reflexões sobre o estudo do cinema no ensino fundamental

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O artigo apresenta uma experiência de leitura de filmes e documentários que versam sobre a origem do cinema e sua importância para a sociedade contemporânea na perspectiva de redimensionar a prática educativa em sala de aula do ensino fundamental, e desencadear a formação do aluno como leitor e produtor de imagens, conseqüentemente, um aluno capaz de fazer uma leitura de mundo. Utilizamos o documentário 100 anos luz produzido pela Rede Globo de Televisão por ocasião das homenagens aos 100 anos de cinema, que versa sobre a história do cinema em vários países, o filme Tempos Modernos de Charles Chaplin que trata da sociedade capitalista que começava a se desenhar na Europa a partir do século XVIII, e o documentário A fábrica de Sonhos, que contextualiza a forte influência da cultura americana nos nossos usos e costumes.

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Reflexões sobre o estudo do cinema no ensino fundamental: uma prática que

redimensiona a leitura e a escrita no processo educativo

Dalva Simône Linhares1

Orientação: Elizete Vasconcelos Arantes Filha2

Resumo: O artigo apresenta uma experiência de leitura de filmes e documentários que versam sobre a origem do cinema e sua importância para a sociedade contemporânea na perspectiva de redimensionar a prática educativa em sala de aula do ensino fundamental, e desencadear a formação do aluno como leitor e produtor de imagens, conseqüentemente, um aluno capaz de fazer uma leitura de mundo. Utilizamos o documentário 100 anos luz produzido pela Rede Globo de Televisão por ocasião das homenagens aos 100 anos de cinema, que versa sobre a história do cinema em vários países, o filme Tempos Modernos de Charles Chaplin que trata da sociedade capitalista que começava a se desenhar na Europa a partir do século XVIII, e o documentário A fábrica de Sonhos, que contextualiza a forte influência da cultura americana nos nossos usos e costumes. O projeto desenvolvido “O despertar da sétima Arte” visou à compreensão, interpretação e produção de textos visuais a partir da leitura da imagem e foi desenvolvido na Escola Municipal Professora Terezinha Paulino de Lima nos anos de 2008-2009 com alunos do 7ª a 9ª séries do ensino fundamental. Utilizou-se as teorias de Vygotsky à luz do sóciointeracionismo, que a partir do estudo de Oliveira (2000), subsidiou a análise e a metodologia, a participação e interação dos alunos, como também, as transformações reveladas em cada participante. Para compreender e explicar todo o processo experimentou-se as colocações de Delors (2006), quando propõe eixos norteadores da educação para o século XXI, mencionando os quatro pilares: Aprender a Conhecer, Aprender a Fazer, Aprender a Viver Juntos e Aprender a Ser. Assim, ficou evidenciado que utilizar a leitura de imagens na escola torna melhor o processo de ensino e aprendizado, a convivência, a tolerância e o respeito com as pessoas, devido à essência multicultural do cinema e às múltiplas leituras que se podem construir juntos, principalmente, a leitura de um novo mundo.

Palavras chave: Cinema, Arte, Vídeo, Sóciointeracionismo, Leitura da imagem, Alfabetização Visual.

Introdução

Em um contexto de globalização, é latente a necessidade de se trabalhar a educação

numa perspectiva multicultural. O cinema, integrando som e cor, espaço e tempo, palavra e

1 Pós-Graduada pela Faculdade Internacional de Curitiba (2007), graduada em Letras (UFRN), educadora da rede pública de ensino municipal e estadual de Natal/RN. Autora do livro As Cinco Estações (2007). Contato: [email protected]

2 Mestre em Educação pela UFRN, especialista em Metodologias de arte aplicada à educação com ênfase em cinema e vídeo. Professara Formadora presencial e a distância de produção audiovisual aplicada à educação. Ministra atualmente os cursos “introdução à produção de vídeos”, “Professor: de espectador a produtor de vídeos” e “ Edição de vídeos aplicada à educação utilizando softweres livres”, no Núcleo de Tecnologia Educacional de Natal-RN e professora conteudista e formadora em educação a distância pelo IFRN. Contato: [email protected]

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movimento, favorece a troca de informações e conhecimento entre culturas diferentes, o

que importaria uma sensibilização para a pluralidade de valores e universos culturais cada

vez mais presentes no cotidiano de educadores e alunos. Nesse sentido, a linguagem do

cinema presente na vida do homem, é uma via no processo de ensino e aprendizagem que

abre espaço para ativar e socializar o conhecimento oportunizando aos alunos a se

inserirem na vida social e cultural, promovendo a cidadania, na perspectiva de desenvolver

a autonomia intelectual, o pensamento crítico, o resgate da auto-estima pessoal e

comunitária sob um “novo olhar” para o mundo.

