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SOBRE ALGUMAS VISÕES DA CLASSE TRABALHADORA NA SOCIOLOGIA E
NA HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA.
Hugo Damasceno de Araújo.1
Resumo.
O presente trabalho visa discutir algumas concepções construídas sobre a participação política
da classe trabalhadora por pesquisadores nos âmbitos da historiografia e da sociologia, através
da leitura de alguns dos mais influentes estudos sobre trabalho no Brasil contemporâneo.
Autores como Francisco Weffort, Ângela de Castro Gomes, Jorge Ferreira e Marcelo Badaró
Mattos são visitados e revelam diferentes e conflitantes visões sobre a relação entre a classe
trabalhadora e a política. O artigo explora os conflitos entre as diferentes concepções e as suas
conseqüências para os estudos sobre esta temática. O problema que se coloca para esses
estudiosos é o da ascensão da classe trabalhadora ao posto de ator significativo no cenário
político brasileiro, desencadeando interpretações que, para alguns desses intelectuais,
implicam na adoção quase inquestionável do conceito de cidadania.
Palavras-chave: classe trabalhadora, historiografia, Estado, política.
1 Licenciado em História pela Universidade Estadual de Feira de Santana. Professor de História da Rede
Estadual da Bahia. Membro pesquisador do Laboratório de História e Memória da Esquerda e das Lutas Sociais
– LABELU – DCHF/UEFS. E-mail: [email protected].
Inexiste, em Gramsci, o
intelectual “sem vínculos
sociais” mesmo porque,
para ele, intelectual é,
antes de mais nada, o
homem de ação, que
organiza a vontade
coletiva do grupo ao qual
pertence ou se filia.
Sônia Regina de
Mendonça.
Introdução.
O presente trabalho resulta da leitura crítica de algumas obras construídas pela
sociologia e pela historiografia brasileiras e que abordam, de um modo geral, o problema da
constituição da classe trabalhadora como ator político significativo no cenário nacional. O
estudo visa confrontar as concepções construídas sobre a participação política da classe
trabalhadora pelos intelectuais abordados, de modo a perceber algumas das suas
conseqüências tanto para os estudos acadêmicos quanto para as lutas sociais em geral. Busca-
se criticar uma certa perspectiva responsável pela tentativa de naturalização da ordem social
capitalista e redução das lutas dos subalternos ao contexto estrito da luta pela cidadania
liberal, o que compõe o quadro mais amplo do que Maria Lúcia Neves denomina de “nova
pedagogia da hegemonia”.2
Visões da classe trabalhadora.
Na epígrafe da obra “A Invenção do Trabalhismo” a historiadora Ângela Maria de
Castro Gomes coloca um texto do jornal Echo Popular e afirma que o mesmo interpreta a luta
2 NEVES, Maria Lúcia. Direita para o social e esquerda para o capital. Intelectuais da nova pedagogia da
hegemonia no Brasil. São Paulo: Xamã, 2010.
operária na Primeira República como luta por direitos, para ser um “bom cidadão” e para que
as outras classes reconheçam o seu valor.
Admitindo-se que as lutas da classe trabalhadora perpassam pela questão da luta por
direitos e cidadania, cabe questionar os significados destas dimensões de luta, se as mesmas
ficam sempre restritas aos limites definidos pelos liberais, conservadores ou reformistas, ou se
esses limites são forçados ou até extrapolados em seus parâmetros pelas pautas e lutas dos
trabalhadores.
A autora diz se inspirar em E. P. Thompson e nos seus estudos sobre a Formação da
Classe Operária Inglesa e em W. Sewell que, segundo ela, afirma que, na França, o
desenvolvimento da consciência da classe operária esteve muito mais no ritmo da política que
no desenvolvimento das relações de produção.
Este esforço em colocar a formação da classe trabalhadora como um processo
histórico mais ligado à política do que à economia busca abrir caminho para a afirmação da
autora de que “...o processo pelo qual a classe trabalhadora se configurou como ator político
foi fruto de um projeto articulado e implementado pelo Estado, projeto este que pode ser
chamado aqui de ‘trabalhismo’ brasileiro. (GOMES, 2005, pg. 23.)
