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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
REFERENCIAÇÃO EM CAMPO:
A CONSTRUÇÃO DE SENTIDOS NA NOTÍCIA ESPORTIVA
Margareth Andrade Morais
2017
REFERENCIAÇÃO EM CAMPO:
A CONSTRUÇÃO DE SENTIDOS NAS NOTÍCIAS ESPORTIVAS
Margareth Andrade Morais
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Letras Clássicas da
Universidade Federal do Rio de Janeiro como
quesito para a obtenção do Título de Doutor em
Letras Vernáculas (Língua Portuguesa).
Orientadora: Professora Doutora Leonor Werneck
dos Santos
Rio de Janeiro
Maio de 2017
FICHA CATALOGRÁFICA
REFERENCIAÇÃO EM CAMPO: A CONSTRUÇÃO DE SENTIDOS NAS
NOTÍCIAS ESPORTIVAS Margareth Andrade Morais
Orientadora: Professora Doutora Leonor Werneck dos Santos
Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras
Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos
requisitos necessários para a obtenção do título de Doutor em Letras Vernáculas
(Língua Portuguesa).
Examinada por:
_________________________________________________
Presidente, Professora Doutora Leonor Werneck dos Santos – UFRJ
_________________________________________________
Professora Doutora Michelle Gomes Alonso Dominguez – UERJ
_________________________________________________
Professora Doutora Leda Maria da Costa – UNICARIOCA
_________________________________________________
Professora Doutora Regina Souza Gomes – UFRJ
_________________________________________________
Professora Doutora Maria Aparecida Lino Pauliukonis – UFRJ
_________________________________________________
Professora Doutora Filomena Varejão – UFRJ, suplente
_________________________________________________
Professora Doutora Claudia de Souza Teixeira – IFRJ, suplente
Rio de Janeiro
Maio de 2017
Dedico essa tese à minha mãe, Eliete Andrade Morais,
à minha irmã, Marcia Andrade Morais, e ao meu pai,
José Carlos Morais, in memoriam.
AGRADECIMENTOS
Todo caminho é um percurso que excursiona pelo extraordinário, algo que não
podemos prever nem controlar. Porém, toda travessia tem uma ressonância que vai para
além do indivíduo. Assim, embora solitários em essência, nossa caminhada é sempre
acompanhada por aqueles a quem a vida nos dá de presente.
Agradecer a Leonor somente por esta Tese seria apenas uma formalidade e não
daria conta do que representou a sua presença na minha trajetória. Leonor, obrigada por
tudo: por me acolher na sua “família acadêmica”, ainda quando eu era uma aluna de
graduação curiosa, por despertar em mim o gosto pela pesquisa e pelo ensino e por estar
sempre disposta a ajudar. Obrigada por me ensinar o que é ser professora!
Queria também agradecer à professora Leda Costa por me ouvir, sem nem me
conhecer, e sugerir caminhos para esta pesquisa. Agradeço também à professora Lúcia
Teixeira por seus comentários valiosos.
Às professoras Regina Gomes e Maria Aparecida, a minha gratidão por
pensarem junto comigo os rumos desta Tese à época do meu exame de qualificação.
Aos alunos que sempre me incentivaram e são parte das motivações que me
levaram ao Doutorado: obrigada!
Não posso deixar de agradecer também aos meus amigos que me apoiaram e
sempre disseram que eu seria capaz. Muito obrigada!
Sou a primeira em minha família a conseguir entrar em uma universidade;
portanto, não posso deixar de agradecer a eles, que sempre apoiaram minhas conquistas.
À minha mãe, Eliete, que, mesmo sem ter podido estudar, sempre valorizou o meu
esforço e da minha irmã e fez tudo o que estava ao seu alcance para que suas filhas
pudessem realizar esse sonho. À minha irmã, Marcia, minha primeira amiga, cujo apoio
e parceria são imprescindíveis na minha vida. Agradeço também à pequena Beatriz por
fazer os meus dias mais doces e alegres. Ao meu pai, José Carlos, in memoriam, por me
fazer forte e mostrar que sou capaz.
Queria agradecer ao meu companheiro, Rodrigo, por toda sua generosidade,
carinho, amor e por ser o meu par na vida: em breve, nossa família estará mais completa
com a chegada do nosso neném.
À UFRJ, por muito tempo minha segunda casa, onde realizei um sonho que me
parecia impossível: entrar em uma universidade.
RESUMO
REFERENCIAÇÃO EM CAMPO: A CONSTRUÇÃO DE SENTIDOS NA NOTÍCIA
ESPORTIVA
Margareth Andrade Morais
Orientadora: professora Doutora Leonor Werneck dos Santos
Resumo da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras
Vernáculas, Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ,
como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Letras
Vernáculas (Língua Portuguesa).
O propósito desse trabalho consiste em investigar as estratégias de referenciação no
gênero notícia esportiva de futebol, comparando a seleção desses recursos em dois
jornais diferentes: um exclusivamente esportivo, Lance! e outro de assuntos gerais, O
Globo. Esse estudo se justifica não só pela originalidade do corpus mas também por
associar os processos de referenciação a um determinado gênero textual. Seguindo os
avanços da Linguística de Texto acerca dos processos de referenciação e sua
importância para a textualidade, rediscutimos a delimitação entre anáforas diretas,
indiretas, encapsuladoras e a dêixis, mostrando como esses processos estão interligados
e constituem um processo colaborativo de construção de sentidos, que emerge da
negociação dos sujeitos. A análise dos dezesseis textos mostrou que as formas de
referenciação atuam de modo diferente na construção das notícias. No jornal Lance!,
verificamos uma maior argumentatividade e maior dependência dos textos ao
conhecimento compartilhado sobre futebol, principalmente quando se trata do emprego
de anáforas diretas e indiretas. Já no jornal O Globo, percebemos uma preocupação
maior em criar um efeito de neutralidade. A diferença na seleção dos recursos está no
perfil diferenciado do público de cada jornal, já que a publicação esportiva Lance! conta
com um público mais especializado em futebol ao contrário do que acontece com o
público mais generalista do jornal O Globo. Em relação às estratégias de referenciação,
deparamo-nos com exemplos que fogem aos prototípicos descritos pelos principais
teóricos da área, ampliando, assim, a descrição das formas de referenciação e suas
funções discursivas. Por fim, observamos a estrutura e a característica do gênero e as
formas de referenciação, a fim de verificarmos a pertinência das hipóteses postuladas e
implementar uma parte importante da nossa pesquisa, que é atrelar o estudo da
referenciação ao estudo dos gêneros textuais.
Palavras - chave: Referenciação, gênero textual, notícias esportivas, conhecimento
compartilhado.
ABSTRACT
REFERENCING IN THE FIELD: THE CONSTRUCTION OF SENSES IN THE
SPORT NEWS
Margareth Andrade Morais
Orientadora: Professora Doutora Leonor Werneck dos Santos
Abstract da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em Letras
Vernáculas, Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ,
como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Letras
Vernáculas (Língua Portuguesa).
The purpose of this work is to investigate the strategies of reference in the soccer game
sports news genre. The news from two different newspapers were compared: an
exclusively sports newspaper, Lance!, and another one of general subjects, O Globo.
Our study is justified not only by the originality of the corpus but also by associating
the processes of reference to a given textual genre. According to the advances in Text
Linguistics about the reference processes and their importance for textuality, we
rediscuss the delimitation between direct, indirect, encapsulating and deixis anaphora,
showing how these processes are interconnected and constitute a collaborative process
of sense construction, which emerges from the negotiation of the subjects. The analysis
of the sixteen texts showed that the forms of referencing act differently in the
construction of the news. In the newspaper Lance!, we find a greater argumentativeness
and greater dependence of the texts on shared knowledge about soccer, especially with
the use of direct and indirect anaphora. On the other hand, in the newspaper O Globo,
we noticed a greater concern in creating an effect of neutrality. The difference in the
selection of these resources is the differentiated profile of the public of each newspaper,
since the sports publication Lance! has a more specialized audience in sports and the
newspaper O Globo aims a more general public. In relation to the strategies of
reference, we find examples that do not follow the prototypical ones described by the
main reasearchers of the area. Therefore, the present work is broadening the description
of the forms of reference and their discursive functions. Finally, we observed the
structure and characteristics of the genres and the forms of reference in order to verify
the pertinence of the postulated hypotheses and to implement an important part of our
research, which is to link the study of the reference to the study of the textual genres.
Keywords: Referential process, textual genre, sports news, shared knowledge.
RESUMEN
Margareth Andrade Morais
Orientadora: Professora Doutora Leonor Werneck dos Santos
Resumen da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em Letras
Vernáculas, Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ,
como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Letras
Vernáculas (Língua Portuguesa).
El propósito de este trabajo es investigar las estrategias de referenciacion en el género
de fútbol de noticias deportivas, la comparación de la selección de estas características
en dos periódicos diferentes: un deporte exclusivamente, Lance! y outro com temas
generales, O Globo. Este estudio se justifica no sólo por la originalidad del corpus, sino
también implicar el proceso de referencia a un género en particular. De acuerdo con el
interés de la Lingüística de Texto sobre el proceso de referencia y su importancia para la
textualidad, rediscutimos la distinción entre la anáfora directos, indirectos,
encapsuladores y deixis, mostrando que emerge de las negociaciones de los sujetos. El
análisis de los textos dieciséis mostró que las formas de referenciacion acto de manera
diferente de referencia en la construcción de noticias. En el diario Lance!, Notado
mayor argumentativity y una mayor dependencia de los textos para el conocimiento
compartido sobre el fútbol, sobre todo cuando se trata de la utilización de la anáfora
directa e indirecta. En el diario O Globo, vemos un mayor énfasis en la creación de un
efecto neutro. La diferencia en la selección de los recursos es diferenciada en el perfil
público todos los periódicos, ya que la publicación deportiva de Lance! tiene un público
más especializado en el fútbol a diferencia de lo que ocurre con el público más general
del diario O Globo. En cuanto a las estrategias de referencia, encontramos ejemplos que
se encuentran más allá de los prototípico descritos por los principales teóricos de la
zona, lo que aumenta la descripción de las formas de derivación y sus funciones
discursivas. Por último, se observó la estructura y características de los géneros y las
formas de evaluación comparativa con el fin de verificar la pertinencia de las hipótesis
postuladas y poner en práctica una parte importante de nuestra investigación, se la
vinculación del estudio de referencia para el estudio de los géneros.
Palabras clabe: Referenciacion, género textual, noticias deportivas, conocimiento
compartido
SUMÁRIO
LISTA DE QUADROS .................................................................................................14
LISTA DE FIGURAS....................................................................................................15
LISTA DE GRÁFICOS.................................................................................................16
1. INTRODUÇÃO ......................................................................................................17
2. TEXTO E GÊNEROS TEXTUAIS: CONTEXTUALIZAÇÃO DA NOTÍCIA
ESPORTIVA..................................................................................................................22
2.1 Texto: a perspectiva sociocognitiva..........................................................................22
2.2 A noção de gênero.....................................................................................................25
2.3 O jornal como suporte na recepção e circulação de gêneros.....................................27
2.4 A notícia esportiva nas quatro linhas.........................................................................32
2.5 O jornalismo esportivo..............................................................................................38
2.6 O conceito de infoentretenimento..............................................................................40
3. REFERENCIAÇÃO: PANORAMA TEÓRICO...................................................42
3.1 Classificação dos processos de referenciação...........................................................48
3.2 Anáforas diretas e anáforas indiretas.........................................................................50
3.3. Os encapsuladores ...................................................................................................55
3.4 A dêixis numa perspectiva sociocognitiva................................................................59
3.4.1 A dêixis temporal e espacial...................................................................................61
3.4.2 A dêixis pessoal (e social)......................................................................................61
3.4.3 A dêixis “impura”: memorial e textual...................................................................63
4. METODOLOGIA E ANÁLISE...............................................................................70
4.1 Constituição do corpus..............................................................................................70
4.2 Passos para a análise..................................................................................................72
4.3 As anáforas diretas na análise contrastiva das notícias esportivas............................74
4.3.1 Par 1: “o jogo dos sonhos de Suárez” e “Suárez 100%”........................................74
4.3.2 Par 2: “Vexame! Brasil sofre maior derrota de sua história e vê a Alemanha chegar à
final” e “Brasil é massacrado pela Alemanha e sofre a maior goleada de sua história: 7 a
1”..................................................................................................................................................78
4.3.3 Par 3: “Não foi fácil” e “Batalha no sul”................................................................82
4.3.4 Par 4: “Depois do bombardeio: Bélgica 2 x 1 Estados Unidos” e “Bélgica bate
Estados Unidos”..............................................................................................................87
4.3.5 Par 5: “Corrida para o Tri” e “De volta após 24 anos”..........................................91
4.3.6 Par 6: “Oshowa” e “México segura o Brasil”........................................................96
4.3.7 Par 7: “Um dia sem fúria” e “Laranja amarga” ...................................................100
4.3.8 Par 8: “Close nele” e “Chucrute na Bahia”..........................................................106
4.4 Análise das anáforas encapsuladoras nas notícias esportivas..................................111
4.5 Análise das anáforas indiretas nas notícias esportivas............................................121
4.6 A análise da dêixis temporal e pessoal nas notícias esportivas...............................127
4.7 A segmentação do espaço nas notícias esportivas...................................................132
5. A REFERENCIAÇÃO E AS NOTÍCIAS ESPORTIVAS...................................141
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................149
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................154
ANEXOS......................................................................................................................160
LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Processos referenciais; retirado de Santos e Cavalcante (2014, p. 242)....p.68
Quadro 2: Formas de referência às notícias que constituem o corpus........................p.72
Quadro 3: Objetos de discurso analisados no par 1....................................................p.74
Quadro 4: Objetos de discurso analisados no par 2....................................................p.78
Quadro 5: Objetos de discurso analisados no par 3....................................................p.82
Quadro 6: Objetos de discurso analisados no par 4....................................................p.87
Quadro 7: Objetos de discurso analisados no par 5....................................................p.91
Quadro 8: Objetos de discurso analisados no par 6....................................................p.96
Quadro 9: Objetos de discurso analisados no par 7..................................................p.100
Quadro 10: Objetos de discurso analisados no par 8................................................p.107
Quadro 11: Funções discursivas dos processos de referenciação no gênero notícia
esportiva......................................................................................................................p.144
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Relação entre suporte e gênero....................................................................p.32
Figura 2: Relação entre os processos anafóricos e a correferencialidade...................p.59
Figura 3: Capa dos jornais O Globo e Lance!.............................................................p.71
Figura 4: Campo de futebol......................................................................................p. 134
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1: Comparação entre as estratégias de referenciação nos dois jornais.........p.142
Gráfico 2: Estratégia de retomada dos nomes das seleções nos dois jornais............p.147
17
1. INTRODUÇÃO
Os processos de referenciação são cruciais para a construção de sentidos dentro
do texto, pois sua interpretação requer a articulação entre conhecimentos culturais,
contextuais e linguísticos bem como o conhecimento da estrutura textual dos gêneros
textuais em que ocorrem. Com a pesquisa iniciada no Mestrado (MORAIS, 2012) – cuja
originalidade foi enfatizada pela Banca durante a defesa –, percebemos como pode ser
produtivo relacionar o processo de referenciação aos gêneros textuais. Além disso,
vimos a importância de destacar o papel desse processo na leitura e na produção de
textos, tendo em vista a importância sociocognitiva das estratégias textual-discursivas.
Esta Tese, portanto, nasceu do interesse em aprofundar a pesquisa do curso de
Mestrado, em que começamos a evidenciar a relação entre o gênero notícia esportiva e
os processos de referenciação, mostrando as transformações e mudanças pelas quais
passam os referentes e sua contribuição para os propósitos comunicativos dos textos.
Esses mecanismos são importantes para a progressão temática, recuperação e
construção dos sentidos, uma vez que colaboram para a compreensão e mostram como
os enunciadores trabalham juntos para obter sucesso no processo de comunicação, além
de apresentarem uma série de funções discursivas de grande relevância para a
construção do texto. Desse modo, de acordo com os avanços da Linguística de Texto
acerca dos processos de referenciação e sua importância para a textualidade,
pretendemos, com esta pesquisa, analisar os processos de referenciação no gênero
notícia esportiva, comparando a seleção desses recursos em dois jornais diferentes: um
jornal exclusivamente esportivo, Lance! e outro de assuntos gerais, Globo.
Outra motivação para esta pesquisa é ampliar a discussão sobre os processos de
referenciação, já que, com o avanço das pesquisas, percebe-se que a diferença entre
esses processos é bastante sutil, sendo, muitas vezes, de difícil delimitação. Além disso,
há o fato de estarmos diante de um gênero pouco estudado e que suscitou diversas
questões, não só para a teoria de referenciação mas também sobre a própria constituição
do gênero. Dessa forma, demos continuidade às pesquisas sobre referenciação,
procurando responder os problemas:
a) De que modo as estratégias de referenciação presentes nos dois jornais podem
evidenciar a maior/menor necessidade de conhecimentos compartilhados?
18
b) Há diferença, entre os dois corpora, entre as estratégias de referenciação
mobilizadas e os efeitos de sentido que elas geram?
Tendo em vista esses problemas, postulamos as seguintes hipóteses: (i) as
estratégias de referenciação evidenciam o apelo ao conhecimento compartilhado, de
maneira que, quanto maior o apelo a esse tipo de conhecimento, maior será o teor
argumentativo dos textos; (ii) Dentro dessa perspectiva, haveria maior necessidade de
inferência em textos voltados para públicos específicos, o que interfere nos recursos
empregados na construção das notícias nos dois jornais, a fim de evidenciar um tom
mais avaliativo ou de neutralidade.
Visto que um dos objetivos desse trabalho é propor uma reflexão teórica acerca
da referenciação e dos gêneros textuais, esta pesquisa utiliza a metodologia da análise
qualitativa e contrastiva dos textos dos corpora. Foram escolhidas como corpora um
total de dezesseis textos, sendo oito exemplares de notícias esportivas do Lance!, jornal
esportivo de grande circulação no Rio de Janeiro, e oito exemplos do jornal O Globo,
destinado a assuntos gerais e que contém um caderno de esportes. Embora o suporte
seja o mesmo, a especificidade do público e dos objetivos dos periódicos pode interferir
na escolha dos processos de referenciação e na orientação argumentativa do texto,
conforme afirmamos em uma das hipóteses deste trabalho.
Para fundamentar as questões levantadas anteriormente, a presente pesquisa
ancora-se nos estudos que consideram a referenciação como um processo colaborativo
de construção de sentidos que emerge da negociação dos sujeitos (cf. MONDADA E
DUBOIS, 2003), posição corroborada no Brasil por Marcuschi (2008), Koch (2002,
2005 e 2006), Cavalcante (2011), Santos (2015), dentre outros autores. Além disso,
também nos apoiamos em autores que partilham de visões teóricas distintas e outros que
não se filiam à Linguística do Texto, como Cornish (2011). Também abordamos
conceitos da área do Jornalismo Esportivo, como Costa (2011) a fim de caracterizar
com mais precisão os recursos empregados no gênero notícia esportiva sob o ponto de
vista do domínio discursivo em que o gênero circula.
Partilhamos da visão atual da Linguística de Texto de que a noção de referência
não se restringe à equivalência das palavras aos elementos do mundo, mas abrange o
fenômeno de uma construção conjunta de objetos cognitivos e discursivos, sempre
tendo em vista as intenções dos sujeitos presentes na interação e seu contexto sócio-
histórico (cf. MONDADA E DUBOIS, 2003, KOCH, 2004). As entidades nomeadas,
portanto, são vistas como objetos de discurso e não como objetos de mundo; desse
19
modo, os objetos são dinâmicos e não estáticos, podendo ser construídos, reconstruídos,
recategorizados, contribuindo para o desenvolvimento e a progressão dos textos (cf.
CAVALCANTE, 2011).
Entendemos que a referenciação vai além da rotulação de elementos presentes
no mundo, e que os processos de referenciação são construídos na interação, tendo
como base atividades cognitivas, sociais e o próprio entorno discursivo em que os
falantes se encontram. Para que haja a identificação dos referentes e a compreensão
dos processos referenciais, é necessário que o leitor acione conhecimentos prévios,
dentre os quais os contextuais e os linguísticos, que são diferentes dependendo do
gênero textual.
Também são pressupostos básicos desta pesquisa os estudos de Koch (2002,
2006) sobre o conceito de que todo texto contém marcas deflagradoras de pistas que
orientam o leitor no seu percurso de construção de sentido. Portanto, a noção de texto
aqui empreendida levará em conta que a construção de sentidos no texto não ocorre
apenas pela sua materialidade linguística, como simples resultado de escolhas lexicais
ou sintáticas, mas como marcas enunciativas, como ações dos sujeitos na sua relação
com e sobre o mundo. Deste modo, o texto não é um produto acabado, mas contém
pistas que permitirão ao leitor percorrer caminhos na construção dos sentidos.
Sobre o estudo dos gêneros textuais, adotamos a definição de Bakhtin
(2003[1979]) de gênero como tipos relativamente estáveis de enunciado, compostos por
uma estrutura composicional, estilo e conteúdo temático, e associaremos tais
características de composição do gênero aos processos de referenciação. Adotamos as
contribuições de Marcuschi (2008), Bhatia (2009) para o entendimento dos gêneros e
também pretendemos ampliar essa descrição com a discussão sobre o papel do suporte
no gênero relato esportivo.
Assim, observamos, nesta pesquisa, a estrutura e a característica dos gêneros, a
estrutura textual dos relatos e as formas de referenciação – introdução referencial,
anáfora direta, indireta, encapsulamentos e a dêixis –, a fim de verificarmos a
pertinência das hipóteses postuladas e implementar uma parte importante da nossa
pesquisa, que é atrelar o estudo da referenciação ao estudo dos gêneros textuais. Sobre
os processos de referenciação, especificamente, pretendemos discutir os casos de
anáforas diretas, indiretas, encapsuladoras e a própria dêixis, mostrando como esses
processos estão interligados, seguindo o caminho já trilhado por Santos e Cavalcante
(2014), Cavalcante, Custódio Filho e Brito (2014), dentre outros autores.
20
De acordo com os objetivos e hipóteses que pretendemos alcançar, o trabalho
está organizado em cinco capítulos. Após a presente introdução, faremos, no segundo
capítulo, uma contextualização sobre alguns postulados importantes, como a noção de
texto, enfatizando o enfoque sociocognitivo e interacional desse conceito atualmente,
gênero textual, suporte e as características e especificidades do gênero notícia esportiva.
Já no terceiro capítulo, sob a perspectiva da Linguística de Texto, apresentamos
o panorama teórico atual dos estudos sobre a referenciação, ressaltando as contribuições
mais importantes para a área em questão. Após essa descrição inicial, faremos uma
discussão sobre a classificação tradicional dos processos de referenciação, a fim de
avançar em questões teóricas importantes sobre esse tema.
Após essas considerações, iniciamos o quarto capítulo, apresentando a
metodologia implementada e a análise das notícias, discutindo os exemplos
selecionados, divididos pela tipologia dos processos de referenciação. Iniciamos com a
análise contrastiva dos jornais. Privilegiamos os objetos de discurso centrais das
notícias, como as seleções e seus jogadores, analisando, em um primeiro momento, as
anáforas diretas, já que tais expressões de referenciação costumam estar diretamente
associadas à construção/exposição de uma dada orientação argumentativa nos textos.
Logo após, passamos a tratar dos encapsuladores, das anáforas indiretas e, por fim, dos
casos de dêixis verificados no corpus. Após essa análise, trazemos uma discussão sobre
a segmentação do espaço nas notícias esportivas e os processos referenciais envolvidos
nessa segmentação.
Com base nos principais resultados da análise, relacionamos, no quinto capítulo,
as estratégias de referenciação à construção das notícias esportivas, destacando as
estratégias mais recorrentes e suas funções dentro das notícias, e evidenciamos a estreita
relação entre o perfil do público selecionado pelos jornais e as estratégias de
referenciação.
No sexto capítulo, serão feitas as considerações finais, em que organizamos os
resultados principais, discutindo e verificando a pertinência das hipóteses e dos
objetivos postulados, além de futuros desdobramentos de pesquisa possíveis. Por fim,
seguem-se as referências bibliográficas e o Anexo, no qual constam os oito pares de
textos analisados.
Acreditamos que a originalidade desta Tese reside na interface teórica entre
referenciação e gêneros textuais, especificamente por demonstrar, por meio de variados
exemplos, a produtividade dos processos de referenciação presentes no gênero notícia
21
esportiva, que também consiste em um gênero pouco estudado, sempre tendo como foco
a perspectiva sociocognitiva.
Além disso, a discussão acerca das fronteiras tênues dos processos referenciais e
suas especificidades em determinados gêneros tem merecido destaque na agenda dos
estudos sobre esses temas. Assim, nossa pesquisa representa um importante movimento
no sentido de expandir os estudos sobre a referenciação – entendida como um processo
complexo que vai além das expressões referenciais – e a associação entre esses estudos
ao campo dos gêneros textuais.
22
2. TEXTO E GÊNEROS TEXTUAIS: CONTEXTUALIZAÇÃO DA NOTÍCIA
ESPORTIVA
2.1 Texto: a perspectiva sociocognitiva
Como a proposta desta Tese integra aspectos cognitivos, sociais e linguísticos na
construção de sentidos do texto, não podemos analisar a materialidade linguística como
simples resultado de escolhas lexicais ou sintáticas, mas como marcas enunciativas,
ações dos sujeitos na sua relação com e sobre o mundo. Deste modo, o texto passa a ser
visto, conforme Koch (2006, p.65), como um “mapa da mina”, o que permitirá ao leitor
percorrer caminhos que o aproximem da ideia do produtor ou o desviem dela, por meio
do levantamento de hipóteses de sentido.
Com essa abordagem atual dos estudos em Linguística do Texto, é possível
deslocar o interesse atribuído, prioritariamente, à forma linguística para o
funcionamento da língua em distintos contextos e, consequentemente, para a análise
linguística de textos e/ou discursos, isto é, da língua em uso, no seu funcionamento
entre os sujeitos, deixando a análise de enunciados isolados. Para Marcuschi (2008, p.
67), “a função mais importante da língua não é a informacional e sim a de inserir os
indivíduos em contextos sócio-históricos e permitir que se entendam”. Assim,
entendemos que a língua é, de fato, um produto social: por meio dela, o conhecimento
cultural e as relações interpessoais se estabelecem e nos inserimos no mundo.
A interação verbal ocorre pelo uso efetivo da língua pelos sujeitos nas suas
práticas discursivas, concretizadas por meio de textos com os quais as pessoas
interagem. A atividade comunicativa, portanto, é permeada por textos, e, conforme
aponta Marcuschi (2008, p. 88): “o texto é a unidade máxima de funcionamento da
língua e não importa o seu tamanho; o que faz um texto ser um texto é um conjunto de
fatores que, quando acionados, garantem a coerência dos enunciados”.
Se é na interação verbal que os sentidos se estabelecem, não podemos, então,
pensar em um leitor passivo. A atividade de leitura pressupõe um leitor ativo a fim de
que haja produção de sentidos. Assim, o procedimento de leitura dos textos envolve,
segundo Koch (2006), uma interação entre autor-texto-leitor, na qual se faz necessário
tanto o conhecimento da materialidade linguística, como os conhecimentos do leitor
para o estabelecimento do jogo interacional.
23
Por essa razão, não se fala em um (único) sentido para o texto, uma vez que
valores culturais atuam na interpretação. Portanto, considerar o leitor e perceber que os
conhecimentos variam de um para outro acarreta aceitar múltiplas leituras e sentidos
oriundos de um mesmo texto, o que não significa dizer que se possa admitir qualquer
interpretação, mas pensar o texto a partir das pistas que ele fornece, tendo em vista a
interação autor-texto-leitor e todos os outros conhecimentos envolvidos nesse processo.
Podemos dizer, então, que o processamento textual, para a produção de um texto
ou para a sua leitura, depende da interação entre os interlocutores que atuam em
conjunto, mobilizando uma série de conhecimentos – de ordem cognitiva, interacional,
cultural e textual – para produzirem sentido. Esse processamento envolve um
movimento por parte do leitor para estabelecer pontes entre informações novas e outras
já fornecidas dentro do texto. Cabe ressaltar que essa relação não é simples nem
explícita: exige inferências, interpretação de expressões referenciais e de outros
mecanismos linguísticos.
De acordo com Koch (2002, p. 30):
O sentido de um texto, qualquer que seja a situação comunicativa, não
depende tão somente da estrutura textual em si mesma. Os objetos de
discurso a que o texto faz referência são apresentados em grande parte
de forma lacunar, permanecendo muita coisa implícita. O produtor do
texto pressupõe da parte do leitor/ouvinte conhecimentos textuais,
situacionais e enciclopédicos e, orientando-se pelo Princípio da
Economia, não explicita as informações consideradas redundantes. Ou
seja, visto que não existem textos totalmente explícitos, o produtor de
um texto necessita proceder ao “balanceamento” do que necessita ser
explicitado textualmente e do que pode permanecer implícito, por ser
recuperável via inferenciação.
Portanto, para a LT, o texto é o lugar da interação, é o lugar no qual circulam as
intencionalidades, pistas e informações compartilhadas, imbricados em uma relação
estreita, por isso é difícil falar em conhecimentos linguísticos e extralinguísticos, já que
não se pode distinguir quais conhecimentos estariam dentro e quais estariam fora do
texto, visto que todos eles atuam em igual medida na construção de sentidos. Marcuschi
(2008, p. 95), ao refletir sobre a questão, já nos mostra essa direção quando assegura
que “não se pode imaginar o texto como se tivesse um dentro (cotextualidade) e um fora
(contextualidade)”. O autor explica ainda que, se os textos são vistos como atrelados aos
aspectos interacionais, tanto em situação de produção quanto de recepção, não é
possível separar o que seria cotexto e contexto dentro dessa perspectiva de observação.
24
Por fim, cabe acrescentar aqui que adotamos a posição de Cavalcante (2011), na
esteira do que já nos apontou Koch (2002 e 2006), de que o texto é algo que se abstrai
da relação entre texto-autor-leitor dentro de um contexto sociocultural específico. Dessa
forma, o texto não pode ser entendido como uma materialidade que leva ao discurso.
Pelo contrário, se é resultado de uma situação discursiva, o texto é indissociável do
discurso. Atualmente, a LT já faz o intercâmbio entre as noções de texto e discurso, não
as analisando separadamente. Segundo Marcuschi (2008, p.58), a distinção entre texto e
discurso, além de complexa, não se mostra interessante, já que hoje as duas noções
podem ser vistas como
intercambiáveis, nas palavras do autor,
A tendência é ver o texto no plano das formas linguísticas e de sua
organização, ao passo que o discurso seria o plano do funcionamento
enunciativo, o plano da enunciação e efeitos de sentido na sua
circulação sociointerativa e discursiva envolvendo outros aspectos.
Texto e discurso não distinguem fala e escrita como querem alguns
nem distinguem de maneira dicotômica duas abordagens. São muito
mais duas maneiras complementares de enfocar a produção linguística
em funcionamento.
Pode-se concluir, então, que a LT atribui ao texto uma perspectiva
sociocognitiva e considera a atividade de leitura um ato que envolve não só a
compreensão de mensagens, mas também o entendimento de intenções comunicativas.
Dentro desse processo de leitura e construção de sentidos, um dos mecanismos que
facilita essa interação é a existência de um padrão relativamente estável de construção
dos textos que utilizamos cotidianamente: os gêneros textuais.
O gênero seria a ponte entre o discurso e o texto, pois, sendo resultado de uma
prática social e textual discursiva, apresenta uma composição observável que
corresponde a formas sociais que cercaram a situação de sua produção, conforme foi
dito no capítulo anterior. Nessa concepção, o texto é uma materialização de determinado
gênero – o que faz com que ele esteja submetido às regularidades linguísticas e
temáticas desse gênero, conforme a situação enunciativa na qual circula. Assim, a
atividade de leitura depende de estratégias e de graus de percepção de aspectos
inferenciais e referenciais, para não somente articular conhecimentos prévios, como
também colaborar com o levantamento de hipóteses.
Construir os sentidos de um texto implica, necessariamente, articular diversos
processos referenciais. Desse modo, já que consideramos o texto como processo
colaborativo de construção de significados, o mesmo vale para as formas de
25
referenciação, que também estão em permanente construção, conforme será discutido a
seguir.
2.2 A noção de gênero
Como a língua é um lugar de interação, é nesse contexto que ela se reveste de
significado e revela as marcas de um sujeito, que é ativo socialmente no processo
interacional. Essa dinâmica linguística se concretiza na forma de diálogo entre os
interlocutores, já que os sentidos concretos dos signos linguísticos só são apreendidos
por meio da indissociável relação entre os interlocutores. Segundo Marcuschi (2008, p.
61), “a língua é um conjunto de práticas sociais e cognitivas historicamente situadas”,
desse modo, o foco dos estudos não está mais sobre o código, mas no funcionamento
linguístico.
Assim, o papel da língua é mais do que mediar o conhecimento: é constituir o
nosso conhecimento. Dessa visão, deriva o conceito de dialogismo, propriedade básica e
inerente da linguagem, que implica a presença de parceiros, de modo que todo
enunciado pressupõe um interlocutor ativo, não alguém que receba passivamente o
enunciado. O dialogismo pode ser interpretado como marcas históricas e sociais,
resultantes da interação entre os falantes, presentes nos enunciados, afirmando, assim, a
presença de uma multiplicidade de vozes nos discursos que reproduzem os discursos de
uma dada sociedade, conforme aponta Bakhtin (2003[1979]).
Nessa perspectiva, ganha relevo a noção de enunciado como a unidade real da
comunicação verbal, realizada pelos interlocutores numa estrutura dialógica que inclui
as condições sociais e o contexto cultural nos quais os enunciados são produzidos.
Seguindo a perspectiva dialógica da linguagem, nenhum discurso é novo, mas reflete
valores e crenças de outros discursos. Isso quer dizer que, para constituir um discurso, o
enunciador necessariamente o elabora a partir de outros, constituindo, portanto, uma
dialogização interna no discurso. Assim, o falante sempre é um contestador, sua fala
está sempre em resposta a enunciados já em circulação, sendo os enunciados sempre
dirigidos a um destinatário que influencia e determina as escolhas necessárias para sua
produção.
Marcuschi (2008) afirma que, ao dominarmos um gênero textual, não estamos
dominando uma forma linguística, mas uma forma de realizar, linguisticamente, nossos
propósitos comunicativos em uma situação social particular. Cada enunciado é único, é
um acontecimento abstrato em um tipo específico de situação comunicativa que se
26
insere em uma formulação genérica e compartilha características comuns aos outros
enunciados da mesma situação de interação.
Cada atividade, cada forma de utilização da língua elabora tipos relativamente
estáveis de enunciados, os gêneros textuais, que são construídos por três elementos:
conteúdo temático, estilo verbal e a construção composicional. Para Marcuschi (2008,
p.155),
os gêneros textuais são os textos que encontramos em nossa vida diária
e que apresentam padrões sociocomunicativos característicos definidos
por composições funcionais, objetivos enunciativos e estilos
concretamente realizados na integração de forças históricas, sociais,
institucionais e técnicas.
Com essa posição teórica, chegamos à conclusão de que o gênero é indissociável
do envolvimento social; não podemos, então, tratar dos gêneros fora da sua relação com
as atividades humanas. Bhatia (2009), assim como Bazerman (2005), corroboram a
ideia de que os gêneros são resultados das práticas discursivas convencionadas de
comunidades discursivas específicas e mostram ainda que o conhecimento dos aspectos
constitutivos dos gêneros é uma ferramenta importante, pois permite o reconhecimento
dos diversos textos que circulam na nossa sociedade. Contudo, esses estudiosos
destacam a dinamicidade do gênero e a possibilidade de inovação, demonstrando que,
embora os gêneros sejam uma prática socialmente convencionada, isso não significa que
eles não possam se modificar para atender novos propósitos comunicativos.
Tendo em vista essa possibilidade, os gêneros podem se misturar para constituir
novos gêneros e abarcar novas formas de comunicação social. Desse modo, acentua-se
mais o caráter relativamente estável dos gêneros do que a sua estabilidade, já que a
instabilidade permite a constante modificação dos gêneros. Assim, de acordo com sua
esfera de atividade e circulação, teríamos gêneros mais rígidos, como fichas de
inscrições, por exemplo, e gêneros mais flexíveis, como os pertencentes à esfera da
publicidade.
Para Bazerman (2005, p. 31), os gêneros “são parte de como os seres humanos
dão forma às atividades sociais”. Isso significa dizer que os gêneros não são somente
tipos de enunciado reconhecidos, mas emergem nos processos sociais em que os
indivíduos se comunicam e articulam suas atividades com vistas a seus interesses
práticos. Assim, enfatiza-se o aspecto social e não no seu aspecto linguístico. Essa
interação entre autor-leitor de que fala Bazerman é bastante produtiva no gênero
27
estudado nesta pesquisa, uma vez que a notícia esportiva tem como característica
adaptar-se ao seu público.
Em síntese, é importante ressaltar o gênero como resultado de propriedades
formais e textuais/discursivas e, embora cada gênero apresente uma forma prototípica,
interessa também o caráter flexível dos gêneros e sua adaptação ao meio de circulação.
2.3 O jornal como suporte na recepção e circulação dos gêneros
Não é possível pensar os gêneros fora das relações sociais em que se
estabelecem e do contexto em que circulam, conforme aponta Marchuschi (2008). A
noção de suporte, seja em seu âmbito material ou seu âmbito virtual, ainda se encontra
em estudo (cf. MARCUSCHI, 2003, 2008; BEZERRA,2006), pois não se sabe,
exatamente, de que maneira os diferentes suportes podem adicionar ou até mesmo
alterar características dos gêneros.
Mainguenau (2001, p. 68) já apontava para a importância do modo de
manifestação material dos discursos poderia ter sobre os textos, não sendo apenas um
instrumento para mandar uma mensagem, mas um meio que poderia interferir no
próprio discurso:
uma modificação de um suporte material de um texto modifica
radicalmente um gênero de discurso: um debate político pela televisão é
um gênero totalmente diferente de um debate em uma sala para um
público exclusivamente formado por ouvintes presentes. O que
chamamos “texto” não é, então, um conteúdo a ser transmitido por este
ou aquele veículo, pois o texto é inseparável de seu modo de existência
material: modo de suporte/transporte de estocagem, logo, de
memorização.
No Brasil, o conceito foi introduzido por Marcuschi (2003, p.11), que o
descreveu como “um locus físico ou virtual, com formato específico que serve de base
ou ambiente de fixação do gênero materializado como texto”. Para Marcuschi, há duas
formas de suporte: o convencional (elaborado exatamente com o objetivo de portar
textos) e o incidental (que apresenta outros objetivos, mas eventualmente pode servir
como base de fixação de textos). Como exemplo de suporte convencional, tem-se um
livro, rádio, revista; já o suporte incidental pode ser uma roupa, por exemplo. A
diferença entre os dois tipos é que o suporte incidental não foi pensado inicialmente
com a função de portar um texto.
28
Marcuschi (2008, p. 175) entende que o suporte apresenta três aspectos
fundamentais: ser um lugar, ter um formato e servir para fixar ou mostrar o texto. Esses
aspectos podem, em alguma medida, interferir no gênero; não mudam o seu conteúdo,
mas podem alterar sua formatação ou alguma outra característica, de acordo com o
autor:
pode-se dizer que suporte de um gênero é uma superfície física em
formato específico que suporta, fixa e mostra um texto. Essa ideia
comporta três aspectos: a) suporte é um lugar (físico ou virtual);
b)suporte tem formato específico; c) suporte serve para fixar e mostrar o
texto
Segundo Marcuschi (2008, p.179), o jornal, seja ele diário ou semanal, é um
suporte com muitos gêneros. Para o autor, “estes gêneros [do jornal] são, em boa média,
típicos e recebem, em função do suporte, algumas características em certos casos, tal
como o da notícia”. Para o autor, o jornal fixa determinados gêneros, como um anúncio
fúnebre, horóscopo, resumos de filmes, por exemplo, o que é mais um indício de sua
atuação como suporte.
Távora (2008, p. 50) destaca que, para qualquer gênero obter sucesso em seus
propósitos, uma das condições necessárias é o suporte:
É bem verdade que se pode conceber que determinados gêneros
necessitam de uma realização em determinado suporte para se
efetivarem, para ganharem “credibilidade”. O que dizer de alguém que
escreve notícias que não são divulgadas em um jornal? O mesmo se
pode dizer de um romance: parece esdrúxulo falar em um romance que
não foi validado pela sua “publicação” em um livro.
Para Távora, o suporte é uma entidade capaz de estabelecer uma interação por
meio de uma materialidade formalmente organizada, que compreende o modo de
existência do gênero. Távora instaura, como categorias de ordem metodológica e
critérios de análise, as noções de matéria, forma, interação, registro e acesso aos
gêneros, defendendo que o suporte seja responsável pela atualização dos gêneros por
meio de uma série de elementos convencionais, como formatação de página e
diagramação, por exemplo. O autor propõe um conceito de suporte dividido em três
componentes: matéria, forma e interação. O primeiro deles é a matéria (caracterizada
como um plano físico), que, por sua vez, se divide em três processos: o registro (o
arquivamento de dados, por exemplo, em um CD), a atualização (que é a produção do
gênero) e o acesso (as formas de interação permitidas pelo suporte).
29
O outro componente do suporte é a sua forma, que consiste na junção de dois
fatores: a) a possibilidade de atualização de linguagem verbal e não verbal; b) os níveis
diferentes de interatividade ditados pelo fluxo comunicativo. Segundo essa lógica, as
possibilidades de atualização dizem respeito, por exemplo, ao modo como o gênero se
materializa no jornal em função dos padrões de diagramação, como a presença e a
posição de uma foto ou uma legenda, por exemplo, que funcionam como parte do
gênero. Já os níveis de interatividade referem-se, entre outros, às possibilidades
espaciais e temporais do suporte. Távora cita o exemplo do outdoor, que oferece um
curto tempo para sua visualização, mostrando como esse aspecto do suporte pode
interferir na construção do gênero.
O terceiro componente do conceito de suporte proposto por Távora (2008,
p.157) é a interação, uma vez que o suporte é uma ferramenta sócio-técnica “elaborada
para estabelecer processos interativos”. Para o autor, o suporte, até o momento
desconsiderado nas análises de gênero, deveria ocupar o primeiro plano da ordem
metodológica de análise dos gêneros. Bezerra (2006, p.381), em um artigo que investiga
a relação entre suporte e gênero, também destaca que são poucos os trabalhos que fazem
essa associação:
nas discussões mais recentes sobre gêneros textuais, são raras as
pesquisas que enfoquem as complexas relações existentes entre os
gêneros e seus suportes. Nota-se frequentemente que os conceitos
tendem a se sobrepor ou confundir
Já em Bonini (2003, 2008), verificamos outros encaminhamentos para o estudo
do suporte nos gêneros e a divisão desse conceito em duas partes: os suportes físicos e
os convencionados. Bonini (2006), em seu Projeto Gêneros do Jornal (PROJOR),
investigou os gêneros do jornal, considerando-o um hipergênero, ou seja, um gênero
composto por vários outros. O autor, baseado nas considerações de Marcuschi
mencionadas acima, estabeleceu a existência de dois tipos de suporte: os suportes
físicos, como o outdoor ou um álbum de fotografias, e os suportes convencionados.
Em estudos recentes, Bonini (2011, p. 682) observou a existência de um
contínuo entre o gênero como entidade de interação dialógica e o suporte como portador
físico; entre esses dois extremos, pondera o autor, pode haver a ocorrência de elementos
híbridos: elementos que são, ao mesmo tempo, um gênero formado por outros gêneros -
portanto, um hipergênero – e também um suporte. Dentre estes elementos híbridos,
estariam exemplos como o jornal, as revistas e o site.
30
Cabe destacar que Bonini (2011, p; 688) apresenta ainda uma distinção entre
gênero, mídia e suporte. Nas palavras do autor:
a)gênero – unidade da interação linguageira que se caracteriza por uma
organização composicional, um modo característico de recepção e um
modo característico de produção. Pode ser de natureza verbal,
imagética, gestual, etc. Como unidade, equivale ao enunciado
bakhtiniano; b) mídia – tecnologia de mediação da interação linguageira
e, portanto, do gênero como unidade dessa interação. Cada mídia, como
tecnologia de mediação, pode ser identificada pelo modo como
caracteristicamente é organizada, produzida e recebida e pelos suportes
que a constituem; e c) suporte – elemento material (de registro,
armazenamento e transmissão de informação) que intervém na
concretização dos três aspectos caracterizadores de uma mídia (suas
formas de organização, produção e recepção)
Bonini afirma ainda que as mídias podem apresentar um conjunto de suportes,
funcionando como um sistema. O autor cita o exemplo da televisão, em que há
microfone, câmeras, sistemas de edição e suportes de transmissão, como as ondas
eletromagnéticas, por exemplo. Bonini também propõe uma separação entre o suporte e
a mídia, sendo a mídia aquela que vai interferir mais diretamente nas formas de
interação entre o gênero e seus interlocutores, ou seja, as diferentes tecnologias, já o
suporte passa a ser um termo empregado para designar elementos materiais de registro,
armazenamento e transmissão de informações. De acordo com o Bonini (2011, p.689),
“O termo suporte só é relevante em uma análise mais pormenorizada de uma mídia
específica. Podemos dizer, desse modo, que a interação se faz por meio de gêneros e
que esses gêneros circulam em mídias”.
Para esta Tese, entretanto, não separaremos a noção de mídia e suporte, uma vez
que isso pode acarretar em uma descrição exaustiva nos componentes da mídia e nas
formas de registro e armazenamento das informações, como prevê a proposta de Bonini.
Não achamos produtiva essa descrição, já que o suporte dos textos que compõem o
corpus é o mesmo e não utilizamos nenhuma mídia específica, a não ser o jornal em
papel.
De toda forma, podemos pensar em perspectivas diferentes trazidas pelas novas
tecnologias. Notícias ou romances criados para serem lidos online, por exemplo, podem
apresentar características diferentes dos textos escritos em versão impressa. Nas notícias
esportivas online, uma das possibilidades consiste em colocar disponíveis vídeos das
melhores jogadas, links para tabelas e pontuação dos campeonatos, galeria de fotos,
entre outros itens. Os programas esportivos televisionados, nesse sentido, nos últimos
31
anos, têm-se especializado em diferentes estratégias para emocionar um interlocutor já
saturado de informações, inovando nas formas de captar esse telespectador, com a
presença de quadros com interação do público, conforme podemos ver no programa
Globo Esporte, da Rede Globo, atualmente. De acordo com Santos e Affonso (2015),
esse programa sofreu uma reformatação, incorporando o esquema de mesa-redonda com
convidados, usos de mesa tática (quadro interativo com os jogadores em forma de
bonecos), entre outras modificações para atrair o público.
Portela e Schwartzmann (2012) defendem que as propriedades textuais genéricas
selecionam propriedades morfológicas do objeto suporte, posição com a qual
concordamos. Ao analisar os aforismos, os autores mostram que a publicação desses
textos em um livro ou em um para-choque de caminhão levaria a uma formatação
diferente do gênero, no que se refere às suas propriedades textuais, como seleção de
linguagem, tipologias textuais empregadas.
Os autores explicam que uma máxima no para-choque de caminhão serve a uma
prática de linguagem que, pelo ponto de vista assumido no gênero e na pequena
extensão do suporte, seria de exortar o riso. Já se a máxima fosse publicada em um
livro, pela diferença na extensão, os objetivos e a finalidade do gênero poderiam ser
diferentes, pois pode ser direcionada a um enunciatário mais específico e/ou
especializado no assunto, que busca conhecer aspectos históricos e sociais sobre as
máximas.
De acordo com Portela e Schwartzmann (2012, p.91),
propriedades genéricas moldam os elementos formais do objeto-suporte
e estes, por sua vez, oferecem às instruções de exploração aquilo que
caracteriza a diversidade de fontes e pontos de vistas próprios à
construção do conhecimento.
Todos esses estudos convergem para a relação entre suporte e gênero. Apesar de
noções mais detalhadas e diferentes explicações para o que seria, de fato, o suporte e
seu alcance, o fato é que os estudos mostram que os textos estão ligados ao seu suporte.
