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REFLEXÕES 17 Domingo 11 de Outubro de 2020 Quem lê as narrativas míticas das literaturas orais angolanas com preocupações diferentes daquelas que mobilizam antropólogos, psicólogos, sociólogos e teólogos das religiões, pode concluir que entre nós vai faltando uma compreensão dos conceitos de pessoa e de Deus, tal como se formula nas línguas nacionais Luís Kandjimbo |* A razão disso reside no facto de o estudo das religiões angolanas, aparentemente, não se revelar útil ao conhecimento da comunidade histórica pela qual, presumivel- mente, cultivamos um sentimento de pertença. Que interesse tem a interpretação de narrativas míticas angolanas cujas personagens são crianças- prodígio iconoclastas? Por que razão se deve estudar os textos da literatura oral que advogam a au- sência da crença em Deus ou deuses ou de descrença total em um Deus? Estas perguntas sugerem uma pro- posta de reflexão que deve cruzar a literatura e a filosofia, tematizando a religião, a teoria dos nomes pró- prios e das personagens ficcionais. O título do presente texto faz alu- são a quatro heróis iconoclastas cuja profissão e comportamento moral é semelhante aos protagonistas dos mitos de criação, personagens com nomes próprios que as associam à cosmogonia Bantu, sendo a profissão de caçador um dos mais significativos traços identitários. As narrativas míticas das co- munidades angolanas a que me refiro alimentam a imaginação li- terária há séculos. Na tradição de Ngalangi existe um mito de criação veiculado em língua Umbundu que situa o espaço originário das dife- rentes comunidades angolanas na região ribeirinha do médio Kunene. Nessa versão, o fundador da co- munidade é um caçador, Feti, cujo antropónimo deriva do verbo “oku- fetika” que significa “fundar”, “ini- ciar”, “começar”. Feti era um caçador que tinha um cão como seu único companheiro. Por isso, sentia o peso da solidão humana. Um dia, para espairecer decidiu ir à pesca. Dirigiu-se ao lago que se encontrava nas margens do rio Ku- nene. Ali teve a sorte de ver surgir das águas uma forma humana se- melhante a si mesmo. Emergiam dos juncos três mulheres: Coya, Tembo e Cĩvĩ. Até à sua morte, elas seriam as suas esposas. O momento de constituição da família passou a ser recordado através da seguinte máxima proverbial: “Feti wa fetika, Coya woya po”, (“Feti deu início, Coya completou com a perfeição”). Coya é a Terra-Mãe. Tembo viria a ser a mãe das comunidades Nya- neka-Humbi e de outras comuni- dades de pastores. Cĩvĩ é a mãe das comunidades de língua Umbundu. Ngalangi foi o primeiro filho de Feti. Era caçador de elefantes e an- tílopes como o pai. O reino de Nga- langi viria a ser fundado por Ndumba Visoso, neto de Feti e filho do seu primogénito. Ngola Ciluanji foi o segundo filho de Feti que emi- grou para a região do Wambu e de- pois fixou-se na região do Ndongo. Após a morte de Feti, as esposas contraíram segundas núpcias: Coya na região de Ndulu; Tembo na região do Humbi e Cilenge; e Cĩvĩ na região de Ngalangi. Num outro mito de criação de Kalukembe refere-se que Suku, equivalente a Deus em português, criou os primeiros homens. Quatro deles foram gerados por uma rocha. À nascença encontraram-se com quatro kimbandas. O primeiro re- cebeu a arte de lançar má sorte; o segundo, a de adivinhar; o terceiro, de curar; o quarto, de caçador. Um eventual trabalho exaustivo pode conduzir-nos à leitura de outros mitos de criação das literaturas orais angolanas em Cokwe, Kimbundu e Nyaneka-Humbi, por exemplo. Na literatura angolana escrita em língua portuguesa, foi o escritor Henrique Abranches que, com o seu romance “A Konkhava de Feti”, reelaborou o mito de Feti, no século XX. Literatura oral e religião O interesse dos mitos fundacionais reside no facto de permitirem com- preender a concepção cosmogónica das comunidades humanas e a ar- quitopia religiosa subjacente ao sentido dos nomes próprios dos heróis da narrativa. A compreensão desse imaginário antigo abre portas ao conhecimento das religiões an- golanas. A este propósito, na in- trodução ao livro “Folk-Tales of Angola. Fifty Tales, with Kimbundu Text, Literal English Translation, Introduction and Notes” (“Contos Populares de Angola. Cinquenta Contos em Kimbundu. Coligidos e Traduzidos em Inglês, com In- trodução e Anotação”), publicado em 1894, o missionário suiço Héli Chatelain, um dos mais importantes investigadores da literatura oral Kimbundu, afirmava: “A sempre repetida asserção de que os Afri- canos são feitichistas, isto é, que adoram objectos inanimados, é completamente falsa, pois, se assim não fosse, todas as pessoas supers- ticiosas seriam feitichistas. Na ge- neralidade, a religião seguida pelos Angolanos é igual à dos Bantus”. Ora, se o sagrado e o religioso cons- tituem fenómenos que conduzem os humanos a formas específicas de representação do mundo, ve- rificaremos que o mito de criação de “Feti”, o caçador, traduz uma forma de explicar a presença do homem e da mulher na cadeia das entidades existentes no universo. O homem e a mulher ocupam um lugar nessa cadeia hierárquica em cujo topo se encontram os ante- passados, enquanto entes supremos, entre os quais Suku, Huku, Kalunga, Nzambi, equivalentes a Deus em português. Estes são os nomes do antepassado mais importante, si- tuado no vértice da pirâmide dos espíritos benignos. Concepção do antepassado supremo Em Angola, Kalunga, Nzambi e Ndyambi, nomes próprios atribuídos ao antepassado supremo, são pa- lavras que remetem para um subs- trato comum, tal como o comprova a lexicografia bantu. Nas respectivas línguas, o uso dessas unidades le- xemáticas depende do tipo de dis- curso e género literário. Não deixa de ter razão o missionário espi- ritano suiço Carlos Estermann, quando considerava que, em Kuanyama, designando o mesmo referente, o termo Kalunga é usado em prosa e Pamba, em poesia. Já em Nyaneka-Humbi, Kalunga é usado em poesia e Huku ou Suku, em prosa. Por outro lado, Carlos Estermann, num artigo sobre as concepções religiosas entre os Bantu, publicado em 1942, admitia que “a verdadeira religião dos Bantu é o culto dos antepassados”. A leitura das narrativas mitoló- gicas dos heróis “gerados por si mesmos” deixa perceber que o sentido dos nomes próprios das quatro personagens representam a negação de crença na omnisciên- cia, omnipotência e omnipresença de Deus. Mas tal não significa recusa das crenças religiosas. Heróis ou ateus? A afronta a Kalunga, Suku, Nzambi, a errância e o combate levado a cabo contra os ogres, Makishi, os espíritos malignos, definem a per- sonalidade desses heróis icono- clastas, nomeadamente, Kalitangi (Umbundu), Kimalawézu Kia Tum- ba-Ndala (Kimbundu), Nambalisita (Nyaneka-Humbi) e Ndalakalitanga (Cokwé). São personagens autoe- xistentes. Geram-se a si mesmos. Nascem já caçadores adultos, ar- mados com os instrumentos do ofício. Atribuem-se a si mesmos os nomes próprios. Portanto, a sua interpretação requer profundos conhecimentos sobre a concepção Bantu da pessoa humana, além de uma competente teoria dos nomes próprios e das personagens ficcio- nais que seja culturalmente con- textualizada, reconhecendo-se a sua dimensão cognitiva. Se a auto-inscrição das personagens referidas no mundo do sagrado revela alguma coisa, tal tem que ver com o vínculo entre o sentido do seu nome, o conteúdo in- tencional e a ordem cósmica que sustenta a comunidade a que pertencem. A afirmação da auto-existência sugere um debate que desafia o argumento ontológico sobre a existência de Deus. Este argu- mento da auto-existência, em Nyaneka-Humbi e em Umbundu, é formulado nos seguintes termos: “Ndadia mo, ame Nambalisita, hisitilwe komunu, ame mwene ndelisita” (“Saí do ovo, não fui gerado por ninguém, a mim mes- mo me gerei”); “Ame Kalitangi, nda litanga la Suku” (“Eu sou Kalitangi, aquele que se confunde com Deus”). Mapa dos textos mitológicos O território dos textos mitológicos do herói “gerado por si mesmo” abrange uma vasta área que se estende entre a África Central e a África Austral. Passa pela zona habitada pelas comunidades Ovambo, pelo delta do Kavango e alcança o Botswana. É nos no- mes próprios do herói que se re- gistam algumas variações morfemáticas. Por exemplo: Nam- baishita (Kuanyama), Mpambai- cita (Ndonga), Sambilikita (Kwangali), Sambilia (Shambyu) Ciakova (Mbukushu). O seu sig- nificado traduz exactamente a ideia de ser auto-criado. Após a leitura e interpretação das referidas narrativas, qualquer investigador ocidental pouco avi- sado, atrever-se-ia a considerar que as personagens designadas por esses nomes próprios são in- divíduos ateus, de acordo com um princípio descritivista da fi- losofia ocidental, segundo o qual a um nome associa-se sempre uma descrição referencial. Nas respectivas narrativas fic- cionais, essas crianças-prodígio são pessoas que põem em causa os poderes de Suku, Kalunga e Nzambi. Os seus poderes são de igual modo equiparáveis aos de Kalunga. Não há na natureza qualquer força que lhes resista. As suas peripécias têm início quando as adversidades amea- çam a existência da sua família, seus pais, especialmente as mães. Enfrentam ogres e travam debates argumentativos com o seu principal oponente, Suku, Kalunga e Nzambi. Portanto, estas crianças-pro- dígio não poderão ser a repre- sentação do vulgar ateu cristão, na medida em que o monoteísmo ocidental não é modelo para ex- plicar e compreender os fenó- menos religiosos angolanos por ausência de qualquer relação com as chamadas religiões re- veladas. Na melhor das hipóteses, à luz de uma perspectiva com- parada, admite-se que elas sejam consideradas uma representação literária de um ateísmo negativo. Para o tema da conversa proposta, por ateísmo negativo entende- se a aceitação de crenças reli- giosas, mas a negação da crença na omnisciência de Deus. Des- cortina-se aí um outro debate que não poderá depender da te- matização já conhecida nas fi- losofias europeias, por exemplo. Por essa razão, os seus funda- mentos deverão emanar das ex- periências e das culturas das várias comunidades angolanas. *Ensaísta e professor universitário. M.Phil. (Filosofia), Ph.D. HERÓIS DA MITOLOGIA ANGOLANA Ficção literária e ateísmo DR

