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CARLOS PINTO COELHO MOTTA ADVOGADO - OAB/MG 12.228 REGIME LICITATÓRIO DIFERENCIADO DAS MICROEMPRESAS E EMPRESAS DE PEQUENO PORTE Carlos Pinto Coelho Motta Sumário : 1. Anotações introdutórias sobre a Lei Complementar nº 123/2006; 2. Comentários específicos sobre o regime licitatório diferenciado; 3. Ilustrações e considerações finais. 1. ANOTAÇÕES INTRODUTÓRIAS SOBRE A LEI COMPLEMENTAR Nº 123/2006 A recente Lei Complementar nº 123, de 14/12/2006, designada como o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, veio instaurar certa polêmica e, paralelamente, trazer considerável contribuição à estruturação econômico- financeira e tributária de tais empresas no contexto brasileiro, preenchendo sensíveis lacunas da legislação anterior. Sua concepção fundamenta-se no art. 179 da Constituição Federal e no claro incentivo ao mercado interno nacional sinalizado pelo art. 219, também da Carta Magna. Leiam-se ambos os artigos: “Art. 179. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei.” “Art. 219. O mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e sócio- econômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País, nos termos de lei federal.” Perfilhando o ordenamento constitucional, a Lei Complementar em epígrafe, em seu art. 1º, estabelece normas gerais relativas ao tratamento diferenciado e favorecido a ser dispensado às empresas-alvo, em todos os entes federativos. Sua

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CARLOS PINTO COELHO MOTTAADVOGADO - OAB/MG 12.228

REGIME LICITATÓRIO DIFERENCIADO DAS MICROEMPRESAS E EMPRESAS DE PEQUENO PORTE

Carlos Pinto Coelho Motta

Sumário: 1. Anotações introdutórias sobre a Lei Complementar nº 123/2006; 2. Comentários específicos sobre o regime licitatório diferenciado; 3. Ilustrações e considerações finais.

1. ANOTAÇÕES INTRODUTÓRIAS SOBRE A LEI COMPLEMENTAR Nº 123/2006

A recente Lei Complementar nº 123, de 14/12/2006, designada como o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, veio instaurar certa polêmica e, paralelamente, trazer considerável contribuição à estruturação econômico-financeira e tributária de tais empresas no contexto brasileiro, preenchendo sensíveis lacunas da legislação anterior. Sua concepção fundamenta-se no art. 179 da Constituição Federal e no claro incentivo ao mercado interno nacional sinalizado pelo art. 219, também da Carta Magna. Leiam-se ambos os artigos:

“Art. 179. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei.” “Art. 219. O mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e sócio-econômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País, nos termos de lei federal.”

Perfilhando o ordenamento constitucional, a Lei Complementar em epígrafe, em seu art. 1º, estabelece normas gerais relativas ao tratamento diferenciado e favorecido a ser dispensado às empresas-alvo, em todos os entes federativos. Sua

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abrangência alcança toda a Administração Pública, cujo conceito está no art. 6º, inc. XI da Lei 8.666/93, in verbis:

“XI - Administração Pública - a administração direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, abrangendo inclusive as entidades com personalidade jurídica de direito privado sob controle do poder público e das fundações por ele instituídas ou mantidas;”

Trata-se, portanto, de norma geral “transitiva direta”, na feliz expressão do Prof. Sérgio Resende de Barros. Desnecessário seria entrar em minúcias acerca da concepção de norma geral – suficientemente tratada pela doutrina – que pressupõe a extensividade automática do diploma legal a Estados e Municípios.1 Tal aplicabilidade é imediata, ressalvando-se o regime de tributação, que, segundo o art. 88 da referida norma, tem sua vigência diferida para a data de 1º de julho de 2007.

O art. 1º da LC 123/06 assim dispõe:

“Art. 1º Esta Lei Complementar estabelece normas gerais relativas ao tratamento diferenciado e favorecido a ser dispensado às microempresas e empresas de pequeno porte no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, especialmente no que se refere: I – à apuração e recolhimento dos impostos e contribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, mediante regime único de arrecadação, inclusive obrigações acessórias; II – ao cumprimento de obrigações trabalhistas e previdenciárias, inclusive obrigações acessórias; III – ao acesso a crédito e ao mercado, inclusive quanto à preferência nas aquisições de bens e serviços pelos Poderes Públicos, à tecnologia, ao associativismo e às regras de inclusão.

1 Vide, a propósito das normas gerais da Lei Nacional de Licitações: SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989, p. 81-82; BORGES, Alice Gonzalez. Normas gerais no Estatuto de Licitações e Contratos Administrativos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991, p. 22; da mesma autora: Aplicabilidade de normas gerais de lei federal aos Estados. RDA n. 194, out./dez. 1993; MENDES, Raul Armando. Comentários ao Estatuto das Licitações e Contratos Administrativos. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 4; PEREIRA JÚNIOR, Jessé Torres. Comentários à nova Lei das Licitações Públicas. 6. ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 17-19; FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Contratação direta sem licitação. 5. ed., Brasília: Brasília Jurídica, 2000, p. 30 e ss; e do mesmo autor: Normas gerais de licitação e contratos. Correio Brasiliense de 18/10/93, p. 5; DALLARI, Adilson Abreu. Aspectos jurídicos da licitação. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 26-36; MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Normas gerais de licitação – doação e permuta de bens de Estados e Municípios – aplicabilidade das disposições da Lei Federal 8.666/93 aos entes federados. RTDP n. 12, 1995, p. 78; JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 11. ed., São Paulo: Dialética, 2005, p. 13-15. Vide ainda ADI 3059 e Tutela Antecipada em Ação Civil Originária 890-9, DJ de 13/12/06.

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§ 1º Cabe ao Comitê Gestor de que trata o inciso I do caput do art. 2º desta Lei Complementar apreciar a necessidade de revisão dos valores expressos em moeda nesta Lei Complementar.”

O extenso art. 3º conceitua as empresas-alvo, caracterizando-as basicamente por sua receita bruta anual:

“Art. 3º Para os efeitos desta Lei Complementar, consideram-se microempresas ou empresas de pequeno porte a sociedade empresária, a sociedade simples e o empresário a que se refere o art. 966 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002, devidamente registrados no Registro de Empresas Mercantis ou no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, conforme o caso, desde que:I – no caso das microempresas, o empresário, a pessoa jurídica, ou a ela equiparada, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta igual ou inferior a R$ 240.000,00 (duzentos e quarenta mil reais);II – no caso das empresas de pequeno porte, o empresário, a pessoa jurídica, ou a ela equiparada, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta superior a R$ 240.000,00 (duzentos e quarenta mil reais) e igual ou inferior a R$ 2.400.000,00 (dois milhões e quatrocentos mil reais).”

Os doze parágrafos do art. 3º estabelecem condições e definições adicionais, que auxiliam a caracterização das pessoas jurídicas a serem enquadradas nos conceitos de microempresa e empresa de pequeno porte. Destaca-se o § 4º, subdividido em nada menos que dez incisos, detalhando condições excludentes, com ressalvas nos parágrafos 5º ao 12.

Em segmento posterior da mesma Lei, o art. 72, abordando o nome empresarial, estabelecerá que, nos termos da legislação civil, elas deverão acrescentar à sua firma ou denominação as expressões “Microempresa” ou “Empresa de Pequeno Porte”, ou suas respectivas abreviações, “ME” ou “EPP”, conforme o caso, sendo facultativa a inclusão do objeto da sociedade.

Para maior clareza na caracterização das ME e EPP, cumpre transcrever a definição de “empresário”, contida no art. 966, e seu parágrafo único, do Código Civil (Lei nº 10.406, de 10/1/ 2002), texto objeto de expressa referência no caput do art. 3º da LC, retro-transcrito. O C.C. define como empresário “quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”; e o parágrafo único exclui dessa definição “quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa.”

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Os artigos subseqüentes do mesmo Código Civil, de 967 a 971, acrescentam especificações essenciais para a identificação do micro-empresário ou do empresário de pequeno porte. Exige-se inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, estipulando os documentos necessários. Sucursal, filial ou agência situada em outra jurisdição deverá também ser inscrita e, em qualquer caso, averbada. O art. 970 prescreve o tratamento favorecido, diferenciado e simplificado a ser dispensado pela lei ao empresário rural e ao pequeno empresário, quanto à inscrição e aos efeitos daí decorrentes. O empresário rural pode também requerer inscrição, ficando assim equiparado, para todos os efeitos, ao empresário sujeito a registro.

Os objetivos do presente estudo restringem-se à compilação e análise das significativas alterações aportadas pela LC 123/06 ao regime de contratações da Administração Pública, com relevantes impactos sobre a Lei Nacional de Licitações e Contratos, Lei 8.666/93. Cumpre então destacar os aspectos do referido diploma legal voltados para as áreas de licitação-contratação e, nesse âmbito, aplainar o importante tópico da regularidade fiscal, para fins de participação das empresas nos certames públicos.

Sem perder de vista tais propósitos, importa focalizar o regime único de arrecadação das ME e EPP, instituído no art. 12 e denominado “Simples Nacional” (já apelidado “Supersimples” pela mídia):

“Art. 12. Fica instituído o Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte - Simples Nacional.”

O art. 13, em seus incisos, arrola os impostos e contribuições que compõem o Simples Nacional, a serem recolhidos mensalmente, mediante documento único de arrecadação. O § 1º esclarece que não se exclui a incidência de outros impostos ou contribuições, devidos na qualidade de contribuinte ou responsável, observando-se a legislação aplicável às demais pessoas jurídicas.

