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RELAÇÃO TEORIA – PRÁTICA: UM OLHAR ACERCA DO CONTEÚDO DO XADREZ EM UMA ESCOLA ESTADUAL DO PARANÁ. *Jaqueline Kugler Tibucheski ** Drª Glaucia da Silva Brito RESUMO O objetivo deste trabalho é problematizar a relação teoria - prática e analisar alguns elementos a partir da prática pedagógica, que faz uso do ensino do conteúdo do xadrez, em uma escola estadual do Paraná. Parte-se da experiência enquanto docente da disciplina de educação física da escola Profª Isolda Schmidt, e também por considerar pertinente identificar, em âmbito desse fazer pedagógico, a utilização do conteúdo do xadrez como um elemento mediador entre a teoria e a prática. O estudo de teor qualitativo utilizou-se dos seguintes instrumentos: análise dos dados coletados; entrevista aberta; observação de aulas e de cursos de capacitação no período letivo de 2008 e análise de documentos. Traz primeiramente alguns aspectos históricos do jogo de xadrez, além das considerações acerca do princípio filosófico e pedagógico que vêm influenciando o contexto escolar na atualidade, e das imbricações com o conteúdo do xadrez. Identifica-se a contradição que incide entre o pensamento racionalista em contra posição à vertente que destaca na prática pedagógica, assim como outras possibilidades para as práticas cotidianas dos professores de educação física. Este estudo está divido em três partes: 1) Aspectos históricos do xadrez; 2) A relação teoria – prática: indagações acerca do conteúdo do xadrez escolar. 3) Apresenta, finalmente, aspectos encontrados nesta pesquisa que relacionam o xadrez enquanto conteúdo eletivo, e valorizador das disciplinas obrigatórias inerentes ao currículo oficial da escola pesquisada. O que se procurou, portando, foi demonstrar que a teoria pedagógica é gerada no exercício prático do convívio social. Palavras-chave: Educação; Escola; Teoria; Prática; Xadrez. *Professora PDE 2007, professora de Educação Física da Rede Estadual de Educação, e formada pela Universidade Estadual de Ponta Grossa, 1985. **Professora Orientadora do PDE, convênio entre a SEED e a UFPR.

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Page 1: RELAÇÃO TEORIA – PRÁTICA: UM OLHAR ACERCA … · aspectos históricos del juego de ajedrez, mas alla de las consideraciones acerca del princípio ... Desportivização, Técnica

RELAÇÃO TEORIA – PRÁTICA: UM OLHAR ACERCA DO CONTEÚDO DO

XADREZ EM UMA ESCOLA ESTADUAL DO PARANÁ.

*Jaqueline Kugler Tibucheski

** Drª Glaucia da Silva Brito

RESUMO

O objetivo deste trabalho é problematizar a relação teoria - prática e analisar alguns elementos

a partir da prática pedagógica, que faz uso do ensino do conteúdo do xadrez, em uma escola

estadual do Paraná. Parte-se da experiência enquanto docente da disciplina de educação física

da escola Profª Isolda Schmidt, e também por considerar pertinente identificar, em âmbito

desse fazer pedagógico, a utilização do conteúdo do xadrez como um elemento mediador entre

a teoria e a prática. O estudo de teor qualitativo utilizou-se dos seguintes instrumentos: análise

dos dados coletados; entrevista aberta; observação de aulas e de cursos de capacitação no

período letivo de 2008 e análise de documentos. Traz primeiramente alguns aspectos

históricos do jogo de xadrez, além das considerações acerca do princípio filosófico e

pedagógico que vêm influenciando o contexto escolar na atualidade, e das imbricações com o

conteúdo do xadrez. Identifica-se a contradição que incide entre o pensamento racionalista em

contra posição à vertente que destaca na prática pedagógica, assim como outras

possibilidades para as práticas cotidianas dos professores de educação física. Este estudo está

divido em três partes: 1) Aspectos históricos do xadrez; 2) A relação teoria – prática:

indagações acerca do conteúdo do xadrez escolar. 3) Apresenta, finalmente, aspectos

encontrados nesta pesquisa que relacionam o xadrez enquanto conteúdo eletivo, e valorizador

das disciplinas obrigatórias inerentes ao currículo oficial da escola pesquisada. O que se

procurou, portando, foi demonstrar que a teoria pedagógica é gerada no exercício prático do

convívio social.

Palavras-chave: Educação; Escola; Teoria; Prática; Xadrez.

*Professora PDE 2007, professora de Educação Física da Rede Estadual de Educação, e formada pela Universidade Estadual de Ponta Grossa, 1985. **Professora Orientadora do PDE, convênio entre a SEED e a UFPR.

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RELACIÓN TEORIA-PRÁTICA: UNA MIRADA A CERCA DEL CONTENIDO

DEL AJEDREZ EN UNA ESCUELA ESTADUAL DEL PARANÁ.

*Jaqueline Kugler Tibucheski

** Drª Glaucia da Silva Brito

RESUMEN

El objectivo de este trabajo es problematizar la relación teoria - práctica y analisar algunos

elementos a partir de la práctica pedagógica, que hace del enseño del contenido del ajedrez,

en una escuela estadual del Paraná. Parte-se da experiencia encuanto docente de la disciplina

de Gimnasia de la escuela Profª Isolda Schmidt, y también por considerar pertinente identificar,

en ambito de ese hazer pedagógico, la utilización del contenido del ajedrez como un elemento

mediador entre la teoria y la práctica. El estudio del teor cualitativo utilizose de los siguientes

instrumentos: análisis de los datos colectados; pesquisa abierta;obsrevación de clases y curso

de capacitación en el año lectivo de 2008 y analisis de documentos. Traje de primero algunos

aspectos históricos del juego de ajedrez, mas alla de las consideraciones acerca del princípio

filosófico y pedagógico que vienen influenciando el contexto escolar en la actualidad, y de las

fijaciones con el contenido del adjedrez. Identificase la contradicción que incide entre el

pensamiento racionalista en contra posición a la vertente que destaca en la práctica

pedagógica, así como otras posibilidades para las prácticas cuotidianas de los profesores de