A necessidade de desenvolver esse projeto se deu ao perceber a disponibilidade de

espaço na escola, a importância de mudanças de estratégias que proporcionassem

envolvimento mais ativo dos alunos, como também a possibilidade de utilizar os materiais

disponíveis na escola, alguns vídeos e cartazes sobre cinema, que já existia e não tinha sido

utilizado até o momento. Ao organizar o projeto buscou-se apoio para concretizar as ideias

e montar a telessala, um ambiente novo, dinâmico e pedagogicamente interativo que

agradou a professores e alunos, motivando o desenvolvimento do Projeto 7ª Arte.

Desse modo, esse artigo vem relatar a experiência vivida, inicialmente, com alunos

de 7ª e 9ª séries de Ensino Fundamental na Escola Municipal Professora Terezinha Paulino

de Lima, que visou construir a prática da leitura do cinema na escola, e, num processo de

comunicação e interação mais amplo possibilitou o registro em vídeo, pelos próprios

alunos, desencadeando a formação do aluno como produtor de imagens. Para isso, foi

formada, através de um teste seletivo e voluntário, uma equipe de 15 alunos. Organizou-se

com esse grupo, semanalmente, um encontro presencial e encontros vivenciais, de acordo

com a necessidade de cada pessoa envolvida, fosse aluno ou professor. Utilizamos como

metodologia de trabalho, pesquisas estruturadas através de leitura e produção de textos,

orientados especificamente para temas que explicassem com maior propriedade a história

do cinema, que resultaram em apresentação de seminários, enquetes teatrais, entrevistas

com professores da Escola, projeção de filmes mudos e em preto e branco. Utilizou-se

como registro a criação de um livro onde foram registradas todas as etapas vivenciadas e

uma produção em vídeo como documento para socialização entre a comunidade em torno

da escola.

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Aprendendo com o cinema

O tempo e o espaço na escola passam por uma ressignificação que exige que se

insira na educação culturas heterogêneas e o entorno das tecnologias. Segundo os

Parâmetros Curriculares Nacionais, o cinema, a televisão e o vídeo estão inseridos nas

artes visuais e resultam dos avanços tecnológicos e transformações estéticas a partir da

modernidade (PCNs, 1999). Dessa forma, não mais se pode falar em Educação sem

interação e educar assume epistemologicamente as tecnologias da informação e da

comunicação. A relação entre as informações transmitidas nas imagens dos filmes

assistidos e analisados em sala de aula, por exemplo, possibilita o relacionamento e a troca

de conhecimentos em todos os seus aspectos. No caso do aluno, esse “feedback” se dá a

partir do momento em que, aos seus prévios conhecimentos se somam novos, à medida que

seus sentidos captam as transmissões da tela e as informações se reorganizam.

Há mais de um século o cinema seduz, provoca e emociona pessoas em todo o

mundo, dentre elas seguramente estão milhões de professores e alunos. A partir de

experiências, nasceu o cinema, através de várias inovações que vão desde o domínio

fotográfico até a síntese do movimento, utilizando a persistência da visão com a invenção

de jogos ópticos.

Em 1900, Charles Pathé, industrial do ramo cinematográfico, já se referia aos

filmes do futuro como sendo “[...] o Teatro, o Jornal e a Escola de amanhã.” (Pathé apud

Silveira, p.27, 1978 in Arantes, 2004). Ainda não chegamos a esse ponto, mas não

podemos negar que o cinema é um veiculo poderoso na transmissão de informações

culturais, sociais, políticas e econômica. Através dele pode-se observar como uma cultura

se comporta em sociedade ou saber como aconteceu algo em uma determinada época e de

que forma aconteceu. Portanto, transformar o cinema em escola ainda está distante, mas

utilizar os filmes como veículos de interação entre o ensino e o aprendizado, já vem se

concretizando e se tornando um instrumento inerente ao ensino. Dessa forma, podemos

afirmar com propriedade que hoje se ensina com a imagem e se aprende com a imagem

(ARANTES, 2004, p.62 ).

