relações internacionais do mundo árabe

Upload: velhobiano

Post on 05-Apr-2018

215 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 8/2/2019 relaes internacionais do mundo rabe

    1/35

    Desde a formao do Sistema rabe de Estados, na esteira do pro-cesso de descolonizao, a retrica nacionalista rabe, ou pan-ara-bista, tem sido o pano de fundo sobre o qual as relaes polticas in-tra-rabes se desenvolveram.1

    A crena bsica que subjaz ao discurso pan-arabista a de que todosos rabes, como uma comunidade imaginada, compartilhariam amesma lngua, cultura e histria, e que,por isso, deveriam unir-se emum nico Estado-nao, sob um governo central, formando a to so-nhada Grande Nao rabe.

    Contudo, as relaes entre os Estados que formam aquilo que se de-nomina Mundo rabe sempre estiveram muito aqum da unidade,tendo se caracterizado mais pela desintegrao.

    63

    *Artigo recebido em maio e aprovado para publicao em julho de 2006.

    **Mestre em Relaes Internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e pro-

    fessora de Cincia Poltica e Relaes Internacionais da Faculdade Montserrat de Caxias do Sul.

    CONTEXTO INTERNACIONAL Rio de Janeiro, vol. 29, no 1, janeiro/junho 2007, p. 63-97.

    RelaesInternacionais doMundo rabe(1954-2004): OsDesafios para aRealizao da UtopiaPan-arabista*Silvia Ferabolli*

  • 8/2/2019 relaes internacionais do mundo rabe

    2/35

    Apesar do fracasso das ideologias pan-arabistas para promover aunidade regional, repetidos esforos tm sido feitos para alcanar al-guma medida de integrao ou, pelo menos, de coordenao polticae/ou econmica.

    OsesforosdaLigarabedeEstadosemtentarpromoveracoopera-ointra-raberemontamaoanode1950,comaassinaturadoTrata-do da Junta de Defesa e Cooperao Econmica (em ingls, Treaty

    on Joint Defence and Economic Cooperation TJDEC), que tinhacomo principal objetivo promover uma ao coordenada que garan-tisse o desenvolvimento econmico dos signatrios. Esse foi o pri-meiro de uma srie de cinco tratados que, nos ltimos cinqentaanos, visaram dar impulso integrao poltico-econmica in-tra-rabe.

    Primeiro fruto do TJDEC, em 1953 assinado o Tratado sobre Trn-

    sito Comercial (TTC), que objetivava facilitar as trocas comerciaisentre os Estados rabespor meio do estabelecimento de tarifas prefe-renciais para alguns produtos agrcolas e minrios.

    AindadentrodoescopodoTJDEC,foilanado,em1964,oambicio-so Mercado Comum rabe (MCA), cujo objetivo era garantir a livrecirculao de mercadorias, mo-de-obra e capital em um prazo decinco anos. Assim como o TTC de 1953, o MCA no avanou e sua

    proposta foi abandonada poucos anos depois.

    J o Acordo para a Facilitao e Promoo do Comrcio Intra-rabe(em ingls, Agreement for the Facilitation and Promotion of Trade Afpat), de1981, era bem menos ambicioso doque o MCA,pois tinhacomo objetivo a liberalizao progressiva de tarifas com cuidadosaslistas de excees e prazos flexveis para a implantao das medidasnecessrias constituio de umarea de livre-comrciointra-rabe.

    Porm, uma vez mais, os esforos da Liga rabe foram em vo e oprojeto do Afpat foi abandonado ainda em seu estgio inicial.

    Silvia Ferabolli

    64 CONTEXTO INTERNACIONAL vol. 29, no 1, jan/jun 2007

  • 8/2/2019 relaes internacionais do mundo rabe

    3/35

    A rearabe AmpliadadeLivre Comrcio(em ingls, Greater ArabFree Trade Area GAFTA) representa o atual esforo da Liga rabeem promover a integrao econmica na regio do Oriente Mdio eNorte da frica (OMNA).2 LanadanareuniodecpuladaLigaem1996, a GAFTA retoma o projeto abandonado do Afpat de 1981 einova-o, na medida em que o setor privado, representado pela Uniodas Cmaras de Comrcio rabe, foi convidado a monitorar todo oprocesso de implantao dessa rea de livre-comrcio. At o presen-

    te momento, contudo, poucos indcios apontam para o comprometi-mento dos Estados signatrios da GAFTA em implementar as medi-das estipuladas pelo seu tratado de criao, que data de janeiro de1998.

    No plano sub-regional e, portanto, fora dos auspcios da Liga rabe,mas ainda motivados pelo pan-arabismo, tambm se encontramexemplos de tentativas de integrao poltico-econmica, como a

    Repblica rabe Unida (RAU, de 1958), a Federao das Repbli-cas rabes (1971), o Conselho de Cooperao do Golfo (CCG, de1981), a Unio do Magreb rabe (UMA, de 1989) e o Conselho deCooperao rabe (CCA, de 1989). Destes, apenas o CCG e a UMApermanecem em atividade, ainda que com srios problemas estrutu-rais.

    Por fim, dois casos de unificao poltica e territorial no Mundo ra-

    be podem ser destacados: a formao dos Emirados rabes Unidos,em1971,eareunificaodoImendoNorteedoSul,em25demaiode 1990.

    Esse breve resumo de cinco dcadas de tentativas, tanto polticasquanto econmicas, de integrao intra-rabe nos nveis regionais esub-regionais indica a relevncia e a complexidade do problema re-presentado pelo regionalismo rabe, tema deste artigo, que expe os

    resultados obtidos durante a pesquisa que resultou na dissertao deMestrado intitulada A (des)construo da Grande Nao rabe:

    Relaes Internacionais do Mundo rabe(1954-2004): Os Desafios para a Realizao...

    65

  • 8/2/2019 relaes internacionais do mundo rabe

    4/35

    condicionantes sistmicos, regionais e estatais para a ausncia de in-tegrao poltica no Mundo rabe. Nessa dissertao, foram inves-tigados os diversos aspectos envolvidos no aparente contra-sensore-presentado pela realidade poltica da regio (desintegrada) em com-parao com o discurso nacionalista rabe (integrador).

    Paraseter uma idia clara donacionalismorabe,oupan-arabismo, preciso entend-lo em termos polticos um movimento com dife-

    rentes ideologias, lideranase partidos e institucionais com a pro-eminncia da Liga rabe de Estados e dos encontros peridicos decpula dos chefes de Estado rabes.

    Em termos polticos, o nacionalismo rabe nasceu nos clubes liter-riosdeDamasco,nofinaldosculoXIX,ecomeouaflorescereasedesdobrar em diversos movimentos nos anos que precederam a Pri-

    meira Guerra Mundial. Esses movimentos bradavam por um des-pertar rabe3 a emergncia de uma identidade rabe.

    Durante essa fase inicial do pan-arabismo, tentou-se promover e de-finir o prprio conceito de Nao rabe, criar um vocabulrio polti-co para o nacionalismo rabe e identificar o ns e o eles na geo-grafia da identidade (BARNETT, 1993).

    Ns, neste caso, referia-se comunidade imaginada formada poraqueles que falavam rabe, olhavam para a histria dos rabes comorgulho e consideravam-se rabes (KHALIDI, 1991, p. 1.365).Eles, logicamente, referia-se a todos aqueles que no compartilha-vam do sentimento de companheirismo profundo e horizontal4

    com aqueles que pertenciam Nao rabe.

    O prprio conceito de Mundo rabe nasceu durante essa fase inicial

    e o termo est intimamente conectado com a idia de ns definidaacima.

    Silvia Ferabolli

    66 CONTEXTO INTERNACIONAL vol. 29, no 1, jan/jun 2007

  • 8/2/2019 relaes internacionais do mundo rabe

    5/35

    De acordo com Barnett (1993, p. 281), entre a Primeira e a SegundaGuerra Mundial, o nacionalismo rabe fortaleceu-se em virtude decinco fatores principais: 1) a norma da autodeterminao, que legiti-mou e reforou o desejo dos nacionais rabes por independncia; 2)as promessas e garantias de autonomia feitas tanto pelo Imprio Oto-mano quanto pelas foras aliadas, durante a Primeira Guerra; 3) o es-tabelecimento do Sistema de Mandatos e a diviso dos territriosrabes sob controle britnico e francs, desconsiderando tanto as di-

    vises geogrficas e histricas da regio quanto as lideranas locais;4) o sentimento de traio despertado pelas potncias ocidentais naspopulaes rabes, fruto do reconhecimentodo Imprio Britnicodalegitimidade do movimento sionista; e 5) o desenvolvimento dossis-temas de comunicao.

    creditada ao principal terico do Bath, Michel Aflaq, a definiodo conceito e dos termos que viriam a definir o que seria o

    pan-arabismo: S h uma nao rabe, com direito a viver num ni-co Estado unido (HOURANI, 1994, p. 406).

