sua figura como “pai dos pobres” ganhasse proeminência. Ao tentar colocar tudo
nas mãos do Estado ou nas organizações supervisionadas por ele, o regime varguista
parece ter aliviado o cidadão brasileiro de suas responsabilidades para com o bem-estar
de seus vizinhos e até dele mesmo. Tal falta de responsabilidade, que para Alexander
estaria impregnada na cultura política dos brasileiros, seria particularmente perceptível
no campo das relações trabalhistas44.
42 Idem, p. 56. 43 Idem, p. 5. 44 Idem, p. 44.
Por outro lado, a “docilidade” e “passividade”, dos trabalhadores brasileiros
compunham o quadro das supostas ausências apontadas pelo pesquisador norte-
americano. Embora toda a condição de miséria de suas vidas, eles ainda são pessoas
dóceis, enfatizou o autor. A explicação, mais uma vez, estaria na antiga condição rural
que os trabalhadores teriam trazido para o mundo moderno fabril e urbano:
Ele tem a tolerância e o respeito pelo “patrão” herdado de seus
ancestrais camponeses. Embora sua consciência de classe tenha
aumentado desde 1945, ele não se tornou ainda tão convencido
quanto seus irmãos chilenos da completa divergência de interesse
entre ele e seu chefe. Isto é particularmente verdadeiro, é claro,
em relação aos trabalhadores do Norte e Nordeste. Os de São
Paulo e outras cidades do Sul tendem a ser mais conscientes da
sua classe e menos dóceis45.
A “docilidade” dos trabalhadores também poderia ser comprovada, segundo
Alexander, pelo fato de que na história do Brasil as relações de trabalho terem sido
marcadas por poucos casos de violências, como os que caracterizaram as histórias do
movimento sindical na Argentina e no Chile. De certa forma, as interpretações de
Alexander sobre as particularidades da história política, industrial e do trabalho
organizado no Brasil vão ao encontro da produção intelectual brasileira, mais
especificamente dos sociólogos do trabalho da chamada Escola Paulista de Sociologia,
formulada no Brasil desde o final dos anos 1950 e nas décadas de 1960 e 1970, que até
hoje marcam os pilares do pensamento social brasileiro.46
Se nas duas primeiras décadas da Primeira República, a imagem do trabalho
retratada pela historiografia brasileira era a do trabalhador imigrante europeu, a partir dos
anos 1950 essa imagem mudou drasticamente com a chegada dos migrantes rurais aos
grandes centros urbanos. Na segunda metade da década de 1960, o alto contingente de
migrantes e trabalhadores provenientes da região Nordeste em São Paulo chamou a
atenção dos intelectuais paulistas. Determinados em buscar explicações para o golpe de
1964, viram na mobilidade e ação do trabalhador migrante nordestino uma das hipóteses
para compreender o que eles achavam ser “o colapso do populismo”47.
45 Idem, p. 55. 46 Sobre a atuação desses sociólogos, ver: Wagner de Melo Romão. Sociologia e política acadêmica nos
anos 1960: a experiência do CESIT. São Paulo: Associação Editorial Humanitas/ Fapesp, 2006. 47 Francisco C. Weffort. “Origens do sindicalismo populista no Brasil: a conjuntura do após-guerra”.
Estudos Cebrap, São Paulo, n. 4, 1973, pp. 65-105; Leôncio Martins Rodrigues. Conflito industrial e
sindicalismo no Brasil. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1966; Juarez Rubens Brandão Lopes. Crise
do Brasil arcaico. São Paulo: Difel, 1967.
É possível, por exemplo, que Alexander tenha se deparado com os estudos de
Juarez Brandão Lopes48. Este buscou compreender os ajustamentos de comportamento
do trabalhador rural para o trabalho industrial e a formação da mão de obra operária dita
‘qualificada’. Para compreender esse processo de adaptação do trabalhador rural migrante
para o trabalhador industrial, Lopes, ao conduzir um estudo de caso baseado na
experiência de um trabalho de campo realizado em uma fábrica média de São Paulo, em
meados da década de 1960, observou os aspectos do trabalho e da vida dos operários
brasileiros nascidos no campo. Interessava ao sociólogo entender como eram suas vidas
no meio rural e quais eram os fatores culturais que condicionavam a sua permanência ou
não na cidade. Lopes e os demais do grupo de sociólogos paulistas, bastante influenciados
pela teoria da modernização do argentino Gino Germani, interpretavam as ações e as
experiências dos trabalhadores rurais migrantes na indústria a partir de uma divisão
estrutural do país entre o ‘atraso’ rural e o ‘progresso’ urbano. Ademais, esses intelectuais
tinham uma concepção ‘etapista’ do desenvolvimento econômico capitalista, entendendo
que o Brasil, na sua condição de país colonizado e subdesenvolvido, passava por um
processo qualificado como “capitalismo tardio”. Para atingir, portanto, o progresso
industrial e competir com os países desenvolvidos, o Brasil deveria então “queimar”
etapas. Nesse sentido, a migração era compreendida como a passagem de sociedades e
culturas tradicionais e arcaicas para as cidades, espaços do desenvolvimento industrial e
do moderno.