Nessa perspectiva, fazer o “despertar da sétima arte” na comunidade escolar, em

equipe, é formar multiplicadores de conhecimento – segundo Aranha e Martins (p. 133,

2005), “o artista atribui sentido à realidade que o cerca e organiza a experiência, o vivido,

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transformando-a em objeto de conhecimento” – num trabalho social de aprendizagem que

apresenta além de uma função cognitiva, uma função emocional. Nessas condições,

constituiu-se um grupo de alunos que, fora de seu horário de aula, se reunia semanalmente

nas dependências da escola, freqüentando ambientes que outrora não eram tão comuns,

como a telessala, biblioteca, sala de informática ou até mesmo em casa, para pesquisar,

fazer resumos, anotar dúvidas e discutir sobre temas relacionados ao cinema mundial com

temáticas acerca da História do Cinema, O Cinema Mudo, a história da vida e obra de

Charles Chaplin, A Evolução do Cinema e Gêneros Cinematográficos. Esses temas deram

subsídios aos professores para que fossem trabalhadas, subjetivamente, as teorias de Lev

Semenovích Vygotsky, que enfatiza o papel da linguagem no processo de desenvolvimento

e aprendizagem social, cultural e histórica, baseados em estudos de Oliveira (2000),

Doutora em psicologia da educação – EUA - e professora da Faculdade de Educação da

USP, que dedicou seus estudos para conhecer a teoria do desenvolvimento humano no

âmbito educacional. Segundo Vygotsky apud Oliveira, 2000, p.40):

“As origens das funções psicológicas superiores devem ser buscadas nas relações sociais entre o indivíduo e os outros homens: para Vygotsky o fundamento do funcionamento psicológico tipicamente humano é social e, portanto histórico. Os elementos mediadores na relação entre o homem e o mundo – instrumentos, signos e todos os elementos do ambiente humano carregados de significado cultural – são fornecidos pelas relações entre os homens”.

A escola, de modo geral, tem uma relação estreita com o mundo da cultura e com a

sociedade. A abordagem de Vygotsk sobre o desenvolvimento humano, em seu contexto

histórico-cultural, analisada sob a ótica de Oliveira, constitui um norte para a prática de

atividades com o cinema, no âmbito escolar. Enquanto os alunos se reúnem pra estudar,

vão se envolvendo com a pesquisa, ampliando o interesse pelas informações como também

vão se descobrindo e descobrindo o outro. Logo, a partir dessa “preparação”, abre-se um

seminário de discussões, oportunizando a comunicação oral, formando para o aprender a

ouvir e respeitar a opinião dos outros e, através do objeto de conhecimento, com sentido e

significado, o aluno partilha, questiona e reflete sobre o cinema e a experiência que vem

vivenciando no decorrer das atividades. Fica evidente que essa socialização favorece o

raciocínio, a consciência crítica, desenvolve o pensamento divergente e a descoberta de

aptidões, despertando o desejo da conquista e da iniciativa de cada indivíduo do grupo.

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Na realidade, a cultura é uma produção humana cuja fonte é a vida social, pois é

nas relações grupais que o indivíduo se comunica, ação fundamental no processo de

desenvolvimento e aprendizagem, diga-se de passagem, que essas relações grupais são

fundamentais no processo de desenvolvimento e aprendizagem, ou seja, ainda mais

abrangente – cultural, social e histórica. Para Oliveira (2000, p. 36), “[...] é o grupo cultural

onde o indivíduo se desenvolve que lhe fornece formas de perceber e organizar o real, as

quais vão constituir os instrumentos psicológicos que fazem a mediação entre o indivíduo e

o mundo”. Assim também, interessado nas relações sociais enquanto fundamento do

desenvolvimento humano, Vygotsky deslocou a questão da realidade biológica para a

questão da realidade cultural e entendeu esta transição como espaço de desenvolvimento da

mente humana. Contudo, para elucidar essa questão buscamos em Oliveira, 2000, p.45:

“O grupo humano teve de criar um sistema de comunicação que permitisse troca de informações específicas, e ação no mundo com base em significados compartilhados pelos vários indivíduos empenhados no projeto coletivo. O surgimento do pensamento verbal e da linguagem como sistema de signos é um momento crucial no desenvolvimento da espécie humana, momento em que o biológico transforma-se em sócio-histórico”.

