relação da doutrina de segurança nacional com os conflitos de classe

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Relação da Doutrina de Segurança Nacional com os conflitos de classe Perspectivas sobre o processo político da ditadura no Brasil Inicialmente, é importante diferenciar dois termos utilizados para caracterizar o período de 1964 no Brasil: ditadura militar e ditadura civil-militar. O primeiro é comum ver como uma ditadura dos militares, classificando-os como se fossem um grupo apartado que assume e exerce o poder no Estado. Os militares, porém, compõem um setor da sociedade, uma corporação, que começa a exceder suas funções profissionais transpassando para o poder político suas normas internas. O modelo hierárquico de governo e a rígida disciplina passa a refletir na própria sociedade, sendo as escolas um dos principais expoentes desse padrão durante a ditadura. O segundo termo é defendido por diversos intelectuais que analisam esse período histórico pela perspectiva de esquerda. Daniel Aarão Reis, historiador brasileiro, afirma que o termo “civil-militar” seja mais pertinente pois é notável a participação de camadas da sociedade e apoio de grandes empresários – ou técnicos- empresários como define René Armand Dreifuss 1 – na implantação do regime. Nelson Werneck, militar e historiador, aponta que a tomada do poder pelas forças armadas não foi revolucionária, já que manteve as velhas estruturas que controlavam o país na época colonial, ou seja, a burguesia e o latifundiário. 2 Sendo assim, até o próprio nome “golpe militar” é questionável, devido ao fato de que “golpe” implicaria em um pequeno grupo suplantando o velho governo, e na verdade, o que ocorreu no caso brasileiro foi uma articulação entre as forças armadas e os interesses de uma determinada elite trabalhando para obter o consenso da sociedade civil. Dreifuss, considerado um dos propulsores do termo “civil-militar” por meio da obra “1964: A conquista do poder do Estado”, ainda argumenta como as classes capitalistas se unificaram sob a bandeira das forças armadas. Houve o desenvolvimento por parte desses capitalistas de táticas e estratégias que “objetivavam conter as forças populares, desagregar o bloco histórico-populistae levar os interesses multinacionais e associados ao governo público através de um golpe de Estado civil-militar” 3 . 1 DREIFUSS, René Armand. 1964: a conquista do Estado – ação política, poder e golpe de classe. Rio de Janeiro: Petrópolis, 1981. 2 BUONICORE, Augusto. Da ditadura militar brasileira – 1ª parte. http://www.vermelho.org.br/coluna.php?id_coluna_texto=5785&id_coluna=10. Acessado em: 5 de junho de 2015. 3 DREIFUSS, René Armand. 1964: a conquista do Estado – ação política, poder e golpe de classe. Rio de Janeiro: Petrópolis, 1981. Pag. 229

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Relação Da Doutrina de Segurança Nacional Com Os Conflitos de Classe

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  • Relao da Doutrina de Segurana Nacional com os conflitos de classe

    Perspectivas sobre o processo poltico da ditadura no Brasil

    Inicialmente, importante diferenciar dois termos utilizados para caracterizar o

    perodo de 1964 no Brasil: ditadura militar e ditadura civil-militar. O primeiro comum

    ver como uma ditadura dos militares, classificando-os como se fossem um grupo

    apartado que assume e exerce o poder no Estado. Os militares, porm, compem um

    setor da sociedade, uma corporao, que comea a exceder suas funes profissionais

    transpassando para o poder poltico suas normas internas. O modelo hierrquico de

    governo e a rgida disciplina passa a refletir na prpria sociedade, sendo as escolas um

    dos principais expoentes desse padro durante a ditadura.

    O segundo termo defendido por diversos intelectuais que analisam esse

    perodo histrico pela perspectiva de esquerda. Daniel Aaro Reis, historiador

    brasileiro, afirma que o termo civil-militar seja mais pertinente pois notvel a

    participao de camadas da sociedade e apoio de grandes empresrios ou tcnicos-

    empresrios como define Ren Armand Dreifuss1 na implantao do regime. Nelson

    Werneck, militar e historiador, aponta que a tomada do poder pelas foras armadas

    no foi revolucionria, j que manteve as velhas estruturas que controlavam o pas na

    poca colonial, ou seja, a burguesia e o latifundirio.2 Sendo assim, at o prprio nome

    golpe militar questionvel, devido ao fato de que golpe implicaria em um

    pequeno grupo suplantando o velho governo, e na verdade, o que ocorreu no caso

    brasileiro foi uma articulao entre as foras armadas e os interesses de uma

    determinada elite trabalhando para obter o consenso da sociedade civil.

    Dreifuss, considerado um dos propulsores do termo civil-militar por meio da

    obra 1964: A conquista do poder do Estado, ainda argumenta como as classes

    capitalistas se unificaram sob a bandeira das foras armadas. Houve o

    desenvolvimento por parte desses capitalistas de tticas e estratgias que

    objetivavam conter as foras populares, desagregar o bloco histrico-populista e levar

    os interesses multinacionais e associados ao governo pblico atravs de um golpe de

    Estado civil-militar3.