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REFLEXÕES 17Domingo11 de Outubro de 2020

Quem lê as narrativas míticas das literaturas orais angolanas com preocupaçõesdiferentes daquelas que mobilizam antropólogos, psicólogos, sociólogos e teólogos dasreligiões, pode concluir que entre nós vai faltando uma compreensão dos conceitos de

pessoa e de Deus, tal como se formula nas línguas nacionais

Luís Kandjimbo |*

A razão disso reside no facto de oestudo das religiões angolanas,aparentemente, não se revelar útilao conhecimento da comunidadehistórica pela qual, presumivel-mente, cultivamos um sentimentode pertença.

Que interesse tem a interpretaçãode narrativas míticas angolanascujas personagens são crianças-prodígio iconoclastas? Por querazão se deve estudar os textos daliteratura oral que advogam a au-sência da crença em Deus ou deusesou de descrença total em um Deus?Estas perguntas sugerem uma pro-posta de reflexão que deve cruzara literatura e a filosofia, tematizandoa religião, a teoria dos nomes pró-prios e das personagens ficcionais.

O título do presente texto faz alu-são a quatro heróis iconoclastas cujaprofissão e comportamento moralé semelhante aos protagonistas dosmitos de criação, personagens comnomes próprios que as associam àcosmogonia Bantu, sendo a profissãode caçador um dos mais significativostraços identitários.

As narrativas míticas das co-munidades angolanas a que merefiro alimentam a imaginação li-terária há séculos. Na tradição deNgalangi existe um mito de criaçãoveiculado em língua Umbundu quesitua o espaço originário das dife-rentes comunidades angolanas naregião ribeirinha do médio Kunene.Nessa versão, o fundador da co-munidade é um caçador, Feti, cujoantropónimo deriva do verbo “oku-fetika” que significa “fundar”, “ini-ciar”, “começar”. Feti era umcaçador que tinha um cão comoseu único companheiro. Por isso,sentia o peso da solidão humana.Um dia, para espairecer decidiu irà pesca. Dirigiu-se ao lago que seencontrava nas margens do rio Ku-nene. Ali teve a sorte de ver surgirdas águas uma forma humana se-

melhante a si mesmo. Emergiamdos juncos três mulheres: Coya,Tembo e Cĩvĩ. Até à sua morte, elasseriam as suas esposas. O momentode constituição da família passoua ser recordado através da seguintemáxima proverbial: “Feti wa fetika,Coya woya po”, (“Feti deu início,Coya completou com a perfeição”).Coya é a Terra-Mãe. Tembo viria aser a mãe das comunidades Nya-neka-Humbi e de outras comuni-dades de pastores. Cĩvĩ é a mãe dascomunidades de língua Umbundu.

Ngalangi foi o primeiro filho deFeti. Era caçador de elefantes e an-tílopes como o pai. O reino de Nga-langi viria a ser fundado porNdumba Visoso, neto de Feti e filhodo seu primogénito. Ngola Ciluanjifoi o segundo filho de Feti que emi-grou para a região do Wambu e de-pois fixou-se na região do Ndongo.Após a morte de Feti, as esposascontraíram segundas núpcias: Coyana região de Ndulu; Tembo na regiãodo Humbi e Cilenge; e Cĩvĩ na regiãode Ngalangi.

Num outro mito de criação deKalukembe refere-se que Suku,equivalente a Deus em português,criou os primeiros homens. Quatrodeles foram gerados por uma rocha.À nascença encontraram-se comquatro kimbandas. O primeiro re-cebeu a arte de lançar má sorte; osegundo, a de adivinhar; o terceiro,de curar; o quarto, de caçador.

Um eventual trabalho exaustivopode conduzir-nos à leitura de outrosmitos de criação das literaturas oraisangolanas em Cokwe, Kimbundue Nyaneka-Humbi, por exemplo.

Na literatura angolana escritaem língua portuguesa, foi o escritorHenrique Abranches que, com oseu romance “A Konkhava deFeti”, reelaborou o mito de Feti,no século XX.

Literatura oral e religiãoO interesse dos mitos fundacionaisreside no facto de permitirem com-

preender a concepção cosmogónicadas comunidades humanas e a ar-quitopia religiosa subjacente aosentido dos nomes próprios dosheróis da narrativa. A compreensãodesse imaginário antigo abre portasao conhecimento das religiões an-golanas. A este propósito, na in-trodução ao livro “Folk-Tales ofAngola. Fifty Tales, with KimbunduText, Literal English Translation,Introduction and Notes” (“ContosPopulares de Angola. CinquentaContos em Kimbundu. Coligidose Traduzidos em Inglês, com In-trodução e Anotação”), publicadoem 1894, o missionário suiço HéliChatelain, um dos mais importantesinvestigadores da literatura oralKimbundu, afirmava: “A semprerepetida asserção de que os Afri-canos são feitichistas, isto é, queadoram objectos inanimados, écompletamente falsa, pois, se assimnão fosse, todas as pessoas supers-ticiosas seriam feitichistas. Na ge-neralidade, a religião seguida pelosAngolanos é igual à dos Bantus”.Ora, se o sagrado e o religioso cons-tituem fenómenos que conduzemos humanos a formas específicasde representação do mundo, ve-rificaremos que o mito de criaçãode “Feti”, o caçador, traduz umaforma de explicar a presença dohomem e da mulher na cadeia dasentidades existentes no universo.O homem e a mulher ocupam umlugar nessa cadeia hierárquica emcujo topo se encontram os ante-passados, enquanto entes supremos,entre os quais Suku, Huku, Kalunga,Nzambi, equivalentes a Deus emportuguês. Estes são os nomes doantepassado mais importante, si-tuado no vértice da pirâmide dosespíritos benignos.

Concepção do antepassadosupremo Em Angola, Kalunga, Nzambi eNdyambi, nomes próprios atribuídosao antepassado supremo, são pa-

lavras que remetem para um subs-trato comum, tal como o comprovaa lexicografia bantu. Nas respectivaslínguas, o uso dessas unidades le-xemáticas depende do tipo de dis-curso e género literário. Não deixade ter razão o missionário espi-ritano suiço Carlos Estermann,quando considerava que, emKuanyama, designando o mesmoreferente, o termo Kalunga é usadoem prosa e Pamba, em poesia. Jáem Nyaneka-Humbi, Kalunga éusado em poesia e Huku ou Suku,em prosa. Por outro lado, CarlosEstermann, num artigo sobre asconcepções religiosas entre osBantu, publicado em 1942, admitiaque “a verdadeira religião dosBantu é o culto dos antepassados”.

A leitura das narrativas mitoló-gicas dos heróis “gerados por simesmos” deixa perceber que osentido dos nomes próprios dasquatro personagens representama negação de crença na omnisciên-cia, omnipotência e omnipresençade Deus. Mas tal não significa recusadas crenças religiosas.

Heróis ou ateus?A afronta a Kalunga, Suku, Nzambi,a errância e o combate levado acabo contra os ogres, Makishi, osespíritos malignos, definem a per-sonalidade desses heróis icono-clastas, nomeadamente, Kalitangi(Umbundu), Kimalawézu Kia Tum-ba-Ndala (Kimbundu), Nambalisita(Nyaneka-Humbi) e Ndalakalitanga(Cokwé). São personagens autoe-xistentes. Geram-se a si mesmos.Nascem já caçadores adultos, ar-mados com os instrumentos doofício. Atribuem-se a si mesmosos nomes próprios. Portanto, a suainterpretação requer profundosconhecimentos sobre a concepçãoBantu da pessoa humana, além deuma competente teoria dos nomespróprios e das personagens ficcio-nais que seja culturalmente con-textualizada, reconhecendo-se a

sua dimensão cognitiva. Se aauto-inscrição das personagensreferidas no mundo do sagradorevela alguma coisa, tal tem quever com o vínculo entre o sentidodo seu nome, o conteúdo in-tencional e a ordem cósmicaque sustenta a comunidade aque pertencem.

