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  • 7/26/2019 Regis Bonelli, Pedro Veiga, Adriana Brito - As Polticas Industrial e de Comrcio Exterior No Brasil Rumos e Indefini

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    TEXTO PARA DISCUSSO N 527

    AS POLTICAS INDUSTRIAL E DE COMRCIO

    EXTERIOR NO BRASIL: RUMOS EINDEFINIES*

    Regis Bonelli**

    Pedro da Motta Veiga***

    Adriana Fernandes de Brito****

    Rio de Janeiro, novembro de 1997

    *O texto, a seguir, resume partes de pesquisa conjunta dos autores e utiliza informaesdisponveis at junho de 1997.**Pesquisador visitante da Diretoria de Pesquisa do IPEA.***

    Consultor da Funcex e do BID.****Bolsista da Anpec/PNPE na Diretoria de Pesquisa do IPEA.

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    O IPEA uma fundao pblicavinculada ao Ministrio doPlanejamento e Oramento, cujasfinalidades so: auxiliar o ministro naelaborao e no acompanhamento dapoltica econmica e prover atividadesde pesquisa econmica aplicada nasreas fiscal, financeira, externa e dedesenvolvimento setorial.

    PresidenteFernando Rezende

    DiretoriaClaudio Monteiro ConsideraLus Fernando TironiGustavo Maia GomesMariano de Matos MacedoLuiz Antonio de Souza CordeiroMurilo Lbo

    TEXTO PARA DISCUSSOtem o objetivo de divulgar resultadosde estudos desenvolvidos direta ou indiretamente pelo IPEA,bem como trabalhos considerados de relevncia para disseminaopelo Instituto, para informar profissionais especializados ecolher sugestes.

    ISSN 1415-4765

    SERVIO EDITORIAL

    Rio de Janeiro RJAv. Presidente Antnio Carlos, 51 14 andar CEP 20020-010Telefax: (021) 220-5533E-mail: [email protected]

    Braslia DFSBS Q. 1 Bl. J, Ed. BNDES 10 andar CEP 70076-900Telefax: (061) 315-5314E-mail: [email protected]

    IPEA, 1998 permitida a reproduo deste texto, desde que obrigatoriamente citada a fonte.Reprodues para fins comerciais so rigorosamente proibidas.

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    SUMRIO

    RESUMO

    ABSTRACT

    1 - INTRODUO: AS POLTICAS INDUSTRIAL E DE COMRCIO EXTERIOR ANTERIORES A 1995.................................1

    2 - O DISCURSO OFICIAL: AS POLTICAS INDUSTRIAL E DE COMRCIO EXTERIOR EXPLCITAS......................................6

    3 - AS POLTICAS INDUSTRIAL E DE COMRCIO EXTERIOR DE FATO ....................................................................... 12

    3.1 - A Poltica de Comrcio Exterior ..................................................... 133.2 - A Poltica Industrial ........................................................................ 33

    4 - CONCLUSES................................................................................. 59

    APNDICE............................................................................................. 64

    BIBLIOGRAFIA ...................................................................................... 70

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    RESUMO

    Este trabalho contm uma descrio e uma avaliao das polticas industrial e decomrcio exterior brasileiras recentes, com nfase no discurso, propostas e de iniciativasda atual administrao. A primeira seo apresenta brevemente os antecedentes. Segue-seuma avaliao da poltica explcita e das modificaes institucionais mais recentes, isto, a partir de 1995. As polticas industrial e de comrcio exterior de fato praticadasrepresentam a maior parte do texto e so objeto da terceira seo. Uma seo deconcluso expe os dilemas e limitaes que vm caracterizando as polticas industrial ede comrcio exterior no ltimo trinio. No Apndice apresenta-se um resumo dalegislao de defesa comercial (antidumping e de salvaguardas), aprovada no final de1995.

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    ABSTRACT

    This paper analyses the recent evolution of trade and industrial policies in Brazil,focusing on the planned and actual initiatives of the present administration. Webegin with a short presentation of the main antecedents of trade and industrialpolicies, particularly with respect to changes since 1990. A description ofinstitutional and economic policy changes since early 1995 follows. Section 3contains the core of the work. It is devoted to an evaluation of the policy courseactually followed and the difficulties involved in implementing active industrialand trade policies in the context of the new economic environment. A reflectionon the dilemmas and constraints of present industrial and trade policies closes the

    work. An appendix contains a summary of the legislation on antidumping andtrade safeguards passed at the end of 1995.

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    1 - INTRODUO: AS POLTICAS INDUSTRIAL E DE COMRCIO EXTERIOR ANTERIORES A 19951

    fartamente conhecido que as medidas de estmulo indstria historicamente

    adotadas no Brasil foram eficazes no que se refere ao crescimento da produo,mas negligentes quanto a aspectos tais como competitividade e eficincia daproduo manufatureira. A industrializao brasileira beneficiou-se em suasdiversas fases de trs instrumentos principais, embora no necessariamente emsimultneo: proteo tarifria e no-tarifria muito elevada, controles de cmbioe, em alguns poucos perodos, desvalorizaes cambiais com a finalidade deelevar o excedente exportvel. Exceto por essas ltimas, todos os demaisesquemas caracterizaram-se por subsidiar importaes consideradas essenciais eprejudicar as exportaes devido ao imposto implcito no cmbio(freqentemente) sobrevalorizado. Para neutralizar este vis, foram desenvolvidos

    especialmente durante o perodo 1965/85 diversos esquemas de apoio sexportaes.

    As barreiras no-tarifrias foram, historicamente, a norma. O instrumento tarifriofoi na maior parte do tempo pouco utilizado algo tanto mais verdadeiro quantomais nos aproximamos das crises do petrleo nos anos 70 e da dvida na dcadade 80. Sem perda de generalidade possvel afirmar que, em resposta crise dadvida e ao estrangulamento das contas externas, foram reforados mecanismos jadotados em algum momento no passado, bem como criados outros esquemasvisando quase unicamente economia de divisas. Os esquemas de apoio eproteo de mbito setorial foram, igualmente, outra norma.

    Do lado da poltica de exportaes, os incentivos fiscais e creditcios passaram aser um importante instrumento de estmulo depois de 1964. Neste ano, foiregulamentado o regime de drawback e as exportaes de manufaturas foramisentas do pagamento do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). A partirde 1967 essa iseno passou a incluir tambm o ICM. No mesmo perodo,comeou a ser montado novo sistema pblico de financiamento das exportaes.Isso ocorreu com a instituio do Fundo de Financiamento s Exportaes(Finex), primeiro na modalidade pr-embarque e, em seguida, no ps-embarque,sob as formas de financiamento direto ao exportador e de equalizao de taxas de

    juros. Incentivos mais agressivos foram institudos em 1969/70, com a criao docrdito-prmio do IPI e do ICM e com o estabelecimento do Programa Befiex,voltado para o atendimento de grandes empresas com projetos de longo prazo deexportao de manufaturados, em geral vinculados expanso da capacidadeprodutiva no pas.

    Esta poltica de incentivos foi um elemento de grande importncia na estratgiade adaptao s crises externas da dcada de 70 e do comeo da de 80, mas foisendo gradualmente desativada, a partir de 1983, em funo de: a) presses doGatt e de alguns parceiros comerciais do Brasil; e b) do agravamento das

    1Ver, por exemplo, para uma avaliao mais detalhada, Bonelli (1996).

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    gradualmente implantada ao longo dos cinco anos seguintes: 7 previa-se que em1994 a tarifa modal ficasse em 20% com a alquota mxima em 40% e a mdiaem 14%. Dada a proteo natural representada pelos custos de transporte, segurose porturios, o esquema fornecia um nvel de proteo satisfatrio em condies

    normais de funcionamento da economia e dado o prazo de implementao dareduo tarifria.

    No que diz respeito s barreiras no-tarifrias, as medidas mantinham a sintoniacom o esprito da liberalizao comercial em curso: a) em maro de 1990 forameliminadas todas as barreiras no-tarifrias sem amparo legal (os bens deinformtica s sofreram alterao em 1991, com a aprovao pelo Congresso danova Lei de Informtica; as alquotas deste setor sofreram pequenas modificaesno anncio do cronograma em fevereiro de 1991, mas modificaes maioresaconteceram em 1992); b) em agosto de 1990, suspenso (abolio, em fevereiro

    de 1991) de requisitos mnimos para o financiamento de importaes; c) reduode ndices de nacionalizao nos crditos da Finame/BNDES para bens de capitalsob encomenda (de 85% para 70%; em fevereiro de 1991 o ndice passaria a 60%para todos os crditos de instituies oficiais e compras governamentais); d)remoo, em 1990, de boa parcela da legislao e procedimentos administrativosque afetavam a formao de custos (incentivos e subsdios) ou as condies deentrada (mecanismos de proteo) dos bens de informtica at ento em vigor, eestabelecimento de uma nova poltica para o setor atravs da Lei n 8.248(23/10/91), em substituio que garantia a reserva de mercado (Lei n 7.232, de29/10/84).

    As diretrizes de junho de 1990 incluam prioridades setoriais de poltica industrialem relao a apenas dois grupos de produtos: a) indstrias de alta tecnologia(informtica, qumica fina, mecnica de preciso, biotecnologia e os chamadosnovos materiais8), que seriam beneficiadas por medidas, no-explicitadas poca,de proteo (indstrias nascentes); e b) indstrias necessitando de reestruturao.9

    Na verdade, quando o Programa de Competitividade Industrial (PCI) foi lanado,em dezembro de 1990, ele inclua alguns traos de prioridades setoriais. A faltade definio inicial quanto s prioridades,10 no entanto, se por um lado poderiaindicar uma medida potencialmente horizontal, por outro sugeria a necessidade de

    se criarem instncias de negociao que significassem, essencialmente, apossibilidade de voltar a identificar "ganhadores" e "perdedores" na concesso deincentivos por parte do Estado o que no foi fcil no contexto da poca.

    7Na mesma data divulgava-se o termo de referncia do Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade(PBQP), apresentando-se as metas e objetivos do programa, e a Portaria n0363, que definia em 70% osndices de nacionalizao de bens de capital para efeito de concesso de benefcios fiscais, financiamento porentidades oficiais de crdito e compras da administrao federal direta e indireta. A Portaria n 0126 (27/2/91)iria reduzir este percentual para 60%.8 no mnimo curioso que a eleio de setores tenha sido a mesma adotada no governo anterior, em 1988,quando da divulgao do conjunto de medidas de A nova poltica industrial, do Governo Sarney.9Na verdade, tudo indica que se tratava mais de uma indicao de prioridades futuras do que de uma poltica

    de apoio real, pois nenhuma medida especfica seria adotada em relao a essas indstrias.10Este programa no passou do papel, isto , no foi implementado e nem mesmo propriamente enunciado.