    1 DREIFUSS, Ren Armand. 1964: a conquista do Estado ao poltica, poder e golpe de classe. Rio de Janeiro: Petrpolis, 1981. 2 BUONICORE, Augusto. Da ditadura militar brasileira 1 parte. http://www.vermelho.org.br/coluna.php?id_coluna_texto=5785&id_coluna=10. Acessado em: 5 de junho de 2015. 3 DREIFUSS, Ren Armand. 1964: a conquista do Estado ao poltica, poder e golpe de classe. Rio de Janeiro: Petrpolis, 1981. Pag. 229

  • A luta de classes: proletrios e sindicatos

    A combinao entre a produo de monocultura do caf para exportao e a

    subordinao ao capital financeiro ingls resultou nas primeiras indstrias brasileiras

    por volta do sculo XIX, e consequentemente no surgimento da classe operria. As

    organizaes de associaes e sindicais surgem logo depois, tendo primeiramente um

    carter assistencialista para depois se consolidar, a partir de 1900, em uma srie de

    sindicatos abrangendo diversas reas profissionais. Nesse perodo j havia at sido

    promulgado na constituio a liberdade de associao em 24 de fevereiro de 1891. O

    segundo passo dessa nova classe, foi iniciar movimentos de protestos, principalmente

    na forma de greves, reivindicando melhoria salarial e reduo da jornada de trabalho.

    Esse perodo de greves culminou entre os anos de 1903 a 1909 (perodo que foi criado

    a COB, Confederao Operria Brasileira), e depois, com mais fora, em 1917 a 1920

    devido os efeitos da primeira Guerra Mundial e da Revoluo Russa.

    A parti do final da primeira grande guerra, o crescimento do capitalismo no

    Brasil vai tornando as lutas de classes mais explcitas, e as reivindicaes passam a ter

    um carter poltico abandonando aos poucos os ideais anarquistas para aderir as

    influncias comunistas que a Rssia propagava pelo mundo principalmente com a

    criao do PCB (Partido Comunista do Brasil) em 1922. Entretanto, a classe operria

    ainda no tinha centralidade e fora suficiente na luta poltica no pas, sendo quase

    abafada quando Vargas sobe ao poder em 1930 e comea a institucionalizar os

    sindicatos por meio da Lei de sindicalizao de 1931. A lei imps diversas condies

    para a criao e funcionamento de sindicatos, envolvendo at a necessidade de ser

    reconhecido pelo Ministrio do Trabalho que tambm tinha sido criado por Vargas. H

    uma tentativa de dissociar a ideia de sindicato como luta de classes para um rgo de

    colaborao e cooperao com o Estado, vetando dessa forma a disseminao de

    ideologias provindas da classe proletria. Em resposta a essas mudanas, a maioria dos

    sindicatos j existentes no aderiram as normas oficiais, promovendo uma grande

    movimentao no Rio de Janeiro e So Paulo em 1934 para reunir todos aqueles que

    estavam contra as imposies estatais. Vargas a parti desse momento comea a tomar

    uma srie de medidas para conter a crescente adeso das massas trabalhadoras nos

    sindicatos no oficiais: probe o direito a greve e torna o PCB e a Aliana Nacional

    Libertadora como ilegais, obrigando-os a agir na clandestinidade.

    A luta sindicalista s retoma em grandes dimenses nos ltimos anos do

    governo de Getlio Vargas com ocorrncia de vrias greves, principalmente em So

    Paulo, e com o aparecimento e engajamento das ligas camponesas formado pelo PCB

    em 1945 na luta de cunho revolucionrio em prol da reforma agrria e melhorias nas

    condies de vida no campo. Este ltimo, resultou no choque entre posseiros e

    latifundirios (grileiros) na regio norte do estado de Gois, tendo os camponeses

    como vitoriosos na chamada Revolta de Trombas e Formoso nos anos de 1950 a 57.

  • O perodo que segue logo em seguida: a ditadura civil-militar, transforma os

    sindicatos, as ligas camponesas, o partido comunista e a luta revolucionria seu maior

    alvo de represso. Em 1964 a lei anti-greve decretada e iniciado a perseguio e

    ato de censura de tudo e todos que se apresentava contra o novo governo. Muitos

    camponeses do caso da Revolta de Trombas e Formoso foram perseguidos e

    torturados, inclusive o campons Jos Porfrio, eleito deputado estadual da regio,

    acabou desaparecido. Porm, mesmo com a proibio, as greves continuaram

    acontecendo pelo pas com menor intensidade, tendo seu pice no final da dcada de

    70 na Volkswagem no interior de So Paulo, na rea da construo civil e com

    professores estaduais em Minas Gerais. Os sindicatos apenas conseguem retomar sua

    autonomia de funcionamento e conquistar novos direitos em 1988, j com o fim

    ditadura no Brasil. Ainda assim, se encontram subjugados a certos interesses de Estado

    e aparelhados a interesses patronais e alheios a ideologias proletrias.