A origem rural dos trabalhadores foi a chave interpretativa formulada por Brandão
Lopes para entender os diversos obstáculos que o trabalhador migrante encontrava para
se adaptar a mudança de regime de trabalho. Não eram obstáculos apenas limitados às
questões formais, como falta de educação escolar ou dificuldades econômicas para
sobreviver na cidade grande. Para Brandão Lopes havia um problema cultural, uma
herança, como um destino inescapável, do Brasil arcaico. Despreparados para enfrentar
o mundo urbano, a horda de trabalhadores nordestinos que adensavam na grande cidade
não trazia consigo o espírito coletivo, não tinham nenhuma vocação para a ação coletiva
e por fim, não tinham união, podendo até mesmo, salientou o autor, “prejudicarem-se
48 As publicações de Alexander dos anos 1960 não possuem lista de referências bibliográficas e quase não
há edição de notas de rodapé. No livro A History of Organized Labor in Brazil, de 2003, há uma extensa
bibliografia em que o trabalho de Leôncio Martins Rodrigues (Conflito industrial e sindicalismo no Brasil,
1966) é citado. Já os estudos de Brandão Lopes, Octavio Ianni, Francisco Weffort ou Fernando Henrique
Cardoso não aparecem na listagem.
mutuamente no afã de obter vantagens pessoais”49. Tais “anomalias” impediam os
trabalhadores de fazerem um bom uso dos sindicatos, sendo “o sindicato para esses
operários, quase sempre, um meio de que se utilizam para fins econômicos individuais
(aumento de salário, indenização, aviso prévio etc.)”50.
“Vem aí professor Alexander”
A primeira vez que Alexander visitou o Brasil foi em 1946, um ano apenas após
a queda do Estado Novo, momento em que o país passava por profundas transformações
com a saída de Vargas do poder. O pesquisador passou seis semanas entre Rio de Janeiro
e São Paulo, tendo circulado por algumas cidades nos estados do Paraná, Santa Catarina
e Rio Grande do Sul. A estadia no país foi considerada por ele um momento
extremamente empolgante, uma vez que “o país apresentava uma aura de liberdade, após
tantos anos de dominação sob a ditadura varguista”. Havia um sentimento de mudança
no ar, de perspectiva de melhoras e uma excitação sobre o futuro51. No entanto, Alexander
ignorou a alta popularidade de Vargas entre as classes populares, atribuindo tal euforia
apenas à queda do Estado Novo, sem considerar o fim da Segunda Guerra Mundial, fato
que influenciou grande parte do povo brasileiro, com direito até a marchinhas de
Carnaval.
Foi logo nessa primeira viagem ao Brasil, que o norte-americano iniciou sua
análise sobre o funcionamento do sistema corporativista e o movimento sindical
brasileiro. Havia uma grande expectativa de que esse sistema sofresse mudanças a partir
da queda do Estado Novo. O encontro com alguns líderes sindicais que atuaram antes da
“Revolução de 1930” possibilitou Alexander entender a história do movimento
organizado dos trabalhadores brasileiros nas décadas anteriores, compreendendo ainda as
divisões políticas dentro do próprio movimento sindical. O norte-americano conversou
também com líderes sindicais apoiadores de Vargas e com dirigentes auto identificados
comunistas ou simpatizantes do Partido. A curta estadia mostrou-se bastante produtiva,
além desses encontros citados, ele ainda travou contato com figuras políticas de fora do
49 Juarez. R. Brandão Lopes. “O ajustamento do trabalhador à indústria: mobilidade social e motivação”.
In: Sociedade industrial no Brasil, op.cit. p. 47. 50 Idem, p. 49. Para uma interpretação que descontrói essa visão sobre o processo migratório e a adaptação
do trabalhador rural para o trabalho urbano, ver: Paulo Fontes. Um Nordeste em São Paulo. Rio de Janeiro:
FGV, 2008; e Antonio Luigi Negro. Linhas de montagem. O industrialismo nacional-desenvolvimentista e
a sindicalização dos trabalhadores. São Paulo: Boitempo/ Fapesp, 2004. 51 Robert J. Alexander. A History of Organized Labor in Brazil. Westport, Connecticut, Londres: Praeger,
2003.
movimento sindical, mas que exerciam grande influência sobre ele, tais como Segadas
Viana e Luís Carlos Prestes52.
Em seu livro dedicado a compreender o funcionamento e a história do
sindicalismo brasileiro, Alexander narra a chegada de Vargas ao poder em 1930,
explicando ao leitor estrangeiro, a estratégia do líder populista de liderar com apoio
massivo da classe trabalhadora urbana, que até então tinha pouca expressão política no
cenário nacional do país. Segundo Alexander, Vargas buscou legalizar ao invés de
suprimir o movimento dos trabalhadores, na expectativa de que eles o apoiassem.53 Com
essa estratégia, o número de entidades organizadas de trabalhadores oficialmente
reconhecidas pelo Estado cresceu rapidamente. No final de 1934, segundo os dados
coletados pelo norte-americano, mais de mil sindicatos foram reconhecidos e mais de
1.500 tiveram seus pedidos rejeitados pelo Ministério do Trabalho por não se enquadrem
na legislação trabalhista.54
Ao longo da trajetória intelectual e militante de Alexander, o Brasil foi destino de
muitas de suas viagens. “Vem aí professor Alexander”, foi assim que o Tribuna da
Imprensa anunciou a chegada do especialista no Brasil exatamente dez anos depois da
sua primeira estadia no país. Com a missão de conversar com empregados e
empregadores, Alexander declarou ter sido a viagem financiada pelas universidades de
Harvard, Princeton e pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts55.
Nessa estadia realizada no ano de 1956, Alexander conduziu uma série de
entrevistas com lideranças sindicais de São Paulo. A entrevista com Orlando Previatti, na
época presidente da Federação dos Trabalhadores nas Indústrias de Papel, Papelão e
Cortiças do estado de São Paulo, nos dá pistas sobre o modo como ele costumava coletar
informações para os seus estudos.