Nítido está que, para Gomes o grande sujeito a ser considerado é o “Estado” e não a
classe trabalhadora.
Contraditoriamente a autora critica os que abordam a proposta de participação política
do trabalhismo como “proposta do Estado”, o que, segundo Ângela “omite os laços profundos
que a partir da década de 1940 se construíram entre classe trabalhadora e Estado no Brasil”.
(GOMES, 2005, pg. 14)
Opondo-se a esta redução das lutas da classe trabalhadora aos limites da luta por
direitos e da cidadania liberal, Virgínia Fontes, ao referir-se às lutas dos trabalhadores no
século XX afirma que...
Tal organicidade burguesa defrontou-se ao longo de todo o século XX com duras e
intensas lutas populares que, apesar da enorme disparidade de recursos, de forças e
da repressão permanentemente exercidas sobre as organizações sindicais e populares
(MATTOS, 2003; 2004), lograria suscitar a urgência de profundas modificações no
aparato de Estado e de recomposições das entidades empresariais.3
3 FONTES, Virgínia. O Brasil e o capital-imperialismo. Pg. 222.
Desta forma, as modificações no aparato de Estado e as recomposições das entidades
empresariais também são resultado do esforço de lutas da classe trabalhadora, portanto, as
lutas dos trabalhadores extrapolaram os limites estabelecidos da cidadania liberal e da luta por
direitos.
Podemos ir além, pensando com Virgínia Fontes para criticar o argumento de Ângela
Gomes e afirmar que a ação capitaneada pelo governo Getúlio Vargas além de não ser o
responsável por trazer os trabalhadores à cena política, pode ela mesma ser pensada também
como conseqüência das lutas dos trabalhadores.
Enfim, a classe trabalhadora brasileira constitui-se para a atuação política significativa
não exclusivamente pela ação do Estado, como quer Ângela Gomes, mas pelas lutas travadas
ao longo de décadas de enfrentamento. É a própria classe que, ao constituir-se, impõe ao
Estado o desenvolvimento de novas estratégias de dominação.
Outra tese que compõe a argumentação de Ângela Gomes diz que no contexto do
assim chamado “Estado Novo”
A Lei de Segurança Nacional e o fracasso da ANL (fechada em julho de 1935
seguidos do episódio da liquidação do levante conhecido como Intentona Comunista
(novembro de 1935) tornaram a repressão implacável e a manutenção de qualquer
tipo de resistência impossível.4
Assim estaria, em princípio, tolhida toda e qualquer possibilidade de ação
independente da classe trabalhadora durante o Estado Novo. Melhor dizendo, nas palavras da
própria autora, “a repressão ao comunismo tornaria inviável qualquer tipo de ação
independente surgida do interior da classe trabalhadora”. (GOMES, 2005, pg. 177/178)
Testando esta formulação teórica generalizante de Ângela Gomes, Marcelo Badaró
Matos em Greves Sindicatos e Repressão Policial, contesta a tese da ausência de organização
autônoma da classe trabalhadora, mostrando que, no Rio de Janeiro, as greves fugiram ao
controle estatal.
Ângela Gomes apresenta o que, segundo ela, é o argumento que perpassa de forma
geral a bibliografia que trata das relações entre Estado e classe trabalhadora no Brasil,
adotando para o eixo do seu trabalho a noção de que há um pacto entre estes dois atores no
seio do Estado Novo.
4 GOMES, 2005, pg. 177.
Esta idéia de pacto entre trabalhadores e governantes em torno da proposta trabalhista
teria origem, segundo Ângela Gomes, na concessão da legislação do trabalho, que seria
recebida pela classe trabalhadora como dádiva. A tese é contestada por Marcelo Badaró com o
argumento de que foi preciso muita luta por parte dos trabalhadores, pelo menos no lócus que
a sua pesquisa privilegiou, para que esses direitos trabalhistas fossem efetivados na prática.
Para os sujeitos pesquisados por Badaró, ao invés de dádiva, a legislação trabalhista
constituiu-se como conquista.
A estratégia do Governo Vargas, portanto, não trouxe os trabalhadores à cena política
e alguns estudos já demonstram que houve mais conflito do que a noção de pacto pressupõe.