Nessa concepção, reconhece-se que o ponto de partida e de chegada da educação é

sempre o mundo humano em sua configuração histórico-cultural, com suas contradições,

ambigüidades e possibilidades. Diante dessas colocações, afere-se que o cinema permeia o

sóciointeracionismo vygotskyano, tendo em sua essência um forte apelo social, inserindo-

se nas mais diversas culturas, com uma versatilidade de recursos e atividades que podem

ser utilizados no que se refere à aprendizagem, através dos sistemas simbólicos e processos

de internalização.

Com esse propósito, apresentou-se ao grupo de alunos envolvidos nesse estudo, os

documentários “A Fábrica dos Sonhos”, documentário experimental produzido por alunos

de jornalismo da UFRN em 2007 e utilizado como vídeo aula no curso de “Introdução à

Produção de Vídeo da TV/escola do Núcleo de Tecnologia de Natal, que versa sobre a

origem do cinema, com ilustrações de filmes raros em preto e branco seguindo a

cronologia, opiniões de críticos, estudantes e professores de comunicação sobre seus

conceitos sobre cinema, e sobre a forte influência da cultura americana nos nossos usos e

costumes, como também, o documentário “100 Anos Luz”, produção da Rede Globo de

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televisão – que versa sobre a história do cinema em vários países nos últimos 100 anos, e o

filme “Tempos Modernos”, de Charles Chaplin (1936). Este último versa sobre a vida

urbana nos Estados Unidos nos anos 30, após a crise de 1929, quando a depressão atingiu

toda sociedade norte-americana, levando grande parte da população ao desemprego e à

fome. A partir da projeção dessas imagens, os alunos foram convidados a observarem as

produções e identificarem o tema proposto, como também a leitura e interpretação de

imagens relacionando à condição de poder pensar, interagir a partir do lido e ser capaz de

dizer a sua palavra através da idéia e emoção “via tela”. Nesse ínterim, passou-se a

observar o comportamento dos alunos envolvidos no projeto e suas atitudes em relação ao

ato da leitura de imagens e a perceber o desenvolvimento de habilidades relacionadas à

atenção, à memória, à associação, à análise, à síntese, à orientação espacial, ao pensamento

lógico e criativo, além da percepção da organização dos elementos da linguagem visual -

luzes, sombras, cenário - e de como esses elementos estão associados a outros - música,

ideias e história.

A leitura da imagem de forma coletiva instigou a pesquisa com outras linguagens.

O trabalho segue com a produção de um texto para entrevista, com professores da escola,

sobre o tema em estudo, como também, o uso de filmes na prática pedagógica do docente.

Isso feito caminhou-se para a confecção de cartazes e a organização de murais a fim de

divulgar um “encontro com a sétima arte”, através de uma exposição na telessala com

apresentação da pesquisa realizada, como também o documentário “A Fábrica de sonhos”

e uma esquete teatral baseada em uma cena do filme “Tempos Modernos”, de Charles

Chaplin representando a cena que mais emocionou, com a qual houve maior identificação

para o grupo de alunos. A cada etapa, um grupo de alunos registra em fotografias os

acontecimentos e professores registraram em vídeo as opiniões, as perguntas e também as

respostas que cada aluno faz aos colegas envolvidos.

À medida que as atividades vão sendo realizadas, percebe-se a elevação da auto-

estima dos alunos e o desenvolvimento gradual de suas habilidades e competências, com

grande envolvimento e interação com o grupo. Cada um cumpre a sua responsabilidade

cabida sem as cobranças tão comuns no cotidiano escolar. Percebe-se uma melhor

desenvoltura na expressão oral em todo o processo cênico da apresentação do esquete, o

experimentar ser o que não é, e ter a idéia de como seria se fosse outra pessoa, o fazer

coisas diferentes das que faz cotidianamente, vivendo em outro tempo e em outro lugar.

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Somado a tudo isso, aprecia-se o crescimento humano nos valores e relações sociais

vivenciados em sua pluralidade.