A afirmação da auto-existênciasugere um debate que desafia oargumento ontológico sobre aexistência de Deus. Este argu-mento da auto-existência, emNyaneka-Humbi e em Umbundu,é formulado nos seguintes termos:“Ndadia mo, ame Nambalisita,hisitilwe komunu, ame mwenendelisita” (“Saí do ovo, não fuigerado por ninguém, a mim mes-mo me gerei”); “Ame Kalitangi,nda litanga la Suku” (“Eu souKalitangi, aquele que se confundecom Deus”).

Mapa dos textos mitológicos O território dos textos mitológicosdo herói “gerado por si mesmo”abrange uma vasta área que seestende entre a África Central ea África Austral. Passa pela zonahabitada pelas comunidadesOvambo, pelo delta do Kavangoe alcança o Botswana. É nos no-mes próprios do herói que se re-g i s ta m a lg u m a s va r i a ç õ e smorfemáticas. Por exemplo: Nam-baishita (Kuanyama), Mpambai-cita (Ndonga), Sambil ikita(Kwangali), Sambilia (Shambyu)Ciakova (Mbukushu). O seu sig-nificado traduz exactamente aideia de ser auto-criado.

Após a leitura e interpretaçãodas referidas narrativas, qualquerinvestigador ocidental pouco avi-sado, atrever-se-ia a considerarque as personagens designadaspor esses nomes próprios são in-divíduos ateus, de acordo comum princípio descritivista da fi-losofia ocidental, segundo o quala um nome associa-se sempreuma descrição referencial.

Nas respectivas narrativas fic-cionais, essas crianças-prodígiosão pessoas que põem em causaos poderes de Suku, Kalunga eNzambi. Os seus poderes são deigual modo equiparáveis aos deKalunga. Não há na naturezaqualquer força que lhes resista.As suas peripécias têm inícioquando as adversidades amea-çam a existência da sua família,seus pais, especialmente asmães. Enfrentam ogres e travamdebates argumentativos com oseu principal oponente, Suku,Kalunga e Nzambi.

Portanto, estas crianças-pro-dígio não poderão ser a repre-sentação do vulgar ateu cristão,na medida em que o monoteísmoocidental não é modelo para ex-plicar e compreender os fenó-menos religiosos angolanos porausência de qualquer relaçãocom as chamadas religiões re-veladas. Na melhor das hipóteses,à luz de uma perspectiva com-parada, admite-se que elas sejamconsideradas uma representaçãoliterária de um ateísmo negativo.Para o tema da conversa proposta,por ateísmo negativo entende-se a aceitação de crenças reli-giosas, mas a negação da crençana omnisciência de Deus. Des-cortina-se aí um outro debateque não poderá depender da te-matização já conhecida nas fi-losofias europeias, por exemplo.Por essa razão, os seus funda-mentos deverão emanar das ex-periências e das culturas dasvárias comunidades angolanas.

*Ensaísta e professor universitário.M.Phil. (Filosofia), Ph.D.

HERÓIS DA MITOLOGIA ANGOLANA

Ficção literária e ateísmo

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LEITURAS18 Domingo11 de Outubro de 2020

FESTA LITERÁRIA ONLINE

Templo D’Escritas junta escritorese intelectuais de língua portuguesa

A artesã Verónica Pedro vive um “novo normal”. A pandemia da Covid-19 levou-a a buscar alternativas criativas paramanter e expandir o seu negócio. Criou uma página no Instagram onde expõe e vende as suas criações. Até um certo

montante de compras, ela faz a entrega ao domicílio do cliente. É um caso de resiliência e de adaptação às contingênciasimpostas pelo novo coronavírus

Arrancouna última terça-feira a 1ª. Edição do TemploD’Escritas – Festa LiteráriaInternacional da LínguaPortuguesa, com um debateentre o poeta e crítico lite-rário brasileiro Marco Lu-chessi, o poeta angolanoDavid Capelenguela, a es-critora caboverdiana VeraDuarte Pina, o escritorportuguês Paulo José Mi-randa e o poeta moçam-bicano Nelson Lineu, sobreo tema “Literaturas de Lín-gua(s) Portuguesa(s): des-locamentos e fronteiras”,cuja moderação esteve acargo do poeta angolanoAbreu Paxe.O Templo D’Escritas -

1ª Festa Literária Interna-cional da Língua Portugue-sa, realizado online atravésda plataforma Streamyard,pode ser visto nas redes so-ciais (Facebook, Youtubee Instagram) da revista depoesia e arte contemporâ-nea Mallarmargens. O ob-jectivo principal do certameé dar seguimento aos de-bates “que já tinham comocaracterística central de-safiar olhares acomodados,privilegiando a diversidade,

as especif icidades e apluralidade de saberesprovenientes de um es-paço usualmente tratadocomo periférico em vezde rico produtor de sen-tidos e significados”.Segundo a organização,

o Templo D’Escritas é o des-dobramento das múltiplasfronteiras e geografias li-terárias, com a pretensãode tornar-se um encontromultidisciplinar dedicadoà partilha de sonhos, ques-tionamentos, que permitamcruzar idiossincrasias, iden-tidades, ligando trajectosculturais e históricos, tra-zendo também novas di-nâmicas à comunidade dasinúmeras expressões por-tuguesas em geral.A iniciativa conta com

a coordenação-geral dopoeta e crítico literário an-golano Abreu Paxe, coad-juvado pela brasi leiraAmanda Vital, poeta e edi-tora-adjunta da RevistaMallarmargens. Fazem ain-da parte da organização ospoetas Amosse Mucavele(Moçambique) e Nuno Rau(Brasil), na qualidade decuradores. É intenção da

organização envolver nosdebates autores, leitores,editores, artistas, diri-gentes políticos e estu-diosos das literaturas delíngua portuguesa, “cujascontribuições têm se mos-trado decisivas para me-lhor compreensão docontexto das produçõesculturais da comunidadede língua portuguesa”.Marcarão presença na

maratona de debates, entreoutros, os escritores e in-telectuais angolanos AnaPaula Tavares, Filipe Zau,Boaventura Cardoso, LopitoFeijóo, David Capelenguelae Adriano Mixinge; os mo-çambicanos Ungulani BaKa Khosa, Celso C. Cossa,Aurélio Furdela, ArmandoArtur, Francisco Noa, JoãoFenhane e Ana MafaldaLeite. A estes juntam-se osde Cabo Verde Manuel BritoSemedo, Hilárino da Luz eNatacha Magalhães; do Bra-sil, Selma Caetano, ValériaMartins, Gisele Correia Fer-reira, Ana Rita Santiago,Eliane Debus e Ricardo Ri-so. De Portugal Ana MariaMartinho, Luís Castro Men-des, Jorge Reis Sá, Marta

Lança e Joana Bertholo. DaGuiné-Bissau Tony Tchekae de São Tomé e PríncipeWildiley Barroca. Ao todo, os dois meses

de programação (até De-zembro) envolverão maisde 100 participantes directos. Os organizadores refe-

rem que decidiram realizaro certame online por ser “aforma possível de nos en-contrarmos neste momentode uma conjuntura mundialtão singular. E também, porse tratar de um momentode tantas impossibilidades,mas que descortina paraum novo modo de olhar omundo e nossa forma deestarmos juntos, elegendouma perspectiva que parteda interculturalidade”.Estão em pauta nesta

edição do Templo D’Es-critas discussões sobre acriação literária, o papeldas instituições, o mercadoeditorial, a circulação dasobras literárias e os lugaresda memória, abrindo-separa os diálogos com ou-tros discursos relativos àcultura, aos estudos lite-rários e às políticas vol-tadas para as artes.

Sobre o (des)amor ou talvez coisa nenhuma

Pedro Kamorroto

Dando voz às vozesda curiosidadeque ainda fazem burburinhos, nãotive outro jeito senão evadir-medo sacrossanto casulo para vivercomo a multidão vive, sob os de-sígnios do idílio amoroso, quandono coração de quem deliberada-mente decidiu construir narrativase outras efabulações romanescas,há somente restos mortais, fluídoscorporais do prazer da carne.

No recanto do meu coração,fazem morada fragmentos de tudoum pouco, menos deste pharma-kon - que muitos cinicamente cha-mam de amor.

Parece paradoxo, mas desco-bri-me mergulhado nos arcanosdas conturbações engendradaspelo eros. A promíscua, a ocasionale a suada sexualidade do temponão pode ser o paladino do amor.

É aqui onde os covardes encon-tram restos de consolo, armados

em carapaus de corrida, ufanam-se das suas conquistas enfadonhas.Há muito mais se soçobrarmos nasprofundidades deste rio Kwanza.