Representou sim uma tentativa de disciplinarização da classe trabalhadora que, como em
qualquer contexto de construção de domínio político de uma classe sobre a outra, sofreu a
reação dessa mesma classe trabalhadora.
Uma crítica contundente à obra de Ângela de Castro Gomes é construída pelas mãos
de Sônia Regina de Mendonça. Em artigo publicado na coletânea Lutas Sociais , Intelectuais e
Poder, a autora afirma que a visão de Estado de Gomes é “tradicional”, “acrítica”, “liberal” e
“despida de qualquer conteúdo classista”, que sua concepção de classe é “dicionarizada” e
“não marxista”, que apesar de manipular o conceito de classe trabalhadora, jamais admite o
conceito de classe dominante.
Sendo menos original do que o trabalho de Ângela Gomes e conservando os seus
pressupostos teórico-metodológicos, a obra “O imaginário trabalhista” de Jorge Ferreira toma
a cena a partir daqui. Segundo o autor o seu trabalho tem como objetivo:
Compreender as idéias, anseios, crenças e tradições políticas que, manifestadas com
vigor pelos trabalhadores, assalariados e pessoas que se definiam como “pobres” ou
“comuns”, entre fevereiro e outubro de 1945, assentaram a partir daí, uma maneira
de acreditar, se definir e se comportar politicamente no Brasil.5
Servindo a uma tentativa de reificação de uma imagem positiva de Getúlio Vargas e
do trabalhismo o trabalho de Jorge Ferreira procura dar a sua contribuição para a contestação
da força explicativa da categoria populismo assim como para a tentativa de descaracterização
das explicações calcadas no materialismo histórico e dialético.
5 FERREIRA, Jorge. Pg. 25-26.
Apoiando-se em uma certa leitura da obra do historiador inglês Edward Palmer
Thompson e no trabalho de Ângela de Castro Gomes, Jorge Ferreira coloca o queremismo
como “consciência coletiva” da classe trabalhadora no contexto de transição democrática em
1945. Indo pelo caminho contrário, Marcelo Badaró infere que as greves por solidariedade
evidenciam sentimento de pertencimento a uma classe, buscando perceber uma consciência a
partir de baixo.
Ferreira explica o sucesso posterior da estratégia do então ministro do trabalho João
Goulart junto ao movimento operário e sindical no pós 1953, pela retomada da tradição
trabalhista. “Seu inequívoco sucesso entre os trabalhadores e sindicalistas, portanto, ocorreu
porque já existia entre eles tradições que permitiram a compreensão de sua proposta”.
(FERREIRA, 2005, pg. 154)
No eixo da argumentação de Jorge Ferreira encontra-se a noção de pacto entre o que
ele chama de Estado e a classe trabalhadora, noção esta tomada de empréstimo da obra de
Ângela de Castro Gomes. Portanto, os autores e argumentos que utilizamos para
problematizar as noções centrais do trabalho daquela autora, servem aqui ao mesmo propósito
em relação ao trabalho de Jorge Ferreira.
Mesmo não sendo o foco deste trabalho cabe aqui um destaque sobre a concepção de
Estado que aparece no trabalho de Ângela de Castro Gomes e que é copiado para o estudo de
Jorge Ferreira. Contrastando com a abordagem de Virgínia Fontes onde o Estado é expressão
das contradições latentes e da correlação de forças entre as classes sociais e com o trabalho de
Sônia Regina de Mendonça onde o Estado aparece como expressão dos “conflitos que
perpassam a vida social nos seus múltiplos sentidos”, sendo impossível nas duas autoras
pensar Estado sem pensar classe dominante, nos trabalhos de Gomes e Ferreira o “Estado” ou
as faces aparentes dele, figura mesmo dicotomizado em relação aos grupos sociais
dominantes. É esta peripécia teórica que permite a Gomes e Ferreira falarem de classe social
sem abordá-la na perspectiva da luta de classes e falar de Estado sem situá-lo na perspectiva
de totalidade.
Mais profícua, apesar de anterior, é a análise de Francisco Weffort sobre o fenômeno
da ascensão do que ele mesmo denomina de “massas populares” ao cenário político no pós
1930.