Com relação ao art. 13, registre-se um sério questionamento quanto à constitucionalidade. O parágrafo 3º não poderia dispensar sumariamente as contribuições das micro e pequenas empresas destinadas à entidades do chamado “Sistema S”,2 em razão do teor do art. 240 da Constituição Federal, que assegura a incolumidade de tais contribuições.3 O texto da nova Lei vem causando polêmica,

2 “§ 3o As microempresas e empresas de pequeno porte optantes pelo Simples Nacional ficam dispensadas do pagamento das demais contribuições instituídas pela União, inclusive as contribuições para as entidades privadas de serviço social e de formação profissional vinculadas ao sistema sindical, de que trata o art. 240 da Constituição Federal, e demais entidades de serviço social autônomo.”3 “Art. 240. Ficam ressalvadas do disposto no art. 195 as atuais contribuições compulsórias dos empregadores sobre a folha de salários, destinadas às entidades privadas de serviço social e de formação profissional vinculadas ao sistema sindical.”

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inclusive na mídia. Em artigo publicado em periódico mineiro, Dárcio Guimarães de Andrade comenta que o § 3º do art. 13 “contraria, às escâncaras, o art. 240 da Constituição, que garante, sem rodeios, a contribuição para o Sistema S (Sesi/Senai/Sesc/Senac e outros). Conforme curial sabença, uma lei menor não pode se sobrepor à maior. [...] Vale lembrar que estamos em um país democrático, no qual os direitos, a garantia e autonomia são consagrados pela Constituição. Não se pensou na possibilidade da essencial compensação dessa perda de recursos.”4

Enfim, o § 3º do art. 13 é extremamente discutível, por causar enorme prejuízo a entidades que desenvolvem significativo trabalho em áreas sociais relevantes. Certamente será objeto de recorrência ao Poder Judiciário; talvez tenha vida curta, pois não poderia desconstituir um direito assegurado de forma tão clara. Têm certa razão as previsões de alguns periódicos, no sentido de que o Supersimples deverá passar, necessariamente, por um “recall”...

O art. 16 trata da opção pelo Simples Nacional. Reafirma-se o critério básico da receita bruta, auferida no ano-calendário anterior ao da opção. O prazo fatal para opção encontra-se já expirado (último dia útil de janeiro) na data do fechamento do presente estudo. O § 4o especifica que serão consideradas inscritas no Simples Nacional as microempresas e empresas de pequeno porte regularmente optantes pelo regime tributário de que trata a Lei 9.317/96, salvo as que estiverem impedidas de optar por alguma vedação imposta pela própria LC. A opção deverá ser regulamentada pelo Comitê Gestor, e poderá ser indeferida.

Sobre a referida Lei 9.317/93, foi revogada pelo art. 89 da LC 123/06.Observe-se que, em seu início de aplicação, a Lei Complementar em

epígrafe já coloca uma situação paradoxal: prazo de opção expirado, antes de qualquer regulamentação da norma legal. Ora, segundo opiniões de especialistas em contabilidade, as dúvidas nessa área são significativas e arrolam-se inúmeros tópicos que clamam por uma melhor delimitação – até mesmo para subsidiar a decisão da empresa de optar, ou não, pelo novo regime.

Todavia, as considerações de natureza contábil extrapolam nossa área e os objetivos deste trabalho, que deve ater-se à demarcação de dispositivos direta ou indiretamente ligados ao regime das licitações e contratos. Cabe menção especial à minudência do art. 17, que traz extensa listagem de hipóteses específicas de exclusão de empresas do âmbito do Simples Nacional – baseando-se a maioria das quais no objeto societário, mas levando em conta outras condições. São muitas as vedações, in verbis:

“Art. 17. Não poderão recolher os impostos e contribuições na forma do Simples Nacional a microempresa ou a empresa de pequeno porte:

4 ANDRADE, Dárcio Guimarães de. Supersimples complicado. Estado de Minas, 10/1/07, p. 11. Vide ainda AFIF DOMINGOS, Guilherme. O Supersimples prejudica o Sistema S? e SZAJMAN, Abram Mutilação anunciada, ambos os textos publicados na Folha de São Paulo, 20/1/07, p. A3.

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I – que explore atividade de prestação cumulativa e contínua de serviços de assessoria creditícia, gestão de crédito, seleção e riscos, administração de contas a pagar e a receber, gerenciamento de ativos (asset management), compras de direitos creditórios resultantes de vendas mercantis a prazo ou de prestação de serviços (factoring); II – que tenha sócio domiciliado no exterior; III – de cujo capital participe entidade da administração pública, direta ou indireta, federal, estadual ou municipal;IV – que preste serviço de comunicação;V – que possua débito com o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, ou com as Fazendas Públicas Federal, Estadual ou Municipal, cuja exigibilidade não esteja suspensa;VI – que preste serviço de transporte intermunicipal e interestadual de passageiros;VII – que seja geradora, transmissora, distribuidora ou comercializadora de energia elétrica;VIII – que exerça atividade de importação ou fabricação de automóveis e motocicletas;IX – que exerça atividade de importação de combustíveis;X – que exerça atividade de produção ou venda no atacado de bebidas alcoólicas, cigarros, armas, bem como de outros produtos tributados pelo IPI com alíquota ad valorem superior a 20% (vinte por cento) ou com alíquota específica;XI – que tenha por finalidade a prestação de serviços decorrentes do exercício de atividade intelectual, de natureza técnica, científica, desportiva, artística ou cultural, que constitua profissão regulamentada ou não, bem como a que preste serviços de instrutor, de corretor, de despachante ou de qualquer tipo de intermediação de negócios;XII – que realize cessão ou locação de mão-de-obra;XIII – que realize atividade de consultoria;XIV – que se dedique ao loteamento e à incorporação de imóveis.”

Após todas essas restrições e vedações, segue copiosa lista de exceções às mesmas: ou seja, atividades em que é permitida a inscrição no Simples Nacional. Ainda no art. 17, veja-se o § 1º e seus numerosos incisos, que apesar de sua extensão e detalhamento merecem transcrição integral e atenta leitura:

“§ 1º As vedações relativas a exercício de atividades previstas no caput deste artigo não se aplicam às pessoas jurídicas que se dediquem

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exclusivamente às atividades seguintes ou as exerçam em conjunto com outras atividades que não tenham sido objeto de vedação no caput deste artigo: I – creche, pré-escola e estabelecimento de ensino fundamental;II – agência terceirizada de correios;III – agência de viagem e turismo;IV – centro de formação de condutores de veículos automotores de transporte terrestre de passageiros e de carga;V – agência lotérica;VI – serviços de manutenção e reparação de automóveis, caminhões, ônibus, outros veículos pesados, tratores, máquinas e equipamentos agrícolas; VII – serviços de instalação, manutenção e reparação de acessórios para veículos automotores; VIII – serviços de manutenção e reparação de motocicletas, motonetas e bicicletas; IX – serviços de instalação, manutenção e reparação de máquinas de escritório e de informática; X – serviços de reparos hidráulicos, elétricos, pintura e carpintaria em residências ou estabelecimentos civis ou empresariais, bem como manutenção e reparação de aparelhos eletrodomésticos;XI – serviços de instalação e manutenção de aparelhos e sistemas de ar condicionado, refrigeração, ventilação, aquecimento e tratamento de ar em ambientes controlados;XII – veículos de comunicação, de radiodifusão sonora e de sons e imagens, e mídia externa;XIII – construção de imóveis e obras de engenharia em geral, inclusive sob a forma de subempreitada; XIV – transporte municipal de passageiros;XV – empresas montadoras de estandes para feiras;XVI – escolas livres, de línguas estrangeiras, artes, cursos técnicos e gerenciais;XVII – produção cultural e artística;XVIII – produção cinematográfica e de artes cênicas;XIX – cumulativamente administração e locação de imóveis de terceiros; XX – academias de dança, de capoeira, de ioga e de artes marciais;XXI – academias de atividades físicas, desportivas, de natação e escolas de esportes;XXII – (VETADO);

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XXIII – elaboração de programas de computadores, inclusive jogos eletrônicos, desde que desenvolvidos em estabelecimento do optante; XXIV – licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computação;XXV – planejamento, confecção, manutenção e atualização de páginas eletrônicas, desde que realizados em estabelecimento do optante; XXVI – escritórios de serviços contábeis; XXVII – serviço de vigilância, limpeza ou conservação;XXVIII – (VETADO).§ 2º Poderão optar pelo Simples Nacional sociedades que se dediquem exclusivamente à prestação de outros serviços que não tenham sido objeto de vedação expressa no caput deste artigo.”

Abreviando o trato dos aspectos gerais da Lei em tela, cabe salientar que a leitura do art. 17 deve ser informada pelo art. 3º, parágrafos 4º e seguintes, que auxiliam a identificação das sociedades a serem compreendidas no conceito básico de microempresa e empresa de pequeno porte.

Assestando mais uma vez o foco para o aspecto das licitações e contratos públicos, cabe observar que o Simples Nacional pode aplicar-se a empresas nas áreas de obras, serviços e compras, consoante os conceitos estipulados na Lei 8.666/93, em seu art. 6º, incs. I, II e III. Não custa lembrar: considera-se obra “toda construção, reforma, fabricação, recuperação ou ampliação, realizada por execução direta ou indireta”; serviço, “toda atividade destinada a obter determinada utilidade de interesse para a Administração, tais como: demolição, conserto, instalação, montagem, operação, conservação, reparação, adaptação, manutenção, transporte, locação de bens, publicidade, seguro ou trabalhos técnico-profissionais”; e compra, “toda aquisição remunerada de bens para fornecimento de uma só vez ou parceladamente”.

