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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO REFERENCIAÇÃO EM CAMPO: A CONSTRUÇÃO DE SENTIDOS NA NOTÍCIA ESPORTIVA Margareth Andrade Morais 2017

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

REFERENCIAÇÃO EM CAMPO:

A CONSTRUÇÃO DE SENTIDOS NA NOTÍCIA ESPORTIVA

Margareth Andrade Morais

2017

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REFERENCIAÇÃO EM CAMPO:

A CONSTRUÇÃO DE SENTIDOS NAS NOTÍCIAS ESPORTIVAS

Margareth Andrade Morais

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de

Pós-Graduação em Letras Clássicas da

Universidade Federal do Rio de Janeiro como

quesito para a obtenção do Título de Doutor em

Letras Vernáculas (Língua Portuguesa).

Orientadora: Professora Doutora Leonor Werneck

dos Santos

Rio de Janeiro

Maio de 2017

Page 3: REFERENCIAÇÃO EM CAMPO: A CONSTRUÇÃO DE … · formas de referenciação, a fim de verificarmos a pertinência das hipóteses postuladas e implementar uma parte importante da

FICHA CATALOGRÁFICA

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REFERENCIAÇÃO EM CAMPO: A CONSTRUÇÃO DE SENTIDOS NAS

NOTÍCIAS ESPORTIVAS Margareth Andrade Morais

Orientadora: Professora Doutora Leonor Werneck dos Santos

Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras

Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos

requisitos necessários para a obtenção do título de Doutor em Letras Vernáculas

(Língua Portuguesa).

Examinada por:

_________________________________________________

Presidente, Professora Doutora Leonor Werneck dos Santos – UFRJ

_________________________________________________

Professora Doutora Michelle Gomes Alonso Dominguez – UERJ

_________________________________________________

Professora Doutora Leda Maria da Costa – UNICARIOCA

_________________________________________________

Professora Doutora Regina Souza Gomes – UFRJ

_________________________________________________

Professora Doutora Maria Aparecida Lino Pauliukonis – UFRJ

_________________________________________________

Professora Doutora Filomena Varejão – UFRJ, suplente

_________________________________________________

Professora Doutora Claudia de Souza Teixeira – IFRJ, suplente

Rio de Janeiro

Maio de 2017

Page 5: REFERENCIAÇÃO EM CAMPO: A CONSTRUÇÃO DE … · formas de referenciação, a fim de verificarmos a pertinência das hipóteses postuladas e implementar uma parte importante da

Dedico essa tese à minha mãe, Eliete Andrade Morais,

à minha irmã, Marcia Andrade Morais, e ao meu pai,

José Carlos Morais, in memoriam.

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AGRADECIMENTOS

Todo caminho é um percurso que excursiona pelo extraordinário, algo que não

podemos prever nem controlar. Porém, toda travessia tem uma ressonância que vai para

além do indivíduo. Assim, embora solitários em essência, nossa caminhada é sempre

acompanhada por aqueles a quem a vida nos dá de presente.

Agradecer a Leonor somente por esta Tese seria apenas uma formalidade e não

daria conta do que representou a sua presença na minha trajetória. Leonor, obrigada por

tudo: por me acolher na sua “família acadêmica”, ainda quando eu era uma aluna de

graduação curiosa, por despertar em mim o gosto pela pesquisa e pelo ensino e por estar

sempre disposta a ajudar. Obrigada por me ensinar o que é ser professora!

Queria também agradecer à professora Leda Costa por me ouvir, sem nem me

conhecer, e sugerir caminhos para esta pesquisa. Agradeço também à professora Lúcia

Teixeira por seus comentários valiosos.

Às professoras Regina Gomes e Maria Aparecida, a minha gratidão por

pensarem junto comigo os rumos desta Tese à época do meu exame de qualificação.

Aos alunos que sempre me incentivaram e são parte das motivações que me

levaram ao Doutorado: obrigada!

Não posso deixar de agradecer também aos meus amigos que me apoiaram e

sempre disseram que eu seria capaz. Muito obrigada!

Sou a primeira em minha família a conseguir entrar em uma universidade;

portanto, não posso deixar de agradecer a eles, que sempre apoiaram minhas conquistas.

À minha mãe, Eliete, que, mesmo sem ter podido estudar, sempre valorizou o meu

esforço e da minha irmã e fez tudo o que estava ao seu alcance para que suas filhas

pudessem realizar esse sonho. À minha irmã, Marcia, minha primeira amiga, cujo apoio

e parceria são imprescindíveis na minha vida. Agradeço também à pequena Beatriz por

fazer os meus dias mais doces e alegres. Ao meu pai, José Carlos, in memoriam, por me

fazer forte e mostrar que sou capaz.