Bezerra (2006) lembra que a complexa relação entre gêneros e seus suportes não
pode ser idealizada de forma hierarquizada. Em alguns casos, o suporte pode adquirir
um papel central, conforme acontecia nas escritas monumentais de antigas civilizações
como a romana, por exemplo, que, segundo o autor, tinham o propósito de manifestar
autoridade, já que a maior parte da população não sabia ler. O autor afirma ainda que o
suporte também exerce papel importante hoje por atuar na construção de sentidos.
32
Nesse sentido, concluímos que a materialidade – entendida no sentido de
condições de produção e veiculação de um determinado texto – propicia algum tipo de
relação interativa nos interlocutores dos gêneros. Desse modo, acreditamos que, de
algum modo, o suporte pode influenciar o gênero, conforme já dito por Marcuschi
(2008) o suporte pode interferir no gênero.
Na figura abaixo, produzimos um esquema para ilustrar a relação entre suporte e
gênero:
Gênero suporte atualização do gênero
confere ao
gênero possibilidades
materiais de concretização (Fig. 1 relação entre suporte e gênero)
No caso das notícias esportivas, acreditamos que alguns recursos, como escolha
vocabular e, apelo ao conhecimento compartilhado, por exemplo, diferem justamente
pelo perfil de público selecionado pelos dois jornais, já que o jornal esportivo Lance!
apresenta um público alvo mais específico que, provavelmente, homologa as escolhas
feitas pelo interlocutor, pois os consumidores de um jornal de assuntos gerais não são os
mesmos de um jornal esportivo como o Lance!. Desse modo, o jornalista idealiza/prevê
quem será o receptor do seu texto para, assim, proceder a escolhas diversas na
construção dos textos.
A interferência do suporte, entretanto, pode ocorrer na formatação do jornal, na
possibilidade de apresentar mais informações sobre os clubes, seleções e seus jogadores,
como, no Lance!, por exemplo, por ser um periódico que só trata de esportes.
Consideramos, portanto, o jornal um suporte, e não um hipergênero, pois entendemos
que as características do jornal e a maneira como ele contribui para a fixação e
circulação de gêneros apontam para a sua função como um suporte de gêneros.
2.4 A notícia esportiva nas quatro linhas
A notícia é um gênero textual que costuma ser representado como se não
possuísse subjetividade ou como se expressasse o relato objetivo dos fatos. De modo
geral, a notícia, segundo Charaudeau (2010), pode ser entendida como um conjunto de
33
informações que integra um mesmo espaço temático, isto é, o acontecimento é um fato
que se insere em um determinado domínio público, apresentando caráter de novidade,
proveniente de uma determinada fonte e podendo ser tratado de diversos modos.
Charaudeau (2010) defende que, no mesmo momento em que surge a notícia, ela pode
ser diversamente tratada, pois consiste, basicamente, em descrever o que se passou,
reportar ações e analisar os fatos. Diante disso, dependendo do propósito da instância
midiática, há diferentes formulações que buscam categorias que permitem, a todo
sujeito falante, responder às questões do como descrever, como contar, como explicar
e/ou persuadir.
Segundo Van Dijk (1998, p. 83), as notícias têm como função ideológica
implícita promover as crenças e os valores dos grupos sociais dominantes, razão pela
qual a persuasão tem função e objetivo muito específicos no discurso noticioso. Isso
significa que a notícia não apenas deve veicular proposições que sejam compreendidas
pelo leitor/ouvinte, mas proposições que sejam tomadas como verdadeiras ou
possivelmente verdadeiras. Desse modo, o caráter persuasivo da notícia inclui,
basicamente, a ênfase nas crenças já existentes entre os leitores, visando enfatizar um
modo de pensar já existente e não propriamente mudá-lo. A notícia, ainda segundo Van
Dijk (1998), é um gênero que busca promover uma aparência de verdade e, por isso, os
redatores utilizam diferentes estratégias para garantir esse efeito. Dentro da proposta de
Van Dijk, destacamos os seguintes recursos:
• Ênfase na natureza factual dos eventos, através de descrições diretas de eventos
em curso;
• Uso da informação com apelo emocional. Tal recurso se baseia na ideia de que
fatos podem ser mais bem representados e memorizados se eles envolvem ou
provocam emoções fortes.
Para Oselame (2012), a notícia esportiva, a princípio, tratava exclusivamente dos
textos em que se narram os lances de determinada partida, sem assinatura e sem
estrutura opinativa explícita. Tal gênero cobre todos os jogos de um dado campeonato.
Atualmente, as notícias esportivas não ficam restritas à publicação de resultados dos
jogos e campeonatos, ampliando a possibilidade de cobertura para temas como a
política dos clubes, situação financeira, entre outros, conforme aponta Coelho (2008). A
autora destaca que, com a modernidade, os “valores-notícia” – filtros que o jornalista
34
aplica para selecionar que acontecimentos serão publicados – estão se modificando e,
cada vez mais, estão se misturando com questões que envolvem propaganda e
entretenimento, isto é, estão se tornando menos objetivos. Além disso, esse conjunto de
parâmetros denominado “valores-notícia” também pode ser adaptado tendo em vista os
diferentes suportes/meios de comunicação, como rádio, televisão, dentre outros.
De acordo com Santos e Affonso (2015), nos últimos anos, a definição do que
pode ou não ser notícia passou a depender não só do que é relevante, mas do que é
interessante ao público, aquilo que pode atingir mais pessoas, gerando, assim, lucro pela
audiência. No caso específico das notícias esportivas, os assuntos esportivos foram
gradativamente ocupando espaço nos grandes jornais até ganharem publicações
especializadas. Para Sousa (2005, p. 2),
Como em qualquer produto jornalístico, a seleção da notícia esportiva é
um processo norteado pelos critérios de noticiabilidade universais à
atividade de produção e transformação de acontecimentos em fatos
noticiáveis. Também no noticiário esportivo tem mais chances de se
tornar notícia o que é factual, que desperta o interesse do público, que
atinge o maior número de pessoas, que seja inusitado ou curioso, que
seja novidade e que apresente bons personagens
Desse modo, torna-se notícia não o que prioritariamente é utilidade pública, mas
o que pode gerar maior repercussão e audiência de acordo com uma abordagem que
tenda ao espetáculo e à produção de emoções em quem assiste. No caso da editoria
sobre futebol, como apontam Santos e Affonso (2015), já existe uma predisposição para
a espetacularização por conta da manipulação de uma “paixão nacional”.
Quanto à tipologia textual predominante, segundo Nascimento (2009), a
estrutura da notícia tende a ser prioritariamente narrativa, forma redacional que
predomina na linguagem jornalística, com características de objetividade e tentativa de
imparcialidade.
No entanto, embora o texto jornalístico pretenda ser objetivo e imparcial – que
por si só já é difícil, pois não existe linguagem imparcial – notamos atualmente o
predomínio do relato baseado em elementos ficcionais da narrativa, como personagens
bem definidos e criação de clímax, constituindo um terreno propício à dramatização da
notícia. Característica que tem sido uma estratégia recorrente na editoria esportiva,
conforme veremos na próxima seção. Ainda de acordo com Santos e Affonso (2015), a
narrativa nem sempre acontece de forma linear e cronológica nas reportagens
35
esportivas. Muitas vezes, as matérias começam por fatos que aconteceram no fim do
jogo e que, por terem um caráter curioso que possa ser utilizado para humor ou
dramaticidade, servem de ponto de partida para a notícia.
Em relação à linguagem, Barbeiro e Rangel (2006) destacam que o texto
esportivo, de modo geral, detém maior liberdade no tratamento da matéria. Segundo os
autores, na editoria de esportes, é perceptível humor e leveza, e o vocabulário, muitas
vezes, consagra expressões populares, sendo mais criativo. Os autores afirmam ainda
que os jornais e revistas esportivos adotam a descrição em detalhes dos jogos, os
bastidores e há uma preocupação em passar ao leitor/telespectador a emoção
proporcionada pelos esportes.
Além disso, os autores chamam atenção para o fato de que os esportes
apresentam uma linguagem muito particular, principalmente quando tratam de futebol,
com gírias e metáforas para lances do futebol, como “totozinho” e “tesoura”, que o
editor esportivo não pode desconsiderar, principalmente no Lance!, que é um jornal
inteiramente esportivo. Em vários manuais esportivos, há uma espécie de glossário com
nomes de lances, jogadores e clubes não só de futebol como de outros esportes. Essas
expressões e metáforas são características discursivas escolhidas para justificar a adesão
do interlocutor, servindo também para emocionar os leitores, contribuindo ainda para a
argumentação verificada nos relatos. De acordo com Oselame (2012), o jornalismo
esportivo, principalmente o de televisão, vale-se de linguagem mais informal, próxima
do cotidiano do leitor/telespectador, principalmente, para garantir audiência.
Além disso, a notícia esportiva caracteriza-se como um gênero bem marcado
quanto ao tempo, pois deve ser publicado no jornal, no máximo, um dia após a partida.
O universo dos esportes é bastante dinâmico e ocorrem jogos de diferentes campeonatos
simultaneamente, por isso há rapidez na divulgação, em edições expressas ou nas
versões online dos jornais. Cabe ressaltar também que o gênero em questão é bastante
marcado em relação ao contexto em que é produzido: os referentes, como nome de
jogadores e técnicos, vão se modificando durante cada temporada de campeonato, pois
há uma grande rotatividade de jogadores e técnicos no futebol, o que pode contribuir
para a criatividade dos jornalistas e dos recursos empregados nesse gênero.
Nesse aspecto, a notícia esportiva se aproxima bastante de uma notícia ou
reportagem de assuntos gerais por sua estreita ligação com a temporalidade, mas, ao
contrário desta, não tem preocupação em “informar um fato novo”. Os leitores das
notícias esportivas, provavelmente, já sabem o resultado das partidas (a maior parte dos
36
jogos é televisionada, os resultados são anunciados em telejornais, fora a possibilidade
de acesso a esses resultados pela internet). O interesse desses leitores é saber mais sobre
os lances da partida, obter detalhes, pois o futebol é tópico frequente nas discussões
cotidianas no Brasil.
Para descrever os lances da partida, é necessário que o jornalista descreva como
o campo de futebol é organizado e como o uso do espaço pode contribuir para a eficácia
ou fracasso dos times. As ações são apresentadas a partir do ponto de vista de um
observador (cf. FIORIN, 1996, p. 104) que se instaura dentro do campo e assume a
perspectiva ora de um time ora de outro a fim de apresentar uma maior credibilidade
para os lances narrados. Isso pode ser percebido em expressões como “chutou à direita
do gol” ou “cruzou pelo lado esquerdo”, em que, para entender a demarcação espacial
realizada, é preciso saber quem é o jogador (sua posição dentro do campo) e de que lado
do campo ele está atuando.
A segmentação do campo é relevante para a notícia esportiva, pois, sem essa
descrição, o texto perde parte de sua característica fundamental. Não há como narrar
lances de uma partida de futebol sem mencionar as demarcações, como as quatro linhas
que separam a fronteira dos eventos, uma vez que, fora destes espaços, as ações não têm
efeito e, dentro desta fronteira, há limites internos que caracterizam o posicionamento
dos jogadores (ataque, defesa, linha intermediária, etc), fundamentais para o desenrolar
da partida. O direcionamento das ações é determinado pelas metas (gols) que se situam
em lados opostos ao time (linhas laterais, retranca, recuo, avanço) e as posições são
demarcadas, com trajetórias definidas. O espaço é codificado e não flexível. A
transposição de determinados limites está relacionada à eficácia ou ineficácia do time,
considerando uma expectativa em relação a essas trajetórias.
Alguns recursos linguísticos contribuem para marcar o espaço, pelo uso de
verbos e expressões adverbiais, como, por exemplo, “invadir”, “para fora”, “longa
distância”, entre outros. Expressões como “invadir”, por exemplo, já carregam um
conteúdo semântico específico que auxilia na demarcação o espaço. Se o jogador
invadiu a área, certamente, ele se utilizou de um espaço que não lhe era lícito.
Expressões como escanteio, travessão, trave, impedimento, entre outras ajudam
a orientar a percepção do enunciador sobre o espaço, segmentando-o. Para os que
acompanham futebol, é uma possibilidade de julgar a ação do time para o qual torcem,
se os jogadores estão se aproximando do seu objetivo ou não. São comuns nas narrações
de jogo, escritas ou orais, as seguintes avalições: “o time não passa da linha do meio-
37
campo” ou “só joga do meio pra frente”, “só dá chutão pra frente”, entre outras. Essas
expressões contribuem para os efeitos de sentido nas notícias esportivas, tornando bem
expressivas as ações dos jogadores, de modo que a impressão causada no leitor é a de
um efeito de verdade, como se ele estivesse de dentro do campo assistindo às partidas.
A descrição em detalhes dos jogos e dos bastidores refletem uma preocupação em
passar ao enunciatário a emoção proporcionada pelo futebol.
Nesse sentido, a mudança constante da posição do observador dentro do campo
cumpre um propósito de sentido, pois recria a trajetória da bola para o leitor. Os efeitos
gerados simulam a visão do leitor no momento dos lances, mostrando a trajetória da
bola em um processo, como podemos ver no trecho abaixo:
(L1) Foi a vez dos deuses do futebol fazerem justiça a Wayne Rooney. Após boa jogada pela
direita, Johnson cruzou rasteiro e o camisa 10 escorou de canhota para fazer seu primeiro gol
numa Copa do Mundo. (L1, anexo p.160)
A expressão “boa jogada pela esquerda” é empregada de acordo com um
observador que se instaura dentro de campo, trazendo um olhar interno. Como pistas
que auxiliam o leitor, há o nome dos jogadores que nos auxiliam a entender de que
espaço se trata.
A delimitação do espaço, além de parecer um traço constitutivo desse gênero, é
muito importante para a análise aqui empreendida e interfere diretamente no uso dos
mecanismos de referenciação, pois, de algum modo, comportam-se como anáforas
indiretas que se relacionam com o espaço dentro do campo. Expressões como “do outro
lado”, “chutou em diagonal”, “cruzou pela linha de fundo” mostram a presença desse
observador dentro do campo, além de trazerem formas com comportamento semelhante
ao de expressões dêiticas.
Nesta Tese, portanto, consideramos a notícia esportiva um gênero dinâmico e
heterogêneo, por depender de muitas variáveis que a fazem incorporar certas
características em vez de outras, dependendo do leitor presumido, do tema, do suporte
em que é veiculada, como TV, rádio, jornal impresso, portal de internet, por exemplo.
Após a caracterização da notícia esportiva, cabe ampliar um pouco o domínio
discursivo em que esse gênero atua com uma contextualização breve sobre a editoria
esportiva.
38
2.5 O Jornalismo esportivo
Segundo Melo (2003), durante muito tempo os esportes e a editoria esportiva
foram considerados assuntos menores dentro dos jornais, pois não se julgava
conveniente, por exemplo, estampar a capa de um jornal com manchetes referentes a
esses assuntos. No entanto, com o crescimento da importância dos esportes e da prática
esportiva em nosso cotidiano, essa temática foi ganhando espaço nos jornais e nas
práticas sociais rotineiras. De acordo com especialistas no tema, como Coelho (2008) e
Mello (2003), os assuntos esportivos foram gradativamente ocupando espaço nos
grandes jornais até ganharem publicações especializadas, como Lance, Marca, Vencer,
Olé, entre outros.
Conforme aponta Mello (2003, p. 112), o esporte e a mídia passaram a se
relacionar de modo mais estreito quando os esportes assumiram um caráter coletivo,
deixando de ser um lazer individual ou de um grupo para se tornar o lazer das massas. A
imprensa esportiva brasileira teve seu início em 1910, com o jornal Fanfulha, de São
Paulo, que, sendo muito apreciado pelos italianos que viviam na cidade à época,
influenciou a criação do clube de futebol Palmeiras. Cabe ressaltar que, de acordo com
Coelho (2008), não havia um jornalismo esportivo, como o que há hoje: a cobertura
jornalística da época era constituída por breves relatos dos principais acontecimentos
que envolviam os famosos clubes de futebol brasileiros e informações sobre resultados
e os próximos jogos.
Com o passar do tempo, na década de 30, surge, no Rio de Janeiro, o Jornal dos
Sports, primeiro periódico destinado exclusivamente aos assuntos esportivos. Em uma
de suas primeiras edições, a linha editorial afirmava que o jornal buscava, por meio do
futebol, alcançar uma identidade nacional, uma tentativa de afirmação do Brasil através
desse esporte. O Jornal dos Sports, ainda com um grande uso de palavras em inglês
(football, match, record), foi o principal veículo da cobertura da Copa do Mundo de
Futebol de 1938. Contudo, segundo o Mello (2003), embora estivesse ganhando maior
destaque, poucos acreditavam que os esportes pudessem figurar na capa de jornais como
O Globo ou Folha de São Paulo. Com a realização de importantes eventos esportivos
aqui no Brasil, como a Copa do Mundo de 1950, a inauguração do Maracanã e a vitória
do Brasil em 1958, na Suécia, o preconceito contra os esportes foi diminuindo, mas só
no fim da década de 1960 os cadernos esportivos ganharam mais força como o Caderno
39
de Esportes, de São Paulo, que originou o Jornal da Tarde – importante caderno
esportivo que influenciou a chegada de outros semelhantes.
De acordo com Barbeiro e Rangel (2006), a linguagem jornalística do esporte
nunca teve uma escola definida. No início das transmissões no rádio, em 1932, a
linguagem era de pura emoção sem uma preparação ou sem seguir regras previamente
estabelecidas. Com a evolução do futebol e sua expansão, a partir da década de 90,
passou a haver uma maior preocupação com o tratamento que deveria ser dispensado às
notícias esportivas. Segundo os autores, alguns veículos optaram por integrar o esporte
ao jornalismo e outros optaram por deixar o departamento de esporte separado, como
um departamento isolado, com regras próprias.
Como atesta Costa (2010, p.65), a imprensa esportiva é uma importante
“multiplicadora do jogo”, já que nela a informação ultrapassa as suas funções
tradicionais de informar ou explicar. Isso ocorre, pois grande parte das páginas
esportivas se configura como espaços onde a notícia se apresenta como entretenimento,
o que significa dizer que seu objetivo principal é divertir, atingindo os sentidos do
público.
Para Costa (2010, p.66), ao tratar de futebol – e principalmente quando envolve
a seleção brasileira
a imprensa costuma ficar longe da imparcialidade e objetividade, ideais
pelos quais, muitas vezes, afirma se pautar, como veremos mais adiante.
Nela é constante a incorporação de discursos típicos da esfera torcedora,
o que em parte se mostra justificável, pois seu principal público é
formado justamente por uma considerável parcela de torcedores.
A torcida também é um elemento de destaque nas narrativas da imprensa
esportiva, tanto no jornal impresso, como nos sites e nos programas de televisão. O
antropólogo Luis Henrique de Toledo já demonstrou que a reportagem esportiva no
Brasil apresenta uma característica que a diferencia de outros países no que diz respeito
“ à intensa cobertura dada à performance torcedora” (TOLEDO, apud COSTA, 2010,
p. 2), o que pode ser exemplificado, quando, em 2008, o clube carioca Vasco da Gama
foi rebaixado pela primeira vez e a maioria dos jornais destacou a imagem de um
torcedor que ameaçava se jogar da marquise em São Januário.
Aos poucos, o futebol ganhou personagens caricatos, divertidos, que promoviam
a identificação com o público leitor/consumidor dos jornais esportivos. O jornalista
percebeu que era necessário entreter e seduzir seu leitor através das suas emoções e da
40
sua paixão pelo clube. Costa (2010), nesse sentido, fala em “folhetinização da notícia”,
desenvolvendo a tese de que as notícias esportivas apresentam narrativas com contornos
dramáticos, pois há uma ênfase no caráter dramático dos lances de uma partida, um
forte julgamento em relação aos bons e aos maus, ao que é certo e errado. Nos
programas de televisão, por exemplo, destacam-se as entrevistas emocionadas, à
comoção dos jogadores que choram, segundo os locutores esportivos “os que se
entregam em campo”.
Segundo Costa (2010), as Copas são ótimos exemplos para verificar como o
jornalismo pode se valer de estratégias narrativas próprias dos romances para
“folhetinizar” a informação e, portanto, emocionar o leitor. Traquina (2005) afirma que
se poderia dizer que o jornalismo esportivo é um conjunto narrativas sobre triunfos e
tragédias. Ainda de acordo com o autor, essas narrativas ecoam de narrativas antigas
que criaram figuras míticas que, se apresentadas sob a forma de arquétipos como heróis,
vilões e vítimas inocentes, se perpetuam. Essa definição de arquétipos ajuda a entender
o motivo pelo qual, na cobertura jornalística dos eventos esportivos, a história do jogo
ou da competição seja contada, em muitos casos, elegendo o goleiro como o “vilão”,
por ter – na linguagem do futebol – “frangado”, isto é, falhado em um lance e, por isso,
tomado gol ou um atacante como herói, por exemplo.
2.6 O conceito de infoentretenimento
O conceito de infoentretenimento vem sendo empregado para descrever o
jornalismo que incorpora divertimento à informação. De acordo com Padeiro (2013), é
um conceito que vem sendo usado em muitos países, não só na editoria de esportes mas
também na editoria de moda, comportamento, vida de celebridades, dentre outros, já
sendo considerado uma marca do jornalismo contemporâneo. Para Rangel (2010),
observa-se cada vez mais o declínio da notícia entendida como informação atual,
relevante e de interesse público. Por outro lado, ganha força a ideia de prestação de
serviços e de entretenimento. Conforme Rangel (2010, p. 3),
Na contemporaneidade, a informação deixa de significar a
representação simbólica dos fatos para se apresentar como produto
híbrido que se associa ora à publicidade, ora ao entretenimento, ora ao
consumo; mas muitas vezes deixando de cumprir a sua missão
primordial de informar
41
Fonseca (2008, p. 57) ressalta que “a lógica capitalista dominante no negócio
jornalismo provoca mudanças nos critérios de noticiabilidade.” As notícias deixam de
seguir, estritamente, o caráter da relevância para se tornarem um produto mais atrativo
para o público. Os autores supracitados, todos da área do jornalismo esportivo,
ressaltam o crescimento do conceito de infoentretenimento dentro da editoria esportiva,
principalmente nos programas que são televisionados.
Segundo Gomes (2011), o infoentretenimento é, ao lado do telejornalismo
popular, a principal tendência da televisão brasileira neste início de século. Para a
autora, é no telejornalismo, por excelência, que ocorre a articulação entre as esferas da
informação e do entretenimento. Conforme a autora, como o esporte consiste em uma
manifestação cultural democrática e de livre acesso, por se destinar a todos os públicos
ao mesmo tempo, essa área do jornalismo conta com uma espécie de “licença poética”
para utilizar uma linguagem mais informal, que dialogue com o público e com bastante
senso de humor. A ideia é que as matérias, os programas e as transmissões dialoguem
cada vez mais com as expectativas do público, de modo que haja uma identificação e
uma maior interação com as coberturas esportivas.
Oselame (2012) afirma que, dentre os teóricos da área do jornalismo, o
reconhecimento de que o infoentretenimento é inevitável, sendo uma tendência da mídia
contemporânea e que sempre deve ser considerado à luz das transformações culturais de
nosso tempo, principalmente no telejornalismo.
Nas notícias esportivas, é possível perceber que há, de algum modo, uma
preocupação em tornar os textos emocionantes, dramáticos, principalmente na
caracterização dos jogadores, que pode ser atribuído a essa nova tendência do
jornalismo. A notícia esportiva, muitas vezes, revestida de valores que causam
adesão/apelo às emoções do público leitor, cria uma relação de empatia e identificação
a fim de garantir o consumo dos jornais.
42
3. REFERENCIAÇÃO: PANORAMA TEÓRICO
De acordo com as investigações atuais dentro da LT, a referenciação se constitui
como uma atividade discursiva, uma vez que o texto é o próprio lugar da interação entre
sujeitos sociais, que compartilham todos os seus conhecimentos com a finalidade de
atingir as suas propostas comunicativas. São atribuídas à referenciação as funções de
introduzir novos referentes no texto, além de contribuir para a sua progressão temática –
atividades importantes para a construção de sentidos nos textos. (cf. CAVALCANTE,
2011).
Desse modo, a referenciação hoje ocupa um lugar importante dentro da LT e os
estudos sobre esse fenômeno, hoje, vão além do reconhecimento das cadeias e
mecanismos de referenciação dentro dos textos para atrelar esse conhecimento ao
estudo dos gêneros textuais. Esse tem sido um objeto de investigação muito importante,
já que permite a interrelação entre a leitura e as estratégias de referenciação. Como
dissemos acima, a leitura depende da nossa bagagem cultural, do nosso conhecimento
linguístico e do conhecimento sobre as coisas do mundo. Assim, identificar e
compreender as formas de referenciação empregadas é descobrir os sentidos do texto, a
sua orientação argumentativa e a intencionalidade do autor ao empregar tais formas.
Nesse sentido, como já mostramos em Morais (2012), a observação das cadeias
referenciais é uma pista importante para a construção de sentidos no texto. Além disso,
seu estudo se torna muito mais profícuo quando associado ao estudo dos gêneros.
A nomeação de referentes envolve uma reflexão sobre o próprio ato de nomear
seres ou entidades, sendo uma atividade ancorada em função do receptor, dos propósitos
comunicativos do texto e do gênero textual em questão. Portanto, é natural que a ação
de nomear aconteça de maneira instável, ou seja, os referentes não são nomeados e/ou
representados por palavras isoladas, pois não há uma ligação direta entre as palavras e
as coisas. Dentro dessa perspectiva, de acordo com Koch, Morato, Bentes (2005, p. 8)
não cabe mais usar o termo referência, mas sim referenciação, uma vez que
passam a ser objetos de análise as atividades de linguagem realizadas
por sujeitos históricos e sociais em interação, sujeitos que constroem
mundos textuais cujos objetos não espelham o mundo real, mas são, isto
sim, interativamente e discursivamente constituídos em meio a práticas
sociais, ou seja, são objetos de discurso.
43
Rastier (1994, p. 19 apud MONDADA, 2005, p. 20) pondera que “a
referenciação não diz respeito à relação de representação a coisas ou estado de coisas,
mas a uma relação entre texto e a parte não linguística da prática na qual ele é produzido
e interpretado”. Para Koch (2005), a discursivização ou textualização do mundo através
da linguagem não faz referência a um simples processo de elaboração de informações,
mas a um processo de (re)construção do próprio real. Os objetos de discurso se
(re)constroem no próprio processo de interação: “a realidade é construída, mantida e
alterada não apenas pela forma como nomeamos o mundo, mas acima de tudo pela
forma como, sociocognitivamente, interagimos com ele” (KOCH, 2005, p. 34).
Defendemos o enfoque discursivo no processo de referenciação, uma vez que
esse processo é visto como uma atividade de construção de “objetos de discurso”, que
não se confundem com a realidade extralinguística, mas (re)constroem-na no processo
de interação. Desse modo, referir é, sobretudo, elaborar uma discursivização ou
textualização do mundo, a qual se funda em escolhas do sujeito em função de um
querer-dizer.
Segundo Koch e Elias (2008, p. 123), “eles (os referentes) são construídos e
reconstruídos, de acordo com nossa percepção”. Ou seja, não há uma perfeita
equivalência entre as palavras e as coisas. Ao serem reconstruídas no interior do
discurso, as entidades se tornam novos objetos de discurso, revestidos de nossas
crenças, atitudes e intenções comunicativas. Os objetos de discurso são “representações
semióticas (constantemente reformuláveis) e não entidades da realidade preexistentes à
interação”, por isso, devem ser analisados observando "a coconstrução de sentido"
(SANTOS e CAVALCANTE, 2014, p. 226). Isso equivale a dizer que os objetos de
discurso são dinâmicos e podem ser ativados ou reativados, dependendo dos propósitos
comunicativos do texto.
Para Mondada e Dubois (2005, p. 24):
A variação e a concorrência categorial emergem notadamente quando
uma cena é vista de diferentes perspectivas, que implicam diferentes
categorizações da situação, dos atores, dos fatos. A ‘mesma’ cena pode,
mais geralmente, ser tematizada diferentemente e pode evoluir – no
tempo discursivo e narrativo – focalizando diferentes partes ou
aspectos. O próprio entorno discursivo pode alterar a percepção do
objeto de discurso, sendo responsável também por sua identificação,
uma vez que, nas atividades discursivas, a instabilidade categorial
manifesta-se em todos os níveis da organização linguística, de forma
que a recategorização seja uma evolução natural do referente dentro do
discurso.
44
É na prática social de linguagem que se constroem os referentes e construímos a
realidade a partir das estruturas linguísticas; assim, a instabilidade dos referentes é
inerente ao discurso. Por outro lado, a instabilidade na categorização, orientada pelo
contexto, não leva necessariamente a escolhas “caóticas ou desordenadas”
(MONDADA; DUBOIS, 2003, p. 40), visto que os sujeitos se valem de estruturas
cognitivas, arquivadas na memória, que lhes permitem dar estabilidade ao mundo.
Portanto, a escolha de determinadas categorias textuais está intimamente relacionada às
representações e papéis sociais, aos propósitos comunicativos dos enunciadores e ao
próprio sentido que se deseja atribuir ao texto, o que pode ser percebido na análise das
notícias esportivas.
De fato, é bastante complicado pensar a estabilidade/instabilidade dos referentes,
já que a própria natureza da atividade de nomeação aproxima os nomes da realidade e
não se pode descartar esse aspecto. Entretanto, é importante perceber que as categorias
usadas para descrever o mundo são plurais e passíveis de mudança porque não se trata
de uma rotulação real e objetiva, mas de conceber que a relação entre a linguagem e o
mundo é construída pelos falantes, podendo ser modificada a todo instante. O cérebro
humano não opera somente de forma a refletir exemplarmente a realidade, isto é, o
modo como dizemos o real é reelaborado dentro de nossas mentes e essa reestruturação
ocorre no discurso, não de forma individual e isolada, mas obedecendo a condições
culturais, sociais, históricas e linguísticas, conforme apontam Koch e Marcuschi (1998).
Sobre o processamento das expressões referenciais, destacamos a contribuição
de Ariel (1996, 2001), sobre a acessibilidade dos referentes. A teoria de Ariel procura
abarcar as relações entre as expressões referenciais e o estatuto da memória, ou seja, a
preocupação se resume em tentar explicar como as expressões referenciais podem ser
lembradas e como são marcadas para facilitar a acessibilidade. Ariel fala de fatores que
fazem variar a acessibilidade de um referente em determinado espaço do discurso como:
(i) topicalidade - quanto mais saliente um referente, mais acessível ele se torna; (ii)
distância - temporal ou espacial - segue o princípio de que quanto maior a distância,
menos acessível o referente; (iii) competição - a quantidade de referentes faz parte da
relação informacional, ou seja, as entidades que não têm candidatos concorrentes são
mais facilmente acessadas.
A autora enfatiza o aspecto cognitivo das expressões referenciais. Para Ariel, os
falantes, ao empregarem determinadas expressões referenciais, sugerem sinalizações
sobre o grau de acessibilidade que atribuem a esses referentes. Assim, de acordo com a
45
autora, as expressões referenciais constituem apenas instruções ao destinatário de como
este deve recuperar da memória parte de uma determinada informação. Elas indicam
quão acessível está esse pedaço de informação no discurso. Além de exercerem essa
função de orientar o coenunciador, elas ainda contribuem para a identificação do
referente de outro modo: pelo próprio conteúdo informacional que comportam,
geralmente.
Como a instabilidade dos objetos é inerente aos processos de referenciação, é
natural que haja uma transformação desses objetos. Isto é, um objeto de discurso pode
ser renomeado e sofrer constantes alterações no ato enunciativo. Tal possibilidade opera
mudanças tanto nas formas linguísticas como nos processos cognitivos envolvidos na
construção/reconstrução desses referentes que pode apresentar significativas alterações.
Essa operação tem sido classificada pelos estudiosos em geral como um caso de
continuidade referencial, um subtipo das anáforas diretas, como será exposto mais
adiante. Essa possibilidade nos leva ao próximo assunto: a recategorização dos
referentes.
Segundo Koch (2005), as formas nominais, com função de categorização ou de
recategorização de referentes, são resultados de escolhas frente a uma diversidade de
formas de caracterizar o referente, de acordo com os sentidos pretendidos pelo produtor
do texto. Essas formas ativam conhecimentos partilhados, como informações culturais,
valores e crenças sobre características desses elementos, que podem levar o interlocutor
a reconstruir a imagem do objeto de discurso. Ainda de acordo com Koch (2005), a
recategorização dos referentes auxilia o receptor do texto na reconstrução de sentidos.
Observemos o exemplo de uma das notícias que compõem o corpus dessa pesquisa:
(L2) Vexame! Brasil sofre maior derrota da sua história e vê Alemanha chegar à final Seleção de Felipão perde por 7 a 1 para os germânicos e agora irá disputar o terceiro lugar do
torneio que sedia. Um capítulo que deixa até o drama de 50 mais apagado. (L2, anexo, p. 164)
A expressão sublinhada retoma o objeto de discurso Brasil, introduzido no título,
e acrescenta novas informações a esse objeto à medida que o texto progride. Além de
formar uma cadeia coesiva, traz para a situação discursiva outros sentidos,
complexificando o processo de interpretação, visto que outras significações são
acrescentadas ao texto. Essas transformações só são possíveis porque essas novas
46
categorias se formam durante a enunciação. Tal estratégia não é usada ocasionalmente,
mas de forma proposital para fornecer ao co-enunciador outras informações.
Como afirma Cavalcante (2011), “são situações de anáfora correferencial em
que o mesmo referente vai sendo alterado em proporções variadas”. Koch (2005)
também alerta que, para interpretação mais adequada dessas recategorizações, são
necessários conhecimentos prévios, pois a reativação dos referentes se manifesta
acrescida de novas significações. No exemplo acima, retirado da partida entre Brasil e
Alemanha, a recategorização do objeto de discurso Brasil é construída com base em
conhecimentos enciclopédicos, como a informação sobre o nome do treinador da
seleção brasileira, por exemplo.
A respeito dessa característica dos elementos recategorizadores, Koch (2005)
afirma que o emprego dessas expressões nominais anafóricas opera a recategorização
dos objetos de discurso, reconstruindo-os de acordo com intenções comunicativas do
interlocutor. Acreditamos, portanto, que a recategorização é um processo textual que
revela as transformações de um referente, o que pode acarretar mudança de significação,
indicando a orientação argumentativa do texto. Nesse sentido, Custódio Filho e Silva
(2013, p. 63), apontam que “a recategorização anafórica está intimamente ligada ao teor
argumentativo do texto. As expressões recategorizadoras podem explicitar o
posicionamento do locutor”.
O enunciador constrói a referência a partir de uma interpretação do mundo real.
Desse modo, o enunciador vai recategorizando a informação anterior ao acrescentar
novas informações compartilhadas culturalmente. Segundo Santos e Cavalcante (2012,
p.660),
Por esse aporte de informação nova, o enunciador conduz o destinatário
(que coparticipa dessa construção, sendo, por isso, um coenunciador) a
uma reinterpretação ou refocalização do elemento referido. Pelas
estratégias de recategorização, a imagem do referente que o
coenunciador constrói em sua memória vai evoluindo à medida que se
desenvolve o discurso.
Desse modo, confirmando o pressuposto básico de que a referenciação é uma
atividade complexa, é importante não associar o fenômeno da recategorização somente
a uma relação formal entre antecedente e anafórico. A construção da coerência também
pode se pautar em outras estruturas linguísticas – predicações, adjetivos, imagens, por
exemplo -, comprovando, de fato, como as articulações textuais apontam para o projeto
de dizer. Nas palavras de Cavalcante (2011, p.90),
47
[...] a recategorização é o fenômeno cognitivo-discursivo que
corresponde à evolução natural que todo referente sofre ao longo do
desenvolvimento do texto; ele se dá abstratamente, na mente dos
interlocutores, podendo ou não realizar-se no cotexto por meio de
termos anafóricos. Para essa evolução, concorrem não somente as
expressões referenciais que manifestam explicitamente as
transformações do objeto de discurso, mas também um conjunto de
pistas contextuais que, acionando informações sócio-historicamente
compartilhadas, ajudam os participantes da enunciação a (re)
construírem a referência.
Assim, toda essa articulação textual que envolve a evolução dos referentes pode
acontecer por meio de pistas contextuais que ativam o processo sociocognitivo que
acontece na mente dos interlocutores, valendo-se ou não de relações anafóricas. Nesse
sentido, Cavalcante (2011) postula que existam indícios no contexto que auxiliam na
construção da tessitura textual, fornecendo “trilhas” ou “âncoras” para a recuperação
dos referentes. Dentro desse mesmo entendimento, Cornish (2011) usa o termo
“antecedente trigger” (gatilho) para tratar dessa relação.
O entendimento adotado nesta Tese consiste na noção de que as âncoras textuais
são recursos que possibilitam a identificação da referência anafórica, seja em relações
remissivas, correferenciais ou não. Já as pistas textuais fazem parte de toda
materialidade textual que se articula dentro do texto, construindo, cognitivamente, os
sentidos, mas sem corresponder a uma expressão referencial, o que não quer dizer que
sejam menos importantes ou não auxiliem no entendimento de determinadas expressões
referenciais.
Cabe agora ressaltar que, para localizar informações na memória, o falante
utiliza estratégias por meio das quais é possível construir os objetos de discurso, mantê-
los ativados ou desfocalizados na plurilinearidade do texto. Por meio dessas estratégias,
os referentes instaurados no texto podem ser, em qualquer momento, expandidos ou
modificados. Desse modo, durante o processo de compreensão, a memória do
interlocutor vai criando uma representação complexa, que ocorre pela soma sucessiva
de categorizações, recategorizações e/ou novas avaliações sobre os referentes. Em um
texto, todas essas estratégias estão presentes, à medida que atuam instaurando novos
referentes, mantendo-os em foco ou até mesmo desativando esses referentes na
arquitetura textual, formando a memória discursiva dos interlocutores, permitindo que
novas informações sejam assimiladas sem causar estranhamento. São recursos que, ao
mesmo tempo, relacionam o léxico às operações cognitivas, confirmando o que afirma
Feltes (2007, p.89), sobre a (re)categorização, à luz dos modelos cognitivos, funcionar
48
como “uma relação entre o aparato cognitivo humano e o mundo de estímulos da
realidade”.
Por fim, esclarecemos que a manutenção dos objetos de discurso pode ser feita
através de recursos como emprego de pronomes, elipses, advérbios, além de estratégias
de ordem lexical, como repetição, sinônimos, expressões metafóricas, entre outras.
Entretanto, neste trabalho, nosso foco será maior nas estratégias lexicais de manutenção
dos referentes – que ocorrem em larga escala no corpus – uma vez que, de acordo com
Santos e Cavalcante (2014, p.229),
as escolhas das estratégias referenciais não são aleatórias. Sobre elas
incide a intencionalidade, o gênero discursivo em questão, o suporte
onde o texto circula, a sequência textual predominante, além de outros
aspectos não apenas linguísticos, mas condicionados pelo caráter
sociocognitivo da linguagem e dos textos.
O fato de as escolhas das estratégias de referenciação não acontecerem de modo
aleatório é de fundamental importância para esta pesquisa, já que as diferenças
verificadas nesses recursos nas notícias dos dois jornais têm estreita relação com o
suporte, a esfera de circulação e a intencionalidade dos textos.
Passaremos agora a tratar da classificação dos processos referenciais que tem
norteado os estudos sobre assunto.
3.1 Classificação dos processos de referenciação
Há diferentes tipos de processos referenciais que ajudam os participantes da
interação a construírem os sentidos e a coerência dos textos que recebem ou produzem.
Koch e Marcuschi (1998) apresentaram as noções de referência e o conceito de anáfora,
retomados por Cavalcante (2011) aponta para duas possibilidades dos processos
referenciais:
(i) a introdução referencial, equivalente à ativação de novos referentes e;
(ii) a anáfora ou continuidade referencial, equivalente à reativação, dentro da
perspectiva do que se considera como processos atrelados à menção no cotexto. As
anáforas podem apontar para trás (remissões retrospectivas), ou para frente (remissões
prospectivas).
49
Cavalcante, Custódio Filho e Brito (2014) apontam a introdução referencial, a
anáfora e a dêixis como as três categorias maiores de processos referenciais. Para os
autores, a introdução referencial acontece quando um referente é construído pela
primeira vez na mente do co-enunciador de um texto, sem ter sido manifestado,
textualmente, por meio de uma expressão referencial. A partir dessa introdução, todas as
demais expressões referenciais que guardarem alguma relação com tal referente podem
gerar diferentes processos de retomada anafórica.
Desse modo, os autores separam dois tipos de processo: as introduções e as
anáforas. As introduções são ocorrências novas, formalmente apresentadas no texto pela
primeira vez. Em contrapartida, as anáforas devem estar ancoradas em informações do
cotexto. Isto é, devem estar baseadas em algum elemento que possa servir de âncora
para as anáforas.
Sobre a questão da introdução de referentes, corroboramos com a proposta de
Colamarco (2014), para quem a introdução referencial não deve ser considerada um
processo oposto aos anafóricos e dêiticos por conta do critério de haver ou não uma
menção anterior no cotexto, já que os dois processos podem ser responsáveis por
introduzirem novos referentes. Soma-se a isso a possibilidade de as anáforas
prospectivas, por exemplo, anteciparem um referente para o discurso que só será
nominalizado adiante no texto. Colamarco, na análise de fábulas, mostra, inclusive,
como esses recursos desempenham efeitos de sentido articulados com o propósito
comunicativo do gênero, de modo semelhante ao que acontece nas notícias esportivas.
Assim, também adotamos a posição de Colamarco (2014), quando a autora
propõe uma divisão entre o que seria uma introdução do referente e a enunciação do
referente por acreditarmos que, mais do que uma simples questão de nomenclatura, tal
divisão esclarece esses conceitos, como explica Colamarco (2014, p. 71)
a introdução do referente pode coincidir ou não com a enunciação desse
referente no texto, isto é, com a primeira manifestação mais precisa e
significativa, no texto, do objeto de discurso. Compreendemos como
enunciação do referente sua primeira categorização no texto por meio
de uma expressão nominal. Ou seja, sempre que o referente é nomeado
pela primeira vez no texto por meio de um substantivo, seja ele comum
ou próprio, consideramos tratar-se da enunciação do referente
Desse modo, a enunciação do referente corresponde à formalização, no texto,
desse elemento por meio de uma expressão nominal. Em resumo, uma introdução
50
referencial ou uma anáfora podem trazer novos referentes para o discurso; entretanto, a
enunciação do referente só ocorrerá se esse objeto de discurso, de fato, for expresso no
texto por meio de uma expressão nominal. Além disso, podemos ter anáforas que
antecipam seus referentes dentro do texto (anáforas prospectivas) ou anáforas que
promovem retomadas de elementos que já foram introduzidos no discurso, de modo
correferencial ou não.
Santos e Cavalcante (2012), por exemplo, analisando o conto “Dizem que os
cães veem coisas’, mostram a possibilidade de não haver uma enunciação do referente
em um texto, isto é, o referente pode ser introduzido no discurso e o interlocutor pode
depreender esse objeto de discurso por meio de pistas textuais sem que seja necessária a
nomeação desse referente no texto. Essa escolha vai depender da intencionalidade do
texto, sendo mais interessante, portanto, trabalhar com as pistas do que com a nomeação
propriamente dita do referente, tendo em vista os efeitos de sentido pretendidos. Desse
modo, a separação entre enunciação e introdução dos referentes mostra-se bastante
pertinente, já que, por meio dela, é possível esclarecer que a introdução referencial não
é um processo de referenciação em si, mas uma função que perpassa os processos
referenciais.
A relação entre anáforas e seus referentes pode ser concretizada de diferentes
maneiras, no que diz respeito à presença ou não de correferencialidade, conforme será
exposto a seguir.
3.2 Anáforas diretas e indiretas
De acordo com Cavalcante (2011), uma das formas de garantir a progressão
textual é o uso de anáforas diretas, isto é, aquelas que representam uma relação de
correferencialidade com alguma expressão cotextual. A relação de correferência
acontece quando duas expressões designam o mesmo referente no discurso. Conforme
aponta Schwarz (2007, p.5) “a relação referencial entre a anáfora e o seu antecedente é
baseada na correferência e a ligação entre essas expressões corresponde à
correferência1”. Alguns autores tendem a analisar a anáfora direta em termos mais
estruturais e entendem a correferência como uma relação de equivalência, como
1 The referencial relationship between anaphor and antecedent is based in coreference, and the
link between the expressions denoting coreference (tradução nossa)
51
podemos ver em Perdicoyanni-Paléologou (2001, p. 57): “A anáfora contempla uma
relação estrutural (...) entre dois segmentos textuais, em que um é dependente do
outro”2.
A anáfora direta seria, portanto, o processo que constrói nos textos uma
retomada direta ou parcial de um mesmo objeto de discurso. Já a anáfora indireta não
pressupõe uma retomada do referente, ou seja, o elemento anafórico não
recupera/substitui um objeto de discurso, sendo necessário realizar inferências ativadas
por alguma âncora presente no cotexto. (cf. CAVALCANTE, 2011).
Desse modo, percebemos que a progressão referencial não se articula apenas por
meio de estratégias de correferencialidade, pois nem toda continuidade implica a
manutenção do mesmo referente. A continuidade anafórica também pode ocorrer pela
menção de expressões ligadas a âncoras linguísticas do cotexto, ou seja, uma referência
indireta que também é anafórica. Nesse caso, a progressão referencial ocorre por
associação e inferências articuladas pelos participantes da interação, configurando as
anáforas indiretas (não correferenciais). Segundo Koch (2002, p. 217), “trata-se de uma
estratégia endofórica de ativação de referentes novos e não de uma reativação de
referentes já conhecidos”. Porém, a introdução dos elementos novos é previsível,
recuperada pelo contexto, como podemos ver no exemplo abaixo:
(L4) Depois do bombardeio, Bélgica 2X1 Estados Unidos Anheuser – Busch, Duvel, Stella-Artois. Qual delas os belgas vão escolher para comemorar a
dramática vitória sobre os Estados Unidos? Ou tomarão todas?(...)
(L4, anexo, p. 170)
Os termos sublinhados – todos nomes de cervejas produzidas na Bélgica – não
correspondem, diretamente, ao nome Bélgica indicado no título do texto, mas se
relacionam a esse termo por meio de inferências e de conhecimentos culturalmente
compartilhados, o que torna possível sua interpretação. Esses nomes configuram-se,
portanto, como anáforas indiretas. Nesse texto, o sintagma nominal “os belgas”, em
negrito no exemplo, retoma diretamente o referente introduzido no título do texto, a
Bélgica, criando, assim, uma relação de correferencialidade – uma vez que se pode
estabelecer uma ligação concreta entre anáfora e antecedente – que não existe entre os
nomes da cerveja e o nome do país.
2 En résumé, l'anaphore est une relation structurelle, (...) entre deux segments textuels dont l'um
(anaphorisant) est dépendant de l'autre.
52
Nos trabalhos e estudos sobre esses tipo de anáforas, há estudiosos que propõem
uma subdivisão das anáforas indiretas, tendo em vista o tipo de relação inferencial que
se estabelece. Cavalcante (2011), por exemplo, cita autores que propõem uma divisão
das anáforas indiretas em diferentes subtipos (associativas, inferenciais, meronímicas,
etc). Entretanto, a autora, seguindo Marcuschi (2003) e Koch (2005), não as subdivide,
tendo em vista que toda anáfora indireta se constrói por meio de uma diversificada
associação de ideias, não sendo produtivo, portanto, subclassificá-las. Nesta Tese,
concordamos com esta posição, também defendida por Apótheloz e Reichler-Béguelin
(1999), por acreditarmos que subdividir esse tipo de anáfora seria apenas encontrar
diferentes maneiras de nomear o mesmo fenômeno.