    Embora j tivesse o seu significado poltico definido nas palavras deMichelAflaq,onacionalismorabeerainterpretadodemaneirasdi-ferentes pelos lderes rabes. Embora se identificassem como pan-arabistas e defendessem a unidade regional, eles discordavam dosprojetos polticos associados com esse nacionalismo. Para alguns, o

    estreitamento dos laos econmicos, culturais e de segurana, comrespeito soberania estatal, era o bastante. Para outros, no entanto, asfronteiras territoriais estipuladas pelas potncias coloniais deveriamser apagadas, emergindo assim um Estado rabe Unido, correspon-dente Nao rabe. Esse debate repercutiria nas conversaes queprecederam a criao da Liga rabe de Estados.

    Durante a Conferncia de Alexandria, realizada em setembro de

    1944,5 o principal problema discutido foi o de como deveria ser a es-trutura organizacional da Liga rabe a ser criada. Seria ela um Esta-

    Relaes Internacionais do Mundo rabe(1954-2004): Os Desafios para a Realizao...

    67

  • 8/2/2019 relaes internacionais do mundo rabe

    6/35

    do unitrio, com uma autoridade poltica central? Ou seria a Liga umEstado federado com um parlamento central e um comit executivocom total poder poltico sobre as questes federais? Ou, ainda, umaconfederao frouxa, com nfase na coordenao e na cooperao,seria criada? De comum acordo, e com o apoio explcito daGr-Bretanha, a ltima opo foi escolhida.

    Como foi dito anteriormente, embora houvesse variaes no signifi-

    cado dos projetos polticos regionais que deveriam ser associados aonacionalismorabedesdeacompletaunificaopolticaeterritori-al dos Estados at uma cooperao intra-rabe com a permannciadas fronteiras estabelecidas pelas foras coloniais , a constituioda Liga rabe era vista como um primeiro passo rumo realizaode um futuro Estado rabe Unido (KHADDURI, 1946).

    SeestaeraaintenodosmembrosfundadoresdaLiga,elanoficou

    claranaCartadoPactodaLigarabe.Noartigo2o daCarta,enfati-zadoqueumadasatribuiesdaLigaseriaadesalvaguardarainde-pendncia e soberania [dos Estados rabes] (LEAGUE OF ARABSTATES, 1945, p. 267). Ao enfatizar a proteo da soberania e inde-pendncia dos pases em vez da unificao poltica, a recm-criadaLiga demonstrava que a unidade rabe no era uma questo de prti-ca poltica, mas de sentimento.

    Claropareceestarqueexistia,naqueleinciodaformaodoSistemarabedeEstados,umadistnciaentreoidealdeunidadepan-rabeea realidade poltica regional, e a maneira como a Liga foi constitudaera um reflexo dessa dicotomia.

    Na verdade, mesmo que a Liga rabe tenha sido criada para preser-varaindependnciadosEstadosrabestantoemrelaosgrandespotncias quanto deles mesmos (!) , ela assumiu o papel de institui-

    odopan-arabismo,oprincipaleloentreosseusEstados-membros,por meio do qual os lderes rabes podem discutir os limites e as pos-

    Silvia Ferabolli

    68 CONTEXTO INTERNACIONAL vol. 29, no 1, jan/jun 2007

  • 8/2/2019 relaes internacionais do mundo rabe

    7/35

    sibilidades de seu nacionalismo comunal, promovendo, assim, o es-treitamento dos laos entre os Estados do OMNA.

    Se, nasprimeirasfasesdo nacionalismo rabe,buscava-se identificarquemfaziapartedacomunidadensrabes,acriaodaLigaeseudesenvolvimento em uma instituio com 22 membros no deixammaisdvidaquantoaoque vema ser, ouno,umEstadorabe.Comoconsta no artigo 1o da Carta: Todo o Estado rabe independente

    tem o direito de tornar-se membro da Liga, se ele assim desejar(LEAGUE OF ARAB STATES, 1945, p. 266). Sendo assim, os 22Estados-membros da Liga6 constituem o Mundo rabe, j referidoaqui diversas vezes.

    E, se esse mundo no se v como uma parte isolada do sistema in-ternacional, certamente se percebe como um subsistema, o qual sedenomina, a partir da proposio de Korany (1999, p. 37-38), Siste-

    ma rabe de Estados.

    Este sistema v o Mundo rabe como uma nao, que tem interessescomuns e prioridades de segurana distintas daquelas dos pases ca-pitalistascentrais.DeacordocomalgicadoSistemarabedeEsta-dos,ospasesdoOrienteMdioeNortedafricaquegozamdeuni-dade lingstica, religio, histria e cultura poderiam criar e desen-volver seu prprio sistema econmico, poltico e estratgico para

    contrapor as ameaas que surgissem de fora desse sistema.Em vista do apresentado acima, inevitavelmente surge um questio-namento: o que condiciona o Mundo rabe a viver uma permanentefragmentao, a despeito de todo o discurso unificador do pan-arabismo?

    O caminho para o encontro de uma resposta satisfatria apontadopor Hudson (1999, p. 15):

    [...] os obstculos para a unidade [rabe] situam-se em quatro categorias:fatores sociopolticos internos; interesses econmicos que no se susten-

    Relaes Internacionais do Mundo rabe(1954-2004): Os Desafios para a Realizao...

    69

  • 8/2/2019 relaes internacionais do mundo rabe

    8/35

    tam; a estrutura dos sistemas rabe/no rabe de Estado; e os padres estra-tgicos,econmicoseculturaisexgenos[aoSistemarabedeEstados].

    EssascategoriasdeobstculosintegraonoMundorabeaponta-das por Hudson (1999) remetem diretamente aos pressupostos teri-cos do realismo estrutural na verso da chamada Escola Inglesa, ten-do em vista que esse trabalha com a idia de que os fenmenos inter-nacionais entre eles, a cooperao entre os Estados devem ser

    analisados em trs nveis distintos: o estrutural, o da interao e o dasunidades.

    Orealismoestrutural,concebidoapartirdasidiasdealgunsdoste-ricos da Escola Inglesa, tais como Buzan, Little e Jones (1993), apresentado, no livro A lgica da anarquia, como uma espcie desntese superior das abordagens liberais e realistas, compatvel comomarxismoecapazdetransformarumateoriada poltica internacio-

    nal em uma teoria das relaes internacionais.

    Na verso proposta por Buzan, Little e Jones (1993), o realismo es-trutural capaz de oferecer uma sntese superior das abordagens li-berais e realistas e ser compatvel com o marxismo, porque, emborase assuma como uma extenso da tradio realista, tambm se abrepara as abordagens de interdependncia do liberalismo e, assimcomo os marxistas, v a fundamentao histrica e emprica como

    condionecessriaparaoentendimentodasrelaesinternacionais.Conforme dito anteriormente, no realismo estrutural, trs nveis dis-tintos de anlise devem ser considerados no estudo do setor polticointernacional: o estrutural, o da interao e o das unidades.

    O nvel de anlise estrutural est dividido em estrutura profunda, naqual o princpio organizacional a anarquia e a inexistncia de dife-renciao de funo entre as unidades, ou seja, todos os Estados so

    soberanos e exercem mais ou menos as mesmas funes; e estruturadistribucional, com os padres sistmicos na distribuio dos atribu-

    Silvia Ferabolli

    70 CONTEXTO INTERNACIONAL vol. 29, no 1, jan/jun 2007

  • 8/2/2019 relaes internacionais do mundo rabe

    9/35

    tos das unidades, analisvel a partir dos conceitos de polaridade e es-tratificao.

    No nvel de anlise da interao, encontra-se a capacidade de intera-o sistmica, que pode ser estudada a partir dos conceitos de quali-dade absoluta das capacidades tecnolgicas (transportes, comunica-o, informao) e de qualidade absoluta das capacidades sociais(regimes,normaseinstituies),ambasporintermdiodosistema.

    Por fim, tem-se um terceiro nvel de anlise, o da unidade, divididoem formaes processuais analisvel a partir das relaes deao-reao entre os Estados e padres recorrentes de ao-reao(alianas, equilbrio de poder, corrida armamentista) e anlise deatributo,quepodeserapreciadoapartirdoestudodocomportamentodos Estados em termos de atributos de poder (poltica externa, prote-cionismo, papis).

    Este artigo busca apresentar os resultados obtidos na pesquisa quedeu origem dissertao supra-referida, que se props a entender osfatores que obstaculizam a integrao poltica e econmica no Mun-dorabe.Ofocoserdirecionadoparaasseguintesvariveisanalti-caspropostaspelo realismo estrutural: estrutura distribucional (nvelde anlise sistmico); qualidade absoluta das capacidades sociais(nvel de anlise da capacidade de interao); e formaes processu-

    ais (nvel de anlise das unidades).Essa escolha permitiu uma investigaomais sistemtica dascatego-rias de obstculos integrao poltica no Mundo rabe apontadaspor Hudson (1999), as quais j foram referidas anteriormente.

    Na anlise da estrutura distribucional, observaram-se as polaridadesexistentes no sistema internacional (uni-bi-multi-polaridade) e seusefeitos sobre a ausncia de integrao poltica no Mundo rabe. Os

    critrios que permitiram classificar o tipo de polaridade existente fo-ram fornecidos por Waltz (1979, p. 57): Historicamente, apesar das

    Relaes Internacionais do Mundo rabe(1954-2004): Os Desafios para a Realizao...