Teria o bicho homem poderesplenipotenciários de revogar a or-dem natural das coisas?

Ninguém é obrigado a acreditarem nada, para tudo há um reverso,no momento que menos esperamosa certeza, esta fiel depositária, re-velar-se-á um engodo.

Tudo é uma prisão, até o pe-queno céu que buscas incessan-temente. Somos todos presos ecarcereiros de circunstância, comoalguém um dia asseverou.

Há amores que matam, se nãoacreditas em mim, vá até à florestado suicídio e verás tragédias nãogregas a medrar cada vez mais,quais ovos de serpente.

Penso que o sentimento de or-fandade não é só quando perde-mos os nossos progenitores,categoricamente. Nos sentimosórfãos. Sentimos um buraco negro

no trajecto sofr ido da nossa(in)existência, quando só somosnós a soçobrar na imensidão doKalunga amoroso.

Sabes que uma muralha medie-val é intransponível? Perguntoupara mim uma voz interior. Tenteiresponder, mas a voz disse-me emseguida, não te apresses em res-ponder, a pressa pode soar qua-drada ou cúbica, o tempo precisa(rá)de tempo para responder a todasas questões justapostas. Mas saibasque todas essas incorrespondênciassão barreiras, muralhas de castelosintransponíveis.

Entendo o teu posicionamentoà Sartre, quando dizes que vivespara concretização da grande ne-cessidade que tens de ti mesmo,quando, sem evasivas, afirmas queés um Goebbels refinado, ministroda propaganda do regime ditatorialda auto-satisfação.

Meu amigo, interrompeu a vozinterna, o amor, este viveiro, nãose compadece com auto-realizações,

com egos famélicos que buscamem lugares-comuns alimentos deque precisam, e por vezes, tambémde que não precisam.

O amor tem maior serventiaquando sem dependência, semapego nos doamos aos outros.

Não confundas servidão, estadode dependência total, de sujeição,e acções psicológicas para capitu-lação da outra parte, como amor.

“Eu te amo, sem você não vivo,és a primeira maravilha do mundo”.Toda essa teia, todo esse emara-nhado de palavras vãs, agridoces,com defeitos na forma e no con-teúdo, sussurradas nos ouvidosdos “incautos”, palavras que hipo-critamente gostamos de ouvir, asmentiras que homens e mulherescontam, revelam uma dependênciaassaz atávica.

Amas o amor ou a sensação deautoridade, de controlo sobre ooutro, qual é o burro de carga quecinicamente pretendes domar?

Qual é o histórico que trazes

desses campos de concentração,minados, do amor? A propalar paratodos os ventos santos, que fulanas,sicranas e beltranas foram bem co-midas até te fartares?

Esse amor com sentido gastro-nómico e desportivo é de uma tra-gicomédia nunca antes vista.

Veterano com medalhas e tro-féus, se este é o teu histórico porpercorreres caminhos carcomi-dos, por calcorreares para o mes-mo lugar, então vou preferir serum eterno diletante e exonerar-me de todas as funções de apren-diz de amor.

Não há bússolas, pontos cardeaisque orientem o homem perdidono idílio amoroso, fechado em si,que carrega uma mala cheia defrustrações e de acções escusas.

Sobras inflamáveis de alcatrõesemocionais, um incêndio de pro-porções amazónicas está à vista,mas no teatro as avenidas que seerguem têm fundações em palmase gargalhadas sonoras...

PALAVRAS, PALAVRAS...

Quantos desertos bastariam para este bicho homem sorver, pelo menos uma vez, a fragrância do amor?

DR

DR

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Não era uma prática comum, mas hoje, fruto dos condicionamentos imposto pelapandemia da Covid-19, em que muitos trabalhadores e estudantes tiveram deadoptar um estilo de vida mais sedentário, está a ser corriqueiro ver muitos

moradores da centralidade do Sequele dedicados a actividades físicas regulares

Alexa Sonh |

O facto de estar em casa semquase nada para fazer, commais tempo para dormir, re-laxar, cozinhar e comer deforma mais descontroladafez com que muitos que anteseram amigos da balança pas-sassem a fugir dela, por causado ganho de peso que foramtendo com o tempo, de formaquase exponencial. E, comoo sobrepeso nunca vem so-zinho, em muitas pessoastrouxe também, ou fez acen-tuar, os quadros de hiper-tensão, diabetes, dores decoluna e problemas cardía-cos. Em muitos lares, tor-nou-se fraco o desempenhosexual de um ou de ambosos parceiros.

Daí ver-se todos os dias,de manhã cedo, pessoas emgrande número, trajadas aseu jeito, com roupa apro-priada para ginástica ou não,atrás de uma meta comum:perder peso ou simplesmentesair do sedentarismo. É ocaso de Helga João, 34 anos,moradora do Sequele desde2015. Ela contou à nossa re-portagem que sempre teveproblema de sobrepeso,mas antes ainda conseguiacontrolar, fruto da dinâmicado trabalho e das lidas decasa. De Março a Junho pas-sou de 70 para 80 quilos,sendo que uma boa parteda gordura estava concen-trada na barriga, E, por serde estatura baixa (1,58 cmde altura), começou a sentirrapidamente os efeitos dopeso a mais.

“A gota de água foi quandoo meu marido, em pleno actosexual, me disse que nos úl-timos tempos eu já não con-seguia acompanhar o seuritmo porque estava pesada,precisava emagrecer. Depoisdisso, ele já não me procuravamais, ou dormia cedo, antes

de mim, ou mais tarde,quando eu já estivesse numsono profundo”.

Helga disse que isso foi-lhe incomodando tanto que,sem qualquer orientaçãomédica, decidiu fazer algu-mas reduções alimentares ecaminhar todos os dias demanhã e à tarde durante umahora em cada sessão.

“No princípio foi muitodifícil devido ao frio das 5horas, mas fui ganhando ogosto à medida que a minhaboa disposição voltava devidoaos treinos. Estou a perderpeso. Em apenas um mêsperdi seis quilos, as dores eo cansaço que sentia no corpoestão a desaparecer aos pou-cos e a minha autoestima estáa voltar, assentou mesmo”.

A Alves Gomes, 56 anos,foi diagnosticada hipertensãoarterial e diabetes. Além damedicação e de algumas res-trições alimentares, o médicoprescreveu-lhe caminhadasdiárias, pelo menos duranteuma hora.

“A minha tensão arterialjá chegava aos 200 e, devidoao stress do dia-a-dia, ascoisas só pioravam. Mas desdeque estou confinado em casae a fazer exercícios todos osdias, os níveis tensionais ten-dem a baixar. Na última con-

sulta que fiz para controlara diabetes o médico ficoufeliz com o resultado, quetambém melhorou muito”.

Ainda segundo Alves Go-mes, os exercícios além deo ajudarem no controlo dasdoenças crónicas, aliviam-lhe o stress, proporcionan-do-lhe uma sensação debem-estar, nessa época emque a maior parte das pessoasestá tensa devido ao aumentode casos da Covid-19.

Se para uns os exercíciosfísicos servem para perderpeso e controlar as doençascrónicas, para outros servempara ganhar peso e aumentara massa muscular. É o casode Berner Diogo, estudanteuniversitário de 23 anos.

Berner tem 1,75 cm dealtura mas pesava 57 quilos.Com a ajuda de um nutri-cionista e de um personaltrainer, de Abril a Marçoaumentou 13 quilos, porquealém de fazer exercíciospara o aumento da massamuscular, também adoptouuma alimentação reforçada,principalmente com car-boidratos e em intervalosmuito curtos.

“A minha meta é chegaraos80 quilos. Com exercíciose muito descanso chegareilá. Consigo notar a diferençaporque as pessoas dizemque estou com um aspectomais saudável, o que me-lhorou muito a minha au-toestima”, disse.

“Em pleno actosexual , o meu

marido disse-meque eu já nãoconseguia

acompanharo seu ritmo,

porque estavapesada. Depoisele já não meprocurava,dormia cedo,antes de mim,ou mais tarde,quando eu jáestivesseno sono”

Buscar a saúde e a autoestima através dos exercícios físicos

O personal trainer EuclidesBarros explicou à nossa re-portagem que os exercíciosfísicos, em qualquer etapada vida, ajudam a aliviar ostress, previnem a obesidade,a hipertensão arterial, a dia-betes (uma vez que a activi-dade física ajuda a regularos níveis de glicemia), evitaa celulite, a osteoporose e,acima de tudo, melhora o sis-tema de ventilação pulmonar,“o que é muito importantenessa época da pandemiada Covid-19”. 

“Com acompanhamentomédico ou não, todas as pes-soas devem, ao menos, ca-minhar durante 45 minutos,três a quatro vezes na semana.Garanto que irão se sentirmuito mais rejuvenescidas,tanto por dentro como porfora”, explicou o profissional.

Segundo Euclides Barros,pessoas obesas com proble-mas cardíacos e sedentárias(que não praticam nenhumaactividade física) estão maispropensas a contrair doenças,com consequências graves.  