Em relação à subdivisão entre anáforas diretas e indiretas, destacamos os estudos
de Ciulla e Silva (2008) e Cavalcante (2011), os quais mostram que essa subdivisão não
abrange satisfatoriamente a complexidade do uso dessas anáforas. As autoras chamam
atenção sobre a definição de anáfora correferencial, como aquela que remete a um único
antecedente no cotexto, apontando como tal definição pode ser questionada, se levarmos
em consideração que há diversas pistas disponíveis para a elaboração da referência. Em
outras palavras, as autoras demonstram o comportamento semelhante entre esses dois
subtipos de anáforas, pois, em ambos os casos, há o apelo à memória discursiva e os
procedimentos de recuperação dos referentes podem englobar pistas no cotexto. De
modo mais específico, as autoras provam que, mesmo no caso das chamadas anáforas
diretas, pode não haver um antecedente expresso recuperado através de substituição de
termos, mas um referente reformulado através de informações inferenciais, assim como
ocorre nos casos tratados como anáforas indiretas. Ciulla e Silva (2008, p.52), afirma
que “nos dois casos [anáforas diretas e indiretas], o comportamento pode ser o de
amálgama cognitivo, tanto chamadas diretas como indiretas podem ser núcleos a partir
dos quais diversas referências podem ser feitas”. Observemos o exemplo abaixo:
(G2) O sonho do hexacampeonato se transformou na dor de uma derrota humilhante em apenas
seis minutos. Na maior vergonha brasileira na história das Copas, o Brasil foi atropelado pela
Alemanha no Mineirão: 7 a 1. A seleção treinada por Joachim Löw dominou a partida e deixou
evidente a sua superioridade entre os 23 e os 29 minutos do primeiro tempo, quando os quatro
gols marcados transformaram o tímido 1 a 0 no estridente placar de 5 a 0. No segundo tempo,
Schürlle marcou duas vezes e ampliou o vexame (...).
(G2, anexo, p. 166)
53
A expressão sublinhada retoma o objeto de discurso “Alemanha”, ativando
conhecimentos diversos para sua interpretação, como o nome do técnico da seleção
alemã, e pistas textuais, como a informação de que tal seleção dominou a partida, por
exemplo. Desse modo, concordamos com a posição de Ciulla e Silva (2008), para quem
todo processo anafórico implica inferência e outros processos cognitivos realizados a
partir de diferentes graus de inferência e com diversas pistas concorrentes para
interpretação dos elementos referenciais. Em Morais (2012), na análise das notícias
esportivas do jornal Lance, foi demonstrado como as anáforas diretas recategorizadoras,
mesmo mantendo uma relação de correferência, exigiam, para sua interpretação, uma
série de conhecimentos compartilhados culturalmente, como podemos ver abaixo, em
uma notícia esportiva que narra a partida entre Flamengo e Olaria pelo Campeonato
Carioca, retirado de Morais (2012, p. 96):
(...)Thiago Neves e Ronaldinho começaram o segundo tempo com nota 10 no quesito harmonia.
O capitão recebeu do camisa 7 na cara do gol e fez 2 a 1, com categoria. Vanderlei Luxemburgo
mexeu na ala dos estrangeiros e trocou Botinelli por Fierro. Aos 25 minutos, o chileno recebeu
bom passe de Leonardo Moura e seu cruzamento encontrou Thiago Neves, que marcou por
cobertura.(...)”
(NÚCLEO DE FUTEBOL. Vitória libera o bonde pra curtir a folia. Jornal Marca. Rio
de Janeiro, 6 de mar. 2011. p.2)
As anáforas diretas sublinhadas não são interpretadas apenas pela presença de fontes
no texto, mas a partir dessas fontes, uma vez que, para saber quem é o capitão e quem é o
camisa 7, o leitor deve compartilhar dessas informações, sabendo que Ronaldinho utilizava
a braçadeira de capitão em campo e o meia Thiago Neves jogava com a camisa de número
7. A construção da referência não acontece somente por meio de uma relação de
equivalência entre termo anafórico e objeto de discurso, mas, em paralelo com o que
acontece com as anáforas indiretas, essa construção ocorre por meio de uma complexa
rede de inferências.
Como dissemos, os objetos de discurso podem sofrer transformações e
recategorizações ao longo do discurso, tendo por base processos inferenciais e o apelo à
memória cognitiva compartilhada pelos interlocutores. As anáforas, de qualquer
subtipo, promovem essa reformulação dos objetos de discurso, envolvendo tais
mecanismos inferenciais e o uso da memória sociocognitiva em diferentes graus, ou
seja, determinadas construções anafóricas podem apelar mais ou menos para a memória
compartilhada.
54
Em Samaniego (2011), também encontramos considerações sobre o processo
anafórico, descrito sob a forma de uma relação assimétrica, isto é, a autora reconhece o
caráter relacional da anáfora e focaliza o aspecto discursivo desse recurso e não uma
ligação linear de substituição ou de igualdade entre os termos. A autora afirma que a
retomada dos objetos de discursos pelos antecedentes não deve ser tratada como uma
equação no discurso, pois uma anáfora, que envolve uma representação mental de um
referente, não está em relação de igualdade com seu antecedente textual. O ato da
retomada não configura uma relação de igualdade entre esses termos, uma vez que esses
elementos não podem ser mais textualmente equiparados. A relação de sentido que se
estabelece entre uma anáfora e um antecedente só faz sentido naquele contexto
sociocomunicativo situado, o que demonstra como a anáfora é um processo situado
discursivamente, sendo uma construção complexa que depende do acesso a diversas
bases do conhecimento para checagem de sentido. Nas notícias esportivas, muitas
anáforas só ganham significado naquele contexto discursivo, anáforas que envolvem,
por exemplo, posição do jogador ou a sua identificação com determinado clube são
muito instáveis, visto que o mundo do futebol é muito dinâmico. Desde 2015, por
exemplo, não se pode mais fazer referência ao jogador Fred como atacante do
Fluminense, já que ele, apesar de ídolo da torcida tricolor, não joga mais pelo clube.
As notícias esportivas, nesse sentido, constituem um gênero textual muito
produtivo para o estudo das anáforas, principalmente as diretas, não só pela grande
quantidade desse recurso nos textos, mas também pela possibilidade de avaliar a
instabilidade/estabilidade dos referentes na construção dos textos. Ao mesmo tempo em
que algumas referências são bastante estáveis – como apelido de jogadores, cores dos
clubes, por exemplo – outras são bastante instáveis, o que permite verificar a
negociação entre os interlocutores para a construção da referência e, em termos teóricos,
possibilita o entendimento de que as anáforas – sejam correferentes ou não – podem
depender mais ou menos de inferências.
Esse apelo às inferências e ao conhecimento compartilhado é definido pelos
propósitos e intencionalidades dos gêneros em que surgem. Portanto, reconhecer a
existência de uma relação de correferência não implica, necessariamente, um processo
mais simples de retomada pontual ou menos dependente do contexto sociocognitivo do
que um processo em que não haja correferência. Como processo dinâmico,
sociocognitivo e negociado pelos sujeitos – pressuposto básico sobre a referenciação –
seus processos anafóricos se cruzam e se misturam, não sendo interessante pensar em
55
categorias estanques, mas pensar cada vez mais em processos que se integram e se
adaptam às necessidades comunicativas dos textos/discursos.
3.3. Os encapsuladores
O encapsulador é processo referencial que merece destaque. Esse processo de
referenciação pode ser definido como “um recurso coesivo pelo qual um sintagma
nominal funciona como síntese de uma porção do cotexto que pode possuir extensão
variada”, conforme descreve Conte (2003, p. 178).
Esse tipo de anáfora, além de apresentar um importante papel coesivo e
organizar os tópicos dentro do discurso, pode, a partir de informações já mencionadas
no texto, implementar um objeto quase novo para discurso, remetendo a informações
não explicitadas no cotexto, como pressupostos, subentendidos e outros conteúdos
presentes na memória discursiva dos participantes da interação. Desse modo, uma de
suas principais propriedades reside no fato de que seu referente não é claramente
delimitado no texto. Esse referente deve ser reconstruído pelo interlocutor, ou seja, a
anáfora encapsuladora não retoma, pontualmente, nenhum objeto de discurso, e sim se
vincula a informações contidas em porções de texto presentes no cotexto, como
podemos ver no exemplo (L5):
(L5) (...)Nenhum dos dois times foi melhor na Arena Corinthians e qualquer bola poderia
decidir o futuro dessas duas gigantes. Robben, lembrando a final de 2010 diante da Espanha,
teve essa bola aos 45 minutos do segundo tempo. Foi travado por Mascherano, um monstro. O astro holandês jogou pro alto a chance de fazer história. E permitiu aos argentinos
escrevê-la.(...) (L5, anexo, p. 173).
O encapsulamento (“a chance de fazer história”) ajuda a construir uma
expectativa no leitor sobre as jogadas e contribui para conferir emoção ao texto
esportivo, como é característica desse gênero. Esse encapsulamento, além de remeter ao
conteúdo anterior, retomando que o gol no final do jogo garantiria a vaga na semifinal,
faz referência também a conhecimentos cognitivos sobre a seleção holandesa que,
embora seja considerada uma grande seleção, nunca ganhou uma Copa do Mundo. Esse
tipo de elaboração referencial pode atribuir uma hierarquia nos argumentos listados em
um texto e até mesmo funcionar como um elemento de avaliação por parte do autor,
56
pois, ao sumarizar uma parte do texto, ele pode destacar ou enfatizar alguma parte desse
conteúdo, como atesta Koch (2005). No caso acima, a expressão “a chance de fazer
história” ressalta a relevância desse lance dentro do jogo, pois poderia significar a
vitória e, mais ainda, a importância dessa possível vitória para a história da seleção
holandesa.
Esse tipo de processo referencial, por sua capacidade de retomar um referente
não expresso, mas difundido no contexto, expresso de modo esparso, pode apresentar
um alto teor argumentativo. Isso ocorre porque, no ato da nomeação, podem ser
empregados rótulos com grande carga avaliativa. Dessa forma, a anáfora encapsuladora
pode exercer uma função argumentativa decisiva para uma tomada de ponto de vista do
texto, estabelecendo uma nova cadeia referencial a partir desse momento.
Pecorari (2014, p. 22) chama atenção para a propriedade dos encapsuladores de
carregar valores pressupostos que podem tanto trazer para os textos julgamentos como
também podem corroborar para enfatizar valores sociais da esfera do senso comum.
Segundo o autor, que analisou notícias de jornais italianos, os encapsuladores podem
cumprir o papel, dentro da linguagem do jornal, de compartilhar ideias que fazem parte
do senso comum de determinada comunidade:
o uso de um encapsulador axiologicamente marcado não implica
necessariamente que os efeitos persuasivos estão em jogo. Pelo
contrário, um dos casos mais comuns de AE avaliativa em linguagem
jornalística dizem respeito a eventos cuja avaliação é perfeitamente
simples e compartilhada entre escritor e leitor.3
O autor mostra que o encapsulador tem um efeito persuasivo sobre o leitor que,
por estar em uma posição cooperativa, acaba sendo levado a aceitar o caminho
argumentativo proposto pelo encapsulador. Por outro lado, o autor também aponta que,
em alguns encapsulamentos, mesmo aqueles com nomes avaliativos, nem sempre
carregam valores persuasivos, podendo confirmar avaliações e julgamentos
compartilhados entre os interlocutores e, muitas vezes, as notícias se valem desse
recurso para veicular uma aparente neutralidade.
3The use of an axiologically marked encapsulator does not imply necessarily that persuasive
effects are at stake. On the contrary, one of the most common cases of evaluative AE in
journalistic language concerns events whose evaluation is perfectly plain and shared between
writer and reader. (tradução nossa)
57
Há exemplos em que um encapsulador pode retomar encerrando determinado
ponto de vista que foi difundido ao longo de, concluindo, assim, o projeto de dizer do
texto. Desse modo, esse recurso pode apresentar um valor argumentativo maior – ou de
maior alcance – do que uma anáfora recategorizadora, por exemplo. O levantamento
dessas características e propriedades demonstra que as anáforas encapsuladoras se
comportam de maneira híbrida. Cabe destacar, sobre o estatuto dessas anáforas dentro
da teoria, as palavras de Cavalcante (2011, p. 73):
A diferença crucial entre estes encapsuladores e os anafóricos indiretos
propriamente ditos, (...) é que resumem, “encapsulam”, conteúdos
proposicionais inteiros, precedentes e/ou consequentes. Além disso, os
encapsuladores não remeteriam a âncoras bem pontuais, bem
específicas, do cotexto, mas a informações ali dispersas.
Percebemos, então, que, para Cavalcante (2011), as anáforas encapsuladoras
funcionam como um subtipo dos anafóricos indiretos, já que não é possível delimitar
uma noção clara de correferência entre o elemento anafórico e as partes do cotexto por
ele resumidas. Entretanto, há autores com outro entendimento sobre o estatuto dessas
anáforas. Segundo Borreguero (2006, p.77), as anáforas encapsuladoras apresentam um
correferente no texto, não apresentando um novo referente no discurso:
o sintagma nominal não introduz, estritamente falando, nenhum
referente novo no texto e, portanto, deve ser considerado um elemento
informativamente dado (...) como veremos, não é, em geral, um
elemento informativamente neutro. O núcleo do sintagma bem como os
modificadores que o acompanham possuem uma intenção comunicativa
muito precisa.4
Para a autora, as anáforas encapsuladoras são anáforas diretas, pois, ainda que
não se possa indicar um único item como antecedente, é possível recuperá-lo dentro do
texto. De acordo com a autora, os encapsuladores não fazem referência a um único
elemento linguístico, mas a uma parte do texto que pode conter uma oração ou até
mesmo um parágrafo.
4 El sintagma nominal no introduce, estrictamente hablando, ningún referente nuevo en el texto
y, por tanto, debe considerarse un elemento informativamente dado; sin embargo, como
veremos a continuación, no es por lo general un elemento informativamente neutro: en general,
bien el núcleo del sintagma, bien los modificadores que lo acompañan responden a una precisa
intención comunicativa. (tradução nossa)
58
Conte (2003) já afirmava que as anáforas encapsuladoras misturam
características das anáforas diretas e indiretas. Santos e Cavalcante (2014) também
afirmam que tais anáforas parecem comportar-se como um item intermediário entre
anáforas diretas e indiretas, uma vez que, ainda que se apoiem em informações dadas,
podem introduzir um novo referente. No que se refere à relação de correferencialidade,
entretanto, é possível notar um grau de correferencialidade entre a parte do texto
sintetizada e o encapsulador, o que o aproximaria de uma anáfora direta. Nesse sentido,
para Borreguero (2006), prevalecerá a questão da correferencialidade e o encapsulador
será definido como uma anáfora direta. Para a autora, há uma relação anafórica entre o
sintagma e os elementos textuais antecedentes, que contribuem para homologar a
significação dos objetos de discurso, como se fosse uma continuidade de um discurso já
existente. Entretanto, não são discutidos exemplos em que o encapsulador seja
prospectivo.
Cavalcante, Custódio Filho e Brito (2014) também compartilham dessa
abordagem sobre os encapsuladores. Os autores argumentam que o referente fica
representado na mente dos interlocutores e isso é um indício de que esse processo pode
ser tratado como um subtipo de anáfora correferencial, ainda que seja um pouco fora do
padrão de uma anáfora direta. Cavalcante, Custódio Filho e Brito (2014, p.80) ainda
defendem que, se entendemos o referente como uma entidade representada
sociocognitivamente e abstraída do contexto de enunciação, é plausível admitir que, ao
ser nomeado, o referente já existia no texto, nas palavras dos autores:
(...) mesmo sem ser citado antes da expressão encapsuladora, o referente
fica representado na mente dos interlocutores, e é esta a razão pela qual
preferimos tratá-lo como um subtipo de anáfora correferencial, ainda
que diferente ou fora dos padrões.
Para os autores, a questão da retomada a um referente já introduzido no discurso
e presente na mente dos interlocutores leva à correferencialidade, que se sobrepõe às
demais características do encapsulador, sendo o fator preponderante para a classificação
desse processo.
No exemplo (L5), “a chance de fazer história” é um encapsulador que, para
construção dos sentidos e para compreender a relevância dessa informação para o texto,
depende de conhecimentos compartilhados que não podem ser depreendidos do cotexto.
Nesse exemplo, poderíamos até estabelecer uma correferencialidade entre o
encapsulador e o que seria a porção de texto que o precede; porém, essa relação não
59
seria suficiente para abarcar os sentidos que emergem dessa expressão referencial. Além
disso, esse encapsulamento instaura um novo referente no texto que, inclusive, é
retomado mais adiante por uma anáfora direta pronominal, como pode ser visto no
excerto: “O astro holandês jogou pro alto a chance de fazer história. E permitiu aos
argentinos escrevê-la.”
Essas nuances no comportamento do encapsulador nos levam a corroborar o que
apontam Santos e Cavalcante (2014) para quem as anáforas encapsuladoras devem ser
entendidas em um continuum entre as anáforas diretas e indiretas, como tentamos
representar no esquema abaixo:
(Fig.2 Relação entre os processos anafóricos e a correferencialidade)
Desse modo, como alguns encapsuladores apresentam correferencialidade de
maneira mais clara, ao passo que outros demonstram um comportamento mais
prototípico de uma anáfora indireta, assumimos que não estamos diante de fenômenos
isolados, mas que se cruzam e se misturam, tendo em vista uma perspectiva
sociocognitiva e interacional.
3.4 A dêixis dentro de uma perspectiva sociointeracional
Tradicionalmente, os estudos sobre a dêixis, em comparação com as anáforas,
trazem a ideia de que esse fenômeno daria conta de processos coesivos “fora do texto”,
enquanto as anáforas seriam os processos que ocorrem “dentro do texto”. Segundo
Lyons (1977), a dêixis era estudada tendo em vista as relações que envolvem pessoa,
lugar e tempo com base na perspectiva do falante. Convém ressaltar que, nesse
momento das pesquisas, a noção de texto ainda correspondia à visão de texto como um
“produto”, que continha em si todas as informações necessárias para sua interpretação.
Desse modo, os processos coesivos podiam ser claramente separados em dentro e fora
do texto.
60
Segundo Buhler (1982), a marcação do campo dêitico sustenta-se em um sistema
de orientação subjetiva em que algumas expressões se referem a um campo dêitico na
linguagem. Esse campo dêitico contém marcações referentes ao lugar, ao espaço e ao
tempo – uso de pronomes demonstrativos, advérbios, por exemplo – delimitados pela
perspectiva do falante, a origo. Os estudos desse autor caracterizam a dêixis como um
fenômeno linguístico, demonstrando o papel central desse fenômeno na linguagem
verbal. O autor atribui à dêixis a um campo mostrativo da linguagem em que o falante
seria o eixo norteador desse campo. Nessa concepção, está presente a noção de
enunciação como entorno comunicativo, inspirada em Benveniste (1988).
Fillmore (1984, p.61) define a dêixis tendo em vista o contexto da enunciação,
mostrando que a interpretação dos eixos dêiticos está atrelada ao momento da
enunciação:
Dêixis é o nome dado a propriedades formais de enunciados que são
determinadas por certos aspectos do ato de comunicação em que as declarações em questão podem desempenhar um papel e que são
interpretadas pelo conhecimento. Essas declarações incluem (1) a
identidade dos interlocutores em uma situação de comunicação,
denominada pelo termo dêixis de pessoa; (2) o lugar ou lugares em que
esses indivíduos estão localizados, para o qual temos o tempo dêixis de
lugar; (3) o tempo em que o ato de comunicação toma lugar(...).
As marcas dêiticas funcionariam, então, como um sistema de coordenadas para
auxiliar a situar a perspectiva do falante no momento da enunciação. Tais marcas são
gatilhos que acionam um sistema de orientação que permite aos participantes do ato de
comunicação interrelacionar referências dêiticas de pessoa, tempo e espaço, criado
dentro do próprio enunciado. Um determinado elemento só pode ser considerado dêitico
se for possível tomar como ponto de origem quem é o falante e onde ele se localiza no
tempo/espaço de sua fala no contexto. Um enunciado como “eu preciso que você vá a
minha casa agora”, por exemplo, exige, para sua compreensão, que o coenunciador
conheça a informação sobre quem é o falante e sua localização no espaço e no tempo,
assim, os pronomes e o advérbio presentes podem ser considerados expressões dêiticas.
Desse modo, diferentemente do que acontece com os processos anafóricos, os dêiticos
podem ser definidos por sua capacidade de criar uma relação entre o cotexto e a
situação comunicativa em que se encontram os participantes da enunciação. Conforme
observado por Lahud (1979, p. 67), “o conhecimento das circunstâncias que
acompanham as palavras torna-se uma condição necessária para exata compreensão do
pensamento expresso por um enunciado que contém dêiticos”.
61
Para Fiorin (1996, p. 56), os dêiticos são interpretados com referência à situação
enunciativa, pressuposta ou explicitada no texto pelo narrador; já os elementos
anafóricos “são compreendidos em função de marcas temporais e espaciais instaladas
no enunciado e de actantes do enunciado anteriormente mencionados”. Essas definições
de dêixis convergem para o fato de que se trata de um fenômeno que só ocorre na
enunciação e diz respeito ao funcionamento da língua no momento da enunciação.
3.4.1 A dêixis temporal e espacial
Os dêiticos temporais e espaciais são também indicadores de ostensão (cf.
CAVALCANTE, CUSTODIO FILHO e BRITO, 2014), porque apontam para um lugar
e fixam uma fronteira de tempo e no espaço que toma por referência o posicionamento
do “eu” no momento da enunciação.
Uma expressão temporal não vai constituir um exemplo de dêixis temporal se
não tomar como referência o momento em que se encontra o locutor. De modo
semelhante, os dêiticos espaciais marcam as noções de proximidade/distância do locutor
em relação a um dado referente. Tais mecanismos apontam para um lugar situado e
relacionado com quem produz o enunciado. Do mesmo modo que ocorre na dêixis
temporal, nem todas as expressões que denotam lugar serão necessariamente dêiticos de
espaço. Assim, só será considerada dêitica a expressão que, para identificar o referente,
necessite do falante como ponto de origem.
Santos e Cavalcante (2014, p.231) apresentam um exemplo em que ocorrem as
categorias de tempo e espaço, porém, a relação com o centro dêitico não parece ser a
mesma nos dois casos: “Nossa acredita, até hoje eu não consigo mais ficar aqui no
orkut, fiquei muito mal mesmo por terem excluído meu perfil... eu tinha muitas coisas
escritas [...]”. Nesse exemplo, a expressão até hoje (e também o pronome “eu’) está
diretamente ligada ao sujeito enunciador, pois, sem esse conhecimento, não podemos
precisar o limite temporal estabelecido. No entanto, o advérbio “aqui” pode ser
relacionado à expressão “no Orkut”, tomado como um lugar, dependendo menos,
portanto, do enunciador para sua interpretação.
3.4.2 A dêixis pessoal (e social)
62
Ao pensar na dêixis pessoal, logo lembramos dos pronomes pessoais, que
representam uma categoria prototípica da dêixis de pessoa. Os pronomes “eu/tu/você”
estariam relacionados à noção de pessoa, e pronomes de terceira pessoa estariam ligados
a um uso anafórico, ou seja, a não-pessoa, delimitando, portanto, uma categoria de
pronomes dêiticos e outra de pronomes anafóricos.
Estudos que mostram o valor dêitico dos pronomes são recorrentes; no entanto,
poucos trabalhos chamam atenção para a dimensão discursiva e, por vezes, ideológica
do emprego do dêixis pessoal. De acordo com Maalej (2013, p.639), em seu estudo
sobre o uso dos pronomes Eu/Nós/Vocês em discursos de Osni Mubarak, ainda
enquanto ocupava a presidência do Egito, os dêiticos de pessoa devem ser analisados
conforme suas dimensões discursivas e ideológicas, pois, além do uso discursivo, os
pronomes têm demonstrado “uma importante dimensão ideológica”:
Enquanto o usuário do "eu" está ancorado no discurso como
egocêntrico e egocêntrico, "nós" constrói duas relações sociais
diferentes. Pennycook (1994: 175) argumenta que "nós" é sempre
simultaneamente inclusivo e exclusivo, um pronome de solidariedade e
de rejeição, de inclusão e exclusão. Por um lado, define um "nós" e, por
outro, define um "você" ou um "eles5
Desse modo, os pronomes pessoais, além de anunciar o enunciador, podem
funcionar como uma forma de construir o outro. Portanto, o “eu”/“você”, nós/”eles”
devem sempre ser entendidos com referência a outros pressupostos sobre quem está
sendo definido como o "nós" do qual o "você" e o "eles" diferem.
Cabral e Santos (2016), abordando as estratégias argumentativas presentes na
carta testamento de Getúlio Vargas, também demonstram como se constitui a imagem
do “eu”, numa relação intersubjetiva com “o povo”, a quem se dirige, e marcando o
confronto com seus opositores, de quem se distancia. As autoras mostram que, na carta
testamento, os dêiticos de pessoa também parecem demonstrar muito mais que os
participantes do jogo discursivo, denotando jogos de força, que marcam a disputa pelo
poder. Esses recursos marcam o posicionamento do autor da carta diante dos demais
5While the user of “I” is anchored in discourse as egocentric and self-centered, “WE” constructs
two different social relations. Pennycook (1994: 175) argues that “‘we’ is always
simultaneously inclusive and exclusive, a pronoun of solidarity and of rejection, of inclusion
and exclusion. On the one hand it defines a ‘we’, and on the other it defines a ‘you’ or a
‘they.’(tradução nossa)
63
interlocutores – ora incluindo-os ora excluindo-os – e se projetando como um mártir da
pátria. Cabral e Santos concluem que os mecanismos dêiticos de pessoa constituem
marcas de subjetividade e podem apresentar um caráter persuasivo, contribuindo, assim,
para a argumentatividade do texto.
De acordo com Fillmore (1984), os dêiticos sociais são uma espécie de
particularização dos pessoais e se diferenciam destes por revelarem relacionamentos
sociais que perpassam os participantes da conversação, e podem definir escolha de
formas íntimas ou polidas para tratamento, como o uso das formas “você” ou “senhor”,
por exemplo, em que é perceptível uma diferença de tratamento social.
Assim, a dêixis social consiste no emprego de formas que representam relações
sociais estabelecidos no ato da conversação. São expressões que têm em vista contextos
de maior ou menor formalidade, polidez e até mesmo intimidade, bem como propósitos
comunicativos do contexto de comunicação. Alguns exemplos desses casos de dêixis
podem ser observados no emprego dos pronomes de tratamento, como no francês
“tu/vous”, ou em português no emprego das formas “senhor/você” em que a escolha de
determinada forma acarreta maior ou menor intimidade entre os interlocutores.
Alguns linguistas como Fonseca (1992), assim como Santos e Cavalcante
(2014), entretanto, acreditam que a dêixis social deve ser entendida como um subtipo da
dêixis de pessoa, posição com a qual concordamos, pois a autora mostra que o uso de
tais formas pessoais está atrelado aos propósitos comunicativos da situação enunciativa
em questão. Desse modo, a autora privilegia o papel discursivo que a escolha dessas
formas traz para os textos.
3.4.3 A dêixis “impura”: memorial e textual
Além dos casos tradicionais de dêixis, a “dêixis pura” (LYONS, 1977), há
também outros casos de dêixis, como a dêixis social, a dêixis de memória e a dêixis
textual. De acordo com Lyons, esses outros casos seriam casos de dêixis “impura”, já
que estariam fora das relações tradicionalmente reconhecidas como dêiticas.
Apothéloz (1995) chama de dêitico de memória um tipo de dêixis que tem por
objetivo fornecer indícios ao coenunciador de que ele deve buscar o objeto aludido em
conhecimentos que os participantes da comunicação compartilham. Assim, a dêixis de
memória, de acordo com Cavalcante, Custódio Filho, Brito (2014), convoca o leitor a
64
procurar na memória discursiva que o texto recria um objeto de discurso que é evidente
para o enunciador como se já tivesse sido mencionado no contexto.
Os autores afirmam ainda que a presença de demonstrativos é fundamental nesse
processo, analisando um exemplo retirado da rede social Facebook: “E aquela hora que
vc pensa em comer algo e descobre: só terá comida se vc fizer...ahaaahaaaaa...” (cf.
CAVALCANTE, CUSTÓDIO FILHO, BRITO, 2014, p, 96). A expressão sublinhada
convida o leitor a investigar o momento apontado no texto, levando o destinatário a ter a
impressão de que essa informação é perfeitamente acessível na memória discursiva.
Já a dêixis textual, de acordo com Cavalcante (2011), consiste nas orientações
presentes dentro do cotexto que indicam/apontam para posições dentro do texto, tendo
como origem a enunciação e a organização das palavras. Expressões como “as palavras
acima” ou “no capítulo anterior”, por exemplo, desempenham uma função de
organizadores textuais. Nesses casos, o procedimento dêitico seria o de fazer o leitor
focalizar o espaço dêitico que seria o texto.
Em relação à definição de dêixis textual, vale salientar que Marcuschi (2003), e
Cavalcante (2011) retomam Fillmore (1984) e Ehlich (1982). Fillmore afirma que esse
tipo de dêixis se refere a uma porção do discurso em andamento; já Ehlich destaca o
fato de a dêixis orientar o foco de observação e atenção do leitor, mesmo apontando
para algo não pontualmente identificável.
Sobre a dêixis textual, Santos e Cavalcante (2014, p.232) comentam alguns
exemplos, listados abaixo em a, b e c, questionando o fato de, tradicionalmente, serem
classificados como dêixis textual:
(a) X says) - I've never ever seen him. (Y answers) - That's a lie. (X diz - Eu nunca o tinha visto
antes / e Y responde - Isso é uma mentira.)
(b) Além de não fazer mal algum, muitos insetos podem ser tão nutritivos – e saborosos –
quanto vários outros bichos que colocamos no prato todos os dias. “O nojo que nós, ocidentais
urbanos, temos por esses seres é puramente cultural”, diz Bill Yosses, chef do badalado
restaurante nova-iorquino Citarella.
(c) Os desenhos que ilustram esta reportagem fazem parte do conjunto de 31 imagens
selecionadas por Graça Pizá para ilustrar o que batizou de "vocabulário ilustrado dos afetos
emparedados" – uma síntese dos sentimentos mais frequentemente expostos por seus pequenos
clientes.
Para as autoras, apenas (c) pode ser considerado dêixis textual, já os outros
exemplos (a e b) são, respectivamente, anáfora encapsuladora e anáfora direta. Esse
entrelaçamento entre dêiticos textuais e anáforas encapsuladoras acontece também por
65
haver uma tendência nos estudos mais tradicionais a restringir o estudo da dêixis ao
estudo do uso dos demonstrativos ou, pelo menos, a valorizar a presença desse
demonstrativo como um indicador de coordenada dêitica, o que fez com que casos como
o do exemplo (a) fossem colocados no rol da dêixis textual e não do encapsulamento
anafórico. Outro fator que dificulta a classificação é que os encapsuladores e a dêixis
textual sumarizam um elemento dentro do próprio texto e a informação referida por
esses dêiticos nem sempre está expressa de maneira pontual, mas diluída no discurso,
assim como pode acontecer no encapsulamento anafórico.
Cornish (2011), ao analisar o pronome “celui-ci”, do francês, fala em um
pronome de uso “anafórico-dêitico”, que seria usado para focalizar um tópico e para
chamar a atenção do destinatário para objetos de discurso que se encontram salientes no
discurso. No exemplo abaixo (L5), há o emprego do pronome demonstrativo, que,
conforme apontado por Cornish, parece reforçar ou destacar a informação em questão.
(L5) (...)Nenhum dos dois times foi melhor na Arena Corinthians e qualquer bola poderia
decidir o futuro dessas duas gigantes. Robben, lembrando a final de 2010 diante da Espanha,
teve essa bola aos 45 minutos do segundo tempo. Foi travado por Mascherano, um monstro. (L5, anexo, p. 173)
O sintagma sublinhado acima, para autores como Lyons e Elich, por exemplo,
seria classificado como uma dêixis textual. No entanto, parece mais um caso de anáfora
direta; o que pode dificultar a classificação é o uso do pronome demonstrativo, que
focaliza e especifica a informação de que bola seria essa: uma bola que representou uma
jogada que poderia definir a partida.
Álvarez e Di Pierro (2016), em seu estudo sobre dêiticos discursivos,
demonstram a importância dos demonstrativos na construção do discurso,
principalmente do discurso oral. Ainda que não seja o foco dos autores problematizar a
classificação dessas expressões, a contribuição de seu trabalho está em mostrar como
essas formas orientam e organizam o discurso, contribuindo para a organização textual e
discursiva. Podemos verificar que, apesar de diferentes classificações sobre o fenômeno,
a peculiaridade do demonstrativo é tópico frequente nos trabalhos citados.
Cavalcante, Custódio Filho e Brito (2014), ao tratarem de exemplos de dêixis
textual, discorrem sobre alguns casos em que se tratam de anáforas diretas, por
retomarem pontualmente um referente introduzido anteriormente, afirmando que,
mesmo nesses casos, também pode-se dizer que há dêixis textual pela característica
66
metadiscursiva de chamar a atenção do interlocutor para lugares do cotexto, em usos
como o citado anteriormente em (L5). Para os autores, portanto, os processos podem se
sobrepor.
Retomando a diferenciação entre anáfora e dêixis, Santos e Cavalcante (2014),
postulam que a característica peculiar às anáforas, que permite sua distinção em relação
à dêixis propriamente dita, é justamente o fato de elas virem sempre associadas a uma
âncora do cotexto que lhe serve de gatilho, permitindo, ainda, o encadeamento e a
continuidade da referência. Ainda segundo as autoras, os casos de "dêixis impura", ou
seja, a dêixis de memória, social e a textual, devem ser considerados como casos
híbridos entre anáfora e dêixis, não devendo ser enquadrados em uma única categoria
apenas, o que nos parece bastante coerente em termos de uma teoria mais simplificada.
De toda forma, objetivamos aqui trabalhar com uma concepção sociodiscursiva
da dêixis, em que tal fenômeno seja definido como um processo que requer o
conhecimento de algumas coordenadas relacionadas ao contexto espaço-temporal, aos
interlocutores e também aos conhecimentos compartilhados sociocognitivamente. Dessa
forma, a relevância dos estudos deve recair sobre os sentidos e as diferenças que esses
usos anafórico/dêiticos acarretam nos textos.
Há alguns motivos importantes para investigar as relações entre anáfora e dêixis,
principalmente, o fato de que muitos termos podem ter, ao mesmo tempo, um uso
anafórico e um uso dêitico. Segundo Reichler-Béguelin (1988), a principal diferença
entre esses dois processos referenciais se concentra em como a memória discursiva é
alimentada, e não como a informação é recuperada: referência dêitica e referência
anafórica serão descritas como um lembrete das informações contidas no conhecimento
compartilhado, nas representações mentais de parceiros da interlocução. A diferença
está no nível do modo de validação dessas informações: na anáfora ou referência
contextual, a informação é validada porque é um objeto de discurso no texto; na dêixis,
ele é validado porque é o objeto de uma percepção concomitante à enunciação. No
entanto, é importante retomar que, nesta Tese, entendemos que todos os processos de
referenciação dependem em maior ou menor grau de conhecimentos compartilhados.
Como vimos anteriormente, alguns casos de dêixis textual comportam-se de
modo semelhante às anáforas encapsuladoras. Em geral, a presença do demonstrativo
dificulta a classificação por conta do traço dêitico que ele atribui às expressões em que
aparece. Ainda que essas expressões façam referência a um elemento presente,
concretamente, no cotexto, a presença do demonstrativo contribui para apontar, manter
67
o foco de atenção do interlocutor àquele ponto do discurso. Por esse motivo, muitos
autores, como Cornish (2007), por exemplo, tratam esse comportamento entre dêiticos e
anafóricos como híbrido.
Os estudos sobre as relações anafóricas com demonstrativos dêiticos e a dêixis
têm cada vez mais apontado para o entrelaçamento desses conceitos e para tênue
separação que há entre eles. De todo modo, em se tratando dos processos referenciais,
cumpre sempre destacar a importância dos dados do entorno sociocultural e situacional
dos enunciadores, não só a importância das fontes presentes no texto, mas a forma como
todos esses critérios vão auxiliar na representação mental do objeto de discurso. O
processamento das relações requer uma complexa ativação de processos cognitivos que
mobilizam conhecimentos na memória discursiva dos participantes da interação. Todo
esse entrelaçamento de elos referenciais não se coaduna somente com o que está
explícito no cotexto, mas também com o que está na memória discursiva e que é ativado
por meio de inferências.
Nesse sentido, Santos e Cavalcante (2014) insistem na utilização de um traço
cotextual como um diferencial das relações anafóricas. Concordamos, portanto, com
Santos e Cavalcante (2014, p. 238), quando as autoras reconhecem que a presença de
uma âncora no cotexto é pressuposto importante de uma relação anafórica:
é a âncora que permite o encadeamento, a continuidade da referência; é
ela que dá a uma expressão referencial o estatuto de anafórica; é para
ela que se volta a atenção conjunta dos enunciadores ao buscarem no
cotexto o outro fio da meada.
No entanto, cabe ressaltar que essa âncora não deve ser pensada em termos de
uma correferencialidade explícita, pois já vimos no exame das anáforas encapsuladoras,
por exemplo, que a correferencialidade pode não se referir a um item pontual no
cotexto. Além disso, em alguns casos, para identificação dessa âncora no cotexto, o
fator decisivo pode ser a bagagem sociocognitiva compartilhada entre os parceiros da
enunciação, como demonstrado no exame de determinados casos de anáforas diretas
analisados em Morais (2012). Em resumo, a relação âncora/anáfora não pode ser vista
como uma relação de equivalência ou substituição entre termos no cotexto.
Ainda de acordo com Santos e Cavalcante (2014), no atual patamar em que se
encontram os estudos sobre referenciação, é importante repensar os processos de
referenciação tendo em vista a dinamicidade e a fluidez entre eles. Nas palavras das
68
autoras, “com o passar dos anos e o desenvolvimento dos estudos sobre referenciação,
as fronteiras entre os processos referenciais parecem ter sido percebidas como mais
tênues” (id, p.224).
Neste estudo, as autoras apresentaram ainda uma síntese, após revisitar os
processos de dêixis e de anáforas, principalmente as encapsuladoras, chegando ao Quadro-
Síntese dos processos referenciais, ressaltando que não se trata de uma tentativa de resolver
todos os problemas de classificação, mas, de todo modo, organizam o que os últimos
estudos sobre o tema já apresentam e reconhecem o caráter híbrido da dêixis textual e de
memória, e a dêixis social como um subtipo da de pessoa.
Quadro 1: Processos referenciais; retirado de Santos e Cavalcante (2014, p.242).
Os processos de referenciação não devem ser vistos, portanto, como processos
que apresentam características, muitas vezes híbridas, não permitindo uma divisão
estanque entre eles. Pode ser mais produtivo pensar em um continuum entre os
processos de referenciação, assumindo, assim, que não estamos diante de fenômenos
isolados, mas de fenômenos que se cruzam e se misturam, tendo em vista uma
perspectiva sociocognitiva e interacional.
Retomando as principais características dos processos de referenciação,
podemos concluir que:
• Enunciação e introdução dos referentes são mecanismos diferentes (Cf.
COLAMARCO, 2014). A enunciação ocorrerá somente quando houver a
primeira manifestação concreta do referente, já a introdução referencial consiste
na construção da imagem desse referente e não depende da nomeação desse
objeto para ocorrer;
• As anáforas, mecanismos de continuidade referencial, estão atreladas a uma
âncora/gatilho no cotexto. AD pode retomar ou antecipar a enunciação de um
referente (quando antecipa, colabora com a introdução referencial) e estabelece
69
uma relação de correferencialidade; AE tem por característica principal
sintetizar/sumarizar partes do texto, introduzindo novos referentes do discurso.
Os encapsuladores, em relação à correferencialidade, situam-se em uma zona
intermediária. Por fim, as anáforas indiretas sempre vão introduzir novos
referentes no discurso, que estarão ancorados em alguma pista do cotexto e não
são correferenciais;
• A dêixis (pessoal, espacial e temporal) depende do ponto de origem do
enunciador e da sua localização no espaço e no tempo. No entanto, temos que
considerar a possibilidade de esse processo referencial apresentar usos
anafóricos, como os casos de dêixis textual, que se mesclam com as anáforas e
considerar também que as relações anafóricas também podem apresentar
componentes dêiticos. A dêixis está atrelada às pistas de enunciação e promove
diferentes efeitos de sentido nos textos.
Reiteramos, por fim, a complexidade do fenômeno e a dificuldade de
sistematização que decorre das muitas nuances do dinamismo verificado nos processos
de referenciação, principalmente quando o exame dessas formas é feito em gêneros
textuais diversos. Já dissemos aqui, concordando com muitos estudos anteriores, que a
compreensão dos mecanismos de referenciação é uma ferramenta indispensável para
construção de sentidos nos textos. Entretanto, cabe reforçar que os processos de
referenciação também são flexíveis e se moldam aos propósitos comunicativos dos
gêneros textuais em que emergem. Nesse sentido, uma importante contribuição desta
Tese está na relação proposta entre o estudo da referenciação atrelado à constituição do
gênero relato esportivo. Acreditamos que o exame de enunciados soltos ou sem levar
em conta as características dos gêneros e sequências textuais, por exemplo, deva ser um
desdobramento necessário dos estudos de referenciação.
Não se trata de uma proposta inovadora no seu conceito, pois a LT há muito
tempo considera o texto/discurso como processo dinâmico, assim como entende os
processos de referenciação dinâmicos e elaborados na interação. Entretanto, há a
necessidade de reforçar essa relação em nossas análises, pois o ponto de vista dos
participantes, o grau de acessibilidade dos referentes, pistas co/contextuais só podem ser
analisados em situações comunicativas reais, isto é, em gêneros textuais.
70
4. METODOLOGIA E ANÁLISE
4.1 Constituição do corpus
Nossa pesquisa propõe uma análise qualitativa de notícias esportivas da Copa do
Mundo FIFA 2014, de dois jornais diferentes, um esportivo e o outro de assuntos gerais.
O Jornal Lance!, conforme o Manual de Redação e Estilo Lance! (2008), surgiu
com a proposta de ser um diário esportivo para ser vendido em bancas, mais do que por
assinatura. Como forma de agradar o maior número possível de leitores, o projeto
editorial seguiu a linha de dois diários esportivos de bastante sucesso: o espanhol Marca
e o argentino Olé!. No formato de um tabloide (jornal em um tamanho menor do que os
jornais tradicionais, com muitas ilustrações), o Lance! inovou, incialmente, por ser
colorido, com muitas fotos dramáticas relacionadas às reportagens, como imagem de
jogadores chorando e imagens de torcedores tristes ou com fantasias inusitadas.
Já o jornal O Globo foi fundado em 1925 e é hoje bastante tradicional no cenário
nacional. Trata-se de uma publicação de assuntos gerais, que integra o grupo Globo, um
conjunto de empresas que abarca rádio, canais de televisão e emissoras afiliadas ao
longo do país.
Como se trata de uma publicação de assuntos gerais, que aborda diversos temas
do cotidiano do país, para as notícias esportivas são utilizadas, em geral, no máximo,
três páginas. Apenas na ocasião de algum evento esportivo, como a Copa do Mundo ou
as Olimpíadas, por exemplo, há a publicação de um caderno específico para o esporte.
No entanto, a extensão do caderno continua sendo pequena, isto é, a editoria esportiva
não conta com muito espaço para seus textos.
71
(Fig.3 Capa dos jornais O Globo e Lance!)
Em um segundo momento, procedemos a uma escolha dos textos, avaliando as
estratégias discursivas mais relevantes e produtivas, para constituir um corpus
representativo. Dessa forma, selecionamos para análise nesta Tese oito pares,
totalizando dezesseis textos, dentro de um total de 128. Assim, antes de selecionar os
pares, avaliamos todos os textos para nos certificar de que a estrutura do gênero textual
e as estratégias de referenciação nele verificadas não seriam específicas de um
determinado texto ou de um determinado autor. De acordo com Greimas e Courtés
(2008), não há obstáculos para que um “pequeno número de fatos” não possa permitir a
construção de um modelo, que respeite critérios de aceitabilidade da mesma forma que
as descrições exaustivas de dados permitem fazê-lo.
Para sistematizar a análise, as notícias selecionadas foram agrupadas por
códigos, conforme o Quadro 3. Os pares de texto foram numerados e receberam a letra
que identifica o jornal do qual foram retirados, L – Lance! e G – O Globo. Esses textos
encontram-se no Anexo.
72
Código Título das notícias
L1 O jogo dos sonhos de Suárez.
G1 Suárez 100 %
L2 Um dia sem fúria
G2 Laranja Amarga
L3 Não foi fácil
G3 Batalha no sul
L4 Depois do bombardeio, Bélgica 2 x 1 Estados Unidos
G4 Bélgica bate Estados Unidos
L5 Corrida para o tri
G5 De volta após 24 anos
L6 Oshowa
G6 México segura o Brasil
L7 Vexame! Brasil sofre maior derrota de sua história e vê a Alemanha chegar à
final
G7 Brasil é massacrado pela Alemanha e sofre a maior goleada de sua história: 7
a 1.
L8 Close nele!
G8 Chucrute na Bahia
Quadro 2: formas de referência às notícias que constituem o corpus.
4.2 Passos para análise
A partir da escolha dos textos, começamos a investigar as notícias de maneira
integral, ou seja, sem retirar exemplos soltos, a fim de verificar como acontece a
construção de sentidos e como os elementos de referenciação são elaborados nesses
textos, demonstrando também as características estruturais desse gênero tão pouco
estudado. Escolhemos uma abordagem de base qualitativa e a análise foi dividida em
três etapas.
O primeiro tópico de análise iniciou-se com o exame contrastivo de cada par de
textos. Separamos um determinado jogo do campeonato e avaliamos como esse mesmo
fato foi noticiado nos dois jornais, destacando aspectos semelhantes e diferentes em
cada jornal, como a temática, por exemplo. Privilegiamos os objetos de discurso
centrais das notícias, como as seleções e seus jogadores, analisando, em um primeiro
momento, as anáforas diretas, já que tais expressões de referenciação costumam estar
diretamente associadas à construção/exposição de uma dada orientação argumentativa
nos textos. Vale destacar que entendemos por orientação argumentativa uma
manifestação da argumentação lato sensu, como assinalado por Koch (2002). Segundo a
73
autora, as formas de referenciação implicam uma escolha entre uma multiplicidade de
formas de caracterizar o referente de acordo com a proposta de sentido do produtor do
texto. Analisamos também, por meio das expressões referenciais e outras pistas
presentes nas notícias, como jogadores e seleções vão sendo revestidos de valores como
o herói ou o vilão da partida, demonstrando as características de composição desse
gênero textual.
Na segunda etapa da análise, discutimos as outras estratégias de referenciação
presentes nas notícias esportivas – os encapsuladores, as anáforas indiretas e, em
seguida, os casos de dêixis – sem deixar de lado a relação entre essas formas e a
construção do texto, avaliando sempre também outros recursos linguísticos que
contribuam para construção de sentidos, de acordo com a atual tendência da Linguística
de Texto. Cabe destacar que selecionamos os exemplos mais representativos dos textos,
sem a preocupação de seguir a análise comparativa dos pares, como realizado na
primeira etapa.
Após esse exame, na terceira etapa, passamos a analisar os mecanismos que
descrevem o espaço no campo de futebol, bem como a posição técnica dos jogadores,
mostrando como essas informações dependem de conhecimento compartilhado sobre
futebol para sua interpretação. Nessa seção, discutimos a importância fundamental
dessas formas para a notícia esportiva sem, no entanto, nomear os recursos de acordo
com a nomenclatura dos processos de referenciação. Essas formas são recorrentes nas
notícias esportivas, principalmente nos textos do jornal Lance!, e constituem uma
importante característica desse gênero.
Com base nessas análises, já no quinto capítulo, procuramos relacionar as
formas de referenciação verificadas à constituição do gênero notícia esportiva.
Relacionamos as estratégias de referenciação às necessidades comunicativas desse
gênero, mostrando como a referenciação pode levar a um melhor entendimento do uso
efetivo dos gêneros na vida social. Apresentamos também um levantamento quantitativo
das formas de referenciação empregadas nos dezesseis textos, comparando os resultados
entre os dois jornais, a fim de obter uma visão mais ampla da produtividade desses
recursos nos textos. Nessa seção, procuramos descrever ainda as funções discursivas das
formas de referenciação nas notícias.