Cerca de 50 anos, pequeno, cabelos brancos, muito simpático, foram as palavras
utilizadas pelo norte-americano para descrever Previatti e assim resumir a conversa
realizada com o líder sindical. Além de dirigente sindical, Previatti também era membro
da 6º Junta de Conciliação e Julgamento de São Paulo, cargo que havia ocupado por 11
52 Robert J. Alexander. A History of Organized Labor in Brazil, p. 2. 53 Idem. 54 Alexander explicou que os sindicatos que tiveram pedidos rejeitados de reconhecimento oficial não
preenchiam a regra do sistema corporativista brasileiro de oficializar apenas um sindicato por categoria
ou indústria em uma área pré-estabelecida. Idem, p. 57. 55 Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, 8 de fevereiro de 1956.
anos e que naquela data estava concorrendo para ser reeleito para mais um triênio.
Alexander tomou conhecimento, a partir da entrevista realizada com ele, da história da
federação dos trabalhadores da indústria de papel, sobre o perfil dos sindicatos
representados por esta organização, bem como o modo como os sindicalistas organizavam
a categoria e se relacionavam com os trabalhadores. Falaram também sobre o SESI, a
necessidade de criação de programas de assistência aos trabalhadores sindicalizados, o
SENAI e até mesmo sobre a construção de uma colônia de férias para a categoria56.
Já com Argeu Egídio dos Santos, em uma entrevista realizada 12 anos depois,
Alexander recebeu notícias sobre a situação política e econômica que o país vinha
atravessando durante o regime militar, sem expressar nenhum tipo de crítica aos militares.
Na faixa dos quarenta anos, Santos era presidente da Federação dos Metalúrgicos de São
Paulo, membro do Conselho Executivo da Confederação Nacional dos Trabalhadores da
Indústria e vice-presidente da Federação Internacional dos Trabalhadores Metalúrgicos.
Assim como Previatti, Santos mantinha boas relações com o sindicalismo norte-
americano desde o governo Goulart, ambos haviam colaborado para estreitar a relação
sindical entre Brasil e Estados Unidos, tendo sido um aliado importante das atividades da
AFL-CIO no país durante esse período57. Na entrevista, Santos não perdeu a oportunidade
de expressar o seu contentamento por estar participando de um seminário na Rutger
University, em New Brunswick, Nova Jérsei. Dentre os temas tratados entre Santos e
Alexander, este último registrou a seguinte afirmação “a maioria das coisas que o
movimento trabalhista dos Estados Unidos conseguiu através da negociação coletiva e
seu trabalho político, o movimento trabalhista da América Latina ainda tem como
aspirações”58.
Nessa tardia publicação sobre o sindicalismo brasileiro (2003), Alexander
agradece especialmente uma figura que teria sido chave para a abertura de contatos com
lideranças sindicais no Brasil. Plínio Barreto, um advogado de São Paulo, jornalista e
figura política, foi o primeiro a receber Alexander no Brasil em sua primeira viagem ao
56 Entrevista com Orlando Previatti por Robert Alexander, realizada em 27 de abril de 1956. Coleção
Twentieth Century Latin American Pamphlets - IDC Publisher, série Interviews, 1947-1994, box 5, folder
60, Brazil - Trade Unionists - São Paulo, 1956-1968. 57 Larissa R. Corrêa, Disseram que voltei americanizado, op. cit. 58 Entrevista com Argeu Egídio dos Santos por Robert Alexander, realizada em 11 de maio de 1968.
Coleção Twentieth Century Latin American Pamphlets - IDC Publisher. Série Interviews, 1947-1994, box
5, folder 60, Brazil - Trade Unionists - São Paulo, 1956-1968.
país em 194659. Além da hospitalidade, Barreto também providenciou uma lista de
contatos. O mesmo fez seu filho, Caio Plínio Barreto, a quem Alexander também
reconhece sua grande ajuda. Caio Barreto, na época, era um jovem aspirante advogado
trabalhista, que havia visitado os Estados Unidos em 1945 e colocado Alexander em
contato com seu pai. A relação entre eles foi bastante duradoura, tendo ocorrido o último
encontro deles em São Paulo em 1990.
Ainda em seus agradecimentos para o livro, Alexander não deixa de reconhecer a
importância de Jay Lovestone, na época diretor-geral da Free Trade Union Committee e
por décadas secretário-geral da AFL-CIO e diretor do Departamento de Assuntos
Internacionais da central. Por muitos anos, suas viagens à América Latina teriam sido
financiadas por Lovestone para que ele pudesse reportar ao sindicalista os acontecimentos
ocorridos no movimento sindical, no campo político e econômico. É dessa relação, que
teria sido iniciada em 1948, entre Alexander e Lovestone, ao lado de Serafino Romualdi,
diretor de assuntos latino-americanos da AFL-CIO, que fica mais evidente a influência
do intelectual norte-americano na política internacional da central sindical para a América
Latina. Tanto Lovestone quanto Romualdi são conhecidos como colaboradores da CIA60.
Labor e Aliança para o Progresso
Tudo indica que a chegada de J. F. Kennedy ao poder em 1961 representou o
grande momento na carreira intelectual e militante de Alexander. Finalmente, um
presidente dos Estados Unidos daria ouvidos às suas ideias sobre como combater o
comunismo na América Latina a partir da diminuição das desigualdades sociais. Mas não
só isso, Kennedy era receptivo também a ideia de colocar o movimento sindical norte-
americano como protagonista dessa nova política externa, creditando à cúpula da AFL-
CIO e à Alexander o papel central nesse projeto de ajuda técnica e financeira voltada para
a região latino-americana.
59 Plinio Barreto foi um revolucionário constitucionalista de 1932, que aliou em sua carreira o jornalismo,
o Direito e a carreira política. Se profissionalizou jornalista no O Estado de São Paulo, foi perseguido
pela ditadura varguista e tornou-se deputado constituinte de 1946 por São Paulo. Ver: “Faleceu, em São
Paulo, Plínio Barreto”, Correio da Manhã, 1 de julho de 1958, 1º caderno, p. 4. 60 Ver: Ted Morgan. A Covert Life. Jay Lovestone: Communist, Anti-Communist, and Spy Master. Nova
York: Random House, 1999; Philip Agee. Dentro da “Companhia”, diário da CIA. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1975.