Quanto a obras de engenharia, as ME e EPP que se dedicam a essa atividade encontram-se explicitamente acobertadas pelo inciso XIII do § 1º do art. 17 retro-transcrito, que as exclui das vedações previstas. Podem, por conseguinte, integrar o Simples Nacional, o que é confirmado pelo art. 33, § 2º da mesma Lei Complementar e fortalecido pelas diretrizes da Lei 5.194/96, bem como, pelas Resoluções do CONFEA de ns. 218/73 e 1010/05.5

O art. 18, e notadamente seu § 4º, contribuem para a adequada categorização do Simples Nacional, podendo servir de orientação para o chamamento das ME e EPP à participação em licitações públicas. Como segue:

5 Esta última republicada no DOU de 19/12/06.

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“Art. 18. O valor devido mensalmente pela microempresa e empresa de pequeno porte, optante do Simples Nacional, será determinado mediante aplicação da tabela do Anexo I desta Lei Complementar. [...]§ 4º O contribuinte deverá considerar, destacadamente, para fim de pagamento:I – as receitas decorrentes da revenda de mercadorias;II – as receitas decorrentes da venda de mercadorias industrializadas pelo contribuinte;III – as receitas decorrentes da prestação de serviços, bem como a de locação de bens móveis;IV – as receitas decorrentes da venda de mercadorias sujeitas a substituição tributária; eV - as receitas decorrentes da exportação de mercadorias para o exterior, inclusive as vendas realizadas por meio de comercial exportadora ou do consórcio previsto nesta Lei Complementar.”

Evitando embora a análise de aspectos tributários, que refogem a nossos objetivos, caberia destacar outro dispositivo da LC com nítido reflexo na estrutura das contratações públicas: o art. 21, salientando-se o inc. I e o § 1º:

“Art. 21. Os tributos devidos, apurados na forma dos arts. 18 a 20 desta Lei Complementar, deverão ser pagos:I – por meio de documento único de arrecadação, instituído pelo Comitê Gestor;II – segundo códigos específicos, para cada espécie de receita discriminada no § 4º do art. 18 desta Lei Complementar;III – enquanto não regulamentado pelo Comitê Gestor, até o último dia útil da primeira quinzena do mês subseqüente àquele a que se referir;IV – em banco integrante da rede arrecadadora credenciada pelo Comitê Gestor.§ 1º Na hipótese de a microempresa ou a empresa de pequeno porte possuir filiais, o recolhimento dos tributos do Simples Nacional dar-se-á por intermédio da matriz.”

Pode-se afirmar, portanto, que o documento hábil para comprovação da regularidade fiscal da ME ou EPP participante em licitação, será o aludido “documento único de arrecadação” instituído pelo Comitê Gestor.

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Todo o Capítulo V da LC 123/06, abrangendo os arts. 42 a 49, possui grande relevância para os propósitos do presente estudo. Por esse motivo, será abordado em detalhe, com comentários específicos para cada dispositivo.

2. COMENTÁRIOS ESPECÍFICOS SOBRE O REGIME LICITATÓRIO DIFERENCIADO

O Capítulo V da LC 123/06 denomina-se “Do Acesso aos Mercados”. Possui uma única Seção, designada “Das Aquisições Públicas”.

Pode-se talvez observar aqui uma impropriedade: de modo geral, o vocábulo “aquisições” é visto pela doutrina em sentido estrito, como um sinônimo de “compras”, na mesma acepção dada pelo Código Civil ao definir “compra e venda” em seu art. 481: “pelo contrato de compra e venda, um dos contratantes se obriga a transferir o domínio de certa coisa, e o outro, a pagar-lhe certo preço em dinheiro.” Também no art. 6º, III da LNL a compra, ou “obrigação de dar”, é definida como “toda aquisição remunerada de bens para fornecimento de uma só vez ou parceladamente.”

Ora, no teor dos arts. 42 ao 49 da presente Lei, a expressão tem um sentido mais lato, visto que – como se verá – não trata apenas das compras do Poder Público. A palavra “aquisições” está sendo utilizada no subtítulo do Capítulo V da Lei em exame referindo-se a outras modalidades de contratações públicas, como obras e serviços, tais como definidos nos incisos I e II do citado art. 6º da LNL.

Sob tal pressuposto, serão comentados em maior detalhe os dispositivos em tela.

Art. 42. Nas licitações públicas, a comprovação de regularidade fiscal das microempresas e empresas de pequeno porte somente será exigida para efeito de assinatura do contrato.

O dispositivo compreende as modalidades licitatórias definidas no art. 22 da Lei 8.666/93. Inclui-se, obviamente, no teor do artigo a modalidade pregão, voltada para serviços e bens comuns (art. 1º da Lei 10.520/02), conforme, aliás, referência expressa em outros dispositivos da LC 123/06.

A inovação consiste na inversão de fases, sistema já adotado pela Lei do pregão (art. 4º, inc. XIII) e estendido por este art. 42 a outras modalidades (concorrência, tomada de preços) sempre que microempresas e empresas de pequeno porte forem participantes de licitação. Assim, a comprovação da regularidade fiscal de tais empresas não mais será exigida na fase de habilitação (como reza a Lei 8.666/93 nos arts. 27 e 29), mas somente após o julgamento e a classificação, como requisito final para assinatura do contrato.

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Imaginamos que o dispositivo em questão – embora amparado pelos arts. 179 e 219 da Constituição, e ainda pelo art. 37, XXI da mesma Carta – possa talvez ensejar problemas interpretativos operacionais, como no caso de acorrerem à mesma licitação (por exemplo, tomada de preços) empresas de pequeno e de médio porte. Nessa hipótese – ainda que especulativamente – é de se indagar: exigir-se-á das empresas a comprovação de regularidade fiscal, respectivamente, em fases diferentes da licitação? A empresa de médio porte apresentaria seus documentos na fase de habilitação, e a de pequeno porte, na formalização contratual? Não seria uma violação dos princípios da igualdade e impessoalidade que regem o certame licitatório, com fulcro no art. 3º da Lei 8.666/93?

Enfim, tais dúvidas residem exclusivamente no campo da prática e não retiram o mérito da proposição do art. 42 ao amenizar um trâmite burocrático para as ME e EPP. Trata-se, aliás, de uma pequena regalia, visto que o subseqüente art. 43 (a ser analisado a seguir) reafirma a obrigatoriedade da apresentação de toda a documentação exigida. Em nosso entender, não há contradição entre o art. 42 e o 43 da LC em tela, os quais, conjuntamente, estabelecem tão somente um diferimento temporal na obrigação de comprovar a regularidade fiscal.

E, de qualquer forma, há uma solução prática e viável: por ocasião da habilitação dos licitantes, a Administração pode fazer uma consulta on line pela internet (tal como expresso no art. 35 da Lei 10.522/02), para verificar antecipadamente, se for o caso, a regularidade fiscal do proponente.6 No pregão, tanto presencial como eletrônico, essa confirmação deve ser adotada, por cautela, na fase preambular do certame.

Cumpre deixar entendido que regularidade fiscal não é quitação; que o exercício de atividade econômica é livre e tem claro estímulo constitucional; e que o débito fiscal não deve impedir nem bloquear a atividade profissional lícita do contribuinte.

Outro questionamento ao texto em exame emerge a propósito da modalidade convite, que tem reafirmado o limite de oitenta mil reais (art. 48, I), compatível com o art. 23, II, “a” da Lei 8.666/93. A dúvida refere-se a uma possível fase habilitatória nessa modalidade. Ora, há muito vimos defendendo que o convite não tem fase habilitatória: a própria carta-convite já implica em habilitar o convidado.7

Vislumbramos, certamente, dificuldades e dúvidas na operacionalização das diretrizes sancionadas. É iminente a instalação de contradições e mesmo conflitos ad hoc, com relação à estruturação legislativa preexistente, voltada para o trato 6 Vide nosso Eficácia nas licitações e contratos. 10. ed., Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 351-352, especificamente o tópico “Edital e a internet nas licitações.”7 Vide TFR, 2.ª T., ADCOAS 76.981, de 12/3/80, vide ainda: MONTEIRO, Yara Darcy Police. Convite – Características e procedimentos. BLC n. 6, 1996, p. 326. Na linha condenatória da habilitação em convite, vide NÓBREGA, Airton Rocha. A carta convite e seu conteúdo. BLC n. 11, 1999, p. 602; e do mesmo autor: Habilitação no convite. BLC n. 2, 1999, p. 97; e FCGP, ano 2, n. 13, jan. 2003, p. 1575; onde afirma, em nome da economicidade, que nessa modalidade “não se há-de admitir ou tolerar uma fase preliminar de habilitação.”

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equânime de todas as empresas licitantes. Nesse sentido, citem-se pertinentes advertências formuladas pelo Prof. Joel de Menezes Niebuhr.8

Em todo caso, as questões procedimentais que poderão surgir e que não forem objeto de regulamentação deverão ser solucionadas pela hermenêutica jurídica e pelo exame dos casos concretos.

Art. 43. As microempresas e empresas de pequeno porte, por ocasião da participação em certames licitatórios, deverão apresentar toda a documentação exigida para efeito de comprovação de regularidade fiscal, mesmo que esta apresente alguma restrição. § 1º Havendo alguma restrição na comprovação da regularidade fiscal, será assegurado o prazo de 2 (dois) dias úteis, cujo termo inicial corresponderá ao momento em que o proponente for declarado o vencedor do certame, prorrogáveis por igual período, a critério da Administração Pública, para a regularização da documentação, pagamento ou parcelamento do débito, e emissão de eventuais certidões negativas ou positivas com efeito de certidão negativa.§ 2º A não-regularização da documentação, no prazo previsto no § 1º deste artigo, implicará decadência do direito à contratação, sem prejuízo das sanções previstas no art. 81 da Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, sendo facultado à Administração convocar os licitantes remanescentes, na ordem de classificação, para a assinatura do contrato, ou revogar a licitação.