A concepção de Estado adotada em seus estudos é mais condizente com a realidade do
do que aquela encontrada em Ângela de Castro Gomes e Jorge Ferreira. Os equívocos
cometidos pela autora e pelo autor não são encontrados no texto de Weffort,- que, inclusive é
anterior - quando em “O populismo na política brasileira”, destaca a ilusão de ótica provocada
por aquele tipo de contexto histórico, referindo-se à liderança: “nessa condição de árbitro,
sua pessoa tenderá a confundir-se com o próprio Estado como instituição, pois ambos tendem
a distanciar-se da determinação dos interesses imediatos que, em última instância
representam”. (WEFFORT, 2003, pg. 78)
Assim a aparência é tomada pela essência e a visão de Estado do leitor desavisado de
Gomes e Ferreira permanece obscura.
Uma injustiça cometida tanto por Ângela de Castro Gomes como por Jorge Ferreira
contra o trabalho de Weffort para a qual Sônia Regina de Mendonça chama a atenção, diz
respeito à idéia de ver o populismo como mera “manipulação de massas”. Claro está na obra
de Weffort a preocupação em “desvincular o populismo da simples manipulação, fato que
Gomes e outros autores insistem em desconsiderar”. (MENDONÇA, 2012. Pg. 203)
No trecho a seguir da fica evidente o descompasso entre o que defendia Weffort e o
que afirmou sobre ele Ângela de Castro Gomes.
Parece-nos, contudo, que embora a manipulação tenha sido uma das tônicas do
populismo, seria demasiado sumário e abstrato caracterizar apenas como
manipulação um estilo de liderança política e, em certo sentido, um tipo de regime
político que, de qualquer modo, se confunde em muitos aspectos com a história do
país nos últimos decênios. O populismo foi, sem dúvida, manipulação de massas,
mas a manipulação nunca foi absoluta.6
Fica evidente a preocupação do autor em assegurar que o populismo não podia ser
reduzido à mera “manipulação das massas”, o que fica ainda mais óbvio quando Weffort
afirma que o populismo “foi um modo determinado e concreto de manipulação das classes
populares, mas foi também um modo de expressão das suas insatisfações”. (WEFFORT,
2003, pg. 71)
Portanto, para Francisco Weffort, que praticamente deu vida, numa análise à esquerda,
ao conceito de populismo, este representa a chave principal de compreensão do fenômeno de
ascensão das “massas populares” ao posto de ator político significativo. Neste processo as
“massas populares” sofreriam a manipulação de governantes que fariam uso de uma crise dos
6 WEFFORT, 2003, pg. 70.
setores sociais dominantes para este fim. Para o autor, porém, esta manipulação não teria sido
possível sem o atendimento de interesses reais das “massas populares”.
Apesar de entender que a relação do Estado com as “massas populares” entre 1930 e
1964 foi de manipulação, Weffort destaca que “a manipulação populista estará sempre
limitada pela pressão que espontaneamente elas podem realizar e pelo nível crescente de
suas reivindicações”. (WEFFORT, 2003, pg. 80)
Algumas formulações de Weffort também são passíveis de um olhar mais acurado.
Um exemplo disto é quando ele afirma que Getúlio Vargas “encontrará a maneira de
responder a todo tipo de pressões sem subordinar-se, de maneira exclusiva e duradoura, aos
interesses imediatos de qualquer delas”. (WEFFORT, 2003, pg. 79) É preciso considerar que
a não extensão dos direitos trabalhistas aos trabalhadores do campo é um sintoma de que, pelo
menos no que diz respeito aos interesses do patronato rural a contemplação de Vargas foi
duradoura.
Outra fragilidade da argumentação de Francisco Weffort diz respeito ao fato de
ele não dar conta da intensa repressão que se abateu sobre os setores mais combativos da
classe trabalhadora e que abriu caminho para a “manipulação” das “massas populares” no
regime “populista”.
Um grave problema da argumentação de Weffort diz respeito a que:
“As relações políticas que as classes populares urbanas mantiveram com o Estado e
as demais classes nos últimos decênios da história brasileira foram predominantemente
individuais e nelas o conteúdo de classe não se manifesta de maneira direta”. (WEFFORT,
2003, pg. 81)
Assim as relações entre as classes se conformariam como relações entre indivíduos.