“Daí que recomendo a es-tas pessoas e à populaçãoem geral, a começarem, desdejá, a adotar hábitos saudáveis,que as ajudem no fortale-cimento do sistema imuno-lógico, principalmente. Eos exercícios físicos de formaregular além de proporcio-narem boa saúde física, tam-bém causam equilíbrio nasaúde mental e isso ajudana liberação das endorfinas,substância responsável pelasensação de bem-estar, con-tribuindo assim para o au-mento da autoestima doser humano”.

Que treinos fazer?  De acordo com Euclides Bar-ros, nem todas as pessoasdevem fazer todo tipo de trei-no. “É aí onde entram os pro-fissionais de saúde paraorientar cada indivíduo, deacordo com a sua necessidadee constituição física, porque

a forma como se deve exer-citar uma criança não é amesma para um jovem, ido-so ou pessoas com algumadeficiência física. Tudo obe-dece a regras para se evita-rem as lesões”.  

Ainda segundo EuclidesBarros, os principiantes, comorotina, para movimentar ocorpo “podem realizar cami-nhadas, corridas leves e exer-cícios aeróbicos que vãoajudar muito a melhorar ocondicionamento físico decada um”. 

A nutricionista Sónia An-tónio explicou ao Jornal deAngola que a prática de exer-cícios físicos tanto para perderpeso como para ganhar pesoou simplesmente sentir-sebem “é fundamental, mas éimportante ter em atençãoo que se come. Segundo avelha máxima, ‘O ser humanoé o que come”. Logo, o su-cesso da nossa saúde, prin-cipalmente nessa época daCovid-19, está intrinseca-mente ligado a tudo aquiloque ingerimos”.

De acordo com Sónia An-tónio, quem quer perder peso,além de fazer exercícios deveconsumir alimentos mais le-ves e mais nutritivos, comosopas de legumes, de abó-bora, batidos e sumos detox(sumos naturais para ema-grecer). As carnes e o peixedevem ser consumidos gre-lhados ou cozidos e não fritos.E algumas vezes, aconselhaa nutricionista, pode-se fazerjejuns intermitentes, sem co-mer alimentos sólidos, con-sumindo apenas água. 

Já para quem quer ga-nhar peso o processo é in-verso. “A pessoa precisautilizar alimentos que con-têm carboidratos, vitaminas,fibras, proteínas, gorduravegetal, magnésio e cálcio.E deve comer quatro a seisvezes por dia, dependendoda necessidade do corpo eda energia absorvida duranteos treinos”. 

A visão do profissional  

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REPORTAGEM 19Domingo11 de Outubro de 2020

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ENTREVISTA20 Domingo11 de Outubro de 2020

Decorre, até 3 de Novembro próximo, mais umacampanha de recrutamento de jovens angolanos paraestudarem na Inglaterra, no quadro das mundialmenteconhecidas Bolsas Chevening, disponibilizadas peloGoverno britânico para capacitar líderes de todo o

mundo. O Jornal de Angola ouviu Maria Solo, estudanteangolana a beneficiar, há um ano, de uma Bolsa

Chevening na Universidade de Manchester, onde está afazer o mestrado em Projecto Urbano e PlaneamentoInternacional. Ela fala da sua experiência enquanto

bolseira Chevening

André Sibi

Pode explicar o que é umabolsa Chevening?Chevening é o programa debolsas de estudo internacio-nal do Governo britânico,fundado pelo Ministério dosNegócios Estrangeiros, quecapacita futuros líderes detodo o mundo, há mais de37 anos, através da opor-tunidade de estudarem noReino Unido e adquirir no-vas competências, habili-dades e atitudes. Hoje, acomunidade Cheveningconta com mais de 50.000personalidades, dentre asquais 100 angolanos.

Conseguiu a bolsa deestudos logo na primeiratentativa?A minha jornada Cheveningcomeçou em Outubro de2017, quando, sentada, numdos anfiteatros da Univer-sidade Metodista de Angola,

ouvia uma palestra promo-vida pela Embaixada Britâ-nica em Luanda sobre oprograma de bolsas Cheve-ning. Fui ousada e candida-te i -me dua s veze s .Infelizmente, na primeiratentativa tive que abrir mãoda bolsa porque não tinha onível de inglês requerido.Felizmente, na segunda ten-tativa e após quatro testesde língua inglesa TOEFL (tes-te de inglês para estrangei-ros), finalmente recebi umavaga para fazer o mestradona minha área de especia-lidade, na Universidade deManchester. Graças ao pro-grama de bolsas Cheveninglá fui eu em Setembro de2019, de malas prontas,com uma bolsa de mestra-do, paga na totalidade, atrásdo meu sonho de estudarem Inglaterra.

Há quanto tempo está naInglaterra?Estou na Inglaterra há 11 me-ses, desde o dia 17 de Se-tembro de 2019.

Como foram os primeirosdias? Os primeiros dias foram bas-tante corridos e de grandeexpectativa. Era a primeiravez que eu viajava para In-glaterra e cheguei na primeirasemana de aulas. Nos pri-meiros dias, a maior preo-cupação era resolver aquestão do registo acadé-mico, que permite acederao conteúdo programáticodo curso, aos recursos e su-porte da universidade, bemcomo aos descontos estu-dantis para transporte, aco-modação e outros serviços.Um dos primeiros impactosque tive ao chegar foi em re-lação à universidade: commais de 40.000 estudantes

anualmente, 270 hectares e254 edifícios, lembro queme perdia constantementenos primeiros dias, antes delocalizar os diferentes lugaresonde ocorriam as aulas, pa-lestras, seminários e outrasactividades académicas. Eraengraçado. Outra questãofoi em relação ao clima: eraOutono e as temperaturas jácomeçavam a reduzir. Damesma forma que fazia sol,também chovia repentina-mente, logo percebi que oguarda-chuvas seria o meumelhor amigo.

Em quanto tempo seaperfeiçoou no inglês? Durante o processo de can-didatura precisei de um anopara me aperfeiçoar. Na pri-meira vez que me candidateitive que abrir mão da bolsaporque na altura não tinhao nível requerido pela uni-versidade e somente apósquatro testes TOEFL conseguio resultado necessário paraobter uma oferta incondi-cional por parte da univer-sidade. Quando cheguei aManchester, lembro-meque precisei de três mesespara me adequar aos termostécnicos do curso e ao so-taque “macunian”, que é ocaracterístico da região deManchester e Noroeste daInglaterra.

O que a bolsa garante aoestudante? A bolsa Chevening garanteo seguinte: pagamento daspropinas do mestrado; bilheted e p a s sagem d e i d a evolta; subsídio de chegadae de partida; custo do pro-cesso do visto com segurode saúde pago e registo nosistema nacional de saúde(NHS); ajuda de custo paraviagens relacionadas com

MARIA SOLO, ESTUDANTE ANGOLANA NA INGLATERRA

Jovem fala da sua experiência enquanto bolseira

Chevening

Um dos primeirosimpactos que tiveao chegar foi em

relação àuniversidade: commais de 40.000

estudantesanualmente, 270hectares e 254

edifícios, lembroque me perdia

constantemente nosprimeiros dias.

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ENTREVISTA 21Domingo11 de Outubro de 2020

actividades da bolsa; subsídiode subsistência (mensal-mente, durante o período deduração do mestrado – umano). Para além disso, a Cheveninggarante um conjunto de ac-tividades de apoio aos bol-seiros como a CheveningOrientation – uma cerimóniapara orientação e networkingentre os bolseiros. O Che-vening Farewell – uma ce-r imónia de despedida,networking e reflexão emrelação a jornada Cheveninge os desafios futuros, ambasem Londres. Adicionalmente,a Chevening também pro-move actividades que per-mitem o desenvolvimentoacadémico, profissional epessoal como é o caso doChevening Relay, que per-mite a passagem do bastãoChevening por várias cidadesda Inglaterra e o registo emfotos ou a Conferência Che-vening onde cada bolseirotem a oportunidade de apre-sentar os seus trabalhos depesquisa.

Foi fácil adaptar-se àalimentação? Sim. Cidades como Man-chester possuem um elevadonúmero de estudantes in-ternacionais, dentre elesafricanos. Por isso, para alémdos supermercados comunstambém existem supermer-cados especializados em co-mida de origem africana ecaribenha. Por exemplo, odendém aqui é vendido jápisado, enlatado e prontopara confecção. Tambémnestas lojas é possível en-contrar fúmbua, saca-folhapara kizaca e fuba de milhoou de bombó.

Qual é a sua opinião sobre osistema de ensino daInglaterra? Muito bom. Uma das maioresvantagens do sistema de en-sino da Inglaterra é o acessoque o estudante tem a reno-mados jornais científicos ebases de dados de pesquisaem todas as áreas do saber,independentemente da áreade mestrado. Outro pontotem a ver com a quantidadee qualidade das bibliotecase laboratórios bem como astecnologias e facilidades ne-las oferecidas. Só a univer-sidade de Manchester em sitem 12 edifícios de biblio-tecas, uma delas com fun-cionamento 24/24 horas.Outra questão é a constanteinteracção com instituiçõespúblicas e privadas, seja pormeio de palestras, seminá-rios, voluntariado ou suportepara o primeiro emprego.