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    Uma tentativa de avanar em termos de polticas setoriais ocorreu quando dacriao dos Grupos Executivos de Poltica Setorial (GEPs). Os GEPs erammecanismos de articulao e troca de informaes entre governo e empresas. Aeles caberia discutir e submeter deciso governamental medidas referentes

    aplicao dos instrumentos de poltica industrial, assim como estimular ainterao de empresas e outras entidades em cada complexo industrial. Noentanto, os GEPs foram criticados por serem apenas canais de expresso deinteresses localizados. Alm disso, na medida em que se difundissem para todo osetor industrial, sua utilizao generalizada diluiria sua capacidade para induzir adiscriminao entre setores, atravs de esquemas de incentivos e de promoo.Esse tipo de crtica, alis, seria feita s sucessoras dos GEPs, as CmarasSetoriais: os setores no-includos, aqueles para os quais no havia GEPs (ouCmaras), ficariam, obviamente, fora dos esquemas de incentivo.

    A consolidao dos GEPs em 1990 seria dificultada por dois motivos mais oumenos bvios no contexto, da resultando que os GEPs tiveram pouca atuao embora tenham sido um modelo para as futuras Cmaras Setoriais. O primeiroderivava da necessidade de equilbrio fiscal, que fazia com que o governo federalficasse pouco inclinado a distribuir isenes de pagamentos de impostos ou aincentivar a criao de reservas de mercado naquele momento. O segundo foi oinsucesso do programa de estabilizao do Governo Collor, que ficoutransparente medida que o ano de 1990 aproximava-se do seu trmino:conforme a taxa de inflao aumentava e o governo investia publicamente contrao poder remarcador de preos dos oligoplios, tornava-se progressivamente maisdifcil promover os GEPs.

    De qualquer forma, uma avaliao do PCI uma das trs pernas da poltica decompetitividade anunciada em 1990 as outras duas sendo o PBQP e oPrograma de Apoio Capacitao Tecnolgica da Indstria (Pacti) mostrariaque ele nunca passou, de fato, de uma listagem de objetivos e instrumentos.Nunca ficou claro como o conjunto de propostas seria implementado. Crticasemelhante poderia ser feita s propostas do discurso oficial de poltica industrialveiculadas em fins de 1995 (ver adiante).

    A poltica industrial visando ao aumento da competitividade seria reforada em

    1990 com o anncio do Pacti e do PBQP, cujos resultados no foram plenamenteatingidos pelas mesmas razes pelas quais os GEPs falharam: ausncia deincentivos significativos. Ainda assim, aceita-se que o PBQP tenha sido bem-sucedido no que se refere motivao empresarial.

    A experincia com os GEPs inspiraria a das Cmaras Setoriais, mecanismo criadoem 1991 para ajudar na flexibilizao do congelamento de preos imposto peloplano de estabilizao Collor II, de fevereiro daquele ano. Essas Cmaras tinham,como novidade, a incluso de sindicatos de trabalhadores. Com o tempo iriam setornar o locus principal para a proposio de iniciativas de polticas industrial ecomercial, iniciativas essas poucas vezes concretizadas.

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    Uma avaliao do Pacti ainda prematura na medida em que a Lei n 8.661/93 recente e os efeitos de mudanas nessa rea demoram a aparecer. Pelos resultadosiniciais, o MCT estima que para cada unidade de renncia fiscal o setor privadotenha investido o triplo em P&D.

    Em termos concretos, o principal resultado alcanado pelas Cmaras, do ponto devista da poltica industrial e de comrcio exterior, refere-se ao acordoautomobilstico que, no entanto, no chegou a ser implementado poca. Esseacordo estabelecia que metas de exportao seriam trocadas por quotas paracarros importados no mercado domstico, mais um monoplio de importaocom iseno tarifria para os fabricantes estabelecidos no Brasil.11 Esta, alis,seria uma das caractersticas do Acordo Automobilstico de 1995, atualmente emvigor (ver adiante).

    Alm disso, diversos instrumentos setoriais anteriormente eliminados ou deimpacto suavizado foram retomados poca. Como exemplos, temos as ZPEs ebenefcios ZFM, alm de incentivos fiscais para a compra de bens de capital epara exportadores, justificados para amenizar a recesso. O alcance dessasmedidas foi, obviamente, limitadssimo. Na verdade, boa parte do que se fez nessarea refletiu tanto a presso interna para a no-adoo de determinadosmecanismos quanto a indeciso no que diz respeito escolha do modelo depoltica industrial a seguir. Assim, por exemplo, no que se refere s ZPEs, a Lei n8.396 (3/2/92) alterou o Decreto-Lei n 2.452/88, que havia sido suspenso por 180dias pela Lei n 8.032 (12/4/90),12destacando-se a revogao da possibilidade devender no mercado interno uma parcela da produo das ZPEs. Argumentos e

    aes em prol das ZPEs cairiam em desuso no Governo Fernando HenriqueCardoso. J as isenes de impostos de importao sobre bens de capital voltariama vigorar a partir de 1995 no contexto do acordo relativo automobilstica.

    Do ponto de vista da criao de novos instrumentos e medidas, as polticasindustrial e de comrcio exterior no sofreram grandes alteraes ao longo doGoverno Itamar Franco. As mais importantes medidas foram: a) a Lei n8.661/93, que definiu incentivos para estimular a capacitao tecnolgica daindstria e da agropecuria, de fato, alis, restabelecendo incentivos j previstosna chamada Nova Poltica Industrial do Governo Sarney, divulgada em 1988; 13b)

    11O projeto original, poca do ministro Marclio Moreira, previa metas de investimento e exportao contrareduo nas tarifas incidentes sobre insumos, componentes e bens de capital. Esta reduo era limitada pelondice de nacionalizao, compras de equipamentos domsticos em determinadas propores e no-concentrao nas compras de insumos.12Na verdade, na verso da Medida Provisria n 158 (15/3/90), que deu origem Lei n 8.032, a medida eramais radical, pois chegava ao ponto de revogar a lei que criara as ZPEs. Presses foraram o recuo.13Do ponto de vista do marco institucional, as mudanas operadas desde o incio de 1990 tambm foramexpressivas. A fuso ministerial juntou os trs principais ministrios da rea econmica (Fazenda,Planejamento e Indstria e Comrcio) em um nico, o MEFP. Dentro deste, as matrias relacionadas spolticas industrial e de comrcio exterior ficaram na Secretaria Nacional de Economia. Afora o carterformal dessa juno, havia um fator substantivo agindo no sentido de dar fundamento legal ao novoministrio (e alterar o balano de foras em seu interior): a Constituio de 1988, que havia determinado queas matrias de cunho fiscal fossem da alada da Fazenda. Quando o MEFP foi desmembrado, no comeo da

    administrao do presidente Itamar Franco, reverteu-se em linhas gerais estrutura anterior, na qual o DIC eo Decex, agora transformados em secretarias, voltaram rbita do Ministrio da Indstria, Comrcio e

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    no segundo semestre de 1994, a Lei em defesa da competio (Lei n 8.844); c) eas Medidas Provisrias ns 616 e 655, alterando a legislao antidumpingparaajust-la s novas orientaes da Rodada Uruguai. Em fins de 1995, essasmedidas provisrias seriam objeto de regulamentao aps a aprovao da Lei n

    9.019/95 (ver Apndice).

    2 - O DISCURSO OFICIAL: AS POLTICAS INDUSTRIAL E DE COMRCIO EXTERIOR EXPLCITAS

    As polticas industrial e de comrcio exterior definidas no Governo FernandoHenrique Cardoso representam, at certo ponto, uma continuidade em relao do governo imediatamente anterior. Alm disso, a atual administrao tembuscado aperfeioar o aparato institucional, especialmente para levar em conta a

    estabilidade econmica aps a implantao do Plano Real. Os objetivos daspolticas industrial e de comrcio exterior, assim, so subordinados pela filosofiageral de governo subjacente ao Plano Real. No entanto, como se ver, a atualpoltica (ou ausncia de, segundo os crticos, notadamente alguns representantesda indstria) reflete ainda a disperso de poderes e capacidade normativa entre osprincipais ministrios da rea econmica e a necessidade de reformasinstitucionais.

    Deve-se reconhecer, alm disso, que as polticas industrial e de comrcio exteriorno operam em um vcuo institucional. Entre outras coisas, h limitaes quedevem ser consideradas, que vm do fato de que o Brasil signatrio de acordos

    internacionais como o Gatt [e membro da Organizao Mundial do Comrcio(OMC)] e o Mercosul, que restringem a liberdade de ao nessa rea. Isso criadificuldades especialmente em relao principal medida de poltica industrial daatual administrao: o acordo automotivo de 1995.

    O principal documento oficial de enunciado de orientaes e intenes intitula-sePoltica Industrial, Tecnolgica e de Comrcio Exterior, cuja verso mais recente de setembro de 1995.14 Este documento aponta como principal objetivo da

    Turismo (MICT). No mbito da Secretaria de Comrcio Exterior ficaram o DTIC (ex-CTIC) e o DTT (ex-

    CTT), que haviam estado, antes da fuso, no mbito da Fazenda. Este ltimo departamento tinha tido aatribuio de propor as tarifas de alfndega at as reformas estruturais de 1990. O problema que,novamente, a prerrogativa de decidir em matria fiscal ficava com o Ministrio da Fazenda, onde o ministrode Estado [ouvida Secretaria de Poltica Econmica (SPE)] quem tem o poder de emitir portarias comalteraes tarifrias. Assim, o poder de manipular o instrumento de poltica econmica encontra-se, de fato,no Ministrio da Fazenda. Na verdade, o MICT no dispe de instrumentos efetivos. Trata-se mais de umagente de coordenao de decises com a atribuio de pensar uma estratgia de desenvolvimento industrialpara o pas. De qualquer forma, o rgo formulador das polticas industrial e de comrcio exterior, sendo oagente coordenador das presses que so exercidas pelas Cmaras Setoriais. A elaborao da proposta degoverno relacionada poltica industrial, tecnolgica e de comrcio exterior, apresentada e comentadaadiante, de autoria do MICT.