Gimnasia. Este estudio está divido en tres partes: 1) Aspectos históricos del ajedrez; 2) La

relación teoria – práctica: indagaciones acerca del contenido del ajedrez escolar. 3) Presenta,

finalmente, aspectos encontrados en esta pesquisa que relacionan el ajedrez encuanto

contenido electivo, y valorizador de las asignaturas obligatórias inerentes al curriculum oficial

de la escuela pesquisada. Lo que se procuró, por lo tanto, fue demonstrar que la teoria

pedagógica es gerada en el ejercicio práctico de la convivencia social.

Palabras-llave: Educación, escuelas, teoria, prática, ajedrez.

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1 Introdução

Este estudo faz parte das experiências pedagógicas desenvolvidas

durante o ano letivo de 2008 na escola estadual Profª Isolda Schmidt. As

atividades realizadas junto a três turmas de 5ª série no turno da manhã,

comportam o projeto de implementação da escola e consiste num dos

requisitos para conclusão do Plano de Desenvolvimento da Educação - PDE

turma 2007.

Resulta de um trabalho desenvolvido com as turmas acima

mencionadas, o qual propiciou investigação e coleta de dados por meio de

observação em aulas, através dos cursos de capacitações oferecidos pela

Secretaria de Estado da educação - SEED, Centro de Excelência de Xadrez -

CEX e em outros cursos com ênfase à alfabetização enxadrista e entrevista

aberta.

A fundamentação teórica parte de autores que tratam da metodologia

do ensino do xadrez: Tirado (2003); Rezende (2002); Nottinghan, Wade e

Lawrence (2001). Também foram usadas apostilas e exercícios dos jogos

localizados nos sites xadrezlivre.ufpr.br e cex.org.br. Na seqüência, o trabalho

com os alunos foi primordial, pois propiciou um maior aprofundamento teórico

em autores que discutem a História do xadrez: Lasker,1999; a relação teoria e

prática Rays (2000); Vazquez (2007); a práxis revolucionária Marx (2007) e a

pesquisa qualitativa em Moreira; Caleffe (2006).

A análise de documentos, diretrizes curriculares de educação física

(2008); Declaração dos direitos humanos (1999); Estatuto da criança e do

adolescente – ECA (1990) contribuiu significativamente para localizar

primeiramente o xadrez em âmbito da educação física, seguidas das

imbricações que comportam as relações sócio - políticas incidentes no contexto

escolar.

As conversas informais com professores das outras disciplinas

serviram para voltar um olhar mais atento à fala dos sujeitos que comportam o

contexto escolar, propiciando assim maior entendimento do plano de ação e do

planejamento destes professores, bem como, a forma como pensam as suas

práticas.

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Os recursos materiais utilizados na realização das aulas consistiram

em tabuleiros e jogos de peças pertencentes à escola; vale registrar, que este

suporte contribuiu para um significativo avanço do projeto de implementação do

PDE de Xadrez Escolar.

A aplicação das idéias para o trabalho pedagógico consistiu no formato

de laboratório, composto por trinta e cinco alunos em três turmas, sendo que a

metade dos alunos era originária das séries iniciais da própria escola e a outra

metade de escolas municipais das imediações. Uma parte destes alunos

possuía certo conhecimento do jogo, porém, com erros conceituais e de

entendimento acerca da importância do xadrez em suas inúmeras

significações. A outra parte dos alunos não possuía nem o conhecimento e

nem tampouco o entendimento do jogo.

Percebe-se, a partir deste estudo, que somente o conhecimento da

movimentação das peças não é suficiente para desenvolver um trabalho

pedagógico, tornando – se um dos agravantes para que se iniciasse o exercício

pedagógico em sua totalidade, ou seja, para tecer uma aproximação maior

entre objeto de conhecimento, professor e alunos, foram necessárias outras

possibilidades de aplicação do conteúdo.

Para sanar as dificuldades de entendimento e evitar desvios ou falha

no aprendizado, optou-se por começar do zero, além do que, não seria

possível dividir o grupo para um trabalho mais especifico mais personalizado, a

exemplo de uma organização em forma de projeto.

Este estudo parte do pressuposto de que os professores da rede

estadual de ensino do Paraná têm tido a possibilidade de refletirem acerca de

suas práticas pedagógicas, além de terem convivido com a complexidade de

lidar com a relação teoria – prática cotidianamente em seu exercício docente,

advindas das implicações políticas, sociais e econômicas que historicamente

estão postas neste contexto.

Portanto, a problematização da pesquisa parte das seguintes

interrogações: Como o conteúdo de xadrez pode ser utilizado na prática

pedagógica do professor? Em que medida a aplicação deste conteúdo

pode contribuir no aprendizado do aluno?

Sabe-se que o xadrez é contemplado pelas às Diretrizes Curriculares da

disciplina de Educação Física - SEED como Cultura Corporal e Ludicidade,

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Desportivização, Técnica e Tática, Lazer e Mídia, podendo estar vinculado à

abordagem que o professor escolher para desenvolver.

2 Aspectos históricos do xadrez

Há aproximadamente dois mil anos, na Índia surgia o chaturanga, que se

transformou no atual jogo de xadrez. Para Lasker (1999, p.31), o chaturanga tal

como se praticava na Índia, significava “exército formado de quatro membros”.

Pela representação desses membros sobre o tabuleiro de xadrez como

elefantes, cavalos, carros e soldado a pé (Bispos, Cavalos, Torres e Peões),

podemos fazer certas especulações quanto à idade provável do xadrez, bem

como admitir que o jogo data no ano 326 antes de Cristo, século IV a.C.