O artigo reforça a tese de que o licitante ME ou EPP deve submeter-se ao cumprimento integral dos requisitos limítrofes da habilitação (arts. 27 ao 31 da LNL), com a ressalva de que a exigência de comprovação de regularidade fiscal será cobrada apenas na assinatura do contrato; reitere-se que, nessa comprovação, poderá até mesmo constar débito fiscal devidamente equacionado, o que não impedirá a participação de tais empresas.

O próprio § 1º do artigo em exame confirma esse entendimento, até porque o parcelamento de débito fiscal (moratória administrativa), regulada pelo art. 151, I e 152, II do CTN, permite inclusive a expedição de certidão negativa uma vez esteja em curso o parcelamento.9

8 NIEBUHR, Joel de Menezes. Repercussões do novo Estatuto das microempresas e empresas de pequeno porte. Disponível em www.zenite.com.br., acessado em 25/1/07.9 CND. Parcelamento de débito tributário. Dívida fiscal. Certidão negativa. Não há que se negar o fornecimento de certidão negativa se o débito encontra-se parcelado e vem sendo regularmente pago: REsp n. 238518, BLC n. 8, 2000, p. 464. O TCU entendeu que as empresas prestadoras de serviço público essencial, sob o regime de monopólio, ainda que inadimplentes junto ao INSS e FGTS, poderão ser contratadas pela Administração e receber pagamento, desde que com autorização prévia: TC 004 389/96-4, BDA n. 10, 1997, p. 691. O TCU condena (por falta de amparo legal) editais que impeçam a contratação de licitantes em débito “inscrito há mais de 15 dias” no Cadin: Decisão 621/01, TC 012.916/1999-4, DOU de 11/9/2001, p. 151. Vide ainda a ADIn 1.454, que suspendeu a eficácia do art. 7o

da MP 1.490/96-MP 2.093/01. Informativo STF n. 193, 2000.

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Por conseguinte, a regra do § 1º do art. 43 constitui concreta expressão do tratamento diferenciado consagrado às ME e EPP. Já o § 2º especifica os limites da regalia concedida, esclarecendo que a não regularização do documento fiscal naquele prazo acarretará a perda do direito assegurado, extinguindo-o caso não tenha sido exercido atempadamente. Nesse caso, a decadência ocorrida poderá ensejar a sanção administrativa, em face do art. 81 da LNL.10

O dispositivo permite ainda à Administração convocar os licitantes remanescentes, na ordem da classificação, para formalizar o contrato; ou então, desfazer a licitação, revogando-a.

Na hipótese da convocação dos remanescentes, há duas ressalvas: (a) se a modalidade licitatória for regida pela LNL, o licitante convocado submeter-se-á à regra do art. 64, § 2º do referido texto;11 (b) se for regida pela Lei do pregão, o convocado estará sujeito ao art. 4º, inc. XVI da Lei 10.520/02.12

Art. 44. Nas licitações será assegurada, como critério de desempate, preferência de contratação para as microempresas e empresas de pequeno porte. § 1º Entende-se por empate aquelas situações em que as propostas apresentadas pelas microempresas e empresas de pequeno porte sejam iguais ou até 10% (dez por cento) superiores à proposta mais bem classificada.§ 2º Na modalidade de pregão, o intervalo percentual estabelecido no § 1º deste artigo será de até 5% (cinco por cento) superior ao melhor preço.

O dispositivo altera a tradicional diretriz do art. 45, § 2º da LNL, que elege o sorteio como critério de desempate de propostas. Tal regra, que vinha sendo confirmada desde o art. 756 do vetusto Código de Contabilidade Pública da União, de 1922 cai agora por terra, com a introdução expressa da preferência pela ME e EPP no caso de empate.

Tal hipótese é conceituada nos §§ 1º e 2º, dando como empatadas as propostas da ME ou EPP que sejam iguais ou até 10% superiores à proposta mais bem classificada –, ou 5%, relativamente à de melhor preço no caso do pregão. Aponte-se,

10 “Art. 81. A recusa injustificada do adjudicatário em assinar o contrato, aceitar ou retirar o instrumento equivalente, dentro do prazo estabelecido pela Administração, caracteriza o descumprimento total da obrigação assumida, sujeitando-o às penalidades legalmente estabelecidas.”11 “§ 2o É facultado à Administração, quando o convocado não assinar o termo de contrato ou não aceitar ou retirar o instrumento equivalente no prazo e condições estabelecidos, convocar os licitantes remanescentes, na ordem de classificação, para fazê-lo em igual prazo e nas mesmas condições propostas pelo primeiro classificado, inclusive quanto aos preços atualizados de conformidade com o ato convocatório, ou revogar a licitação independentemente da cominação prevista no art. 81 desta Lei.”12 “XVI - se a oferta não for aceitável ou se o licitante desatender às exigências habilitatórias, o pregoeiro examinará as ofertas subseqüentes e a qualificação dos licitantes, na ordem de classificação, e assim sucessivamente, até a apuração de uma que atenda ao edital, sendo o respectivo licitante declarado vencedor;”

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como detalhe peculiar, a diferença dos conceitos de empate entre, de um lado, as modalidades tradicionais, e de outro, o pregão.

Nessas circunstâncias, tanto a CPL (art. 51 da LNL) como o pregoeiro (arts. 3º e 4º da Lei do pregão) devem estar atentos com relação à participação de tais empresas no certame, tendo em vista a boa aplicação da LC 123/06 e ao correto exercício da preferência ora inaugurada.

Por exemplo, na hipótese da modalidade pregão, é recomendável que, antes da fase dos lances – ou seja, no momento do exame da conformidade documental exigido pelo art. 4º, VII da Lei 10.520/02 –, o pregoeiro consulte os concorrentes para averiguar se há, entre eles, microempresas ou empresas de pequeno porte. Essa cautelar providência possibilitará o cumprimento adequado do § 2º do art. 42 da Lei Complementar em exame.

Art. 45. Para efeito do disposto no art. 44 desta Lei Complementar, ocorrendo o empate, proceder-se-á da seguinte forma:I – a microempresa ou empresa de pequeno porte mais bem classificada poderá apresentar proposta de preço inferior àquela considerada vencedora do certame, situação em que será adjudicado em seu favor o objeto licitado; II – não ocorrendo a contratação da microempresa ou empresa de pequeno porte, na forma do inciso I do caput deste artigo, serão convocadas as remanescentes que porventura se enquadrem na hipótese dos §§ 1o e 2o do art. 44 desta Lei Complementar, na ordem classificatória, para o exercício do mesmo direito; III – no caso de equivalência dos valores apresentados pelas microempresas e empresas de pequeno porte que se encontrem nos intervalos estabelecidos nos §§ 1o e 2o do art. 44 desta Lei Complementar, será realizado sorteio entre elas para que se identifique aquela que primeiro poderá apresentar melhor oferta. § 1o Na hipótese da não-contratação nos termos previstos no caput deste artigo, o objeto licitado será adjudicado em favor da proposta originalmente vencedora do certame.§ 2o O disposto neste artigo somente se aplicará quando a melhor oferta inicial não tiver sido apresentada por microempresa ou empresa de pequeno porte.§ 3o No caso de pregão, a microempresa ou empresa de pequeno porte mais bem classificada será convocada para apresentar nova proposta no prazo máximo de 5 (cinco) minutos após o encerramento dos lances, sob pena de preclusão.

O procedimento indicado neste dispositivo é destinado a explicitar a oportunidade, ora oferecida às empresas-alvo, de competir em pé de igualdade com sociedades de maior vulto. De sorte que uma diferença de 10% (ou 5% no pregão) a mais, relativamente à melhor proposta, pode ser equalizada, oferecendo-se à licitante a oportunidade de abater tal diferença.

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No inc. III do artigo em tela, retorna o sorteio, desta feita como procedimento auxiliar, no caso de ME e EPP com propostas equivalentes.

Os parágrafos especificam situações possíveis. O § 1º aventa a hipótese de não contratação nos termos previstos no caput: o objeto será então adjudicado em favor da proposta originalmente vencedora. O § 2º é um tanto óbvio, fortalecendo entretanto a diretriz básica aplicável aos casos de empate, expressa pelo anterior art. 44.

No caso do pregão (em que, como sabemos, todo o processo deve ser resolvido na própria sessão), o § 3º estipula um intervalo de apenas cinco minutos para que a pregoante proceda a novo lance melhorando sua oferta anterior (art. 4º, XI da Lei 10.520/02) e fazendo assim jus à adjudicação do objeto em seu favor. É outra praxis a ser incorporada ao rito da licitação.

Art. 46. A microempresa e a empresa de pequeno porte titular de direitos creditórios decorrentes de empenhos liquidados por órgãos e entidades da União, Estados, Distrito Federal e Município não pagos em até 30 (trinta) dias contados da data de liquidação poderão emitir cédula de crédito microempresarial. Parágrafo único. A cédula de crédito microempresarial é título de crédito regido, subsidiariamente, pela legislação prevista para as cédulas de crédito comercial, tendo como lastro o empenho do poder público, cabendo ao Poder Executivo sua regulamentação no prazo de 180 (cento e oitenta) dias a contar da publicação desta Lei Complementar.

O art. 46 admite considerações e mesmo ressalvas de ordem constitucional, como se verá.

Trata-se de diretriz inovadora que confere ao empenho (arts. 58, 59 e 60 da Lei 4.320/64) um lastro presumivelmente mais confiável: lastro esse que, pode-se dizer, até então não possuía. De fato o empenho, enquanto ato da autoridade competente, tinha alcance mais limitado, vinculando tão-somente a dotação de créditos orçamentários. Agora o artigo 46 vem fortalecer em muito a credibilidade do empenho emitido pelos órgãos e entidades públicas em favor das ME e EPP.