    71

  • 8/2/2019 relaes internacionais do mundo rabe

    10/35

    dificuldades,encontra-seacordogeralsobrequaissoosgrandespo-deres de um dado perodo.

    Ainda dentro da estrutura distribucional, mas no que concerne es-tratificao, foi trabalhada a idia dedependnciaeconmicaexternano Mundo rabe e seus efeitos obstaculizadores para uma integra-o poltica na regio do OMNA. Dependncia aqui entendida comoumasituaonaqualumaeconomiacondicionadapelodesenvolvi-

    mentoeexpansodeoutraeconomia(THEOTONIODOSSANTOSapud ALNASRAWI, 1991).

    Quanto capacidade de interao, essa ser avaliada apenas pormeio da observao da qualidade absoluta das capacidades sociais,ou seja, pelo grau de institucionalizao do Sistema rabe de Esta-dos.Essesistema,deacordocomBarnett(1993,1995,1998),com-posto por duas instituies7 que se sobrepem o pan-arabismo e a

    soberania estatal. Essas atribuem papis diferentes a cada um dosmembros da Liga rabe, pois enquanto a soberania probe a interfe-rncia nos assuntos domsticos dos Estados rabes, o pan-arabismono s sanciona isso como tambm nega a distino entre o domsti-co e o internacional dentro do Sistema rabe de Estados. Assim, atenso existente entre as instituies nacionalismo rabe e soberaniaestatal,bemcomoafaltadecapacidadedaLigarabeparalidarcomessa questo, fornece os critrios para avaliao de como os baixos

    nveis de institucionalizao do Sistema rabe de Estados afetam apossibilidade de uma integrao poltica no Mundo rabe.

    No que concerne s formaes processuais no nvel de anlise dasunidades, foram observadas as diferentes formas de equilbrio de po-der intra-rabe. De acordo com Silva e Gonalves (2005), em termosde poltica externa, a prtica do equilbrio de poder ocorre quandoumEstadoprocuraevitarqueoutroououtrosEstadosalcancemapo-

    sio de predomnio, ameaando de algum modo seus interesses ouat mesmo sua soberania. Assim, os Estados formam alianas ou fa-

    Silvia Ferabolli

    72 CONTEXTO INTERNACIONAL vol. 29, no 1, jan/jun 2007

  • 8/2/2019 relaes internacionais do mundo rabe

    11/35

    zem poltica para contrabalanar a aquisio de poder por outro, ououtros Estados.

    Segundo Korany (1999), o Mundo rabe j passou por experinciasvariadas de equilbrio de poder, desde pretenses hegemnicas porparte de um ator at a difuso de poder que impera na regio desde adcada de 1970. Suas observaes forneceram-nos os critrios paraavaliar o peso relativo do equilbrio de poder dentro do Sistema ra-

    be de Estados para a ausncia de integrao poltica e econmica noMundo rabe.

    Por fim, no que diz respeito, uma vez mais, aos padres recorrentesde ao-reao entre os Estados rabes, buscou-se observar de quemaneira a falta de complementaridade econmica na regio doOMNA obstaculiza a integrao poltica na regio.

    Este artigo tem como pressuposto a afirmao de que no existe inte-graopolticanoMundorabemesmoqueseconsiderequeasre-laesentreasunidadesqueformamoSistemarabedeEstadosnose caracterizam pela completa desunio.

    Essa afirmao passa pelo entendimento de integrao poltica en-quanto sinnimo de coeso regional, conceito proposto por Hurrel(1995),outroautorligadoEscolaInglesa.Segundoele,acoesore-

    gional refere-se possibilidade de, em algum momento, processosde regionalizao, conscincia e identidade regionais, cooperaoregional entre Estados e integrao econmica regional promovidapelo Estado combinarem-se e desembocarem no surgimento de umaunidade regional coesa e consolidada.

    Coeso regional, ainda de acordo com Hurrel (1995), deveser enten-dida aqui em dois sentidos: quando a regio exerce um papel defini-

    dor nas relaes entre os Estados e outros atores importantes daquelaregio e o resto do mundo; e quando forma a base organizadora de

    Relaes Internacionais do Mundo rabe(1954-2004): Os Desafios para a Realizao...

    73

  • 8/2/2019 relaes internacionais do mundo rabe

    12/35

    polticasnaregioparainmerasquestes.Oexemplomaisconheci-do de unidade regional coesa a Unio Europia.

    Os termos integrao poltica e coeso regional so usados, nes-te trabalho, como sinnimos, da mesma maneira que o ser o concei-to de regionalismo. Isso porque, como observa John Friedman,[...] as comunidades polticas surgem a partir de uma escolha polti-ca (apud GORE, 1984, p. 227), ou seja, [as regies] so subjetiva-

    mente definidas pelos homens [...] criadas por algum, com algumpropsito (GORE, 1984, p. 230-231).

    Importante seria ressaltar que o prprio conceito de coeso regionalparte da juno de quatro categorias analiticamente diversas de regio-nalismo. A primeira diz respeito regionalizao, em que processoseconmicos autnomoslevam a interdependncia econmicaemde-terminadas reas a nveis mais elevados do que a interdependncia

    entre estas reas e o resto do mundo. A segunda seria a conscincia ea identidade regionais, que se referem a uma percepo compartilha-da de pertencer a uma determinada comunidade. J a cooperao re-gional entre Estados se refere negociao e construo de acordosou regimes interestatais e intergovernamentais. Quanto integraoeconmica regional promovida pelo Estado, essa est diretamenterelacionadacomasdecisesespecficasdepolticasporpartedosgo-vernos destinadas a reduzir ou remover barreirasao intercmbio m-

    tuo de bens, servios, capital e pessoas. No momento em que essesquatro processos descritos estiverem consolidados, sua combinaopode dar origem ao surgimento, como dito anteriormente, de umaunidade regional slida e coerente (HURREL, 1995).

    Dadaadevidaatenosdiversascategoriasanalticasdoregionalis-mo e ao prprio conceito final de coeso regional, fica claro que noexiste integrao poltica no Mundo rabe. Todavia, enquanto esta

    constatao facilmente observvel e relativamente consensual en-treosespecialistas,aexplicaosobreascausasdessefenmenoper-

    Silvia Ferabolli

    74 CONTEXTO INTERNACIONAL vol. 29, no 1, jan/jun 2007

  • 8/2/2019 relaes internacionais do mundo rabe

    13/35

    manece incompleta e polmica. Da a relevncia da pesquisa que deuorigem a este artigo, que se props a explicar, dentro do escopo deuma teoria das Relaes Internacionais, porque a integrao in-tra-rabe fracassou nos ltimos cinqenta anos.

    Mesmo considerando que a rua rabe manifesta o entusiasmo depertencer a uma comunidade maior ns rabes , no sepode ne-gar que os processos de regionalizao e integrao econmica regio-

    nal intra-rabe ainda esto em estgios iniciais de desenvolvimento,vide as diversas tentativas de integrao econmicapromovidas pelaLiga rabe que nunca se concretizaram. Quanto cooperao regio-nal entre os Estados rabes, essa parece sempre esbarrar na falta devontade poltica das lideranas rabes, no que suas motivaes paratal comportamento tambm foram parte constituinte da pesquisa.

    Cabeaindaressaltarquesetrabalhacomoconceitodeintegraopo-

    lticaenoeconmicaporqueseentendequeumavezquesejatoma-dauma deciso polticarumo cooperao, essapode levar integra-oeconmica(GILPIN,2001).Assume-se,ento,queumaintegra-o poltica intra-rabe teria levado a regio a alcanar a propagadaintegrao econmica pan-rabe.

    Para que fosse possvel discutir a problemtica associada ausnciade integrao poltica no Mundo rabe, optou-se por delimitar o pe-rodo histrico a ser analisado entre os anos de 1954 e 2004. O pontode partida representado pela ascenso de Nasser ao poder no Egito,dando incio era denominada por Hourani (1994) de auge do ara-bismo. O ano que delimita o fim da pesquisa 2004, porque se bus-cou observar as repercusses da invaso do Iraque pelos EstadosUnidos, em 2003, sobre o Sistema rabe de Estados.

    Esse perodo maior, de cinqentaanos (1954-2004), foi ainda dividi-do em trs perodos menores, a saber, 1954-1973, 1973-1990 e

    1990-2004. Isso porque se entendeu que o choque petrolfero de1973 marcou uma nova era das relaes internacionais rabes, assim

    Relaes Internacionais do Mundo rabe(1954-2004): Os Desafios para a Realizao...

    75

  • 8/2/2019 relaes internacionais do mundo rabe

    14/35

    como a Guerra do Golfo, em 1990, tambm representou uma era deruptura no padro de relaes entre os Estados rabes.

    Em cada um desses perodos, foi analisado o peso relativodos condi-cionantes sistmicos, regionais e estatais para a ausncia de integra-o poltica-econmica intra-rabe, conforme proposto pela meto-dologia de anlise dos fenmenos internacionais apresentada pelorealismo estrutural sob a verso da Escola Inglesa, e apenas dentro

    do escopo selecionado para essa pesquisa, a ratificar: condicionantesistmico (estrutura distribucional) = polaridade no sistema interna-cional; condicionante sistmico (estrutura distribucional/estratifica-o) = dependncia econmica externa do Mundo rabe; condicio-nante subsistmico/regional (capacidade de interao/qualidade ab-soluta das capacidades sociais) = institucionalizao do Sistemarabe de Estados; condicionante estatal (formaes processuais) =equilbrio de poder no Mundo rabe; condicionante estatal (padres

    recorrentes de ao-reao) = complementaridade econmica entreos Estados rabes.