    14MICT, setembro de 1995. Em fins de maro de 1996 o governo publicou uma verso resumida (sem data,porm) deste texto. Aparentemente, trata-se de documento oficial, que retrata a posio do Executivo em

    relao matria. No que se segue, estaremos nos referindo verso de setembro de 1995. Com a mudanado titular da pasta, o MICT no insistiu na proposta. Em meados de 1997, um jornal carioca noticiou a

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    poltica industrial do governo a consolidao de um novo padro de expansopara o sistema industrial brasileiro. A idia central a de criar condies para queas empresas migrem das estratgias nitidamente defensivas das fases iniciais danova poltica industrial e de comrcio exterior ps-1990 para uma etapa que

    deveria ser caracterizada por postura ofensiva baseada no crescimento dacapacidade de produo e de inovao tecnolgica.

    As polticas industrial e de comrcio exterior assim formuladas tm trs objetivosexplcitos, todos de alto grau de generalidade e dos quais difcil discordar: a)expandir a produo e o consumo interno de bens e servios, com auxlio daexpanso e melhoria do intercmbio com o exterior, assegurando a elevao dopadro de vida da populao brasileira, especialmente dos segmentos maispobres; b) desconcentrar geograficamente a produo industrial, mediante o apoioe estmulo ao fortalecimento dos plos industriais j existentes e o

    aproveitamento de novas oportunidades de investimento em nvel regional; e c)aumentar e melhorar a qualidade das oportunidades de trabalho, com apoio nodinamismo da atividade industrial, na formao e capacitao da mo-de-obra ena correo de distores no mercado de trabalho que desestimulam a gerao deempregos na atividade formal.

    A atual fase (isto , em 1995/96) da indstria brasileira denominada etapa dereestruturao e expanso competitivas do sistema industrial. E, ainda, que"alm da estabilidade econmica e da manuteno da abertura econmica ante oexterior, condicionantes bsicas para a presente etapa, sero seus vetoresprincipais: o aumento dos investimentos; a acelerao da capacitao tecnolgica;

    a ampliao do fluxo de comrcio exterior; e o aprofundamento das reformasinstitucionais e da Administrao Pblica" (p.3).

    Para concretizar esses objetivos gerais, a ao governamental se desdobrar emduas principais linhas de ao. A primeira consiste na criao e manuteno deum ambiente favorvel ao desenvolvimento das estratgias empresariais, atravsdo combate aos fatores econmicos e institucionais que, embora fora do poderdecisrio das empresas, podem afetar negativamente sua competitividade. ocaso dos fatores que compem o "custo Brasil", refletido nas carncias de infra-estrutura econmica e social, nas distores do sistema tributrio, no elevado

    custo do financiamento, nas deficincias do sistema educacional, no elevadocusto da mo-de-obra (dados os pesados encargos sociais que incidem sobreesses custos), na regulamentao excessiva e inadequada da atividade econmicaetc. A segunda consiste no apoio e estmulo a expanso e modernizao doparque industrial brasileiro. Tem-se ainda em vista a regulao da atividadeeconmica como forma de impedir as prticas nocivas ao desenvolvimentoeconmico e social.15

    existncia de novo documento de poltica industrial. At o fechamento deste texto, porm, nada havia sidooficialmente divulgado, provavelmente, por no haver consenso no governo quanto s medidas propostas.15 foroso reconhecer que, passados dois anos de sua formulao, o documento do MICT pareceultrapassado. A leitura do texto a seguir mostra quo pouco se avanou em relao s propostas neste tempo.

    Seu enunciado aproveita e adota as mudanas no saber convencional em relao a diversos aspectos, o que um ponto positivo.

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    A Poltica Industrial, Tecnolgica e de Comrcio Exterior enumera uma srie deinstrumentos polticas de investimento, de capacitao tecnolgica, decomrcio exterior, de capacitao de recursos humanos e de apoio s

    microempresas e empresas de pequeno porte para viabilizar seus objetivos.Estas polticas so apresentadas a seguir, em conjunto com seus respectivosprogramas.

    Instrumentos

    a) Poltica de Investimento

    Este instrumento tem por objetivo o aumento dos investimentos em geral e emindstrias especficas com potencial competitivo, incluindo a reestruturao

    empresarial ou a expanso da capacidade de produo. Assim, em seu contextodevero ser identificadas e sinalizadas as oportunidades de investimento,eliminadas as restries ao investimento privado nacional ou estrangeiro ereduzidos os preos de insumos e de bens de capital. A importao de tecnologiadeve ser apoiada, assim como a disponibilidade e melhoria das condies definanciamento a longo prazo. Neste ltimo caso, deve-se promover areestruturao dos sistemas financeiros, pblico e privado, bem como favorecer apoupana interna. Estas so condies necessrias para o fortalecimento dacapacidade de financiamento de longo prazo do pas, com base em recursosfinanceiros internos.

    A meta quantitativa proposta passar de uma taxa de formao bruta de capitalfixo da ordem de 15% do PIB em 1994 para 20,5% em 1999. A viabilizao dameta proposta se dar atravs do desenvolvimento de um programa deinvestimentos, contendo as estratgias e instrumentos necessrios para tal. OProinvest se encarregar, assim, de estabelecer um conjunto ordenado de aescapazes de sustentar os investimentos nacionais e estrangeiros requeridos para odesenvolvimento competitivo, combinando a estratgia de exportao com a deexpanso do mercado interno, levando em conta as polticas macroeconmicas demdio e longo prazos.

    b) Poltica de Capacitao Tecnolgica

    Esta poltica abrange a inovao e a infra-estrutura tecnolgicas. Com relao inovao tecnolgica, sero elaboradas metas para a capacitao em pesquisa edesenvolvimento, gesto de tecnologia e design.

    No que diz respeito capacitao em pesquisa e desenvolvimento, esta serestimulada e apoiada, entendendo-se que a competncia tecnolgica, alm defator de competitividade em si, tambm absolutamente necessria para que asempresas possam participar das novas formas de acesso tecnologia, feitas

    dentro de esquemas de parceria e troca.

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    A gesto tecnolgica compreende no s a gerncia da tecnologia dentro de cadaempresa, mas tambm a dinmica de parcerias, contratos, associaes, proteode direitos etc., tanto em nvel nacional como internacional. Incluem-se a

    tambm o processo de acesso informao tecnolgica, o uso de competnciaexterna para a soluo de problemas tcnicos e os desafios decorrentes da questoambiental. Ser realizado esforo no sentido de fortalecer uma cultura moderna degesto tecnolgica no pas, atravs do apoio a cursos e treinamento, com anecessria cooperao com centros de reconhecido renome em mbitointernacional.

    No tocante infra-estrutura tecnolgica, sero realizados esforos articuladosseguindo as seguintes diretrizes: a) formao de centros setoriais regionais deinformao tecnolgica, com o objetivo de levar ao setor produtivo a informao

    de que ele necessita; b) estruturao de um sistema metrolgico nacional, tanto noque se refere metrologia cientfica como descentralizao da metrologia legal;c) transformao e implementao de normalizao e regulamentao tcnica; d)continuao do processo de implantao de um sistema nacional de certificaode conformidade de produtos e servios, com base em organismos credenciadospelo Instituto Nacional de Metrologia (Inmetro); e) continuao do processo decredenciamento, pelo Inmetro, de laboratrios para a realizao de testes, ensaiose anlises necessrios para a certificao de conformidade; f) elaborao de umprograma de redirecionamento das atividades dos institutos de tecnologiaindustrial, de forma a inseri-los em contextos produtivos afins e orientar suasaes para a soluo de problemas tecnolgicos no segmento empresarial; g)

    incentivo ao reforo da capacidade instalada de prestao de serviostecnolgicos, tanto por empresas como por entidades tecnolgicas; h) apoio ainiciativas de cooperao tecnolgica, tanto em nvel nacional quantointernacional, principalmente quando envolverem efetiva transferncia detecnologia, alm de reviso da regulamentao dos contratos de transferncia detecnologia, de forma a facilitar o acesso tecnologia externa; i) incentivo aofortalecimento de entidades no-governamentais de defesa do consumidor; e j)utilizao das mudanas na legislao referente propriedade intelectual comoinstrumento consistente das polticas industrial e tecnolgica, de forma a garantiro equilbrio entre os detentores e usurios deste conhecimento, cerceando tanto o

    abuso do poder econmico como o uso ilegal da propriedade de terceiros.A mobilizao e coordenao dos instrumentos mencionados sero realizadas nombito de programas. Neste sentido, ter continuidade a execuo do PBQP e doPacti, e implementado o Programa Brasileiro do Design (PBD).

    O PBQP objetiva estimular, orientar e apoiar os esforos da sociedade brasileirana busca da competitividade internacional, atravs da promoo da melhoria daqualidade e aumento da produtividade dos bens e servios produzidos eoferecidos pelo pas.

    O Programa Brasileiro do Designvisa promover o desenvolvimento do design

    brasileiro, objetivando o aumento da competitividade dos bens e servios

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    produzidos no pas. Caber ao programa criar a Marca Brasil, o que representauma alavanca para o reconhecimento internacional dos produtos brasileiros.

    c) Poltica de Comrcio Exterior

    A poltica de comrcio exterior estar orientada para dois objetivos principais: a)o aumento significativo dos fluxos de comrcio do pas, em relao produointerna e ao comrcio mundial; e b) o aperfeioamento do controle dos fluxos decomrcio com o propsito de assegurar o abastecimento do mercado interno,evitar prticas comerciais desleais em prejuzo da produo nacional econtribuir para o equilbrio do balano de pagamentos.

    Para alcanar os objetivos propostos, a poltica comercial ser estruturada emtorno de vrios programas, relacionados a seguir:

    -Programa Novos Plos de Exportao: visa contribuir para o aumento ediversificao das exportaes do pas, mediante a incorporao de novosprodutos, regies e empresas exportao de bens e servios, a ampliao daparticipao das pequenas e mdias empresas e o aumento do valor agregado e dacompetitividade dos produtos.

    -Programa de Financiamento s Exportaes: o objetivo deste programa contribuir para a expanso das exportaes por meio do aumento dos recursospara financiamento em condies semelhantes s vigentes no mercado

    internacional, a reduo dos custos financeiros e da racionalizao das operaesadministrativas pertinentes.

    -Programa de Desregulamentao: busca dotar o comrcio exterior do pas deuma administrao gil e moderna, mediante a informatizao das operaes,consolidao das normas jurdicas e administrativas, racionalizao e usoeficiente da infra-estrutura de apoio e reduo de restries ao comrcio exterior.

    -Programa de Defesa Comercial: tem em vista o aperfeioamento da legislao eda administrao ante as prticas desleais de comrcio e as prticas protecionistas

    por parte de outros pases.