Queria agradecer ao meu companheiro, Rodrigo, por toda sua generosidade,

carinho, amor e por ser o meu par na vida: em breve, nossa família estará mais completa

com a chegada do nosso neném.

À UFRJ, por muito tempo minha segunda casa, onde realizei um sonho que me

parecia impossível: entrar em uma universidade.

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RESUMO

REFERENCIAÇÃO EM CAMPO: A CONSTRUÇÃO DE SENTIDOS NA NOTÍCIA

ESPORTIVA

Margareth Andrade Morais

Orientadora: professora Doutora Leonor Werneck dos Santos

Resumo da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras

Vernáculas, Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ,

como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Letras

Vernáculas (Língua Portuguesa).

O propósito desse trabalho consiste em investigar as estratégias de referenciação no

gênero notícia esportiva de futebol, comparando a seleção desses recursos em dois

jornais diferentes: um exclusivamente esportivo, Lance! e outro de assuntos gerais, O

Globo. Esse estudo se justifica não só pela originalidade do corpus mas também por

associar os processos de referenciação a um determinado gênero textual. Seguindo os

avanços da Linguística de Texto acerca dos processos de referenciação e sua

importância para a textualidade, rediscutimos a delimitação entre anáforas diretas,

indiretas, encapsuladoras e a dêixis, mostrando como esses processos estão interligados

e constituem um processo colaborativo de construção de sentidos, que emerge da

negociação dos sujeitos. A análise dos dezesseis textos mostrou que as formas de

referenciação atuam de modo diferente na construção das notícias. No jornal Lance!,

verificamos uma maior argumentatividade e maior dependência dos textos ao

conhecimento compartilhado sobre futebol, principalmente quando se trata do emprego

de anáforas diretas e indiretas. Já no jornal O Globo, percebemos uma preocupação

maior em criar um efeito de neutralidade. A diferença na seleção dos recursos está no

perfil diferenciado do público de cada jornal, já que a publicação esportiva Lance! conta

com um público mais especializado em futebol ao contrário do que acontece com o

público mais generalista do jornal O Globo. Em relação às estratégias de referenciação,

deparamo-nos com exemplos que fogem aos prototípicos descritos pelos principais

teóricos da área, ampliando, assim, a descrição das formas de referenciação e suas

funções discursivas. Por fim, observamos a estrutura e a característica do gênero e as

formas de referenciação, a fim de verificarmos a pertinência das hipóteses postuladas e

implementar uma parte importante da nossa pesquisa, que é atrelar o estudo da

referenciação ao estudo dos gêneros textuais.

Palavras - chave: Referenciação, gênero textual, notícias esportivas, conhecimento

compartilhado.

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ABSTRACT

REFERENCING IN THE FIELD: THE CONSTRUCTION OF SENSES IN THE

SPORT NEWS

Margareth Andrade Morais

Orientadora: Professora Doutora Leonor Werneck dos Santos

Abstract da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em Letras

Vernáculas, Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ,

como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Letras

Vernáculas (Língua Portuguesa).

The purpose of this work is to investigate the strategies of reference in the soccer game

sports news genre. The news from two different newspapers were compared: an

exclusively sports newspaper, Lance!, and another one of general subjects, O Globo.

Our study is justified not only by the originality of the corpus but also by associating

the processes of reference to a given textual genre. According to the advances in Text

Linguistics about the reference processes and their importance for textuality, we

rediscuss the delimitation between direct, indirect, encapsulating and deixis anaphora,

showing how these processes are interconnected and constitute a collaborative process

of sense construction, which emerges from the negotiation of the subjects. The analysis

of the sixteen texts showed that the forms of referencing act differently in the

construction of the news. In the newspaper Lance!, we find a greater argumentativeness

and greater dependence of the texts on shared knowledge about soccer, especially with

the use of direct and indirect anaphora. On the other hand, in the newspaper O Globo,

we noticed a greater concern in creating an effect of neutrality. The difference in the

selection of these resources is the differentiated profile of the public of each newspaper,

since the sports publication Lance! has a more specialized audience in sports and the

newspaper O Globo aims a more general public. In relation to the strategies of

reference, we find examples that do not follow the prototypical ones described by the

main reasearchers of the area. Therefore, the present work is broadening the description

of the forms of reference and their discursive functions. Finally, we observed the

structure and characteristics of the genres and the forms of reference in order to verify

the pertinence of the postulated hypotheses and to implement an important part of our

research, which is to link the study of the reference to the study of the textual genres.

Keywords: Referential process, textual genre, sports news, shared knowledge.

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RESUMEN

Margareth Andrade Morais

Orientadora: Professora Doutora Leonor Werneck dos Santos

Resumen da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em Letras

Vernáculas, Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ,

como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Letras

Vernáculas (Língua Portuguesa).