    Os resultados obtidos so os seguintes:

    1) Entre os anos de 1954 e 1973, temos um Mundo rabe re-cm-independente politicamente, masno economicamente, que so-fre os efeitos da Guerra Fria e que atormentado pela difcil escolha

    entre soberania estatal e pan-arabismo. Essa situao intensificadapela hegemonia egpcia e pela tentativa das monarquias do Golfo decontrolar a regio de acordo com seus interesses.

    Durante esse primeiro perodo, o peso relativo que as duas superpo-tnciastiveramparaaausnciadeintegraonoOMNAfoilimitado.

    Os Estados Unidos tentaram organizar um Mundo rabe divididocontra a Unio Sovitica, via Pacto de Bagd (1955), mas fracassa-

    ram em decorrncia, especialmente, da presso que Nasser exerceusobre os Estados rabes contra o referido pacto. A ousadia do Iraque

    Silvia Ferabolli

    76 CONTEXTO INTERNACIONAL vol. 29, no 1, jan/jun 2007

  • 8/2/2019 relaes internacionais do mundo rabe

    15/35

    de ingressar em uma aliana ocidental em pleno auge do arabismo,que pregava a independncia dos Estados rabes em relao aos di-tames do Ocidente, teve como conseqncia o isolamento do pasna poltica regional e a derrubada de seu regime, em 1958.

    Ainda,a doutrinaEisenhower (1957), empregada noLbanoe naJor-dnia, sob o pretexto de barrar ameaas comunistas, mas com o obje-tivo ltimo de conter Nasser, acabou por restringir-se a essas duas in-

    tervenes, e no foi a responsvel imediata pelo enfraquecimentodo poderio do regime nasserista.

    Quanto Unio Sovitica,sua inseronoMundo rabe era limitadapelo anticomunismo tpico da regio. Suas aes eram restritas venda de armamentos e ao apoio diplomtico contra Israel. Os sovi-ticos no se dispuseram a patrocinar a integrao no OMNA sob agide egpcia,o que poderia ser feito via apoio polticaexpansionis-

    ta de Nasser, por duas razes fundamentais: falta de poder econmi-co para tanto e temor de que um superEstado rabe-islmico s mar-gens de suas fronteiras pudesse ser criado, o que geraria, inevitavel-mente, tenses em suas repblicas islmicas.

    Para os soviticos, assim como para os norte-americanos, a existn-ciadeumMundorabeerairrelevante,jquearegioqueosinte-ressava era o Oriente Mdio, que compreendia alguns Estados ra-bes, mas tambm englobava a Turquia, o Ir e Israel. Por certo que aregio do OMNA compreende tambm os citados pases, mas nodentrodoconceitodeSistemarabedeEstados.Assim,aotentaran-gariaraliadosdentrodoSistemaOrienteMdio,desrespeitandoage-ografia que une os povos rabes, Estados Unidos e Unio Soviticareforavam as tenses j existentes dentro do prprio Sistema rabede Estados. Essa tendncia se acentuaria no ps-Yom Kippur e atin-giria seu pice com os desdobramentos da Guerra do Golfo.

    A exploso do nacionalismo rabe, no ps-1956 (crise de Suez), in-centivou os Estados rabes produtores de petrleo a rever os termos

    Relaes Internacionais do Mundo rabe(1954-2004): Os Desafios para a Realizao...

    77

  • 8/2/2019 relaes internacionais do mundo rabe

    16/35

    absolutamente desfavorveis de concesses presentes nos contratoscom as multinacionais petrolferas. Esse movimento levou criaoda Organizao dos Pases Exportadores de Petrleo (OPEP), em1960, da Organizao dos Pases rabes Exportadores de Petrleo(OPAEP),em1968,econclusodoAcordodeTeer(1971),inicia-tivas que alteraram drasticamente o padro de relaes entre as com-panhias petrolferas e os governos produtores da commodity.

    A dependncia econmica externa do Mundo rabe foi, e continuasendo, um dos principais empecilhos para a integrao da regio. Asdcadas de subordinao aos interesses europeus, fruto do colonia-lismoqueimperounoOMNAporquasemeiosculo,fezcomqueaseconomias rabes se atrelassem quelas europias, o que acabou porcriar padres de relaes econmicas no entre os Estados rabes,mas entre cada um deles isoladamente e a Europa.

    Seonacionalismopetrolferofoiresponsvelpormatizaraexpropri-ao das riquezas rabes pelas multinacionais do petrleo, ele noconseguiu romper com os padres de alinhamento s demandas daeconomiainternacionalporpartedealgunsEstadosrabesmuitoim-portantes, notadamente a Arbia Saudita. Se, no perodo compreen-dido pelos anos de 1954 a 1973, a opo saudita pelo alinhamentocom os pases capitalistas centrais, especialmente com os EstadosUnidos, no teve grandes repercusses sobre o Mundo rabe, ser

    visto que a exploso dos preos do petrleo, na dcada de 1970, lheproporcionar os recursos financeiros necessrios para impor a suaviso de cooperao intra-rabe, a qual no supe, de forma alguma,integrao poltica.

    AsfontesdepoderbrutoebrandoegpciosalaramopasdeNassercondio de hegmonado Mundo rabe. O modo comoele buscou aintegrao do OMNA, via campanhas agressivas de propaganda,

    subverso e aes militares, foi responsvel por um grande perodode instabilidade regional, j que sua poltica era percebida pelos lde-

    Silvia Ferabolli

    78 CONTEXTO INTERNACIONAL vol. 29, no 1, jan/jun 2007

  • 8/2/2019 relaes internacionais do mundo rabe

    17/35

    res rabes como expansionista e eles temiam que uma integrao po-ltica na regio, naquele perodo de hegemonia egpcia, certamentese daria sob o comando de Nasser.

    Mas o regime nasserista precisava de recursos financeiros para prem prtica seu projeto de construo da unidade rabe sob o coman-do egpcio, e aqueles que detinham poder econmico na regio, aspetromonarquias, no estavam dispostos a investir suas riquezas em

    uma aventura integracionista na qual sabiam que perderiam em ter-mos de poder poltico e prestgio, tal qual aconteceu com a Sria nosanos da RAU (1958-1961).

    Os anos de liderana egpcia no Sistema rabe de Estados findaramcom a Guerra dos Seis Dias, em 1967, porque, na reunio da Ligarabe realizada emCartum, no mesmo ano, para decidir o futuro dosEstados rabes depois da derrota contra Israel, Nasser foi obrigado a

    desistir, em troca de apoio financeiro, de sua poltica de espalhar osideais de unificao pan-rabe pela regio.

    Na medida em que a hegemonia egpcia teve um peso relativo maiorpara a ausncia de integrao poltica no Mundo rabe nos anos de1954a1973,deformageral,ede1956a1967,deformamaisespec-fica, deve ser entendida dentro do contexto das tenses entre sobera-nia estatal e pan-arabismo, vigentes na regio desde a formao doSistema rabe de Estados, ainda na dcada de 1940.

    Essas tenses diziam respeito ao direito existncia dos Estados ra-bes.Ora,seolemabsicodopan-arabismoodequeshumaNa-o rabe, com direito a viver em um nico Estado unido, ento osgovernantes que defendiam a unio intra-rabe estavam, na verdade,reconhecendo a prpria natureza transitria de seus Estados. Traba-lhar em favor da unificao rabe era aceitar que, mais cedo ou maistarde, as fronteiras estabelecidas pelas potncias europias seriam

    apagadas e que a Nao rabe emergiria, soberana sob o comandode Nasser!

    Relaes Internacionais do Mundo rabe(1954-2004): Os Desafios para a Realizao...

    79

  • 8/2/2019 relaes internacionais do mundo rabe

    18/35

    Como reconhece Barnett (1998, p. 31) [...] tendo trabalhado ardua-mente por sua independncia, os governos rabes estavam poucoempolgados em desistir de sua recm-adquirida soberania em nomede uma entidade maior na qual eles teriam seu poder poltico reduzi-do. O prprio fracasso do Mercado Comum rabe esteve inseridona contradio existente entre promover a integrao econmica efrear a integrao poltica.

    Dessa forma, ratifica-se que, no perodo compreendido entre os anos1954 e 1973, a associao dos condicionantesdeordem estatal (nvelde anlise da unidade), representados pelo equilbrio de poder in-tra-rabe, com os fatores de ordem regional (nvel de anlise do sub-sistema/regional), representados pela capacidade de interao sist-micarabe, teveumpesorelativomaior paraa ausnciade integraopoltica no Mundo rabe.

    A partir do consenso de Cartum, os Estados rabes entraram em umanova fase de suas relaes: os termos integrao e unificao dei-xaram de ser sinnimos e ainda cederam lugar para o conceito decooperao.