Segundo Lasker (1999), o xadrez foi introduzido em muitos países do

ocidente, por meio de inúmeras guerras e rotas comerciais, tendo passado por

transformações, sofrendo várias influências. Dentre elas, encontram - se as

cores no tabuleiro, casas pretas e brancas alternadas e a mudança do

movimento das peças.

A maneira da transmissão do jogo era somente oral, seu

desenvolvimento e perpetuação passava de pai para filho e era tido como um

passatempo e não um esporte.

A característica principal do xadrez praticado nessa época deve-se a sua

popularidade, chegando a ser chamado de ‘jogo dos reis e rei dos jogos’. Era

comparado ao Go, o xadrez japonês, em que as peças não ficam dentro das

casas e, sim, na interseção das casas, sendo que nove peças compunham em

cada linha o jogo.

O xadrez embora fosse um jogo popular no oriente, na Europa

representava para as classes menos abastadas um jogo elitista, pois, além de

difícil, o estudo das técnicas enxadristas era quase inacessível para o povo.

Com o advento da modernidade e com ele a invenção da imprensa a

difusão do xadrez inicia - se por meio dos livros. Para Vasconcelo (1991) a

imprensa trouxe significativas alterações, que se dão no século XV quando

Gutemberg cria o tipo móvel, peças que possibilitaram a impressão de livros.

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Destaca-se que no século XV, o livro Arte breve y introduccion muy

necessaria para saber jugar el Axedrez do espanhol Lucena, publicado em

1497 escreve sobre esse jogo. Com a proliferação dos livros de xadrez ocorre

a primeira divulgação significativa do jogo. Um destaque em 1561, Ruy López,

um bispo espanhol, publica sua obra denominada: Livro de La Intención,

Liberdade y Arte Del Juego de Axedrez. Ruy Lopes reina por 20 anos, sendo

considerado o maior jogador da Espanha, destacando-se inclusive, por sua

habilidade em jogar partidas às cegas. (VASCONCELOS, 1991).

Em conformidade com LASKER (1999), o xadrez na Rússia é de origem

puramente asiática. Nos anos de 1000 D.C., com a entrada do cristianismo na

Rússia, tentou-se impedir o xadrez (com a mesma falta de êxito que tiveram

tentativas semelhantes no Oriente Próximo e na Europa Ocidental), depois de

várias ameaças e com o auxílio dos czares, baixando vários editos, colocando-

o como um passatempo proibido. A reação dos russos foi inversa,

conseqüentemente, torna-se um dos divertimentos mais populares na época.

No início do século XX, a URSS investe massivamente no jogo de

xadrez e resolve adotá-lo como um complemento à educação. Assim, todas as

crianças que tirassem boas notas nas matérias de ensino geral, recebiam

orientação sobre como jogar xadrez.

Até aqui escreve-se a aspectos da história do xadrez antigo até o xadrez

moderno. Passa-se a discorrer acerca da influência dos veículos de

comunicação especificamente relacionados ao conteúdo de xadrez escolar.

2.1 O Xadrez e a Mídia

A partir da dominação dos países socialistas na supremacia dos torneios

mundiais (iniciando em 1927 com Alekihine e atualmente com Kasparov em

1990), a imprensa tratava de expandir os limites do jogo de xadrez. Os

campeonatos mundiais eram acompanhados pelos jornais, assim um

campeonato ou torneio realizado em algum ponto da Europa ou Ásia era

acompanhado pelos outros países aonde um jornal de grande circulação

chegasse. Revistas especializadas, livros, telegramas poderiam ser enviados

aos aficionados em quase todos os lugares do mundo.

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Os sistemas de correios contribuíam para essa interação mundial, pois

era comum aos jogadores trocarem correspondências, em que podiam

aprimorar técnicas e até participarem de torneios. Mesmo as partidas que

duravam anos, tornavam-se motivo de aproximação e proporcionavam a troca

de experiências entre jogadores.

A vantagem do xadrez utilizando os meios da mídia impressa era

principalmente o de divulgar os grandes confrontos. Era possível representar o

jogo num simples diagrama e sentir as mesmas emoções de quem

acompanhava a partida pessoalmente. Diferentemente de outros esportes, a

exemplo do futebol que quando visto em foto não transmite a emoção de um

evento ao vivo.

A partir da invenção da televisão, inicia - se mais um desafio à

perpetuação do xadrez, pois os esportes modernos, principalmente os

coletivos, passam a ser assistidos por diferentes lugares do mundo em tempo

real, isto acaba desestimulando a participação das novas gerações em jogos

de xadrez.

Vale ressaltar que a transformação do jogo de xadrez, em uma prática

desportiva ‘maçante’, tem predominado na maioria dos veículos de

comunicação. A desvalorização que a mídia televisiva tem proporcionado a

este jogo é evidente, decorrente da ênfase que tem dado aos esportes

coletivos e de maior visibilidade, ou seja, aqueles esportes que se utilizam do

deslocamento do corpo no espaço.

Entende-se que embora o xadrez não envolva grandes deslocamentos

corporais, assistir a uma partida ‘ao vivo’ de xadrez, possibilita vivenciar a

emoção dos jogadores. Contudo, alguns elementos são impossibilitados de

vivenciar por intermédio da televisão, a exemplo dos olhares, o gesto de tocar

as peças, os comentários e outros.

Já com o surgimento do computador, muitos programadores e cientistas

começam a testar em máquinas as variáveis do jogo de xadrez. Surge um

hobby e os resultados transformam - se em uma prática que contribuiu para

aprimorar a técnica do xadrez.

Na medida em que se valiam das informações do jogo, melhora-se a

velocidade das jogadas, o movimento inicial, as possibilidades das jogadas e

desta forma testar suas variáveis.