Como espectadores do irredutível “mundo dos fatos”, temos constatado – mesmo após as condições de controle e restrição promovidas pela LC101/00, a Lei de Responsabilidade Fiscal – a persistência da condenável prática dos “empenhos liquidados e não pagos”, os quais, na realidade administrativa, são convertidos em restos a pagar. Os maus gestores, ilicitamente, cancelam empenhos no final do exercício, deixando de atender ao pagamento da dívida consolidada (art. 29, inc. I da LRF).

A LC 123/06 intenta, pois, a mudança de tal cenário. Pelas determinações do caput do art. 46, se os empenhos devidos a ME ou EPP não forem pagos em até

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trinta dias contados da data da liquidação, pelos órgãos e entidades dos entes da Federação, poderão ser emitidas cédulas de crédito microempresarial, cuja explicitação é dada pelo parágrafo único.

Consistem em títulos de crédito que obedecerão, “subsidiariamente”, ao regime legal das cédulas de crédito comercial. E, certamente, deverão ainda obedecer ao poder de gasto do ente público, primariamente adstrito às Leis Orçamentárias (arts. 165 a 167 da Constituição Federal), bem como aos regramentos da Lei de Responsabilidade Fiscal, de modo especial arts. 29, 30 e 32.

Entretanto, como alertado no início destes comentários, é cabível uma dúvida relativa à constitucionalidade do dispositivo. O questionamento não se refere à fixação do prazo máximo de trinta dias para quitação de pagamentos pela Administração: esse prazo há muito era estipulado pelo art. 40, XIV, alínea “a” da Lei 8.666/93 e aplicava-se indistintamente a todos os empenhos formalizados. O problema é gerado após o vencimento desse prazo, na medida em que o Poder Público não tenha adimplido seu débito com relação a empresas diversas – de pequeno, médio e grande porte – cujos direitos creditórios, a partir daí, serão tratados de modo discriminativo.

O ordenamento do art. 46 contrapõe-se à ordem cronológica de pagamentos explicitada no art. 100 da Constituição Federal, que estabelece taxativamente: “à exceção dos créditos de natureza alimentícia, os pagamentos devidos pela Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.” Tal diretriz, como se sabe, é perfilhada pelo art. 5º da Lei 8.666/93.

Mais uma vez erige-se a indagação relativa à isonomia e à impessoalidade preconizadas pelo caput do art. 37, lançando o foco sobre um eventual conflito entre princípios constitucionais no tocante à precedência instaurada pelo artigo em comento.13

De um lado, temos o art. 37 impondo à Administração o trato imparcial e igualitário a todos os seus credores, expresso com precisão pelo aludido art. 100 e sintetizado pela máxima “o administrado não tem nome e a Administração não tem rosto.”

De outro, coloca-se também constitucionalmente o vetor protetivo e diferenciador expresso pelos citados arts. 179 e 219 da mesma Lei Fundamental. Tal vetor é legitimado, de certa forma, pela própria realidade administrativa de um país de

13 Sobre o conflito entre princípios e constitucionalização, vide BORGES, Alice Maria Gonzalez. Supremacia do interesse público: desconstrução ou reconstrução? Revista Brasileira de Direito Público, ano 4, n. 14, jul./set. 2006, p. 55-74; BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do direito administrativo: direitos fundamentais, democracia e constitucionalização. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 108 e ss.; SARMENTO, Daniel (org.) Interesses públicos versus interesses privados: desconstruindo o princípio de supremacia do interesse público. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.

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dimensões continentais, crescimento insatisfatório e carga tributária reconhecidamente excessiva, convivendo com profundas desigualdades econômicas e redistributivas.

Registre-se, todavia, que a jurisprudência, até o presente momento, tem enfatizado sistematicamente a inquebrantável ordem cronológica de pagamentos, prefigurando assim a tese da inconstitucionalidade do art. 46. Manifestou-se, a exemplo, o Supremo Tribunal Federal:

“O regime constitucional de execução por quantia certa contra o Poder Público, qualquer que seja a natureza do crédito exeqüendo (RTJ 150/337) – ressalvadas as obrigações definidas em lei como de pequeno valor – impõe a necessária extração de precatório, cujo pagamento deve observar, em obséquio aos princípios ético-jurídicos da moralidade, da impessoalidade e da igualdade, a regra fundamental que outorga preferência apenas a quem dispuser de precedência cronológica (prior in tempore, potior in jure). A exigência constitucional pertinente à expedição de precatório – com a conseqüente obrigação imposta ao Estado de estrita observância da ordem cronológica de apresentação desse instrumento de requisição oficial de pagamento – tem por finalidade (a) assegurar a igualdade entre os credores e proclamar a inafastabilidade do dever estatal de solver os débitos judicialmente reconhecidos em decisão transitada em julgado (RTJ 108/463), (b) impedir favorecimentos pessoais indevidos e, (c) frustrar tratamentos discriminatórios,evitando injustas perseguições ou preterições motivadas por razões destituídas de legitimidade jurídica. [...]A Constituição da República não quer apenas que a entidade estatal pague os seus débitos judiciais. Mais do que isso, a Lei Fundamental exige que o Poder Público, ao solver a sua obrigação, respeite a ordem de precedência cronológica em que se situam os credores do Estado.”14

As iterativas decisões em favor da precedência a que alude o art. 100 da Constituição não eliminam, entretanto, a possibilidade da “celebração de acordos que, homologados pelo Judiciário, venham a extinguir os respectivos precatórios.”15

Ao art. 46 não se aplica, entretanto, a nosso ver, a regra do art. 37, III da LC 101/00, que veda, equiparando-a a operação de crédito, a “assunção direta de compromisso, confissão de dívida ou operação assemelhada, com fornecedor de bens, mercadorias ou serviços, mediante emissão, aceite ou aval de título de crédito, não se aplicando esta vedação a empresas estatais dependentes.” Analogamente, julgamos

14 STF, AgReg na Rcl 2.143-2-SP, julg. Em 12/3/2003; vide ainda Medida Cautelar na Rcl 1.893-8-RN, julg. Em 29/11/2001..15 STF, Rcl 2.143 MC/SP, julg. Em 9/9/2002, DJ de 16/9/2002. Vide ainda DALLARI, Adilson Abreu. Acordo para recebimento de crédito perante a Fazenda Pública. RDA n. 239, 2005, p. 177.

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inaplicável a vedação contida no art. 5º, II da Resolução 43/2001 do Senado Federal, redigida em idênticos termos. É de se observar que a contradição entre o texto da Lei de Responsabilidade Fiscal e a presente Lei Complementar representa, na verdade, a quebra de uma das mais sólidas vedações legais norteadas pela disciplina fiscal instaurando dúvidas cabíveis.

Visualizamos, portanto, esse art. 46 com as devidas ressalvas em face dos mencionados princípios constitucionais da imparcialidade e da cronologia.

Em observação à margem, relativa ainda aos novos papéis instituídos pela presente norma e seu lastro no próprio empenho do poder público: diríamos que o valor assecuratório de tal empenho permanecerá ainda inexoravelmente vinculado às disponibilidades orçamentário-financeiras do Poder Público, à responsabilidade dos bons gestores e à efetiva punibilidade a irregularidades, diretrizes estas já suficientemente visíveis na legislação preexistente, notadamente na LC 101/00 (art. 73) e na Lei 10.028/00.

Em todo caso, a matéria deverá ser objeto de regulamentação pela União, no prazo de cento e oitenta dias a contar de 15 de dezembro de 2006, data da publicação da LC 123/06.

Art. 47. Nas contratações públicas da União, dos Estados e dos Municípios, poderá ser concedido tratamento diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte objetivando a promoção do desenvolvimento econômico e social no âmbito municipal e regional, a ampliação da eficiência das políticas públicas e o incentivo à inovação tecnológica, desde que previsto e regulamentado na legislação do respectivo ente.

O artigo tem apoiamento no art. 179 da Constituição Federal, que legitima o tratamento diferenciado para as ME e EPP, fortalecido ainda pelo art. 219 da mesma Carta, que insere e caracteriza o mercado interno como integrante do patrimônio nacional. Vemos que o art. 47 é prioritariamente dirigido aos entes da Federação, autorizando-os a adaptar sua respectiva legislação ao tratamento a que fazem jus as sociedades-alvo.

Inúmeros tópicos poderão ser incluídos nos textos legislativos dos Estados-membros em estímulo às micro e pequenas empresas de âmbito local. Aliás, tal incentivo fora já sinalizado pela própria Lei 8.666/93, cujo art. 12, inc. IV, prevê como requisito a ser considerado nos projetos básico e executivo de obras, a “possibilidade de emprego de mão-de-obra, materiais, tecnologia e matérias-primas existentes no local para execução, conservação e operação”.

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Cabem, exemplificativamente, algumas sugestões direcionadas ao incentivo ao desenvolvimento sócio-econômico regional e local. Seria interessante que fossem chamadas preferencial e prioritariamente as ME e EPP locais:

- em qualquer caso, na modalidade de licitação convite; - em qualquer modalidade, para fornecimento de merenda escolar;- para eventos e shows musicais;- para prestação de serviços de manutenção, conservação, jardinagem e

afins;- para exploração de restaurantes populares, fornecimento de

alimentação padronizada e afins.

Pela redação do artigo, e à primeira leitura, o analista desprovido de qualquer idéia preconcebida, e movido apenas pelo impulso da dialética jurídica, vislumbra algumas hipóteses e interpretações com relação às novas condições estabelecidas pelo art. 47.