    2)Entreosanosde1973e1990,deu-seavitriaestadunidensesobrea URSS no Mundo rabe, fruto,especificamente, dosdesdobramen-tosde Yom Kippur. Esse perodo testemunharo aprofundamentodadependncia externa rabe, a primazia dos petropoderes e a conse-qente difuso de poder, expressa na opo pelos acordos econmi-cos sub-regionais, a mencionar, CCG, UMA e CCA.

    A deflagrao da Guerra de Yom Kippur (1973) foi resultado diretoda humilhante derrota imposta por Israel aos pases rabes, em 1967,e esses ltimos poderiam ter, efetivamente, vencido o exrcito israe-lense no fosse a massiva ajuda que esse recebeu dos nor-te-americanos. Essa firme disposio dos Estados Unidos para de-

    fender seu maior aliado no Oriente Mdio enfureceu as lideranasrabes, que usaram o petrleo como arma poltica, expresso no plano

    Silvia Ferabolli

    80 CONTEXTO INTERNACIONAL vol. 29, no 1, jan/jun 2007

  • 8/2/2019 relaes internacionais do mundo rabe

    19/35

    de embargo de outubro de 1973. Contudo, esse foi totalmente levan-tado em maro de 1974, sem que suas demandas tivessem sido aten-didas, quais fossem: a devoluo dos territrios ocupados por Israelna Guerra dos Seis Dias e a restaurao dos direitos palestinos. Almdisso, o choque petrolfero de 1973-1974 no foi resultado direto doembargo, mas da manipulao da crise por parte da OPEP com o ob-

    jetivo de aumentar o preo do barril de petrleo no mercado interna-cional.

    AGuerraFriafoiformalmenteencerradanoMundorabe,jnoin-cio da dcada de 1970, em virtude do sucesso da diplomacia Kissin-gerqueresultounosacordosdepazentreEgitoeIsraeledaopoegpcia pelo financiamento norte-americano de seu projeto de rees-truturao poltica e econmica. As relaes entre Arbia Saudita eEstados Unidos aprofundaram-se no ps-Yom Kippur, mas a paz emseparado entre Egito e Israel fez desse primeiro o principal aliado

    rabe dos norte-americanos, posto outrora ocupado pelos sauditas.Essa situao no impediu que a Arbia Saudita mantivesse sua ali-anacomosEstadosUnidos,masobrigou-aaromperrelaescomoEgito, em decorrncia, especialmente, da presso exercida pela Re-voluo Iraniana (1979) para que os povos islmicos impedissemque seus lderes se aliassem a governos pr-norte-americanos. A en-trada definitiva dos Estados Unidos na regio do OMNA deu-se pormeiodedoisEstadosquenegavamaunidaderabeoEgitodeSadate a Arbia Saudita.

    O peso relativo dos condicionantes sistmicos, representados pelotipo de polaridade existente no sistema internacional, sobre a ausn-cia de integrao no OMNA, entre 1973 e 1990, foi ampliado em re-lao ao perodo anterior. Isso porque, at 1970, ano da morte deNasser,oEgitomanteve-secomoguardiodaportadeentradaparaoMundo rabe, impedindo a penetrao dos Estados Unidos na re-

    gio.AambiodeSadatdeconstruirumEgitomoderno,aqualquercusto,oimpeliuavenderachavedasportasegpciasparaaquelesque

    Relaes Internacionais do Mundo rabe(1954-2004): Os Desafios para a Realizao...

    81

  • 8/2/2019 relaes internacionais do mundo rabe

    20/35

    tinham poder para compr-la: a Arbia Saudita no plano subsistmi-co rabe e os Estados Unidos no plano sistmico internacional. Essametfora revela que, na verdade, o peso relativo desses condicionan-tes sistmicos como uma fora que impediu a integrao no Mundorabe, no perodo de 1973 a 1990, foi determinado no apenas pelopoderio norte-americano, mas, especialmente, por questes de or-dem domstica rabe. Ou seja, os Estados Unidos no precisaram ar-rombar as portas da regio; eles foram convidados a entrar por uma

    Arbia Saudita desejosa de proteo poltico-militar e por um Egitosedento de financiamento econmico.

    O aprofundamento da dependncia econmica externa no Mundorabe deu-se no ps-choque petrolfero, por meio do fenmeno dadependnciasecundria,naqualosEstadosrabesnoprodutoresdepetrleo ficaram dependentes da remessa de seus trabalhadores mi-

    grantes e da ajuda financeira dos pases rabes membros da OPEP,que, por seu turno, dependiam, e dependem, dos valores do petrleono mercado internacional.

    A dependncia externa rabe foi, e sempre ser um condicionantesistmico importantssimo para a ausncia de integrao no OMNA,na medida em que uma regio dependente economicamente perdemargem de manobra no processo de tomada de deciso poltica.

    Contudo, o aprofundamento da dependncia econmica rabe tam-bm foi resultado de opes domsticas, j que as monarquias doGolfo, especificamente, poderiam ter investido uma grande parte deseus supervits econmicos no desenvolvimento da regio, mas op-taram por no faz-lo. Da mesma forma, os Estados rabes exporta-dores, no de petrleo, mas de mo-de-obra farta e barata, perderama oportunidade de financiar projetos internos de desenvolvimentoagrcola e industrial, com a remessa de seus trabalhadores migrantes

    e com a ajuda das agncias especializadas rabes. O ouro negro,que deveria ser uma beno para a regio, revelou-se uma doena

    Silvia Ferabolli

    82 CONTEXTO INTERNACIONAL vol. 29, no 1, jan/jun 2007

  • 8/2/2019 relaes internacionais do mundo rabe

    21/35

    que,aofinaldadcadade1980,haviacorrodopraticamentetodasaseconomiasrabes,aumentandoaindamaisadependnciadaregio.

    No que concerne ao equilbrio de poder intra-rabe, observou-se queaopodeSadatpelapazemseparadocomIsraelepeloalinhamentocom os Estados Unidos (Acordos de Camp David, 1978-1979) levouaoisolamentodoEgitonoMundorabe,oquedesencadeouumpro-cesso de fragmentaopoltica regional, fruto do vcuo de poder dei-

    xadopelosegpciosenoocupadopelaspetromonarquias,oqueaca-bou por produzir reclames de hegemonia por parte do Iraque, Sria eLbia. Nessa situao de ausncia de liderana regional, o OMNApresenciou uma srie de conflitos intra-rabes (guerra civil libanesae Saara Ocidental)e a respectiva formaodeeixos e alianas, ambosse apresentando como causa e conseqncia do processo de frag-mentao poltica rabe ps-1973.

    Esse processo foi resultado direto da poltica o Egito primeiro, deSadat, que resultou na capitulao egpcia diante do poderio econ-mico norte-americano, expresso na assinatura dos Acordos de CampDavid.A conseqnciadaopo unilateraldeSadat foi a expulso dopas da ordem poltica e econmica regional, situao essa que Mu-barak levou anos para reverter, e que s foi possvel em virtude dosdesafios impostos pela Revoluo Iraniana e pela crescente reivindi-cao do Iraque ao posto de hegmona do Mundo rabe.

    Enquanto o corao e alma da Nao rabe o Egito batia emcompasso com os Estados Unidos, as petromonarquias aproveita-vam para estabelecer a sua prpria ordem regional, calcada na diplo-macia talo de cheques, por meio da qual boas relaes e estabili-dade eram compradas com petrodlares. Essa poltica no alcanoumuito xito, j que ordem uma palavra que, definitivamente, nodescreve a situao poltica do OMNA ps-Camp David.

    Dessa forma, entende-se que, durante os anos de primazia dos petro-poderes (1973-1990), o Mundo rabe ficou deriva, sem uma lide-

    Relaes Internacionais do Mundo rabe(1954-2004): Os Desafios para a Realizao...

    83

  • 8/2/2019 relaes internacionais do mundo rabe

    22/35

    rana regional que oferecesse uma base alternativa para a integraopan-rabe proposta por Nasser. Nesse sentido, uma vez mais, oscon-dicionantes estatais, representados pelo equilbrio de poder in-tra-rabe, revelaram sua fora para a ausncia de integrao noOMNA,namedidaemqueaquiloquesechamadestatus quo de ori-entao saudita nada mais do que uma ordem regional que tem porbase a defesa dos interesses dos regimes-famlia ricos em petrleo,que querem, buscam e promovem a cooperao vertical, com os

    Estados Unidos, e rejeitam, evitam e impedem a integrao horizon-tal, intra-rabe.