O projeto Aliança para o Progresso, lançado em 1962, foi um divisor de águas na
relação entre os Estados Unidos e a América Latina. Alexander fez parte da equipe de
renomados intelectuais e figuras políticas que já acumulavam experiências na região. Ao
lado de Adolf Berle, veterano do New Deal e ex-embaixador dos Estados Unidos no Brasil
(1945-1946), Lincoln Gordon (que viria a se embaixador no Brasil a partir de 1961),
Teodoro Moscoso (futuro coordenador da Aliança para o Progresso), entre outras figuras
de destaque no cenário intelectual e político norte-americano, Alexander pôde vislumbrar
finalmente um caminho menos desigual e industrializante para a América Latina. Suas
ideias nos indicam que ele parecia estar integrado nos pressupostos das chamadas “teorias
da modernização”61. Segundo Felipe Loureiro,
o “caminho para o desenvolvimento” que supostamente os
teóricos da modernização teriam encontrado para países de
Terceiro Mundo representava, na verdade, não somente uma
análise que se pretendia científica sobre as condições
socioeconômicas e políticas do mundo pós-colonial, mas também
um esforço para garantir que a transição dessas sociedades rumo
à modernização – ou a um “processo de racionalização”, tal como
entendido por Max Weber – estivesse espelhada no modelo
norte-americano, e não em outras alternativas modernizantes,
sobretudo àquela defendida e exemplificada pela União Soviética
e pelos países comunistas62.
O esforço cooperativo idealizado pelo Aliança para o Progresso convergia com as
ideias que Alexander vinha há décadas enfatizando sobre como deveria se dar a relação,
de forma menos assimétrica, entre Estados Unidos e América Latina. No âmbito do
movimento organizado dos trabalhadores, Alexander defendia o desenvolvimento do
sindicalismo solidário internacional anticomunista e o programa de Kennedy parecia ser
a grande oportunidade para tal. No contexto de elaboração do programa Aliança para o
Progresso, Alexander, assim como os seus demais formuladores, identificava no Brasil a
nação mais promissora na região63.
De forma indireta, Alexander justificava as operações da AFL-CIO na região latino-
americana. No entanto, a colaboração entre as classes, segundo o norte-americano, ainda
61 Felipe Loureiro chama a atenção para o termo “teorias da modernização” no plural, seguindo o
pensamento de Nils Gilman (2003). Felipe Pereira Loureiro. “Aliança para poucos? Ajuda econômica
norte-americana para estados brasileiros durante o governo João Goulart (1961-1964)”. Tese de livre
docência. Instituto de Relações Internacionais – Universidade de São Paulo – USP, São Paulo, 2017. 62 Idem, p. 50. 63 Alexander, Today’s Latin America, p. 10.
era vista como um pecado na América Latina. Segundo ele, ainda levaria tempo para que
os sindicatos pudessem assumir uma postura “responsável”, que geralmente existe nos
Estados Unidos e muitos países europeus, entre os líderes sindicais e as bases64. A Aliança
representava o instrumento que os especialistas norte-americanos precisavam para
convencer as instituições políticas e a população latino-americana, sobretudo os
trabalhadores, de que a ajuda estadunidense era a trilha certa para a modernização e a
conquista de boas relações intercontinentais.
John T. Dunlop, professor de Harvard, no prefácio do livro de Alexander “Labor
Relations in Argentina, Brazil, and Chile”, de 1962, reconhecia que as tentativas de
exportar o modelo de “sindicalismo livre” e “empresa privada” não haviam obtido
sucesso nos países latino-americanos e nem parecia ter maior aceitação no futuro. No
entanto, advertia o especialista, havia algumas características do modelo de organização
sindical norte-americano, tais como as reclamações no chão de fábrica, a educação de
líderes sindicais, bem como as atividades a favor do bem-estar dos trabalhadores, que
poderiam ser do interesse genuíno e adaptados para o contexto latino-americano65.
Alexander na ditadura militar
A estadia mais longa de Alexander em solo brasileiro ocorreu em 1965, logo após o
golpe civil-militar, período em que permaneceu no país por um ano.66 O financiamento
para manutenção do norte-americano no Brasil teria vindo, segundo ele, da Rutgers
University Research Council. É possível que Alexander tenha colaborado direta ou
indiretamente na operação civil-militar que depôs João Goulart, mas a sua relação com
os eventos de 1964 ainda carece de uma maior investigação. É certo que a sua
proximidade com a cúpula sindical da AFL-CIO, profundamente anticomunista e ligada
à CIA, bem como o fato de compartilhar das críticas ao governo Goulart indicam que no
mínimo ele se calou perante os anseios do governo dos Estados Unidos em se ver livre de
Goulart - sendo difícil pensar que ele não soubesse dos planos de Gordon para dar
cobertura militar aos golpistas.
64 Idem, p. 11. 65 Prefácio de John Dunlop para o livro de Robert J. Alexander. Labor Relations in Argentina, Brazil, and
Chile, op.cit., s/p. 66 Sua chegada foi registrada pelo Jornal do Brasil. Segundo a matéria o economista estava no país para
recolher dados com o objetivo de escrever um livro sobre o desenvolvimento econômico no Brasil. A sua
estadia estava prevista para 10 meses. Jornal do Brasil, 18 de setembro de 1965, 1º caderno, p. 10.