Tendo em vista o alto número de anáforas diretas nos dois jornais e as diferenças
verificadas no primeiro item de análise, procedemos a um levantamento qualitativo das
estratégias de retomada empregadas no corpus, detalhando, principalmente, o emprego
74
das anáforas diretas. Contabilizamos as formas de retomada nos textos, considerando a
repetição lexical e as expressões metafóricas, epítetos e demais formas de
recategorização constituídas por sintagmas nominais dos objetos de discurso centrais
nos textos: os nomes das seleções. Não contabilizamos os casos de elipse nem de
pronomes, embora estes se constituam uma forma de manter objetos de discurso em
foco no texto, pois daremos destaque às formas nominais, que constituem os casos mais
relevantes do corpus. Esse levantamento buscou explicar as diferenças percebidas entre
os dois jornais na primeira etapa de análise, principalmente no que se refere à
recategorização de referentes, e permitiu relacionar as formas de referenciação ao perfil
do público dos dois jornais.
Por fim, relacionamos as estratégias de referenciação à constituição do gênero
notícia esportiva, demonstrando as características desse gênero bem como algumas
diferenças verificadas entre os jornais.
4.3 As anáforas diretas na análise contrastiva das notícias esportivas
4.3.1 Par 1: “o jogo dos sonhos de Suárez” e “Suárez 100%”
O primeiro par de textos versa sobre a partida entre Uruguai e Inglaterra pela
fase de grupos da Copa do Mundo. Ambos os textos destacam a importância da vitória
uruguaia e a atuação decisiva do jogador Luis Suárez, cujo nome aparece nos títulos das
notícias.
No Quadro 3, há os objetos de discurso analisados nas duas notícias e as
anáforas empregadas na ação da retomada:
Objetos de discurso
analisados no par 1 Anáforas empregadas na retomada
L1 G1
Uruguai “Campeã mundial”
“Celeste”
“uruguaios”/“Uruguai”
“Celeste”/“eles”
“um time”/“equipe”
“bicampeã mundial”
Inglaterra “campeã mundial”
“Inglaterra”
“English Team” / “o time”
“ingleses”/“equipe”
“times”/ “a outra campeã do mundo”
“ o time vivo”
Luis Suárez “Luis Suárez”/“Suárez”
“um dos protagonistas”
“o atacante”/“ele”
“convidado novo”
“maior artilheiro da seleção uruguaia”
“coadjuvante”/ “craque Suárez”
75
“rival” “Suárez”/ “atacante”
“o artilheiro”/ “ele”
Wayne Rooney “Ele”/“O baixinho”
“camisa 10”
“camisa 10 inglês”
Quadro 3: objetos de discurso analisados no par 1
A notícia L1 apresenta uma função argumentativa de valorizar as ações do
jogador uruguaio, Luís Suárez, que pode ser comprovada já pelo título “o jogo dos
sonhos de Suárez”, que antecipa o resultado positivo e a atuação elogiada do jogador,
conforme o excerto abaixo:
(L1) O jogo dos sonhos de Suárez
Com dois gols de Luis Suárez, Uruguai vence a Inglaterra por 2 a 1 em duelo decisivo de
campeões mundiais em São Paulo. Resultado deixa Celeste dependendo só de suas forças e
praticamente elimina a Inglaterra. Rooney desencanta e faz seu primeiro gol em Copa do
Mundo. (Anexo, p. 160)
Em relação às estratégias de referenciação, o objeto de discurso Suárez e o nome
das seleções são introduzidos por meio de seus nomes para serem retomados, ao longo
do texto, por anáforas diretas, que envolvem a estratégia de repetição lexical ou
recategorização dos referentes.
Ainda no subtítulo, há a retomada das seleções pela anáfora direta “campeãs
mundiais”, que reforça a igualdade entre as seleções, já que o texto, em alguns
momentos, destaca a tradição da seleção inglesa, mostrando como o jogo foi equilibrado
e decidido pelo artilheiro Suárez, como podemos ver no trecho abaixo:
(L1) O jogo em si foi equilibrado. Começou truncado e com muita disputa no meio. A Celeste
apareceu em campo com cinco modificações em relação à derrota para a Costa Rica. As
mudanças surtiram efeito. Marcando mais a frente e pressionando, foi melhor nos 15 minutos
iniciais (...). (Anexo, p. 160)
Algumas predicações, como “equilibrado, “truncado” e “disputa”, ajudam a
construir esse sentido no texto. Além disso, a descrição do jogo como equilibrado acaba
contribuindo para enfatizar a ação do principal jogador do Uruguai como herói da
partida. O objeto de discurso Suárez foi retomado mais quatro vezes ao longo do texto,
por repetição lexical e por uma anáfora direta nominal sendo o jogador uruguaio mais
citado no texto, reforçando a trilha de sentidos na qual ele passa a ser o principal
jogador da partida.
76
No trecho acima, há ainda a retomada da seleção uruguaia pelo epíteto Celeste
– apelido da seleção uruguaia, caracterizado pela referência às cores do seu uniforme –,
o que costuma ser frequente no gênero notícia esportiva. O epíteto da seleção inglesa
também é mencionado no texto, “English Team”, que não leva em conta as cores da
seleção, como é comum nos outros epítetos.
O jogador mais conhecido da Inglaterra também foi mencionado, embora com
menos destaque. No trecho abaixo, o referente “Wayne Rooney” é retomado no final do
texto por meio do pronome “ele” e, ao final do parágrafo, é recategorizado pelo
sintagma nominal “o baixinho”. É interessante notar que essa anáfora direta tem sua
interpretação amparada por outros elementos no texto, já que há outros nomes de
jogadores que também poderiam ser retomados pela expressão “o baixinho”. No
entanto, as relações de predicação (pistas textuais) estabelecidas no texto nos fazem
perceber que nem o nome Muslera nem Gerrard poderiam ser esses referentes.
(L1) A partir dos 15 minutos, a Inglaterra se assentou em campo e passou a ameaçar. Tanto que
por duas vezes Wayne Rooney quase marcou seu primeiro gol em Copas. Primeiro, numa bela
cobrança de falta, ele deixou Muslera estático. A bola não entrou por centímetros. Depois, após
levantamento de Gerrard na área, o baixinho carimbou a trave. (Anexo, p. 160).
Ainda que a Inglaterra ainda tenha feito um gol e equilibrado a partida, o texto
se encerra reforçando a vitória da seleção uruguaia e a atuação de Suárez. A fim de
reconstruir momentos emocionantes do jogo, o texto lança mão de recursos sinalizados
por Costa (2010), que mostram essa dramatização da notícia esportiva, como a
informação que o jogador chorou no banco de reservas ao ser substituído.
Já a notícia G1 inicia-se com uma introdução que apresenta um certo suspense:
“todos tinham a mesma opinião”. Esse encapsulamento contido no substantivo opinião
– de que o Uruguai é uma seleção disposta a vencer desafios – será explicitado mais
adiante, principalmente pela ênfase atribuída ao jogador Suárez. Nesse sentido, o
emprego de diversas anáforas diretas nominais, logo no começo do primeiro parágrafo,
como podemos ver abaixo, destaca a atuação desse jogador, reforçando sua qualidade e
sua importância para a seleção uruguaia, contribuindo para mostrar como o Uruguai
superou a seleção inglesa, mesmo com todas as dificuldades.
(G1) Todos tinham a mesma opinião. Era uma partida à feição do Uruguai. Encarada como
final, com a corda no pescoço, do jeito que a Celeste está acostumada. Ser favorita não faz parte
da história da bicampeã mundial. Fazer o quase impossível, sim. E eles ainda contavam com um
77
convidado novo, que quase abandonou a festa por uma cirurgia de última hora. Na verdade,
tornou-se o anfitrião. O maior artilheiro da seleção uruguaia mostrou que jamais será
coadjuvante de um time que depende muito dele. Luis Suárez estreou no Mundial ontem,
marcou os dois gols da vitória por 2 a 1 sobre a Inglaterra, no Itaquerão, e manteve as chances
de classificação para as oitavas de final. (Anexo, p.162)
As anáforas diretas presentes no primeiro parágrafo promovem um certo
suspense na leitura, mesmo o referente “Suárez” já tendo sido enunciado no título do
texto e recategorizado no subtítulo. Suárez passou a ser recategorizado como
“convidado novo”, já que foi liberado pelos médicos para jogar um pouco antes da
competição iniciar, depois tornou-se o “anfitrião”, isto é, o responsável pela “festa”. Em
seguida, a referência foi se tornando mais específica e sua orientação argumentativa
mais explícita, como podemos ver no sintagma nominal “o maior artilheiro da seleção
uruguaia em copas”. Por fim, houve a repetição do nome Suárez junto com a
informação da sua estreia no mundial e os gols que marcou no jogo.
Essas anáforas apontam para a orientação argumentativa do texto, que tende a
valorizar o feito da seleção uruguaia e de seu principal jogador. Além do epíteto
“Celeste”, a anáfora “ a bicampeã mundial”, utilizada para retomar o objeto de discurso
“Uruguai” também evidencia essa relação. Não só as expressões referenciais cumprem
esse papel, como a descrição da partida como “à feição do Uruguai”, que estaria
acostumado a superar dificuldades.
O texto segue descrevendo como o resultado da partida interfere na caminhada
das duas seleções na continuidade do campeonato e apresenta um exemplo interessante
de como as relações anafóricas são dinâmicas e construídas dentro do texto:
(G1) O resultado, porém, não significa o adeus da outra campeã do mundo, a Inglaterra. Tudo
dependerá do jogo de hoje entre Itália e Costa Rica, no Recife. Um empate elimina os ingleses.
Assim como uma vitória costarriquenha. Isso porque, com esse resultado, os ingleses não
conseguirão alcançar a pontuação de pelo menos dois rivais do Grupo D. Já a vitória italiana
deixa o time vivo até a última rodada. Para os uruguaios, não importa o que vai acontecer entre
Itália e Costa Rica. Vão enfrentar os italianos, na terça-feira (...)
(Anexo, p. 162)
A seleção inglesa é retomada ainda como “a outra campeã do mundo”, logo em
seguida há a repetição lexical do nome Inglaterra. Mais adiante, há o uso da anáfora
direta na frase “Já a vitória italiana deixa o time vivo até a última rodada”, em que a
expressão sublinhada não se refere à Itália – objeto de discurso mais próximo, ativado
no discurso pelas referências aos possíveis cenários para a classificação do time inglês.
78
Tal exemplo mostra como há toda uma complexa e dinâmica rede de articulação dos
processos de referenciação, que evidencia pressupostos básicos dessa atividade como a
negociação dos interlocutores e a natureza sociocognitiva da referência.
O final da notícia apresenta retomada do objeto de discurso Suárez, por meio de
repetição lexical e recategorização por meio do sintagma nominal “o artilheiro”,
afirmando que ele “fuzilou” o gol de Hart, o goleiro inglês. O verbo “fuzilar”, dentro do
futebol, demonstra vontade, força até mesmo determinação na hora de finalizar a
jogada. Aproveitando esse contexto, a notícia se encerra dizendo que Suárez, retomado
pelo pronome “ele”, saiu de campo ovacionado pela torcida, como se fosse um herói,
como podemos ver abaixo:
(G1) Quando a virada parecia provável, Suárez desfez a impressão. Muslera cobrou tiro de
meta, a bola resvalou na cabeça de Gerrard, e sobrou para o artilheiro fuzilar o gol de Hart, aos
40. Ele saiu ovacionado do estádio e carregado por Lugano.
– Ele está no nível de Messi e Cristiano Ronaldo. E para nós, ele é ainda mais importante que
eles e que o Neymar. É só olhar as estatísticas.
(Anexo, p. 162)
Diferente do que foi visto em L1, em G1 há trechos de entrevistas dos jogadores
na composição do texto. Essas entrevistas também contribuem para marcar a emoção do
jogador Suárez, no seu depoimento sobre o jogo, com a inserção de modo direto da sua
voz, buscando reproduzir a fala do jogador tal qual o momento da enunciação para criar
um efeito de aproximação. No trecho acima, por exemplo, notamos a demarcação de
voz do jogador uruguaio Lugano utilizada de modo a reforçar a habilidade de Suárez.
4.3.2 Par 2: “Vexame! Brasil sofre maior derrota de sua história e vê a Alemanha chegar à
final” e “Brasil é massacrado pela Alemanha e sofre a maior goleada de sua história: 7 a 1”
Esse par de textos trata da derrota da seleção brasileira para a Alemanha na
primeira semifinal da Copa do Mundo de 2014. No Quadro 4, estão os objetos de
discurso analisados:
Objetos de discurso
analisados no par 2
Anáforas empregadas na retomada
L2 G2
79
Brasil “Brasil”/ “ele” / “equipe canarinho”
“Pentacampeões” / “Seleção
“potência” / “Felipão e seus comandados”
“do país celebrado mundialmente por ser o do
futebol”
“Brasil”/ “Seleção”
“Seleção de Felipão”
Alemanha “uma espécie de carrossel em vermelho e
preto”
“tedescos”/ “germânicos” “adversários”
“rival”/ “Alemanha”/ “potência
“Alemanha”
“seleção treinada por
Joachim Löw”
Maracanazzo “triste capítulo de 50”
“daquele 2 a 1 para o Uruguai”
------------------------
O jogo “a maior das suas humilhações”
“a pior derrota”
“a derrota mais vexatória”
“maior goleada da
história”/ “vexame”
“na maior vergonha
brasileira na história
das copas”
Bernard “O menino com alegria nas pernas” ---------------------
Klose “ele”
“goledor máximo nessas 20 edições de copa”
“único atleta a jogar quatro semifinais de
Copa”
“Klose”
Quadro 4: objetos de discurso analisados no par 2
Em L2 cf. anexo, p. 164, as expressões “vexame” e “maior derrota da sua
história”, logo no título, rotulam o que representou a derrota para os alemães. Em
seguida, o primeiro parágrafo retoma o dia 16 de julho de 1950, lembrando da derrota
que ficou conhecida como “Maracanazo”, termo que será retomado pela expressão “o
triste capítulo de 50” e, mais adiante, por “daquele 2 a 1 para o Uruguai”. Ambas as
anáforas diretas necessitam de muitas inferências e apelo a um conhecimento
enciclopédico sobre a história da seleção brasileira. Além disso, interessa observar que a
construção desses referentes não está diretamente atrelada a nenhuma das expressões
referenciais utilizadas para identificar o referente “Maracanazo” no texto; ou seja, a
representação não resulta de uma ligação entre expressões referenciais designadoras do
objeto focalizado, trata-se de uma relação que se estabelece pela análise das pistas que o
texto fornece. Por meio das informações presentes no cotexto, torna-se possível
relacionar “Maracanazo” às expressões “triste capítulo de 50” e “daquele 2 a 1”,
compreendendo ainda a dimensão emocional do que representou tal derrota brasileira,
conforme podemos ver abaixo:
(L2) Um dia 16 de julho de 64 anos atrás faria o Brasil chorar seu drama maior, o Maracanazo
Pois este 8 de julho de 2014 faz ele jorrar lágrimas para a maior das suas humilhações. De
joelhos! A derrota mais vexatória do país celebrado mundialmente por ser o do futebol. O
80
Estádio do Mineirão viu o triste capítulo de 50 ficar esmaecido, ao menos por ora, na história.
Vai ser difícil lembrar daquele 2 a 1 para o Uruguai diante do que fez a Alemanha nesta
semifinal. (Anexo, p. 164)
Outro destaque fica por conta do uso do pronome demonstrativo “daquele” na
anáfora direta “daquele 2 a 1 para o Uruguai” que retoma “Maracanazo”, em que tal
pronome parece contribuir para recuperar (ou apontar) uma lembrança distante na
memória do leitor. Além disso, esse pronome também orienta o leitor a buscar um
determinado lugar no cotexto, o que faz muitos autores admitirem um caráter híbrido
entre dêixis/anáfora, como Cornish (2007, 2011) que, para casos semelhantes a esse,
propõe o nome “anadêixis” a fim de destacar a fluidez entre os processos.
Dentro da arquitetura textual, a menção ao “Maracanazo” como maior derrota é
utilizada como parâmetro para sugerir o que representou a derrota brasileira para
Alemanha e justificar que a derrota de 2016 superaria a anterior. Ainda no mesmo
excerto, podemos notar que essa derrota foi recategorizada como “a maior de suas
humilhações”, seguida pela expressão “de joelhos!” que, de certo modo, enfatiza a
humilhação e a vergonha sofridas pela seleção, recategorizada em seguida como “país
celebrado mundialmente por ser o do futebol”, o que também contribui para ampliar a
sensação de humilhação, já que uma derrota tão expressiva não é o caminho natural para
uma seleção mundialmente famosa e vitoriosa. Vale ainda destacar que essa última
anáfora – “país celebrado mundialmente por ser o do futebol” – pode referir-se tanto ao
Brasil como país quanto à seleção brasileira, como se as duas entidades fossem uma só.
Essa ambiguidade contribui para dramatização verificada no texto, uma vez que, a todo
momento, a derrota da seleção brasileira é descrita como motivo de tristeza para os
brasileiros.
A seleção alemã, recategorizada como “os germânicos”, é retomada como a
grande vilã que “tornou picadinho o sonho nacional de conquistar o troféu em casa”,
como podemos notar pela predicação “tornou picadinho” e também por outras
expressões que se seguem, como “tortura incomparável para os apaixonados pela
“seleção canarinho”, em que se nota ainda a recategorização do Brasil como “seleção
canarinho". A grandiosidade da seleção volta a ser destacada nesse parágrafo por meio
da anáfora direta “pentacampeões”, que destaca a quantidade de títulos da seleção
brasileira. As recategorizações verificadas, embora ressaltem a história vitoriosa da
seleção, contribuem para ampliar a carga dramática atribuída à derrota.
81
Na continuidade do texto, são explicitadas as mudanças feitas pelo treinador na
seleção brasileira para suprir a ausência de Neymar, machucado. Explicações que
foram, em seguida, encapsuladas pelo substantivo “tática”, que, de acordo com o texto,
não surtiu o efeito desejado, pois, logo no começo do jogo, o Brasil sofreu um “colapso
inédito em mais de seus cem anos de história”, ao ficar paralisado frente ao ataque
alemão. É interessante notar que, para além das estratégias de referenciação, a seleção
vocabular da adjetivação empregada, por exemplo, corrobora o tom de melodrama do
texto.
Na sequência, a seleção alemã, recategorizada pelo uso de um vocábulo pouco
comum, “tedescos”, é descrita como a dona do futebol e dos passes que deveriam ser da
seleção brasileira. A seleção alemã foi recategorizada ainda pela expressão “uma
espécie de carrossel vermelho e preto”, que faz referência às cores da camisa alemã
naquela partida, vermelho e preto – resultado de uma estratégia de marketing da Adidas,
patrocinadora da seleção alemã e do time carioca Flamengo – e ao apelido da seleção
holandesa, “carrossel”. Esse apelido, atribuído à seleção holandesa da década de 70,
reforçava o toque de bola dessa equipe que ludibriava os adversários. Como podemos
ver, embora tenhamos uma anáfora direta correferencial, o conhecimento compartilhado
é de fundamental importância para que se chegue à carga argumentativa que a expressão
recategorizadora propõe ao associar uma característica do futebol holandês de 1974 à
seleção alemã.
A palavra “vexame”, ao final da notícia, resume o que representou a derrota
brasileira; o texto se encerra enfatizando que o Brasil, retomado por estratégia de
repetição lexical, terá de “recolher os infindáveis cacos para defender seu orgulho na
disputa de terceiro lugar”.
A notícia do jornal O Globo (G2) também apela para o emocional na
representação da derrota brasileira, afirmando, já no título, que o Brasil foi “massacrado
e sofre a maior goleada de sua história”.
A primeira linha do texto já apresenta o tom dramático: “o sonho do
hexacampeonato se transforma na dor da derrota humilhante”. A derrota foi
recategorizada como “a maior vergonha na história das copas”.
A seguir, como verificado em outros textos do jornal O Globo, há um subtópico
que traz curiosidades sobre os recordes quebrados nesse jogo. Nesse caso, recordes
negativos para seleção brasileira, como quebra da invencibilidade, maior número de
gols sofridos, dentre outras informações.
82
A seleção brasileira foi retomada como “a seleção de Felipão”, anáfora direta
que inicia o parágrafo em que se expõem, de modo resumido, as principais alterações
feitas na seleção brasileira, assim como no jornal Lance!, contudo com poucos detalhes
mais técnicos sobre a posição dos jogadores no campo, como podemos ver abaixo:
(G2) A seleção de Felipão conseguiu equilibrar a partida por dez minutos. Com Bernard, o
Brasil marcava na frente e teve a primeira chance logo aos dois minutos, em um chute de
Marcelo. (Anexo, p. 166)
A notícia continua com a narração dos próximos gols da Alemanha. O Brasil,
retomado por meio de repetição lexical, foi classificado como uma seleção cujos
jogadores e torcida “estavam atônitos”, adjetivo que reforça o espanto causado pela
derrota.
Por se tratar de um jogo da seleção brasileira e também pela expressiva derrota
sofrida pelo Brasil, as duas notícias apresentam uma forte carga dramática, que pôde ser
comprovada, por exemplo pelo modo como a derrota por 7 x 1 foi (re)categorizada tanto
em L2 quanto em G2. Nesses textos, o apelo ao senso de humor é praticamente nulo,
sobressaem os adjetivos e expressões que se propõem a dar a dimensão da
tristeza/espanto diante da derrota brasileira. Expressões como “vexame”, “atropelado”,
“atônito (retiradas de L1); “desencontro brasileiro”, “massacrado”, “dor brasileira”
(retiradas de G2) trazem para as notícias esse tom de tristeza e drama, em uma tentativa
de representar a dor não só dos jogadores mas também da própria torcida.
4.3.3 Par 3: “Não foi fácil” e “Batalha no sul”
Esse par de textos apresenta notícias que contemplam a partida entre Alemanha
e Argélia pelas oitavas de final da Copa do Mundo. Ambos os textos destacam a
dificuldade da seleção alemã em superar a Argélia, seleção sem tradição no futebol.
Objetos de discurso
analisados no par 3
Anáforas empregadas na retomada
L3 G3
Alemanha “Alemanha”/ “craques adversários”/
time branco”/ “adversário”
“equipe”/”alemães”
“o branco”
“Alemanha” /“frieza alemã”
“time de Löw”
“futebol tricampeão do mundo’
“poderosos alemães”
83
Argélia “As raposas do deserto”
“Argélia”/ “africanos”
“adversários”
“time verde”
“argelinos”
“Argélia”/ “valente selecionado
africano”
“Uma Argélia veloz, aplicada e
ousada”
“Uma Argélia mais defensiva”
“seleção africana” /“zebra
argelina”
“arrancadas argelinas”
Schürrle “Schürle” “atacante do Chelsea”
Quadro 5: objetos de discurso analisados no par 3
Em L3 (cf. anexo, p.167), no que se refere às estratégias de referenciação,
notamos, como principal recurso, muitas anáforas diretas – expressões
recategorizadoras e repetição lexical – para retomar os objetos de discurso centrais,
como o nome das seleções.
O primeiro parágrafo começa com a frase “ foi absolutamente dramático”, que já
aponta para o interlocutor um relato de dificuldade, sofrimento. Nesse sentido, a
primeira recategorização da seleção argelina apresenta um exemplo de anáfora direta
que consiste no epíteto “raposas do deserto”, uma expressão pouco conhecida porque
essa seleção não possui tradição no futebol. A escolha desse sintagma nominal contribui
para delinear, na mente do interlocutor, a imagem de uma seleção que, embora não
tenha experiência, pode ser uma seleção articulada, pois o uso do nome “raposa”
representa um animal com fama de traiçoeiro. Além disso, também poderíamos pensar
em uma relação intertextual com um filme de 1951, “As raposas do deserto”, que trata
da história de um temido general alemão:
(L3) Foi absolutamente dramático. As Raposas do Deserto resistiram como puderam. Mas essa
guerra a Alemanha ganhou, por 2 a 1, mesmo que a sua divisão panzer – Özil, Schweinsteiger e
Müller – ainda não tenha repetido a blitzkrieg da estreia sobre Portugal.
(Anexo, p. 167)
Em L3, é recorrente o uso de um vocabulário bélico, comum nesse gênero, pois,
muitas vezes, os jogos são retomados como “batalhas”, “duelos”, “guerra/guerreiros”.
Essa associação entre o futebol e guerra, principalmente quando se trata de jogos muito
disputados ou entre seleções com muita tradição, contribui para a dramatização das
notícias esportivas. De acordo com Saíz (2015), uma metáfora, ao focalizar alguns
aspectos em virtude de outros, pode colaborar para a formação de uma linha
84
argumentativa concreta em um meio de comunicação, como nessa notícia, em que logo
no início, é exposta a comparação implícita entre a partida e uma guerra.
O texto explora ainda outro termo de guerra, “a blitzkrieg”, doutrina militar que
consistia em utilizar forças móveis em ataques rápidos e de surpresa, com o intuito de
evitar que as forças inimigas tivessem tempo de organizar a defesa. Esse tipo de
estratégia, comum no futebol, de acordo com o texto, teria sido o fator decisivo para a
goelada alemã em cima de Portugal (4x0), e teria funcionado também, ainda que com
menos intensidade, contra a Argélia.
Na continuidade do texto, a Argélia é retomada por meio de repetição lexical e a
seleção alemã, pela recategorização “craques adversários”, que reforça a superioridade
alemã.
Outro recurso também bastante comum nas notícias esportivas é a menção à cor
dos times para nomeá-los nos textos, como no trecho:
(L3) (...) pelos contra-ataques do adversário, que obrigou Neuer a sair pelo menos três vezes da
área para isolar a bola. Um pouco mais de capricho do time verde e o branco sairia derrotado
para o intervalo. (Anexo, p. 167)
No trecho acima, as seleções da Argélia e da Alemanha são retomadas pelas
anáforas diretas “time verde” e “time branco”, respectivamente. A cor branca,
entretanto, poderia ser usada para fazer referência aos dois times, uma vez que o
uniforme de ambos possui a cor branca. Mais uma vez, as relações estabelecidas dentro
do texto é que vão homologar a construção desses sentidos e permitir a associação entre
essa anáfora direta e seu antecedente.
O texto se encerra retomando a metáfora da guerra com a utilização de verbos
como “fuzilar”, por exemplo, reiterando a orientação argumentativa no sentido de
relacionar o jogo a uma guerra.
Na notícia esportiva veiculada no jornal O Globo (G3) cf. anexo, p.168 também
notamos essa associação indicada logo no título: “batalha no sul”. Entretanto, na
continuação do texto, essa metáfora não se mostra tão produtiva, como na notícia do
jornal Lance!, mas foi ressaltado que foi um jogo “épico”.
O objeto de discurso “Alemanha” foi recategorizado, na introdução da notícia,
como uma seleção fria, por meio da anáfora direta “frieza alemã”, o jornalista associou
o clima, em geral, frio da região sul, onde a partida foi realizada, à objetividade da
seleção alemã.
85
No que se refere às estratégias de referenciação utilizadas para retomar a seleção
argelina, há o emprego de algumas anáforas diretas, que consistem na utilização do
artigo indefinido + nome + modificador:
(G3) Como previra o técnico Joachim Löw na véspera, foi preciso paciência e
humildade para bater uma Argélia aplicada, veloz e ousada (Anexo, p. 168)
No exemplo acima, chama atenção o uso do artigo indefinido no sintagma
sublinhado. Embora a seleção argelina já tivesse sido enunciada no subtítulo da notícia,
o artigo indefinido acentua que se trata de uma seleção com características novas,
destacando, assim, as qualidades da seleção argelina, que valorizou a vitória alemã com
sua atuação. O mesmo ocorreu no exemplo abaixo:
(G3) O técnico Vahid Halihodzic surpreendeu ao escalar uma Argélia mais defensiva, deixando
Brahimi e Djabou no banco. Mesmo assim, foi a seleção africana quem mandou no jogo na
primeira etapa. (...)
(Anexo, p. 168)
Mais uma vez, há o uso da estrutura artigo indefinido + nome + modificador,
qualificando a seleção argelina naquele jogo. É interessante notar que, logo em seguida,
a mesma seleção é retomada pela anáfora direta “a seleção africana”, com o uso do
artigo definido sem qualquer elemento que caracterize essa seleção em relação ao seu
desempenho. O uso das estruturas com artigo indefinido está diretamente ligado ao
direcionamento argumentativo pretendido pelo interlocutor e trazem uma perspectiva de
recategorização do objeto de discurso bastante dinâmica, isto é, essas representações
que se fazem da seleção argelina são válidas para aquele jogo, para aquele momento da
partida. No restante do texto, entretanto, as estratégias mais recorrentes constituem a
retomada por repetição lexical.
Ao final da notícia, também há a menção ao jogo de 1982 entre Argélia e
Alemanha; entretanto, de modo oposto ao que acontece na notícia do jornal Lance!, há
uma explicação acerca do jogo do referido ano. Certamente, o interlocutor calculou que
tal informação pudesse ser desconhecida do leitor, conforme é possível ver abaixo:
(G3) Fim de jogo histórico, e, se não se repetiu a história de 1982, quando a (ainda mais) zebra
argelina derrotou a então bicampeã Alemanha Ocidental por 2 a 1, no estádio El Molinón, em
86
Gijón, na Espanha, mais uma vez os africanos (como já tinha acontecido no empate em 2 a 2
com Gana, na fase de grupos), foram uma pedra na chuteira dos poderosos alemães. (Anexo, p.
168)
Esses cálculos inferenciais objetivam diminuir o esforço do leitor na
(re)elaboração dos sentidos dentro do texto. Em L3, isso não constitui um objeto de
preocupação do interlocutor, que faz a referência a essa informação apenas pelo ano do
jogo e espera que o leitor alcance o que significou o jogo naquele contexto, tendo em
vista o conhecimento de mundo compartilhado, para, assim, tecer a comparação com o
jogo atual. Já em G3 os efeitos de sentido causados por essa comparação estão
explícitos no texto. De acordo com Schwarz (2007), a compreensão textual depende
tanto da decodificação do significado dos recursos linguísticos do texto quanto da
construção de um modelo de mundo textual conceptualizado a partir do texto. O
material linguístico funciona como instruções para o processamento cognitivo dos
textos. Desse modo, percebemos a preocupação em G3 em fornecer mais informações
para esse processamento cognitivo.
O jogo é retomado no final com do texto como “jogo histórico” e a Argélia
recategorizada como “zebra argelina” e uma “pedra na chuteira”, em um trocadilho com
expressão popular “pedra no sapato”, dos “poderosos alemães”. Portanto, a notícia é
encerrada com a retomada do viés argumentativo referente à eficaz atuação do futebol
argelino que, mesmo sem ganhar, foi um difícil adversário para Alemanha, grande
favorita.
Podemos dizer que os dois textos, ainda que com estratégias diferentes,
apresentam um projeto de dizer semelhante. Porém, em L3, há muitas referências que
necessitam de mais inferências por parte do interlocutor, ao passo que em G3, há mais
detalhes, pois é um texto maior, com descrição de mais jogadas e com mais explicações
sobre os jogadores es suas funções, por exemplo. No que diz respeito às estratégias de
referenciação, o emprego da repetição lexical para a retomada dos nomes das seleções e
dos principais jogadores mencionados no texto é a estratégia mais recorrente.
Acreditamos que essa diferença possa ser creditada, como já foi dito, à diferença
de público dos dois jornais e a maior abrangência do jornal O Globo, principalmente em
ano de Copa do Mundo, competição muito conhecida, que desperta mais interesse de
possíveis leitores que não necessariamente acompanham futebol de modo rotineiro.
87
4.3.4 Par 4: “Depois do bombardeio: Bélgica 2 x 1 Estados Unidos” e “Bélgica bate
Estados Unidos”.
Os dois textos referem-se à partida entre Bélgica e Estados Unidos, que valia
uma vaga nas quartas de final da Copa do Mundo. Os objetos de discurso analisados
nesse par de textos estão expostos no quadro que se segue:
Objetos de discurso
analisados no par 4
Anáforas empregadas na retomada
L4 G4
Bélgica “diabos vermelhos”
“belgas”/ “equipe”
“time europeu”
“domínio belga” / “eles”
“Bélgica” / “belgas”
“pressão belga”
“equipe”
“equipe de Marc Wilmots”
Estados Unidos “Estados Unidos”
“Norte-americanos”
“equipe”/”adversário”
“americanos”
“Estados Unidos”
“americanos”/ “equipe”
“equipe comandada por Jürgen
Klinsmann”
Tim Howard “goleiro”/“autêntico herói”
“Howard”/ “monstro
“Howard”
Quadro 6: objetos de discurso analisados no par 4
L4 (cf. anexo, p.170) apresenta uma descrição dos lances mais importantes da
partida tendo em vista o ponto de vista belga e considerando-a um time superior e com
uma atuação melhor em relação aos Estados Unidos. Embora os textos sejam narrativos,
há uma argumentatividade que pode ser verificada nos textos. Nesse sentido, essa
notícia manifesta de modo mais aparente uma postura avaliativa.
Já no título de L4 a palavra “bombardeio” evoca a imagem de uma partida em
que uma das seleções se sobrepõe a outra, ou seja, “bombardeou” o seu oponente.
Algumas informações, espalhadas pelo entorno discursivo, caracterizam a Bélgica como
o time que “fuzilou”, “dominou”, ou seja, que jogou para ganhar. Em contrapartida, os
Estados Unidos foram caracterizados como “cautelosos”, dentre outras expressões que,
de certo modo, contribuíam para que percebêssemos essa superioridade belga descrita
no texto. Assim, abre-se uma rede de caminhos por meio de pistas textuais que ativam
conhecimentos e crenças dos participantes do ato enunciativo. O exame dessas pistas
88
também permite evidenciar a intencionalidade e o teor mais argumentativo no texto do
jornal Lance!,
O objeto de discurso Bélgica foi recategorizado pela anáfora direta “diabos
vermelhos”, epíteto da seleção. Além disso, ao longo da notícia, foram utilizadas
expressões como “ousados”, “dispostos a decidir”, “domínio belga”, por exemplo, que
reforçam a superioridade belga. Para referência à seleção norte-americana, foram
utilizadas repetições lexicais, e a seleção foi caracterizada como uma equipe de nível
mais baixo que a Belga, conforme apontam as expressões “cautelosos”, “aceitando o
domínio belga” e “não conseguiam superar o próprio campo”. Essas amarras anafóricas
vão construindo um valor de superioridade belga, sugerindo que eles “merecem a
comemoração”, marcada no início do texto pela referência às cervejas belgas, como
podemos ver abaixo:
(L4) Anheuser – Busch, Duvel, Stella-Artois. Qual delas os belgas vão escolher para
comemorar a dramática vitória sobre os Estados Unidos? Ou tomarão todas? Pois é os Diabos
Vermelhos deixaram de lado todo o futebol pragmático da primeira fase, reviveram na Fonte
Nova alguns dos melhores momentos nas Eliminatórias e só não enfiaram uma goleada no
adversário porque Tim Howard, mesmo com a derrota, foi um autêntico herói, com 16 defesas
em 27 das 38 bolas chutadas a gol, os norte-americanos fizeram um esforço extraordinário para
manter a Star-Splanged Banner tremulando. (Anexo, p. 170)
O único jogador norte-americano destacado no início do texto é o goleiro Tim
Howard, recategorizado pela anáfora “ um autêntico herói’ por ter, segundo o texto,
evitado uma goleada. Para enfatizar o feito desse jogador, há, inclusive, a quantidade
das defesas praticadas por ele, ou seja, mais um argumento que, ao mesmo tempo em
que comprova eficiência do arqueiro, também reforça a eficiência da seleção belga pela
quantidade de chances criadas. No final desse parágrafo, há também referência à
bandeira norte-americana “star-splanged banner” e ao esforço desse time na partida.
O texto segue utilizando a estratégia da repetição lexical para retomar os dois
objetos de discurso principais: os nomes das seleções. A seleção belga foi retomada
também pela anáfora “time europeu”, e aparece, mais uma vez o epíteto “diabos
vermelhos”. A seleção norte-americana é retomada pelas anáforas diretas “Estados
Unidos” e “americanos”.
Ocorrem ainda a inserção de nomes de jogadores da Bélgica e, pelo lado norte-
americano, o jogador citado continua sendo o goleiro, que será recategorizado pela
anáfora direta “o monstro’’:
89
(L4) O segundo tempo foi diferente. O time europeu voltou pressionado, disposto a decidir, e
criou um punhado de chances, obrigando Howard a praticar várias intervenções. Os americanos
quase não conseguiam superar o próprio campo, abusando dos chutões, aceitando o domínio
belga. Marc Wilmots trocou Mertens por Mirallas, que tornou os Diabos Vermelhos ainda mais
ousados. Mas as tentativas morriam nas mãos e nos pés do goleiro. Mirallas e Hazard, livres de
marcação, desperdiçaram oportunidades incríveis. Besler evitou o pior no complemento de Van
Buyten. Origi tentou de fora da área e o monstro deu um tapa para escanteio. (Anexo, p. 170)
Analisando essas relações anafóricas, percebemos que há outros nomes de
jogadores citados que poderiam confundir ou dificultar o estabelecimento da
correferência entre “Tim Howard” e “o monstro”. Para interpretação dessa anáfora, o
leitor teria de se apoiar nas pistas textuais, como, por exemplo, “deu um tapa”, que já
aponta que “o monstro” teria de ser um goleiro, além de conhecer o nome dos jogadores
e suas funções no campo – informação que requer um conhecimento mais específico do
esporte. Isso reitera o que defendem Santos, Riche e Teixeira (2012, p. 20) a respeito
das AD
não basta identificar a que elemento no texto determinado pronome ou
substantivo se refere, porque, muitas vezes, há mais de um elemento
morfossintaticamente capaz de associar-se a esses termos. Para
compreender um texto, é necessário relacionar os elementos de
retomada à construção de seu sentido.
Chama atenção ainda a relação entre as palavras herói e monstro. Fora do texto,
poderíamos pensar em uma relação de oposição; entretanto, dentro do texto, as relações
estabelecidas levam esses vocábulos a designar a mesma entidade, qualificando-a
positivamente. Esse exemplo comprova, claramente, como o texto é uma unidade de
sentido em que se estabelecem relações que só são possíveis dentro dele. Para que essas
relações sejam homologadas, é necessário um trabalho cognitivo, colaborativo de um
coenunciador, que participa ativamente do processo de construção da coerência do
texto. É preciso reconhecer os elementos contextuais pertinentes, os conhecimentos
culturalmente compartilhados, como a noção de que o nome “monstro” pode ser usado,
em especial no futebol, para atribuir uma avaliação positiva. Isso reforça, em última
análise, a tese de que a coerência é uma construção sociocognitiva, ancorada na
interação.
90
No fim da notícia, há uma anáfora direta “a arma dos norte-americanos”, que
recategoriza o nome “contra-ataque”, já enunciado em outra parte do texto.
(L4) E lá veio a prorrogação. Nesta, os belgas acabaram ganhando com a arma dos norte-
americanos: aos dois, Lukaku, que entrou com o próprio diabo no corpo, rolou para De Bruyne
fazer 1 a 0. Aos 15, De Bruyne lançou Lukaku, que fuzilou: 2 a 0. Aos 17, no entanto, o jovem
Green, 19 anos, mostrou que não está verde: entrou em campo e diminuiu para 2 a 1.
(Anexo, p. 170)
Tal uso tem um valor argumentativo muito grande, englobado no significado do
vocábulo “arma”. Na sequência, o editor faz uma brincadeira ao afirmar que o jogador
Lukaku “entrou com o próprio diabo no corpo” em uma referência ao apelido “diabos
vermelhos”, pois o jogador foi fundamental nos dois lances que resultaram em gol; no
último lance, inclusive, ele “fuzilou”, verbo que realça tanto a força do chute quanto a
eficiência do jogador em questão. Em seguida, há outro trocadilho, dessa vez com o
nome do jogador Green: ao afirmar que o jovem jogador não “está verde”, ao mesmo
tempo em que há uma referência à tradução do nome jogador para o português, está
presente, de modo implícito, a tese de que o jogador, embora tenha pouca idade, suporta
pressão e sabe ser decisivo em momentos importantes.
Na notícia do jornal O Globo (G4), (cf. anexo, p.171), os nomes das seleções são
enunciados e introduzidos no texto logo no subtítulo. Ao longo da notícia, esses nomes
vão sendo retomados, principalmente, por repetição lexical.
Em G4, não encontramos o emprego dos epítetos dos times, mas há duas
anáforas diretas que recategorizam as equipes pela referência aos seus técnicos, como a
“equipe comandada por Jürgen Klinsman” (Estados Unidos), por exemplo, em que se
destaca o nome do técnico, conhecido jogador de sucesso do futebol alemão e, ao final
do texto, a seleção belga foi recategorizada como “equipe de Marc Wilmots”, menos
famoso do que seu colega alemão:
(G4) os belgas impediam os avanços da equipe comandada por Jürgen Klinsmann, mas
esbarravam na falta de objetividade do ataque, que não conseguia concluir as jogadas. (...)
Apesar das muitas tentativas, a equipe de Marc Wilmots se manteve inabalável, e conseguiu sair
da Fonte Nova com a vitória . (Anexo, p. 171)
Por meio dessas escolhas, podemos inferir uma crítica implícita ao técnico dos
Estados Unidos, que, apesar de toda sua expressão no futebol como importante atacante
alemão, não conseguiu bons resultados à frente da seleção norte-americana.
91
As expressões usadas para caracterizar as seleções em G4 tentam simular um
equilíbrio na partida, como pode ser visto nas expressões: “pressão belga”, “pressão
norte-americana”, “belgas”, “norte-americanos”, por exemplo.
Na continuidade da notícia, seguem-se informações sobre a prorrogação, já que
houve empate no tempo regulamentar, e o texto procura reproduzir a tensão verificada
na partida ao dizer que “a temperatura e a velocidade em campo aumentaram”, por
exemplo. Por fim, são narrados os gols belgas e a valentia norte-americana que, mesmo
em desvantagem por dois gols, não desistiu e conseguiu diminuir a diferença sem,
entretanto, chegar ao empate que levaria a partida para os pênaltis.
Ao contrário de L4, em que a orientação argumentativa da notícia é mais
evidente nas anáforas diretas, G4 busca promover um efeito maior de neutralidade, ao
narrar a partida entre Bélgica e Estados Unidos, empregando mais a estratégia da
repetição lexical para retomada das seleções.
4.3.5 Par 5: “Corrida para o Tri” e “De volta após 24 anos”
Esse par de notícias esportivas trata do jogo entre Argentina e Holanda pela
semifinal da Copa do Mundo, em que a Argentina ganhou e foi disputar a final da Copa.
Segue o quadro 7, que apresenta os objetos de discurso analisados nesse par:
Objetos de discurso
analisados no par 5
Anáforas empregadas na retomada
L5 G5
Argentina “Argentina”/ “argentinos”
“Hermanos”/ time de Alejandro
Sabella”
“eles”/ “time”
“Argentina de Messi”
“gigante” / “seleção”
“argentinos”
“sul-americanos”
“geração de Messi”
“país” / “time”
Holanda “Holanda”
“Holanda do ótimo Louis Van Gaal”
“gigante”
“Holanda”/”seleção”
Brasil “Brasil”/ “país vizinho”
“time de Luiz Felipe Scolari”
“Brasil”
Alemanha “responsável pela maior humilhação de
nossa história”
“alemães”
“fantasma”
“ameaça alemã”
“Alemanha” / “rival”
Messi “craque” “Messi”
Robben “astro holandês” -------------------
92
Quadro 7: objetos de discurso analisados no par 5
Na notícia do jornal Lance! (L5) cf. anexo, p.173, já pelo título, podemos
perceber o direcionamento do texto para uma valorização da vitória argentina: “Corrida
para o Tri” faz referência à possibilidade de a seleção argentina conquistar o
tricampeonato mundial no Brasil, país com o qual mantém grande rivalidade no futebol.
Embora a notícia narre a partida entre Argentina e Holanda, há diversas referências à
seleção brasileira, que havia perdido um dia antes e estava, portanto, fora da final do
mundial, contrariando expectativa geral de mais um título brasileiro. A notícia se inicia,
inclusive, com o trecho de uma música cantada pela torcida argentina em provocação ao
Brasil – “Brasil decime que se siente” – comparando a vitória da seleção argentina ao
papel que deveria ter sido desempenhado pelo Brasil na competição.
Em relação às estratégias de referenciação, predominam as anáforas diretas
formadas pela estratégia de repetição lexical e as formadas por novas expressões
referenciais na manutenção dos principais objetos de discurso do texto. A seguir, há um
exemplo de uma anáfora direta que recategoriza o objeto de discurso “Alemanha”:
(L5) A Argentina vai fazer a final do mundial em nossa casa com a responsável pela maior
humilhação de nossa história: a Alemanha. (Anexo, p. 173)
A expressão “a responsável pela maior humilhação de nossa história” apresenta
um grande teor avaliativo, uma vez que faz referência ao episódio da derrota sofrida
pelo Brasil por 7 x 1 para Alemanha. Além disso, o texto o tempo todo lembra que a
Argentina disputaria a final no Brasil, reforçando a rivalidade existente entre Brasil e
Argentina e sugerindo que, para o torcedor brasileiro, seria difícil escolher um lado
nessa disputa.
Após essa introdução, a notícia, enfim, começa a entrar no seu assunto principal,
comentando os lances de maior destaque entre Argentina e Holanda e informando que a
partida foi definida somente nos pênaltis, já que houve empate em 0 x 0 no tempo
normal e na prorrogação. No entanto, há uma preocupação em não descrever o jogo
como “chato” por conta da ausência de gols no tempo normal.
(L5) A Argentina venceu a Holanda porque foi muito mais competente nos pênaltis, após 0 a 0
no tempo normal e na prorrogação, mas não foi só isso. Os Hermanos fizeram muito do que o
93
time de Luiz Felipe Scolari, que deveria jogar no Maracanã domingo, não o fez na terça no
Mineirão. (Anexo, p. 173)
A seleção argentina é retomada pela AD “Hermanos”, como podemos ver acima,
uma forma, de certo modo, irônica, comum nos textos esportivos, que também aponta
para rivalidade entre Brasil e Argentina. Nesse trecho, há a comparação entre Argentina
e Brasil, recategorizado como “ o time de Luis Felippe Scolari”, enfatizando que a
Argentina está ocupando o lugar que deveria ser do Brasil, na final realizada em
território brasileiro.
O texto segue tratando mais detidamente dos lances e informações da partida.
Argentina e Holanda aparecem recategorizadas, respectivamente, por “time de
Alejandro Sabella” e “Holanda do ótimo Louis Van Gaal”. Essas anáforas diretas, que
têm em comum o nome dos técnicos das duas seleções, contribuem para revelar a
intencionalidade do texto ao enfatizarem os técnicos, já que o próprio jogo foi
encapsulado como uma partida de xadrez, como veremos na seção 4.4.
Em seguida, as duas seleções são recategorizadas pela expressão “duas
gigantes”, mais uma vez, reforçando a expressão dessas duas seleções no cenário
mundial. Ao descrever os últimos lances que poderiam ter modificado o placar da
partida e a sorte de cada time na competição, foi empregada uma AD que apela bastante
para o conhecimento compartilhado dos interlocutores:
(L5) Robben, lembrando a final de 2010 diante da Espanha, teve essa bola aos 45 minutos do
segundo tempo. Foi travado por Mascherano, um monstro.
O astro holandês jogou pro alto a chance de fazer história. E permitiu aos argentinos escrevê-la.
(Anexo, p. 173)
A AD “o astro holandês” refere-se a Robben, importante jogador holandês. Caso
o leitor não conhecesse esse jogador, poderia chegar a essa conclusão por meio da
arquitetura textual, já que o texto informa que ele teve “essa bola”, uma bola que
poderia decidir o jogo. Logo, foi ele quem jogou para o alto a “chance de fazer
história”. Há outras informações mais dependentes da bagagem cultural dos
interlocutores, como a nacionalidade e a menção à final da copa de 2010, em que o
mesmo jogador holandês também desperdiçou uma oportunidade de decidir o jogo.