Os quatro pilares da educação e o cinema na sala de aula

Naturalmente, o cinema na sala de aula favorece uma educação voltada para a

cultura de paz, pois quando o aluno passa a observar outras culturas e comparar com a sua,

torna-se capaz de compreender e aceitar com naturalidade as diferenças, com isso, passa a

ter um comportamento menos violento em relação ao outro, passa a aceitar-se na sua

condição de ser, ou não ser, passa a se ver como integrante de um espaço e de uma

realidade e passa a ter noções e incentivo para mudar, se for preciso. Na escola, a atividade

“O Despertar da Sétima Arte”, contextualiza as colocações de Delors quando propõe eixos

norteadores da educação para o século XXI citando os quatro pilares: Aprender a

Conhecer, Aprender a Fazer, Aprender a Viver Juntos e Aprender a Ser. (DELORS, 2006,

p. 98):

“A educação tem por missão, por um lado, transmitir conhecimentos sobre a diversidade da espécie humana, e por outro, levar as pessoas a tomar a consciência das semelhanças e da interdependência entre todos os seres humanos do planeta [...] Quando se trabalha em conjunto sobre projetos motivadores e fora do habitual, as diferenças e até os conflitos interindividuais tendem a reduzir-se, chegando a desaparecer em alguns casos. Uma nova forma de identificação nasce destes projetos que fazem com que se ultrapassem as rotinas individuais, que valorizam aquilo que é comum e não as diferenças”.

Esses pilares estão no Relatório para a Organização das Nações Unidas para a

Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), realizado pela Comissão Internacional sobre

Educação para o Século XXI, cuja missão é efetuar um trabalho de estudo e reflexão sobre

educar e aprender neste século. A partir dessas considerações, a recepção do

conhecimento, através da sétima arte, se dá em qualquer disciplina de acordo com a

atividade proposta para o objetivo informativo e formativo de seu conteúdo. Os filmes

conseguem prender a atenção do aluno de forma natural, prazerosa e curiosa. Da mesma

forma, cultivam a memória e o raciocínio nas relações com os diferentes contextos com

que se pode trabalhar – universos de tempo, espaço, culturas e outros.

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“A cultura geral, enquanto abertura para outras linguagens e outros conhecimentos, permite, antes de tudo comunicar-se. [...] A formação cultural, cimento das sociedades do tempo e no espaço, implica a abertura a outros campos do conhecimento e, deste modo, podem operar-se fecundas sinergias entre as disciplinas. [...] Aprender a conhecer supõe, antes de tudo, aprender a aprender, exercitando a atenção, a memória e o pensamento (DELORS, 2006, p. 91-92).

Sob esse olhar, percebe-se que, quando o aluno domina seus próprios instrumentos

de conhecimento, ele compreende o mundo que o rodeia, exercendo sua cidadania. Esse

conhecimento estimula a compreensão e a descoberta de novos paradigmas apresentados

na sociedade em que se vive. O trabalho com cinema, seus textos e contextos traz o

conhecimento e ensina a refletir, a ter uma visão crítica, a se posicionar, a fazer relações.

E assim, no Aprender a Conhecer, recorda Delors (2006, p. 91):

“O aumento dos saberes, que permite compreender melhor o ambiente sob os seus diversos aspectos, favorece o despertar da curiosidade intelectual, estimula o sentido crítico e permite compreender o real, mediante a aquisição de autonomia na capacidade de discernir”.

Sucede a esse desenvolvimento, o Aprender a Fazer, que está diretamente ligado ao

Aprender a Conhecer. O “Fazer” lembra construção, trabalho em equipe; requer

competências para sua concretude. Percebe-se assim, como “O Despertar da Sétima Arte”

insere-se nesse contexto, em seu processo e ao final dele, em que os alunos reúnem todo o

material pesquisado para a confecção de um livro e todos os registros de imagem para a

produção de um documentário. Enfim, evidencia-se que, através da pedagogia estruturada

com a sétima arte, chega o conhecimento dos vários aspectos que norteiam o processo de

ensino e aprendizagem e a promoção das relações entre as pessoas quando na abrangência

de sua socialização.

Uma arte que interage com a vida dos alunos

A escola deve criar mecanismos que oportunizem a aprendizagem trazendo novas

perspectivas, novas referências que melhorem conhecimento e valores. Diante dessas

colocações, observa-se o depoimento de alguns alunos que participaram do projeto 7ª arte.

“Meu pai tem um quadro de Chaplin, só que eu nem sabia o que ele significava, o que ele foi na história [...] tive que parar para pesquisar, estudar prá poder fazer certo, fazer bonito. Me senti realizada. É uma coisa que a gente tem guardado prá sempre como forma de

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aprendizagem [...] Pude aprender coisas que eu não imaginava um dia aprender.” J.K.O.H (16 anos).