Todavia, é possível que, assim como muitos civis apoiadores do golpe, ele tenha se
frustrado rapidamente com a intervenção militar, quando percebeu que esta viera para
ficar. Ao narrar os desdobramentos do golpe no capítulo dedicado à descrição do
sindicalismo na ditadura militar, Alexander acredita que Castelo Branco havia sido
aparentemente sincero em seu desejo de restaurar as eleições presidenciais e colocar um
fim em seu mandato, mas teria sido pressionado pelos militares da “linha-dura”67. Talvez
tal crença nos supostos escrúpulos democráticos de Castelo Branco e a sua boa relação
com os Estados Unidos tenham pesado na decisão de Alexander de permanecer no Brasil
durante um ano e testemunhar com seus próprios olhos o turbilhão político que o país
atravessava.
Baseado em matérias publicadas nos jornais da grande imprensa, nos estudos dos
brasilianistas Kenneth Erickson e John Humphrey e nas entrevistas coletadas no período
que esteve no Brasil após 196468, Alexander descreveu de modo apurado, em seu livro
dedicado a narrar a história do movimento organizado dos trabalhadores no Brasil, a
situação do movimento sindical na ditadura militar, com destaque para as mudanças na
legislação trabalhista e a relação entre os trabalhadores e o “milagre econômico”. Nesse
capítulo, Alexander ainda destacou a ausência de negociações coletivas no período
ditatorial e dedicou um item para descrever a atuação do Instituto Americano para o
Sindicalismo Livre (IADESIL) e do Instituto Cultural do Trabalho (ICT), ambos criados
em 196269.
Interessante comparar o que Alexander escreveu sobre o sindicalismo brasileiro
em “A organização do trabalho na América Latina”, publicado originalmente nos
Estados Unidos no ano de 1965 e traduzido e lançado no Brasil em 1967. Na versão mais
antiga, Alexander chamou a atenção para o destacado papel dos Círculos Operários
Católicos, que ele descreveu como “um elemento novo de considerável significação
67 Alexander, A History of Organized Labor in Brazil, op. cit., p. 142. Dentre as referências citadas por
Alexander nas notas desse capítulo, destaca-se a publicação de Mario Víctor como indicação para uma
visão geral da “Revolução” de 1964, 5 anos que abalaram o Brasil, de Jânio Quadros ao Marechal Castelo
Branco. Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1965. 68 Destaque para as entrevistas realizadas com Herbert Baker, labor attaché da embaixada dos Estados
Unidos no Brasil (entrevista realizada em 5 de agosto de 1965); Jack Liebof, cônsul e labor reporting do
consulado dos Estados Unidos em São Paulo (entrevista realizada em 7 de outubro de 1965); Rudor Blum,
secretário de relações internacionais da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria, Rio de
Janeiro (entrevista realizada em 10 de agosto de 1965); entre outras dezenas de entrevistas feitas com
advogados, juízes e ministros trabalhistas, lideranças sindicais e autoridades políticas. 69 Sobre a atuação do Iadesil e ICT no Brasil, ver: Corrêa, op. cit, 2017.
potencial” que havia surgido em meados da década de 1950 via Confederação Nacional
de Círculos Operários Católicos. Segundo Alexander,
Nos primeiros anos de 1960, os efeitos das atividades dos
“círculos operários” começaram a se tornar evidentes. No nível
sindical local, os elementos treinados por eles começaram a
conquistar postos de liderança. Em muitas áreas, passaram a
organizar, pelo menos, alguma séria resistência às atividades dos
comunistas e aliados no movimento sindical; no entanto, estavam
longe de se constituírem em um fator maior no trabalho
organizado70.
Interessante notar que na versão atualizada sobre o caso brasileiro durante a
ditadura militar (2003), Alexander não deu atenção para o papel da Igreja Católica nem
conservadora nem progressista. Sem descrever os círculos operários como aliados do
sindicalismo norte-americano, o especialista norte-americano reconhecia em 1967 o papel
dos católicos anticomunistas no movimento sindical, sem deixar de relatar que até eles
haviam sofrido represálias do regime militar. Alexander registrou que a derrubada de
Goulart pelas Forças Armadas “lançou o movimento operário em profunda confusão”.
Enfatizou a incapacidade dos comunistas e partidários de Goulart de organizarem
qualquer resistência efetiva que pudesse mobilizar a classe trabalhadora e notou que até
mesmo as lideranças católicas anticomunistas foram presas, “já que havia elementos na
nova administração que definiam qualquer líder operário militante como ‘comunista’”.
Ao concluir o capítulo dedicado a compreender o sindicalismo brasileiro, Alexander
colocou em dúvida o futuro do trabalho organizado no Brasil após a “Revolução
militar”71. Anos depois de os militares tomarem o poder no Brasil, os olhares de
Alexander voltaram-se novamente para Argentina e Chile, quando duas ditaduras
escancaradamente violentas se instauravam na América do Sul.
Considerações finais
Sem dúvida, ainda há muito o que analisar sobre a trajetória instigante desse
intelectual engajado e especializado no estudo das relações de trabalho organizado na
América Latina. Um militante político que viu na questão do trabalho e nas demandas
sociais o caminho para equilibrar as desigualdades na América Latina e assim afastar a
região do “perigo” comunista. Este estudo foi uma primeira tentativa de compreender a
70 Robert J. Alexander. A organização do trabalho na América Latina, op. cit., p. 98. 71 Idem, p. 98-99.
trajetória de Alexander no Brasil. As suas ideias visavam influenciar projetos políticos e
sociais para a região, além de dar sustentação argumentativa às autoridades políticas,
órgãos diplomáticos e sindicalistas norte-americanos anticomunistas que circulavam pelo
país imbuídos de afastar os trabalhadores do comunismo.
Foi também proposta deste artigo alinhavar as ideias apresentadas em seus livros
com a documentação produzida no período em que atuou no Brasil, a fim de compreender
os impactos de suas visitas no país. Vimos que as dezenas de idas e vindas para a América
Latina foram registradas pela grande imprensa e que as suas estadias no Brasil
costumavam mobilizar uma ampla rede de contatos e de possíveis “informantes”, entre
autoridades políticas, especialistas em relações de trabalho e sindicalistas, que se
dispunham a conversar com Alexander sobre a situação política e econômica do país.