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Na última década do século XX, quando a internet torna-se real e o seu

acesso multiplica-se na mesma velocidade de seu uso, o xadrez volta à voga,

pois a sua divulgação pela rede da internet permite que os torneios sejam mais

interessantes, além do computador tornar-se uma ferramenta de estudo

contribuindo para os confrontos entre o homem e a máquina e um poderoso

material para treinamento.

Em conformidade com os dados coletados junto à Secretaria Estadual

de Educação – SEED, portal dia – a – dia Educação, o Paraná tem

desenvolvido ações conjuntas que objetivam o acesso ao processo de

informatização de professores e alunos nas escolas da rede estadual do

Paraná.

Pode-se ver registrado junto ao Portal Paraná digital que o governo

pretende investir no aprimoramento e desenvolvimento dessas questões,

usando para tanto um multiterminal, ao invés de adaptar as máquinas antigas.

O Estado conta atualmente com 16 mil máquinas, sendo que sete mil estão nas

escolas para uso pedagógico. Conforme as informações, 99% dessas

máquinas são obsoletas e necessitam de adaptações e de convênio para

desenvolvimento de software e aplicativos.

Esta realidade denota a preocupação por parte do governo, que em

grande parte advém das reinvidicações e discussões de professores,

estudiosos e pesquisadores que arduamente vêm demonstrando a importância

da informatização em âmbito escolar.

O acesso possível por meio da implantação de laboratórios de

informática nas escolas do estado do Paraná permite dentre tantos benefícios,

o reconhecimento do xadrez na atualidade como uma ferramenta incentivadora

do diálogo com outras áreas do conhecimento.

Teve início em 2003 inicia-se o Projeto de Ensino de Xadrez nas Escolas

Públicas do Brasil, através dos Ministérios da Educação e do Esporte, em

parceria com os Governos Estaduais. A metodologia do projeto foi

desenvolvida pelo Centro de Excelência de Xadrez (CEX) combinando a

utilização de recursos tradicionais da educação com os desenvolvidos pelo

Centro de Computação Científica Livre da UFPR para a internet. (Tirado, 2003)

Com a utilização das novas tecnologias no ambiente escolar,

nota-se que o xadrez passa a ter maior visibilidade e valorização. O seu caráter

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estratégico, com regras bem definidas, impossibilita a sua relação com jogos

de azar, permitindo uma maior aceitação entre pais e professores, destacando-

se por ser um jogo de cavalheiros.

Entende-se que as Leis do Xadrez são mais do que regras. Elas

comportam valores socialmente instituídos, que buscam facilitar a vida em

sociedade, a exemplo da organização.

A forma como se organizam os torneios, pode ser desenvolvida por meio

dos softwares de aplicativos, de treinamento, do banco de dados das partidas e

emparceiramento.

É característico do jogo de xadrez emparceirar, colocar para jogar no

confronto direto jogadores que estejam no mesmo nível técnico (sistema

suíço). Esta forma de organização direcionada a um pequeno grupo de

jogadores torna-se fácil e possível; de certa forma pode ser desenvolvida

manualmente. Já em torneios com muitos jogadores, os softawers de

emparceiramento facilitam e dinamizam os torneios e conseqüentemente

evitam possíveis erros e injustiças.

As informações que antes eram impressas, muitas vezes inacessíveis

pelo seu alto custo, agora se tornam mais baratas e de fácil acesso. No caso

do sistema de emparceiramento para os torneios, a diminuição do tempo é

notável, pois um emparceiramento dos competidores que antes demorava

horas torna-se quase instantâneo.

Os sites em que os enxadristas montam as suas salas de bate-papos

têm o intuito de divulgarem conhecimentos sobre xadrez. Desta forma, as

informações dos enxadristas podem ser socializadas, desde que se respeite a

patente própria, ou seja, o criador do site na divulgação dos seus trabalhos.

Estes trabalhos objetivam a venda de programas específicos para treinamento,

bem como, de servidores onde as comunidades estão localizadas sob a

patente dos patrocinadores.

Os servidores de xadrez constituem-se em redes que permitem jogar

partidas de xadrez pela internet, além de aulas ministradas, gerenciadas e

intermediadas por um servidor desse jogo. A interação é feita por meio de uma

janela. O participante de torneios virtuais utiliza-se de alguns comandos. Como

se pode observar, o xadrez volta a aproximar as pessoas igualmente ao tempo

da mídia impressa, porém agora de maneira instantânea.

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Tratando da utilização do conteúdo do xadrez na prática pedagógica,

parte-se do pressuposto de que os professores têm tido a possibilidade de

repensar as suas práticas, por meio de cursos de capacitação, debates e em

reuniões para planejarem os conteúdos eletivos da disciplina de educação

física. Dentre estas discussões, incide a prática pedagógica envolta pelos

meios da mídia, sejam impressos, cinema ou virtual.

Embora alguns docentes utilizem-se do conhecimento adquirido para

ressignificar as suas práticas, outros professores têm dificuldade em se

relacionarem com a novidade, ou seja, resistindo ao novo, e desta forma,

impossibilitando a intermediação entre o conhecimento adquirido, prática

pedagógica e a proposta político pedagógica da escola.

Já o rumo que tem tomado as diretrizes curriculares para a área de

educação física demonstra um grande avanço. Isso foi muito interessante

porque se percebe no contexto escolar um desconhecimento da historicidade e

da relevância deste documento registrado em âmbito estadual.

Faz-se necessário destacar que desde a realização do I Seminário

Estadual das diretrizes curriculares para o ensino fundamental no mês de maio

de 2004 na cidade de Curitiba – PR, envolvendo assessores pedagógicos do

ensino superior, equipe técnico – pedagógica de educação física do

departamento de Educação física da SEED/DEF e professores da rede

estadual de ensino, muitas discussões têm sido desenvolvidas na forma de

encontros de assessoria, encontros descentralizados e reuniões técnicas.