A seleção argentina, ao final do texto, foi recategorizada pela expressão
“Argentina de Messi”, para logo a seguir ser retomada como “a Argentina de todos”,
94
finalizando a notícia com um destaque para a coletividade da seleção sul-americana, que
não precisou do seu ídolo para chegar à final. O objeto de discurso Holanda foi
retomado, ao final, pela estratégia de repetição lexical.
O final do texto retoma a intertextualidade com a música da torcida, citada na
introdução da notícia, reforçando a rivalidade entre Brasil e Argentina:
(L5) Certo é que, assim como o 8 de julho para os brasileiros, esse 9 de julho nunca será
esquecido pelos argentinos. No dia da independência do país, eles ficaram a um jogo de
conquistar o Brasil, a eternidade. Brasil decime que se siente... (Anexo, p. 173)
L5 se encerra retomando a derrota sofrida pelo Brasil no dia anterior (8 de julho)
e afirmando que, para os argentinos, o nove de julho também será inesquecível para os
argentinos – retomados pelo pronome “eles”, que conquistaram a disputada vaga na
final, para tristeza dos torcedores brasileiros.
No jornal O Globo, a notícia (G5) cf. anexo, p.174 também destaca a
classificação argentina, depois de tantos anos sem disputar uma final de mundial, o que
pode ser verificado logo no título “De volta após 24 anos”. Do mesmo modo que a
notícia do jornal Lance!, a seleção brasileira e a sua sofrida derrota para a Alemanha
também são mencionadas, a fim de construir a imagem da superioridade da seleção
alemã.
Em relação às estratégias de referenciação, em G5, a estratégia mais recorrente é
a repetição lexical dos objetos de discurso Argentina e Holanda. O nome Argentina foi
retomado por repetição cinco vezes e o nome Holanda, quatro vezes.
A introdução da notícia anuncia a volta da Argentina a uma final de copa com
contornos dramáticos, marcados pelo tempo em que essa seleção está sem participar de
nenhuma final e sem conquistar títulos. O exemplo abaixo mostra a caracterização do
adversário, a Alemanha:
(G5) A volta a uma final de Copa do Mundo após 24 anos, a busca pelo título após 28, tudo isso
leva a Argentina a reencontrar um fantasma. A Alemanha, que eliminou os sul-americanos nos
dois últimos Mundiais, está novamente no caminho.
(Anexo, p.174)
Esse objeto de discurso foi recategorizado pela anáfora prospectiva “fantasma’,
por já ter vencido a Argentina em outras finais e pela goleada que impusera ao Brasil na
outra semifinal. Essas informações, mencionadas logo na introdução, contribuem para
95
dimensionar o desafio que a seleção argentina, recategorizada pela expressão “sul-
americanos”, terá pela frente.
A seleção argentina também é recategorizada por meio da expressão “geração de
Messi”, que destaca o principal e mais famoso jogador dessa seleção. Já a Holanda é
retomada por meio de repetição lexical, pois há pouco destaque à Holanda, devido à
sua derrota e consequente eliminação, como podemos ver abaixo:
(G5) Nos pênaltis, após 120 minutos sem gols em uma semifinal amarrada contra a
Holanda, com mais táticas e cuidados defensivos do que ousadia, a geração de Messi
manteve vivo o sonho de levar os argentinos a quebrar o jejum e fazer história em pleno
Maracanã. Por enquanto, o tamanho da ameaça alemã foi assunto evitado.
(Anexo, p. 174)
No final do trecho acima, notamos ainda a seleção alemã recategorizada como
“ameaça alemã”, afirmando que “foi um assunto evitado”, destacando, mais uma vez, a
superioridade da Alemanha, principalmente depois de derrotar o Brasil.
O restante da notícia é composto por trechos de entrevista com jogadores e
técnicos das duas seleções, como, no exemplo abaixo, em que se destaca um trecho da
entrevista com o volante da seleção argentina, Mascherano:
(G5) – Amanhã pensamos nisso (nos 7 a 1). Esperei tanto tempo por este momento, estar na
final é um sonho. Por favor, me deixem desfrutar. Vamos enfrentar um grande time, mas por
que não tentar? – disse o volante Mascherano, um dos melhores em campo. (Anexo, p. 174)
Esse par de notícias apresenta conteúdo temático e orientação argumentativa
bastante semelhantes, sendo possível perceber que a diferença entre as notícias recai na
seleção dos recursos para veiculação desses sentidos, principalmente pela comparação
entre as anáforas diretas com avaliação mais explícita e na utilização de entrevistas por
parte do jornal O Globo. Em G5, há a narrativa de que a semifinal foi um jogo difícil
em que prevaleceram táticas e um jogo mais defensivo, do mesmo modo como foi
narrado em L5, como pode ser percebido no emprego de anáforas diretas que iam além
da repetição lexical e apresentavam viés avaliativo mais explícito.
96
4.3.6 Par 6: “Oshowa” e “México segura o Brasil”
O seguinte par de notícias a ser analisado trata da partida entre Brasil e México
pela fase classificatória da Copa do Mundo cujo placar foi marcado por um empate sem
gols. Os objetos de discurso avaliados nesse par encontram-se expostos no quadro 8:
Objetos de discurso
analisados no par 6
Anáforas empregadas na retomada
L6 G6
México “México”
“Um México que não se apequenou”
“Um México que cresce”
“México” / “seleção”
“jogadores mexicanos”
Brasil “Brasil”/ “Seleção brasileira”
“equipe”/ “Seleção”/“time”
“uma equipe que depende tanto de
Neymar quanto do Hino antes do jogo”.
“Brasil”
“Seleção brasileira”
“Seleção”/ “time”
“equipe brasileira”
Ochoa “Oshowa”, “Ochoa” “Ochoa”
“mãos milagrosas de Ochoa”
Neymar “Neymar” “o camisa 10 da seleção”
Quadro 8: objetos de discurso analisados no par 6
Em L6 (cf. anexo, p. 176), o início do texto se destaca pelo título bastante
expressivo, promovido pelo cruzamento vocabular “Oshowa”, que resulta da junção do
nome Ochoa (goleiro do México) com a palavra show. Aproveitando-se da semelhança
fônica entre esses dois vocábulos, esse cruzamento já instaura no texto um efeito de
humor, além de demarcar o destaque positivo ao goleiro do México. Para compreender
essa construção, é necessário resgatar as pistas estruturais oferecidas e conectá-las a
informações contextuais e ao conhecimento compartilhado.
O subtítulo da notícia confirma a orientação argumentativa anunciada pelo título,
citando o goleiro Ochoa e sua atuação eficiente evitando os gols da seleção brasileira.
Entretanto, o primeiro parágrafo mostra que o empate ocorreu não só pela atuação do
referido goleiro mas também por uma atuação ineficiente do Brasil, como comprovam
as expressões “tropeça” e “pálida atuação”. O objeto de discurso Ochoa é retomado
nesse parágrafo pela anáfora direta “goleirão”, em que o sufixo reforça a avaliação
positiva.
A seguir, a notícia narra alterações táticas promovidas pelo técnico da seleção
brasileira na sua tentativa de poupar o atacante Hulk e como essa alteração mexeu com
97
todo o time. Nesse trecho, a referência à posição dos jogadores dentro do campo e sua
função dentro dele evidenciam a necessidade de conhecimentos enciclopédicos
compartilhados sobre o futebol para alcançar a totalidade do que se está descrevendo na
notícia, como podemos ver no excerto abaixo:
(L6) Felipão poupou Hulk e, por tabela, mudou taticamente a equipe. Oscar, o melhor contra a
Croácia, foi atuar pela esquerda, na de Hulk. Ramires, com outra característica, foi fazer a
direita do 4-3-2-1 – onde Oscar brilhou na estréia. Por dentro, próximo de Fred, Neymar, como
todo o Brasil, fez um primeiro tempo discreto. De ótimo apenas uma bela cabeçada
espetacularmente defendida por Ochoa.
Demérito da seleção que se mexeu ainda menos contra um México que não se apequenou.
(Anexo, p. 176)
Do mesmo modo que há uma crítica à seleção brasileira, há uma valorização da
atuação da seleção mexicana. O objeto de discurso México foi recategorizado, por duas
vezes ao longo do texto, por uma expressão constituída de artigo indefinido + nome +
modificador, como em “Um México que não se apequenou”. Nessa expressão, a oração
adjetiva contribui para recategorizar o nome México, mostrando que tal seleção não se
intimidou frente à seleção brasileira. Além disso, como já utilizado em outra notícia, o
uso do artigo indefinido nessa anáfora direta contribui para atualizar esse referente
dentro do texto, como se fosse um novo objeto de discurso, com novas características.
Esse exemplo mostra o dinamismo do texto como processo, constituindo um jogo
contínuo de ativação e desativação de referentes, de modo que seja perfeitamente
possível entender o uso do artigo indefinido nessa anáfora direta.
A notícia continua com mais referências à posição de jogadores e esquemas
táticos. Sobre as estratégias de referenciação, há repetição lexical de México e Brasil ou
o uso do substantivo “time”. Já no encerramento da notícia, notamos uma retomada das
principais avaliações sobre o jogo e sobre as duas seleções, conforme o trecho a seguir:
(L6) O Brasil não jogou bem e, pior, deixou jogar um México que cresce. O que ainda não
justifica alguns sustos defensivos brasileiros, bem defendidos por Luiz Gustavo, Thiago Silva e
David Luiz. Defesa que sustentou uma equipe que depende tanto de Neymar quanto do Hino
antes do jogo. (Anexo, p. 176)
Nesse trecho, o referente Brasil foi retomado por repetição lexical, e o México,
pela expressão recategorizadoras “um México que cresce”, em que a oração adjetiva
reforça a avaliação positiva da seleção mexicana delineada ao longo de todo a notícia.
98
De todo modo, mesmo o crescimento da seleção mexicana, segundo o autor da notícia,
não é motivo suficiente para o “susto brasileiro”. Para finalizar, a seleção brasileira foi
recategorizada pela expressão “uma equipe que depende tanto de Neymar quanto do
hino antes do jogo”. Essa expressão, ao mencionar o nome de Neymar e o Hino,
apresenta uma carga argumentativa bastante forte. Neymar era e ainda é um jogador de
prestígio internacional, maior promessa do futebol brasileiro, e a referência ao Hino se
justifica pelo hábito da torcida brasileira nessa copa de continuar cantando o Hino à
capela, o que causava comoção nos jogadores, muitos choravam, inclusive. Podemos,
então, inferir uma crítica negativa tanto à dependência de Neymar quanto à reação
provocada pelo Hino.
A notícia do jornal Globo (G6) cf. anexo, p.177 também se inicia destacando a
seleção mexicana, como podemos ver no título “México segura o Brasil”. Já no
subtítulo, há o foco no goleiro Ochoa, ao dizer que ele “brilhou”, e à torcida mexicana
que “deu show”.
Em G6, o texto se inicia descrevendo os dias que antecederam a partida e o
pedido feito pela seleção para que a torcida apoiasse a equipe e cantasse o hino. A
notícia informa que o estádio estava cheio, porém a torcida mexicana também esteve
presente apoiando sua seleção. Nessa notícia, o empate é visto como um resultado bom
para as duas seleções, explicando que ambas devem ser classificadas do grupo. Algumas
informações adicionais são citadas, como a data do último empate sofrido pela seleção
brasileira em copas do mundo e a longa sequência de vitória do treinador Luis Felipe
Scollari. Ao contrário das notícias do jornal Lance!, os textos do jornal O Globo,
frequentemente, trazem mais informações sobre a partida, jogadores e também
curiosidades, estatísticas sobre o desempenho das seleções. Em relação às estratégias de
referenciação, em G6, prevalece a estratégia de repetição lexical ou a retomada com o
uso da palavra “seleção”.
No excerto abaixo, marca-se a dificuldade do Brasil, recategorizado como “a
equipe brasileira”, para vencer o México, conforme pode ser observado na expressão
“furar o forte bloqueio mexicano”, que enfatiza a boa atuação dessa defesa. Finalizando
o exemplo, a predicação atribuída ao goleiro Ochoa (“brilhou”) reitera a eficiência da
defesa mexicana, já que o goleiro defendeu os melhores ataques da seleção brasileira.
(G6) Com Oscar bem abaixo da estreia e Neymar muito bem marcado, a equipe brasileira teve
dificuldades para furar o forte bloqueio mexicano. No primeiro tempo, as melhores chances do
99
Brasil foram numa cabeçada de Neymar aos 25 e numa conclusão de Paulinho, após lindo passe
de Thiago Silva com o peito, já nos acréscimos. Em ambas Ochoa brilhou. (Anexo, p. 177)
Na continuidade do texto, há o subtítulo, intitulado “Ramires foi mal”, em que
são descritas as modificações feitas pelo treinador na seleção brasileira:
(G6) Como Ramires, que substituiu Hulk, foi muito mal, Felipão lançou Bernard no intervalo.
Mesmo assim, o time não melhorou. Continuou excessivamente dependente de Neymar. O
camisa 10 da seleção, por sinal, quase fez um belo gol, aos 23. Mas novamente, parou em
Ochoa.
A entrada de Jô no lugar de Fred, que nada fez em campo, também não surtiu efeito. O
atacante só brigou com a bola. (Anexo, p. 177)
Como podemos ver, há os nomes dos jogadores, quais jogadores foram
substituídos e quais entraram em campo, mas não há muitas referências a esquemas
táticos e nem a posições dos jogadores dentro do campo.
Chama atenção a anáfora direta empregada para recategorizar o jogador Neymar:
“camisa 10”. Mais do que informar o número da camisa, ser o camisa 10 da seleção
implica ser o jogador mais importante, o craque do time, é uma expectativa de que seja
o jogador mais decisivo. Muitas vezes, em programas esportivos de debates e análise
tática, fala-se no “camisa 10”, de modo abstrato, com frases como “Flamengo precisa de
um camisa 10”, por exemplo. Portanto, há, nessa anáfora direta, uma informação
cultural sobre futebol que contribui para qualificar Neymar. É interessante notar que
essa qualificação não está marcada por um adjetivo ou alguma expressão de valor
adjetivo, mas atrelada ao conhecimento compartilhado ativado pelo substantivo e pela
expressão numérica.
No final, há o sintagma nominal “atacante”, que retoma Jô, marcando a função
desse jogador no campo. O uso de dessa AD mostra como o processo de retomada está
diretamente ligado às pistas textuais, já que a expressão “o atacante” poderia servir
como correferente tanto para Jô quanto para Fred, pois ambos são atacantes. O
processamento desse referente está relacionado à mobilização de um conjunto de
informações sugeridas e apontadas pelo/no texto, como, por exemplo, a informação de
que o jogador havia acabado de entrar na partida.
A notícia se encerra mostrando que o México cresceu dentro do jogo, o que é
sugerido por informações como “ México com mais posse de bola”, “ameaçou o gol de
Júlio César”, dentre outras. E, para finalizar, o goleiro Ochoa é retomado,
100
metonimicamente, pela expressão “nas mãos milagrosas de Ochoa” por ter defendido
uma cabeçada de Thiago Silva, aos 40 minutos do segundo tempo.
As duas notícias apresentam uma condução argumentativa um pouco diferente.
Enquanto em L6 há uma preocupação em demonstrar a evolução da seleção mexicana e
como, em alguns momentos, ameaçou o Brasil, em G6 a ideia é que a seleção brasileira,
apesar de uma boa atuação, não conseguiu segurar o bloqueio mexicano e parou “nas
mãos milagrosas de Ochoa”. Por esse motivo, percebemos diferenças nas anáforas
diretas empregadas, principalmente, para a retomada da seleção mexicana.
G6 também apresenta alguns dados estatísticos, para além da narração da
partida, como a informação sobre o ano do último empate do Brasil e um trecho da
entrevista do técnico brasileiro, o que não notamos em L6. Também notamos diferenças
na descrição dos esquemas táticos que estão resumidos e pouco detalhados em G6; já
em L6 o apelo ao conhecimento compartilhado é maior, pois são empregadas
numerações, nomes de posições e táticas que demandam maior conhecimento do
interlocutor para sua interpretação.
4.3.7 Par 7: “Um dia sem fúria” e “Laranja amarga”
O próximo par de textos trata da partida entre Holanda e Espanha pela fase de
classificação da Copa do Mundo. Tratava-se da estreia de ambos os times na Copa, em
Salvador. Iniciamos com a apresentação dos objetos de discurso analisados nesse par:
Objetos de discurso
analisados no par 7
Anáforas empregadas na retomada
L7 G7
Espanha “Fúria” / “campeões mundiais”
“adversário”
“espanhóis” / “Espanha”
“Espanha”/ “Espanhóis
“protagonista Espanha”
“equipe”
Holanda “Laranja” / “Laranja de azul”
“Holanda” / “holandeses”
“equipe renovada”
“Laranja amarga” /
Laranja azul”
“Holanda”/ “Holandeses”
“papel de coadjuvantes”
“equipe”/ “outra Holanda”
Robben “Robben”, “ele” “Holandês de 30 anos”/
“Robben”
Casillas “Casillas” / “goleiro” “goleiro espanhol” /
“arqueiro”
Van Persie “Van Persie” “o camisa 9”
Quadro 9: objetos de discurso analisados no par 7
101
O título da notícia do jornal Lance! (L7), cf. anexo, p.178, apresenta uma
expressão que remete a um duplo sentido. Em “Um dia sem fúria”, o substantivo “fúria”
pode se referir tanto à seleção espanhola, já que representa seu apelido, como pode
referir-se ao fato de a Espanha ter sido goleada, isto é, sua fúria – em uma relação
metafórica com seu futebol – não funcionou. De todo modo, podemos notar que a
palavra fúria antecipa o referente que será enunciado no subtítulo do texto “campeã
mundial Espanha”, funcionando como uma AD prospectiva, conforme verificado no
trecho abaixo:
(L7) Um dia sem fúria
Sem dó, nem piedade, campeã mundial Espanha é humilhada pela Holanda na reprise da final
da Copa da África do Sul de 2010. (Anexo, p. 178)
Chamam a atenção as expressões que revelam o tamanho da derrota sofrida pela
Espanha, logo na primeira linha. A escolha do verbo humilhar como predicador é
bastante degradante para uma seleção, que foi enunciada no texto como “campeã
mundial”. Além disso, a escolha desse verbo, bem como as expressões “sem dó”, “nem
piedade” também contribuem para trazer carga dramática ao texto, como é comum nas
notícias esportivas, constituindo o que Costa (2010) chama de “folhetinização da
notícia”. De acordo com a autora, embora essa dramatização não seja exclusiva da
editoria de esportes, tal característica é ampliada nos textos esportivos, principalmente
na cobertura do futebol e em competições importantes, como uma Copa do Mundo, que,
para a autora, constitui ótimo exemplo de como o jornalista pode lançar mão de recursos
narrativos próprios da ficção. Nas palavras de Costa (2010, p.68),
Muitas reportagens sobre futebol produzidas pela imprensa têm o
excesso como marca forte, assim como o suspense, a polêmica e uma
visão de mundo maniqueísta, dividida entre o bem e o mal, o certo e o
errado, entre heróis e vilões. A ênfase no caráter dramático dos lances
de uma partida, em cenas lacrimosas, em depoimentos eivados de
emotividade, é constante em muitas reportagens.
O primeiro parágrafo do texto é bastante criativo e funciona como uma
apresentação da linha de raciocínio do texto: a sofrida derrota da Espanha e a eficiência
do time holandês. O parágrafo se inicia com uma AD que recategoriza a seleção
holandesa pelo seu apelido “laranja”. Porém, mais do que a estratégia de referenciação
102
em si, cabe analisar toda a frase: “a Laranja – de azul – voltou a ser Mecânica”. O
especificador “de azul” está entre os travessões justamente para destacar que, apesar de
a cor tradicional da Holanda ser o laranja, nessa partida, a seleção holandesa jogou de
azul, seu segundo uniforme. Além disso, o predicado “voltou a ser Mecânica” faz
referência à seleção holandesa da década de 70, conhecida como “Laranja Mecânica”
por sua brilhante atuação nos mundiais de 1974 e 1978 e também pode ter relação com
o famoso filme da época, “Laranja Mecânica”. São, portanto, acionados muitos
significados a partir dessa expressão, não só a referência às cores, mas também a
acontecimentos da história da seleção holandesa e do futebol.
Já a Espanha é recategorizada pela AD “fúria”, seu epíteto. Do mesmo modo
como acontece com a referência à Holanda, é muito importante verificar todas as outras
referências presentes no enunciado. A frase “a fúria ficou só no tiki” relaciona-se ao
famoso estilo de jogo espanhol, tiki-taka, em que há muitos toques de bola e
movimentação, não há lançamentos ou chutões, a bola vai de pé em pé até chegar ao
gol. Entretanto, nesse enunciado, a expressão está separada, de modo que é possível
inferir que esse estilo de jogo não funcionou e, mais do que isso, a Espanha ficou com
outro tique, o nervoso, sugerindo descontrole da equipe na partida. A própria pontuação
– há várias frases em sequência, separadas pelo ponto final – funciona como um recurso
linguístico bastante expressivo para provocar, dentro do texto, o efeito de um
movimento repetido, sugerindo um tique-nervoso. Também chama atenção a expressão
“pois é”, que simula uma conversa com um interlocutor, como se respondesse a uma
possível desconfiança do leitor em relação aos fatos narrados, como podemos ver
abaixo:
(L7) A Laranja – de azul – voltou a ser Mecânica. E a Fúria ficou só no tiki. Nervoso.
Sem o taka. Pois é. Em dia de muito brilho de Robben, que estraçalhou, e desastroso
para o adversário, principalmente para Casillas, a Holanda enfiou 5 a 1 na Espanha, em
Salvador, vingando a derrota de 1 a 0 na decisão da Copa de 2010, na África do Sul. (Anexo, p. 178)
Em relação às estratégias de referenciação, há o emprego de anáforas diretas
formadas pela estratégia de repetição lexical e por expressões referenciais novas, isto é,
que evitam a repetição do referente, para reforçar o projeto de dizer do texto: a Espanha,
como última campeã mundial derrotada, e a Holanda, que, após ter perdido a final na
última copa, apresenta-se reestruturada, sendo recategorizada como uma “equipe
renovada”.
103
Em seguida, são descritas as principais jogadas dos dois times, começando pelo
fato de a Espanha ter saído na frente, com gol de pênalti, e pela chance perdida por
David Silva no primeiro tempo.
Na sequência, o pronome demonstrativo “essa” instaura uma anáfora direta que
aponta para a jogada desperdiçada. Trata-se de uma anáfora direta realizada apenas pelo
emprego do pronome que orienta o leitor para encontrar o objeto de discurso que,
sabemos estar saliente na memória discursiva, dentro do cotexto. É um recurso bastante
expressivo, pois percebemos que esse pronome aponta para um lugar do cotexto;
entretanto, a nosso ver não se trata de um caso de dêixis textual nem de dêixis, pois há
um referente enunciado no discurso. Por fim, reiterando a orientação argumentativa
atribuída a importância dessa jogada dentro do contexto do jogo, há a expressão bola
do jogo “bola do jogo” , que encerra o trecho corroborando toda a cadeia referencial
que foi articulada em torno do lance perdido por David Silva:
(L7) O curioso é que a Espanha saiu na frente, gol de pênalti – de De Vrij em Diego Costa – aos
26 minutos, teve maior domínio e desperdiçou uma excelente oportunidade aos 42, por capricho
de David Silva, que tentou encobrir Cillessen. Não seria exagero dizer que essa foi o que se
chama de bola do jogo, pois se entra talvez mudasse o rumo do duelo. Ah... e só tomou o
empate aos 44, num peixinho de Van Persie. (Anexo, p. 178)
No próximo exemplo, a orientação argumentativa principal do texto, que trata da
superioridade holandesa, é reiterada por outras informações presentes no texto no
parágrafo abaixo:
(L7) Veio o segundo tempo, e os holandeses envolveram por completo o adversário, que acabou
perdendo o controle dos nervos e do jogo. Robben fez 2 a 1 aos sete, De Vrij – após falta de
Van Persie em Casillas – aos 19, Van Persie, tomando a bola do goleiro, aos 27, e ele, Robben,
novamente, num gol espetacular: ganhou na corrida de Piqué e Ramos, tirou Casillas do lance e
mandou a pancada à esquerda, 5 a 1. (Anexo, p. 178)
“O adversário” – AD que retoma Espanha – foi “envolvido” pela Holanda de tal
modo que começou a cometer erros, “perdeu o controle dos nervos e do jogo”, por isso
acabou sofrendo uma goleada. O relato de que Casillas (goleiro espanhol) levou um gol
ao perder a bola para um atacante reforça a desorientação do jogador, pois isso é
considerado um erro grosseiro e incomum, ainda mais se tratando de um goleiro (à
época) de um clube espanhol muito famoso, o Real Madrid. Esse lance justifica a
104
avaliação de que a Espanha “perdeu o controle dos nervos”. Há ainda a presença de
algumas anáforas diretas, como o nome goleiro retomando Casillas e o pronome pessoal
“ele” para retomar “Robben”
O final de L7 não apresenta outras estratégias de referenciação além da repetição
lexical. Entretanto, devemos destacar os adjetivos utilizados para qualificar as seleções
ao final da partida: enquanto os espanhóis estavam assustados, “rezando” para o “apito
final”, os holandeses estavam felizes. A notícia ainda faz um elogio ao treinador
holandês pelo seu trabalho e faz projeções promissoras para o futuro da Holanda na
competição.
A notícia do jornal O Globo (G7) cf. anexo, p. 179 surpreende e apresenta
muitos recursos criativos, como já podemos ver pelo título “laranja amarga”. Essa AD
antecipa o referente Holanda, que será enunciado no subtítulo. Além disso, o adjetivo
“amarga”, faz referência à goleada que aplicou na Espanha: para os espanhóis, a laranja
estava “amarga”.
O início da notícia retoma a derrota sofrida pela Holanda na final da copa de
2010 e como esse jogo tinha um apelo diferente, de revanche. No excerto abaixo,
podemos ver que a expressão “virar o jogo” não se refere ao jogo que está sendo
narrado, mas à final de 2010. As recategorizações dos objetos de discurso Espanha e
Holanda exemplificam essa orientação argumentativa. Em 2010, à Holanda coube “o
papel de coadjuvante”, e à Espanha, o protagonismo, o brilho.
(G7) São necessários 45 minutos para a troca de lados em uma partida. Mas o intervalo
esperado pela Holanda para virar o jogo durou quatro anos. No ciclo entre as Copas, os
holandeses não suportaram o papel de coadjuvantes, enquanto a protagonista Espanha brilhava
como a estrela campeã em sua camisa roja. Até ontem. (Anexo, p. 179)
Após a marcação de tempo “até ontem”, é instaurada uma mudança na
orientação argumentativa no texto, com a narração dos lances da partida e do modo
como ocorreu a vitória holandesa e superioridade na partida de 2014. O jornalista
compara as crenças, costumes e comidas trazidas do continente africano para a Bahia e
afirma que as seleções, retomadas pela AD equipes, trazem desse continente a
rivalidade e os holandeses, o desejo de revanche. Na sequência, Holanda e Espanha são
retomadas pela estratégia de repetição lexical e é relatado o placar da partida, como a
“furiosa goleada”, em que há uma brincadeira com o adjetivo furiosa, que lembra o
apelido da seleção espanhola, sugerindo que a “fúria”, nesse jogo, não era espanhola:
105
(G7) Assim como a maioria dos credos, crenças e culinárias vieram da África, as equipes
trouxeram daquele continente para a Bahia a rivalidade e o latente desejo de vingança da
Holanda, que impôs à Espanha uma furiosa goleada de 5 a 1. Jamais um campeão havia estreado
na Copa seguinte levando cinco gols. (Anexo, p. 179)
O próximo parágrafo se inicia com o encapsulador “a inversão de papéis”, que
retoma o conteúdo anterior e a relação estabelecida pelas anáforas diretas “papel de
coadjuvante” e “protagonista Espanha”. Desse modo, esse encapsulamento, como será
explicado na seção 4.4, inicia um novo tópico discursivo: a vitória da Holanda sobre a
Espanha.
Na sequência da notícia, há uma associação interessante na descrição do gol de
cabeça de Van Persie, gol que abriu a goleada holandesa. O jornalista diz que o “voo de
Van Persie sobre a área iniciou a decolagem da Holanda”, uma metáfora para o
movimento de subida do jogador para realizar a jogada; essa metáfora serve de âncora
para o substantivo “decolagem”. A partir desse gol, a Holanda “subiu” e ganhou o jogo
por um amplo placar. Logo após, Van Persie é recategorizado pela AD “camisa 9”,
receber tal camisa significa ocupar o papel de atacante/goleador do time. A escolha
dessa expressão, portanto, indica para o leitor a relevância desse jogador dentro da
seleção holandesa
(G7) O voo de Van Persie sobre a área iniciou a decolagem da Holanda. Após receber passe
certeiro de Blind, o camisa 9 praticamente ficou no ar, com o corpo na horizontal, antes de
cabecear e encobrir Casillas, aos 44 minutos. (Anexo, p. 179)
Na continuidade do texto, há um subtópico, intitulado Piqué no “waka waka”,
em que são descritos os lances do segundo tempo da partida com os outros gols da
Holanda. A referência feita no subtópico à música da Shakira, esposa de Piqué, é
explicada no decorrer do texto. No segundo gol, Robben driblou Piqué, com uma
sequência de dribles no mesmo jogador e esse movimento do corpo de Piqué lembra
uma dança, como enunciado no subtópico. Nesse parágrafo, há ainda menção à Laranja
Mecânica da década de 70, e a curiosidade é que havia um jogador na Holanda que é
filho de um jogador daquela seleção.
No que se refere às estratégias de referenciação, Espanha é retomada por
estratégias de repetição lexical ou pela palavra “seleção”, como também acontece com o
objeto de discurso Holanda.
106
(G7) O grande final foi definido pelo destino. Quatro anos antes, Robben perdeu um gol na
decisão, em chute defendido por Casillas. Era preciso deixar o goleiro espanhol aos seus pés. A
corrida que o holandês de 30 anos deu, do meio-campo até a área da Espanha, aos 35 do
segundo tempo, mostra a disposição de reescrever a sua história. (Anexo, p. 179)
A expressão “o Holandês de 30 anos” retoma Robben, citado anteriormente. É
interessante notar que a mesma jogada também mereceu destaque no Lance!, como “gol
espetacular”.
Para finalizar a notícia, são utilizados alguns vocábulos que contribuíram para
carregar o tom dramático do lado espanhol, como “incredulidade”, por exemplo. Ao
goleiro espanhol foram atribuídos os adjetivos “humilhado” e “cabisbaixo”, já o jogador
holandês “passou radiante”. Essas expressões oferecem um tom emocional e dramático
à notícia, confirmando o que Costa (2010) já tinha apontado em sua análise sobre o
jornalismo esportivo de futebol.
Assim como em L7, as palavras escolhidas para compor a notícia revelam muito
do projeto de dizer do texto. O mesmo verbo foi escolhido, no subtítulo, para
caracterizar a ação holandesa: “humilha”. Outros vocábulos como “vinga” ou a
expressão “torcida canta olé” também corroboram para dramatizar a derrota sofrida pela
Espanha. O lance do gol de Robben, por exemplo, foi descrito nas duas notícias. No
entanto, em G7, a jogada é descrita sem envolver o nome dos defensores, com foco em
Robben, principal jogador holandês, e o texto fornece mais informações para auxiliar o
leitor na (re)construção de sentidos. Já em L7, há menos informações e uma necessidade
maior de o interlocutor conhecer os jogadores que estão envolvidos no lance.
4.3.8 Par 8: “Close nele” e “Chucrute na Bahia”
Esse par de textos trata do jogo entre Alemanha e Portugal, pela fase de
classificação da copa do Mundo, no estádio conhecido como Fonte Nova localizado na
Bahia. No quadro 10, há os objetos de discurso analisados e as anáforas empregadas na
estratégia de retomada:
Objetos de discurso
analisados no par 8
Anáforas empregadas na retomada
L8 G8
Alemanha “ Alemanha de Thomas Muller”
“comandados de Löw”
“Alemanha” / “rival
‘tricampeões”
107
“bloqueio alemão” “Alemanha de Muller”
Portugal “time recuado” / “Portugal”
“zaga adversária” / “os lusos”
“portugueses”
“Portugal”
“time ibérico”
Thomas Muller “novo artilheiro da Copa” /“ele”
“Muller”
“ artilheiro do mundial até
agora”
Cristiano Ronaldo
“Cristiano Ronaldo” “Cristiano Ronaldo” /
“Ronaldo” / “um Ronaldo
“craque”/ “o melhor jogador do
mundo”
Ronaldo Fenômeno -------------------------------- “o outro” / “esse Ronaldo”
Pepe “Pepe” “ele”, “brasileiro naturalizado
português”
Quadro 10: objetos de discurso analisados no par 8
O título da notícia do jornal Lance!, (L8) (cf. anexo, p. 180) “Close nele”,
apresenta uma AD que introduz um referente que será enunciado no subtítulo do texto:
(L8) Close nele!
Alemanha não toma conhecimento de Cristiano Ronaldo e goleia com show de Thomas Muller,
novo artilheiro da Copa, que deixa Klose no banco. (Anexo, p. 180)
A palavra “Close” promove um duplo sentido, pois se poderia imaginar que,
pela semelhança fônica, refere-se ao famoso jogador Klose, um dos maiores goleadores
da história das Copas. Entretanto, lendo o subtítulo e o restante do texto, percebemos
que se trata de uma referência ao seu companheiro equipe, Thomas Muller.
A expressão “nele” é uma AD pronominal que introduz um novo objeto de
discurso ao texto, deixando-o em evidência, isto é, fica em foco na memória textual.
Conforme atesta Koch (2005), um pronome prospectivo pode ser um recurso de
suspense, que leva o leitor a imaginar qual seria o referente, estratégia que pode ser
interessante a depender do gênero textual em questão. Santos e Colamarco (2014), por
exemplo, mostram como essa estratégia tende a ser recorrente em narrativas de terror.
L8 se inicia citando Cristiano Ronaldo, por ser um jogador português famoso
mundialmente, afirmando que ele ficou perdido em campo, “não viu a cor da bola”. Em
seguida, a Alemanha é recategorizada pela expressão “Alemanha de Thomas Muller”,
em referência ao craque alemão, até então desconhecido no cenário mundial. Na
sequência, o sintagma nominal “a estratégia de Paulo Bento” sintetiza o conjunto de
ações tomadas pelo treinador português, que serão descritas no próximo parágrafo, para
108
neutralizar o ataque alemão, que já havia goleado outras seleções nesse início de
competição. Nesse caso, a avaliação não está dentro do sintagma nominal, mas na
predicação em torno, em expressões como “derrubar”, “desastrada”, dentre outras:
(L8) Alemanha de Thomas Muller, que precisou de apenas um tempo para enfiar 4 a 0 e
derrubar a estratégia de Paulo Bento, que se revelou absolutamente desastrada, dado que suas
previsões caíram por terra com extrema rapidez. (Anexo, p. 180)
Com a leitura do texto, entendemos que “a estratégia” consistia em manter o
time recuado e apostar nos contra-ataques, tendo em vista a velocidade de alguns
jogadores do ataque, dentre eles, Cristiano Ronaldo. Paulo Bento é retomado pela AD
“treinador”, que acrescenta, para quem desconhecia, seu papel na equipe portuguesa.
As ações do treinador alemão também são evidenciadas, já que ele ganha o
crédito de ter percebido as intenções do treinador português e ter adiantado a marcação
dos alemães. Nesse sentido, a defesa alemã é chamada de “bloqueio alemão”, as
chances de gol da seleção alemã foram encapsuladas como “as oportunidades”, o que
sugere, para o leitor, que se tratava de uma excelente partida executada pela seleção
alemã, pois, ao mesmo tempo em que sua defesa criava “um bloqueio”, o ataque criava
“oportunidades”.
As ações continuam sendo descritas do ponto de vista do ataque alemão. Na
sequência, notamos alguns exemplos:
(L8) Certa de que Portugal, sem outra opção, sairia para tentar diminuir o vexame, preferiu
recuar, para ampliar o resultado nos contra-ataques. Enquanto os lusos esbarravam no muro
adversário – o de Berlim já foi abaixo – os comandados de Löw recuperavam a bola, trocavam
passes medidos e vez por outra arriscavam na frente. (Anexo, p. 180)
Os portugueses são retomados pela AD “lusos”, na frase “os lusos esbarravam
no muro adversário”, isto é, a defesa alemã, retomada por meio de uma anáfora indireta,
processo que será tratado em outra seção. O jornalista faz ainda uma relação baseada em
conhecimentos históricos entre esse “muro”, ou seja, o esquema defensivo alemão, que
continua firme, ao passo que o muro de Berlim, que já caiu. Ainda nesse parágrafo, a
Alemanha volta a ser retomada pela AD “os comandados de Löw”, que envolve o nome
do treinador alemão e a expressão “comandados”, aqueles que implementam a estratégia
proposta pelo comandante/treinador. Essa associação entre termos militares e futebol é
109
recorrente nas notícias do jornal Lance!, principalmente quando a notícia trata de jogos
da Alemanha.
Ao final da notícia, as duas seleções são retomadas pela estratégia de repetição
lexical, e o texto se encerra, reforçando a supremacia alemã sobre Portugal, ao dizer que
“ficou barato” devido ao calor do dia. Há, por fim, uma alusão às comidas baianas ( o
vatapá e o dendê) como se elas fossem a razão para a derrota de Portugal. Trata-se de
um recurso recorrente nas notícias esportivas, principalmente no jornal Lance!, a
referência a traços culturais dos países e cidades onde ocorrem as partidas.
A notícia do jornal O Globo (G8) cf. anexo, p.181 também destaca a expressiva
vitória alemã. O título, “chucrute na Bahia”, ao lembrar um típico prato alemão, já
sugere que a equipe alemã obteve êxito na Bahia.
As duas seleções são enunciadas logo no subtítulo, que também menciona o
principal jogador alemão, através da AD “o artilheiro do mundial até agora”. A notícia
se inicia afirmando que a Alemanha já “bateu um Ronaldo, agora falta o outro”, que,
além de ser referir ao Cristiano Ronaldo, jogador mais famoso da seleção portuguesa,
também faz referência ao ex-jogador brasileiro, Ronaldo, que até a Copa de 2010 era o
maior goleador da competição e estava para ser superado, em 2014, pelo jogador
alemão Thomas Müller. Nesse parágrafo, dá-se grande destaque ao jogador alemão de
forma que a própria seleção alemã é recategorizada pela AD “Alemanha de Müller”,
reforçando a ênfase na estrela do futebol alemão na Copa de 2014.
Em seguida, o jogador Cristiano Ronaldo é recategorizado através da AD “o
melhor jogador do mundo”, e a Alemanha, pela expressão “tricampeões”. Percebemos,
ao longo do texto, que a descrição das ações da seleção portuguesa está muito
relacionada às ações do jogador Cristiano Ronaldo, sugerindo que a equipe de Portugal
seja muito dependente de seu jogador principal, como também acontece no exemplo
abaixo:
(G8) “Se fosse Portugal uma equipe independente de seu craque, Fábio Coentrão teria chutado a
gol no início, mas preferiu tocar (errado) para Ronaldo, em chance clara”. (Anexo, p. 181)
Como podemos ver no trecho acima, Cristiano Ronaldo é retomado duas vezes:
uma por meio da AD “seu craque” e outra pelo seu nome “Ronaldo”. Além disso, fica a
avaliação de Portugal como uma equipe presa ao talento de Cristiano Ronaldo.
Na sequência das ações, há um novo tópico, intitulado “Pepe leva o cartão
vermelho”, em que são narradas as ações que culminaram no terceiro gol alemão, como
110
o fato de o zagueiro Pepe ter acertado o rosto do jogador alemão Müller com a mão,
como mostra o excerto abaixo:
(G8) “Pepe não andava bem da cabeça: aos 36, ele acertou o rosto de Müller com a mão. Com o
alemão sentado, o brasileiro naturalizado português deu-lhe uma cabeçada e foi expulso. O
outro zagueiro, Bruno Alves, “contribuiu” aos 46, ao rebater fraco a bola, que Müller roubou
antes de fuzilar para o gol: 3 a 0” (Anexo, p. 181)
De modo interessante, o parágrafo começa com a frase “Pepe não andava bem
da cabeça”, expressão que indica um sentido figurado, cujo conteúdo será justificado
mais adiante com as informações sobre as duas infrações que ele cometeu, como a
cabeçada no jogador alemão. Nesse sentido, podemos inferir que a frase citada indica
uma ironia em relação ao lance agressivo que o jogador protagonizou.
Além disso, a frase inicial faz um link com o final do parágrafo anterior, que é
encerrado narrando a falha de Pepe no gol de cabeça da Alemanha, dizendo que o
jogador “perdeu de Hummels na subida”. O zagueiro Pepe, nesse trecho, foi retomado
pelo pronome pessoal “ele” e depois pela AD “o brasileiro naturalizado”, que acrescenta
uma nova informação sobre o zagueiro.
Ainda nesse subtópico, há um exemplo de AD que chama atenção pelo seu apelo
ao conhecimento compartilhado para sua interpretação, conforme segue abaixo para
apreciação:
(G8) Apesar de Paulo Bento pôr um novo zagueiro em campo no segundo tempo, Portugal
continuou igual, frágil. E a Alemanha manteve a potência. Com a saída de Fábio Coentrão,
também machucado, a chance do trio português do Real Madrid ter sucesso estava limitada a
Ronaldo. Que nada fez. (Anexo, p. 181)
A expressão “trio português do Real Madrid” retoma, por meio de uma AD, os
jogadores Cristiano Ronaldo, Fábio Coentrão e o zagueiro Pepe. A referência aos dois
primeiros jogadores – Cristiano Ronaldo e Fábio Coentrão – pode ser homologada pelas
informações contidas no parágrafo. Entretanto, chegar à conclusão de que o trio se
completa com o jogador Pepe não depende somente de pistas textuais, visto que tal
jogador tinha sido enunciado no parágrafo anterior quando se falava da sua cabeçada e,
após a sua menção, outros jogadores de Portugal foram mencionados, como o zagueiro
Bruno Alves, por exemplo. Esse exemplo mostra como uma anáfora direta pode ser
extremamente dependente de inferências. Ainda que tenham um correferente expresso
no cotexto, a interpretação dessa anáfora depende de processos cognitivos, acessando,
111
assim, informações relevantes na memória para ativar o conhecimento necessário para
tal inferência (cf. SCHAWRZ, 2007, p. 5). As anáforas diretas, portanto, podem
apresentar mais ou menos dependência do contexto cultural compartilhado entre os
interlocutores. Acreditamos ainda que essa possibilidade está diretamente relacionada
aos propósitos comunicativos do texto e ao gênero textual em que tais processos
emergem, construídas na interação.
O encerramento do texto retoma os dois objetos de discurso centrais – Portugal e
Alemanha – por meio de repetição lexical e ressalta a superioridade alemã e o baixo
desempenho de Portugal e a referência a Ronaldo, jogador português derrotado, e
Ronaldo, jogador brasileiro que perderia dias depois seu título de maior goleador em
Copas do Mundo para um novo jogador alemão.
Ambos os textos, L8 e G8, valorizam a vitória alemã devido à goleada que essa
seleção impôs aos portugueses, mesmo com a presença do craque com fama mundial,
Cristiano Ronaldo.
4.4 Análise das anáforas encapsuladoras nas notícias esportivas
As anáforas encapsuladoras se apresentam como uma escolha com a capacidade
de sumarizar informações presentes no cotexto e, ao mesmo tempo, transformá-las em
novo objeto de discurso. Foram verificados alguns casos de anáforas encapsuladoras no
corpus que mostram a dupla funcionalidade dessa estratégia, podendo incorporar,
inclusive, certo teor avaliativo ao texto.
Os primeiros exemplos a serem discutidos são aqueles que apresentam, mais
explicitamente, um papel de organizador e de articulação entre as partes do texto, como
o exemplo abaixo, retirado do jornal O Globo, que narra a partida entre Uruguai e
Inglaterra:
(G1) O resultado, porém, não significa o adeus da outra campeã do mundo, a Inglaterra. Tudo
dependerá do jogo de hoje entre Itália e Costa Rica, no Recife. Um empate elimina os ingleses.
Assim como uma vitória costarriquenha. Isso porque, com esse resultado, os ingleses não
conseguirão alcançar a pontuação de pelo menos dois rivais do Grupo D. (Anexo, p. 162)
O encapsulador “o resultado” faz a articulação entre os parágrafos anteriores do
texto e aponta para o novo tema que surge na progressão do texto, funcionando como
um tópico discursivo (cf. JUBRAN, 1992). O pronome “isso” retoma e sintetiza a
112
explicação sobre a possibilidade de classificação das equipes citadas. Já a expressão
“esse resultado” retoma a situação que envolve a possibilidade de vitória
costarriquenha, o que desclassificaria a equipe inglesa. Chama atenção ainda o uso do
pronome demonstrativo “esse” que situa o leitor dentro do texto para que ele recupere o
referente dessa expressão de modo eficiente, mostrando que a troca da classe gramatical
do determinante nos sintagmas nominais cumpre um propósito dentro do texto.
No exemplo retirado de (L5), também verificamos o uso do pronome
demonstrativo como encapsulador:
(L5) A Argentina venceu a Holanda porque foi muito mais competente nos pênaltis, após 0 a 0
no tempo normal e na prorrogação, mas não foi só isso. Os Hermanos fizeram muito do que o
time de Luiz Felipe Scolari, que deveria jogar no Maracanã domingo, não o fez na terça no
Mineirão. (Anexo, p. 173)
Para desfazer a imagem de um jogo sem emoções – conteúdo pressuposto por ter
sido um jogo sem gols –, em que os lances principais só saíram na prorrogação, há a
relação discursivo-argumentativa de oposição marcada pela oração “mas não foi só
isso”, que procura descartar essa possível leitura. O uso do advérbio “só” com o
pronome “isso” reforça a tese de que o jogo foi interessante. Isto é, ainda que os gols
tenham acontecido somente na disputa de pênaltis, não quer dizer que o jogo tenha sido
sem emoção.
É importante destacar também que, pronome “isso” não só sintetiza a porção
anterior do texto como também cria uma expectativa para algo que ainda vai ser dito, ou
seja, também aponta “para frente” no texto. Ao dizer que “não foi só isso”, o jornalista
gera no leitor uma curiosidade sobre o que se seguiu na partida, por isso podemos dizer
que esse mecanismo realiza um duplo movimento no texto, de continuidade e
progressão, retomando porções já ditas e antecipando que mais informações serão ditas.
Tal característica é pouco discutida nos estudos sobre encapsulamento – principalmente
quando o encapsulador é o pronome “isso”. Muitas vezes, destaca-se o papel de
organizador desse processo de referenciação tendo em vista somente a sua propriedade
de retomar partes já ditas.
Dentro dos exemplos que contribuem para a organização textual, o
encapsulamento prospectivo sublinhado abaixo, verificado na notícia do jornal O
Globo, inicia um novo tópico no discurso e reitera a orientação argumentativa do texto
que trata da superação do time holandês:
113
(G7) A inversão de papéis começou antes de a bola rolar. Ao contrário da final de 2010, era a
Holanda a usar azul. Ao cair na área aos 25 minutos, o brasileiro naturalizado espanhol Diego
Costa já percebera a dificuldade para se livrar dos zagueiros e das vaias. Xabi Alonso bateu o
pênalti e fez o único gol da Espanha, um suspiro antes do afogamento total.
(Anexo, p. 179)
Tendo em vista o parágrafo anterior da notícia, esse parágrafo, com o
encapsulador “a inversão de papéis”, retoma o conteúdo anterior e a relação
estabelecida pelas anáforas diretas “papel de coadjuvante” e “protagonista Espanha”,
além de marcações dêiticas de tempo presentes no parágrafo anterior, que estabelecem
um “antes e depois” no discurso, coincidindo com o tópico instaurado pelo
encapsulador “a inversão de papéis”.
Assim, além de resumir o conteúdo anterior, esse encapsulamento inicia um
novo tópico discursivo: a vitória da Holanda sobre a Espanha. De acordo com Burdiles
e Parodi (2016), os encapsuladores prospectivos e retrospectivos relacionam-se à
organização e hierarquização das informações dentro do texto, o que comprova o papel
fundamental desses mecanismos na compreensão de textos, que podem tanto retomar
informações já mencionadas como antecipar novos conteúdos.