    Em meio a essa configurao poltica regional, que encontra nos ter-mos fragmentao, difuso e desunio sua melhor definio, trsagrupamentos sub-regionais rabes foram formados CCG, UMA,CCA. O primeiro, nascido sob o signo do pavor perante a Revoluo

    Iraniana e do desconforto de seus membros de terem que arcar comos custos do projeto integrativo econmico pan-rabe proposto pelaLiga em 1980 (Estratgia Econmica Coordenada rabe), uniu aspetromonarquias do Golfo, separando a Nao rabe dos lucros dopetrleo.AUMA,quetevesuaorigemmarcadapeloconflitonoSaa-ra Ocidental, encontra-se em situao de paralisia, exatamente emvirtude da contenda saariana-marroquina-argelina. Sem um centrohegemnico capaz de atrair esses Estados para uma cooperao in-

    tra-rabe, eles vo lentamente encaminhando-se para a formao deacordos bilaterais com a Europa, afastando-se, cada vez mais, dos ar-ranjos econmicos propostos pela Liga rabe. Por fim, o CCA, cujoincio e fim foi determinado, especialmente, pela nova posio queSaddam Hussein passou a desempenhar no Mundo rabe: uma posi-o de contestao da ordem vigente e de reclamao de hegemonia.Esses trs acordos econmicos sub-regionais reuniram, em con-

    junto, quinze dos 22 Estados da Liga rabe, ou seja, praticamente

    70%dosmembrosdaLigaficaramdispersosnessesagrupamentos,oque inviabilizou, no perodo compreendido entre os anos de 1973 e

    Silvia Ferabolli

    84 CONTEXTO INTERNACIONAL vol. 29, no 1, jan/jun 2007

  • 8/2/2019 relaes internacionais do mundo rabe

    23/35

    1990, uma integrao econmica regional que inclusse todos osEstados rabes, conforme proposto pela Estratgia Econmica Co-ordenada rabe, de 1980.

    Em suma, os condicionantes sistmicos, representados pelo tipo depolaridade existente no sistema internacional, e revelados pelo pode-rio que o Estado norte-americano alcanou na regio no ps-YomKippur,tiveramumpesorelativomaiorparaaausnciadeintegrao

    noMundorabe,entreosanosde1973e1990.Porm,essasituaoesteve diretamente relacionada com os condicionantes de ordem es-tatal, representados pela situao de equilbrio de poder do OMNAnas dcadas de1970 e 1980, de capitulao egpciae deprimaziadospetropoderes. Ou seja, a associao das foras sistmicas internacio-nais com os segmentos mais conservadores do Mundo rabe foi de-terminante para a ausncia de integrao poltica intra-rabe nosanos compreendidos entre a Guerra de Yom Kippur e a Guerra do

    Golfo.

    3) Entre os anos de 1990 e 2004, observou-se a tentativa de imposi-o do Sistema Oriente Mdio na regio do OMNA pelos EstadosUnidos e as possibilidades de contraposio do Sistema rabe deEstados diante da tentativa no s de domnio poltico nor-te-americano, mas tambm econmico europeu por meio dos Acor-dos Euromediterrneos (EuroMed). A Guerra do Golfo abriu a dis-

    cusso sobre o futuro dos pases rabes produtores de petrleo naanunciada Nova Ordem Mundial e o tipo de equilbrio de poder, oude fraqueza, que impera no Mundo rabe ps-Saddam Hussein.

    O conceito de Oriente Mdio um termo imperialista por nature-za, na medida em que a delimitao dessa regio definida pelos in-teresses dosgrandes poderes. Dentro dessa perspectiva, a construode um Sistema Oriente Mdio, que nega a unicidade do Sistema ra-

    be de Estados, visa aglutinar os Estados rabes em torno de Israel epromover reformas econmicas, polticas e militares que sirvam aos

    Relaes Internacionais do Mundo rabe(1954-2004): Os Desafios para a Realizao...

    85

  • 8/2/2019 relaes internacionais do mundo rabe

    24/35

    interesses de norte-americanos e israelenses, a saber, luta contra oterrorismo, abertura econmica, segurana regional controlada pe-los Estados Unidos e democratizao o Novo Oriente Mdio, deShimon Perez.

    A possibilidade de Saddam Hussein se assenhorear dos vastos recur-sos petrolferos do Golfo Prsico foi um dos principais determinan-tes daguerrade1991. Assim,a excessiva dependncia militar das pe-

    tromonarquias em relao aosEstados Unidos limita, se noencerra,a possibilidade de uma cooperao poltica e de segurana in-tra-rabe. Isso porque qualquer projeto de integrao rabe necessi-ta, invariavelmente, do financiamento das petromonarquias. Porm,essas esto, cada vez mais, fechadas em si, por meio do Conselho deCooperaodoGolfoe,cadavezmais,dependentesdaproteonor-te-americana. Nessa situao, esses pases retm seus recursos eco-nmicos, nica e exclusivamente, para benefcio prprio e investem

    no desenvolvimento no de uma segurana rabe, mas de uma petro-monrquica. Contudo, a invaso norte-americana do Iraque, em2003, mostrou que os Estados Unidos no esto mais dispostos a as-segurarumarelaodecooperaocomaspetromonarquias,notada-mente com a Arbia Saudita, mas impor um controle explcito sobreessas.

    A destruio do Iraque como uma potncia regional privou o Mundo

    rabe de um pas que tinha todas as condies para assumir a lide-rana do OMNA no fosse pela veemncia com que os EstadosUnidos interromperam a construo de um Iraque-potncia, os Esta-dosrabesteriamquelidarcomumregimeiraquianodispostoafazeraquiloaqueNasserseprops,masquenuncaconseguiualcanar:re-desenhar o mapa poltico e econmico rabe e realizar, pela fora, autopia da Nao rabe.

    Ograndeproblemaassociadoaessasituaoque,desdeoimediatops-Guerra do Golfo, em virtude de nenhum Estado rabe possuir os

    Silvia Ferabolli

    86 CONTEXTO INTERNACIONAL vol. 29, no 1, jan/jun 2007

  • 8/2/2019 relaes internacionais do mundo rabe

    25/35

    requisitos necessrios para assumir a liderana do Sistema rabe deEstados,essa,ento,passaaserexercidaporumatorexternodecar-ter global, no caso, os Estados Unidos. Dentro dessa perspectiva, fa-lar de integrao poltica no Mundo rabe passa, necessariamente,pela aceitao de que essa se daria apenas sob o controle nor-te-americano,quequer,sim,umaintegraonaregio,masnosobagide do arabismo, mas do Sistema Oriente Mdio.

    No que concerne ao grau de institucionalizao do Sistema rabe deEstados, entre os anos de 1990 e 2004, observou-se que a Declaraode Damasco (1991) ratificou os termos de Cartum de primazia da so-beraniacomoreguladordasrelaesintra-rabeseaindasancionouano-obrigatoriedade da diviso das riquezas nacionais com a Naorabe. Ademais, no ps-Guerra do Golfo, a Liga rabe enfraque-ceu-se a tal ponto que seus 22 membros ficaram mais de cinco anossem se reunir. Contudo, enquanto se especulava se o Sistema rabe

    de Estados havia chegado ao fim com a invaso iraquiana do Kuwaitem 1990, os membros da Liga reuniam-se em Sharm El-Sheikh em2003 e declaravam ao mundo que uma agresso contra um Estadorabe seria considerada um ataque contra toda a Nao rabe, emuma demonstrao evidente de que o pan-arabismo, pelo menos nodiscurso,ainda um forte marco regulador das relaes intra-rabes.Noobstante,a insistncia nostermos soberaniae exclusividaderevela,uma vezmais, que o ideal pan-rabe deve ficar noplano dare-trica, e no da prtica poltica.

    ALigarabedeEstadostentouromperociclodefragmentaoeco-nmica rabe propondo, em 1997, a formao de uma rea de li-vre-comrcio no OMNA, com o intuito de dar incio a um grandeprojeto de integrao econmica pan-rabe. A GAFTA tenta revivero Acordo para Facilitao e Promoo do Comrcio Intra-rabe, de1981, mas tendo como novidade a participao da sociedade civil, j

    que o empresariado regional foi convidado a monitorar seu processode implementao, que dever ser concludo em2008. O maior desa-

    Relaes Internacionais do Mundo rabe(1954-2004): Os Desafios para a Realizao...

    87

  • 8/2/2019 relaes internacionais do mundo rabe

    26/35

    fioqueaGAFTAenfrenta,almdaquelebviodeconvenceraslide-ranas rabes a fazerem movimentos mais concretos em direo harmonizao de suas polticas comerciais e econmicas, so osAcordos da Associao Euromediterrnea, que visam aglutinar osEstados rabes em torno de uma rea de livre-comrcio com a UnioEuropia, que, caso venha a se concretizar, em 2010, conforme pre-visto, dificultar enormemente a realizao dos objetivos daGAFTA. comum economistas levantarem a tese de que no h

    complementaridade entre as economias rabes, ou que os nveis decomrcio regional so muito baixos. Contudo, se o fator petrleo fordesconsiderado, o comrcio entre os pases rabes, em comparaocom o total mundial comercializado por esses, de quase 20%,o querevela, uma vez mais, que a ausncia de integrao econmica noMundo rabe no determinada pela falta de complementaridadeentre as economias rabes, ou por qualquer tipo de limitao de or-dem comercial.

    Ingerncia externa o termo que encarna o perodo histrico com-preendido entre os anos de 1990 e 2004 no Mundo rabe. Isso por-que se entendeu que o poderio alcanado pelos Estados Unidos, nosistema internacional, com o fim da ordem bipolar, permitiu que essepas interferisse nas dinmicas do Sistema rabe de Estados em pelomenos trsdos nveisdeanlise propostos napesquisa: noprprio n-vel da polaridade existente no sistema internacional, no nvel da de-pendncia econmica externa rabe e no nvel do equilbrio de poderintra-rabe.