Marcelo Badaró contradiz esta noção com o manejo do conceito de luta de classes para
entender o período pós-1930.
Insurgindo-se contra as interpretações da classe trabalhadora no contexto acima citado
e valendo-se de formulações caras ao materialismo histórico e dialético Marcelo Badaró
Mattos em “Greves, Sindicatos e Repressão Policial” mapeia indícios de que a “legislação
sindical não bastava para conter o impulso de organização no local de trabalho e o sindicato
oficial não era o único espaço de organização”. (MATTOS, 2004. Pg. 252)
Badaró faz um esforço considerável para demonstrar que as motivações das greves
iam para além de reivindicações de caráter puramente econômico destacando as greves por
solidariedade e as de natureza política em sentido amplo.
O autor questiona a idéia presente na obra de Ângela Gomes de que a questão social
teria deixado de ser “um caso de polícia” para se tornar um caso de política após 1930,
demonstrando que a repressão policial e os seus dispositivos, inclusive a legislação, no
período, dão conta de que a questão social permaneceu como caso de polícia, no pós-30,
quando se chegou a se fazer uso das Forças Armadas, além da polícia política.
Badaró Mattos destaca a vigilância e a repressão do Estado sobre os sindicatos e a
greve, dizendo que elas não foram suficientes para evitar ou controlar os movimentos. Critica
a tese “ainda corrente” que pensa a relação entre Estado e sindicatos apenas do ponto de vista
das ações restritivas e controladoras da estrutura sindical oficial. “não dando conta de
explicar (e muitas vezes negando sua evidência) o grande número de paralisações, bem como
a grande presença de organizações por local de trabalho na preparação, organização e/ou
condução de muitas greves”. (MATTOS, 2004. Pg. 267)
A abordagem de Badaró Mattos é singular em relação, por exemplo, a Ângela Gomes
e Jorge Ferreira, também no que se refere à metodologia de pesquisa empregada. Uma
dimensão importante do método de Badaró consiste em testar afirmações de teorias gerais em
uma situação histórica particular, abrindo mão de generalizações a partir desta questão
histórica. O inverso de Jorge Ferreira que estuda cartas de trabalhadores pedindo a
continuidade de Vargas no poder sem situar as origens destas cartas e daí parte para
generalizações sobre a classe trabalhadora no Brasil.
Por concluir
Transitaram pelas páginas deste trabalho três concepções sobre a ascensão da classe
trabalhadora ao posto de ator político significativo no cenário brasileiro, formuladas por
diferentes pesquisadores e pesquisadoras, orientados por divergentes abordagens teórico-
metodológicas que levaram a resultados, também singulares. Para além das questões de ordem
acadêmica, estas obras desdobram em influência significativa para as visões sobre a classe
trabalhadora e sua relação com o Estado e os setores sociais dominantes. Refletem, portanto,
diferentes projetos políticos, desde uma preocupação de esquerda não marxista de Francisco
Weffort, inquieto com o processo que encaminhara o país ao golpe civil-militar de 1964,
passando por Ângela Gomes e sua aspiração liberal conservadora, constituinte da nova
pedagogia da hegemonia, até a atuação à esquerda de Marcelo Badaró Mattos empregando o
conceito de luta de classes.
A concepção de Ângela de Castro Gomes e Jorge Ferreira a respeito da relação entre
Estado e classe trabalhadora, serve ao que Virgínia fontes denunciou:
A perpetuação da violência de classe se duplica pela disseminação de envolventes
malhas tecidas por entidades cosmopolitas voltadas para o convencimento, tentando
dissuadir a classe trabalhadora pela repetição ad nauseum de que este é o único
modo de existência possível.7
Este trecho é de relevante utilidade na medida em que, as obras de Ângela Gomes e
Jorge Ferreira, fazem parte deste movimento. Este aspecto consta do processo que segundo
Virgínia Fontes difundiu a concepção do capitalismo como horizonte insuperável para
intelectuais e para as organizações populares.