    -Programa de Integrao no Comrcio Regional e Mundial: tem como objetivofortalecer a participao do pas nos mecanismos de integrao regional(Mercosul, Aladi, ALCSA e Afta) e na OMC.

    d) Poltica de Capacitao de Recursos Humanos

    O novo padro de expanso da economia brasileira necessitar de crescente apoio educao e capacitao profissional da mo-de-obra, como condio para a

    utilizao eficiente das novas tecnologias e formas de organizao do trabalho,

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    cada vez mais exigentes em termos de nvel de instruo e de capacitaoprofissional. Neste sentido, o objetivo central da presente poltica ser aarticulao do governo e do setor privado para prover as empresas de mo-de-obra devidamente instruda para lidar com a modernizao competitiva.

    A poltica de capacitao de recursos humanos dar nfase educao bsica e capacitao da mo-de-obra j incorporada atividade produtiva, assim como requalificao da mo-de-obra liberada em decorrncia da reestruturao dasempresas e formao tcnica nas universidades. Para este fim, ser elaborado oPrograma de Formao de Recursos Humanos para a Competitividade Industrial.

    e) Poltica de Apoio s Microempresas e Empresas de Pequeno Porte

    Esta poltica visa desconcentrao geogrfica da atividade econmica, via

    produo de bens e servios de proximidade e base local. Alm disso, orienta-separa a manuteno e criao de empregos, a formao de agentes empreendedorese os ganhos em qualidade e competitividade necessrios para o fortalecimento dasempresas nos mercados interno e externo.

    importante ter claro, na anlise deste documento, que se trata de umadeclarao de intenes, decorrentes de um diagnstico razoavelmente consensualno pas quanto ao esgotamento do modelo de industrializao por substituio deimportaes e da adoo de algumas diretrizes vinculadas a novos paradigmasprodutivos, como a especializao flexvel, o desenvolvimento sustentvel, aintegrao supranacional etc. O documento vale antes como um sinalizador de

    percepes governamentais quanto s deficincias do parque produtivo brasileiroe s macroprioridades da modernizao industrial do que como referncia slidapara as aes do governo federal e para a concesso de prioridades concretas porparte do governo como um todo. Resulta da que muito elevado o grau dedisperso no que se refere concretizao destas intenes e transformaodestas em programas com metas e meios definidos e regulamentados.

    3 - AS POLTICAS INDUSTRIAL E DE COMRCIO EXTERIOR DE FATO

    A ampliao da abertura comercial no final de 1994 pela alterao no cronogramade reduo tarifria,16no segundo semestre de 1994, representou a etapa final doprocesso iniciado em 1990. Como vimos, ao incio desse processo as tarifasmdias sobre importaes eram da ordem de 40%. Alm disso, havia uma lista deprodutos cuja importao era proibida. Em 1996, chegou-se tarifa mdia de12,5% e nenhuma proibio de importao.

    16A rigor, como dissemos, o cronograma no foi alterado. O que foi mudado foram as alquotas vigentes aps

    cumprido o cronograma. Quanto antecipao de trs meses do Mercosul e dadas as pequenas modificaesnas alquotas, o efeito foi mais sobre as expectativas do que sobre a competitividade dos produtos locais.

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    Tendo sido a principal pea das polticas industrial e de comrcio exterior destadcada at o momento, a abertura comercial caracterizou-se pelo forte impactosobre a estrutura da indstria, sobre seu desempenho competitivo e suasperspectivas, com implicaes que se projetam sobre o futuro. O discurso oficial

    analisado na seo anterior parte desse processo ao propor estratgias decontinuidade, alm de polticas gerais e especficas.

    A prtica de polticas industrial e de comrcio exterior, no entanto, comportavariantes em relao s propostas. Discurso e prtica nem sempre andam juntos,na medida em que nem sempre h consenso entre os formuladores de polticaeconmica quanto a aes especficas.

    Assim que a principal medida de poltica industrial propriamente dita daadministrao do Presidente Fernando Henrique Cardoso foi de cunho

    marcadamente setorial aquela relacionada indstria automobilstica, com oacordo automotivo de abril de 1995 , apesar da postura ostensivamentefavorvel s medidas horizontais por parte da equipe econmica desde 1994.

    No mbito das medidas mais gerais e modificaes institucionais, no entanto, hdiversas iniciativas de polticas horizontais, aparentemente mais de acordo com afilosofia geral de atuao do governo. Dentre estas, merecem destaque as medidastendentes reduo do custo Brasil, as mudanas no marco institucional(especialmente no que toca poltica de comrcio exterior) e na legislao dedefesa comercial, a poltica de financiamento do BNDES e a poltica decompetio (antitruste). Medidas isoladas e tpicas de legislao de comrcio

    exterior (basicamente, alteraes tarifrias) tm tambm tido destaque entre asiniciativas recentes, apontando na direo oposta s anteriores isto , nosentido de proteger e/ou privilegiar segmentos industriais especficos. Vejamoscada um destes itens, a seguir.

    3.1 - A Poltica de Comrcio Exterior

    Uma das principais caractersticas do Plano Real a desvinculao da taxacambial da evoluo dos preos domsticos isto , a dexindexao do cmbio.Dados a inflao residual dos primeiros meses do Real e o regime de flutuao

    cambial praticado pelo Banco Central com o uso do cmbio como ncora paraos preos dos bens comercializveis (tradables) , observou-se umdescolamento do cmbio em relao taxa de inflao, tornado possvel pelosingressos de capital pelo balano de pagamentos, atrados pelos juros elevados.Somado a isso, o aquecimento da economia no perodo inicial do plano e acriao de novos canais de comercializao e de uma infra-estrutura deimportaes geraram ingressos crescentes de produtos importados. Ao mesmotempo, a taxa cambial valorizada tornou as exportaes menos rentveis no curtoe no mdio prazos. O resultado foi o aparecimento de dficits na balanacomercial, que se avolumaram a partir de 1996, e tentativas isoladas de controledas importaes e fomento ou apoio s exportaes.

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    No entanto, qualquer discusso dos rumos das polticas industrial e de comrcioexterior deve partir do fato de que a prioridade em termos de poltica econmicano Brasil ainda recai sobre a estabilizao. A prtica corrente em matria depolticas industrial e de comrcio exterior justifica medidas excepcionais de

    proteo tomadas recentemente (isto , desde o comeo de 1995) em nome danecessidade de equilbrio na balana comercial e da manuteno de empregos nossetores da indstria mais afetados pela abertura comercial.

    Isso no significa que no se reconhea que um programa de liberalizaocomercial tem objetivos de longa maturao na medida em que a reduo daproteo aproxime o conjunto de preos relativos domsticos dos internacionais,modificando a alocao de recursos no longo prazo em direo aos benscomercializveis onde a produo se mostre mais eficiente.

    Claramente, o impacto da concorrncia de produtos importados em condies decmbio valorizado foi benfico quanto estabilizao de preos ps-Plano Realpelo efeito sobre a demanda. Mas a mais longo prazo os fatores de oferta tendem aganhar, dinamicamente, maior peso. A liberalizao comercial acarreta mudanasna estrutura produtiva que aperfeioam a utilizao de insumos e melhoram aqualidade do produto final. Isso tudo representa barateamento dos custos deproduo, com implicaes positivas sobre a estabilizao dos preos. Asimportaes de matrias-primas e de bens de capital beneficiaram-se ainda dastaxas de juros dos emprstimos externos, substancialmente menores do que asvigentes no pas. Isso, embora tenha prejudicado os setores domsticos queconcorrem com as importaes na oferta deste tipo de bens, tem contribudo para

    melhorar a competitividade da produo nacional, parcialmente contrabalanandoas altas taxas de juros vigentes no mercado domstico at recentemente. Tudo issotem impacto sobre as polticas de importaes e de exportaes, apresentadas maisadiante nesta seo.

    A preocupao com questes relativas ao comrcio exterior e as polticasindustrial e de comrcio exterior efetivamente praticadas seguem tendncia quevem desde o incio da presente dcada. Neste sentido, foi criada uma Cmara deComrcio Exterior (CCE) logo no comeo do atual governo (ver Decreto n 1.386,de 6/2/1995), que procura superar os problemas institucionais decorrentes da

    fragmentao das instncias decisrias nesta rea e coordenar as atividades edecises com vistas elaborao de uma poltica de mdio prazo para o comrcioexterior. Seus objetivos incluem executar um vastssimo conjunto de atribuiescobrindo ampla gama de temas relacionados, como as seguintes:

    a) definir as diretrizes da poltica de comrcio exterior; b) manifestar-sepreviamente sobre as normas e legislao sobre o comrcio exterior e temascorrelatos; c) dispor sobre as diretrizes para as alteraes das alquotas dosimpostos de importao e exportao; d) estabelecer as diretrizes para asinvestigaes relativas a prticas desleais de comrcio exterior; e) fixar asdiretrizes para a poltica de financiamento e de seguro de crdito s exportaes; f)

    estabelecer as diretrizes para a poltica de desregulamentao do comrcio

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    exterior; g) avaliar o impacto das medidas cambiais, monetrias e fiscais sobre ocomrcio exterior; h) formular a poltica sobre a concesso de reas de livrecomrcio, zonas francas e zonas de processamento de exportaes; i) fixar asdiretrizes para a promoo de bens e servios brasileiros no exterior; e j) indicar

    parmetros para as negociaes bilaterais e multilaterais relativas ao comrcioexterior.17

    reconhecido que a CCE tem finalidade consultiva, e no executiva, sendoprincipalmente um foro de discusso e de coordenao de polticas de comrcioexterior. Ela fixa diretrizes e serve de instrumento de dilogo entre governo esetores produtivos da sociedade, mas no lhe cabe atribuio operacional emmatria de comrcio exterior. Cada ministrio que a compe guarda suacompetncia especfica. No entanto, diversas decises, ou orientaes de poltica,emanam de suas deliberaes.