    No que tange aos aspectos do tipo de polaridade existente no sistemainternacional (nvel de anlise sistmico) e seus efeitos sobre a inte-grao intra-rabe, concluiu-se que a supremacia militar nor-te-americana sobre o Mundo rabe, conquistada via estabelecimen-to de bases no Golfo Prsico durante a Guerra do Golfo, a ocupao

    do Iraque em2003 e a contnua assistncia militar a seu principal ali-ado no Oriente Mdio, Israel, tm permitido que os Estados Unidos

    Silvia Ferabolli

    88 CONTEXTO INTERNACIONAL vol. 29, no 1, jan/jun 2007

  • 8/2/2019 relaes internacionais do mundo rabe

    27/35

    determinem os rumos da poltica rabe, que devem se orientar noparaumaintegraointra-rabe,masparaosobjetivosdapolticaex -terna norte-americana no Oriente Mdio, ou seja, a manuteno deIsrael como a nica potncia regional e o controle do fluxo do petr-leo rabe para o mercado internacional. A destruio do Iraque comouma potncia rabe e o chamado processo de paz no Oriente Mdioasseguram a posio israelense; j a dominao militar sobre as pe-tromonarquias garante o controle sobre o petrleo rabe.

    Tambm no que concerne aos aspectos envolvidos na dependnciaeconmica externa rabe (nvel de anlise sistmico), o papel dosEstados Unidos tem se mostrado determinante, na medida em que a

    j afirmada supremacia militar norte-americana na regio asseguraque o padro de alinhamento tpico das petromonarquias em relaos demandas do sistema econmico internacional deixe de ser uma

    questo de opo poltica e passe a ser uma questo de obrigao esubordinao. Dessa forma, mesmo que esses Estados se dispuses-semamudaraorientaodesuaseconomiasparaumavoltaaofinan-ciamento de um projeto de integrao intra-rabe, isso passaria, ne-cessariamente, pelo aval norte-americano.

    Por fim, no que concerne ao equilbrio de poder intra-rabe (nvel deanlise da unidade/Estado), esse vem sendo, desde a Guerra do Gol-

    fo, mantido pela potncia hegemnica do ps-Guerra Fria. Emboraessa situao tambm favorea, em alguma medida, as petromonar-quias,quenoprecisammaissepreocuparcomaemergnciadeumanova potncia rabe que desafie o status quo regional, certo quenessa situao de equilbrio de poder os interesses que se quer asse-gurar so exatamente aqueles norte-americanos, ou seja, a manuten-o de Israel como a nica potncia regional e o controle do fluxo dopetrleo rabe. Integrao regional, nesses termos, supe no s a

    participao de Israel como tambm a sua centralidade em um poss-vel processo integrativo.

    Relaes Internacionais do Mundo rabe(1954-2004): Os Desafios para a Realizao...

    89

  • 8/2/2019 relaes internacionais do mundo rabe

    28/35

    Em suma, os condicionantes sistmicos tiveram um peso relativomaior para a ausncia de integrao intra-rabe no perodo compre-endido entre os anos de 1990 e 2004. Embora essa situao esteja di-retamente relacionada com os condicionantes de ordem estatal, re-presentados pela situao de equilbrio de poder no OMNA, foi vistoque esse equilbrio passou a ser mantido exatamente pela potnciahegemnica do ps-Guerra Fria. Dessa forma, as foras sistmicasinternacionais, representadas pela supremacia militar norte-ameri-

    cana no Mundo rabe, foram determinantes para a ausncia de inte-grao poltica intra-rabe nos anos compreendidos entre a Guerrado Golfo e os momentos imediatamente posteriores invaso norte-americana do Iraque.

    Concluses

    A anlise do peso relativo doscondicionantes sistmicos, regionais eestatais para a ausncia de integrao poltica no Mundo rabe, nosdiferentes perodos selecionados para estudo, a constar, 1954-1973,1973-1990 e 1990-2004, revelou o seguinte:

    a) no perodo compreendido pelos anos de 1954 a 1973, a associaodos condicionantes de ordem estatal, representados pelo equilbriode poder intra-rabe, de hegemonia egpcia, com os condicionantesde ordem regional, representados pela capacidade de interao sist-mica rabe, e revelados pela forte tenso existente na poca entre so-beraniaestatalepan-arabismo,teveumpesorelativomaiorparaaau-sncia de integrao poltica no Mundo rabe;

    b) no perodo compreendido entre os anos de 1973 e 1990, os condi-cionantessistmicos, representados pelo tipo de polaridade existenteno sistema internacional, e revelados pelo poderio que o Estado nor-te-americano alcanou na regio no ps-Yom Kippur, tiveram um

    peso relativo maior para a ausncia de integrao no Mundo rabe.Porm, essa situao estevediretamente relacionada comos condici-

    Silvia Ferabolli

    90 CONTEXTO INTERNACIONAL vol. 29, no 1, jan/jun 2007

  • 8/2/2019 relaes internacionais do mundo rabe

    29/35

    onantes de ordem estatal, representados pela situao de equilbriodepoderdoOMNAnasdcadasde1970e1980,decapitulaoegp-cia e de primazia dos petropoderes. Ou seja, a associao das forassistmicas internacionais com os segmentos mais conservadores doMundorabefoideterminanteparaaausnciadeintegraopolticaintra-rabe nos anos compreendidos entre a Guerra de Yom Kippur ea Guerra do Golfo; e

    c) no perodo compreendido entre os anos de 1990 e 2004, os condi-cionantes sistmicos tiveram um peso relativo maior para a ausnciade integrao intra-rabe e, embora essa situao estivesse direta-mente relacionada com os condicionantes de ordem estatal, repre-sentados pela situao de equilbrio de poder no OMNA, foi vistoque esse equilbrio passou a ser mantido exatamente pela potnciahegemnica do ps-Guerra Fria. Dessa forma, as foras sistmicasinternacionais, representadas pela supremacia militar norte-ameri-

    cana no Mundo rabe, foram determinantes para a ausncia de inte-grao poltica intra-rabe no perodo compreendido pelos anos de1990-2004.

    Tendo por base essas consideraes, pode-se inferir que o processono de construo, mas de desconstruo da chamada Grande Naorabe, que integraria poltica e economicamente os 22 Estados ra-bes, foi feito em trs etapas. Em um primeiro momento, de 1954 a

    1973, as petromonarquias financiaram o abandono de Nasser de suapoltica de espalhar os ideais de unificao pan-rabe pela regio epromoveram a tese de que integrao e unificao no eram sin-nimos,equetaisconceitosdeveriamsersubstitudospelodecoope-rao. Como prprio significado de pan-arabismo enfraquecidoemtermos conceituais, chegou-se a um segundo momento, 1973-1990,quando os Estados Unidos tm as portas da regio abertas por umaArbia Saudita desejosa de proteo poltico-militar e por um Egito

    sedento de financiamento econmico a primazia do domstico emdetrimento da integrao regional claramente revelada. Por fim,

    Relaes Internacionais do Mundo rabe(1954-2004): Os Desafios para a Realizao...

    91

  • 8/2/2019 relaes internacionais do mundo rabe

    30/35

    quando se chega no terceiro momento, 1990-2004, os Estados Uni-dos passam a dominar militarmente o Mundo rabe, privando as li-deranas locais inclusive de exercerem sua soberania estatal.

    Em sntese, nos cinqenta anos de histria do nacionalismo rabemoderno, os lderes rabes no se orientaram para a construo deum projeto de integrao poltico e econmico pan-rabe, mas, exa-tamente,paraasuano-realizao.Nesseprocesso,elesforamseali-

    nhando cada vez mais aos Estados Unidos, com o intuito de conse-guir proteo poltica, militar e econmica para assegurar a sobrevi-vncia de seus Estados artificialmente criados, sempre questionadospelo mesmo ideal pan-arabistaqued legitimidade aosseus regimes.No obstante, a situao que se apresenta hoje assegurar a sobrevi-vncia dos regimes por meio do alinhamento compulsrio aos Esta-dosUnidos,oque,invariavelmente,choca-secomoidealnacionalis-ta rabe de libertao de toda a forma de ingerncia externa. A pro-

    blemtica envolvida nessa situao vem gradualmente revelando-sepelaproliferaodegruposeorganizaesditosislmicosnuncapan-arabistas que cometem atentados contra os Estados rabesmais explicitamente alinhados aos Estados Unidos e contra a prpriapotncia hegemnica do ps-Guerra Fria e seus aliados, reivindican-do, assim, o papel de libertadores dos povos rabes-islmicos. Ouseja, na busca por assegurar a sobrevivncia de seus regimes, os lde-res rabes acabaram por abrir as portas da regio para mais um ques-tionador da legitimidade das lideranas rabes: o fundamentalismoislmico.

    difcil vislumbrar, hoje, a possibilidade de construo de um efeti-vo projeto de integrao poltica e econmica intra-rabe. O maisprovvel que as tenses entre a ingerncia norte-americana noMundo rabe e a respostadofundamentalismo islmicoditem osca-minhos polticos da regio nos prximos anos. A ironia envolvida

    nessa situao que a promoo do ideal nacionalista rabe, mesmoque com seu significado conceitual alterado para que a unificao

    Silvia Ferabolli

    92 CONTEXTO INTERNACIONAL vol. 29, no 1, jan/jun 2007

  • 8/2/2019 relaes internacionais do mundo rabe

    31/35

    territorial dos Estados rabes ceda lugar para a integrao polticaentre eles, revela-se como a melhor alternativa para os caminhos dasubordinao e da regresso que se apresentam hoje.