Koch e Elias (2016, p. 95) afirmam que os encapsuladores podem funcionar
como um importante recurso para “marcar o parágrafo do ponto de vista cognitivo’. É
exatamente o que acontece nesse exemplo, pois as informações textuais precedentes
conduzem a uma imagem mental dos objetos de discurso Holanda e Espanha que será
oposta no próximo parágrafo. Essa “virada” dos objetos de discurso é marcada pelo
encapsulador “a inversão de papeis”, indicando o assunto a ser desenvolvido, definindo
cognitivamente essa unidade construtiva do texto.
Essa mesma notícia se encerra com o encapsulamento “o grande final”, que
sintetiza e avalia a porção posterior do texto, sendo, portanto, uma anáfora prospectiva.
A seguir, é explicado todo o contexto da última vitória da Espanha, como Robben
perdeu um gol na frente do Casilhas, em 2010, e como, nesse jogo, ocorre a sua
redenção, justificando o rótulo “grande final”, como mostra o trecho abaixo:
(G7) O grande final foi definido pelo destino. Quatro anos antes, Robben perdeu um gol na
decisão, em chute defendido por Casillas. Era preciso deixar o goleiro espanhol aos seus pés.
(Anexo, p. 179)
114
Os próximos exemplos foram retirados do jornal O Globo (G2), que trata da
partida entre Brasil e Alemanha.
(G2) Aos 7, no entanto, a Alemanha deu o primeiro sinal: em uma jogada bem tramada no
ataque, Khedira bateu de fora da área, mas a bola bateu no companheiro Kroos. Quatro minutos
depois, Müller aproveitou um escanteio e, sozinho, abriu o placar. Era só o começo. (...)
A Alemanha ainda marcou mais duas vezes no segundo tempo e ampliou o massacre: aos 24 e
34, Schürlle, que entrara no lugar de Klose, escancarou ainda mais a fragilidade brasileira. Aos
44, Oscar marcou, mas não diminuiu em nada a dor brasileira. (Anexo, p. 166)
O primeiro exemplo constitui um caso bastante comum nas notícias esportivas: o
encapsulamento de lances do jogo, que, muitas vezes, avaliam a jogada. Outra
característica recorrente é o fato de serem encapsulamentos prospectivos, como no
exemplo acima, em que o sintagma nominal “o primeiro sinal” antecipa a descrição do
lance de perigo da seleção alemã.
No mesmo texto, já no último parágrafo, “massacre” sintetiza e avalia o que foi
a derrota brasileira para Alemanha, além de servir para fazer uma referência prospectiva
ao último gol alemão.
O mesmo recurso – encapsulador que antecipa lances da partida – também foi
utilizado no exemplo abaixo (L4), sobre a partida entre Bélgica e Estados Unidos:
(G4) Dispostos a se defender até o fim, os americanos levaram sorte no chute de Hazard, aos
42, que acertou a rede pelo lado de fora. A melhor chance do jogo, no entanto, veio já nos
acréscimos, quando Wondolowski recebeu livre na área, mas concluiu por cima do gol de
Courtois, sob olhar incrédulo do ex-artilheiro Klinsmann. (Anexo, p. 171)
O encapsulamento “melhor chance do jogo” descreve o que, para o jornalista
representou o lance mais interessante da etapa normal de jogo: a jogada norte-
americana. Em seguida, o operador argumentativo disjuntivo "no entanto", traz para o
texto uma orientação argumentativa de que, apesar da superioridade belga ao longo da
partida, a melhor jogada foi norte-americana. Tal conteúdo também é reforçado pelo
vocábulo “melhor”. Para Conte (2003, p.186) a anáfora encapsuladora “funciona
simultaneamente como um recurso coesivo e como um princípio organizador, e pode ser
um poderoso meio de manipulação do leitor”, pois o fato de o produtor do texto rotular
um conteúdo contribui para sua força argumentativa, como acontece no exemplo
destacado.
115
De modo semelhante ao anterior, o próximo exemplo também apresenta um
encapsulamento que rotula e avalia um determinado lance do jogo, que o jornalista julga
ter sido “o mais dramático’:
(G3) Aos 38, o lance mais dramático da primeira etapa: Mostefa aparou um rebote de fora da
área, a bola desviou em Boateng e, com Neuer completamente batido, passou à direita do gol.
Na seqüência, Schweinsteiger chutou de fora da área, o goleiro M’Bolhi bateu roupa e em
seguida defendeu a pancada à queima-roupa de Götze. (Anexo, p. 168)
Esse encapsulamento promove um efeito de suspense em relação a um lance
quase no final do primeiro tempo de jogo: “o lance mais dramático da primeira etapa”.
Tal recurso apresenta e qualifica todo o conteúdo do parágrafo que encabeça, pois o que
se segue no restante do parágrafo é a descrição detalhada do que seria a jogada mais
importante do primeiro tempo da partida.
Convém destacar a noção de tópico discursivo e como tal noção está diretamente
ligada à referenciação. Dentre todos os processos, o encapsulamento exerce um papel
importante de continuidade ou de progressão tópica. Como observou Pinheiro (2003, p.
261), os encapsuladores, além dos papéis citados, podem realçar um dado conteúdo,
reforçando ou esclarecendo o ponto de vista do enunciador:
Ao atribuir a um conjunto de informações o estatuto de referente, o
produtor do texto deixa transparecer seu ponto de vista em relação a
essas informações. Esse é um dos aspectos interacionais vinculados à
conferição de estatuto de referente a um conjunto de informações
difundidas no cotexto como mecanismo de articulação tópica. Ao
sumarizar todo o conteúdo de tópico através de uma forma referencial, o
produtor do texto pode realçar uma parte desse conteúdo, avaliando-a.
Esse tipo de estratégia para se referir a determinados lances dos jogos é
recorrente nas notícias esportivas analisadas – verificadas nos dois jornais –,
principalmente para (re)construir a emoção do lance e da própria partida, sendo
recorrente também a estrutura: nome + modificador nos encapsuladores. Assim, além da
função de introduzir um novo tópico no discurso, esse recuso também propicia um
efeito argumentativo ao projeto de dizer do texto.
Observamos também ser comum nas notícias esportivas o uso de um
encapsulador logo no início do texto, conforme pode ser observado em (L4), transcrito
abaixo:
(L4) Anheuser – Busch, Duvel, Stella-Artois. Qual delas os belgas vão escolher para
comemorar a dramática vitória sobre os Estados Unidos? Ou tomarão todas? (Anexo, p. 170)
116
Esse encapsulador, que atua como uma anáfora prospectiva, já promove uma
categorização da partida: trata-se de uma “dramática vitória”. O emprego desse rótulo
estabelece um ponto de partida para as relações que se estabelecerão dentro do texto,
apresentando, já no início, uma avaliação do jogo. No desenvolvimento da notícia, com
a descrição dos principais lances e a informação de que a vitória só veio na prorrogação,
entendemos por que a partida foi caracterizada como “dramática”.
Ao final dessa mesma notícia, há um encapsulamento realizado por um pronome
demonstrativo que encerra o texto, reforçando que, apesar do gol final dos Estados
Unidos, a vitória ficou com a seleção belga.
(L4) E lá veio a prorrogação. Nesta, os belgas acabaram ganhando com a arma dos norte-
americanos: aos dois, Lukaku, que entrou com o próprio diabo no corpo, rolou para De Bruyne
fazer 1 a 0. Aos 15, De Bruyne lançou Lukaku, que fuzilou: 2 a 0. Aos 17, no entanto, o jovem
Green, 19 anos, mostrou que não está verde: entrou em campo e diminuiu para 2 a 1. Foi um
final imprevisível, mas ficou nisso. (Anexo, p. 170)
Em (G6), também observamos o uso do encapsulador prospectivo na notícia que
trata do jogo entre México e Brasil:
(G6) Com Oscar bem abaixo da estreia e Neymar muito bem marcado, a equipe brasileira teve
dificuldades para furar o forte bloqueio mexicano. No primeiro tempo, as melhores chances do
Brasil foram numa cabeçada de Neymar aos 25 e numa conclusão de Paulinho, após lindo passe
de Thiago Silva com o peito, já nos acréscimos. Em ambas Ochoa brilhou. (Anexo, p. 177)
O sintagma “as melhores chances do Brasil”, que aponta para frente no texto,
refere-se à cabeçada de Neymar e à finalização de Paulinho. Esse encapsulamento,
além de resumir os principais lances da primeira etapa de jogo, evidencia o julgamento
desses lances por meio do adjetivo “melhores”. A escolha desse termo permite ao
jornalista caracterizar as ações dos jogadores, pois carrega um juízo de valor. Dentro do
contexto da notícia, “melhores” apresenta um valor depreciativo, pois as jogadas foram
fracas e, mesmo assim, constituíram os melhores lances da equipe brasileira. De acordo
com Borreguero (2006), o encapsulador etiqueta uma entidade nova, em termos de
designação, para o leitor. Saíz (2010) afirma que essa operação prova que existiu uma
interpretação por parte do jornalista, que acaba por guiar as inferências realizadas pelo
leitor.
117
No próximo exemplo, o nome “voo” encapsula a jogada holandesa
protagonizada pelo jogador Holandês Van Persie:
(G7) O voo de Van Persie sobre a área iniciou a decolagem da Holanda. Após receber passe
certeiro de Blind, o camisa 9 praticamente ficou no ar, com o corpo na horizontal, antes de
cabecear e encobrir Casillas, aos 44 minutos. (Anexo, p. 179)
O substantivo “voo” – uma metáfora comum no futebol que designa uma jogada
aérea – funciona como encapsulador prospectivo que antecipa o lance do gol de cabeça
do jogador holandês. Tal encapsulamento contribui ainda para outras relações no texto,
servindo de âncora para “decolagem holandesa”, uma AI, como veremos mais adiante,
que marca o início da goleada holandesa, já que, após o gol do jogador Van Persie, a
Holanda passou a dominar a Espanha. Podemos dizer que essas amarras anafóricas
reforçam a orientação argumentativa da notícia (G7) ao enfatizar a superioridade
holandesa.
O exemplo abaixo trata de um encapsulamento que não sintetiza uma jogada da
partida, mas rotula, de modo prospectivo, a técnica usada pelo treinador português, na
partida entre Alemanha e Portugal, retirada do jornal Lance!
(L8) Alemanha de Thomas Muller, que precisou de apenas um tempo para enfiar 4 a 0 e
derrubar a estratégia de Paulo Bento, que se revelou absolutamente desastrada, dado que suas
previsões caíram por terra com extrema rapidez. (Anexo, p. 180)
O sintagma nominal “a estratégia de Paulo Bento” sintetiza o conjunto de ações
tomadas pelo treinador português, que serão descritas no próximo parágrafo, para
neutralizar o ataque alemão, que já havia goleado outras seleções nesse início de
competição. Nesse caso, a avaliação dessa estratégia não está dentro do sintagma
nominal, mas na predicação em torno, em expressões como “derrubar”, “desastrada”,
“suas previsões caíram por terra”, que demonstram a ineficácia do esquema tático
proposto por Paulo Bento. Compreendemos, como dissemos na fundamentação teórica
desta Tese, que inúmeros elementos que participam da configuração textual são
acionados para a construção dos objetos de discurso, dentre os quais destacamos toda a
materialidade verbal do texto, observada em seu sentido amplo e não apenas por meio
das expressões referenciais. Por isso, é necessário, como no exemplo acima, analisar
não só as expressões referenciais, mas outras pistas presentes no cotexto que colaboram,
inclusive, para trazer um efeito avaliativo ao objeto de discurso.
118
Os últimos exemplos analisados nesta seção tratam de encapsulamentos também
metafóricos que rotulam o jogo inteiro. O primeiro, retirado da notícia do jornal Lance!
sobre a partida entre Argélia e Alemanha:
(L3) Foi absolutamente dramático. As Raposas do Deserto resistiram como puderam. Mas essa
guerra a Alemanha ganhou, por 2 a 1, mesmo que a sua divisão panzer – Özil, Schweinsteiger e
Müller – ainda não tenha repetido a blitzkrieg da estreia sobre Portugal.
(Anexo, p. 167)
O encapsulador prospectivo “guerra’ carrega uma forte carga axiológica,
caracterizando todo o jogo, e serve de âncora para as relações que vão se estabelecer
dentro do texto, evidenciadas por meio de outras palavras, que revelam este projeto de
dizer: o jogo como uma guerra. No mesmo parágrafo, há o emprego de outro
encapsulamento “divisão panzer”, que compara o uso da artilharia pesada do exército
alemão, com tanques e veículos blindados, aos jogadores que compõem o ataque da
seleção alemã. A “divisão panzer” era responsável pelo sucesso do exército alemão,
assim como esse trio de jogadores também compõe a principal estratégia para vitória.
A mesma metáfora acontece no exemplo retirado do jornal O Globo (G3), cujo
título é um encapsulamento prospectivo que rotula todo o jogo que será descrito no
desenvolver da notícia que trata da partida entre Alemanha e Argélia, como podemos
ver abaixo:
(G3) Batalha no Sul
Alemanha é supreendida pela aguerrida Argélia e só consegue a vitória na prorrogação, em jogo
com grandes atuações dos dois goleiros. (Anexo, p. 168)
O nome “batalha” apresenta um encapsulamento que consiste em uma metáfora
sobre o que representou o jogo para as duas seleções: um jogo difícil e disputado, como
sugere o nome “batalha”. Mais uma vez, notamos um substantivo abstrato que funciona
como um encapsulador prospectivo.
No exemplo abaixo, também há um encapsulamento que sintetiza o jogo narrado
como “reprise da final da Copa da África do Sul de 2010”:
(L7) Um dia sem fúria
Sem dó, nem piedade, campeã mundial Espanha é humilhada pela Holanda na reprise da final
da Copa da África do Sul de 2010. (Anexo, p. 178)
119
Assim como o exemplo anterior, também se trata de um encapsulamento
prospectivo que sintetiza e avalia o conteúdo a ser narrado na notícia esportiva. Nesse
caso, além do encapsulamento, a expressão “da África do Sul de 2010”, constitui uma
anáfora indireta, como será exposto na seção 4.5.
O próximo exemplo a ser discutido, retirado da notícia veiculada no jornal O
Globo (G8), sobre a partida entre Alemanha e Portugal, apresenta um caso diferente de
encapsulamento. O título “Chucrute na Bahia”, por meio da anáfora encapsuladora
“chucrute” engaja o leitor no texto já com a perspectiva do sucesso alemão, já que, na
Bahia, prevaleceu “o prato típico alemão”. Nesse sentido, as informações presentes no
subtítulo, bem como a própria enunciação do referente “Alemanha”, contribuem para
que o coenunciador perfaça a trilha de sentido que leva à vitória alemã, juntamente com
o acervo cultural compartilhado entre os interlocutores.
(G8) Chucrute na Bahia
Sempre favorita ao título, Alemanha não toma conhecimento de Portugal e marca quatro gols
logo em sua estreia. E ainda tem o artilheiro do Mundial até agora: Thomas Müller, autor de
três ontem. (Anexo, p. 180)
No entanto, cabe destacar que o nome “chucrute”, ao contrário dos demais
analisados nesta seção, não é um nome abstrato, contrariando os exemplos mais
discutidos de encapsulamento. Tais exemplos, em geral, são compostos por nomes de
significação mais ampla e que, por essa característica, estariam mais propensos a serem
usados como encapsuladores. Conte (2003), por exemplo, afirma que os
encapsulamentos são formados por nomes mais gerais ou nomes com carga avaliativa.
No caso acima, pelo contrário, trata-se de um nome concreto que passa a abstrato, já que
rotula, metaforicamente, a vitória alemã sobre Portugal. Não há, no desenvolvimento da
notícia, nenhuma menção à culinária alemã, ou seja, não há uma âncora ou pista a que
pudéssemos associar o nome “chucrute”, o que comprova que esse vocábulo é tomado,
nesse texto, de modo abstrato.
Além disso, pensando no prato “chucrute”, um repolho bem picadinho, por
vezes considerado indigesto, poderíamos associar esse nome ao próprio resultado do
jogo, que, para além da vitória da Alemanha, consistiu em uma goleada sobre Portugal,
o que poderia sugerir ainda que esse título aponta para a expressividade da vitória
alemã. Nos campeonatos nacionais, por exemplo, é comum os locutores e jornalistas
esportivos empregarem o termo “chocolate” para se referirem a vitórias expressivas
constituídas por placares amplos.
120
Esse substantivo encapsula informações que só podem ser processadas pelo
leitor por meio de estruturas cognitivas. Assim, “Chucrute na Bahia”, pode ser
considerado não como uma menção ao prato, mas como uma metáfora para a vitória
alemã na Bahia, local onde ocorreu a partida.
De acordo com Lakoff e Johnson (1980), metáforas emergem por meio do
processo de compreensão e de legitimação – linguística, social e cognitiva – de um
domínio de natureza abstrata (por exemplo, “tempo”) a partir de experiências concretas
já legitimadas socialmente, como guerra, dinheiro etc. O sujeito, como integrante de um
grupo, ou de uma sociedade, em contato com o mundo, compreende um determinado
conceito por meio de um outro já estabelecido, interpretando a realidade conforme
fatores culturais, históricos e ideológicos. Essas conceituações são organizadas
metaforicamente (associação de domínios), e seus traços estão presentes na linguagem
cotidiano; entretanto, por vezes, não são percebidos pelos falantes. No exemplo acima
um substantivo concreto assume um valor metafórico ao longo do texto.
No próximo excerto, há mais exemplos de encapsulamentos, inclusive um caso
que se assemelha ao descrito anteriormente:
(L7) O curioso é que a Espanha saiu na frente, gol de pênalti – de De Vrij em Diego Costa – aos
26 minutos, teve maior domínio e desperdiçou uma excelente oportunidade aos 42, por capricho
de David Silva, que tentou encobrir Cillessen. Não seria exagero dizer que essa foi o que se
chama de bola do jogo, pois se entra talvez mudasse o rumo do duelo. Ah... e só tomou o
empate aos 44, num peixinho de Van Persie. (Anexo, p. 178)
A ação descrita pela frase “desperdiçou uma excelente oportunidade” mostra
uma crítica contida no verbo desperdiçar, que aponta uma falha do jogador, reforçada
pelo encapsulamento prospectivo “uma excelente oportunidade aos 42”, em que o
adjetivo excelente enfatiza essa crítica. Soma-se a essa interpretação a própria descrição
do lance em que é dito que o atacante David Silva “por capricho” tentou encobrir o
goleiro, o que indica que o jogador tentou uma jogada com menor probabilidade de
acerto, porém esteticamente mais bonita, ou na linguagem do futebol, mais plástica.
Como vimos, é bastante recorrente, nas notícias esportivas, esses encapsulamentos que
rotulam lances, avaliando-os de acordo com a perspectiva do jornalista.
O encapsulamento “bola do jogo” resume não só a oportunidade perdida, mas
todo o contexto que cerca a partida, mostrando como poderia ter mudado o placar e
garantido a vitória holandesa. Esse exemplo também se assemelha ao anterior, já que o
121
substantivo concreto “bola” ganha um valor metafórico, deixando de se referir apenas à
bola para mostrar uma jogada crucial para o desenrolar da partida e que poderia definir
a participação da Holanda na final da Copa do Mundo.
4.5 Análise das anáforas indiretas nas notícias esportivas
Os casos de anáforas indiretas ocorrem bem menos no corpus do que os casos de
anáfora direta. De todo modo, nesta seção, vamos expor alguns exemplos verificados no
corpus, discutindo, inclusive, alguns excertos que levantam questões interessantes para
refletir sobre o status dos processos referenciais.
Schwarz (2007) afirma que as anáforas indiretas apresentam como
características básicas, dentre outras, a construção de um novo referente e que, para sua
compreensão, é necessário muito mais do que um procedimento de busca e
compatibilidade. As anáforas indiretas requerem, para sua interpretação, um processo
cognitivo envolvendo a ativação de estruturas de conhecimento que combinam ativação
e reativação de referentes. Todo esse processo cognitivo é a chave para que o referente
da forma pronominal possa ser identificado.
Embora as anáforas indiretas não tenham um correferente explícito no texto,
esse mecanismo de referenciação ocorre apoiado em outros conteúdos fornecidos como
pistas no cotexto ou conhecimentos ativados por experiências culturais compartilhadas
– as âncoras citadas por Marcuschi (2005). Desse modo, reforçamos a ideia de que não
é a necessidade ou o apelo a inferências que distingue as anáforas diretas das indiretas,
mas a relação de correferência das anáforas diretas (cf. CIULLA E SILVA, 2008;
CAVALCANTE, 2011).
O primeiro exemplo a ser discutido apresenta um caso de anáfora indireta que
está dentro de um sintagma com função encapsuladora. Trata-se da notícia que narra a
partida entre Espanha e Holanda pela fase de grupos da Copa do Mundo.
(L7) Um dia sem fúria
Sem dó, nem piedade, campeã mundial Espanha é humilhada pela Holanda na reprise da final
da Copa da África do Sul de 2010.
(Anexo, p. 178)
A expressão sublinhada, ao relacionar o jogo narrado à final da Copa da África
do Sul de 2010, retoma, por meio de uma anáfora indireta, o jogo da edição de 2010 da
122
Copa do Mundo, apresentando, portanto, um “novo” referente no discurso. É preciso ter
o conhecimento de que a final de 2010 ocorreu entre Espanha e Holanda, ocasião em
que a Espanha saiu vitoriosa, para homologar a referência proposta pelo jornalista ao
lançar mão desse recurso ao associar à final de 2014 à de 2010.
Alguns casos de anáforas indiretas verificados no corpus estão associados a
lances do jogo/jogadores e informações sobre as equipes, como podemos ver no
exemplo que narra a partida entre Holanda e Espanha.
O próximo exemplo, retirado da mesma notícia, apresenta um caso de anáfora
indireta relacionado ao epíteto do time holandês:
(G7) Outro jogo, outra Holanda no segundo tempo. De pé em pé, a bola chegou a Robben
depois de outro lançamento de Blind, o lateral-esquerdo legítimo descendente da Laranja
Mecânica, porque é filho do ex-zagueiro Danny Blind. (Anexo, p. 179)
Nesse trecho, a expressão sublinhada “Laranja Mecânica” faz referência ao time
da Holanda de 1974, que não foi mencionado, formalmente, no cotexto. É um caso que,
a princípio, poderia ser confundido com uma anáfora direta, já que o nome “laranja” foi
utilizado no texto, outras vezes, para se referir à seleção holandesa atual. No entanto,
como vimos, a partir das informações presentes no cotexto e de conhecimentos prévios,
descartamos essa possibilidade.
Não se trata, portanto, de uma referência à seleção holandesa que está sendo
descrita na notícia. Trata-se de uma menção à famosa seleção holandesa de 1974 que
deu origem ao apelido de Laranja Mecânica. Só chegamos a essa conclusão pelas pistas
no cotexto, como a informação de que o jogador Blind é filho de Danny Blind, jogador
daquela seleção. A fim de garantir essa interpretação, no entanto, é necessário relacionar
essas informações ao conhecimento sobre futebol e sobre a importância da seleção
holandesa que jogou na década de 1970.
No trecho abaixo, há um caso de anáfora indireta constituído por uma expressão
numérica, que chama atenção por sua peculiaridade:
(L3) Faltou à Argélia a qualidade dos craques adversários. Mas parece exagero atribuir o seu
esforço a uma tentativa de vingar 1982, pois nenhum dos 28 jogadores que estiveram na partida
havia nascido em junho daquele ano. (Anexo, p. 167)
123
A expressão sublinhada “1982” retoma uma sequência de ações que culminaram
na eliminação da seleção argelina naquele ano. Na sua estreia em mundiais, a equipe
argelina havia ganhado da Alemanha Ocidental e dependia do resultado do último jogo
da fase de grupos, entre Alemanha Ocidental e Áustria, para garantir a vaga na próxima
fase da Copa. Entretanto, as seleções europeias firmaram um pacto de não agressão a
fim de manter um placar que garantisse a vaga das duas seleções na próxima fase e
excluísse a Argélia pelo saldo de gols. Assim, a Alemanha fez um gol logo no primeiro
tempo contra a Áustria e, a partir disso, as seleções não produziram mais nada dentro de
campo. O escândalo foi tão grande na época que levou a Federação Internacional de
Futebol (FIFA) a mudar algumas regras para a Copa de 1986.
A interpretação dessa anáfora indireta está bastante atrelada ao conhecimento
compartilhado sobre futebol, sendo difícil sua interpretação somente pelas pistas
textuais. Embora a presença do verbo “vingar” sugira uma revanche e permita imaginar
alguma situação em que a Argélia tenha ficado em desvantagem perante a seleção
alemã, recuperar a referência do que representou o ano de 1982 para os argelinos
depende muito mais do acionamento de informações históricas sobre futebol.
Esse exemplo chama atenção, pois costumamos encontrar, na descrição das
anáforas indiretas, a informação de que tal recurso pode ser composto por formas
pronominais, substantivos, geralmente precedidos de artigo definido, mas, dificilmente,
vemos exemplos de expressões numéricas nessa função. De acordo com Ariel (1996),
as formas referenciais constituem formas de instruir o destinatário de como ele pode
recuperar, na memória, informações que auxiliem a construção textual e também
mostram o quão acessível essas informações estão. Para a autora, o falante optaria por
uma expressão composta por um nome + modificador (mais informativa) por acreditar
que o objeto esteja pouco acessível para seu interlocutor. Formas pronominais, por
exemplo, dentro dessa proposta, seriam utilizadas para recuperar um objeto de discurso
cujo grau de acessibilidade fosse alto. Nesse sentido, podemos concluir que o
interlocutor presumiu que tal referência numérica a “1982” estivesse bastante acessível
para o seu leitor, não necessitando de mais informações ou expressões mais definidas
para sua interpretação. Como se trata de uma notícia do jornal Lance!, vemos que o
jornalista contou com a especificidade do público para a construção da coerência nessa
notícia.
No trecho abaixo, retirado do jogo entre Portugal e Alemanha, a anáfora indireta
“muro adversário” alude somente à defesa alemã que bloqueava as ações da seleção
124
portuguesa, por meio de uma relação de metonímia, em que o “muro adversário” retoma
um setor da seleção alemã:
(L8) Certa de que Portugal, sem outra opção, sairia para tentar diminuir o vexame, preferiu
recuar, para ampliar o resultado nos contra-ataques. Enquanto os lusos esbarravam no muro
adversário – o de Berlim já foi abaixo – os comandados de Löw recuperavam a bola.
(Anexo, p. 180)
Trata-se de uma associação bastante utilizada no universo do futebol e, no texto,
as informações precedentes contribuem para o seu entendimento, pois já havia sido dito
que a Alemanha preferir recuar, ou seja, jogar de modo defensivo. É interessante
destacar também que o jornalista traz para o texto o exemplo do muro de Berlim,
adicionando informações históricas e culturais à notícia.
Os casos seguintes de anáforas indiretas guardam relação com a ampliação do
repertório cultural das notícias, pois trazem informações sobre países e locais onde os
jogos acontecem dente outras referências culturais para além do esporte.
(L4) Depois do bombardeio, Bélgica 2X1 Estados Unidos
Anheuser – Busch, Duvel, Stella-Artois. Qual delas os belgas vão escolher para comemorar a
dramática vitória sobre os Estados Unidos? Ou tomarão todas? (Anexo, p. 170)
No exemplo acima, os nomes “Anheuser, Busch, Duvel, Stella-Artois”
introduzem, no discurso, novos referentes: as cervejas belgas. Esse conteúdo torna-se
acessível ao leitor porque se associa a pistas cotextuais e contextuais, permitindo a
inferência. No caso, o título e as informações que se seguem no texto de que os belgas
“tomarão todas” auxiliam o coenunciador a inferir que tais nomes se refiram a bebidas.
Aliada a essa interpretação, está a fama belga em produzir cervejas. Todas essas
informações colaboram para que o leitor resolva o “quebra-cabeça”.
Os aspectos cognitivos envolvidos no ato da inferência são bastante complexos
e, de certo modo, relativos, pois é difícil garantir que cada leitor chegará às mesmas
conclusões, já que essa construção de significados depende tanto das informações
presentes no texto como das informações compartilhadas culturalmente.
A notícia do jornal O Globo, também sobre a partida entre Bélgica e Estados
Unidos, traz alguns exemplos de anáforas indiretas que remontam a informações sobre
locais e culturais. Embora a quantificação dos casos de anáforas indiretas esteja exposta
125
mais adiante, vale destacar que, praticamente, não foram observadas diferenças entre a
quantidade de anáforas indiretas nos dois jornais.
No excerto abaixo, por exemplo, a menção à capital baiana ocorre no texto como
um elemento já “dado” uma vez que o nome do estádio (Fonte Nova) já havia sido
citado. Fonte Nova é o nome do estádio localizado na capital baiana, Salvador e, como
foi dito anteriormente, somente a pista no texto não seria suficiente para garantir a
inferência.
(G4) Bélgica bate Estados Unidos
Faltou a chuva de gols das outras partidas, mas, em compensação, a Fonte Nova viu um jogo
repleto de emoções. Bélgica e Estados Unidos chegaram à capital baiana para decidir quem
seria o último classificado para as quartas de final. Com um gol de Kevin De Bruyne, e outro de
Romelu Lukaku, os belgas venceram por 2 a 1, conquistaram a vaga, e agora enfrentam a
Argentina no sábado, às 13h, em Brasília. (Anexo, p. 171)
Conforme atestam Koch e Elias (2016), assim como as anáforas diretas, a
indireta também acrescenta novas informações ao texto, como é comum as expressões
referenciais constituídas de formas nominais, contribuindo com a coerência e com a
progressão textuais. No exemplo acima, é acrescentada a informação sobre o local de
realização da partida à notícia.
A notícia que trata do jogo entre Portugal e Alemanha também apresentou
anáforas indiretas relacionadas a aspectos culturais do local de jogo, como podemos ver
no trecho abaixo, que traz a menção ao vatapá e ao dendê.
(L8) Ficou barato. Não fosse o desgaste provocado pelo calor, e a Alemanha teria marcado mais
vezes, tal a facilidade. O vatapá e o dendê fizeram mal aos portugueses. Mas ainda há chance de
classificação. A Alemanha, ora, é favoritíssima. (Anexo, p. 180)
No início da notícia, o local da partida havia sido mencionado no texto como “o
tabuleiro da baiana” e, ao final da notícia, ancorados nessa expressão, emergem os
referentes “o vatapá” e “o dendê”, que aludem a comidas típicas do estado da Bahia.
Esse mecanismo de referenciação encerra a notícia com um toque de humor e ironia, ao
sugerir que o prato baiano (considerado por muitos como uma comida forte, assim
como o dendê) tenha feito mal aos portugueses, que perderam para a Alemanha de
goleada.
São exigidos variados conhecimentos não só para construir o sentido pretendido
pelo uso dessa estratégia como também para perceber a função desse recurso dentro do
126
texto, confirmando o que Koch (2002, p.107) afirma sobre as anáforas indiretas, que se
encontram:
em dependência interpretativa de determinadas expressões da estrutura
textual em desenvolvimento, o que permite que seus referentes sejam
ativados por meio de processos cognitivos inferenciais que mobilizam
conhecimentos dos mais diversos tipos armazenados na memória dos
interlocutores.
No exemplo abaixo, retirado do jogo entre Argélia e Alemanha pela fase de
classificação da Copa do Mundo, verificamos um caso de anáfora indireta homologada
por fatores contextuais e por uma âncora/pista presente na superfície do texto: o nome
“guerra” funciona como uma âncora que permite ao coenunciador abrir um esquema
mental. Nesse sentido, as anáforas indiretas “divisão panzer” e “blitzkrieg” não só
alimentam esse esquema como também mantêm a continuidade do foco. Por meio do
nome guerra, um encapsulamento metafórico, inferimos que tais anáforas indiretas se
relacionam a ações/estratégias bélicas. Entretanto, engendrar que sentidos essas
expressões trazem para dentro do texto depende do conhecimento de informações
culturais e históricas sobre as estratégias de guerra alemãs. Portanto, para compreender
os sentidos acionados, é preciso combinar informações explícitas e implícitas.
(L3) Foi absolutamente dramático. As Raposas do Deserto resistiram como puderam. Mas essa
guerra a Alemanha ganhou, por 2 a 1, mesmo que a sua divisão panzer – Özil, Schweinsteiger e
Müller – ainda não tenha repetido a blitzkrieg da estreia sobre Portugal. (Anexo, p. 167)
Os exemplos demonstrados anteriormente permitem constatar que, mesmo entre
os casos de anáforas indiretas, comumente definidas pela necessidade de inferências, o
grau de acessibilidade dos referentes (ARIEL, 1996, p. 10) pode variar. De acordo com
Ariel, a acessibilidade dos referentes pode ser determinada por meio de alguns
parâmetros, como conhecimento enciclopédico, atos de fala e pistas textuais, por
exemplo. Trata-se de um processo que está sempre em construção ativa, tanto da parte
do emissor quanto do receptor.
De acordo com Odorisi (2016), o leitor constrói sentido e acessa informações
necessárias guiado pelos rastros deixados pelo autor em movimentos dinâmicos. Para o
autor, que se baseia nos estudos de Samaniego (2011), abrimos arquivos mentais, isto é,
espaços referenciais armazenados na memória do falante destinados à conceituação de
objetos de discurso, quando um novo objeto é ativado. Esse arquivo é alimentado com
informações a partir de predicações (diretas ou indiretas) e por meio das etiquetas
127
utilizadas que nomeiam o próprio arquivo, no caso, as anáforas. Portanto, é importante
destacar que as relações inferenciais e cognitivas perpassam todos os processos de
referenciação.
4.6 A análise da dêixis temporal e pessoal nas notícias esportivas
Por sua capacidade de criar uma ligação entre o texto e a situação enunciativa
em que se encontram os participantes da comunicação e ter a prerrogativa de captar a
atenção do interlocutor, o processo da dêixis se distingue do anafórico. Os elementos
dêiticos exigem uma análise que deve focalizar a situação de comunicação,
determinando um movimento em que é indispensável conhecer o enunciador.
A seguir, destacaremos alguns dos exemplos mais recorrentes de dêixis no
corpus: a dêixis temporal.
(G1) Na verdade, tornou-se o anfitrião. O maior artilheiro da seleção uruguaia mostrou que
jamais será coadjuvante de um time que depende muito dele. Luis Suárez estreou no Mundial
ontem, marcou os dois gols da vitória por 2 a 1 sobre a Inglaterra, no Itaquerão, e manteve as
chances de classificação para as oitavas de final. O resultado, porém, não significa o adeus da
outra campeã do mundo, a Inglaterra. Tudo dependerá do jogo de hoje entre Itália e Costa Rica,
no Recife. (Anexo, p. 162)
No exemplo acima, o advérbio “ontem” faz uma remissão ao momento da
enunciação, marcando uma relação temporal que toma como ponto de partida o dia em
que a notícia foi enunciada e publicada. A marcação dêitica situa o momento, tendo em
vista o momento do locutor, em que o atacante Suárez estreou no campeonato: uma data
importante que marcou o retorno do jogador que estava afastado por uma lesão
muscular e sua atuação na partida. Do mesmo modo, na sequência da notícia, o advérbio
“hoje” implica uma noção de tempo que depende, para ser interpretada, do
conhecimento do momento da enunciação. Dentro da notícia, essa fronteira temporal
cumpre a função de informar ao leitor da ocorrência de um outro jogo, cujo resultado
era importante para definir o futuro da seleção da Inglaterra na competição. Como a
Copa do Mundo é uma competição com muitos jogos, principalmente na primeira fase,
a classificação das equipes, muitas vezes, não depende só dos seus resultados, mas de
uma combinação de resultados de outras partidas. Por isso, a referência temporal
importa para situar o leitor nos jogos da competição.
128
Essas informações, bem como as datas dos próximos jogos, principalmente nas
notícias que tratam de seleções favoritas ou de grande expressão no futebol, são comuns
nas notícias esportivas e têm um importante papel de manter o leitor atualizado nos
próximos compromissos de seus times e nas chances de classificação nas competições
de que participam. É o que acontece, por exemplo, no trecho exposto abaixo:
(G3) Na sexta-feira, a Alemanha volta a campo para encarar a França às 13h, no Maracanã,
pelas quartas de final. (Anexo, p. 168)
Ao utilizar a expressão “na sexta-feira”, o interlocutor se baseia na ideia de que
o leitor tomará como ponto de partida a referência do dia em que a notícia foi publicada
para compreender a coordenada dêitica temporal. O mesmo caso também acontece na
notícia do jornal O Globo, ao mencionar que o próximo jogo da Bélgica seria “no
sábado”:
(G4) Com um gol de Kevin De Bruyne, e outro de Romelu Lukaku, os belgas venceram por 2 a
1, conquistaram a vaga, e agora enfrentam a Argentina no sábado, às 13h, em Brasília.
(Anexo, p. 171)
Nesse exemplo, há também o advérbio “agora” que, a princípio, poderia não ser
considerado como um caso de dêixis temporal, já que não tem como referência o
momento em que se encontra o locutor. No entanto, também poderíamos pensar em uma
“dêixis metafórica”, que marca uma relação temporal futura. Pistas textuais como o
verbo no presente do indicativo, que, por não apresentar uma marca formal de tempo,
pode indicar uma ação futura, e a expressão dêitica “no sábado” contribuem para
entendermos esse “agora”, como uma referência à próxima fase da competição. Dessa
forma, o advérbio “agora” estabelece um marco temporal futuro, que projeta as ações da
seleção Belga para frente na linha do tempo. Discursivamente, esse marco temporal tem
em vista anunciar que seu próximo adversário será a Argentina, seleção de maior
prestígio do que a belga, sugerindo, implicitamente, que será um jogo difícil para os
belgas.
A dêixis funciona, então, como um apontador enunciativo, convidando à
projeção para atalhos que auxiliam na compreensão do texto, considerado, na
perspectiva adotada, uma proposta múltipla de sentidos (KOCH, 2002). Nos próximos
exemplos, os casos de dêixis criam, nas notícias, limites de tempo que diferenciam as
ações descritas nas notícias esportivas.
129
(G8) Esse Ronaldo, a Alemanha de Müller, artilheiro até agora no Brasil (3 gols), se deu ao luxo
de deixar para depois... (Anexo, p. 181)
Na notícia esportiva acima, sobre o jogo entre Alemanha e Portugal, fala-se da
disputa da artilharia da Copa de 2014 e também do título de maior goleador em Copas,
que, até aquele momento, pertencia ao jogador brasileiro Ronaldo. A disputa pela
artilharia da Copa de 2014 era liderada pelo jogador alemão Thomas Müller. Desse
modo, na expressão “artilheiro até agora”, a locução adverbial “até agora” demarca uma
espécie de fronteira, um limite cujo intervalo ocorre entre o momento da enunciação da
notícia e o momento anterior no tempo, indicando que, até aquele momento da
competição, o atacante alemão era o atleta com maior número de gols marcados. Com
relação à disputa pelo título de maior artilheiro em Copas do Mundo, o duelo estava
entre o jogador brasileiro mencionado acima e outro jogador alemão, Klose. Nesse
sentido, o advérbio “depois”, no final do excerto, constrói uma referência temporal para
marcar que, daquele jogo em diante, a artilharia do jogador brasileiro Ronaldo estaria
ameaçada, já que ele se encontrava aposentado e o jogador alemão ainda estava atuando
na Copa de 2014. De fato, o brasileiro acabou perdendo essa disputa para o alemão.
No excerto seguinte, a expressão dêitica, além de criar uma delimitação
temporal, promove uma demarcação no próprio texto, como se fosse um antes e depois
na história da Holanda na Copa do Mundo de 2014.
(G7) São necessários 45 minutos para a troca de lados em uma partida. Mas o intervalo
esperado pela Holanda para virar o jogo durou quatro anos. No ciclo entre as Copas, os
holandeses não suportaram o papel de coadjuvantes, enquanto a protagonista Espanha brilhava
como a estrela campeã em sua camisa roja. Até ontem. (Anexo, p. 179)
A locução adverbial “até ontem”, que encerra o parágrafo, toma como ponto de
partida o momento da enunciação do texto em diante, delimitando um marco temporal.
A partir desse jogo, a Holanda deixava a derrota sofrida na final da Copa de 2010 para
vencer o seu rival, a Espanha, com uma ótima atuação, vencendo por um placar amplo
de quatro gols de diferença.
É interessante notar que esse parágrafo inicia o texto falando ainda da
superioridade espanhola. No entanto, a partir da coordenada dêitica, há um novo
momento discursivo, já que a continuidade da notícia passa a relatar a virada e
superioridade holandesa sobre a Espanha. A expressão dêitica, nesse caso, funciona
130
como uma demarcação de momentos diferentes no texto: o antes e o depois da seleção
holandesa, que passou de equipe derrotada pela Espanha na final do mundial de 2010
para a equipe que impôs uma goleada na campeã mundial Espanha quatro anos depois.
Esses advérbios temporais, dentro das notícias, atuam como dêiticos cuja
intepretação é feita a partir da data de publicação da matéria, que, provavelmente, deve
ser uma data diferente da recepção desses textos por parte dos leitores.
No exemplo (L5), preferimos analisar, conjuntamente, um caso de dêixis
pessoal, único exemplo desse tipo verificado no corpus, e também casos de dêixis
temporal encontrados no mesmo texto. A notícia trata do jogo entre Argentina e
Holanda, publicada no jornal Lance!. Essa partida ocorreu na etapa semifinal da
competição. Com a vitória da Argentina e a derrota do Brasil poucos dias antes, a
comparação entre as seleções foi tópico presente, nas notícias de ambos os jornais.
(L5) A Argentina vai fazer a final do mundial em nossa casa com a responsável pela maior
humilhação de nossa história: a Alemanha. (...)
Certo é que, assim como o 8 de julho para os brasileiros, esse 9 de julho nunca será esquecido
pelos argentinos. No dia da independência do país, eles ficaram a um jogo de conquistar o
Brasil, a eternidade. Brasil, decime que se siente... (Anexo, p. 173)
Em L5, o emprego do pronome possessivo de 1ª pessoa do plural, em “nossa
casa” e “nossa história”, inclui interlocutor/leitor, presentes no segundo parágrafo do
texto, em uma mesma situação de sofrimento e decepção pela derrota brasileira.
Há, no texto, uma oposição entre “nós” e “eles” revelada em alguns momentos
da notícia, como na introdução, em que o jornalista começa dizendo que quem “veio ao
Brasil e fizeram do país vizinho sua casa foram eles”, os argentinos. A partir desse
momento, os argentinos são caracterizados como “eles” em oposição à expressão dêitica
de pessoa, “nós”, os brasileiros. Desse modo, são criados dois grupos antagônicos no
texto.
Já no final do texto, a derrota brasileira e a vitória argentina são enfatizadas,
nesse parágrafo final, pelas referências temporais dêiticas: “o 8 de julho” e “esse 9 de
julho”. É interessante notar o emprego do artigo definido e do pronome demonstrativo
nesses sintagmas. O artigo definido marca a data da derrota brasileira como conhecida
do interlocutor, como um acontecimento histórico, já o pronome demonstrativo sugere
que essa data específica a cujo jogo o texto remete tornou-se especial para os
argentinos, que, no dia da independência do país, conquistaram a vaga para final do
131
mundial. Além disso, o uso demonstrativo parece apontar para fora do texto, para o
momento do acontecimento, tornando-o também histórico.
Cabe destacar a estratégia de abertura/encerramento da notícia, que se iniciou
com os dêiticos pessoais marcando a rivalidade entre as duas seleções, e se encerrou
com os dêiticos temporais, marcando a importância das datas para as duas seleções e
também reforçando a rivalidade entre as duas equipes. Enquanto para os brasileiros a
data era triste, para a Argentina era motivo de comemoração. Ou seja, a oposição
nós/eles, criada no decorrer do texto, é reiterada pela oposição de resultados entre o 8 de
julho da derrota do Brasil e o 9 de julho da vitória da Argentina.
Essa rivalidade é bem marcada, principalmente no início do texto, em que se
encontram as referências mais diretas, como a citação à música cantada pela torcida
argentina e o uso dos pronomes, e se espalha pelo resto da notícia com diversas alusões
à seleção brasileira. É interessante notar que a notícia tratava do jogo entre Holanda e
Argentina, mas, a todo momento, o jornalista se refere à seleção brasileira. O fim da
notícia volta à música citada no título e comenta como a vitória dos argentinos –
retomados ao final pela anáfora direta pronominal “eles” – será lembrada, assim como a
derrota do Brasil também será inesquecível para os brasileiros.
Ao agrupar os brasileiros com o uso do dêitico de pessoa “nós”, o jornalista
reforça o tom dramático da derrota, afinal sofremos a “maior humilhação da nossa
história na nossa casa”. A humilhação, portanto, não é da seleção brasileira, mas de
todos os brasileiros, o que confere uma abordagem pessoal que visa ao apelo às
emoções do interlocutor, como as análises têm demonstrado ser uma das características
principais desse gênero.
Além disso, a oposição entre Brasil e Argentina criada no texto conversa com a
rivalidade entre essas duas equipes, demonstrando, assim, uma das intencionalidades do
interlocutor, que se apropria do conhecimento dessa rivalidade na construção do texto.
Logo no subtítulo desta notícia, a frase “Brasil, decime que se siente” marca uma
intertextualidade em relação a uma música entoada pelos argentinos durante a Copa,
reforçando, para além das estratégias de referenciação, não só a oposição instaurada no
interior do discurso, mas também como essa oposição foi apropriada em prol do projeto
de dizer do texto.
De acordo com Maalej (2013), a dêixis de pessoa deve ser analisada conforme
suas dimensões discursivas e ideológicas, como acontece com “nosso/nossa” no texto
acima, pois, ao mesmo tempo em que inclui os brasileiros, exclui um outro agente, os
132
argentinos. Trata-se de um indício da dimensão discursiva e ideológica de que trata
Maalej, pois reforça estereótipos culturais e a ideologia da rivalidade entre Brasil e
Argentina, que se mostra bem clara no futebol, mas ultrapassa a esfera do esporte.
Ainda de acordo com o referido autor, enquanto o usuário do “eu” está atrelado ao
discurso como “egocêntrico”, o “nós” constrói duas relações sociais diferentes, de
inclusão e exclusão, pois, à medida que se define um conjunto como “nós,
automaticamente, surge uma categoria de excluídos desse grupo. Portanto, os pronomes
devem sempre ser entendidos tendo em vista outros pressupostos sobre quem está sendo
definido como o "nós" e quem está sendo referido como “eles”.
4.7 A segmentação do espaço nas notícias esportivas
O futebol, assim como outros esportes, tem o bom aproveitamento do seu espaço
de jogo como um dos princípios para o melhor andamento das partidas. A descrição do
campo de futebol e das ações que nele acontecem, nesse sentido, é uma das
características da composição do gênero notícia esportiva.
É recorrente nas notícias o uso de expressões que auxiliam na demarcação do
campo de futebol, das ações dos jogadores, posições que ocupam, estratégias técnicas,
dentre outras informações que contribuem para essa demarcação. Essas informações,
por sua vez, demandam conhecimento enciclopédico sobre futebol muito grande para
serem devidamente compreendidas, principalmente, quando se trata das notícias
esportivas do jornal Lance!, já que são mais frequentes nesse jornal.
Discutiremos, nesta seção, a função dessas expressões na construção do texto, e,
em alguns casos, problematizaremos as características dessas expressões que parecem
se comportar como uma anáfora indireta diferente, com componente dêitico, ao ajudar a
organizar o espaço dentro do campo.