Primeira hipótese: o ente federativo possui norma licitatória própria preexistente. Abrem-se as seguintes alternativas:

(a) Caso a legislação local seja recepcionada pela nova norma: cabem pequenas adequações pontuais, segundo o interesse local.

(b) Caso a legislação local não seja recepcionada pela nova norma: necessária a adaptação às condições supervenientes, aguardando-se, ou não, regulamentação federal.

Segunda hipótese: o ente federativo não possui norma licitatória própria preexistente. Nesse caso:

(a) As diretrizes do artigo teriam eficácia imediata, diante do “vazio legal.”16

(b) As diretrizes do artigo não seriam imediatamente aplicáveis: o ente federativo aguardaria legislação ordinária federal.

(c) As diretrizes do artigo não seriam imediatamente aplicáveis: o ente federativo antecipar-se-ia à União, adotando legislação suplementar ou concorrente adaptada à nova norma.

16 Sobre o tema do vazio legal, vide: voto do Min. Moreira ALVES, RTJ n. 113, p. 1033 e 1039; e ainda PONTES DE MIRANDA. Comentários à Constituição de 1967 com Emenda nº 1. Tomo II. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2. ed., 1973, p. 177; MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 14. ed., 1989, p. 107; TÁCITO, Caio. Temas de direito público. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 1300.

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(d) O ente federativo regulamentaria o art. 47 por decreto (art. 84, incs. IV e VI da Constituição Federal), aplicando de imediato a nova norma.17

Uma terceira hipótese – a mais provável, dada a realidade e a cultura dominante no setor público brasileiro, é a letargia legislativa local. Em tais circunstâncias, os editais e instrumentos convocatórios de cada licitação instalada deverão explicitar o tratamento diferenciado devido às ME e EPP. Caberá, assim, à “lei interna da licitação” elucidar pontos específicos divergentes do regime geral das licitações; por exemplo, o instrumento convocatório do convite deixará clara a prioridade e preferência às referidas empresas.

Uma praxis adotada por capitais e cidades de grande e até médio porte, condenada por muitos e inclusive objeto de críticas veiculadas na imprensa, deverá ser finalmente atingida pelo dispositivo em tela. Consiste na contratação de empresas estrangeiras para apresentações e shows musicais e teatrais com recursos do tesouro, em clara ofensa aos arts. 37, 179 e 219 da Constituição Federal, bem como ao art. 10, XI da Lei 8.429/92, que condena a liberação de verba pública sem observância das normas pertinentes.18

Em interessante e pioneira análise dos artigos da LC 123/06 referentes à licitação, o Prof. Ivan Barbosa Rigolin introduz capciosas e pertinentes indagações a propósito dos problemas prático-operacionais que, muito possivelmente, serão suscitados pelo texto. Sobre o art. 47, o talentoso autor ameniza sua crítica (em geral mordaz), declarando que o dispositivo “assusta menos que os anteriores”... E explica porque:

“porque apenas consigna uma faculdade à Administração, a de favorecer as micro e pequenas empresas nas licitações, cada ente da federação editando legislação própria que conceda ‘tratamento diferenciado e simplificado para as microempresa e empresas de pequeno porte’. Assim sendo, quem desejar pode pular esse ponto até o art. 50, uma vez que sendo mera faculdade a Administração a exerce ou não.”19

Em que pese a competente interpretação do judicioso Professor, cabe uma ponderação em sentido dialético. A nosso ver, o art. 47 “obriga”, e não apenas “faculta”, a adoção do tratamento diferenciado; porque a expressão “poderá”, nesse contexto, deve 17 Vide BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria... p. 15.18 Vide COPOLA, Gina. Improbidade administrativa. O elemento subjetivo do dolo. As modalidades previstas no art. 11 da Lei de Improbidade. Revista Zênite de Direito Administrativo, ano V, n. 60, jul,/2006, p. 1079; FREITAS, Juarez. O princípio da moralidade na lei de improbidade administrativa. Fórum Administrativo, ano 5, n. 48, fev. 2005, p. 5075; TOURINHO, Rita. Dispensa, inexigibilidade e contratação irregular em face da lei de improbidade. FCGP, ano 5, n. 50, 2006, p. 6225.19 RIGOLIN, Ivan Barbosa. Micro e pequenas empresas em licitação – A LC nº 123, de 14/12/06 – Comentários aos arts. 42 a 49. FCGP, ano 6, n. 61, 2006, p. 33-41.

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ser percebida e interpretada como poder-dever. Consulte-se elucidativa análise do notável hermeneuta Carlos Maximiliano, por sua vez agregando citação mais radical de Von Jehring:

"Em geral, o vocábulo pode ... dá idéia de ser o preceito em que se encontra, meramente, permissivo, ou diretório... e deve... indica uma regra imperativa.Entretanto, estas palavras, sobretudo as primeiras, nem sempre se entendem na acepção ordinária. Se, ao invés do processo filológico de exegese, alguém recorre ao sistemático e ao teleológico, atinge, às vezes, resultado diferente: desaparece a antinomia verbal, pode assume as proporções e o efeito de deve. Assim acontece quando um dispositivo, embora redigido de modo que traduz, na aparência, o intuito de permitir, autorizar, possibilitar, envolve...a outorga de atribuições importantes para proteger o interesse público ou franquia individual. Pouco importa que a competência ou autoridade seja conferida, direta, ou indiretamente; em forma positiva, ou negativa: o efeito é o mesmo; os valores jurídico-sociais conduzem a fazer o poder redundar em dever, sem embargo do elemento gramatical em contrário.Um chefe de escola filosófica de Direito, grande professor de Goettingen, generaliza a regra: para ele o intuito permissivo se não presume; em geral, quaisquer que sejam as palavras da lei, sempre se deve preferir entendê-la como imperativa... 'A forma imperativa, isto é, a forma prática imediata de uma proibição ou de uma ordem, é a forma regular sob a qual o Direito aparece nas leis. Pouco importa, aliás, que a expressão seja imperativa ou não; o caráter imperativo jaz na coisa, na idéia' (Rodolfo Von Jehring, L' Esprit du Droit Romain, trad. Meulanaere, ed. vol. III, p. 50, § 46)." 20

Art. 48. Para o cumprimento do disposto no art. 47 desta Lei Complementar, a administração pública poderá realizar processo licitatório:I – destinado exclusivamente à participação de microempresas e empresas de pequeno porte nas contratações cujo valor seja de até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais);II – em que seja exigida dos licitantes a subcontratação de microempresa ou de empresa de pequeno porte, desde que o percentual máximo do objeto a ser subcontratado não exceda a 30% (trinta por cento) do total licitado;

20 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 270-271.

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III – em que se estabeleça cota de até 25% (vinte e cinco por cento) do objeto para a contratação de microempresas e empresas de pequeno porte, em certames para a aquisição de bens e serviços de natureza divisível.§ 1o O valor licitado por meio do disposto neste artigo não poderá exceder a 25% (vinte e cinco por cento) do total licitado em cada ano civil.§ 2o Na hipótese do inciso II do caput deste artigo, os empenhos e pagamentos do órgão ou entidade da administração pública poderão ser destinados diretamente às microempresas e empresas de pequeno porte subcontratadas.

Tais regras, integradas, constituem sem dúvida uma tessitura de favorecimento às empresas em tela. Entretanto, cabe lembrar observação feita a propósito de artigos anteriores (42, 43): não é preciso ter capacidade premonitória para visualizar as dúvidas e tropeços que inevitavelmente surgirão em nível operacional, uma vez posto em andamento o rito formal do procedimento licitatório em uma situação concreta e tendo em vista determinado objeto.

Especificamente quanto ao inciso I do artigo e à licitação convite, não imaginamos problemas significativos, posto que, doravante, essa modalidade (cujo limite de valor, estabelecido no art. 23, II, “a”, da LNL, foi agora reiterado) pode-se considerar direcionada “exclusivamente” para as ME e EPP, tanto para contratações de compra, obra ou serviço.

É de se atentar para o fato de que o valor fixado é específico para cada contratação, e não para todo o regime de competência.

Cremos, entretanto, que as dificuldades começarão quando acorrerem à mesma licitação concorrentes de portes diversos, e a Administração, por força de diretrizes contrastantes aplicáveis a uma e outra, veja-se obrigada a tratá-los diferentemente. Essa contingência pode provocar um acréscimo de impugnações, reclamações e recursos, implicando talvez mais atrasos e ineficiência no campo prático dos certames públicos. Enfim, cumpre equacionar adequadamente as dificuldades e, se possível, superá-las.

Uma cautela preliminar é que a subcontratação de ME e EPP, prevista no inc. II, figure de forma bem explícita e detalhada nos editais, que devem especificar o valor estimado do contrato com a delimitação do percentual de trinta por cento destinado à referida subcontratação, bem como previsão minuciosa de todas as condições cabíveis.

Está visto que os incisos II e III perfilham diretrizes preexistentes da Lei 8.666/93. O art. 72 da LNL admite a subcontratação;21 e o art. 23, em seus parágrafos 1º

21 “Art. 72. O contratado, na execução do contrato, sem prejuízo das responsabilidades contratuais e legais, poderá subcontratar partes da obra, serviço ou fornecimento, até o limite admitido, em cada caso, pela Administração.” Quanto à subcontratação, vide nosso Eficácia nas licitações e contratos. 10. ed., Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 509 a 516, onde são também analisadas questões correlatas como a

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e 2º, condena o chamado “empacotamento” da licitação e obriga à itemização de objetos divisíveis (licitação por área, por bloco, por lote etc).22

Prosseguindo na direção já sinalizada, o inciso III do art. 48 recomenda que, tratando-se de objetos divisíveis, o edital fixe um percentual de até vinte e cinco por cento de sua totalidade para contratação de ME e EPP.