Essa declaração remete ao “Aprender a Conhecer”, a compreender melhor o

mundo, processando, segundo as teorias vygotskyanas (Pino, 2005), as significações

culturais em significações pessoais. Portanto, há toda uma construção de internalização

simbólica com novos paradigmas sociais. E já que, para Vygotsky (2005), cultura é,

simultaneamente, o produto da vida social e da atividade social dos homens, pode-se

também destacar, com as palavras do aluno, citadas abaixo, o “Aprender a Viver Juntos”,

colocado por Delors. Essas teorias e estudos são intrínsecas à educação e foram

amplamente vivenciadas no desenvolvimento da atividade descrita.

“Trabalhar em grupo com os colegas, com pessoas que eu não conhecia foi legal. O que aprendi com a 7ª Arte, posso dizer que é importante, um trabalho que a gente tá vendo resultado.” M.C.S.S (14 anos).

Dentre os alunos participantes do referente projeto, J.R.N.A (17 anos) refere-se a

sua experiência como algo inovador em sua vida, algo que o fez viajar no “túnel do

tempo”, onde ele pode construir novos conceitos, o que para Vygotsky (Oliveira, 2005)

revela a intencionalidade do ato educativo e representa o núcleo das mudanças do

pensamento do adolescente.

“Com esse projeto, tive a oportunidade de conhecer melhor a história do cinema, pude interpretar personagens do tempo passado; conheci sobre o grande gênio Charles Chaplin. Pude participar bastante, com mais vontade, mais força [...] foi muito diferente dos trabalhos que participei.” J.R.N.A (17 anos).

Interessado nas relações sociais enquanto fundamento do desenvolvimento humano,

Vygotsky deslocou a questão da realidade biológica para a questão da realidade cultural e

entendeu esta como espaço de desenvolvimento da mente humana, segundo Smolka e

Laplane (2005). Vem somar-se a esse argumento, a expressão do aluno abaixo, cuja

vivência social mais intensa, com mais diálogo, contatos com diferentes pessoas, o fez

conhecer, assimilar, experimentar, construir e desenvolver-se enquanto cidadão e pessoa.

“Eu aprendi muita coisa que não sabia. Conheci pessoas mais velhas, conversei, pessoas que eu pensava que nunca ia falar.[...] Foi uma experiência que me fez ver e aprender coisas novas.” S.S.N ( 14 anos).

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Para o modelo histórico-cultural inspirado por Vygotsky, a escola tem um papel

singular e insubstituível na apropriação da experiência culturalmente acumulada. E é no

depoimento do aluno abaixo onde se pode perceber que a conclusão do trabalho resultou,

dentre tantos outros aprenderes, no “Aprender a Fazer”, em que se constata todo o

desenvolvimento da aprendizagem.

“Pude aplicar o desenvolvimento da pesquisa e foi uma experiência muito importante e gratificante para mim. [...] Uma novidade boa para nós é que vamos deixar nossa pesquisa em um livro e todos os alunos que chegarem no colégio poderão aprender mais um pouco sobre o despertar da 7ª arte.” W.P.N (14 anos).

Assim, ao analisar as relações e efeitos desse estudo temático acerca do processo de

ensino e aprendizagem, aprova-se a prática da pedagogia cinematográfica na escola,

compreendendo que esta atividade favorece a participação integral do indivíduo enquanto

pessoa e ser social com acesso a vários bens culturais. Assim, pois, promover um ensinar

diferente, com novas práticas é também promover a comunicação que possibilita ao aluno

integrar-se ao mundo histórico, atual e interdependente, ajudando-o a crescer afetiva e

intelectualmente.

Na educação pós-moderna, o conhecimento humano tende a combinar-se com a

capacidade deste de interagir intencionalmente na busca da plena compreensão, ou seja, de

comunicar-se.

Últimas palavras

Nesse sentido, o cinema revela um caráter sóciointeracional à proporção que

permite aos educandos a troca de experiências, sentimentos, emoções e valores, ao tempo

em que sons e imagens agem sobre o corpo e a cognição, construindo conhecimento. Aqui,

depara-se com os aspectos lingüísticos e comunicativos dos textos que, dando a

oportunidade de uma leitura de mundo, também conseguem trabalhar semântica,

interpretação, produção, expressão verbal (argumento, opinião), favorecendo a

aprendizagem, a comunicação e o relacionamento com outras pessoas. Os registros

fotográficos e em vídeo culminaram na produção audiovisual Construindo a Leitura do

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Cinema na Escola e veio possibilitar a socialização do projeto com a comunidade escolar,

parentes e amigos numa grande festa com a participação de todos os envolvidos, e

posteriormente, compartilhados na Internet.