Vejamos o exemplo (L6) retirado da notícia esportiva do jornal Lance!, sobre o
jogo entre México e Brasil:
(L6) Felipão poupou Hulk e, por tabela, mudou taticamente a equipe. Oscar, o melhor contra a
Croácia, foi atuar pela esquerda, na de Hulk. Ramires, com outra característica, foi fazer a
direita do 4-3-2-1 – onde Oscar brilhou na estréia. Por dentro, próximo de Fred, Neymar, como
todo o Brasil, fez um primeiro tempo discreto. De ótimo apenas uma bela cabeçada
espetacularmente defendida por Ochoa. (Anexo, p. 176)
133
O parágrafo se inicia com a informação de que Felipão havia alterado a equipe
taticamente, e que Oscar foi atuar “na de Hulk”, isto é, na posição de Hulk, como
atacante, jogando, principalmente, pelo lateral esquerda do campo. Em seguida, a
informação de que Ramires foi fazer “a direita do 4-3-2-1”, expressão que requer uma
grande bagagem de conhecimento sobre futebol para sua interpretação: essa expressão
indica que Ramires foi jogar pelo lado direito do ataque. Tradicionalmente, trata-se de
um jogador que atua na chamada “linha dos 3”, atrás do ataque, mais recuado. Porém, a
notícia afirma que o jogador atuou com outra característica, o que é mais um indício
para que o leitor chegue à conclusão de que Ramires jogou no ataque pelo lado direito.
Já a expressão “por dentro” indica que Neymar atuou pelo meio do campo, pelo centro e
não pelas laterais.
Essas expressões, para sua interpretação, dependem bastante do conhecimento
compartilhado. A ocorrência desses casos no texto é semelhante ao emprego das
anáforas indiretas. Em geral, tais expressões aparecem introduzidas por artigos
definidos, como se fossem conhecidas do interlocutor, uma vez que podem ser
associadas a pistas textuais, como nome de jogadores, nomes das suas posições, por
exemplo, sem, por outro lado, terem sido explicitadas no cotexto.
De uma forma geral, as anáforas indiretas evidenciam essencialmente três
aspectos: a não vinculação da anáfora com a correferencialidade, a introdução de
referente novo e o status de referente dado por pistas do cotexto. Desse modo, podemos
pensar que esses exemplos funcionam como anáforas indiretas que orientam a
localização dentro do campo.
Ocorrem, ainda nessa mesma notícia, outras expressões semelhantes:
(L6) Demérito da seleção que se mexeu ainda menos contra um México que não se apequenou.
Usou mais o 4-4-2 que o 3-3-2-2, soltando mais Layun pela esquerda.
(Anexo, p. 176)
Utilizar “mais o 4-4-2 que o 3-3-2-2”, conforme a notícia afirma ter sido a
estratégia do México, significa dizer que a seleção mexicana usou um esquema menos
defensivo, com menos jogadores no meio de campo, indicando uma estratégia mais
ousada, na linguagem do futebol, “jogou pra frente” diante de uma seleção considerada
superior. Além disso, a expressão “pela esquerda” indica que o jogador Layun – lateral
mexicano que joga pelos dois lados – foi deslocado para a lateral esquerda em relação
ao campo do México.
134
Na notícia do jornal O Globo sobre o mesmo jogo, as informações sobre as
alterações de jogadores estão mais resumidas e não há menção aos esquemas táticos.
(G6) Como Ramires, que substituiu Hulk, foi muito mal, Felipão lançou Bernard no intervalo.
Mesmo assim, o time não melhorou. Continuou excessivamente dependente de Neymar. O
camisa 10 da seleção, por sinal, quase fez um belo gol, aos 23. Mas novamente, parou em
Ochoa.
A entrada de Jô no lugar de Fred, que nada fez em campo, também não surtiu efeito. O
atacante só brigou com a bola. (Anexo, p. 177)
Podemos ver no excerto acima, a substituição entre Ramires e Hulk, a entrada de
Bernard, mas não há referências ao posicionamento tático desses jogadores dentro do
campo, reiterando que o jornal Lance! exige mais conhecimento compartilhado sobre
futebol do que o jornal O Globo.
Antes de prosseguir com outros exemplos, a fim de exemplificar os limites e
segmentações presentes em um campo de futebol, elaboramos uma figura que remonta
um campo de futebol com suas demarcações, para que seja mais simples visualizar os
casos que estamos comentando:
135
(Fig 4 - Campo de futebol)
No exemplo abaixo (L1), retirado do jogo entre Inglaterra e Uruguai, notamos,
novamente, a presença de informações cuja interpretação está bastante presa ao
conhecimento compartilhado sobre posição dos jogadores dentro de campo:
(L1) No lado inglês, Hodgson prendeu o lateral-esquerdo Baines, puxou Sterling mais para a
direita e colocou Rooney centralizado no meio. (Anexo, p. 160)
Estão descritas acima algumas mudanças nas posições dos ponteiros e do
atacante Rooney. Em primeiro lugar, na expressão “prendeu o lateral-esquerdo Baines”,
podemos deduzir, principalmente pelo uso do verbo prender, que o jogador teve de
abdicar de sua função de lateral – que percorre o campo para implementar jogadas
ofensivas – para atuar em uma posição mais fixa dentro do campo, como um jogador
defensivo. Provavelmente, essa escolha do treinador se justifica também como uma
estratégia para enfrentar o rival, Uruguai, que é um time bastante ofensivo, que joga
para o ataque. Em seguida, já que o lateral foi designado para uma posição mais
defensiva, houve o ajuste colocando Sterling – que, em geral, atua como atacante – na
lateral para dar assistência a Rooney, que foi posicionado também de modo fixo, no
centro da área, como atacante. Na linguagem do futebol, significa dizer que atua “por
dentro” do campo e não nas suas bordas.
Caso a notícia dissesse que Rooney estava atuando "pelo meio”, a intepretação
seria outra, pois entenderíamos que tal jogador estaria atuando mais para o meio de
campo podendo chegar à área. Desse modo, para homologação desses sentidos no texto,
é preciso associar a mudança de posição dos dois jogadores – Sterling e Rooney – ao
conhecimento compartilhado sobre futebol.
As expressões “para a direita”, “centralizado no meio”, entre outras recorrentes
nos textos, orientam o olhar do interlocutor para a movimentação dos jogadores dentro
do campo, contribuindo para delimitar esse espaço. Além disso, essa movimentação
implica um julgamento, tanto por parte do jornalista como do leitor, sobre a eficácia do
uso desse espaço. Esse julgamento acontece não só com base nas ações descritas, mas
136
também considerando a expectativa do torcedor/leitor sobre as ações dos jogadores.
Nesse sentido, podemos inferir que o uso dessas expressões, principalmente nas notícias
do jornal Lance!, dialoga, diretamente, com os leitores especializados, que, de fato,
buscam saber detalhes que vão além dos resultados, como as estratégias e táticas
empregadas nas partidas.
No excerto abaixo (L2), notamos o mesmo arranjo tático, marcado pelas
expressões “pela direita”, “na esquerda” e “pelo meio” na notícia esportiva sobre o jogo
entre Brasil e Alemanha. Nessa partida, como Neymar, importante jogador brasileiro,
estava machucado, foi necessária uma nova disposição de alguns jogadores do setor de
criação no campo:
(L2) Depois de muito mistério na véspera, Felipão surpreendeu e escalou Bernard na vaga de
Neymar. O menino com alegria nas pernas, na definição do próprio treinador, entrou para atuar
pela direita, com Hulk na esquerda e Fred pelo meio. (Anexo, p. 164)
De acordo com a notícia, a escalação de Bernard foi uma surpresa,
possivelmente, porque a expectativa geral – público e especialistas – girava em torno de
um time mais conservador, mais defensivo contra a Alemanha, que já vinha marcando
placares elásticos ao longo da competição, além do fato de Bernard não ser considerado
um grande jogador pelo público. Com a entrada desse jogador, o atacante Hulk, com
maior movimentação dentro do campo, teve de atuar na esquerda do campo e o Fred foi
atuar como o atacante do meio – como dissemos anteriormente, o atacante de “dentro”.
A intenção do treinador era fortalecer o meio de campo; entretanto, como está escrito na
continuação da notícia, a estratégia não funcionou, pois a Alemanha conseguiu chegar
ao primeiro gol e, logo em seguida, aplicou uma goleada na seleção brasileira.
O exemplo abaixo (G4), retirado do jornal O Globo, apresenta uma expressão
recorrente no futebol, “entrada da área”, marcada no campo por uma linha que delimita
o começo da área do goleiro. Nesse espaço, o goleiro pode defender os chutes com a
mão. Uma falta “na entrada da área”, portanto, significa um lance com maior chance de
gol pela proximidade do lance com a meta. É interessante notar que se fala em “entrada
da área”, mas não há uma “saída da área”, que seria a linha de fundo do campo, um
espaço, geralmente, avaliado como pouco útil para as jogadas.
(G4) os Estados Unidos se lançaram ao ataque, e chegaram bem perto de levar o jogo para os
pênaltis. Após uma falta na entrada da área, a bola chegou até Dempsey, que perdeu frente a
frente com Courtois (Anexo, p. 171)
137
Por meio da figura 4, podemos ver que chutar “de fora da área” corresponde a
realizar um chute no espaço compreendido antes da linha que demarca a grande área.
Se, por um acaso, fosse dito que o chute ocorreu “na entrada da área”, como aconteceu
no exemplo supracitado em (G4), teríamos um lance que aconteceu exatamente na linha
de entrada área.
Nesses exemplos, é como se houvesse a instauração de um observador que não
se confunde com o enunciador, já que a percepção espacial ocorre em relação ao
posicionamento no campo e não há referência ao espaço do sujeito da enunciação, mas a
um ponto de vista interior ao espaço em que ocorre a partida. É importante destacar essa
separação entre o observador e o enunciador, pois se trata de uma evidência de que
essas expressões não constituem um caso de dêixis, ainda que contribuam para
localização das ações e para recriar, discursivamente, o espaço dessas ações, transpostas
do campo de futebol para o universo textual. Como dissemos no início desta seção, o
comportamento dessas expressões leva-nos a entendê-las como casos de anáforas
indiretas.
O excerto abaixo demonstra a existência desse observador que situa as ações
sempre tendo em vista os limites do campo de futebol:
(G6) Com mais posse de bola, ameaçou o gol de Júlio César com chutes de fora da área. Num
deles, o goleiro brasileiro fez boa defesa, em chute de Jimenez. (Anexo, p. 177)
Logo no começo do trecho, a expressão “com chutes de fora da área” sinaliza
para o leitor o segmento do campo a partir do qual foi feito o chute, um local distante do
gol, muitas vezes explorado para surpreender o goleiro que pode estar em uma posição
que dificulte a defesa desse tipo de chute, no jargão do futebol, é uma tentativa de pegar
o goleiro “adiantado”.
Para compreender melhor as notícias esportivas, convém observar as
segmentações do campo, como as quatro linhas que separam a fronteira dos eventos,
uma vez que, fora deste espaço, as ações não têm efeito e, dentro desta fronteira, há
limites internos que caracterizam o posicionamento dos jogadores (ataque, defesa, linha
intermediária, etc.), fundamentais para o desenrolar da partida. O direcionamento das
ações é determinado pelas metas (gols) que se situam em lados opostos ao time (linhas
laterais, retranca, recuo, avanço) e as posições são demarcadas, com trajetórias
138
definidas. O espaço é codificado e não flexível. A transposição de determinados limites
está relacionada à eficácia ou ao fracasso do time, considerando uma expectativa em
relação a essas trajetórias.
O exemplo destacado de L7, por exemplo, pode ser melhor compreendido se
conhecemos um campo de futebol e a dinâmica do jogo, pois, quando o enunciador diz
que Löw “adiantou a marcação e ganhou o meio-campo”, significa dizer que os
zagueiros, em vez de marcarem próximo à própria área, passam a marcar mais próximo
ao meio de campo ou no próprio campo adversário. Essa estratégia acaba por deixar o
adversário sem espaço, o que favorece o erro, como podemos ver abaixo:
(L7) Mas Joachim Löw percebeu, adiantou a sua marcação, ganhou o meio-campo e confundiu
por completo a zaga adversária com a movimentação dos apoiadores e dos homens de frente
(Anexo, p. 178)
Já no exemplo destacado em L4, há a descrição de uma jogada que se iniciou
pelo meio de campo e, na sequência, o meia atacante De Bruine, que estava na lateral da
área, mudou de direção indo para o centro do campo em vez de seguir pela linha de
fundo. Essa mudança de posição por parte do jogador pode ser inferida por meio da
expressão, cortou para “o centro da área”, que deixa implícita a informação de que o
lateral e mudou sua direção para o centro da área, isto é, a marca de pênalti como pode
ser visualizado na Figura 4. Esse conhecimento de detalhes quanto ao espaço e à
movimentação do jogo interferem na percepção de informações dêiticas:
(L4) No minuto seguinte, foi a vez dos belgas atacarem. Vertonghen arrancou pelo meio após
roubar a bola de Zusi e tocou para De Bryune. O meia cortou para o centro da área e chutou
rente à trave direita de Howard (Anexo, p. 170)
Esses referentes são homologados, envolvendo processos cognitivos, a partir de
pistas presentes na materialidade textual. Portanto, cabe ressaltar, mais uma vez, a
grande dependência dessas expressões do conhecimento compartilhado
socioculturalmente. Um leitor que não dispõe dessas informações poderia inferir
somente que a jogada ocorreu pelo meio do campo sem maiores detalhes.
No final do exemplo acima (L4), retomando a questão do observador,
destacamos a mudança de perspectiva na narração das ações. A descrição do lance tem
em vista a posição do jogador; entretanto, a finalização é tomada do ponto de vista do
goleiro, como podemos ver na expressão “à trave direita de Howard”, nome do goleiro
139
da seleção dos Estados Unidos. O mesmo acontece no exemplo abaixo (G3), retirado
do jornal O Globo:
(G3) Aos 14, Feghouli avançou pela direita em jogada individual e chutou no ângulo, mas para
fora. Aos 18, Ghoulam bateu cruzado da esquerda e quase marcou, com Neuer completamente
batido, passou à direita do gol. (Anexo, p. 168)
O trecho se inicia afirmando que o jogador avançou pela lateral direita do campo
de ataque e chutou “no ângulo”, ou seja, no encontro entre a trave e o travessão, que
forma um ângulo reto. Em seguida, outro jogador “bateu cruzado de esquerda”, o que
significa dizer que o jogador chutou à direita e a trajetória da bola foi para a esquerda.
No final do texto, a perspectiva passa a ser do goleiro, por isso a descrição final do
lance ser “à direita do gol” e não à esquerda. É característica composicional da notícia
mudar a perspectiva da narração do lance, as jogadas são descritas sempre a partir do
ponto de vista de quem está com a bola. Quando há uma finalização para o gol,
portanto, a trajetória da bola passa a ser descrita pela perspectiva do goleiro. Essa
característica é importante, pois ela simula, para o leitor, uma ação dinâmica, como se o
leitor se sentisse presente no jogo, quase uma leitura “3D”, vendo a jogada.
Os recursos analisados nesta seção se repetem nas notícias, sendo parte da
estrutura das mesmas como forma de tornar o texto dinâmico e atrativo para o leitor.
Arriscamo-nos a afirmar que a forma como o espaço é descrito nas notícias esportivas é
uma característica exclusiva da narração esportiva sobre futebol. Algumas expressões,
principalmente as que tratam de marcar o espaço dentro do campo, são comuns tanto no
jornal Lance! como no jornal O Globo. As expressões que tratam mais especificamente
de estratégias táticas são mais frequentes no jornal Lance!; já no jornal O Globo,
notamos um certo cuidado no uso dessas expressões que, quando são utilizadas,
geralmente vêm acompanhadas de informações adicionais para auxiliar a sua
interpretação.
Como foi possível perceber, a segmentação do espaço contribui para os efeitos
de sentido nas notícias esportivas, tornando bem expressivas as ações dos jogadores, de
modo que a impressão causada no interlocutor é a de um efeito de verdade, como se ele
estivesse de dentro do campo assistindo às partidas. A descrição em detalhes dos jogos e
dos bastidores reflete uma preocupação em fazer esse interlocutor sentir a emoção
proporcionada pelo futebol, participar das tensões dos jogadores na busca do resultado
nas jogadas e da sua dinamicidade.
140
Retomando as palavras de Marcuschi (2003, p. 91), o autor afirma que entre uma
anáfora indireta e um “co-texto antecedente (uma âncora), há vínculo coerente, embora
não haja uma relação explícita com um antecedente”, como acontece com as expressões
analisadas. Trata-se de um processo complexo em que enunciador e interlocutor, por
meio de pistas textuais e do apelo ao conhecimento compartilhado, (re) constroem um
caminho para leitura. Trazemos, por fim, a consideração de Odorisi (2016) que,
corroborando a posição de Marcuschi, também afirma que o processo textual é formado
por mecanismos que levam o leitor a construir sentidos e acessar a realidade,
contribuindo de maneira co-autoral nessa construção.
141
5. A REFERENCIAÇÃO E AS NOTÍCIAS ESPORTIVAS
Nesta seção, traçamos uma relação entre os processos de referenciação e os
gêneros textuais. Embora saibamos que não podemos afirmar que exista um modelo
referencial restrito a um gênero específico, acreditamos que seja possível apontar alguns
casos em que algumas estratégias de referenciação sejam recorrentes no gênero notícia
esportiva, como o caso das anáforas diretas compostas por informações como o número
da camisa dos jogadores, seus apelidos e o apelido das seleções, por exemplo.
Pretendemos confirmar que referir é uma ação social e não individual,
coorientada pelos gêneros textuais, uma vez que estes, situados em contextos
comunicativos específicos, assumem valores sociais, já que todo gênero configura um
padrão de leitor ao mesmo tempo em que é configurado por ele. Dentro dessa
perspectiva, insere-se o fenômeno da referenciação, como um processo interativo em
situações específicas de comunicação, funcionando como uma atividade de construção
colaborativa e não uma operação linguística pontual de troca ou substituição de um
termo por outro.
Assim como os gêneros, a referenciação ocorre de maneira situada, dentro do
tempo, do espaço e de uma interação, envolvendo uma operação colaborativa dos
parceiros da enunciação, que constroem os referentes no e pelo discurso. Marcuschi
(2008) demonstra que, para haver interação, é necessário que haja conhecimentos
comuns compartilhados, como cultura, crença, língua e outros aspectos referentes ao
contexto situacional para que a atividade de construção de sentidos seja realizada, como
no gênero em questão, que tem sua interpretação bastante atrelada ao contexto cognitivo
e preso ao contexto sócio-histórico em que é produzido. A ativação dos referentes torna-
se difícil se feita em um momento posterior àquele em que o texto foi escrito.
Acreditamos haver ainda outra decorrência do relacionamento entre
referenciação e gêneros textuais: o fato de a referenciação apresentar estreita relação
com o acabamento do enunciado, ou seja, com o tratamento do objeto de sentido em
função do interlocutor e da situação comunicativa. No caso de um determinado gênero
objetivar um tratamento definitivo do tema, pode-se fazer uso de estratégias referenciais
que tentam recriar, discursivamente, a realidade de modo que esse simulacro pareça
indissolúvel e seja tomado como verdadeiro. Isso pode ser visto no sermão de um padre
ou de um pastor, quando determinadas formas de referir são tomadas como detentoras
da relação de verdade dogmática com o referente pretendido, contribuindo para a
142
formação ideológica, como demonstrou Odorisi (2016), na análise de pregações, nas
quais observou que não há diferença entre o discurso homofóbico e a realidade recriada
dentro dos textos.
Os gêneros contemplam orientações gerais acerca dos modos como os sujeitos
referem os objetos do mundo, transformando-os em objetos de discurso nas cadeias
textuais. Como esse estudo também visa explicar a referenciação tal qual ela ocorre em
enunciados concretos, buscamos responder algumas indagações relevantes: entender de
que modo um gênero fabrica mais comumente os seus objetos de discurso, isto é, que
estratégias são mais recorrentes; que categorias linguístico-textuais se tornam mais
produtivas; como operam estas categorias para os referentes serem vistos como mais ou
menos instáveis; que concepções de objetos de discurso aparecem mais consagradas.
Os mecanismos mais regulares de referenciação encontrados no corpus
formados por notícias esportivas foram as anáforas diretas, conforme podemos ver no
gráfico abaixo:
0
20
40
60
80
100
120
140
160
180
200
Anáforas diretas Anafóras indiretas Encapsuladores Dêixis
Comparação entre as estratégias de referenciação nos dois jornais
Estratégias de referenciação no jornal Lance! Estratégias de referenciação no jornal O Globo
Gráfico 1: Comparação entre as estratégias de referenciação nos dois jornais
A fim de obter um panorama geral das estratégias de referenciação nas notícias
esportivas analisadas, procedemos a uma contagem dos casos verificados para cada
forma de referenciação. Cumpre destacar, em relação às anáforas diretas, que
contabilizamos as estratégias de retomada realizadas por emprego pronominal, repetição
143
lexical e demais expressões referenciais recategorizadoras. Não entrou na contagem,
portanto, o emprego de elipse.
A ocorrência das estratégias de referenciação é bastante semelhante nos dois
jornais, o que parece configurar uma característica do gênero em questão. Em ambos, as
anáforas diretas constituem o recurso mais empregado. Já as anáforas indiretas
apareceram na mesma quantidade nos dois textos, enquanto os encapsuladores tiveram
uma ocorrência um pouco maior no jornal Lance!. Os casos de dêixis, em contrapartida,
são maiores no jornal O Globo, comparado ao periódico Lance!, o que pode ser
explicado pela preocupação desse jornal em apresentar algumas informações adicionais
ao leitor, como o dia dos jogos, em quais dias ocorrem outras partidas dos grupos da
Copa, por exemplo. Todos os casos de dêixis verificados no jornal O Globo foram de
dêixis temporal.
Já a alta ocorrência de anáfora direta pode ser explicada pela manutenção dos
mesmos objetos de discurso durante os textos. Em uma notícia sobre um jogo entre
Alemanha e Portugal, por exemplo, é natural que esses dois objetos de discurso
permaneçam em foco durante o texto, bem como o nome dos jogadores principais
dessas equipes. As anáforas diretas, assim como as encapsuladoras, constituem um
recurso importante para a condução da orientação argumentativa das notícias esportivas,
ainda que, em alguns casos, a intenção seja construir um efeito de neutralidade. Por
meio dessas estratégias de referenciação, podemos perceber críticas e avaliações sobre
estratégias técnicas, desempenho dos jogadores, avaliação das seleções, por exemplo.
Além disso, a manutenção desses referentes nas notícias esportivas – além de
garantir a progressão textual, característica básica dos processos de referenciação –
promove uma estabilização dos objetos de discurso, originando certas formas de
referenciação que chamamos de epítetos (apelidos dos clubes). Em alguns casos, como
as seleções de maior expressão no futebol, essas formas, de tão cristalizadas, remetem
constantemente aos mesmos referentes, sendo uma estratégia muito empregada nos
textos do jornal Lance!.
Por outro lado, muitas vezes, as recategorizações são circunstanciais, pois
dependem do momento em que a notícia é publicada e de algumas informações que,
constantemente, se modificam como quais jogadores e técnicos compõem as seleções.
Por exemplo, a retomada de determinados jogadores por um apelido criado pela torcida
ou a retomada de uma seleção pelo nome de seu técnico, como vimos em alguns
exemplos, são permitidas e homologadas tendo em vista o contexto sócio-histórico da
144
produção da notícia. Desse modo, não é só a interpretação das estratégias de
referenciação que está atrelada ao contexto sociocognitivo, mas também a própria
escolha dessas estratégias.
Dito de outro modo, a referenciação pode tender para marcar uma relação
fortemente estável entre os referentes no mundo e os objetos de discurso ou pender para
indicar uma relação instável, provisória. Nesse sentido, é interessante retomar um dos
pressupostos básicos do conceito de referenciação, que é a noção de estabilidade e
instabilidade referencial, propostas por Mondada e Dubois (2005). Esses conceitos
tornam-se menos abstratos e podem ser mais bem compreendidos se trabalhados em
uma interface com os gêneros textuais. Em função deste raciocínio, devemos pensar a
relação entre instabilidade e estabilidade referencial de um modo dinâmico e não como
uma oposição, pois os dois processos são utilizados com vistas a atender plenamente às
necessidades comunicativas surgidas em contextos específicos de comunicação.
No mesmo gênero, tanto a instabilidade como a estabilidade dos referentes
coexistem e são importantes para a construção dos textos. Assim como há referentes que
sempre figuram nas notícias esportivas de futebol (como os nomes das seleções), com
um alto grau de estabilidade, chegando a apresentar formas próprias de designação
como os epítetos, também há relações bastante instáveis e criadas, exclusivamente, para
aquele momento da enunciação.
No Quadro 11, elaboramos uma síntese das funções discursivas exercidas pelos
processos de referenciação verificadas na análise das notícias esportivas. Dentre essas
funções, algumas são inerentes aos processos de referenciação e independem do gênero
analisado; outras, no entanto, puderam ser relacionadas aos propósitos comunicativos da
notícia esportiva.
Processos referenciais Funções discursivas na notícia
esportiva
Anáforas diretas - Manutenção dos nomes das seleções e
dos principais jogadores em foco;
- Promoção da estabilidade de alguns
referentes, que, de tão cristalizados,
remetem, automaticamente, a seus
referentes;
-Condução/exposição de dada orientação
argumentativa por meio da estratégia de
recategorização.
145
Anáforas indiretas - Inserção de subtópicos no discurso;
- Inserção de referentes que delimitam
o uso do espaço no campo do
futebol;
- Em geral, é uma estratégia para trazer
para dentro do texto informações
culturais sobre os países e sobre a própria
dinâmica do jogo;
Anáforas encapsuladoras - Importante recurso de progressão
textual nas notícias, também promove
uma exposição da orientação
argumentativa das notícias;
- Utilizada também para sintetizar
lances da partida e estratégias táticas;
- Empregada, muitas vezes, para
rotular avaliações sobre as seleções ou
jogadores.
Dêixis - Uso prototípico, como ocorre nas
demais notícias. Nas notícias esportivas,
o caso mais comum foi o da dêixis
temporal, evidenciando a estreita relação
entre o marco temporal de sua publicação
e o tempo cronológico dos fatos narrados.
Quadro 11: funções discursivas dos processos de referenciação no gênero notícia
esportiva.
Em destaque, colocamos as funções dos processos referenciais diretamente
relacionadas à intencionalidade e aos objetivos comunicacionais das notícias esportivas.
Nosso objetivo aqui foi demonstrar como o ato de referir é construído tendo em vista as
particularidades do gênero em foco.
Nesse sentido, o produtor do texto pode idealizar seu público-alvo, pressupondo
que disponha de determinada competência linguística e conhecimentos enciclopédicos
para compreender o texto. O leitor, nesse caso, é visto como alguém que conhece a
temática do futebol e suas especificidades. O jornalista esportivo, então, dentro desse
gênero, não está no papel de quem sabe mais sobre o assunto, mas na posição de um
mediador entre os fatos ocorridos nos jogos e o leitor. Assim, a recorrência de termos,
como apelidos de jogadores, números de camisa e nomes das funções em campo, por
exemplo, soa como um recurso natural desse gênero, uma vez que pressupõe um leitor
especializado, que compartilha dessas informações. Dentro dessa perspectiva, passamos
146
agora a comentar as sutis diferenças verificadas entre as notícias do jornal Lance! e do
jornal O Globo.
Após a análise das notícias esportivas, dos jornais Lance! e O Globo,
percebemos que a cadeia referencial desses textos, principalmente tendo em vista as
estratégias de referenciação, pode manifestar uma avaliação positiva ou negativa dos
objetos de discurso. Muitas vezes, esses objetos são recategorizados por meio de
expressões nominais que podem contribuir para a percepção dessa avaliação.
Koch e Elias (2016, p. 99) defendem que as formas nominais, de modo geral,
podem apresentar determinada orientação argumentativa, que
[...]pode ser configurada por um nome-núcleo ou pelo acréscimo de
modificadores avaliativos (positivos ou negativos) evidencia a relação
íntima entre formas nominais e referenciação.
Nesse sentido, o uso de elementos anafóricos promove no texto um fenômeno de
retomada relativamente complexo, da qual fazem parte o saber construído
linguisticamente pelo próprio texto e os conteúdos inferenciais que podem ser inferidos
por meio de conteúdos linguísticos, devido aos conhecimentos lexicais, aos pré-
requisitos enciclopédicos e culturais e aos lugares comuns argumentativos de uma dada
sociedade. Desse modo, as expressões estabelecem no discurso a explicitação de uma
avaliação, sendo que algumas contêm valores axiológicos mais evidentes do que outras.
Tal avaliação pode ser expressa, por exemplo, pelo acréscimo de modificadores de tipo
avaliativo, quer de ordem positiva, quer de ordem negativa. Nesta Tese, portanto,
buscamos avaliar mais especificamente os usos anafóricos que compõem a cadeia
textual das notícias.
Em relação à questão de uma aparente neutralidade/julgamento, percebemos
diferenças sutis entre os dois jornais, no que diz respeito ao emprego de determinadas
estratégias de retomada e recategorização dos referentes. A fim de visualizar de modo
mais efetivo essas diferenças nos dois jornais, focalizamos apenas os objetos de
discurso mais estáveis e que constituem o tópico principal das notícias esportivas – as
seleções de futebol – e esquematizamos o gráfico abaixo:
147
Gráfico 2: Estratégia de retomada dos nomes das seleções nos dois jornais
De acordo com gráfico 2, as diferenças mais significativas verificadas nas
estratégias de retomada/manutenção dos nomes das seleções nos textos são o maior uso
de epítetos (expressões como “Celeste”, “Fúria”, por exemplo) no jornal Lance! e o
maior uso da repetição lexical nos exemplos do jornal O Globo. Em menor escala,
notamos a diferença no emprego de expressões metafóricas, como em “zebra argelina”,
e no uso de outros grupos nominais (sintagmas compostos por artigo e nome; nome e
modificador, por exemplo). De todo modo, essas divergências nos levam a concluir que:
(i) O maior uso de epítetos no jornal Lance! aponta um indício de que as notícias
esportivas desse jornal dialogam com um leitor especializado, já que muitos epítetos de
seleções de menor expressão no cenário do futebol mundial – como, “raposas do
deserto” e “diabos vermelhos”, por exemplo – não são amplamente conhecidos nem
utilizados pela mídia; (ii) O maior uso da estratégia da repetição lexical em um jornal
não especializado em esportes como O Globo pode sugerir a tentativa de tornar a
publicação, aparentemente, mais neutra e mais acessível para um público heterogêneo.
Ainda em relação às estratégias de referenciação, percebemos que se trata de um
processo que também resulta da influência exercida pelo ouvinte/interlocutor no ato de
enunciação, não sendo um processo inteiramente livre: o destinatário real ou presumido
participa da referenciação porque, de algum modo, norteia as escolhas do enunciador.
148
Isso pode ser percebido, por exemplo, quando são utilizadas expressões referenciais
mais “neutras”, como a estratégia de repetição lexical ou a localização geográfica da
seleção, por exemplo, para se referir às seleções ou aos jogadores em detrimento de
expressões que evidenciem, de modo mais claro, uma avaliação. Essa constatação
permitiu definir que as diferenças verificadas nas estratégias de referenciação devem-se
mais ao perfil de público.
No caso das notícias esportivas analisadas nesta Tese, a diferença entre essas
formas pode ser atribuída ao perfil de público selecionado pelos dois jornais,
comprovando que, quanto maior a especificidade do público, mais necessárias se fazem
as inferências empregadas na intepretação dos discursos. Ou seja, de fato, o suporte
elege certas características e marcas nos gêneros que atuam na materialização desse
gênero. Entretanto, essas diferenças mais específicas relacionadas à escolha vocabular e
ao emprego de determinadas formas de referenciação estão diretamente ligadas, no
corpus, aos diferentes públicos alvos selecionados pelos jornais em questão.
Seguindo o raciocínio aqui desenvolvido, entendemos que o ato da referenciação
envolve uma decisão efetuada na interação em que os interlocutores atuam
recuperando/reconstruindo objetos de discurso, sendo um processo que só se completa
em uma situação concreta de comunicação. Desse modo, as escolhas que compõem as
estratégias de referenciação de um determinado texto só são homologadas e validadas
no momento em que o leitor/ouvinte reconhece e confirma os sentidos propostos pelo
enunciador. Por isso, como já dissemos, acreditamos que as diferenças verificadas,
sejam explicadas pela presunção de um determinado tipo de público leitor por parte dos
jornalistas.
149
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como afirma Koch (2002), todo texto apresenta uma “trilha de sentidos” e
desvendar esses caminhos bem como os recursos que os constroem são motivações
incessantes para os estudiosos do texto/discurso. Por esse caminho, iniciamos esta
pesquisa com o objetivo de analisar os processos de referenciação em um gênero
específico e analisamos processos referenciais presentes em notícias esportivas sobre
futebol, publicados em jornais específicos de esporte Lance! e no jornal O Globo. Foi
possível verificar como os interlocutores se apropriam de conhecimentos
compartilhados pelo entorno sociocognitivo para reconstruir os objetos de discurso e,
assim, construir os sentidos no texto, mostrando como o gênero atua nessa construção.
Esse trabalho, realizado sob o escopo teórico da Linguística de Texto, é mais um
exemplo de como tal linha teórica constitui um meio muito profícuo para análises que
se propõem a trabalhar o texto em sua totalidade e em sua dimensão discursiva. Nesse
sentido, a teoria sobre referenciação também mostrou-se muito eficaz para que, a partir
de elementos linguísticos, possamos compreender a construção dos objetos de discurso,
as intencionalidades e, por fim, chegar aos valores construídos no e pelo texto. Dessa
forma, utilizamos como método de trabalho um modelo de análise em que foi possível
perceber como expressões referenciais e pistas textuais constroem os sentidos no texto e
como a imagem do referente que o coenunciador elabora em sua memória vai sendo
alterada, à medida que se desenvolve o discurso.
Comprovamos nossa hipótese inicial de que o gênero notícia esportiva é bastante
atrelado ao contexto sociocognitivo, por isso as formas de referenciação nele verificadas
dependem extremamente de conhecimentos compartilhados para sua interpretação.
Construir a coerência desse enunciado, portanto, depende sempre de os interlocutores
partilharem conhecimentos. Por meio de pistas contextuais e cotextuais, os participantes
da enunciação vão ativando os sentidos e interpretando os referentes como velhos ou
novos. Soma-se a isso a intencionalidade e os propósitos comunicativos do gênero
textual em questão, pois, como foi possível perceber, a notícia esportiva procura
destacar ou enfatizar lances, detalhes mais importantes do jogo, valorizar uma
determinada seleção, por exemplo, de modo a garantir uma adesão emocional do seu
interlocutor.
150
Também conseguimos comprovar nossa segunda hipótese, pois foi possível
observar, no decorrer das análises, que os jornais mobilizam diferentes recursos para
construção das notícias, tendo como norte o público que selecionam.
De modo semelhante, as notícias esportivas de ambos os jornais apresentaram
recursos variados na construção de seus textos, como ironia, humor, o apelo à
dramatização dos textos, comprovando o que já apontava Costa (2011). Devido à
especificidade de seu objeto principal, que é o futebol – esporte em que a paixão ocupa
um espaço simbólico privilegiado –, e do perfil de seus leitores, em sua maioria
torcedores ávidos por adentrarem em um território repleto de grandes acontecimentos e
de ídolos imortais, configura-se no jornalismo esportivo brasileiro um campo em que é
proporcionada uma maior liberdade de investimento narrativo na construção da notícia.
Esse apelo à emoção e à adesão do leitor ao futebol está presente nos dois jornais e,
confirmando que o futebol, mais do que um esporte, para as mídias esportivas, é um
produto que movimenta um mercado muito amplo.
Em relação às diferenças, percebemos que o jornal O Globo produz matérias
mais completas que procuram agradar a todos. Além disso, notamos a preocupação do
periódico com a contextualização dos fatos, fazendo com que as notícias sejam sempre
maiores, relembrando acontecimentos anteriores ou trazendo informações adicionais
para situar melhor o leitor dentro daquele universo. Como vimos, foram frequentes as
informações sobre outros jogos, estatísticas das equipes, bem como o uso de trechos de
entrevistas dos jogadores dentro das notícias.
No jornal Lance!, em contrapartida, a contextualização dos jogos é pequena, não
há a inserção de entrevistas ou outras informações no corpo da notícia que possam
auxiliar um leitor menos especializado, o que pode ser visto, inclusive, pelo tamanho
das notícias, que costumam ser mais curtas se comparadas às do jornal O Globo.
Essas diferenças puderam ser verificadas também, como apontava uma de nossas
hipóteses de trabalho, por meio das estratégias de referenciação. Uma dessas diferenças,
como foi dito no Capítulo 5, está no maior uso de epítetos pelo jornal Lance!, indicando
a relação dialógica entre jornalista e um leitor pressuposto, especializado no assunto. Ao
passo que, no jornal O Globo, esse recurso foi quase nulo, ao mesmo tempo em que a
estratégia de retomada por repetição lexical foi a mais produtiva, o que pode ser
explicado pelo maior cuidado e preocupação em atender um público mais amplo e
menos especializado em futebol. A descrição do espaço do campo de futebol nas
notícias e a utilização de termos mais técnicos sobre jogadas e estratégias por meio de
151
anáforas indiretas, principalmente no jornal Lance!, também confirmaram a diferença
entre os dois jornais. Para além das questões de referenciação, esses resultados
comprovaram ainda um dos conceitos fundamentais da Linguística de Texto: a noção de
texto como um elemento construído na interação entre autor-texto-leitor, conforme
atesta Koch (2006). Tais resultados corroboraram também para percepção do enfoque
sociocognitivo, indissociável, hoje, dos estudos sobre texto/discurso.
Esses resultados constituíram uma parte importante do trabalho, pois
colaboraram para a caracterização do gênero notícia esportiva, cumprindo um dos
objetivos dessa Tese. Nesse sentido, passamos agora a tratar dos resultados das análises
sobre os processos de referenciação que surpreenderam pelos casos inovadores dentro
dos exemplos consagrados pela teoria e, muitas vezes, de difícil classificação.
A estratégia de referenciação mais recorrente no corpus foi a anáfora direta. Sua
recorrência foi creditada à necessidade de manutenção de determinados objetos de
discurso durante os textos. As anáforas diretas, assim como as encapsuladoras,
mostraram-se uma estratégia fundamental para a condução da orientação argumentativa
das notícias esportivas, evidenciando críticas e avaliações sobre jogadores e seleções,
por exemplo, ou até mesmo foram utilizadas para construir um efeito de neutralidade
nos textos.
Apesar da alta recorrência de anáforas diretas, os casos que mais chamaram
atenção no corpus foram alguns exemplos de encapsuladores, anáforas indiretas e a
dêixis. A análise nos surpreendeu com exemplos cuja constituição não é encontrada nos
textos teóricos. Encontramos casos de encapsulamentos realizados por meio de
substantivos concretos, ao contrário do que preveem os estudos tradicionais, por
exemplo.
Encontramos também anáforas indiretas empregadas para segmentar o espaço do
campo de futebol nas notícias esportivas. Tais exemplos, além de atribuírem uma
movimentação dentro do campo como se o leitor estivesse vendo o jogo, demonstram
um forte apelo ao conhecimento compartilhado. Além disso, como esses casos estão
ligados a uma descrição espacial, não deixam de apontar um componente dêitico,
embora não estejam atrelados ao contexto de enunciação, característica básica do
processo dêitico.
Sobre os exemplos de dêixis, convém ressaltar que, ainda que tenham ocorrido
em menor quantidade, permitiram não só explicar tais casos como associá-los à própria
construção de sentidos nos textos, o que é uma contribuição importante deste trabalho,
152
pois os trabalhos sobre dêixis, em geral, ficam presos a elementos gramaticais e frases
soltas, e pouco exploram a função desse processo nos textos.
Tendo em vista essa expressividade dos processos de referenciação nas notícias
analisadas, procedemos a um levantamento das funções que os processos de
referenciação exercem nesses textos. Além de verificar as funções tradicionais –
promoção da progressão e articulação textuais – verificamos que algumas funções
ocorrem somente nesse gênero, como a inserção de referentes que localizam o espaço
nos campos, por exemplo.
Ainda que não tenha sido o escopo dessa Tese, possivelmente pode constituir-se
como um desdobramento dela a possibilidade de contribuição dessa pesquisa com o
ensino de leitura. Considerando que a referenciação é uma prática discursiva, marcada
por estratégias sociocognitivas e interacionais, torna-se indispensável destacar na escola
o papel do leitor na construção de sentidos. É nesse ponto que os estudos de
referenciação e leitura se cruzam e assumem um papel importante para o
desenvolvimento das habilidades de leitura.
Pontuar questões como ideologia/construção de pontos de vista na referenciação
e mostrar, por exemplo, como o uso do encapsulador ou anáforas indiretas, com as
devidas adaptações segundo o nível de cada série, exige raciocínio mais profundo do
que simplesmente indicar referentes ou realizar exercícios para “evitar repetição” são
formas concretas de trabalhar a leitura em sala de aula. Nesse sentido, o corpus
analisado pode ser utilizado em sala, aproveitando a inserção que o futebol possui na
cultura brasileira. As notícias esportivas, conforme demonstrado pelas análises, podem
ser textos complexos, que mobilizam diversos conhecimentos compartilhados para sua
leitura, rompendo, inclusive com possíveis pré-conceitos de que seriam textos “fáceis”
de ler. Finalmente, é necessário levar até os alunos as descobertas do meio acadêmico,
por meio de metodologias e materiais a serem desenvolvidos, não só para o ensino
básico, mas também para os cursos de Letras e de Comunicação Social.
Para finalizar, reiteramos que as principais contribuições dessa Tese residem na
profícua associação teórica entre referenciação e gêneros textuais. Parte importante
desse trabalho, implementada por meio da análise de variados exemplos que mostraram
a estreita relação entre os processos de referenciação na constituição dos gêneros
textuais, além de ampliar o olhar sobre a referenciação, com exemplos inovadores.
Além disso, a análise aqui empreendida, de acordo com a perspectiva sociocognitiva,
explorou os processos de referenciação e sua atuação na construção de sentidos nos
153
textos, considerando as pistas textuais como parte desse processo. Especificamente
sobre os processos de referenciação, demonstramos como estão interligados e
associados às intencionalidades dos textos.
154
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160
ANEXOS
(L1) O jogo dos sonhos de Suárez
Com dois gols de Luis Suárez, Uruguai vence a Inglaterra por 2 a 1 em duelo decisivo
de campeões mundiais em São Paulo. Resultado deixa Celeste dependendo só de suas
forças e praticamente elimina a Inglaterra. Rooney desencanta e faz seu primeiro gol em
Copa do Mundo.
O uruguaio Luis Suárez tem uma relação especial com a Copa do Mundo. Em
2010, na África do Sul, foi um dos protagonistas da bela campanha que levou a Celeste
até as semifinais. Ontem, o atacante colocou mais uma vez o seu nome em um capítulo
especial da história das Copas, agora no Brasil.
Com dois gols, ele foi decisivo na vitória uruguaia por 2 a 1 sobre a Inglaterra.
Uma vitória histórica, diga-se, que faz a Celeste renascer no Mundial e que deixa a
Inglaterra praticamente eliminada.
Na véspera do jogo, o capitão inglês Gerrard rasgou elogios ao rival, seu
companheiro de Liverpool. “Suárez é excelente, um gênio”.
Não pareceu um exagero para quem assistiu ao jogo na Arena Corinthians.
Mesmo retornando de lesão e sem estar 100 % recuperado, Suárez mostrou a que veio.
O jogo em si foi equilibrado. Começou truncado e com muita disputa no meio. A
Celeste apareceu em campo com cinco modificações em relação à derrota para a Costa
Rica. As mudanças surtiram efeito. Marcando mais a frente e pressionando, foi melhor
nos 15 minutos iniciais.
Sem estar na sua melhor condição, Suárez atuava mais plantado à frente,
enquanto o excelente Cavani buscava a bola, ajudava na armação e ainda aparecia no
ataque.
No lado inglês, Hodgson prendeu o lateral-esquerdo Baines, puxou Sterling mais
para a direita e colocou Rooney centralizado no meio.
A partir dos 15 minutos, a Inglaterra se assentou em campo e passou a ameaçar.
Tanto que por duas vezes Wayne Rooney quase marcou seu primeiro gol em Copas.
Primeiro, numa bela cobrança de falta, ele deixou Muslera estático. A bola não entrou
por centímetros. Depois, após levantamento de Gerrard na área, o baixinho carimbou a
trave.
Mas justamente quando a Inglaterra estava melhor na partida, o Uruguai abriu o
placar. Bola recuperada no meio permitiu à Celeste pegar a defesa inglesa aberta.
Cavani deu assistência perfeita para Suárez, que só teve o trabalho de cabecear.
O gol foi devastador para a Inglaterra. O time voltou do intervalo aparentemente
nocauteado.
O Uruguai teve, então, três boas chances para ampliar logo no início da etapa
final. Não matou o jogo, retraiu-se um pouco e deu espaço para o English Team crescer
na partida.
Foi a vez dos deuses do futebol fazerem justiça a Wayne Rooney. Após boa
jogada pela direita, Johnson cruzou rasteiro e o camisa 10 escorou de canhota para fazer
seu primeiro gol numa Copa do Mundo. A Inglaterra, então, foi para cima. Sterling
inclusive teve a chance de fazer o gol da virada.
Mas estava escrito que a fria tarde de São Paulo seria de Suárez. Numa reposição
de bola de Muslera, Gerrard desviou de cabeça e a bola sobrou para quem? Para Suárez,
claro. Ele não perdoou. Fuzilou a rede de Hart e selou a vitória uruguaia. Substituído,
chorou no banco de reservas. Sabia o tamanho do triunfo uruguaio. Sabia o tamanho de
sua atuação.
161
(GOMES, Guilherme. O jogo dos sonhos de Suárez. Jornal Lance!. Rio de Janeiro, 20
de junho de 2014, p. 13)
162
(G1) Suárez 100 %
Atacante do Liverpool estreia no Mundial e marca os dois gols da vitória do Uruguai
sobre a Inglaterra. Resultado mantém uruguaios com chances de classificação e
complica vida dos Ingleses.
Todos tinham a mesma opinião. Era uma partida à feição do Uruguai. Encarada
como final, com a corda no pescoço, do jeito que a Celeste está acostumada. Ser
favorita não faz parte da história da bicampeã mundial. Fazer o quase impossível, sim. E
eles ainda contavam com um convidado novo, que quase abandonou a festa por uma
cirurgia de última hora. Na verdade, tornou-se o anfitrião. O maior artilheiro da seleção
uruguaia mostrou que jamais será coadjuvante de um time que depende muito dele. Luis
Suárez estreou no Mundial ontem, marcou os dois gols da vitória por 2 a 1 sobre a
Inglaterra, no Itaquerão, e manteve as chances de classificação para as oitavas de final.
O resultado, porém, não significa o adeus da outra campeã do mundo, a
Inglaterra. Tudo dependerá do jogo de hoje entre Itália e Costa Rica, no Recife. Um
empate elimina os ingleses. Assim como uma vitória costarriquenha. Isso porque, com
esse resultado, os ingleses não conseguirão alcançar a pontuação de pelo menos dois
rivais do Grupo D. Já a vitória italiana deixa o time vivo até a última rodada. Para os
uruguaios, não importa o que vai acontecer entre Itália e Costa Rica. Vão enfrentar os
italianos, na terça-feira, sem depender dos outros.
São muitos os motivos para comemorar a vitória de ontem. No dia do
nascimento do libertador do país, José Artigas, Suárez foi herói a sua maneira ao acabar
com a escrita de 44 anos sem vencer uma seleção europeia em Mundiais. E a
comprovação de que o atacante, agora com 41 gols pelo Uruguai, cinco deles em Copas,
está em plena forma física.
– Sonhei com esse jogo muitas vezes e tive de controlar a ansiedade para não
prejudicar a equipe. Um filme que não imaginei por tudo o que se disse, que eu estava
50 %. Se eu estava 50 % e foi assim, imagina se estivesse 100 % – disse o herói
uruguaio, que começou a sentir cãibras por volta dos 25 minutos do segundo tempo,
bem antes de marcar o gol da vitória. – Não sei de onde tirei forças, não pedi a
substituição e o (homem) lá de cima me ajudou.
Na véspera da partida, a Celeste falava em apagar a má impressão deixada na
derrota para a Costa Rica (3 a 1) e mostra em campo a imagem do verdadeiro Uruguai,
aguerrido, que não se abate. Foi o que ressaltou o técnico Oscar Tabárez diante do
domínio do primeiro adversário da Copa, destacando ainda o papel de Cavani, que se
sacrificou na marcação. O atacante correu mais de 12 quilômetros.