    Em 1995/96, o tema do financiamento s exportaes teve grande destaque nasdiscusses da Cmara, tendo-se estabelecido parmetros para aperfeioar omecanismo de equalizao de juros18 e iniciado estudos para estabelecer umsistema de seguro de crdito s exportaes. A questo da desonerao fiscal dasexportaes foi outro tema de destaque nas discusses da CCE (ver medidas dereduo do custo Brasil). Da resultou a medida provisria que permite adeduo de 5,37% das compras, no mercado interno, dos insumos (matrias-primas, embalagem e produtos intermedirios) quando se destinam produopara exportao.19

    Alm desses, esforos foram feitos no sentido de internalizar os mecanismos deproteo condicional aceitos no mbito do Gatt resultantes da Rodada Uruguai,da resultando pioneiros (em termos de Brasil) diplomas legais de defesacomercial necessrios constituio de um verdadeiro sistema de proteocomercial (ver adiante). Ademais, a Cmara tem coordenado a discusso, nogoverno, da Lei nica de Comrcio Exterior, cuja finalidade seria consolidar emum nico instrumento jurdico a legislao pertinente ao assunto e hoje dispersa,aperfeioando ou reforando, ao mesmo tempo, alguns instrumentos, como ofinanciamento s exportaes. O projeto de lei encontra-se em discusso noCongresso Nacional, atualmente.

    17 A CCE tem como integrantes: o ministro chefe da Casa Civil (que seu presidente), o ministro dasRelaes Exteriores, o ministro da Fazenda, o ministro do Planejamento e Oramento, o ministro daIndstria, do Comrcio e do Turismo, o ministro da Agricultura, Abastecimento e Reforma Agrria, e opresidente do Banco Central, podendo, ainda, convidar representantes de outros rgos do governo paraparticipar das reunies.

    18Como resultado prtico dessas discusses tem-se a publicao dos instrumentos legais que regulam o tema.Estes documentos, inclusive, ampliaram a lista de produtos elegveis: Resoluo n 2.214 do ConselhoMonetrio Nacional e Carta Circular Bacen n 2.601 (ambas de 29/11/95) e Portaria MICT n 368, de5/12/95. No entanto, o mecanismo de equalizao de juros vem sendo usado de forma ainda muito limitada.

    19 Em relao Cofins, a CCE agiu no sentido de solucionar o contencioso referente iseno dessa

    contribuio nas vendas externas, tendo recomendado a apresentao de emenda ao Projeto de LeiComplementar n 54/95, aprovado pela Cmara dos Deputados em 30/11/95.

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    Alm da CCE, o atual governo promoveu tambm alteraes no aparatoanteriormente existente de formulao e implementao da poltica de comrcioexterior. A mais visvel, no mbito da antiga Secretaria de Comrcio Exterior(Secex), teve por objetivo maior especializao de funes com a subdiviso dos

    dois departamentos que antes existiam (DTT e Decex) em quatro, com atribuiesmais claramente definidas e especializadas: a) o Departamento de DefesaComercial (Decom), com atribuies nas reas de antidumping, anti-subsdios esalvaguardas (ver sumrio da nova legislao relevante mais adiante), incluindoas negociaes internacionais nessas matrias; b) o Departamento de NegociaesInternacionais, encarregado da administrao da Tarifa Externa Comum (TEC) eoutras tarifas; c) o Departamento de Operaes de Comrcio Exterior (Decex),com algumas atribuies da antiga Cacex; e d) uma secretaria de coordenao daSecex, o Departamento de Polticas de Comrcio Exterior.

    Ainda no mbito da Secex/MITC, foi reformulado, por intermdio de portariaconjunta interministerial MICT/MF (Portaria n 14, de 4/9/95), o ComitConsultivo de Defesa Comercial (CCDC) com o objetivo de examinar, eminstncia consultiva, questes relativas a investigaes de dumping e desubsdios e, quando especialmente convocado, aspectos relacionados cominvestigaes de salvaguardas. O CCDC composto de representante dosMinistrios da Indstria, Fazenda, Planejamento, Relaes Exteriores,Agricultura, e da Secretaria Executiva da Cmara de Comrcio Exterior. Competeao CCDC fazer recomendaes, com base em pareceres elaborados pelo Decom,sobre os seguintes aspectos, entre outros: a) abertura, prorrogao de prazo eencerramento de investigao; b) incio de processo de reviso de direitos,

    antidumping ou compensatrios, definitivos; c) arquivamento; d) aplicao dedireitos, antidumpingou compensatrios, provisrios ou medidas de salvaguardaprovisrias; e) homologao ou trmino de compromissos; f) encerramento deinvestigao, com ou sem aplicao de direitos, antidumpingou compensatrios,definitivos ou de medidas de salvaguarda definitivas; g) suspenso dos direitos,antidumping ou compensatrios, definitivos; e h) revogao, suspenso,alterao ou prorrogao de medidas de salvaguarda definitivas.

    interessante observar, quanto aos aspectos de continuidade e mudana dasinstituies e polticas econmicas, que o plenrio das reunies do CCDC evoca,

    pelo seu esprito, o das antigas reunies da Comisso (ex-Conselho) de PolticaAduaneira do Ministrio da Fazenda (CPA). Uma das caractersticas deste Comitest em que ele procura dirimir o conflito potencial entre MICT e Ministrio daFazenda na aplicao dos direitos, salvaguardas etc. dada a atribuio fiscal daFazenda, mas reconhecendo que os encargos so direitos, e no impostos criando uma instncia de colaborao de facto entre as duas agnciasgovernamentais. A nova legislao permite a assinatura conjunta dos ministros daFazenda e da Indstria.

    Vejamos em mais detalhes, a seguir, as polticas de importao e de exportao.

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    3.1.1 - A Poltica de Importao

    A Poltica Tarifria

    Como vimos, o principal conjunto recente de medidas de poltica industrial e decomrcio exterior foi adotado com as Diretrizes Gerais da Poltica Industrial e deComrcio Exterior (Pice), que anunciavam uma nova estrutura de tarifas deimportaes a ser gradualmente implantada. A Tabela 1 resume as alteraes naestrutura desde o comeo do programa.

    Tabela 1Tarifas de Importao 1990/95

    (Em %)Datas Mdia Moda Mediana Intervalo Desvio Padro1990 32,2 40 30 0 - 105 19,6Fev. /1991 25,3 20 25 0 - 85 17,4Jan. /1992 21,2 20 20 0 - 65 14,2Out. /1992 16,5 20 20 0 - 55 10,7Jul. /1993 14,9 20 20 0 - 40 8,2Jan. /1995 12,1 14 10 0 - 20 6,1

    Fonte: Pinheiro (1996).

    Assim, a ampliao da abertura comercial no final de 1994 pela alterao nocronograma de reduo tarifria representou a etapa final do processo deliberalizao comercial. No comeo de 1996 praticava-se uma tarifa mdia deimportao da ordem de 12,5%, no havendo nenhuma proibio relevante deimportar.

    Alm disso, a abertura da economia brasileira foi um processo especialmentebem-sucedido se levarmos em conta que, em boa parte do tempo em que ocorreu aeconomia encontrava-se em recesso (1990/92). No h dvidas, por outro lado,que o ainda elevado nvel das alquotas at 1993 e a no-existncia de uma infra-estrutura de importaes e de canais adequados de comercializao dos bensimportados contriburam para que a abertura comercial fosse mais visivelmentepercebida e difundida de 1993 em diante, no coincidentemente de forma

    simultnea retomada do crescimento do nvel de atividade. A adoo de novastcnicas gerenciais, tambm simultnea abertura comercial, contribuiugrandemente para uma reestruturao defensiva que atingiu todo o setor industrial.

    No entanto, algumas mudanas no antecipadas tiveram o efeito de gerar incertezae foram nocivas s expectativas e ao desempenho empresarial. Entre essas,destacam-se as antecipaes do cronograma de redues tarifrias, redues detarifas antecipando a introduo da TEC no mbito do Mercosul e outras reduestarifrias com objetivos antiinflacionrios. Na realidade, estes objetivosdominaram a gesto da poltica de importaes no segundo semestre de 1994,determinando, entre outras medidas, a diminuio para 0% ou 2% dasalquotas do imposto de importao de insumos e bens de consumo com peso

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    significativo na formao dos ndices de preo. Esses fatores, reforados pelavalorizao do cmbio, pelo aquecimento da atividade econmica domstica epelo lento progresso das reformas estruturais, contriburam para o surgimento dedficits comerciais a partir de 1995 dado o forte crescimento das importaes. 20

    Na reao a este resultado, no temor de que a balana comercial fugisse aocontrole, e tambm como resposta a presses protecionistas de setores fortementeexpostos concorrncia internacional pelas redues nas alquotas do imposto deimportao introduzidas em 1994 (automveis, eletroeletrnicos de consumo ealguns grupos de insumos e matrias-primas) e pela valorizao cambial, ogoverno elevou as alquotas de importao de automveis (a cujas importaestambm foram impostas cotas, depois retiradas), motocicletas, bicicletas,eletroeletrnicos de consumo, tecidos, cobertores, calados esportivos (tnis),itens cujas importaes vinham apresentando altas taxas de crescimento. Aomesmo tempo, no entanto, para coibir aumentos considerados abusivos nos preos

    domsticos, o governo reduziu as alquotas de um grupo de produtos alimentcios,qumicos, txteis e metalrgicos.

    Entre julho de 1994 e setembro de 1996, 89% dos produtos que compem ouniverso da Nomenclatura Brasileira de Mercadorias Sistema Harmonizadotiveram pelo menos uma alterao de alquota de importao, sendo que para 17%deste universo o nmero de alteraes foi pelo menos igual a trs [Baumann,Rivero e Zavattiero (1997)]. Mais de 70% destas alteraes se referiam seja adequao parcial da Tarifa Aduaneira do Brasil TEC do Mercosul, em setembrode 1994 (responsvel por 29% das alteraes), seja ainda implantao da TECem janeiro de 1995, representando 44% dos casos.

    Neste contexto, uma das principais caractersticas da poltica de comrcio exterior,especialmente no mbito do Mercosul, diz respeito s constantes alteraes nasalquotas de importao dos produtos integrantes da lista de exceo TEC para manter as alquotas de produtos como txteis, artigos de vesturio,eletrodomsticos, automveis, motocicletas, entre outros, bem superiores s daTEC alm da formulao de uma nova lista de proteo tarifria a listaDallari (em nome do ex-Secretrio de Abastecimento e Preos), na qualconstavam em abril de 1996 cerca de 60 produtos como txteis, lcteos e artigosde vesturio.

    A lista bsica de excees do Brasil no Mercosul exclusive bens de capital eprodutos de informtica e de telecomunicaes pode conter at 300 produtoscom alquotas situando-se acima ou abaixo das da TEC. Em meados de 1996, estalista cobria 233 itens, incluindo produtos qumicos e petroqumicos, alimentos,txteis, material de construo, produtos de limpeza e de higiene, e de couro e demadeira. Em geral, as tarifas destes produtos esto abaixo das da TEC, devendoconvergir para os nveis desta at 1 de janeiro de 2001. No caso das excees para

    20Existe um componente no-quantificvel subjacente ao aumento das importaes nos ltimos anos. Ele temorigem no fato de que o acesso a produtos importados foi cronicamente restringido durante dcadas para os

    consumidores e produtores brasileiros, contribuindo para criar um vis pr-importaes. Em que medida essa"preferncia revelada" por importados no estar tambm refletindo esse fenmeno?