Debruçar-se nas ideias e argumentos de Alexander sobre o sistema de relações
trabalhistas no Brasil nos ajuda a compreender a propagação de certos mitos, como a
interpretação da ideologia da outorga de Getúlio Vargas; o corporativismo como
expressão única dos regimes totalitários; as aparentes ausências de conflitos; a
passividade, docilidade e até mesmo falta de espírito cooperativo dos brasileiros,
qualidades quase que intrínsecas aos nativos - uma nação que não conseguia romper com
a sua herança escravista e colonial. Para além de explicitar esses mitos, os textos de
Alexander nos ajudam a entender como grande parte dos latino-americanistas construíram
uma imagem sobre o Brasil e a América Latina. Essas imagens, como mostrou Alexander,
eram produzidas a partir de uma combinação de múltiplos olhares em que pesava a
naturalização das concepções norte-americanas e eurocêntricas sobre o que deveria ser
um país civilizado, moderno, democrático e sobretudo livre do comunismo, com as
experiências vividas em outros países latino-americanos, em particular nossos vizinhos
Argentina e Chile. É interessante também observar o envolvimento de Alexander com o
projeto Aliança para o Progresso e o seu fim abrupto. Ainda não sabemos como Alexander
vivenciou esse momento e tampouco como se deu de fato sua relação com os regimes
militares na América do Sul. De certo, os silêncios de Alexander em relação aos
determinados eventos nos quais centenas de trabalhadores perderam suas vidas, nos
instiga a pensar sobre o papel complexo que ele desempenhou no Brasil e em toda a
América Latina durante a Guerra Fria.
Atividades realizadas:
Reuniões periódicas com a bolsista;
Análise geral da documentação para elaboração de banco de dados das entrevistas
realizadas em inglês por Robert Alexander no Brasil;
Elaboração da base de dados e definição das palavras de indexação para
catalogação;
Leitura da bibliografia;
Catalogação das entrevistas,
Análise das informações indexadas na base de dados.
Divulgação dos resultados da pesquisa:
Apresentação da pesquisa no Seminário “História do Trabalho Brasil-Estados
Unidos”, realizado na Unicamp, Campinas, entre os dias 15 a 17 de agosto de
2017.
Artigo intitulado “Um intelectual engagé no Brasil: a visão de Robert Alexander
sobre o sindicalismo brasileiro durante a Guerra Fria”, para publicado do livro
“História do Trabalho Brasil-Estados Unidos” (título provisório), organizado por
Fernando Teixeira da Silva para a editora da Unicamp, publicação prevista para
2019.1.
ANEXO “CATALOGAÇÃO DAS ENTREVISTAS/ FUNDO ROBERT J.
ALEXANDER”
FICHA Nome do entrevistado Dados sobre o entrevistado
Número da página
Resumo da entrevista Data e local da entrevista Palavras chave Nome da bolsista Data de preenchimento
Ficha 1 Arnaldo Sussekind Chefe da Seção de Planejamento do Ministério do Trabalho, velho conhecido.
1 e 2 O ministro do trabalho agora tem uma política de pouca intervenção nos sindicatos. As negociações deverão ser predominantemente entre as firmas e o sindicato. A nova lei propõe uma regulamentação ao direito de greve. Jango, durante seu mandato de ministro do trabalho, seguiu uma política de colocar os presidentes dos sindicatos contra os presidentes das federações e confederações.
Rio de Janeiro, Ministério do Trabalho, 5 de abril de 1956
Legislação, greve, sindicato, Ministério do Trabalho.
Carolina Hinterhoff 27/04/2018
Ficha 2 Carlos Lacerda Ex-governador da Guanabara, ex-candidato da presidência da UDN, por volta dos 50 anos, pele bastante escura, amigável falando em muito bom inglês.
3, 4, 5 e 6. Lacerda responde à questão de porque o Brasil nunca desenvolveu um partido democrático de esquerda dizendo que é pelo motivo do Partido Comunista ter surgido muito cedo, fazendo os brasileiros entrarem no Comunismo antes de outra forma de esquerda. Os comunistas não pretendiam desenvolver uma forma de esquerda democrática. O outro motivo é devido ao regime ditatorial de Getúlio Vargas, por ele ter concedido, segundo Lacerda, diversos direitos trabalhistas que os trabalhadores não tiveram que lutar pela conquista, fazendo eles aderirem ao governo de Vargas ao invés de virarem membros de um partido democrático de esquerda. O governo atual de Castelo Branco não é capaz de ver os reais problemas do país. Aqueles que fazem parte da linha dura não tomaram nenhuma medida mais radical porque a maioria possui uma visão mais democrática. Lacerda contribuiu para Castelo Branco ser presidente porque acreditava que precisava-se de um homem com forte militarismo.
Rio de Janeiro, Rua do Carmo 27, 3 de fevereiro de 1966
Comunismo, esquerda democrática, socialismo, Vargas, Castelo Branco
Carolina Hinterhoff 27/04/2018
Ficha 3 Jarbas Passarinho Ex-governador do Pará, chefe do ARENA, por volta dos 50 anos, pele meio branca, bom senso de humor.
7, 8, 9, 10, 11, 12 (página repetida), 13, 14
Passarinho não via utilidade nos planos governamentais do governador anterior, portanto, inicia planos novos de curto, médio e longo prazo. Segue citando suas medidas implantadas nos campos da saúde, educação, eletricidade, transporte. Passarinho se preocupara também com a questão da produção agrícola, e pensa que seria necessário algum tipo de reforma agrária, mas para isso era preciso uma lei de nível federal, então ele doou terras de propriedade do Estado. Ele acha que a "Revolução" pode ser defendida por implementar medidas como o Estatuto da Terra, mas o Regime não está se defendendo, como por ter eleições indiretas. Defende Castelo Branco dizendo que ele é democrático, e afirmando que o mesmo já havia dito que não possuía a intenção de instaurar um regime ditatorial, e que ele não acreditava em ditaduras.