Considera-se que o conteúdo do xadrez vem sendo construído durante

décadas, razão pela qual o pressuposto acima mencionado intenciona

fortalecer as discussões de pesquisadores, estudiosos e teóricos acerca do

conteúdo do xadrez no contexto escolar, na forma de diálogo com outras

disciplinas, conforme reza as Diretrizes Curriculares de Educação Física de

2008.

Existem várias correntes entre os enxadristas que estudam as origens

do xadrez. Muitas dúvidas ainda não foram esclarecidas sobre a sua trajetória

e evolução no mundo antigo.

Os pesquisadores do xadrez acreditam que somente com novas provas

científicas pode – se chegar à conclusão definitiva sobre a origem deste jogo

milenar.

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Uma comprovação científica dessa natureza não mudará o

entendimento do jogo que na atualidade tem o status de esporte, mas a

averiguação e os registros podem contribuir neste percurso e possivelmente

corroborar para futuras mudanças.

A transcendência ao senso comum e a desmistificação de formas

enraizadas de entendimento, sobre o que seja a prática pedagógica, estão

presentes no ato de assumir a pesquisa no fazer cotidiano do professor, não

como um pesquisador profissional, mas se utilizando do ato investigativo.

Portanto, o professor ao ampliar sua visão acerca do xadrez, contribui

significativamente nos impactos gerados na aprendizagem dos alunos e na

relação entre professor aluno e, possivelmente, no fortalecimento da base de

entendimento do jogo como um elemento da cultura mundial.

Portanto, a partir da utilização do xadrez enquanto conteúdo escolar, a

sua relação intrínseca com a prática pedagógica especificamente no exercício

de co-laboração incide entre professor - aluno; aluno - aluno; professor -

professor; professor - comunidade e comunidade - escola. Além do que implica

no reconhecimento do conhecimento sistematizado como uma oportunidade

para reelaborar idéias e práticas que ampliem a compreensão do aluno

apreendente acerca dos saberes produzidos pela humanidade e suas

implicações com a materialidade humana.

3 A relação teoria – prática : indagações acerca do conteúdo do xadrez

escolar

Neste segmento do estudo, a intenção é problematizar a relação teoria –

prática incidente no exercício pedagógico, bem como a utilização do conteúdo

do xadrez no contexto escolar e o seu aporte teórico-metodológico que

contribui para a formação humana e, portanto, em prol da historicidade dos

sujeitos.

A ênfase neste estudo se faz a partir de um acordo conciso entre a

relação teoria e prática, que implica diretamente no pensamente científico, e

que vem sendo assumido e classificado no contexto escolar como negativo ou

positivo.

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Para Rays (2000), no campo educacional na atualidade incide duas

formas de se pensar a relação teoria e prática: a forma negativa e a forma

positiva. Este autor identifica como negativa, a teoria submetendo-se à prática,

ou seja, as características de uma não teoria. O oposto nesta discussão

consiste na prática submetendo-se à teoria e assumindo característica de uma

não prática. Desta forma, ambas não se complementam.

Entende-se que o teor positivo nesta relação constitui-se em

reciprocidade entre sujeito e objeto. Nesse entendimento, a evolução da teoria

corresponde à evolução da prática e que, conseqüentemente, ocorre sempre

ligada à evolução da teoria, tornando-se dinâmica e continuamente

transformadora: teoria - prática - teoria.

Dentre os escritores citados, alguns discutem o conteúdo do xadrez,

com base em suas experiências. Isto permite trazer para a discussão o

proceder do professor no exercício cotidiano de trabalho.

O posicionamento teórico e metodológico de alguns atletas profissionais,

denominados enxadristas, que participam de competições oficiais está

influenciando o pensamento educacional. Eles defendem o desenvolvimento de

técnicas enxadrísticas eficazes para jogar bem.

Para Rays (2000), o pensamento educacional na atualidade divide-se

em dois pólos: o pólo simbólico e o pólo concreto. Ambos tratam da

contradição posta no proceder cotidiano do professor, envolvida pelos

posicionamentos assumidos diante de suas práticas pedagógicas, a saber:

1 - O pólo simbólico que se processa de forma acrítica e determinada; a crença

de que as circunstâncias histórico-sociais são alheias e estranhas à escola,

aportando a prática pedagógica real, ou seja, distanciando o saber cotidiano do

saber escolar e vice-versa.

2 - O pólo concreto promove a conexão teoria – prática de forma a permitir por

meio da prática pedagógica uma aproximação entre condições objetivas e

subjetivas das circunstâncias histórico-sociais dos sujeitos e que aproximam o

saber escolar do saber cotidiano.

Entende-se o cotidiano de uma categoria objetiva por somar ao saber de

uma época que se transforma em patrimônio de um só sujeito. Portanto, o que

se procurou neste estudo foi tratar de um determinado número de saberes

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cotidianos como o uso da linguagem, dos usos particulares de representações

coletivas, do uso de meios ordinários, alguns elementos absorvidos com a

soma de conhecimentos que os sujeitos interiorizam para existir humanamente

em seu ambiente de inserção.

Os enxadristas com um domínio insuperável da técnica do jogo buscam

associações lógico-matemáticas para desenvolverem a técnica das jogadas. A

base destes métodos sempre se faz em particularizar as técnicas do jogo em

aplicações em jogadas específicas, como se diz tecnicamente, buscando

aplicar em jogos pré-enxadrísticos. A utilização destes jogos é essencial para o

entendimento do jogo.

As diferenças que surgem, baseiam-se no fato de ensinar as jogadas a

partir do final do jogo: método holandês, ou ainda de se inicia a partir do

conhecimento de todas as peças e movimentos e finalmente partir para o

entendimento do jogo: o método tradicional.