Quem escolhe o curso? Ainstituição ou o aluno? Uma das etapas do processode candidatura às bolsas Che-vening inclui o processo decandidatura às universidadesque é feito pelo próprio es-tudante. O candidato temduas opções de candidatura:escolher uma universidadee se candidatar em três cursosdiferentes ou escolher trêsuniversidades diferentes ese candidatar para o mesmocurso em cada uma delas.

Que importância tem ocurso que está afrequentar? 

O programa de mestrado naárea de Projecto Urbano ePlaneamento Internacionalda Universidade de Man-chester tem duas grandesvertentes: aspectos ligadosà morfologia urbana, que dizrespeito ao processo de for-mação e transformação daconfiguração física das ci-dades enquanto sistemacomplexo e a vertente do or-denamento do território eurbanismo, que diz respeitoà criação de políticas de dis-tribuição e uso do espaçourbano e rural, em diferentesescalas – nacional, regionale local. O curso é de extremaimportância por várias ra-zões. Angola possui uma das maio-res taxas de urbanização docontinente, hoje 65,5 porcento dos angolanos vivemem cidades e apenas 42,1por cento da população viveem cidades com plano de

desenvolvimento urbano.O plano de desenvolvimentonacional 2018-2022 comoparte da implementação dasestratégias de longo prazode Angola 2025 - cuja ac-tualização para 2050 foi re-centemente anunciada –prevê, no seu quinto eixo, aaplicação de políticas de de-senvolvimento territorial,ordenamento do territórioe urbanismo.

Como estão a lidar com apandemia da Covid-19?Em Janeiro de 2020, foramanunciados os primeiros ca-sos da Covid-19 no ReinoUn ido e , c om ma i s d e297.000 casos confirmados,passamos para o regime deconfinamento em Março. Oensino passou a ser remotoe eu vi uma cidade cheia devida e outrora movida porestudantes a ficar comple-tamente deserta. O futuroapresentava-se bastante in-certo. Porém, com o apoioda família, amigos, univer-sidade, Embaixada britânicaem Luanda e da comunidadeChevening, tive a esperançanecessária para ultrapassaresta fase complicada.

É uma certeza que a suarede de contactos nacomunidade angolana e deoutras nacionalidadesaumentou?Ser bolseira Chevening temme permitido conectar comacadémicos e profissionaisde várias áreas, conheceroutras cidades do Reino Uni-do como Londres, Liverpool,Edimburgo e Glasgow. Temme tornado resiliente o su-ficiente para viver sozinhae longe da família, bem comosuperar todas as adversidadesque se impuseram em tem-pos de pandemia e ainda as-sim representar Angola. Porisso faço questão de que maisangolanos tirem proveitodesta oportunidade e se can-

didatem. Em 2020, as can-didaturas estão abertas de 3de Setembro a 3 de Novem-bro. Pessoalmente, fareiquestão de empregar os co-nhecimentos que adquirirno desenvolvimento e pros-peridade do meu país, porqueesta é sem dúvida uma ex-periência de vida muito en-riquecedora que levareicomigo para sempre.

A comunidade deestudantes Angolanos éenorme? Desde 1983, ano de fundaçãoda Chevening, mais de 100angolanos se beneficiaramdo programa de bolsas demestrado. No que diz res-peito à comunidade de es-tudantes angolanos no ReinoUnido em geral, apesar denão existirem dados oficiais,acredita-se ser uma grandecomunidade, especialmentena cidade de Londres. Gran-de parte destes estudantestêm os seus estudos finan-ciados através de outros pro-gramas de bolsas ou comcusto próprio.

Na Inglaterra há racismo? O racismo é um mal queexiste em toda a parte domundo, fruto disto são asmanifestações que ocorre-ram em vários países duranteo mês de Junho do presenteano. No caso da Inglaterrae em especial em cidadesuniversitárias, onde existegrande diversidade cultural,quer por parte dos profes-sores e estudantes quer dostrabalhadores, e tendo emconta a constante aplicaçãode políticas de suporte aosestudantes internacionaispor parte dos serviços aca-démicos, associação de es-tudantes, autoridades locaise ONG’s, em caso de ocor-rência de um episódio deracismo, o estudante temcomo ver os seus direitosressalvados.

Há muitos angolanos que játerminaram a formação eque não querem regressarao país? De modo geral, todo o estu-dante angolano que deixa oseu país para estudar fora ofaz no intuito de poder re-gressar e aplicar as compe-tências que desenvolveudurante a formação. Real-mente, existem angolanosque, dependentemente dasoportunidades e possibi-lidades, decidem perma-necer na Inglaterra, porém,acredita-se que muitos re-gressam para Angola, vistoque a maior parte tem osseus estudos financiadospor programas de bolsa,que, normalmente, apre-sentam como uma dascláusulas dos seus termose condições a garantia deque o estudante retornaráao país de origem, apóscompletar a sua formação.No caso do programa debolsas Chevening é espe-rado que o estudante re-gresse ao país e permaneçaem residência por um pe-ríodo mínimo de dois anos,para garantir que o país sebeneficie das competênciasque o estudante adquiriuao longo da formação.

Por que razão muitospreferem ficar na Inglaterra,depois de terminarem aformação? Na verdade, nem sempre éuma questão de preferência.Acontece que muitos dos es-tudantes angolanos em bol-sas de estudo ou que vão porfinanciamento próprio, nãopossuem, em alguns casos,prévia experiência de tra-balho e quando chegam àsuniversidades britânicas en-contram todo um ambientede suporte para encontrar oprimeiro emprego após aformação. A falta de garantiade que após regressar ao país

o estudante terá acesso aomercado de emprego na suaárea de formação e tendo emconta o conhecimento geralde angolanos que, por razõesde vária ordem, não tiveramesta oportunidade, faz comque muitos quadros busquemsoluções alternativas.

Há um ano na Inglaterra, jáviu alguém da família real,nomeadamente a Rainha? O mais próximo que conseguichegar da família real foi pro-vavelmente no ano passado,quando me dirigia para a ce-rimónia de orientação daChevening na London Excele passei pela London Euston,estação de comboio que estáa 26 minutos de autocarrodo Palácio de Buckingham- uma das residências oficiaisde Sua Majestade a RainhaElisabeth II e actual sede ad-ministrativa da monarquia,que normalmente abre asportas para o público duranteo verão - e a 40 minutos deautocarro do Palácio de Ke-sington, residência de Lon-dres do Duque e da Duquesade Cambridge.

De que forma se faz ainserção do estudante nomercado de trabalho, depoisda formação? As universidades britânicas,em geral, por norma pos-suem serviços de carreira eempregabilidade que orien-tam o estudante em relaçãoà área de actuação, como fa-zer um bom currículo, ofe-recem oportunidade depalestras com potenciais re-crutadores, oportunidadesde estágio, feiras de empregoe outras actividades de su-porte. A título de exemplo,em 2019, o serviço de carreirae de empregabilidade da Uni-versidade de Manchester foinomeado o melhor do ReinoUnido pelos empregadores,de acordo com o The Timese o Sunday Times.

Cidades comoManchesterpossuem um

elevado número deestudantes

internacionais,dentre eles

africanos. Por isso,para além dossupermercados

comuns tambémexistem

supermercadosespecializados emcomida de origem

africana ecaribenha.

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MÚSICA22 Domingo11 de Outubro de 2020

ORQUESTRA CAMERATA

Ousadia no Show do Mês Live Proposta ousada no Show do Mês Live foi a presença da Orquestra Camerata de Luanda (8 de Agosto), disponível no Youtube

e que voltou a passar na TPA 2 e TPA Internacional há uma semana. A ousadia resultou na adição à música de câmara,também tratada como clássica, dos sucessos da música popular urbana angolana e dos temas internacionais que fazem

parte do imaginário nacional. O concerto foi marcado pelo coro “Onde há Covid, eu não posso ficar lá”

Analtino Santos

O jovem maestroFélix Costae os seus 19 instrumentistasrepartidos entre os violinos,violoncelos, contrabaixos eclarinete, entraram inter-pretando uma das maioresreferências da música clás-sica, Mozart em “Eine KleineNachtmusic”, composiçãode 1787, a que se seguiu “LaPaloma”, da dupla SebastienIradier e Salavier, obra de1863. Após as músicas decâmara, os executantes fi-zeram um “Intermezzo”, ouseja, um interlúdio, marcadopelo improviso e sinalizandoque a música nacional se-ria determinante.

Uma volta ao repertóriodo Rei da Pop, Michael Jack-son, também testou a ou-s ad i a d o s j oven s d aOrquestra Camerata, con-cretamente em “Billy Jean”,com as sinfonias e anda-mento do jovem maestro.

A conversa girou em tornoda pertinência da simbioseentre música erudita ou clás-sica e a música popular. Aquestão da marcação e pautada música popular angolana

e um paralelo com outrasrealidades musicais foramtemáticas igualmente cha-madas à conversa.