Belém, casa do Passarinho, 9 de março de 1966.
Belém, Passarinho, distribuição de terras, Revolução, Castelo Branco.
Carolina Hinterhoff 28/04/2018
Ficha 4 Roberto Campos Ministro do planejamento do Brasil, por volta dos 50 anos, velho conhecido.
15, 16, 17, 18.
Roberto Campos acredita que houve progresso ao controlar a inflação. Carlos Lacerda e outros políticos criticaram esse programa, dizendo que deveriam ter prestado mais atenção ao crescimento enquanto lidava com a inflação. O governo criou uma série de programas para lidar com problemas como desemprego. Campos acredita que há um perigo de haver uma recessão em 1966. Ele espera que a inflação aumente somente 10% ao ano no final de 66, não esperando que ela acabe completamente. Segundo ele, Castelo Branco não sabe muito sobre economia, mas que ele agora reestabeleceu a autoridade e controlou a situação.
Rio de Janeiro, Ministério do Planejamento, 20 de dezembro de 1965.
Inflação, desemprego, Castelo Branco
Carolina Hinterhoff 29/04/2018
Ficha 5 Olavo Previatti Presidente da Federação dos Trabalhadores na Indústria do Papel, Papelão e Cortiças do Estado de São Paulo, por volta dos 50 ou 55 anos, baixo, cabelos brancos, muito amigável.
20 e 21. O sindicato no qual Previatti trabalhava ajudou a formar outros 4 sindicatos da indústria do papel e posteriormente formaram uma federação. Ele vem tentando instaurar um Serviço Social para a indústria do papel, e depois de 4 anos conseguiu. O Serviço Social será financiado e administrado pelo Sindicato. Os empregados possuem confiança nos líderes do Sindicato, e sabem que eles visam uma melhora na situação dos trabalhadores, por isso aceitam a implementação do Serviço Social.
São Paulo, Rangel Pestana 1292, 27 de abril de 1956.
Sindicato, federação, indústria do papel, Serviço Social
Carolina Hinterhoff 01/05/2018
Ficha 6 Argeu Agidio dos Santos
Federação dos Trabalhadores Metalúrgicos de São Paulo, membro executivo da ONTI, vice presidente da Federação Internacional dos Trabalhadores Metalúrgicos, por volta dos 40 anos, pele meio branca.
22. Afirma que a maior parte daquilo que o movimento trabalhista dos EUA conquistou através de barganha e esforço político, os movimentos trabalhistas da América Latina tem como inspiração, apesar de ambos os locais terem problemas específicos e diferentes.
New Brunswick, NJ (Kutgers), 11 de maio de 1968.
Movimento trabalhista, Estados Unidos, América Latina.
Carolina Hinterhoff 01/05/2018
Ficha 7 Onelio Rodrigues de Oliveira
Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos de São Cayetano, mulato, baixo, por volta dos 30 anos, amigável.
23. A crise da indústria automobilística de 1966 terminou, e as coisas começaram a melhorar. No entanto, os preços passaram a subir, incluindo preços da cesta básica dos trabalhadores.
New Brunswick, NJ (Denmark House), 26 de abril de 1968.
Crise automobilística, indústria automobilística, inflação, cesta básica.
Carolina Hinterhoff 02/05/2018
Ficha 8 Miguel Huertas Representante da Federação Internacional de Trabalhadores Metalúrgicos, por volta dos 40 anos, branco, amigável.
24. A indústria automobilística está se expandindo para além de São Paulo, com oficinas de montagem sendo construídas em Recife e Bahia. Huertas crê que o Brasil necessita de uma reforma agrária e diz que ainda que o governo Castelo Branco tenha passado uma suposta lei de reforma agrária, ela não fora bem sucedida porque muitos dos grandes proprietários faziam parte do governo e não declararam suas terras.
New Brunswick, NJ (Denmark House), 28 de abril de 1968.
Indústria automobilística, reforma agrária, Castelo Branco.
Carolina Hinterhoff 02/05/2018
Ficha 9 Joaquim dos Santos Andrade
Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos, final dos 30 anos, branco, amigável.
25. As lideranças de sindicatos de São Paulo, incluindo o metalúrgico, foram intervidas com a Revolução de 1964, pois líderes foram acusados de serem subversivos. Em 1965 os líderes elegidos voltaram ao poder. Serviços de estatísticas criados pelos sindicatos também foram desorganizados, e só puderam voltar a elaborar estatísticas em 66. A desnacionalização de indústrias ocorre devido à crise econômica. Os líderes dos movimentos trabalhistas de São Paulo são moderadamente de esquerda, e lutam contra os empregadores e políticas do governo. No entanto, há oponentes tanto de esquerda (os comunistas) quanto de direita a essa liderança.
New Brunswick, NJ (Denmark House), 28 de abril de 1968.
Sindicato, intervenção, desnacionalização, líderes, esquerda, direita.
Carolina Hinterhoff 10/07/2018
Ficha 10
Matheu Monteiro Contador do Sindicato de Estivadores, por volta dos 40 anos, mulato claro, amigável.
26. As pessoas desse sindicato sofreram após a Revolução, porque o presidente do sindicato no Rio foi contra a mesma. Salários de estivadores diminuiram pela metade, não há mais férias pagas e outros benefícios foram cancelados.
Santaron. (Sede do Sindicato - Av. São Sebastião 396). 4 de março de 1966.
Estivadores, sindicato, Revolução, salários.