    Doutrina de Segurana Nacional

    O contexto histrico que surge a Doutrina de Segurana Nacional o de ps-

    segunda guerra mundial, e de acordo com Joseph Comblin4, ela se desenvolve sob trs

    pilares: a guerra fria, a guerra revolucionria e a guerra generalizada. Logo aps o

    trmino da segunda guerra mundial, a disputa entre socialismo e capitalismo (EUA e

    URSS) comea a permear pelo mundo por meio da corrida por zonas de influncias,

    sendo estas uma das principais razes da ecloso de mltiplos golpes militares pela

    Amrica Latina. No Brasil, muitos oficiais tinham ido estudar nas escolas militares

    norte-americanas, e ao voltarem para o pas no incio da Guerra Fria, a ideologia da

    doutrina de segurana nacional que carregavam adentrou nas aes das foras

    armadas brasileiras juntamente com financiamento estadunidense , tendo como

    principal consequncia a implantao da ditadura civil-militar em 1964. Por esta razo,

    a Guerra Fria se torna a oportunidade dos EUA propagar o ideal de um inimigo em

    comum: os comunistas; sendo necessrio as Amricas adotarem medidas de segurana

    nacional que impedisse os inimigos de penetrar geopoliticamente e ideologicamente

    como ocorreu em Cuba.

    O conceito de guerra generalizada do manual de estratgia da principal escola

    militar nos EUA, a National War College, afirma que a guerra generalizada o conflito

    armado entre grandes potncias, na qual os recursos totais dos beligerantes so

    postos em ao, e na qual a sobrevivncia de uma delas representa um perigo. Ou

    seja, o conceito descrito se refere a bipolaridade entre Estados Unidos e Unio

    Sovitica, onde caso as duas potncias se enfrentassem em uma guerra

    representariam um perigo a nvel global. Comblin ento, coloca esse conceito como

    4 COMBLIN, Pe. Joseph. A ideologia de segurana nacional O poder militar na Amrica Latina. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1978.

  • um dos pilares da doutrina por ele se apresentar como algo apocalptico gerando dois

    sentimentos ambguos: o medo da guerra, e a necessidade de se proteger.

    Nesse sentido, os dois pilares citados culminam no terceiro e ltimo pilar: a

    guerra revolucionria, direcionada no ao inimigo externo criado pelos EUA, mas sim

    ao inimigo interno que j se encontrava em solo americano. Portanto, os estrategistas

    da doutrina de segurana nacional passaram a identificar os movimentos promovidos

    pelos sindicatos e pelas guerrilhas mais pronunciadamente no Brasil, Chile e

    Argentina , e utilizaram tanto de meios legais (decreto de leis, instituies e

    propagandas), quanto de meios ilegais (como a censura, tortura e exlios forados)

    para reprimir qualquer possibilidade de adeso popular aos grupos de tendncias

    comunistas.

    A Guerrilha do Araguaia foi um desses grupos perseguidos durante o regime.

    Criada no final da dcada de 60 pelo partido comunista e inspirada pela Revoluo

    Cultural na China, a guerrilha comeou a se organizar no sul do estado do Par com um

    carter rural utilizando da estratgia de guerra prolongada. No entanto, aps dois anos

    de batalha e cada vez mais sem apoio popular da regio, a guerrilha foi derrotada e

    muitos de seus membros foram torturados, assassinados e exilados para fora do pas.

    Esse foi o perodo considerado mais duro da ditadura e o que mais refletiu a doutrina

    de segurana nacional. Os anos aps a implementao do ato institucional n5,

    conhecido como AI-5 de 1968, viu diversos casos como o da Guerrilha do Araguaia. A

    suspenso das garantias individuais, o poder ilimitado assumido pelo regime e falta de

    meios para reivindicar os males sociais que o povo vivia, a reproduo fiel de uma

    ideologia vinda de cima, dos interesses de uma minoria que saiu beneficiada com as

    prticas econmicas desenvolvidas pela ditadura que no se refletia em melhoras para

    a massa popular, rural e trabalhadora.

    Bibliografia

    DREIFUSS, Ren Armand. 1964: a conquista do Estado ao poltica, poder e golpe de classe. Rio de Janeiro: Petrpolis, 1981.

    BUONICORE, Augusto. Da ditadura militar brasileira 1 parte. http://www.vermelho.org.br/coluna.php?id_coluna_texto=5785&id_coluna=10. Acessado em: 5 de junho de 2015. COMBLIN, Pe. Joseph. A ideologia de segurana nacional O poder militar na Amrica Latina. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1978.