Uma inferência lógica é que os incisos II e III sejam extensivos a todas as modalidades licitatórias nas áreas de compras, obras e serviços, incluindo-se serviços de engenharia. Fortalece tal afirmativa o art. 12, IV, da LNL, já lembrado e transcrito nestas páginas. A boa interpretação deve ressalvar, entretanto, a prestação de serviços técnicos relacionados no mesmo estatuto nacional das licitações, em seu art. 13 e incisos, sendo que o § 3º prossegue exigindo a execução pessoal e direta dos serviços objeto do contrato.

O art. 49 da LC da presente LC 123/06, que vem transcrito a seguir, consolida tal pressuposto.

Art. 49. Não se aplica o disposto nos arts. 47 e 48 desta Lei Complementar quando:I – os critérios de tratamento diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte não forem expressamente previstos no instrumento convocatório;II – não houver um mínimo de 3 (três) fornecedores competitivos enquadrados como microempresas ou empresas de pequeno porte sediados local ou regionalmente e capazes de cumprir as exigências estabelecidas no instrumento convocatório; III – o tratamento diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte não for vantajoso para a administração pública ou representar prejuízo ao conjunto ou complexo do objeto a ser contratado; IV – a licitação for dispensável ou inexigível, nos termos dos arts. 24 e 25 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993.

Finalmente, o último artigo do bloco destinado ao regime licitatório-contratual das ME e EPP – o art. 49 e seus incisos de I a IV – traz diretrizes excludentes da aplicação dos artigos anteriores.

Primeiramente, tais dispositivos (arts. 47 e 48) não serão aplicáveis quando os critérios de tratamento diferenciado para as ME e EPP não forem expressamente

cessão contratual e a subrogação.22 “Art. 23 [...] § 1o As obras, serviços e compras efetuadas pela administração serão divididas em tantas parcelas quantas se comprovarem técnica e economicamente viáveis, procedendo-se à licitação com vistas ao melhor aproveitamento dos recursos disponíveis no mercado e à amplicação da competitiivdade, sem perda da economia de escala. § 2o Na execução de obras e serviços e nas compras de bens, parceladas nos termos do parágrafo anterior, a cada etapa ou conjunto de etapas da obra, serviço ou compra, há de corresponder licitação distinta, preservada a modalidade pertinente para a execução do objeto em licitação.”

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previstos no instrumento convocatório. Cumpre salientar que essa expressão, “instrumento convocatório”, é usada preferencialmente na modalidade convite,23

implicando portanto referência do texto legal à vinculação obrigatória do convite às sociedades-alvo.

Os arts. 47 e 48 não se aplicam também quando não houver, na localidade ou na região, um mínimo de três fornecedores competitivos enquadrados como ME ou EPP, capazes de cumprir as exigências pertinentes à execução do objeto. A diretriz, expressa no inciso II, pelo menos sob o aspecto quantitativo pode ser vista como discutível – já que seria perfeitamente viável a aplicação da regra do art. 23, § 7º da Lei 8.666/93, a qual permite, na compra de bens de natureza divisível e desde que não haja prejuízo para o conjunto ou complexo, “a cotação de quantidade inferior à demandada na licitação, com vistas a ampliação da competitividade, podendo o edital fixar quantitativo mínimo para preservar a economia de escala.”

Por conseguinte: caso as pequenas empresas existentes na localidade não estejam capacitadas para, respectivamente, dar conta de “todo” o quantitativo do objeto, não se configura razão válida para alijá-las do processo e justificar a não-aplicação do tratamento diferenciado. Poderá ser cotado o quantitativo factível, dentro das possibilidades de cada uma delas, e sempre em consonância com os princípios da economicidade e razoabilidade.

Veja-se também o § 7º do art. 22 da LNL, que focaliza a hipótese de, por limitações do mercado ou manifesto desinteresse dos convidados, ser impossível a obtenção do número mínimo de três licitantes exigidos para o convite: tais circunstâncias deverão ser devidamente justificadas no processo e, segundo o teor do artigo, dever-se-á repetir o convite.

Os incisos III e IV do art. 49 revestem-se de certa obviedade e seriam, talvez, supérfluos.

Como é sabido e exaustivamente reiterado na legislação, o princípio constitucional da economicidade é a própria razão de ser do instituto da licitação, figurando com destaque no art. 3º da Lei 8.666/93 e exigindo que o procedimento represente vantagem concreta da Administração na contratação do bem ou serviço.24 O processo competitivo não é mais que um instrumento de melhoria do gasto público. Quando, por qualquer motivo, deixa de ser vantajoso para o órgão ou entidade licitadora, perde seu núcleo instrumental e torna-se ineficaz. Cumpre, então, eliminar

23 “§ 3o Convite é a modalidade de licitação entre interessados do ramo pertinente ao seu objeto, cadastrados ou não, escolhidos e convidados em número mínimo de 3 (três) pela unidade administrativa, a qual afixará, em local apropriado, cópia do instrumento convocatório e o estenderá aos demais cadastrados na correspondente especialidade que manifestarem seu interesse com antecedência de até 24 (vinte e quatro) horas da apresentação das propostas.”24 Premissa instalada desde os primórdios da legislação aplicável, começando pelas Ordenações Filipinas, passando pelo vetusto Código de Contabilidade de 1922, sustentada ao longo de toda a estruturação legislativa subseqüente, recebida pela Constituição de 1988 em seu art. 37, inc. XXI e cristalizada pelo art. 3º da Lei 8.666/93 e todas as normas correlatas em vigor.

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todo elemento que não favoreça o epílogo necessário do certame – ou seja, a contratação do objeto exato pelo melhor preço.

Este é um ponto evidente, com vastas raízes doutrinárias e copioso respaldo jurisprudencial, cuja inserção no inciso III do art. 49 em questão constitui clara redundância, muito embora, em certo sentido, justificável.

É também pleonástica a afirmativa do inciso IV, que exclui a aplicação dos dispositivos em tela nos casos de dispensa ou inexigibilidade de licitação.

De qualquer forma, as razões da não-aplicação da LC 123/06, devidamente motivadas e aprovadas pela autoridade competente, deverão constar dos autos do processo licitatório, disponíveis aos interessados, consoante o art. 50, incisos III e IV, e § 1º da Lei 9.784/99.25

3. ILUSTRAÇÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS

Algumas das diretrizes instauradas pelo presente LC 123/06 corporificam práticas preexistentes, utilizadas notadamente por Municípios, que consagravam já, de alguma forma, tratamento diferenciado às microempresas e empresas de pequeno porte na área de licitações e contratos. Em todo o País, culturas administrativas locais e regionais incorporam naturalmente o incentivo a fornecedores de perfil modesto, embora capacitados ao cumprimento total ou parcial do objeto.

Esse tipo de estímulo consiste praxis usual no âmbito de pequenas localidades, encontrando viabilidade legal precisamente na modalidade convite, com sua flexibilidade intrínseca e seu módico limite de valor. Tal modalidade sempre abriu caminho para que Prefeituras Municipais e suas unidades orçamentárias (órgãos e entidades) fizessem, preferencialmente, o chamamento de pequenas empresas locais e regionais para fornecimentos, suprimentos e execução de obras e serviços.

Por outro lado, as licitações por área, por lote, por itens de serviço, têm sido há muito adotadas como recurso sistemático em favor das pequenas empresas, tanto nas modalidades previstas na Lei 8.666/93, como no pregão explicitado pela Lei 10.520/02.

Em reforço à afirmativa de que alguns dos prescritivos contidos na LC 123/06 possuíam, já, raízes na cultura administrativa e na legislação preexistentes, temos um bom exemplo em nível estadual, pois Minas Gerais tem adotado normas e providências em sentido análogo.

Em artigo recentemente publicado, o vice-presidente da Federação do Comércio desse Estado, o judicioso colega Hiram dos Reis Corrêa, cita dados do Sebrae que demonstram o amplo universo de destinatários da LC 123/06: “99% das empresas 25 “Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando: [...] III - decidam processos administrativos de concurso ou seleção pública; IV - dispensem ou declarem a inexigibilidade de processo licitatório; [...] § 1o A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato.”

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formalmente estabelecidas no País são MPE e respondem por 60% dos empregos formais e cerca de 20% do PIB. Entre 1995 e 2000, foram criadas mais de 400 mil novas microempresas e houve a criação de 1,4 milhão de novos postos de trabalho em pequenos negácios, uma expansão de 25,9%. No mesmo período, o aumento do número de contratados nas grandes empresas foi de apenas 0,3%, não chegando a 30 mil.” E faz referência a medidas do Estado de Minas Gerais que, de certa forma, anteciparam efeitos almejados pela Lei em questão.

“Um bom exemplo”, segundo seu depoimento, “é o do tempo médio para a abertura de empresas. De acordo com levantamento do Banco Mundial, o prazo médio no Brasil é de 152 dias, enquanto em Minas gastam-se só 19.” 26

São, contudo, previsíveis os desafios para a implantação efetiva da LC 123/06. Como visto, em seu início de aplicação já foram detectadas dificuldades de natureza contábil, dada a complexidade das análises requeridas, até mesmo para averiguar se a empresa se enquadra, ou não, no regime diferenciado.

Em suma, a nosso ver, embora contenha visíveis falhas e até mesmo pontuais óbices constitucionais; embora algumas de suas regras não admitam aplicação imediata, necessitando de regulamentação; embora em aspectos pontuais, notadamente tributários e comerciais, possam colocar-se problemas de difícil equacionamento ... a presente Lei Complementar pode e deve ser absolvida em sua intenção básica no sentido de amenizar a carga burocrática e mesmo fiscal que pesa sobre a iniciativa privada de perfil mais modesto.