Tanto no método holandês, em que após o conhecimento das peças do

rei e da dama o aluno passa para a noção do xeque-mate, ou seja, da parte

final do jogo, como no método tradicional em que o aluno após conhecer o

tabuleiro e todas as peças do jogo inicia na fase da abertura, ou seja, do início

do jogo, as técnicas são percebidas.

As dificuldades que surgem para o professor a partir das técnicas acima

mencionadas estão relacionadas às atividades propostas em aula. Trata-se do

entendimento que o aluno tem do jogo; as técnicas são propostas pelos

enxadristas, que partem do princípio de que o aluno as domina, que sabe o que

é o jogo de xadrez.

Estes métodos surgem para serem tratados em ambientes propícios ao

ato de jogar xadrez em pequenos grupos, ou ainda, ao autodidatismo, em que

o aluno de posse de livros especializados apreenda individualmente a técnica

no sistema passo a passo.

Partindo da realidade da escola pesquisada, percebe-se que no primeiro

caso alguns alunos já estão familiarizados com o jogo de alguma maneira, já

estão convencidos que querem saber mais sobre o jogo. Na disciplina de

educação física, a maioria dos alunos acredita que vai ter uma aula em que o

movimento corporal está presente e que esta aula acontecerá bem longe do

ambiente fechado da sala de aula.

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Primeiramente, torna-se necessária a conscientização de que não se

pode estabelecer uma ruptura entre conhecimento (teoria) e a ação (prática). O

que se busca é a unidade entre teoria e prática, uma vez que a teoria funciona

como um fio condutor para a prática.

Para a maioria dos alunos da escola pesquisada, o xadrez ocorre como

teoria (conhecimento) onde o movimento corporal – a prática (ação) é

descartada. Para eles, o jogo de xadrez é uma atividade em que o ato e o

esforço do pensamento os distanciam da mobilidade corporal, e, portanto, a

motivação para o aprendizado sofre diretamente a influência do pensamento

racionalista, implicando dificuldades de conexão entre a teoria e a prática.

Para Rays (2000, p. 36), ao tratar da motivação incidente na relação

teoria e prática, afirma:

É a atividade teórico – prática do homem que motiva e promove, criticamente, transformações na realidade objetiva e no próprio homem.Nesse sentido, pode-se afirmar que é a atividade (o conhecimento teórico – prático do homem) que assegura ao ser humano as condições sócioculturais e as bases materiais de sua própria existência. Desse modo, a teoria – conhecimento – é um momento da prática – ação, assim como a prática é um momento da teoria e do próprio pensar.

Em algumas escolas da rede estadual existem locais apropriados para

se ensinar o xadrez.São ambientes em que a simples disposição das mesas e

do material de ensino propiciam exercícios didáticos capazes de aproximar os

sujeitos do ato pedagógico: professores e alunos.

Compreende-se que a superação da dualidade entre teoria e prática

parte da elucidação do equívoco político-pedagógico presente em boa parte

dos cursos de formação de professores, que enaltecem a necessidade de

conhecer para depois fazer e ou fazer para depois conhecer.

O conhecer e o fazer no pensamento pedagógico crítico abrangem o

processo educativo em sua totalidade, incidindo em métodos de trabalho que

priorizam a inter-relação do cotidiano escolar com o contexto social e intervêm

por meio de propostas pedagógicas alternativas na vida real dos sujeitos,

partindo da perspectiva marxista denominada práxis.

Para Marx (2007, p. 100), criticando Feuerbach, Bruno Bauer e Max

Stirner, “a consciência de mudança das circunstâncias e da atividade humana

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ou automudança só pode ser considerada e compreendida racionalmente como

praxis revolucionária”.

Por outro lado, no entendimento de Vazquez (2007), a práxis consiste na

teoria pedagógica gerada no exercício prático do convívio social. Teoria

constrói-se na prática social e, à medida que esta se faz, modifica-se ou

adensa-se a primeira. Teoria pedagógica esta gerada da prática social e

valorizada pela escola de forma geral, construída no coletivo, que evidencia a

necessidade constante da construção teórica. Trata-se de um processo teórico-

prático-teórico que já tem frutos e indícios de que o movimento práxico

continua.

A atividade humana consciente não ocorre no vazio, ocorre na

complexidade da vida humana, que se caracteriza como uma prática simbólica.

Constitui-se no complexo da sociedade de forma concreta e traduz a

historicidade dos sujeitos que não se encontram estáticos e/ ou os mecânicos.

3.1 A voz dos sujeitos da escola: o ensino do xadrez, possibilidades e

contradições.

O trabalho consciente sobre a realidade humanizada busca a verdade

das coisas na realidade concreta. Sendo assim, esta facção do estudo traz

alguns elementos identificados durante o período de observação e trazidos por

meio das falas dos professores participantes de reuniões e cursos de

capacitação.

Conforme já se mencionou, neste texto, o pressuposto de que os

professores pertencentes à rede estadual de ensino do Paraná refletem suas

práticas pedagógicas, permite o reconhecimento de que se deparam

cotidianamente com a complexidade que reside na relação teoria e prática.

A problemática maior está centrada no ensino do conteúdo do xadrez

escolar, e como diz o termo ‘escolar’, faz parte do universo de alunos e

professores durante o percurso da escolarização.

Este conteúdo tem sido influenciado por metodologias inculcadas nas

práticas pedagógicas, particularmente dos professores de educação física que

vêm sofrendo com a contradição entre a possibilidade de ensinar através de

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técnicas disseminadas por alguns enxadristas ou voltar-se para o exercício

pedagógico crítico.

O posicionamento de alguns professores de educação física é

identificado como contrário à mercantilização do conteúdo do xadrez. Os

professores têm buscado neste conteúdo uma possibilidade transformadora e

valorizadora de suas práticas pedagógicas, ou seja, refletir sobre elas.