Um imenso esforço acadêmico é feito com o objetivo de “encapsular” as lutas dos
trabalhadores no âmbito restrito da luta por direitos, por cidadania, evitando toda e qualquer
formulação que possa vir a extrapolar estes limites.
Vale destacar que esta interpretação da luta perpassa toda a obra de Ângela Gomes e a
de Jorge Ferreira. Eles fazem um grande esforço para evitar dizer que os operários poderiam
lutar com o objetivo de superar o capitalismo. Coloca a ação dos trabalhadores sempre dentro
do plano das aspirações da democracia liberal, até quando se refere aos socialistas e aos
anarquistas.
Além disso, A concepção de Estado vigente em Gomes e Ferreira corresponde a uma
visão pouco crítica do mesmo. “Esta releitura da história do Brasil veio consagrar o ato de
fundação do Estado expresso no golpe de 1937. Até então, tínhamos território e população, mas não
havíamos tido governo”.8
Assim a concepção de Estado em Gomes se restringe ao governo e suas faces
aparentes como Getúlio Vargas e o ministro Marcondes Filho, chegando mesmo a
7 FONTES, 2010, pg. 14.
8 GOMES, Ângela Maria de Castro. A Invenção do Trabalhismo. Pg. 196.
dicotomizar o Estado e o patronato e jamais explorando as ligações profundas que unem os
grupos sociais dominantes ao Estado.
É possível contestar esta concepção de relação entre Estado e a classe trabalhadora
analisando a ascensão das lutas da classe trabalhadora nas décadas de 1970 e 1980, uma vez
que este processo dá-se pelas lutas da própria classe contra os patrões e o Estado. Se as ações
do Estado ditatorial não podem ser desprezadas para se considerar as transformações no
comportamento da classe trabalhadora, tampouco é possível pensar a crise da Ditadura Civil-
militar, o anúncio do processo de “abertura”, o ocaso da Ditadura em 1985, a vitória da assim
chamada Constituição Cidadã em 1988, a dificuldade do neoliberalismo em se inserir no
contexto social brasileiro, a construção de organismos autônomos da classe trabalhadora do
campo e da cidade e o retrocesso sofrido por amplos setores da direita brasileira, sem pensar a
luta dos trabalhadores. Em Feira de Santana a tomada do governo municipal pelo
MDB/PMDB, por duas vezes no período e a própria organização de “O Grito da Terra” e da
ADEFS também seriam impensáveis sem o advento destas lutas.
Portanto o comportamento da classe trabalhadora é determinado pelas condições
impostas pelos grupos sociais dominantes também através do Estado. Mas as reconfigurações
nos aparelhos privados de hegemonia e as reestruturações na sociedade política também são
resultado da luta dos trabalhadores. Num momento de crise da hegemonia, a possibilidade de
ruptura com a ordem social vigente abre-se com mais veemência.
Referências Bibliográficas.
FERREIRA, Jorge. O imaginário trabalhista: getulismo, PTB e cultura popular 1945-1964. –
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.
FONTES, Virgínia. O Brasil e o capital-imperialismo: teoria e história. – 2. Ed. Rio de
Janeiro EPSJV / Editora UFRJ, 2010.
GOMES, Ângela Maria de Castro. A Invenção do Trabalhismo. – 3ª. Ed. – Rio de janeiro:
Editora FGV, 2005.
MATTOS, Marcelo Badaró. Greves, sindicatos e repressão policial. In: Revista Brasileira de
História. São Paulo, v. 24, nº 47, p. 241-70 - 2004
MENDONÇA, Sônia Regina de. Intelectuais e Estado na Historiografia Brasileira. In: Lutas
sociais, intelectuais e poder: problemas de História Social. / Eurelino Coelho, Larissa Penelu
Bitencurt Pacheco (Org.). – Feira de Santana: UEFS Editora, 2012.
NEVES, Lúcia Maria Wanderley (Org.). A direita para o social e a esquerda para o capital:
intelectuais da nova pedagogia da hegemonia no Brasil.- São Paulo: Xamã, 2010.
WEFFORT, Francisco Corrêa. O populismo na política brasileira. – Rio de Janeiro, Paz e
Terra, 2003.