    Notas

    1. Os termos nacionalismo rabe, arabismo e pan-arabismo so utiliza-dos, neste trabalho, como sinnimos. Esta sinonmia est de acordo com a lite-ratura atual sobre o Mundo rabe, na medida em que Barnett (1998) e Hudson(1999) usam os conceitos de nacionalismo rabe e arabismo como sinni-mos; j Alnasrawi (1991) faz uso dos termos nacionalismo rabe epan-arabismo sem grandes distines; e, por fim, Hourani (2005) discute osconceitosdenacionalismorabeearabismo,notandoqueoprimeiromaisligado ao Isl do que o segundo, mas mesmo assim admitindo que de acordocom a histria, o desenvolvimento da nao rabe est muito ligado com o Isl,mas os rabes no so essencialmente uma nao muulmana: se deixassem deser muulmanos, ainda seriam rabes. Assim, os cristos de fala rabe so ra-bes no mesmo sentido dos muulmanos, e podem ser rabes sem ter de renunci-ar a nada na sua tradio religiosa ou sem ter de aceitar a do Isl (HOURANI,2005, p. 328).

    2. Neste trabalho, a regio doOMNA refere-se apenas aos Estados dessas reascujo idioma oficial o rabe e que so membros da Liga rabe de Estados.

    3. Esse termo deu origem obra seminal de todo o debate acadmico em ln-

    gua inglesa sobreo nacionalismo rabe, The arab awakening: the story of theArab National Movement, de George Antonius (1938).

    4. [...] a nao sempre concebida como um companheirismo profundo euniversal (ANDERSON, 1989, p. 16).

    5. Participaram Egito, Iraque, Lbano, Sria, Arbia Saudita, Imen e Trans-jordnia (esta ltima passou a denominar-se Jordnia em 1948).

    6. So membros da Liga rabe: Arbia Saudita, Arglia, Bahrein, Comores,Djibuti, Egito, Emirados rabes Unidos, Imen, Iraque, Jordnia, Kuwait, L-

    bano, Lbia, Mauritnia, Marrocos, Om, Palestina (Autoridade Nacional Pa-lestina ANP), Catar, Somlia, Sria, Sudo e Tunsia. O Saara Ocidental aindano um pas independente, estando sob tutela da ONU.

    Relaes Internacionais do Mundo rabe(1954-2004): Os Desafios para a Realizao...

    93

  • 8/2/2019 relaes internacionais do mundo rabe

    32/35

    7. Instituioumconjuntoderegras(formaiseinformais)conectadaseper-sistentes que prescrevem regras de comportamento, constrangem atividades emoldamexpectativas(KEOHANE,1989,p.3apudBARNETT,1993,p.272).

    RefernciasBibliogrficas

    ALNASRAWI, Abbas. Arab nationalism, oil and the political economy ofdependency. New York: Greenwwod, 1991.

    ANDERSON,Frederich. Nao e conscincia nacional.RiodeJaneiro:tica,1989.

    ANTONIUS, George. The arab awakening: the story of the Arab NationalMovement. London: H. Hamilton, 1938.

    BARNETT, Michael N. Instituitons, roles and disorder: the case of Arab StatesSystem. International Studies Quarterly, v. 37, p. 271-296, 1993.

    . Sovereignty, nationalism and regional order in the Arab States System.International Organization, v. 49, n. 3, p. 479-510, 1995.

    . Dialogues in arab politics. New York: Columbia University, 1998.

    BUZAN, Barry; LITTLE,Richard;JONES, Charles.The logic of anarchy: ne-orealism to structural realism. New York: Columbia University, 1993.

    GILPIN, Robert. Global political economy: understanding the internationaleconomic order. New Jersey: Princenton University Press, 2001.

    GORE, Charles G. Regions in question. London: Methuen, 1984.

    HOURANI, Albert. Uma histria dos povos rabes. So Paulo: Companhiadas Letras, 1994.

    . O pensamento rabe na era liberal. Rio de Janeiro: Companhia das Le-tras, 2005.

    HUDSON, Michael (Ed.). The Middle East dilemma: the politics and econo-mics of arab integration. New York: Columbia University, 1999.

    Silvia Ferabolli

    94 CONTEXTO INTERNACIONAL vol. 29, no 1, jan/jun 2007

  • 8/2/2019 relaes internacionais do mundo rabe

    33/35

    HURREL, Andrew. O ressurgimento do regionalismo na poltica mundial.Contexto Internacional, v. 17, n. 1, p. 23-59, 1995.

    KHADDURI, Majid. Towards an arab union: the League of Arab States. The

    American Political Science Review, v. 40, n. 1, p. 90-100, 1946.

    KHALIDI, Rashid. Arab nationalism: historical problems in the literature. The

    American Historical Review, v. 96, n. 5, p. 1.363-1.373, 1991.

    KORANY, Bahgat. The Arab World and the new balance of power in the New

    Middle East. In: HUDSON, M. (Org.). The Middle East dilemma: the politicsand economics of arab integration. New York: Columbia University. 1999. p.

    35-59.

    LEAGUE OF ARAB STATES. Text of the pact of the Arab League. The Ame-

    rican Journal of International Law, Washington, v. 39, n. 4, p. 266-272, Oct.

    1945. Supplement.

    SILVA, Guilherme A.; GONALVES, Williams. Dicionrio de Relaes

    Internacionais. Barveri: Manole, 2005.

    WALTZ, Kenneth N. Theory of International Politics. New York: RandomHouse, 1979.

    Relaes Internacionais do Mundo rabe(1954-2004): Os Desafios para a Realizao...

    95

  • 8/2/2019 relaes internacionais do mundo rabe

    34/35

    Resumo

    Relaes Internacionais do Mundorabe (1954-2004): Os Desafiospara a Realizao da UtopiaPan-arabista

    Desde a formao do Sistema rabe de Estados, na esteira do processo dedescolonizao, a retrica do nacionalismo rabe tem sido o pano de fundo

    sobre o qual as relaes polticas intra-rabes se desenvolveram. Contudo,as relaes que se estabelecem entre os Estados rabes esto muito aqumda unidade, tendo se caracterizado mais pela desintegrao. A literatura so-bre a integrao poltica no Mundo rabe aponta diversos fatores envolvi-dos no aparente contra-senso representado pelo discurso unificador nacio-nalista rabe e na ausncia de integrao na regio. Esses fatores foram ana-lisados neste artigo, em diferentes perodos selecionados para estudo a sa-ber: 1954-1973, 1973-1990 e 1991-2004 , tendo como referencial tericoo realismo estrutural, conforme proposto pela Escola Inglesa de RelaesInternacionais. Na tentativa de responder ao questionamento queguiou essapesquisa o que condiciona o Mundo rabe a viver uma permanente frag-mentao, a despeito de todo o discurso unificador do arabismo? ,buscou-se identificar quais desses fatores apontados pela literatura sobreintegrao no Mundo rabe tiveram um peso relativo maior para o fenme-nonointegrativointra-rabe,noqueseconcluiuqueapenasafaltadecom-plementaridade econmica regional no teve um papel relevante para a au-sncia de integrao poltica intra-rabe entre os anos de 1954 e 2004.

    Palavras-chave: Mundo rabe Pan-arabismo Sistema rabe de Esta-dos Integrao Poltica Realismo Estrutural

    Silvia Ferabolli

    96 CONTEXTO INTERNACIONAL vol. 29, no 1, jan/jun 2007

  • 8/2/2019 relaes internacionais do mundo rabe

    35/35

    Abstract

    International Relations of theArab World (1954-2004): TheChallenges for the Achievementof Pan-arab Utopia

    Since the creation of the Arab State System in the wake of thedecolonization process, the rhetoric of arab nationalism has been the

    background over which the political relations have been developed amongthe arab states. However, these relations are far from achieving unity, andcan be characterized more by the desintegration. The literature on politicalintegration in the Arab World points several factors related to theapparently contraditory idea represented by the unifying arab nationalismspeech and the abscence of integration in the region. These factors wereanalysed in this research in different periods selected to be studied:1954-1973, 1973-1990, and 1990-2004. As theoretical reference, it wasused the structural realism proposed by the English School of InternationalRelations. In the attempt to answer the question that guided this research what does condition the Arab World to live in a permanent fragmentationdespite all the unifying arabist speech? it was sought to identify which oftheses factors pointed by the literature about integration in the Arab Worldhad a greater role for the non-integrative arab phenomenon. It was revealedthat only the lack of regional economic complementarity did not have asignificant role for the absence of intra-arab political integration betweenthe years 1954 and 2004.

    Keywords: Arab World Pan-arabism Arab State System PoliticalIntegration Structural Realism

    Relaes Internacionais do Mundo rabe(1954-2004): Os Desafios para a Realizao...