Carolina Hinterhoff 10/07/2018
Ficha 11
José Albertino de Rodrigues
Diretor do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socio-Econômico, nos seus 30 anos, alto, branco, amigável.
27. Esse departamento foi estabelecido em 55, por diversos sindicatos e federações de trabalho para comparar custo de vida e salários. O departamento é financiado por sindicatos e federações pertencentes a ele. Rodrigues segue explicando como funciona e como atua o departamento. Rodrigues crê que a inflação pode ser dimunuida ao aumentar a produção agrícola.
São Paulo, Sindicato de Metalúrgicos. 27 de agosto de 1959.
Estatísticas, sindicatos, federações, trabalho, custo de vida, salários.
Carolina Hinterhoff 19/07/2018
Ficha 12
Diocleciano de Holanda Cavalcanti
Presidente da Confederação dos Trabalhadores na Indústria, por volta dos 50 anos, mulato, muito amigável.
28, 29, 30, 31.
A Confederação reúne 646 sindicatos e 37 federações. Ela atua quando os sindicatos ou federações afiliadas necessitam de alguma assistência em nível nacional. Cavalcanti não está satisfeito com o imposto sindical, mas afirma que há complicações para o retirar. Cavalcanti explica como a Confederação tem pouco ou nenhum papel em modificar o salário mínimo. Cavalcanti era contra o salário mínimo, preferindo o "salário profissional". Ele está em constante luta para mudar as leis trabalhistas. A Confederação possui um Conselho de Orientação Técnica, que estuda e elabora contra-propostas a projetos de lei elaborados pelo Governo. Ele afirma que não há mais nenhum partido trabalhista, visto que o PTB caiu nas mãos de homens ricos. Jango gostaria de fazer muita coisa pelos trabalhadores, mas os líderes dos sindicatos ainda estão esperando para ver. Normalmente a influência dos Comunistas é maior na política do que nos sindicatos. O CNTI não possui programa para lidar com a inflação, pois não acha que seja trabalho das organizações trabalhistas, e sim do governo. Cavalcanti sabe o caminho para lidar com a inflação, mas afirma que essa é tarefa do governo. Ele diz que Vargas sem dúvida foi um ditador, mas que fez coisas boas aos trabalhadores, e, se não fosse por ele, ainda não teriam sido organizados sidicatos. Acredita que o salário profissional seja uma maneira de garantir a liberdade dos sindicatos. Na situação atual, ele não pode ajudar nenhuma greve, pois receberia uma intervenção na organização. A palavra "pelego" foi inicialmente usada contra ele em 1945, querendo significar que ele era como uma ovelha, seguindo o Ministério do Trabalho. Diz que a palavra agora deveria ser usada para se referir a Comunistas.
Rio de Janeiro, Rua dos Andradas 96. 8 e 9 de março de 1956.
Confederação, sindicato, salário, comunistas, inflação, pelego.
Carolina Hinterhoff 21/07/2018
Ficha 13
Diocleciano de Holanda Cavalcanti
Ex-presidente da CNTI, editor de seu periódico, por volta dos 60 anos, mulato, velho conhecido, amigável.
32. Ele não foi presidente da CNTI por causa da influência de Goulart, que favorecia os Comunistas. Os Comunistas organizaram o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), que organiza greves políticas e tentam reger o movimento dos trabalhistas. As greves ocorriam quase toda semana durante o governo de Jango, especialmente em setores ferroviários e marítimos. Eram greves com pouca causa econômica e mais política.
Rio de Janeiro (sede do CNTI - Rua dos Andrada, 96). 10 de agosto de 1965.
CNTI, Jango, comunistas, greve.
Carolina Hinterhoff 28/07/2018
Ficha 14
Benedito de Sousa Lira Presidente da Junta Governativa da Federação dos Trabalhadores nas Indústrias, e presidente do Sindicato de Trabalhadores na Fiação e Tecelagem, baixo, por volta dos 30 anos, quieto, amigável, branco.
33. Ele era secretário do sindicato quando a Federação foi intervida, e o chamaram para ser presidente da Junta Governativa. Afirma que há muitos discidentes entre os trabalhadores sobre as políticas econômicas do governo. Afirma que barganha coletiva e um contrato seriam melhores do que o sistema existente no momento. Quando um trabalhador tem alguma queixa, o sindicato vai direto para o empregador, e geralmente podem resolver amigavelmente. Quase sempre o sindicato vence.
Vitória, Hotel Canoa. 11 de fevereiro de 1966.
Sindicato, trabalhador, empregador, barganha coletiva.
Carolina Hinterhoff 28/07/2018
Ficha 15
José Benedicto de Assis
Presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Radiofusão do Rio de Janeiro & da Federação Nacional dos Trabalhadores em Rádio e Televisão, empregado da USIS, final dos 30 anos ou por volta dos 40, branco, amigável.
34. Ele não gosta da ação de Castelo Branco de impor o 2º Ato Institucional. Ele diz que a ação do governo não está fazendo nada além de preparar o terreno para os Comunistas, então eles deveriam tentar ganhar os trabalhadores. Ao se tornar presidente do Sindicato, ele fez crescer a quantidade de membros do mesmo. Sua política é de manter políticos afastados do sindicato. Ele conquistou um grande aumento salarial e conseguiu expandir serviços sociais do sindicato. Seu sindicato possui ligação com a Confederação de Comunicação e Trabalhadores Aliados. São afiliados com a PTTI e busca fazer sua organização o mais parecido possível com os sindicatos dos EUA. A perseguição ao seu sindicato foi diferente das de outros sindicatos. Sua experiência afirma que é necessário vencer sobre o trabalhador.
Rio de Janeiro (OSE), 27 de outubro de 1965.
Sindicato, Caselo Branco, Comunicação, Estados Unidos, perseguição.
Carolina Hinterhoff 28/07/2018