Com a massificação do ensino do xadrez e a elitização do conteúdo,

acentua a crença de que os professores não conseguem ter domínio técnico e

satisfatório para atingir o patamar de um atleta profissional.

Embora não seja esta a idéia central deste estudo, vale lembrar que a

diferenciação entre o professor e o enxadrista se faz a partir da discussão que

trata da formação dos professores. Já que estes professores adquirem

conhecimentos inerentes ao exercício docente e, conseqüentemente,

desenvolvem o reconhecimento da realidade que norteia o universo da escola

pública em âmbito nacional, ou seja, turmas que comportam em média 30 a 40

alunos, envoltas por complexas relações sócio - econômicas, dentre outros

aspectos.

Reconhecer e planejar os conteúdos pertinentes a cada série, para os

professores torna-se uma preocupação e um compromisso. Alguns enxadristas

não detêm esta outra face da escola, em que o desenvolvimento humano se

faz em várias frentes. Quer dizer que através da organização seriada vários

conteúdos são ensinados ao mesmo tempo, de unidade em unidade e

desenvolvidos em conformidade com cada uma das perspectivas consideradas

pelo corpo docente, preconizando a formação humana.

No conteúdo da disciplina de história contido nos estudos sobre mundo

antigo e suas civilizações, encontram–se as raízes do xadrez antigo, seja na

Pérsia, no Egito, na Grécia, na Índia, na China.

Na disciplina de Geografia, conteúdos como o Caminho das Especiarias,

a Rota da Seda, por exemplo, encontram-se os subsídios para tratar o tempo e

suas máquinas, tais como os relógios de areia (ampulheta) e os pontos

cardeais, que orientam o ensino da movimentação das peças e o uso do

relógio para determinar o tempo.

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Na disciplina de artes, localizam – se as técnicas das artes plásticas

para criar jogos e peças: no teatro, o jogo da mímese e da interpretação dos

personagens que compõem o jogo, a exemplo do xadrez humano.

Em matemática, é possível apreender conceitos de espaço e a sua

aplicabilidade correlacionada às técnicas de estratégia de jogo, sendo possível

também aprender as técnicas e o reconhecimento do tabuleiro.

Considera-se que o ensino do xadrez escolar está para a prática

educativa como mais um elemento de ligação, contribuindo para com a

motivação do aluno, bem como o entendimento dele quanto ao processo de

ensino e sua relação entre o passado e a realidade. A utilidade do xadrez

constitui-se mais pelo fazer do que pelo aprimoramento técnico. Sua utilização

na escola só será incorporada se for desenvolvida por profissionais engajados

na equipe da escola, conscientes da sua função enquanto educadores, sem a

intenção de criar no aluno expectativas e ansiedades.

3.2 A metodologia do ensino de xadrez: aspectos identificados

A dificuldade encontrada na aplicação do conteúdo de xadrez na

prática educativa identifica – se na contradição da vertente racionalista. Esta,

por sua vez, tem inculcado no pensamento escolar que jogar xadrez não

consiste em uma atividade que envolve deslocamento do corpo no espaço,

portanto, não faz parte da disciplina de educação física.

Para os alunos, a educação física está restrita ao ambiente externo da

sala de aula, quadra, pátio e outros. O xadrez por tratar – se de uma atividade

que envolve outros elementos, menos restritos à coordenação motora geral,

implica aspectos cognitivos mais específicos da coordenação motora fina o que

propicia certa resistência por parte dos alunos.

Logo após inúmeras negociações de horários, os alunos acordaram

em se dedicar ao ensino do xadrez apenas utilizando um quarto das aulas de

educação física, ou seja, o restante do tempo consistiu em atividades

tradicionais da prática da educação física, como a ginástica, outros jogos e

esportes com bolas.

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A receptividade, apoio e incentivo para a aplicação do projeto por parte

da direção, equipe pedagógica, funcionários e pais, somaram-se positivamente

para a conclusão e efetividade deste estudo.

As metodologias do xadrez utilizadas foram compostas das seguintes

atividades: ensino do xadrez básico, não somente o ensino de técnicas

enxadristas, mas, principalmente; estudos de história; geografia e artes entre

outros. Os conteúdos tratados obedeceram às séries trabalhadas, segundo

sugestão das Diretrizes Curriculares, e conforme o planejamento dos

professores da referida série da escola, ou seja, uma contribuição da cultura

enxadrística.

A diferenciação na aplicação das metodologias do ensino do xadrez

exigiu adaptações. As metodologias tradicionais preconizam desenvolver

estudos, trabalho em pequenos grupos. Mas com turmas de trinta e cinco

alunos, não seria possível desenvolver atividades sem adaptação diferente,

porém satisfatória, daí formar grupos com tempo maior. Além dessa

dificuldade, esses alunos traziam em seu percurso escolar e de vida, pouco ou

nenhum conhecimento do jogo.

Por meio de adaptações, averiguou-se que os alunos começaram a

reconhecer o jogo, ou seja, para eles o xadrez tinha significado, pois se tratava

de uma ferramenta que complementava os seus estudos.

De maneira articulada, a aprendizagem destes alunos aconteceu de

forma significativa, pois incluiu outras disciplinas. Conforme a fala dos

professores, houve maior interesse por parte dos discentes. Sendo assim, o

conteúdo do xadrez agiu como um complemento.

A motivação inicial para o ensino do conteúdo de xadrez foi

desenvolvida por meio da história do jogo, ou seja, o diálogo com outras

disciplinas que comportam o currículo oficial da escola pesquisada.