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    bens de capital, a lista brasileira inclui cerca de 900 itens, com tarifas superioress da TEC e compromisso de convergncia para o nvel de 14% at 2001. No casode produtos de informtica e telecomunicaes, a lista de exceo inclui 200 itens,com meta de convergncia em torno de alquota de 16% at 2006.

    A lista Dallari Resoluo n 7/95 do Grupo Mercado Comum (GMC) foiformulada em abril de 1995, posteriormente lista de exceo TEC,combinando dois objetivos conflitantes, pelo menos, em princpio: funcionarcomo resposta s crescentes presses protecionistas setoriais e lidar comproblemas de desabastecimento. Por isto mesmo, os nveis tarifrios dos produtosnela includos podem estar acima ou abaixo da TEC. No caso da lista publicadaem fevereiro de 1996, 38 produtos tinham alquotas acima da TEC, enquanto 29encontravam-se abaixo dela. Essa lista se caracteriza por ser mvel, renegociada acada trs meses, com prazo de validade de um ano. A ltima renegociao

    aconteceu em fevereiro de 1996, para vigorar at abril do mesmo ano.No final de maro de 1995, as autoridades econmicas editaram o Decreto n1.427 (com prazo de vigncia de um ano), que elevou para 70% as alquotas de122 produtos includos na TEC, principalmente eletrodomsticos das linhasbranca (refrigeradores, freezers, mquinas de lavar, liqidificadores e batedeiras)e marrom ( televisores e aparelhos de som) aparelhos telefnicos, calados,motocicletas, bicicletas e automveis, visando atingir o equilbrio das contasexternas.

    Em 1 de abril de 1996 expirou o prazo de vigncia do Decreto n 1.427, e as

    alquotas daqueles 122 produtos deveriam ser reduzidas para o nvel da TEC, ouseja, 20%. O governo, alm de retirar os produtos petroqumicos da lista bsica deexceo, formulou um cronograma gradual de reduo tarifria entrando emvigor no dia 1de abril de 1996 para 107 dos 122 produtos de que tratava odecreto.21Neste novo cronograma, os produtos tm uma reduo de tarifa de 2, 3ou 4% por ano, dependendo do produto, at alcanar o nvel da TEC no ano 2001.

    A reduo de alquotas do Imposto de Importao para os eletrodomsticosportteis e eletroeletrnicos seguir um cronograma mais lento do que odeterminado para os produtos da linha branca, dado que o setor produtor destes

    ltimos vem obtendo resultados positivos e sua reestruturao se encontra emestgio avanado. Os eletrodomsticos portteis e eletroeletrnicos tiveram aalquota de importao fixada em 35%, assim como as motos e bicicletas. J aalquota dos freezers, geladeiras e aparelhos de ar-condicionado foi reduzida para30%. O setor caladista ser o nico a manter uma alquota de 40%, percentualacima do acertado pelo Brasil com a OMC/Gatt, em funo da crescenteimportao de produtos originrios da China e a premncia da reestruturao dosetor.

    21

    Os 15 produtos restantes so resinas termoplsticas que, por questes de abastecimento, sero retiradas dalista de exceo TEC.

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    Os produtos includos na lista Dallari deveriam, assim como os da lista de exceo TEC, ter as suas alquotas de importao alinhadas com as da TEC. Issosignifica que produtos como txteis teriam suas alquotas reduzidas dos atuais70% para 18%. Buscam-se, contudo, alternativas tcnicas para minimizar

    rebaixamentos tarifrios to bruscos, como a criao de um cronograma gradualde reduo de alquotas, a exemplo do que foi feito na reviso tarifria da lista deexceo TEC. H propostas tambm de incluso dos produtos txteis numaespcie de lista especial, vinculada a metas de reestruturao da indstria txtilnacional, inclusive com a possibilidade de adoo de medidas de salvaguarda, seforem comprovados danos indstria por aumento de importaes, podendo serfixadas tarifas compensatrias ou cotas de importao. De qualquer forma, o setortxtil merecer ateno prioritria da poltica governamental devido sua histricaimportncia em termos de acumulao de capital (poder poltico) e gerao deempregos em diversos estados brasileiros.

    Assim que, em junho de 1996, o governo brasileiro anunciou a imposio decotas para a importao de tecidos artificiais e sintticos originrios da China,Hong Kong, Coria do Sul, Taiwan e Panam, sob a gide do Acordo Multifibrasdo Gatt 1994. Esta medida dever vigorar por prazo mximo de trs anos, a partirde 1 de junho de 1996. Tambm em junho de 1996, o governo adotou medida desalvaguarda provisria, adicionando at 31 de dezembro de 1996 50 pontospercentuais TEC de 20% aplicvel aos brinquedos. Trata-se da primeiraaplicao, no Brasil, do Acordo de Salvaguardas, regulamentado no pas peloDecreto n 1.488, de 11 de maio de 1995, segundo o qual uma medida provisriapode ser aplicada em circunstncias crticas, aps determinao preliminar da

    existncia de elementos de prova claros de que o aumento das importaescausou ou esteja ameaando causar prejuzo grave indstria domstica, comuma durao mxima de 200 dias [Piani (1996)]. Em contrapartida proteoconcedida pelo governo, o setor de brinquedos assumiu compromissos genricosde aumento de produtividade e de qualidade e de atualizao de tcnicasprodutivas, entre outros aspectos.

    Como resultado das alteraes introduzidas ao longo dos ltimos trs anos naestrutura tarifria, a tarifa mdia simples passou de 13,02%, em 1995, para13,13%, entre janeiro e setembro de 1996, e a proteo efetiva mdia (simples)

    passou de 14,4%, em dezembro de 1994, para 23,4%, em dezembro de 1995.Refletindo o peso das excees brasileiras TEC, este nvel mdio de proteoefetiva supera em muito a mdia a ser atingida pela TEC em 2006, que de15,3%. Segundo Kume (1996b), tiveram aumento em suas tarifas efetivas aolongo dos dois ltimos anos os setores beneficiados pelo maior grau de proteoconcedido pelo governo (veculos automotores, couro e calados, materialeltrico, e equipamentos eletrnicos) e aqueles favorecidos pelo trmino, emmaro de 1995, do prazo de validade, das redues impostas em 1994 (indstriafarmacutica e de perfumaria, acar, beneficiamento de produtos vegetais erefino de petrleo). Hoje, tm tarifa efetiva superior a 20% os setores demquinas, material eltrico, equipamentos eletrnicos, automveis e outros

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    veculos (270,9%), txtil, vesturio, couros e calados, plsticos, produtosalimentares e laticnios.

    Alm disso, aumentou significativamente a disperso tarifria, tanto em termos

    nominais (desvio padro de 9,5, em dezembro de 1995, contra 5,9, em dezembrode 1994), quanto em termos de proteo efetiva (45,9 contra 9,7,respectivamente), e a distribuio de freqncia das tarifas brasileiras mostra umarelativa concentrao nas faixas mais elevadas de alquotas da TEC, tanto emtermos de linhas tarifrias, quanto de importaes totais. Em grande medida, estatendncia reflete a existncia de substancial escalada tarifria, reforada pelasalteraes introduzidas em 1995 e 1996, em benefcio principalmente dos setoresprodutores de bens finais. Assim, clculos feitos para 1996 mostram que a tarifamdia simples para matrias-primas foi de 6,5%, passando para 9,2%, para benssemimanufaturados e para 15,7% para bens finais.

    Barreiras No-Tarifrias

    Alm das alquotas do imposto de importao, algumas taxas incidemexclusivamente sobre as importaes. o caso, por exemplo, dos custosbancrios para emisso de guias de importao, de algumas taxas porturias eaeroporturias e do AFRMM que incide (em 25%) sobre os fretes de importao.

    Com menos autonomia para gerenciar a poltica tarifria, em funo doscompromissos assumidos no marco do Mercosul, o governo vem sinalizando nosentido de recorrer a modalidades no-tarifrias de proteo como resposta a

    demandas de setores ameaados pela concorrncia de importaes. Assim,condicionou-se a emisso de guias de importao para arroz e produtos txteis exigncia de pagamento vista pelo importador, ao mesmo tempo em que seintroduzia, em agosto de 1995, a exigncia de apresentao, pelo importador debrinquedos, de certificado de qualidade do Inmetro ou de laboratrio no exterior,reconhecido por aquele Instituto. Na mesma direo vai o anncio de que serestabelecer a cobrana da Taxa de Organizao e Regulamentao do Mercadoda Borracha (Formb), que equaliza os preos da borracha natural nos mercadosinterno e externo.

    exceo do caso do setor de brinquedos, j citado, h que se reconhecer que oBrasil no tem recorrido ao uso de barreiras tcnicas, sanitrias e fitossanitriascom objetivos protecionistas. Na rea de normas tcnicas, em geral, o pasreconhece os procedimentos de teste nos pases exportadores, desde que asimportaes se faam acompanhar dos certificados correspondentes, e oslaboratrios brasileiros de certificao esto em processo de estabelecimento deacordos de reconhecimento mtuo com suas contrapartes em vrios pases.

    Outros Mecanismos de Defesa Comercial

    Ainda em relao ao relacionamento comercial com o exterior, tem-se em fins de

    1995 a aprovao da Lei n 9.019, que adapta a legislao domstica aos termos

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    do Acordo antidumpinge do Acordo de Subsdios e Direitos Compensatrios doGatt, incorporando os resultados da Rodada Uruguai de Negociaes, tais comoconsolidados em Marrakesh, em abril de 1994.

    A Lei n 9.019 tem como caracterstica mais importante a desvinculao do direitoantidumping da legislao do Imposto de Importao. Sendo assim, a partir desua promulgao a legislao antidumping fica a cargo do MICT, maisprecisamente do Decom, enquanto a questo da aprovao das tarifas aduaneiraspermanece no mbito do Ministrio da Fazenda.

    A Lei n 9.019 forneceu a base jurdica para que se trouxesse para o Brasil, pelosDecretos Antidumping (Decreto n 1.602, de 23/8/95), Anti-Subsdios (Decreto n1.751, de 19/12/95) e de Salvaguarda (Decreto n 1.488, de 11/5/95), preceitosque, em nvel conceitual, so os mesmos discutidos no mbito do Gatt/94.