Os jovens com formaçãoclássica e a produtora NovaEnergia reservaram um re-pertório revestido com su-cessos de artistas comoJacinto Tchipa, Minguito,Sabino Henda, WaldemarBastos, Teta Lando e BessaTeixeira. Foram dados novosarranjos a temas conheci-dos destes cantores, no-meadamente “Cartinha daSaudade”, “Pensando Con-forme o Tempo”, “Em-br i ão” , “Te re sa Ana” ,“Ntoyo” e “Sulula”. Com apresença dos violinos e dosvioloncelos ficou provadoque é possível levar à cha-mada “música erudita” osaber e conhecimento docancioneiro popular.

A cantora lírica MaríliaAlberto brindou os teles-pectadores, internautas eouvintes com “Monami” deLourdes Van-Dúnem. BrunoNeto, tenor e membro dosLirikhus, formação que temlevado a música popular paraa vertente clássica, reinven-

tou “Avó Beia” de Pedrito.Já Carla Moreno foi à sua ter-ra-mãe, Cabo Verde, e soltoua morna “Mi Crea Ser Poeta”,de Paulino Vieira, ao longodo tempo refeita por Ildo Lo-bo e outras vozes. Didi daMãe Preta trouxe a vitalidadedos grandes senhores da nos-sa música. “Ngongo”, temamarcante dos Jovens doPrenda, ficou muito maisclássico com o acompanha-mento da Orquestra Came-rata de Luanda.

Didi da Mãe Preta, que seestreou em palco com umaorquestra nos seus mais demeio século de carreira, re-forçou os marimbeiros doKilandukilu em “Kiximbu-la”, num dos momentos maisousados do concerto. A pre-sença da ala percussiva comalguns elementos do NguamiMaka, que ficou baptizadacomo “Kufikissa”, reforçouo espírito e a vontade da coa-bitação das várias tendênciasrítmicas e o aprendizadomútuo. Mais uma vez os ins-trumentistas não decepcio-na ram . Má r i o Gome sdedilhou “Mona Ki Ngi Xiça”de Bonga e, em “Semba Hen-

da” de Marito, com os tam-bores, o mukindu, a dikanzae a puita dos “Kufikissa” emgrande, fez um diálogo comBenildo dos Putos, no violino.

Em “Camacove” PauloQuinjica fez a introduçãocom o seu violino. Um outrointegrante, Luís Vasco, como seu clarinete, destacou-se em “La Filó” dos Malavoida Martinica. Alexandre, nostambores, mostrou progres-sos em ”Teresa Ana”; YarkSpin executou “Dembita” deMário Rui Silva, um dos pio-neiros a pautar a música an-golana, e o agora Dr. TeddyNsingui, como é habitual,brilhou com “Ao Pôr-do-sol” de Zé Keno. A parte finalfoi feita ao ritmo de carnavale de canções que marcam oMarçal, como “Uanga Ué”,“Nguitabule”, “Camacove”e “Jingonça”. A batida dasturmas da génese do Sembaharmonizou-se com a mú-sica de câmara, para satis-fação dos telespectadores,internautas das páginas doShow do Mês e dos parceirosAngola Telecom e BAI, bemcomo dos ouvintes da RádioFM Stereo.

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Desse tipo de experiência,que para muitos angolanosé de “tamanha ousadia”, omundo está cheio de exem-plos. Anjelique Kidjo temum trabalho com a OrquestraPhilarmonica de Luxembur-go, Pierre Akandengue em“Lambarena” homenageiaum médico alemão cruzandoa música tradicional gabo-nesa com as sinfonias deBeethoven; o congolês RayLema é um dos pioneiros naexperimentação dos ritmosafricanos com as orquestrasdo Leste europeu; os rappersWycleaf Jean e Jay-Z levaramao ar as suas rimas sob a ba-tuta de uma orquestra e, ain-da na nossa praça, WaldemarBastos gravou com a Orques-tra Sinfónica de Londres ecom a Orquestra Gulbenkian;

em tempos mais recuadosMário Gama e Ruy Mingaspassaram pelo crivo demaestros. Mas o exemplo ci-meiro de “casamento” entreo clássico e a “pop” no do-mínio musical é Pavarotti,o soprano que com as suasparcerias com os grandesícones “pop” e os grandesconcertos em estádios con-tribuiu tanto para a “mas-sificação” da música eruditacomo para a quebra de pre-conceitos relativamente àmúsica dita popular.

Estes factos reforçam edevem encorajar os jovensda Orquestra Camerata ede outras orquestras na-cionais a optarem pela mes-ma via , absorvendo osvários sucessos e ritmos damúsica nacional.

Exemplos globais A Orquestra Camerata deLuanda é uma iniciativa dejovens músicos liderados pelomaestro angolano Félix daCosta. Foi criada no bairroRocha Pinto aos 2 de Novem-bro de 2017. A maioria dosexecutantes foi formada naOrquestra Kapossoka, dirigidapor Pedro Fançony. Vocacio-nada à música clássica, a for-mação musical tem um vascorepertório, com diversificadosestilos artísticos, com desta-que para a releitura de clás-sicos nacionais.

Os jovens, universitárioscom idades compreendidasentre os 19 e 25 anos, a nívelprofissional realizaram está-gios na Argentina, Espanha,Itália, Japão, Venezuela e Zâm-bia. O seu primeiro grandeconcerto foi realizado no Me-morial Dr. António AgostinhoNeto, no dia 29 de Novembrode 2018. O evento surpreendeua direcção do MAAN, que nãohesitou em convidá-los parauma segunda passagem, pas-sado quase um ano. Os mem-bros da orquestra recordama enchente de público, comos ingressos esgotados e mui-tos amigos e admiradores forada sala, na noite de 12 de De-zembro de 2019. O lado po-sitivo foi a repercursão nacomunicação social e a aber-tura a convites para eventos

privados e corporativos. FélixCosta e companheiros reco-nhecem que a passagem peloShow do Mês abriu outrasperspectivas e apresentou aOrquestra Camerata para omais vasto público.

Mas a Orquestra Cameratade Luanda clama por apoiospara prosseguir o seu per-curso. A falta de um espaçopróprio para a sede e a rea-lização de ensaios, assim co-

mo para a formação artísticade crianças e jovens interes-sados nos diversos estilosmusicais e a carência de ins-trumentos, são alguns dosproblemas. Conscientes quea actual situação económicado mundo e do país afastaalguns apoios, eles têm féque podem contribuir nofomento do turismo e naangariação de fundos pormeio da realização de con-

certos. A vertente social mar-ca também a Orquestra Ca-merata de Luanda, queaposta no ensino da músicae na mudança de vida decrianças e jovens, minimi-zando assim a delinquência.Alguns membros do projectoconseguiram bolsas e outrosaguardam por uma oportu-nidade para uma formaçãonas principais escolas mun-diais de música.

Formação jovem e ambiciosaDR

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MÚSICA 23Domingo11 de Outubro de 2020

A ausência dos aplausos calorosos do público que anualmente prestigia a festa do Top dos Mais Queridos, promovidopela Rádio Nacional de Angola, não beliscou a realização do evento este ano. O espectáculo ocorreu na noite de

sexta-feira (02/10), no Centro de Produção da TPA, no Camama. Sem a tradicional gala de eleição do artista ou bandafavoritos do público, devido à pandemia da Covid-19, o concurso destacou os grandes momentos da “naçãomusical”, distinguindo os diferentes géneros e ícones da música em 45 anos de Independência Nacional

Manuel Albano

O espectáculo foi transmitidonas emissoras do grupo RNA,na TPA 1, TPA Internacionale no site Platinaline. A ediçãodeste ano do concurso deno-minou-se “Top dos Mais Que-ridos BFA-2020” e realizou-sesob o lema “O contributo daRNA para a produção, pro-moção e divulgação da músicaangolana ao longo de váriasdécadas”. Com o suporte mu-sical da Banda Movimento, ocertame privilegiou a parti-cipação de vários artistas con-vidados, que interpretaramtemas próprios ou de outrosautores que marcaram a me-morável trajectória da culturaangolana através da música.

Com um desfile de maisde 70 canções, gravadas nosestúdios CT1 da RNA, o Topdestacou o percurso e a im-portância da “mãe das rádiosangolanas” na valorização epromoção da música angolanaem mais de quatro décadas.O enredo do espectáculo foiresumido com apresentaçõesintercaladas de peças de teatro

e dança produzidas pelos gru-pos Cena Livre e Kieza, res-pectivamente.

Como instituição quemais contribuiu para o en-grandecimento da músicaangolana, a RNA procurouapresentar um resumo dovalor da rádio na preserva-ção dos mais variados estilosmusicais nacionais. As pe-ças (teatro/dança/música)retrataram momentos ím-pares da história do país eda própria rádio, num per-curso que começou com o25 de Abril de 1974 (Revo-lução dos Cravos em Portu-gal), as primeiras gravaçõesde músicas de intervençãopolítica de artistas angolanosnos estúdios da antiga Emis-sora Oficial de Angola, pro-clamação da Independência,constituição da RNA em 1975e a sua importância quandose registou o encerramentodo Parque Industrial Disco-gráfico do país (1977/1978),com a paralisação das acti-vidades dos principais es-túdios da época, tendo a RNAassumido o processo de re-

colha, preservação e divul-gação da música angolana.