À luz dessas considerações, evidencia-se que tal prática, na escola, torna melhor a

convivência, a tolerância e o respeito com as pessoas, devido a sua essência multicultural.

A cultura inerente ao cinema propicia uma retomada de algo que alguém vivenciou não só

em seu plano habitual, mas também de coisas que foram desconhecidas e podem ser

resgatadas a partir do processo de transmissão. Da mesma forma, contribui para

descobertas, gerando transformações. Essas mudanças criam possibilidades de descobrir

novas potencialidades para as quais o indivíduo não havia despertado. Nessa perspectiva,

educar utilizando o cinema e a sua gama de possibilidades amplia seus objetivos,

ultrapassa suas expectativas, contribuindo para a construção da cidadania e favorecendo a

participação social, ao permitir que os alunos ampliem a compreensão do mundo em que

vivem, reflitam sobre ele e possam nele intervir.

Assim, o Projeto 7ª Arte terá continuidade na escola com a proposta de inovar seus

temas e ações, acompanhando o tempo, o espaço e a sociedade com propostas flexíveis

para que a aprendizagem, a formação e o conhecimento adquirido, através do estudo do

cinema, aconteçam na vida dos alunos.

Para o educador os desafios são vários, incontáveis; no entanto, reconhecer o novo

contexto educativo, as novas tendências pedagógicas, as modernas tecnologias, atitudes,

modos de pensamento e valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento e as

mudanças na comunicação é ação decisiva na constituição das novas formas de conhecer,

aprender e gerenciar o conhecimento humano. Daí, a necessidade do professor sempre se

disponibilizar a acompanhar e intervir, se permitir e propiciar práticas que o levem a

refletir sobre seus conhecimentos e ações pessoais e educativas.

Referências

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Temas de Filosofia. 3.ed. São Paulo: Moderna, 2005.

ARANTES FILHA, Elizete Vasconcelos. Devaneio do olhar: uma experiência de produção e leitura da imagem através do vídeo na prática pedagógica. Natal/RN BS/CCSA/2004. p. 180.

DELORS, Jacques. Educação: um tesouro a descobrir. 10. ed. São Paulo: Cortez, 2006.

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OLIVEIRA, Marta Kohl. Vygotsky – aprendizado e desenvolvimento: um processo sócio-histórico. São Paulo: Scipione, 2000.

OLIVEIRA, Marta Kohl. Escola e Desenvolvimento Conceitual. Revista Viver – mente & cérebro. Coleção memória da pedagogia – Lev Semenovich VYGOTSKY. São Paulo, nº 2, p. 68-75, 2005.

Parâmetros Curriculares Nacionais: arte / Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC, 1998.

PINO, Angel. Cultura e Desenvolvimento Humano. Revista Viver – mente & cérebro. Coleção memória da pedagogia – Lev Semenovich VYGOTSKY. São Paulo, nº 2, p.14-21, 2005.

SMOLKA, A.L.B; LAPLANE, A.L.F. Processos de Cultura e Internalização. Revista Viver – mente & cérebro. Coleção memória da pedagogia – Lev Semenovich VYGOTSKY. São Paulo, nº 2, p. 76-83.

FILMOGRAFIA

A fábrica de Sonhos (Natal/Brasil, 2007). Orientação: professora Elizete Arantes (produção de avaliação de final de curso de Jornalismo, 2007. UFRN). Cópias disponíveis no Núcleo de Tecnologia Educacional do Natal-RN.

100 anos luz. Documentário (em homenagem aos 100 anos de cinema) produzido pela Rede Globo de televisão.

Tempos Modernos (Modern Times, EUA 1936). DIREÇÃO:Charles Chaplin, 87 min. preto e branco, Continental).

Link de compartilhamento da produção audiovisual:

Construindo a leitura do Cinema na Escola. Direção Simône Linhares. 2009. Duração: 8’46”. http://www.youtube.com/watch?v=9PsY-NpEWGk. Acessado em 10 de setembro de 2010.