Como ilustração final deste estudo, lembraríamos uma obra de ficção literária: o livro A caverna, do grande escritor português José Saramago. Em tema correlato ao do presente estudo, o autor propõe a visão peculiar de uma pequena empresa (no caso, uma olaria) representante de um nicho econômico tradicional e quase artesanal, em sua luta pela sobrevivência, em face da hipertrofia de um sistema voltado para gigantescas corporações, vultosos investimentos, tecnologias sofisticadas e produção maciça.

Deixemos então o leitor com a pertinente reflexão de um dos personagens do consagrado autor. Refere-se a circunstâncias que o induziram ao desalento, para enfim readquirir alguma esperança. E relata seu abandono ao “rio”:

“...corrente do que acontece, como se as forças para lhe resistir nos faltassem, mas de súbito percebemos que o rio se pôs a nosso favor, ninguém mais deu por isso, só nós, quem olha julgará que estamos a ponto de naufragar, e nunca a nossa navegação foi tão firme, Oxalá que a ocasião em que nos encontramos seja uma dessas.” 27

26 Minas aponta o caminho certo. Gazeta Mercantil, 29/1/2007, p. A-3.27 Companhia das Letras, 2000, p. 346.

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Em 6 de fevereiro de 2007

Carlos Pinto Coelho Motta

ANEXO – DECRETO 6.038/07

Presidência da RepúblicaCasa Civil

Subchefia para Assuntos Jurídicos

DECRETO Nº 6.038, DE 7 DE FEVEREIRO DE 2007.

Institui o Comitê Gestor de Tributação das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte, e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso das atribuições que lhe confere o art. 84, incisos IV e VI, alínea “a”, da Constituição, e tendo em vista o disposto no art. 2o da Lei Complementar no 123, de 14 de dezembro de 2006,

DECRETA:

Art. 1o Fica instituído o Comitê Gestor de Tributação das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte, denominado Comitê Gestor do Simples Nacional - CGSN, nos termos do art. 2 o da Lei Complementar n o 123, de 14 de dezembro de 2006 .

Art. 2o O CGSN tem a seguinte composição:

I - dois representantes da Secretaria da Receita Federal;

II - dois representantes da Secretaria da Receita Previdenciária;

III - dois representantes dos Estados; e

IV - dois representantes dos Municípios.

§ 1o Os representantes e respectivos suplentes, de que trata:

I - os incisos I e II, serão indicados pelos titulares dos órgãos representados;

II - o inciso II, serão indicados pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz);

II - o inciso IV, serão indicados:

a) um pela Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais; e

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b) um pela Confederação Nacional de Municípios.

§ 2o O Ministro de Estado da Fazenda designará os membros do CGSN, indicando, dentre os representantes de que trata os incisos I e II do caput, o Presidente e o seu substituto.

§ 5o Os membros do CGSN, bem como seus respectivos suplentes, deverão ser indicados no prazo de até quinze dias da publicação deste Decreto.

§ 6o A instalação do CGSN ocorrerá no prazo de até quinze dias após a indicação de seus membros.

§ 7o A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional participará do CGSN, sem direito a voto, prestando-lhe o apoio e assessoramento jurídico necessários.

Art. 3o Compete ao CGSN tratar dos aspectos tributários da Lei Complementar nº 123, de 2006, especialmente:

I - apreciar e deliberar acerca da necessidade de revisão dos valores expressos em moeda na Lei Complementar nº 123, de 2006;

II - elaborar e aprovar seu regimento interno, no prazo máximo de trinta dias após sua instalação;

III - estabelecer a forma de opção pelo Simples Nacional da pessoa jurídica enquadrada na condição de microempresa e empresa de pequeno porte, fixando termos, prazos e condições;

IV - regulamentar a opção automática e o indeferimento da opção pelo Simples Nacional, previstas nos §§ 5º e 6º do art. 16 da Lei Complementar nº 123, de 2006;

V - regulamentar a forma de opção pela determinação do valor a ser recolhido tendo por base o valor da receita bruta recebida no mês, prevista no § 3º do art. 18 da Lei Complementar nº 123, de 2006;

VI - definir a forma como os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, no âmbito de suas respectivas competências, poderão estabelecer valores fixos mensais para o recolhimento do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadoria e Prestação de Serviço de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação - ICMS e do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza - ISS devido por microempresa que aufira receita bruta, no ano-calendário anterior, de até R$ 120.000,00 (cento e vinte mil reais);

VII - definir a forma da redução proporcional ou ajuste do valor a ser recolhido, na hipótese em que os Estados, o Distrito Federal ou os Municípios concedam isenção ou redução do ICMS ou do ISS devido por microempresa ou empresa de pequeno porte, ou determinem recolhimento de valor fixo para esses tributos;

VIII - regulamentar a aplicação de limites estaduais diferenciados de receita bruta para efeito de recolhimento do ICMS e do ISS no Simples Nacional, conforme o disposto nos arts. 19 e 20 da Lei Complementar nº 123, de 2006;

IX - instituir o documento único de arrecadação;

X - regulamentar o prazo para o recolhimento dos tributos devidos no Simples Nacional;

XI - credenciar os bancos integrantes da rede arrecadadora do Simples Nacional;

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XII - decidir sobre requerimento para a adoção pelo Estado, Distrito Federal ou Município de sistema simplificado de arrecadação do Simples Nacional;

XIII - regular o pedido de restituição ou compensação dos valores do Simples Nacional recolhidos indevidamente ou em montante superior ao devido;

XIV - definir o sistema de repasses dos valores arrecadados pelo Simples Nacional, inclusive encargos legais, nos termos do art. 22 da Lei Complementar nº 123, de 2006;

XV - aprovar o modelo e o prazo de entrega da declaração única e simplificada de informações socioeconômicas e fiscais do Simples Nacional;

XVI - disciplinar os documentos fiscais a serem emitidos pelos optantes do Simples Nacional;

XVII - disciplinar a comprovação da receita bruta dos empreendedores individuais com receita bruta anual de até R$ 36.000,00 (trinta e seis mil reais);

XVIII - disciplinar as hipóteses de dispensa de emissão de documento fiscal dos empreendedores individuais com receita bruta anual de até R$ 36.000,00 (trinta e seis mil reais);

XIX - estabelecer outras obrigações fiscais acessórias, observado o disposto no § 4º do art. 26 da Lei Complementar nº 123, de 2006;

XX - dispor sobre a declaração eletrônica do Simples Nacional;

XXI - regulamentar a contabilidade simplificada para os registros e controles das operações realizadas pelos optantes do Simples Nacional;

XXII - regulamentar a exclusão do Simples Nacional, observado o disposto na Seção VIII do Capítulo IV da Lei Complementar nº 123, de 2006;

XXIII - disciplinar a fiscalização do Simples Nacional, observado o disposto na Seção IX do Capítulo IV da Lei Complementar nº 123, de 2006;

XXIV - definir a forma da intimação prevista no art. 38 da Lei Complementar nº 123, de 2006;

XXV - disciplinar a forma pela qual serão solucionadas as consultas relativas aos tributos de competência estadual ou municipal;

XXVI - disciplinar a forma pela qual os Estados, Distrito Federal e Municípios prestarão auxílio à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional em relação aos tributos de suas competências;

XXVII - expedir as instruções necessárias para a implementação do Simples Nacional até 14 de junho de 2007, conforme previsto no art. 77 da Lei Complementar nº123, de 2006;

XXVIII - regulamentar as regras para parcelamento de tributos e contribuições para ingresso no Simples Nacional, conforme previsto no art. 79 da Lei Complementar nº 123, de 2006; e

XXIX - expedir resoluções necessárias ao exercício de sua competência.

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Art. 4o Compete ao Presidente do CGSN:

I - convocar e presidir as reuniões; e

II - coordenar e supervisionar a implementação do Simples Nacional.

Art. 5o O CGSN poderá instituir comitês e grupos técnicos para execução de suas atividades.

§ 1o O ato de instituição do grupo ou comitê estabelecerá seus objetivos específicos, sua composição e prazo de duração.

§ 2o Poderão ser convidados a participar dos trabalhos dos grupos ou comitês técnicos representantes de órgãos e de entidades, públicas ou privadas, e dos Poderes Legislativo e Judiciário.

Art. 6o O CGSN deliberará mediante resoluções.

Art. 7o As deliberações do CGSN que aprovem o seu regimento interno e suas alterações deverão ocorrer por maioria absoluta de seus membros.

Art. 8o O CGSN contará com uma Secretaria-Executiva, para o fornecimento de apoio institucional e técnico-administrativo necessário ao desempenho de suas competências.

§ 1o A Secretaria da Receita Federal proverá a Secretaria-Executiva do CGSN.

§ 2o Compete à Secretaria-Executiva:

I - promover o apoio e os meios necessários à execução dos trabalhos;

II - prestar assistência direta ao Presidente;

III - preparar as reuniões;

IV - acompanhar a implementação das deliberações;

V - exercer outras atividades que lhe sejam atribuídas pelo CGSN.

Art. 9o As despesas de deslocamento e estada dos membros do CGSN, dos técnicos designados para a execução de atividades relacionadas ao CGSN e dos membros dos grupos e comitês técnicos poderão ser custeadas pela Secretaria da Receita Federal.

Art. 10. A função de membro do CGSN não será remunerada, sendo seu exercício considerado de relevante interesse público.

Art. 11. Os casos omissos serão dirimidos no âmbito das deliberações do CGSN.

Art. 12. Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 7 de fevereiro de 2007; 186o da Independência e 119o da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVABernard Appy

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Este texto não substitui o publicado no DOU de 8.2.2007.

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