– Diziam que não conseguiríamos, mas mostramos que não estamos mortos –
afirmou o treinador, lembrando que há um longo caminho a percorrer. – Mas a vitória
trouxe uma brisa, melhorou nossa autoestima.
Artilheiro ovacionado pela torcida
Foi justamente a gana uruguaia aliada ao talento do craque Suárez que fizeram a
diferença contra os ingleses, que deram trabalho ao goleiro Muslera. Num início de jogo
de forte marcação no meio-campo, os times tiveram dificuldades de entrar na defesa
adversária. Alguns chutes por sobre o gol, faltas cobradas da intermediária e nenhum
perigo iminente.
Até que, aos 38 minutos, a vontade uruguaia prevaleceu. Lodeiro brigou pela
bola com o capitão Gerrard, lançou Cavani na esquerda. O atacante esperou Suárez se
posicionar e cruzou na medida para o artilheiro abrir o placar: 1 a 0.
163
Os ingleses não se assustaram. Nem os uruguaios acharam que estava tudo
resolvido. Ambas as equipes tiveram chances desperdiçadas ou defendidas, como o
chute de Rooney, aos 9 minutos da segunda etapa. Mas, no momento em que o Uruguai
recuou, o camisa 10 inglês insistiu e empatou aos 30, após bom cruzamento rasteiro de
Johnson, fazendo seu primeiro gol em Copas.
Quando a virada parecia provável, Suárez desfez a impressão. Muslera cobrou
tiro de meta, a bola resvalou na cabeça de Gerrard, e sobrou para o artilheiro fuzilar o
gol de Hart, aos 40. Ele saiu ovacionado do estádio e carregado por Lugano.
– Ele está no nível de Messi e Cristiano Ronaldo. E para nós, ele é ainda mais
importante que eles e que o Neymar. É só olhar as estatísticas.
(FURTADO, Tatiana; KNOPLOCH, Carol & D’ERCOLE, Ronaldo. Suárez 100%.
Jornal Globo. Rio de Janeiro, 20 de junho de 2014, p. 7).
164
(L2) Vexame! Brasil sofre a maior derrota de sua história e vê Alemanha chegar à final
Um dia 16 de julho de 64 anos atrás faria o Brasil chorar seu drama maior, o
Maracanazo. Pois este 8 de julho de 2014 faz ele jorrar lágrimas para a maior das suas
humilhações. De joelhos! A derrota mais vexatória do país celebrado mundialmente por
ser o do futebol. O Estádio do Mineirão viu o triste capítulo de 50 ficar esmaecido, ao
menos por ora, na história. Vai ser difícil lembrar daquele 2 a 1 para o Uruguai diante
do que fez a Alemanha nesta semifinal. Uma tortura incomparável para os apaixonados
pela equipe canarinho. Os germânicos, em 45 minutos, tornaram picadinho o sonho
nacional de, enfim, conquistar o troféu em seu território. Um 7 a 1 que não dá margem a
senões, ressalvas e paliativos. Não há razões possíveis para explicar tamanho resultado.
As ausências de Thiago Silva e Neymar, que seriam motivos razoáveis para justificar
uma derrota, não cabem para explicar o que se viu. A pior derrota dos pentacampeões
em toda sua gloriosa história!
Depois de muito mistério na véspera, Felipão surpreendeu e escalou Bernard na
vaga de Neymar. O menino com alegria nas pernas, na definição do próprio treinador,
entrou para atuar pela direita, com Hulk na esquerda e Fred pelo meio. A ideia de ter um
meio de campo mais fortalecido, com Paulinho ao lado de Luiz Gustavo e Fernandinho,
tentando assim neutralizar o setor mais criativo dos alemães, foi abortada em nome de
tentar abafar a saída de bola rival. No início até parecia que a tática poderia dar
resultado e o jogo seria disputado, com mais cara de uma semifinal entre as duas
potências. Que nada! Bastou uma jogada de bola parada, arma letal dos europeus, para a
filosofia derreter-se. Em um lance de perdição total da defesa, aos 10 minutos, David
Luiz deixou Thomas Müller livre para fazer seu quinto gol neste Mundial.
A partir daí a Seleção sofreu um colapso inédito em seus mais de cem anos de
história. A Alemanha fez seu toque de bola parecer fácil, ludibriando a marcação
brasileira. No imaginário coletivo mundial os tedescos jogaram como Brasil, com
técnica apurada. Na zaga, Dante, que tanto foi celebrado como conhecedor das virtudes
e defeitos do adversário por jogar no Bayern de Munique, foi presa fácil, assim como
todo o sistema defensivo. Aos 22, Klose fez seu 16º em Mundiais e isolou-se como
goleador máximo nessas 20 edições de Copa. Justo ele, o único atleta a jogar quatro
semifinais de Copa. E uma espécie de Carrossel em vermelho e preto passou a desfilar,
com um gol atrás do outro.
O desencontro brasileiro no gramado ficou evidente no gol de Khedira, aos 28
minutos. após linha de passe que mais parecia a tão brasileira "roda de bobinho". Antes,
Kross fizera dois. Assim, Felipão e seus comandados foram inertes para o vestiário,
com um 5 a 0 inimaginável.
No segundo tempo, Felipão fez o que muitos esperavam que fizesse no início.
Povoou o meio, com Paulinho e Ramires, na tentativa de ao menos reduzir o vexame.
Não houve trégua. Além de dois gols de Schürrle, que entrou no lugar de Klose, teve a
eficiência do goleiro Neuer, que evitou que o Brasil descontasse com duas defesas
imponentes. Já nos instantes finais, Oscar fez o de honra do Brasil.
A Alemanha vai para a decisão após esbarrar duas vezes na sequência nas
semifinais e tentará, no domingo, dar à sua exuberante geração uma glória que ainda
não veio. Espera pelo seu adversário, que pode ser a Argentina pela terceira vez ou a
Holanda pela segunda. Já o Brasil tenta recolher os infindáveis cacos para defender seu
orgulho no sábado, no Mané Garrincha, em Brasília, na disputa de terceiro e quarto.
165
(NETO, Valdomiro. Vexame! Brasil sofre maior derrota da sua história e vê Alemanha
chegar à final. Jornal Lance! Rio de Janeiro, 08 de jul. 2014, p.24)
166
(G2) Brasil é massacrado pela Alemanha e sofre a maior goleada de sua história: 7 a 1
Seleção leva quatro gols em seis minutos no primeiro tempo e perde a chance de
disputar o hexa
O sonho do hexacampeonato se transformou na dor de uma derrota humilhante em
apenas seis minutos. Na maior vergonha brasileira na história das Copas, o Brasil foi
atropelado pela Alemanha no Mineirão: 7 a 1. A seleção treinada por Joachim Löw
dominou a partida e deixou evidente a sua superioridade entre os 23 e os 29 minutos do
primeiro tempo, quando os quatro gols marcados transformaram o tímido 1 a 0 no
estridente placar de 5 a 0. No segundo tempo, Schürlle marcou duas vezes e ampliou o
vexame.
MUITOS RECORDES NA PARTIDA
Foi um jogo cercado por recordes e números expressivos. Foi a maior goleada já sofrida
pelo Brasil em sua história. Klose fez um gol e chegou aos 16, se isolando no posto de
maior artilheiro da história das Copas. Em apenas outras duas ocasiões, uma seleção
havia terminado o primeiro tempo derrotada por uma diferença igual ou superior a cinco
gols. Pela primeira vez, o Brasil levou seis gols em um jogo de Copa do Mundo. Foi a
maior goleada em uma semifinal em toda a história da Copa do Mundo. Nunca, em um
Mundial, uma seleção havia marcado quatro gols em um intervalo de apenas seis
minutos. A goleada alemã encerrou uma invencibilidade de 42 jogos do Brasil dentro do
país.
A seleção de Felipão conseguiu equilibrar a partida por dez minutos. Com Bernard, o
Brasil marcava na frente e teve a primeira chance logo aos dois minutos, em um chute
de Marcelo. Aos 7, no entanto, a Alemanha deu o primeiro sinal: em uma jogada bem
tramada no ataque, Khedira bateu de fora da área, mas a bola bateu no companheiro
Kroos. Quatro minutos depois, Müller aproveitou um escanteio e, sozinho, abriu o
placar. Era só o começo.
GOLEADA IMPIEDOSA
Aos 23 minutos, Fernandinho errou uma antecipação, e a jogada alemã parou em Klose.
Júlio César ainda defendeu, mas o atacante marcou no rebote. No minuto seguinte,
Kroos bateu de fora da área: 3 a 0. Dois minutos depois, Fernandinho perdeu a bola na
entrada da área: outro gol de Kroos. O Brasil não conseguia respirar, jogadores e
torcedores estavam atônitos quando veio o quinto, de Khedira.
A Alemanha ainda marcou mais duas vezes no segundo tempo e ampliou o massacre:
aos 24 e 34, Schürlle, que entrara no lugar de Klose, escancarou ainda mais a fragilidade
brasileira. Aos 44, Oscar marcou, mas não diminuiu em nada a dor brasileira.
(GRILO, M. Brasil é massacrado pela Alemanha e sofre a maior goleada de sua
história: 7 a 1. Jornal Globo, Rio de Janeiro, 8 de julho de 2014, p.15)
167
(L3) Não foi fácil!
Em um jogo aberto e repleto de chances de gol, Alemanha precisa da prorrogação para
superar a valentia argelina e avançar às quartas de final
Foi absolutamente dramático. As Raposas do Deserto resistiram como puderam.
Mas essa guerra a Alemanha ganhou, por 2 a 1, mesmo que a sua divisão panzer – Özil,
Schweinsteiger e Müller – ainda não tenha repetido a blitzkrieg da estreia sobre
Portugal. Faltou à Argélia a qualidade dos craques adversários. Mas parece exagero
atribuir o seu esforço a uma tentativa de vingar 1982, pois nenhum dos 28 jogadores
que estiveram na partida havia nascido em junho daquele ano.
A Alemanha não conseguiu acertar o passo no primeiro tempo, esbarrando na
marcação cerrada dos africanos, e pior, sendo surpreendida com frequência pelos
contra-ataques do adversário, que obrigou Neuer a sair pelo menos três vezes da área
para isolar a bola. Um pouco mais de capricho do time verde e o branco sairia derrotado
para o intervalo. A Alemanha teve uma única chance de verdade, e aos 40 minutos,
quando Götze apanhou um rebote de M’bouli e chutou em cima do goleiro.
No intervalo Joachim Löw substituiu Götze por Schurrle, e sua equipe passou a
ter o controle do jogo, até porque a Argélia, preferiu assumir a retranca, certa de que
poderia segurar o 0 a 0. Os alemães, no entanto, trocavam passes e de posições, mas
praticamente não criavam oportunidades. Mustafi, machucado, deu lugar a Khedira, e
Lahm ocupou a lateral. Inútil. Por volta de meia hora, os africanos decidiram sair da
toca, e Valid Halihodzic reforçou o ataque, lançando Brahimi. Mas deixavam espaços
atrás, e M’bouli praticou duas defesas espetaculares em conclusões de Müller. E como
ninguém acertou o alvo, a partida foi para o tempo extra.
O problema é que os argelinos cochilaram no comecinho, e Schurrle, de letra,
apanhando o cruzamento de Müller, marcou o primeiro gol.
Restando um minuto, Özil apanhou sobra na área e fuzilou. 2 a 0. E não é que a
Argélia, com Djabou, ainda diminuiu para 2 a 1? Mas ficou assim. Um belo jogo.
(ASSAF, Roberto. Não foi fácil. Jornal Lance! Rio de Janeiro, 1 de julho de 2014, p. 20)
168
(G3) Batalha no Sul
Alemanha é supreendida pela aguerrida Argélia e só consegue a vitória na prorrogação,
em jogo com grandes atuações dos dois goleiros.
A frieza alemã combinou perfeitamente com os 12 graus registrados ontem no
Beira-Rio, durante as oitavas de final da Copa do Mundo, contra a Argélia. Em um jogo
épico, cheio de alternativas e decidido nos instantes finais, a Alemanha avançou com
uma vitória sobre o valente selecionado africano depois de 120 minutos de futebol. De
ótimo futebol.
Como previra o técnico Joachim Löw na véspera, foi preciso paciência e
humildade para bater uma Argélia aplicada, veloz e ousada. Os gols só saíram na
prorrogação, e por pouco a decisão não foi para os pênaltis. Depois de abrir 2 a 0 a
Alemanha tomou um gol aos 16 minutos da segunda etapa da prorrogação e levou o
torcedor a segurar o grito pela classificação até o apito final.
O técnico Vahid Halihodzic surpreendeu ao escalar uma Argélia mais defensiva,
deixando Brahimi e Djabou no banco. Mesmo assim, foi a seleção africana quem
mandou no jogo na primeira etapa. A Argélia explorou a velocidade pelas laterais da
Alemanha, que jogou com dois alas improvisados – Mustafi e Boateng.
Pelos lados, o veloz Slimani, pela esquerda, e Feghouli, pela direita,
infernizaram a defesa alemã. Desorganizado e bem marcado pelos argelinos, o time de
Löw pouco ameaçou na primeira etapa e sobreviveu de chutões para o ataque. Aos oito
minutos, num contra-ataque rápido, Slimani obrigou Neuer a fazer defesa difícil com os
pés, fora da área, para impedir o gol da Argélia. O goleiro alemão teria participações
decisivas durante a partida em arrancadas argelinas. Aos 14, Feghouli avançou pela
direita em jogada individual e chutou no ângulo, mas para fora. Aos 18, Ghoulam bateu
cruzado da esquerda e quase marcou.
Aos 38, o lance mais dramático da primeira etapa: Mostefa aparou um rebote de
fora da área, a bola desviou em Boateng e, com Neuer completamente batido, passou à
direita do gol. Na seqüência, Schweinsteiger chutou de fora da área, o goleiro M’Bolhi
bateu roupa e em seguida defendeu a pancada à queima-roupa de Götze.
A Alemanha teve mais posse de bola e finalizou mais que a Argélia nos 45
minutos iniciais, mas sem perigo. Só ameaçou mesmo aos 13, em arremate de fora da
área de Schweinsteiger, que M’Bolhi defendeu, e aos 23, quando Özil tentou encobrir o
goleiro, que escorou para escanteio com um tapinha.
Com a entrada de Schürrle no lugar do apagado Götze, a Alemanha adiantou sua
linha defensiva e melhorou a intensidade do futebol tricampeão do mundo no segundo
tempo. Logo aos dois minutos, o atacante do Chelsea teve a chance de abrir o marcador
– Ghoulam desviou para escanteio. Na cobrança, Mustafi subiu mais que a zaga e
cabeceou para defesa segura de M’Bolhi. Aos nove, o goleiro argelino brilhou mais uma
vez ao espalmar chute de Lahm de fora da área.
A pressão, entretanto, esbarrou na falta de criatividade do meio-campo alemão.
Nem a entrada de Khedira melhorou o ritmo da equipe de Löw, que dependia cada vez
mais do talento individual de Muller. Com isso, o jogo, que pendia para a Alemanha,
mudou de lado.
Aos 26, o rápido Slimani obrigou Neuer a outra intervenção importante de
cabeça, mais uma vez fora da área. Aos 29, Feghouli bateu cruzado no canto direito do
goleiro alemão e, aos 30, de novo numa arrancada, Slimani bateu forte, nas mãos de
Neuer.
169
Chute de letra supera M’Bolhi
Nos 15 minutos finais a Alemanha partiu para o tudo ou nada, e então brilhou a estrela
do goleiro argelino. Aos 33, numa arrancada pela direita, Muller colocou na cabeça de
Schweinsteiger, que arrematou para fora. De novo Muller ameaçou em uma cabeçada
frontal defendida por M’Bolhi, aos 35, e em chute para fora, do lado esquerdo, aos 37.
Aos 44, o goleiro argelino fez novo milagre em cabeçada de Schweinsteiger.
Depois de oito defesas importantes no tempo normal, o eficiente M’Bolhi –
escolhido como melhor jogador da partida pela Fifa – não conseguiu deter o toquezinho
de Schürrle, de letra, depois de assistência de Muller pelo lado esquerdo, a dois minutos
da prorrogação. Um a zero para a Alemanha, e classificação a caminho.
Mesmo com bom volume de jogo, a Argélia não teve qualidade para empatar –
embora tenha mantido a partida em alta temperatura até o final, com lances de lado a
lado. Mustefa poderia ter feito o gol de empate aos 11 do primeiro tempo da
prorrogação, enquanto M’Bolhi salvou aos 12 minutos do segundo tempo, em chute de
Kramer.
A disputa parecia estar liquidada aos 14 minutos da etapa final, quando Özil
fuzilou depois do zagueiro Belkalem ter rebatido uma conclusão de Kramer. Um minuto
depois, entretanto, em uma bobeira da zaga alemã, o gigante Slimani cruzou da direita e
Djabou mandou para as redes. No último ataque argelino, Neuer segurou uma conclusão
de Feghouli. Fim de jogo histórico, e, se não se repetiu a história de 1982, quando a
(ainda mais) zebra argelina derrotou a então bicampeão Alemanha Ocidental por 2 a 1,
no estádio El Molinón, em Gijón, na Espanha, mais uma vez os africanos (como já tinha
acontecido no empate em 2 a 2 com Gana, na fase de grupos), foram uma pedra na
chuteira dos poderosos alemães.
Na sexta-feira, a Alemanha volta a campo para encarar a França às 13h, no
Maracanã, pelas quartas de final.
(ILHA, Fávio. Batalha no sul. Jornal Globo. Rio de Janeiro, 1 de julho de 2014, p. 7)
170
(L4) Depois do bombardeio, Bélgica 2X1 Estados Unidos
Anheuser – Busch, Duvel, Stella-Artois. Qual delas os belgas vão escolher para
comemorar a dramática vitória sobre os Estados Unidos? Ou tomarão todas? Pois é os Diabos
Vermelhos deixaram de lado todo o futebol pragmático da primeira fase, reviveram na Fonte
Nova alguns dos melhores momentos nas Eliminatórias e só não enfiaram uma goleada no
adversário porque Tim Howard, mesmo com a derrota, foi um autêntico herói, com 16 defesas
em 27 das 38 bolas chutadas a gol, os norte-americanos fizeram um esforço extraordinário para
manter a Star-Splanged Banner tremulando.
Os Estados Unidos entraram mais cautelosos, permitindo que os belgas ficassem mais
tempo com a bola, para surpreendê-los nos contra-ataques. E, embora houvesse uma correria
desenfreada, e o jogo fosse interessante, as equipes erravam quase sempre o último passe e as
conclusões, daí as raras oportunidades e o lógico 0 a 0.
O segundo tempo foi diferente. O time europeu voltou pressionado, disposto a decidir, e
criou um punhado de chances, obrigando Howard a praticar várias intervenções. Os americanos
quase não conseguiam superar o próprio campo, abusando dos chutões, aceitando o domínio
belga. Marc Wilmots trocou Mertens por Mirallas, que tornou os Diabos Vermelhos ainda mais
ousados. Mas as tentativas morriam nas mãos e nos pés do goleiro. Mirallas e Hazard, livres de
marcação, desperdiçaram oportunidades incríveis. Besler evitou o pior no complemento de Van
Buyten. Origi tentou de fora da área e o monstro deu um tapa para escanteio.
E lá veio a prorrogação. Nesta, os belgas acabaram ganhando com a arma dos norte-
americanos: aos dois, Lukaku, que entrou com o próprio diabo no corpo, rolou para De Bruyne
fazer 1 a 0. Aos 15, De Bruyne lançou Lukaku, que fuzilou: 2 a 0. Aos 17, no entanto, o jovem
Green, 19 anos, mostrou que não está verde: entrou em campo e diminuiu para 2 a 1. Foi um
final imprevisível, mas ficou nisso.
(ASSAF, Roberto. Depois do bombardeio, Bélgica 2X1 Estados Unidos. Jornal Lance! Rio de
Janeiro, 2 de julho, p. 12).
171
(G4) Bélgica bate Estados Unidos
Faltou a chuva de gols das outras partidas, mas, em compensação, a Fonte Nova viu um jogo
repleto de emoções. Bélgica e Estados Unidos chegaram à capital baiana para decidir quem
seria o último classificado para as quartas de final. Com um gol de Kevin De Bruyne, e outro de
Romelu Lukaku, os belgas venceram por 2 a 1, conquistaram a vaga, e agora enfrentam a
Argentina no sábado, às 13h, em Brasília.
Dispostos a apagar a má impressão da primeira fase, na qual venceram seus três jogos, mas não
corresponderam às expectativas criadas após a bela campanha das eliminatórias europeias, os
belgas entraram em campo sem medo de se lançar ao ataque, e já no primeiro minuto de jogo,
De Bruyne cruzou de trivela, e Fellaini cabeceou para boa defesa de Howard. Marcando a saída
de bola americana, os belgas impediam os avanços da equipe comandada por Jürgen Klinsmann,
mas esbarravam na falta de objetividade do ataque, que não conseguia concluir as jogadas.
Aos 21 minutos, os americanos chegaram com perigo. Dempsey tabelou com Bradley na
entrada da área, e chutou de primeira, obrigando Courtois a fazer uma bela defesa. No minuto
seguinte, foi a vez dos belgas atacarem. Vertonghen arrancou pelo meio após roubar a bola de
Zusi e tocou para De Bryune. O meia cortou para o centro da área e chutou rente à trave direita
de Howard. De Bryune voltou a perder uma chance aos 45, chutando de primeira após receber
de Origi. Howard defendeu com segurança.
SEGUNDO TEMPO DE CHANCES DESPERDIÇADAS
No segundo tempo, a Bélgica voltou a criar chances aos nove minutos, quando Origi
desperdiçou um cruzamento açucarado de Vertonghen; aos 11, com o atacante do Lille
cabeceando no travessão após cruzamento de Alderweireld; e aos 15, com Mertens tocando de
letra para fora após cruzamento do ataque belga.
A pressão belga não diminuiu, e obrigou o goleiro americano Tim Howard a fazer grandes
defesas aos 26, numa finalização de Origi dentro da área, e aos 30, após chute cruzado de
Mirallas. Dispostos a se defender até o fim, os americanos levaram sorte no chute de Hazard,
aos 42, que acertou a rede pelo lado de fora. A melhor chance do jogo, no entanto, veio já nos
acréscimos, quando Wondolowski recebeu livre na área, mas concluiu por cima do gol de
Courtois, sob olhar incrédulo do ex-artilheiro Klinsmann.
NA PRORROGAÇÃO, GOLS E MAIS TENSÃO
Se no tempo normal as duas equipes chamaram a atenção pela correria, na prorrogação, a
velocidade aumentou. Já aos dois minutos, a Bélgica abriu o placar. Lukaku fez grande jogada
pela direita, entrou na área e cruzou para De Bruyne que, com calma, cortou dois zagueiros e
tocou sem chances para Howard. Os belgas não diminuíram o ritmo, e Howard impediu a
ampliação do placar com belas defesas em chutes de Lukaku e De Bruyne. No entanto, o
esforço belga foi recompensado aos 14 minutos, quando Lukaku recebeu de Hazard, e chutou
para o gol, ampliando o placar.
Mesmo com dois gols de desvantagem, os americanos não se deram por vencidos, e logo no
início da segunda etapa, trataram de descontar. O atacante Julian Green, que havia acabado de
entrar, recebeu um grande lançamento de Bradley e chutou de primeira, marcando um belo gol.
No minuto seguinte, Beasley chegou bem ao fundo pela direita e cruzou. Green ajeitou e Jones
tocou para o gol, mas a bola passou rente à trave esquerda de Courtois.
Com pouco menos de dez minutos para buscar o empate, os Estados Unidos se lançaram ao
ataque, e chegaram bem perto de levar o jogo para os pênaltis. Após uma falta na entrada da
172
área, a bola chegou até Dempsey, que perdeu frente a frente com Courtois. Coube aos belgas
resistir à pressão norte-americana, e esperar que o relógio corresse. Apesar das muitas
tentativas, a equipe de Marc Wilmots se manteve inabalável, e conseguiu sair da Fonte Nova
com a vitória. Festa em Bruxelas, capital que abriga as sedes da Otan e do Parlamento Europeu,
e tristeza em Washington, onde o presidente americano Barack Obama se reuniu com sua
equipe na Casa Branca para assistir a partida.
(BENJAMIM, Felipe. Bélgica bate Estados Unidos. Jornal Globo. Rio de Janeiro, 2 de julho,
caderno de esportes).
173
(L5) Corrida para o tri
Brasil decime que se siente. Daqui 20, 40, 50 anos, os argentinos vão lembrar
que vieram ao Brasil e fizeram do país vizinho sua casa, sua morada. E que, na Copa do
Brasil, quem foi ao Brasil foram eles.
A Argentina vai fazer a final do mundial em nossa casa com a responsável pela
maior humilhação de nossa história: a Alemanha. O jogo de domingo no Maracanã será
o tira-teima de finais de Copas: em 1986, os argentinos levaram a melhor sobre os
alemães. Quatro anos depois, veio o troco.
A Argentina venceu a Holanda porque foi muito mais competente nos pênaltis,
após 0 a 0 no tempo normal e na prorrogação, mas não foi só isso. Os Hermanos
fizeram muito do que o time de Luiz Felipe Scolari, que deveria jogar no Maracanã
domingo, não o fez na terça no Mineirão.
O time de Alejandro Sabella em nenhum momento abandonou sua proposta e só
assim foi capaz de fazer frente à consistente Holanda do ótimo Louis Van Gaal. A
partida de xadrez que durou 120 minutos mostrou o que é uma semifinal de copa do
mundo. Como tudo deve ser.
Nenhum dos dois times foi melhor na Arena Corinthians e qualquer bola poderia
decidir o futuro dessas duas gigantes. Robben, lembrando a final de 2010 diante da
Espanha, teve essa bola aos 45 minutos do segundo tempo. Foi travado por Mascherano,
um monstro.
O astro holandês jogou pro alto a chance de fazer história. E permitiu aos
argentinos escrevê-la.
A Argentina de Messi, mas que ontem foi de todos. O craque estava apático,
talvez como se quisesse provar que sua seleção poderia chegar a uma final sem ele.
Chegou.
A Holanda, de novo, bate na trave e deve encerrar a geração de Robben, Sneijder
e Van Persie.
Certo é que, assim como o 8 de julho para os brasileiros, esse 9 de julho nunca
será esquecido pelos argentinos. No dia da independência do país, eles ficaram a um
jogo de conquistar o Brasil, a eternidade. Brasil decime que se siente...
(PORTO, Marcio. Corrida para o tri. Jornal Lance! Rio de Janeiro, 10 de julho, p. 10).
174
(G5) De volta após 24 anos
Em seu regresso a uma final de Mundial, Argentina reencontra a Alemanha, que a
eliminou das duas últimas Copas e fez 7 a 1 no Brasil
A volta a uma final de Copa do Mundo após 24 anos, a busca pelo título após 28,
tudo isso leva a Argentina a reencontrar um fantasma. A Alemanha, que eliminou os
sul-americanos nos dois últimos Mundiais, está novamente no caminho. E com uma
cara ainda mais assustadora após os 7 a 1 aplicados no Brasil. Nos pênaltis, após 120
minutos sem gols em uma semifinal amarrada contra a Holanda, com mais táticas e
cuidados defensivos do que ousadia, a geração de Messi manteve vivo o sonho de levar
os argentinos a quebrar o jejum e fazer história em pleno Maracanã. Por enquanto, o
tamanho da ameaça alemã foi assunto evitado.
Mas ficou claro o tamanho do respeito que o rival impõe. Pela terceira vez os
dois países se encontram numa decisão. Em 1986, a Argentina venceu por 3 a 2. Em
1990, a vitória foi alemã por 1 a 0.
– Amanhã pensamos nisso (nos 7 a 1). Esperei tanto tempo por este momento,
estar na final é um sonho. Por favor, me deixem desfrutar. Vamos enfrentar um grande
time, mas por que não tentar? – disse o volante Mascherano, um dos melhores em
campo, embora a Fifa tenha escolhido o goleiro Sergio Romero tenha levado o prêmio.
Ele se transformou em herói ao pegar dois pênaltis na disputa.
O Itaquerão viveu ecos da eliminação e do vexame brasileiro na véspera. Num
estádio com pelo menos 50 % de brasileiros, o número de camisas amarelas era muito
menor do que nas últimas partidas. Provavelmente, muitos quiseram evitar ouvir
provocações no caminho. Lá dentro, no entanto, os argentinos, que eram cerca de 20
mil, cantavam músicas em referência aos sete gols marcados pela Alemanha. Os
brasileiros respondiam com gritos de “olé” quando a Holanda tocava a bola e com coros
de “pentacampeão”. A torcida foi toda dos holandeses. Inútil.
Romero foi o herói. Curiosamente, ele foi para a Europa justamente pelas mãos
de Louis Van Gaal, treinador holandês. No Itaquerão, fez história garantindo a vitória
por 4 a 2 ao defender as cobranças de Vlaar e Sneijder. Robben e Kuyt marcaram para a
Holanda. Já Messi, Garay, Agüero e Maxi Rodriguez fizeram os gols da Argentina.
– Ensinei o Romero a agarrar pênaltis, então é claro que isso dói – disse Van
Gaal, que logo explicou. – Quer dizer, não exatamente. O AZ Alkmaar foi o primeiro
clube dele na Europa e eu era o técnico.
Romero dividiu méritos com o time.
– Tenho à minha frente jogadores que lutaram 120 minutos por todas as bolas,
não desistiram nunca – afirmou o goleiro do Monaco, da França. Após o jogo, ele foi
pessoalmente agradecer a Van Gaal no vestiário da Holanda.
Mascherano também ganhou tratamento de herói dos argentinos.
– É um baluarte, um ícone. Quando passamos para as semifinais, ele tirou um
peso grande das costas. É o único da seleção que tem duas medalhas olímpicas e é um
jogador excepcional – disse o técnico argentino Alejandro Sabella.
Um dia e uma prorrogação
Ele prevê dificuldades no domingo não só pela qualidade alemã, mas também pelo
cansaço dos jogadores. A Argentina terá um dia a menos de descanso até a decisão,
além de ter jogado 30 minutos a mais de futebol e de ter vivido o desgaste emocional
dos pênaltis.
– Eles puderam poupar forças, relaxaram no segundo tempo (da partida contra o
Brasil). E nós não pudemos poupar nada. Gastamos até a última gota de suor – destacou
175
Sabella, que elogiou a organização do rival de domingo, que humilhou o Brasil. –
Admiro muito o Brasil e Alemanha. A Alemanha, na história, sempre demonstrou poder
físico, tático e mental. É um país de primeiro mundo.
Já a Holanda vive situação idêntica ao Brasil: buscará forças para disputar o
terceiro lugar, sábado, em Brasília.
– Nunca deveria ser jogada (a decisão do terceiro lugar). Falo isso há 15 anos.
Os jogadores, numa etapa final, nunca deveriam passar por isso. Só há um prêmio: para
o campeão – criticou Van Gaal, que comparou a situação da sua seleção com a do
Brasil. – Acho que perder de 7 a 1 é igual a perder nos pênaltis.
(MANSUR,Carlos Eduardo; KNOPLOCK, Carol e D’ERCOLE, Ronaldo. De volta
após 24 anos. Jornal Globo. Rio de Janeiro , 10 de julho de 2014, p. 13)
176
(L6) Oshowa
Seleção Brasileira tropeça pela primeira vez na Copa do Mundo ao empatar sem gols
com o México, no Castelão: Ochoa se destaca com grandes defesas e termina como
melhor do jogo.
Foi 0 a 0 por conta do goleiro Ochoa, goleirão que fez quatro grandes defesas. O
México não merecia perder pelo ótimo futebol que jogou no Castelão. O Brasil não
merecia vencer por uma pálida atuação.
Felipão poupou Hulk e, por tabela, mudou taticamente a equipe. Oscar, o melhor
contra a Croácia, foi atuar pela esquerda, na de Hulk. Ramires, com outra característica,
foi fazer a direita do 4-3-2-1 – onde Oscar brilhou na estréia. Por dentro, próximo de
Fred, Neymar, como todo o Brasil, fez um primeiro tempo discreto. De ótimo apenas
uma bela cabeçada espetacularmente defendida por Ochoa.
Demérito da seleção que se mexeu ainda menos contra um México que não se
apequenou. Usou mais o 4-4-2 que o 3-3-2-2, soltando mais Layun pela esquerda e o
ótimo Herrera para chegar à frente, e travou o primeiro tempo. Felipão respondeu no
intervalo com a entrada de Bernard pela direita, com Oscar mantido à esquerda.
Mas foi o México que arriscou mais na etapa final. Chutou mais de longe. E com
perigo. Bernard, mal tecnicamente, antes dos 20 minutos trocou de lado com Oscar, que
foi jogar onde havia atuado bem. Mas o time seguiu sem luz. Neymar acertou poucos
lances. Paulinho seguiu sumido. Felipão demorou a tirar Fred. Willian demorou a
entrar.
O Brasil não jogou bem e, pior, deixou jogar um México que cresce. O que
ainda não justifica alguns sustos defensivos brasileiros, bem defendidos por Luiz
Gustavo, Thiago Silva e David Luiz. Defesa que sustentou uma equipe que depende
tanto de Neymar quanto do Hino antes do jogo.
(BETING, Mauro. Oshowa. Jornal Lance!. Rio de Janeiro, 18 de junho de 2014, p. 4 e
5).
177
(G6) México segura o Brasil
Torcida mexicana dá show no Castelão e vê o goleiro Ochoa brilhar no empate sem gols
com a seleção brasileira
Os jogadores da seleção brasileira passaram os dias que antecederam o jogo
contra o México pedindo que a torcida cearense cantasse o Hino Nacional e não parasse
de torcer um minuto sequer. Os jogadores mexicanos devem ter feito o mesmo. Com
uma participação impressionante, a torcida do México não deixou que sua seleção se
sentisse intimidada, mesmo num Castelão lotado. Acabou premiada com um empate de
0 a 0, resultado que, aliás, acabou sendo bom para os dois. Se o Brasil empatar seu
próximo jogo, dia 23, contra Camarões, estará classificado para as oitavas de final. O
mesmo acontecerá com o México, que enfrentará a Croácia.
Último 0 a 0 foi em 1994
O empate de 0 a 0 de ontem foi o primeiro da seleção em copas desde o 0 a 0
com a Itália, na final de 1994 – o Brasil acabou conquistando o tetra na disputa de
pênaltis. A seleção lidera o Grupo A com quatro pontos e um melhor saldo de gols do
que o México.
– Faltou fazermos o gol – lamentou o técnico Felipão após a partida. O treinador
brasileiro completou ontem 50 jogos à frente da seleção e viu interrompida uma
sequência de 13 vitórias consecutivas em competições organizadas pela Fifa. Até
ontem, tinham sido sete vitórias em 2002, cinco na Copa das Confederações do ano
passado e a vitória sobre a Croácia na estreia.
É verdade que o goleiro mexicano Ochoa fez pelo menos quatro defesas
sensacionais, mas faltou o gol e muito mais. Com Oscar bem abaixo da estreia e
Neymar muito bem marcado, a equipe brasileira teve dificuldades para furar o forte
bloqueio mexicano. No primeiro tempo, as melhores chances do Brasil foram numa
cabeçada de Neymar aos 25 e numa conclusão de Paulinho, após lindo passe de Thiago
Silva com o peito, já nos acréscimos. Em ambas Ochoa brilhou.
Ramires foi mal
Como Ramires, que substituiu Hulk, foi muito mal, Felipão lançou Bernard no
intervalo. Mesmo assim, o time não melhorou. Continuou excessivamente dependente
de Neymar. O camisa 10 da seleção, por sinal, quase fez um belo gol, aos 23. Mas
novamente, parou em Ochoa.
A entrada de Jô no lugar de Fred, que nada fez em campo, também não surtiu
efeito. O atacante só brigou com a bola.
A seleção mexicana, por sua vez, foi melhor nos últimos 45 minutos. Adiantou a
marcação e obrigou o Brasil a sair jogando na base do chutão. Com mais posse de bola,
ameaçou o gol de Júlio César com chutes de fora da área. Num deles, o goleiro
brasileiro fez boa defesa, em chute de Jimenez.
O gol brasileiro poderia ter saído aos 40 minutos, mas a cabeçada à queima
roupa do capitão Thiago Silva parou nas mãos milagrosas de Ochoa.
(FONSECA, Maurício. México segura o Brasil. Jornal O Globo. 18 de junho, p.3).
178
(L7) Um dia sem fúria
Sem dó, nem piedade, campeã mundial Espanha é humilhada pela Holanda na
reprise da final da Copa da África do Sul de 2010.
A Laranja – de azul – voltou a ser Mecânica. E a Fúria ficou só no tiki. Nervoso.
Sem o taka. Pois é. Em dia de muito brilho de Robben, que estraçalhou, e desastroso
para o adversário, principalmente para Casillas, a Holanda enfiou 5 a 1 na Espanha, em
Salvador, vingando a derrota de 1 a 0 na decisão da Copa de 2010, na África do Sul.
Os campeões mundiais caíram impiedosamente. Não seria exagero afirmar que a
Laranja surpreendeu a sua própria torcida, dado que se trata de uma equipe renovada,
com vários jogadores com pouca experiência de seleção.
O curioso é que a Espanha saiu na frente, gol de pênalti – de De Vrij em Diego
Costa – aos 26 minutos, teve maior domínio e desperdiçou uma excelente oportunidade
aos 42, por capricho de David Silva, que tentou encobrir Cillessen. Não seria exagero
dizer que essa foi o que se chama de bola do jogo, pois se entra talvez mudasse o rumo
do duelo. Ah... e só tomou o empate aos 44, num peixinho de Van Persie.
Veio o segundo tempo, e os holandeses envolveram por completo o adversário,
que acabou perdendo o controle dos nervos e do jogo. Robben fez 2 a 1 aos sete, De
Vrij – após falta de Van Persie em Casillas – aos 19, Van Persie, tomando a bola do
goleiro, aos 27, e ele, Robben, novamente, num gol espetacular: ganhou na corrida de
Piqué e Ramos, tirou Casillas do lance e mandou a pancada à esquerda, 5 a 1.
A partir do terceiro gol, não houve mais possibilidade de reação. A fisionomia
dos espanhóis era assustadora, todos rezando pelo apito final do italiano Nicola Rizzoli.
E vale ressaltar que se o placar fosse sete ou oito não teria sido nada demais. E que a
atuação de Robben foi uma das mais fantásticas da história dos Mundiais.
Na realidade, o técnico Louis van Gaal arrumou a defesa, lançando volantes que
reforçaram a marcação, deixando para os craques a tarefa de decidir. Se confirmar a
fórmula nos próximos jogos com certeza disputará novamente o título.
(ASSAF, Roberto. Um dia sem fúria. Jornal Lance! Rio de janeiro, 14 de julho de 2014,
p 14).
179
(G7) Laranja amarga
Holanda humilha a campeã Espanha com goleada histórica na estreia, se vinga
de 2010 e ouve torcida gritar olé na Bahia
São necessários 45 minutos para a troca de lados em uma partida. Mas o
intervalo esperado pela Holanda para virar o jogo durou quatro anos. No ciclo entre as
Copas, os holandeses não suportaram o papel de coadjuvantes, enquanto a protagonista
Espanha brilhava como a estrela campeã em sua camisa roja. Até ontem. Assim como a
maioria dos credos, crenças e culinárias vieram da África, as equipes trouxeram daquele
continente para a Bahia a rivalidade e o latente desejo de vingança da Holanda, que
impôs à Espanha uma furiosa goleada de 5 a 1. Jamais um campeão havia estreado na
Copa seguinte levando cinco gols.
A inversão de papéis começou antes de a bola rolar. Ao contrário da final de
2010, era a Holanda a usar azul. Ao cair na área aos 25 minutos, o brasileiro
naturalizado espanhol Diego Costa já percebera a dificuldade para se livrar dos
zagueiros e das vaias. Xabi Alonso bateu o pênalti e fez o único gol da Espanha, um
suspiro antes do afogamento total.
O voo de Van Persie sobre a área iniciou a decolagem da Holanda. Após receber
passe certeiro de Blind, o camisa 9 praticamente ficou no ar, com o corpo na horizontal,
antes de cabecear e encobrir Casillas, aos 44 minutos.
Piqué no ‘Waka waka’
Outro jogo, outra Holanda no segundo tempo. De pé em pé, a bola chegou a
Robben depois de outro lançamento de Blind, o lateral-esquerdo legítimo descendente
da Laranja Mecânica, porque é filho do ex-zagueiro Danny Blind. Robben dominou,
driblou Piqué, que ficou meio dançando a famosa “Waka waka” de sua mulher, Shakira,
e fuzilou para o gol de Casillas, aos 7.
Mesmo sem ser uma pintura, o terceiro gol já anunciava a goleada que seria o
conjunto da obra. Os espanhóis reclamaram de falta de Van Persie em Casillas, mas o
fato é que a bola sobrou para o zagueiro De Vrij marcar, aos 20, o terceiro da Laranja
azul.
O semblante dos espanhóis era de incredulidade. Ainda passaria a ser o de
vergonha. Em busca do recorde pessoal, Casillas não poderia levar gols para superar o
italiano Zenga em minutos sem ser vazado (517). Ao desembarcar no Brasil, disse que a
Espanha ganharia tudo. Ganhou cinco gols, mais que os quatro que sua seleção sofreu
na última visita ao Brasil, na Copa das Confederações. O quarto foi cruel, nascido dos
pés do espanhol, após saída de bola errada, que Van Persie aproveitou para marcar, aos
26. A torcida gritava olé.
O grande final foi definido pelo destino. Quatro anos antes, Robben perdeu um
gol na decisão, em chute defendido por Casillas. Era preciso deixar o goleiro espanhol
aos seus pés. A corrida que o holandês de 30 anos deu, do meio-campo até a área da
Espanha, aos 35 do segundo tempo, mostra a disposição de reescrever a sua história.
Após vencer a marcação, Robben driblou o arqueiro e tocou para o gol. Enquanto saía
para comemorar, passou diante de Casillas, caído, cabisbaixo, humilhado. Como toda a
Espanha.
(AMATO, Gian. Laranja amarga. Jornal O Globo. Rio de Janeiro, 14 de junho de 2014,
p. 8)
180
(L8) Close nele!
Alemanha não toma conhecimento de Cristiano Ronaldo e goleia com show de Thomas
Muller, novo artilheiro da Copa, que deixa Klose no banco.
Cristiano Ronaldo não viu a cor da bola. Que ficou preta para Portugal e
branquinha para a Alemanha de Thomas Muller, que precisou de apenas um tempo para
enfiar 4 a 0 e derrubar a estratégia de Paulo Bento, que se revelou absolutamente
desastrada, dado que suas previsões caíram por terra com extrema rapidez.
O objetivo do treinador era manter o time recuado, apostando nos contra-ataques
puxados pela velocidade e técnica de Nani e Cristiano Ronaldo. Mas Joachim Löw
percebeu, adiantou a sua marcação, ganhou o meio-campo e confundiu por completo a
zaga adversária com a movimentação dos apoiadores e dos homens de frente.
Aos 10 minutos, Muller abriu o placar no tabuleiro da baiana, cobrando pênalti
de João Pereira em Götze. O bloqueio alemão era tal que Portugal não conseguia sair da
defesa e nem evitar a pressão. As oportunidades se sucediam. Aos 27, Hugo Almeida,
machucado, foi substituído por Éder Lopes. Aos 32, Kroos bateu escanteio e Hummels
enfiou 2 a 0, de cabeça. Aos 36, Pepe agrediu Muller e recebeu cartão vermelho. Daí em
diante, qualquer reação, que já parecia improvável, ficou impossível. A Alemanha
diminuiu o ritmo para o 2º tempo.
Certa de que Portugal, sem outra opção, sairia para tentar diminuir o vexame,
preferiu recuar, para ampliar o resultado nos contra-ataques. Enquanto os lusos
esbarravam no muro adversário – o de Berlim já foi abaixo – os comandados de Löw
recuperavam a bola, trocavam passes medidos e vez por outra arriscavam na frente.
Desperdiçaram algumas chances – numa delas Özil e Müller em sequência –, tiveram o
controle total do jogo, e chegaram ao quarto gol aos 32 minutos, com ele, Muller,
apanhando um rebote de Rui Patrício.
Ficou barato. Não fosse o desgaste provocado pelo calor, e a Alemanha teria
marcado mais vezes, tal a facilidade. O vatapá e o dendê fizeram mal aos portugueses.
Mas ainda há chance de classificação. A Alemanha, ora, é favoritíssima.
(ASSAF, Roberto. Close nele. Jornal Lance!. Rio de Janeiro, 17 de junho de 2014,
p.14).
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(G8) Chucrute na Bahia
Sempre favorita ao título, Alemanha não toma conhecimento de Portugal e marca quatro
gols logo em sua estreia. E ainda tem o artilheiro do Mundial até agora: Thomas
Müller, autor de três ontem.
A Alemanha bateu um Ronaldo, ainda falta outro. Habituado ao uniforme do
Real Madrid, Cristiano aprendeu que os melhores, ontem, estavam do outro lado,
vestidos pelo branco característico do time espanhol. O melhor jogador do mundo
sumiu em campo na primeira partida, quando Portugal foi goleado por 4 a 0 pelos
tricampeões, na Fonte Nova. Com tantos bons jogadores, o técnico Joachim Löw nem
tirou do banco Klose, 14 gols em Copas, um a menos que Ronaldo Fenômeno. Esse
Ronaldo, a Alemanha de Müller, artilheiro até agora no Brasil (3 gols), se deu ao luxo
de deixar para depois...
Ao se estabelecer neste início de Copa como uma fonte inesgotável de gols, o
estádio baiano foi sede de uma Eurocopa particular. Em dois jogos, dez gols. Depois
dos 5 a 1 da Holanda sobre a Espanha, outro time ibérico naufragou. Alvo dos
zagueiros e dos próprios jogadores de Portugal, Cristiano Ronaldo foi um comandante
solitário. Começou aplaudido, terminou vaiado.
Se fosse Portugal uma equipe independente de seu craque, Fábio Coentrão teria
chutado a gol no início, mas preferiu tocar (errado) para Ronaldo, em chance clara.
Salvo um chute defendido por Neuer, aos 7 minutos, Ronaldo esteve naquela faixa de
sombra do gramado, sumido.
Quando João Pereira e Mario Götze se embolaram na área, o juiz marcou
pênalti. Aos 12, Thomas Müller bateu e fez. Atacante criticado por não fazer seu ofício
com louvor, Hugo Almeida só apareceu ao sair machucado. O jogo passava dos 28,
assim como os termômetros, e a defesa portuguesa seria crucial no desenrolar da trama.
Aos 32, o zagueiro Pepe, parceiro de Ronaldo no Real, perdeu de Hummels na subida e
o alemão, de cabeça, fez o segundo.
Pepe leva o cartão vermelho
Pepe não andava bem da cabeça: aos 36, ele acertou o rosto de Müller com a
mão. Com o alemão sentado, o brasileiro naturalizado português deu-lhe uma cabeçada
e foi expulso. O outro zagueiro, Bruno Alves, “contribuiu” aos 46, ao rebater fraco a
bola, que Müller roubou antes de fuzilar para o gol: 3 a 0.
Apesar de Paulo Bento pôr um novo zagueiro em campo no segundo tempo,
Portugal continuou igual, frágil. E a Alemanha manteve a potência. Com a saída de
Fábio Coentrão, também machucado, a chance do trio português do Real Madrid ter
sucesso estava limitada a Ronaldo. Que nada fez.
Diante da eficiência alemã em seu 100o jogo em Copas, Portugal, que não vence
a rival há 14 anos, sofreu o quarto gol, aos 32. De novo, Müller ganhou a bola nos pés,
após Rui Patrício dar rebote. O alemão tocou e saiu para o abraço diante da torcida que
gritava, inspirada pela melhora do piloto Michael Schumacher e pela presença da
chanceler Angela Merkel no estádio. Um Ronaldo já se foi. O outro que se cuide.
(AMATO, Gian. Chucrute na Bahia. Jornal Globo. Rio de Janeiro, 17 de junho de
2014, p. 7)
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