    Compete ao Ministro da Indstria, do Comrcio e do Turismo e ao Ministro daFazenda a deciso de aplicar, mediante ato conjunto, cada uma das medidasprevistas nos decretos citados anteriormente e homologar compromissos depreos, com base em parecer da Secex, que comprove a existncia de dumping,de subsdios ou de prejuzo ou ameaa de prejuzo grave indstria domstica.

    Alguns analistas parecem divergir quanto ao eventual uso destes instrumentoscomo mecanismo de proteo a setores no-competitivos, na recente polticacomercial brasileira [ver Piani (1996) e Kume (1997) para avaliaes destaquesto]. O aumento da demanda pelo uso destes instrumentos est certamente

    associado implementao do programa de liberalizao comercial e, at o finalde 1995, o Brasil j ocupava a stima colocao no rankingdos maiores usuriosde medidas antidumping, sendo superado apenas pelos Estados Unidos, UnioEuropia, Canad, Austrlia, Nova Zelndia e Turquia. A aplicao de medidasantidumpingno Brasil tem se dirigido principalmente s exportaes de pasesem desenvolvimento: da 19 medidas AD definitivas adotadas at o final de1995, 12 (63,2%) atingiram estes pases [Piani (1996)], com destaque para aChina (trs casos), ndia e Rssia (dois casos, cada).

    Enquanto no caso das aes anti-subsdios a concentrao setorial se verifica em

    torno de produtos agrcolas beneficiados por legislao de 1991 que d maiorautomaticidade ao julgamento da existncia de dano produo domstica debens agropecurios , nas aes antidumping, muito mais numerosas, destaca-se a participao dos produtos qumicos. Protecionistas e liberais reconhecem nafragilidade tcnica e financeira dos rgos que administram os mecanismos dedefesa comercial e nas constantes mudanas no organograma da rea responsvelpelo comrcio exterior os fatores que comprometem uma adequada atuao destesrgos. Para os protecionistas, uma vez autorizada pela legislao a imposio dedireitos provisrios, esta deficincia institucional o elo fraco da cadeia de defesacomercial. Para os liberais, esta fragilidade facilita a transformao da legislaode defesa comercial em instrumento de atendimento de demandas injustificadas

    de proteo, bem como a captura destas instituies pelos interesses privados.

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    A Medida Provisria n 1.569, de 25/3/97

    Mais recentemente, com a Medida Provisria n 1.569, de 25 de maro de 1997, o

    governo alterou o regulamento que rege o pagamento das importaes brasileirascom prazo de at 360 dias, mais tarde estendendo a regulamentao tambm simportaes financiadas a prazos superiores a 360 dias. Ao justificar a medidadestacou-se a necessidade de equiparar as condies de financiamento dasimportaes e exportaes. De fato, um exportador tem atualmente at 180 diaspara liquidar um Adiantamento sobre Contratos de Cmbio (ACC), ou seja, podeantecipar em at 180 dias a receita de exportao. A idia ento tambm limitar(em 180 dias) o prazo pelo qual um importador pode postergar o pagamento dasimportaes alm do prazo.

    As principais alteraes introduzidas pela medida provisria consistem, assim,primeiro, na obrigatoriedade aos importadores de contratar cmbio para liquidaofutura e antecipar o pagamento em 180 dias, ou seja, importaes financiadas at180 dias tero que ser pagas vista quando da Declarao da Importao,enquanto as demais tero o prazo de pagamento limitado em at 180 dias; e,segundo, o importador que no efetuar o pagamento de importao em at 180dias aps o primeiro dia do ms subseqente ao previsto para pagamento naDeclarao de Importao fica sujeito ao pagamento de multa diria a serrecolhida ao Banco Central com base no rendimento das LBCs. A contratao decmbio fora dos prazos estabelecidos tambm sujeita o importador a multa.

    Com o regime anterior, o financiamento s importaes permitia s empresasobter capital de giro a custos inferiores ao do mercado domstico, de modo que asimportaes acabavam financiando as empresas e no o contrrio. Alm disso, apossibilidade de arbitragem de juros era em si um incentivo ao financiamentoexterno mesmo para as empresas capazes de financiar seu ciclo operacional comrecursos prprios. Finalmente, o produto importado podia ser adquirido emmelhores condies de financiamento que seu similar nacional.

    3.1.2 - A Poltica de Exportao

    No novo cenrio de estabilidade econmica, a aposta da atual administrao estna hiptese de que o aumento da competitividade das exportaes brasileirasdever ser alcanado pela combinao das seguintes medidas: desonerao fiscaldas exportaes, melhoria das condies de financiamento s exportaes e produo para exportao (incluindo-se o seguro de crdito s exportaes), emaior eficincia e reduo de custo na infra-estrutura porturia, de comunicaese de transporte.

    Tributao

    Estimativas recentes da Confederao Nacional da Indstria (CNI) situam a carga

    tributria sobre a indstria brasileira em cifras da ordem de 36%. Ao mesmo

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    tempo, a carga tributria sobre as exportaes de produtos manufaturados em1990 era de quase 12%, ao passo que nos pases industrializados e nos principaiscompetidores internacionais do Brasil ela muito mais baixa. Isso que leva osdefensores da desonerao fiscal das exportaes a afirmarem que o Brasil

    exporta impostos. O impacto do recolhimento do PIS/Pasep e da Cofins, porexemplo, estimado pela Associao dos Exportadores Brasileiros (AEB) daseguinte forma: o impacto do PIS/Pasep no ltimo estgio da cadeia produtiva de 0,65%, ao passo que o da Cofins de 2%, sendo no total de 2,65%.

    No que diz respeito aos custos de mo-de-obra (incluindo o financiamento daseguridade social e os servios sociais), estima-se que se situem em algo como102% da folha salarial. Cifras dessa magnitude no s reduzem a vantagem depagar salrios mais baixos, como afetam negativamente o nvel de empregoformal a expensas do informal. Existem atualmente propostas no sentido de

    reduzir estes custos, mas ainda cedo para avaliar sua eficcia e alcance.Como parte do esforo de desonerao fiscal das exportaes, aboliu-se opagamento das contribuies sociais do PIS/Pasep e da Cofins incidentes sobreas aquisies, no mercado interno, de matrias-primas, produtos intermedirios ematerial de embalagem, para utilizao no processo produtivo sob a forma decrdito presumido do IPI (ltima reedio: Medida Provisria n 1.312/96).22

    Por outro lado, o governo federal negociou com os estados a eliminao daincidncia do ICMS sobre as exportaes de produtos primrios esemimanufaturados, assegurando-lhes compensaes financeiras caso esta medida

    provocasse perda de receita para os estados nos primeiros anos de vigncia danova legislao. A iseno, que j beneficiava, h mais de 30 anos, os produtosmanufaturados, estende-se, a partir da legislao adotada em agosto de 1996 (masainda no regulamentada), aos demais produtos e atinge tambm as compras deequipamentos para investimento no mercado interno e a energia eltrica usada naproduo. A partir de 1998, a medida se estender tambm aos bens de consumousados na produo. Ainda resta por superar a dificuldade de recuperar o crditodo ICMS pago em estgios anteriores da cadeia produtiva, dadas a complexidadeoperacional deste mecanismo e a competncia dos estados em matriasenvolvendo o ICMS.

    Financiamento

    As principais medidas de apoio s exportaes concentram-se na rea definanciamento, onde a atuao do governo federal se centra no financiamento svendas externas de bens de longo ciclo de fabricao e servios de engenharia,dentro de uma viso em que se confere papel preponderante s linhas privadas decrdito ao comrcio exterior.

    22 A base de clculo do crdito presumido determinada mediante aplicao, sobre o valor total dasaquisies de matrias-primas, produtos intermedirios e material de embalagem, do percentual

    correspondente relao entre a receita de exportao e a receita operacional bruta do exportador. O crditofiscal o resultado da aplicao do percentual de 5,37% sobre a base de clculo.

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    Radicalizando esta viso e provavelmente tornando-a no operacional noGoverno Collor lanou-se a idia de criao de um Eximbankmajoritariamenteprivado. A proposta no foi adiante e o sistema pblico de financiamento s

    exportaes foi se reconstituindo com dificuldades e vrias insuficincias em torno de dois programas: o Finamex, do BNDES, e o Programa deFinanciamento s Exportaes (Proex), operacionalizado pelo Banco do Brasil,em nome do Tesouro. A estes dois componentes deve-se acrescentar, no decorrerdos prximos meses, um terceiro: a criao de uma empresa de seguro de crdito,majoritariamente privada, com participao do Banco do Brasil e de uma grandeseguradora estrangeira [a Companhia Francesa de Seguro de Crdito Exportao(Coface)] e prestadora de servios ao Tesouro no que se refere gesto dos riscospolticos e extraordinrios (reproduzindo o modelo institucional das antigasseguradoras estatais de crdito exportao da Europa Ocidental, hoje

    privatizada, mas atuando em nome dos governos na gesto destes riscos).Programas Operados pelo Setor Pblico

    Finamex/BNDES

    No caso do BNDES, o produto financeiro mais tradicional o programa Finamex,constitudo de operaes indiretas (isto , via agentes) visando ao financiamentodas exportaes de mquinas e equipamentos. Os financiamentos pelo Finamexso denominados em dlar norte-americano e comportam duas modalidades: oFinamex Pr-Embarque (criado ao final de 1990) e o Finamex Ps-Embarque

    (criado em setembro de 1991). A primeira modalidade destina-se aofinanciamento da produo de mquinas e equipamentos para exportao segundoo seguinte conjunto de condies:Prazo: 30 meses;Participao no financiamento total: equivalente a 85% do valor FOB deexportao;Taxa de juros: Libor semestral, fixada em 10de abril e 10de outubro, acrescida dastaxas de 2% a.a. (como encargos do BNDES) e de at 3% a.a. (a ttulo de delcrederedo agente financeiro credenciado pelo BNDES), incidentes sobre o saldodevedor trimestralmente; estuda-se a reduo dos juros para 2%, a exemplo da

    modalidade ps-embarque;Amortizao: em parcela nica, no prazo mximo de quatro meses a contar dadata do embarque;Garantia: penhor, ao agente financeiro, dos direitos creditrios decorrentes docontrato de exportao.