A seguir, alguns aspectos encontrados neste estudo foram

enumerados na forma de resultados:

1) Dizer aos educandos que o jogo é tradicional e que foi estudado por

inúmeras culturas, desde a antiguidade. Ao apoderarem-se deste

conhecimento nas aulas de história, podiam vivenciar a história do

mundo no tabuleiro de xadrez.

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2) A forma em que as peças se movem propicia na prática o conhecimento

da disciplina de geografia, dos pontos cardeais, e outros.

3) Ao jogarem xadrez com a utilização de relógios, ampulheta ou relógio

mecânico, os discentes vivenciam a marcação do tempo. Também são

incentivados pela superação e por meio do autocontrole, além de lidar

com suas emoções. Tudo isso é característico de situações e atividades

que envolvem horários para o seu cumprimento.

4) Por meio de leituras de histórias, os alunos socializaram seus

conhecimentos e colocaram a sua criatividade em prática. Com a

construção de histórias em quadrinhos, foi possível entenderem a

significação do texto, o que propiciou incentivo a leitura.

5) A construção de um tabuleiro de jogo de peças com os movimentos

gravados nas peças permitiu que cada aluno tivesse posse de um jogo

completo para utilizar em casa. Assim aumentou o tempo de estudo,

porém, numa perspectiva de lazer em que poderiam envolver o seu

núcleo familiar e de amigos. Esta atividade adiantou o trabalho em sala,

como contribuiu para acelerar o aprendizado e memorização do

movimento das peças, bem como o início do desenvolvimento do jogo.

6) Na medida em que jogam, utilizam – se de cálculo, pois ao executarem

os lances do xadrez necessitam de abstração e de memória. Cada lance

pode ser revisto ou repetido e necessita de uma nova solução para

atingir um objetivo específico.

7) As Leis do Xadrez trazem implicações morais, contribuindo para a

melhora da disciplina em sala de aula, quando é necessário aprender a

ouvir par depois falar, aprender a assumir e arcar com suas decisões

sejam de erro ou acerto. Estes são de um significado especial para os

professores, no tocante à defesa do jogo do xadrez na escola.

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8) Na utilização da Informática, destaca - se a busca por alguns alunos em

continuar a conhecer mais o xadrez, através da indicação do site Xadrez

Livre de UFPR/CEX. O acesso foi feito de maneira facilitada, ou seja, os

alunos de suas casas buscavam dicas para melhorarem sua técnica e

assim o seu desempenho em sala. A modalidade selecionada durante o

exercício pedagógico foi ‘em sala’ denominada ‘xadrez relâmpago’, a

mesma modalidade usada na internet, sendo que esta guarda em média

dois minutos e em sala pode – se usufruir até cinco minutos para

reflexão.

A proposta das Diretrizes Curriculares de educação física (2008)

compromete-se com a formação de alunos críticos. Entende - se que a

formação humana não está restrita aos muros da escola, pois, pequenas

atitudes podem somar – se a hábitos cotidianos do estudante, não eximindo

este proceder de esforço e de atividades lúdicas e prazerosas.

Não se trata de uma defesa apaixonante pelo ensino de xadrez, mas

fruto de uma observação atenta e criteriosa, como por exemplo, que a

estratégia do jogo foi bastante útil para o entendimento do desenvolvimento de

outras modalidades desportivas desenvolvidas paralelamente ao conteúdo do

jogo de xadrez.

Neste período de aplicação do conteúdo do xadrez, incidiram inúmeras

contribuições, a exemplo do filme ‘O xadrez das cores’, da coleção de Curtas

da Escola, da Petrobrás (2008), que serviu de suporte para outra atividade

desenvolvida no decorrer do ano. Buscou – se com esta atividade melhorar o

entendimento do regulamento da escola, passando pela pesquisa e estudo da

Declaração dos Direitos Humanos (1999) e do Estatuto da Criança e do

Adolescente – ECA (1990).

Neste estudo, observa-se o respeito às fases do desenvolvimento do

aprendizado humano, as quais permitem o entendimento sobre o conteúdo do

xadrez, ou de qualquer outro assunto. Esses saberes e conhecimentos são

crescentes na medida em que se estabelecem relações que passam a ser

significativas para a vida do sujeito apreendente e não simplesmente mais um

conhecimento isolado adquirido.

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Considerações Finais

Diante do exposto, os resultados de modo geral evidenciados neste

estudo tratam da relação teoria – prática. No âmbito da prática pedagógica, o

conteúdo do xadrez comporta os seguintes elementos a partir de observação:

Motivação; avanços no aprendizado escolar; diálogo com outras disciplinas;

fortalecimento de valores socialmente instituídos; avanços nos estudos

enxadrísticos; utilização das novas tecnologias; conhecimento de inúmeros

aplicativos do jogo e sites de xadrez na WEB; proximidade com o computador

gradativamente disponibilizado nos laboratórios de informática das escolas

estaduais.

Mais do que a técnica do jogo, torna-se necessário o reconhecimento do

conteúdo do xadrez, como uma ferramenta de apoio à prática pedagógica, aos

professores de educação física. Com isso, sabe-se que por meio do diálogo

com outras disciplinas, torna-se possível a aplicação deste conteúdo, desde

que em conformidade com o debate proposto no campo da educação: a

formação humana é um caminho possível em prol da emancipação social por

meio da criticidade.

A contribuição do projeto desenvolvido em sala de aula buscou introduzir

a prática do xadrez relâmpago e do xadrez rápido (de até 30 minutos de

reflexão) para alunos que estão iniciando a segunda fase do ensino

fundamental. Acredita-se que além de proporcionar uma fonte de lazer, seja da

prática do xadrez ou do xadrez virtual, esta prática pedagógica amplia a cultura

enxadrística, dando ao aluno um novo significado ao jogo, agregando-lhe

novos valores, e assim, contribuir para uma reflexão quanto às condutas tanto

do aluno, como do docente referente ao cotidiano e ambiente escolar em que

atuam.

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