Sobre esse processo, ocoordenador artístico do Topdos Mais Queridos, Adão Fi-lipe, pronunciou-se nos se-guintes termos: “O objectivoera homenagear a rádio pelocontributo prestado ao longodos 45 anos na recolha epreservação de parte im-portante da história musicaldo país, nos mais variadosestilos e géneros. Foi feitoum trabalho exaustivo parase identificar as canções quefossem ao encontro e acei-tação do público”.

A proposta de reflexão so-bre a história da rádio e o seupapel na preservação da mú-sica angolana foi, segundoAdão Filipe, um sucesso. “Al-gumas canções, seguramente,estiveram em falta, mas ostemas escolhidos obedecerama uma selecção criteriosa dosvários segmentos sociais, crí-ticos, apreciadores da músicaangolana, ouvintes, todo umconjunto de pessoas. O quefizemos foi encontrar pontoscomuns”.

TOP DOS MAIS QUERIDOS

RNA um dos pilares da música angolana

DOMBELE BERNARDO | EDIÇÕES NOVEMBRO

Homenagem a JivagoO momento-surpresa desta ediçãodo Top dos Mais Queridos foi, cer-tamente, a homenagem ao cantorJivago, falecido no dia 1 de Outubro,o Dia internacional da Música.Adão Filipe revelou o seguinte aoJornal de Angola: “Em conversacom o coordenador-geral do con-curso, Sebastião Lino, decidimos,muito antes de termos a notíciada sua morte, fazer um alinha-mento musical onde Jivago inter-pretaria as suas canções no finaldo espectáculo.”

Muito antes de ficar acamado,disse o radialista, o malogradomostrou-se disponível a participarno espectáculo e tudo indicavamesmo que ele seria o último cantora entrar em palco. “Decidimos co-locá-lo no fim porque entendemosque seria o momento alto do es-pectáculo. Não tínhamos noçãodo que iria acontecer com ele, oque nos permitiu prestar-lhe umtributo merecido”.

Segundo o alinhamento inicialdo espectáculo, Jivago cantaria“Ramiro” e “Avó Teté”, temas queacabaram por ser interpretadospor Mister Kim e convidados.

A permanente interação gera-cional entre artistas consagradose da nova vaga permitiu criar novoshorizontes e acontecimentos idio-máticos, cuja musicalidade retratoua história do país e da própria rádio.O espectáculo procurou compati-bilizar sonoridades e estilos dife-rentes num único palco, com aintenção de criar momentos únicospara os telespectadores e rádio-ouvintes. “Vamos fazer um balançoe pensar mesmo na reformulaçãodo concurso, com a adequação deoutros mecanismos e produção”,afirmou Adão Filipe.

O Top, explicou, é um concursode música angolana criado parapremiar intérpretes musicais dapreferência dos ouvintes da RádioNacional de Angola. “A ideia doprojecto é reconhecer e valorizara arte e a popularidade das can-ções produzidas durante um de-terminado ano, contribuir paraa criação de uma matriz tipica-mente angolana nos diferentesgéneros e motivar os artistas aaprofundarem as aptidões, dentrodo espírito de uma competiçãosaudável”, concluiu.

DOMBELE BERNARDO | EDIÇÕES NOVEMBRO

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OPINIÃO24 Domingo11 de Outubro de 2020

Tânia J.A Costa |*

“O câmbiode 10.000 kwan-zas por uma nota de 100 dó-lares entrará em vigor emJaneiro 2021, relatou o Go-vernador do BNA numa en-trevista concedida ao websiteamericano do Tesouro”. Comcerteza esta notícia deixouo caro leitor muito feliz e,por alguns instantes, esque-ceu-se do actual contextode saúde que vivenciamos.E já agora leia esta outra no-tícia bomba: “O vírus da Co-vid-19 é apenas uma gripee deve ser tratada como qual-quer outra doença, segundorelato no website da OMS,datado de 12/09/2020”.

Espere um momento.Agora respire e pergunte-se: será que as notícias acimarelatadas são de fonte fide-digna? Algum outro jornalas publicou?

As notícias que acabou deler são extremamente falsas.

Caro leitor, com a expan-são das plataformas digitaisé crucial termos a preocu-pação de filtrar e cruzar in-formações com outras fontespara não sermos vítimas etransmissores de notíciasfalsas (“Fake news”).

A expressão “Fake news”tornou-se conhecida em2016, quando decorria acampanha presidencial dosEstados Unidos da América,onde a candidata HillaryClinton foi excessivamenteatacada com notícias falsasa seu respeito pelos apoiantesde Donald Trump (BBC News2016). No entanto, a práticade publicação de “Fakenews” ocorre desde o séculoXIX, sem data oficial. Deacordo com o dicionárioMerriam-Webster a palavra“Fake” foi inserida recen-temente no vocabulário, sen-do que anteriormente ospaíses de língua inglesa usa-vam a expressão “Falsenews” para abordar infor-mações distorcidas, de gran-de propaganda.

Certamente que a rápidaexpansão da Internet e dosmeios digitais tornou quaseimpossível o combate às “Fa-ke news”, sendo que existeum mercado que alimentaessa prática. Esse mercado,normalmente, é financiadopor pessoas ou grupos alta-mente organizados, bem po-sicionados financeiramente,que contratam os produtoresde “Fake news” para publi-

cação de conteúdos quecomprometam os seus opo-sitores ou, ainda, que pro-voquem pânico generalizadona sociedade, com base nadivulgação de temas ou no-tícias distorcidas.

Os produtores de falsasnotícias são pessoas, gruposou organizações com diversasactividades profissionais,desde jornalistas, engenhei-ros informáticos, profissio-nais de marketing ou atémesmo ex-polícias, que ga-rantem a publicação de con-teúdos falsos com a máximasegurança dos equipamentos,para que não haja rastrea-mento dos conteúdos pu-blicados. Para garantir umserviço de alto nível aos seusclientes, as equipas espe-cializadas na produção defalsas notícias investem emsoluções tecnológicas deponta e em estratégias de lo-calização que dificultam aidentificação de quem ascontrata, resultando assimquase impossível a puniçãopor esse tipo de crime.

Embora em Angola já es-teja em vigor a Lei de Pro-tecção das Redes e SistemasInformáticos, que inclui oCiberterrorismo (Lei 7/17,

de 16 de Fevereiro) aindaassim nos deparamos comsituações de possíveis no-tícias falsas.

Um exemplo bem claro éa notícia relacionada com aPrimeira Dama de AngolaAna Dias Lourenço, que setornou destaque na mídiaangolana e nalguns websitesinternacionais, que divul-

garam o seguinte: “Informações avançadas

esta sexta-feira 22/05/2020dão conta que a Primeira-Dama de Angola Ana DiasLourenço terá sido recente-mente evacuada e internadana capital francesa, na se-quência da contaminação porum vírus desconhecido”.

Entretanto, no Jornal daNoite, do mesmo dia em quea dignitária estaria supos-tamente no exterior do país“internada na sequência dacontaminação por um vírusdesconhecido”, a TPA di-vulgou uma matéria em quea Primeira-Dama surgia sau-dável numa reunião com aministra de Estado para aÁrea Social, Carolina Cer-queira e a ministra da SaúdeSílvia Lutucuta. Segundo anotícia da televisão pública,na reunião foi abordada asituação das populações maisvulneráveis e da Covid-19em Angola.

Assim sendo, podemosfazer uma auto-análise seno dia 22 de Maio de 2020estávamos perante uma pro-dução de “Fake news” e, seassim foi, com que intuitofoi produzida essa “notícia”?Tenhamos em atenção que

a referida “notícia” gene-ralizou um sentimento mis-to de inquietação, pânicoe descontentamento social,que, oportunamente, a ma-téria publicada no Jornalda Noite permitiu rapida-mente contornar.

São muitas as pessoas sin-gulares e instituições quesão alvos dos produtores de“Fake news”, muitas vezessem poderem defender-seou contornar a situação de-vido à rapidez como a in-formação falsa circula nasredes socias.

Independentemente dosconteúdos publicados, a so-ciedade, e sobretudo os fa-zedores de informação,jogam um papel primordialna difusão de notícias falsase é necessário acautelarmo-nos, fazendo uma verificaçãodas notícias antes de as par-tilharmos com os nossoscontactos, pautando-nossempre por um equilíbrionos princípios e nos valores,no intuito de divulgarmosapenas notícias credíveis efundamentadas.

*Consultora de carreirae negócios

A PROPÓSITO DAS “FAKE NEWS”

Sobre a indústria de notícias falsas

DR

“Em Angolajá está em vigor a Lei de Protecção

das Redes e SistemasInformáticos

(Lei 7/17, de 16 deFevereiro)

mas ainda assimnos deparamos com situações de possíveis notícias falsas”

Os produtores de falsas notícias são pessoas, grupos ou organizações com diversas actividadesprofissionais, desde jornalistas, engenheiros informáticos, profissionais de marketing e até mesmoex-polícias, que publicam conteúdos falsos com a máxima segurança dos equipamentos, para que

não haja rastreamento dos conteúdos