    J o Finamex Ps-Embarque destina-se ao refinanciamento ao exportador demquinas e equipamentos atravs do desconto de cambiais de exportao ou dacesso de direitos creditrios de exportao garantidos por carta de crdito. Suascondies :

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    Prazo total: 96 meses;Participao no refinanciamento: equivalente a 85% da exportao;Taxa de desconto: Libor do prazo de financiamento acrescida de 2% paraoperaes sem equalizao; para operaes com equalizao solicitada no

    Registro de Operao de Crdito (RC) junto ao Banco do Brasil/Proex a taxa dedesconto a Libor do prazo de financiamento;Comisso de Compromisso: 0,5% a. a. sobre a operao no-liberada aps 45 diasde contratao;Comisso de Administrao: 0,75% sobre o valor liberado para o exportador, pararemunerao do banco mandatrio;Garantia: inscrio no Convnio de Crdito Recproco (CCR) ou aval do agentefinanceiro no pas, ou aval de banco de primeira linha.

    A Tabela 2 ilustra o desempenho do Finamex nos ltimos trs anos, permitindo

    concluir que os resultados so ainda bastante tmidos para o volume dasexportaes brasileiras de mquinas e equipamentos. De fato, para exportaesdos bens passveis de financiamento pelo programa, estimadas em US$ 6,3bilhes em 1996, o volume de operaes financiadas representou cerca de 6%deste total.

    Tabela 2Finamex: Evoluo do Programa 1994/96

    (Em US$ milhes)Desembolsos 1994 1995 1996Pr-embarque 69,2 92,1 n.d.

    Ps-embarque 189,0 276,9 n.d.Total 258,2 369,0 390,0Fonte: BNDES.

    Esses resultados levaram o governo, por intermdio do BNDES, a buscar novasalternativas de financiamento s exportaes. Um conjunto de medidas, lanadoem outubro/novembro de 1996, amplia o leque de atuao do BNDES ao incluirbens de consumo durveis na lista de bens passveis de financiamento, aoliberalizar as regras de concesso de capital de giro para empresas exportadoras,ao reduzir o nvel dos encargos do BNDES (para 1% a.a.), ao elevar o nvel de

    participao do BNDES no financiamento total (chegando at 100%), ao ampliaro escopo de garantias aceitas indo alm do CCR e trabalhando com garantiasbancrias e, eventualmente, do importador e ao instituir linha especial definanciamento exportao de bens de capital sob encomenda, pacotes de serviosde engenharia e de plantas turn key (prontas para operar), com prazos de at 12anos.

    cedo para qualquer avaliao dos impactos destas medidas sobre as exportaes,mas informaes do mercado do conta de que o BNDES tem sido lento naregulamentao das novas modalidades e condies, dificultando sua aplicao.

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    Proex/Banco do Brasil

    O Proex criado pela Lei n 8.187, de junho de 1991, tem duas finalidades:23

    financiamento exportao de bens e servios e equalizao de taxas de juros. O

    Banco do Brasil o agente financeiro da Unio para este programa.

    O financiamento exportao foi regulamentado apenas ao final de 1995 peloBanco Central e pelo MICT, em normas que estipulam as condies financeiras ea relao de bens e servios passveis de apoio. Na prtica, o Banco do Brasilencaminha os pedidos de financiamento ao Comit de Crdito s Exportaes(CCEX), organismo composto de diversos setores governamentais, que decidesobre a concesso de financiamento no Proex. As condies de apoio prevem

    juros equivalentes Libor fixa do prazo de financiamento ou varivel conforme operodo de amortizao, com prazos entre 18 e 120 meses, dependendo do bem a

    ser financiado. O financiamento cobre 85% do valor da mercadoria para bens comndice de nacionalizao de no mnimo 60%, reduzindo-se a participao relativado financiamento proporcionalmente reduo do ndice de nacionalizao.

    O mecanismo de equalizao das taxas de juros foi tambm regulamentado peloBanco Central e MICT em fins de 1995 em normas que fixam novos critrios paraos bens e servios passveis de benefcio. A equalizao calculada sobre o saldodevedor do principal e os valores apurados so pagos instituio financiadora emttulos pblicos federais nominativos e inalienveis, resgatveis no vencimento daamortizao e dos juros (trimestral ou semestralmente). As taxas de equalizaoso definidas por prazo e cada bem tem seu prazo de equalizao determinado na

    Portaria n 368 do MICT (5/12/95) segundo a seguinte escala:

    Um ano 2,0%Um a dois anos 2,2%Dois a trs anos 2,4%........................Nove a 10 anos 3,8%

    Tambm em 1995 ampliou-se a cobertura do Proex para o setor de servios eadotou-se como requisito de contedo local a norma Mercosul, ou seja, 60%. O

    valor das operaes de equalizao em 1995 alcanou US$ 243,3 milhes, sendo194,2 aprovadas e 49,1 efetivadas. Quanto s de financiamento o valor chegou aUS$ 80,9 milhes, sendo 32,6 aprovadas e 48,3 financiadas. Como se v, osvalores so muito pequenos em relao aos das operaes de exportao.

    Desde que foi criado, em 1991, o Proex liberou, a ttulo de financiamento, US$538,3 milhes. Deste total, 57,7% foram liberados para duas empresas de serviosde engenharia do grupo Odebrecht: a Construtora Norberto Odebrecht (51,7%) e aCompanhia Brasileira de Projetos e Obras (6%). A Embraer recebeu 7,8% dosrecursos do Proex e 76% dos recursos desembolsados pelo programa beneficiaram23

    Sua fase inicial de operaes, at o ano de 1995, foi cheia de dificuldades e alto custo para o TesouroNacional, razo pela qual o mecanismo vem sendo pouco utilizado.

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    exportaes de bens e servios para pases da Amrica Latina (sendo o Equador,com 24,4% do total, a Argentina, com 13,8%, e o Peru, com 13,3% , os principaispases de destino das exportaes financiadas). Angola recebeu 22,5% dasexportaes financiadas desde o incio de operao do programa. A taxa de

    utilizao dos recursos oramentrios alocados ao Proex, desde 1996, no temultrapassado mais do que 30% do total.

    Mais recentemente (abril de 1997) o governo anunciou novas medidas, no mbitodo Proex, visando estimular as exportaes. Uma das medidas consiste em darmaior autonomia ao Banco do Brasil na aprovao de financiamentos. A partir deagora, o Banco do Brasil pode aprovar operaes de financiamento de at US$ 5milhes. Antes, qualquer operao acima de US$ 1 milho tinha que sersubmetida ao CCEX, o que implicava o atraso de muitos emprstimos.

    Outra medida foi a expanso da lista de produtos beneficiados pelas operaes deequalizao de juros, assim como a elevao, para certos produtos, da parcelafinanciada que pode sofrer a equalizao. Anteriormente, apenas determinadosprodutos acabados podiam ser beneficiados pelo sistema e, ainda assim, aequalizao da taxa de juros abrangia apenas 85% do valor do financiamento.Agora, bens de capital e produtos de alto valor agregado (como avies e navios)podem ter 100% do financiamento equalizado. Alm disso, incluram-se bensainda em fase de produo entre os que podem se beneficiar do sistema deequalizao. A lista de tais bens ainda no foi definida, nem a parcela dofinanciamento que ter as taxas de juros equalizadas.

    Alm disso, o Conselho Monetrio Nacional (CMN) aprovou medidasincentivando os bancos a participarem das operaes de equalizao. Asoperaes eram pagas em ttulos inegociveis: os bancos s podiam resgat-losquando vencesse o prazo. Com as novas medidas, os ttulos emitidos a partir demaio podero ser colocados no mercado. Essa questo ser revista no final do ano,depois de medido seu impacto.

    Os bancos estrangeiros tambm foram incentivados a participar das operaes definanciamento. Anteriormente, tais bancos no podiam ter os ttulos em seu nomese no tivessem representao no Brasil, o que agora permitido, bastando que

    tenham a custdia de um banco nacional.Modalidades Operadas pelo Setor Privado24

    Pr-Pagamento Exportao

    Em junho de 1991, o Banco Central regulamentou a modalidade de financiamentoconhecida como pr-pagamento das exportaes. As mercadorias exportadas sobeneficiadas com o pagamento antecipado dos recursos originados deimportadores e de outras formas de financiamento, no prazo de at 180 dias entre24

    A rigor, essas modalidades no constituem poltica governamental, a no ser indiretamente, pelaregulamentao do Banco Central.

  • 7/26/2019 Regis Bonelli, Pedro Veiga, Adriana Brito - As Polticas Industrial e de Comrcio Exterior No Brasil Rumos e Indefini

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    AS POLTICAS INDUSTRIAL E DE COMRCIO EXTERIOR NO BRASIL: RUMOS E INDEFINIES

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    o contrato de cmbio e o efetivo embarque da mercadoria. Os juros da operaoso livremente pactuados entre as partes contratantes, sem interferncia do BancoCentral. Essa liberao dos juros tende a favorecer a concorrncia. Este produtotende a ampliar a margem de liquidez disponvel no exterior para financiar as

    exportaes brasileiras. Como os recursos so de fontes distintas, eles podeminclusive ser do prprio exportador que, diante de dificuldades de liquidez, prefirarepatriar recursos ante o exterior fruto, por exemplo, de operaes prvias emque tenha havido subfaturamento das exportaes no momento em que odiferencial de taxas entre o cmbio paralelo e oficial justificasse a operao. Adiferena entre o ingresso de dlares no pas e o efetivo embarque das mercadorias(como tambm no caso dos ACCs, ver adiante) uma prtica que o Banco Centraltenta permanentemente coibir, pois representa um volume de recursos queingressa no pas com o intuito meramente especulativo de aproveitar a diferenaentre os juros em moeda nacional e externos.

    O Mecanismo dos Adiantamentos sobre Contratos de Cmbio (ACC) e deExportao (ACE)

    Os bancos que operam com cmbio concedem aos exportadores os ACCs, queconsistem na antecipao parcial ou total do montante em moeda nacionalequivalente quantia em moeda estrangeira comprada a termo dessesexportadores pelo banco. a antecipao do preo da moeda estrangeira que obanco negociador das divisas concede ao exportador. O objetivo proporcionarrecursos ao exportador para fazer face s diversas fases do processo de produo ecomercializao, constituindo-se em incentivo exportao. O custo inferior s

    taxas de mercado.25O ACC pode ocorrer e desdobrar-se em duas fases. A primeirarefere-se concesso do adiantamento em at 180 dias antes do embarque(financiamento produo). A segunda ocorre com a mercadoria j embarcada,podendo ser solicitada at 60 dias aps o embarque. Nessa fase passa a se chamarAdiantamento de Contrato de Exportao (ACE), podendo seu prazo se estenderat 180 dias da data do embarque.

    O prazo mximo para os ACC