El propósito de este trabajo es investigar las estrategias de referenciacion en el género

de fútbol de noticias deportivas, la comparación de la selección de estas características

en dos periódicos diferentes: un deporte exclusivamente, Lance! y outro com temas

generales, O Globo. Este estudio se justifica no sólo por la originalidad del corpus, sino

también implicar el proceso de referencia a un género en particular. De acuerdo con el

interés de la Lingüística de Texto sobre el proceso de referencia y su importancia para la

textualidad, rediscutimos la distinción entre la anáfora directos, indirectos,

encapsuladores y deixis, mostrando que emerge de las negociaciones de los sujetos. El

análisis de los textos dieciséis mostró que las formas de referenciacion acto de manera

diferente de referencia en la construcción de noticias. En el diario Lance!, Notado

mayor argumentativity y una mayor dependencia de los textos para el conocimiento

compartido sobre el fútbol, sobre todo cuando se trata de la utilización de la anáfora

directa e indirecta. En el diario O Globo, vemos un mayor énfasis en la creación de un

efecto neutro. La diferencia en la selección de los recursos es diferenciada en el perfil

público todos los periódicos, ya que la publicación deportiva de Lance! tiene un público

más especializado en el fútbol a diferencia de lo que ocurre con el público más general

del diario O Globo. En cuanto a las estrategias de referencia, encontramos ejemplos que

se encuentran más allá de los prototípico descritos por los principales teóricos de la

zona, lo que aumenta la descripción de las formas de derivación y sus funciones

discursivas. Por último, se observó la estructura y características de los géneros y las

formas de evaluación comparativa con el fin de verificar la pertinencia de las hipótesis

postuladas y poner en práctica una parte importante de nuestra investigación, se la

vinculación del estudio de referencia para el estudio de los géneros.

Palabras clabe: Referenciacion, género textual, noticias deportivas, conocimiento

compartido

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SUMÁRIO

LISTA DE QUADROS .................................................................................................14

LISTA DE FIGURAS....................................................................................................15

LISTA DE GRÁFICOS.................................................................................................16

1. INTRODUÇÃO ......................................................................................................17

2. TEXTO E GÊNEROS TEXTUAIS: CONTEXTUALIZAÇÃO DA NOTÍCIA

ESPORTIVA..................................................................................................................22

2.1 Texto: a perspectiva sociocognitiva..........................................................................22

2.2 A noção de gênero.....................................................................................................25

2.3 O jornal como suporte na recepção e circulação de gêneros.....................................27

2.4 A notícia esportiva nas quatro linhas.........................................................................32

2.5 O jornalismo esportivo..............................................................................................38

2.6 O conceito de infoentretenimento..............................................................................40

3. REFERENCIAÇÃO: PANORAMA TEÓRICO...................................................42

3.1 Classificação dos processos de referenciação...........................................................48

3.2 Anáforas diretas e anáforas indiretas.........................................................................50

3.3. Os encapsuladores ...................................................................................................55

3.4 A dêixis numa perspectiva sociocognitiva................................................................59

3.4.1 A dêixis temporal e espacial...................................................................................61

3.4.2 A dêixis pessoal (e social)......................................................................................61

3.4.3 A dêixis “impura”: memorial e textual...................................................................63

4. METODOLOGIA E ANÁLISE...............................................................................70

4.1 Constituição do corpus..............................................................................................70

4.2 Passos para a análise..................................................................................................72

4.3 As anáforas diretas na análise contrastiva das notícias esportivas............................74

4.3.1 Par 1: “o jogo dos sonhos de Suárez” e “Suárez 100%”........................................74

4.3.2 Par 2: “Vexame! Brasil sofre maior derrota de sua história e vê a Alemanha chegar à

final” e “Brasil é massacrado pela Alemanha e sofre a maior goleada de sua história: 7 a

1”..................................................................................................................................................78

Page 11: REFERENCIAÇÃO EM CAMPO: A CONSTRUÇÃO DE … · formas de referenciação, a fim de verificarmos a pertinência das hipóteses postuladas e implementar uma parte importante da

4.3.3 Par 3: “Não foi fácil” e “Batalha no sul”................................................................82

4.3.4 Par 4: “Depois do bombardeio: Bélgica 2 x 1 Estados Unidos” e “Bélgica bate

Estados Unidos”..............................................................................................................87

4.3.5 Par 5: “Corrida para o Tri” e “De volta após 24 anos”..........................................91

4.3.6 Par 6: “Oshowa” e “México segura o Brasil”........................................................96

4.3.7 Par 7: “Um dia sem fúria” e “Laranja amarga” ...................................................100

4.3.8 Par 8: “Close nele” e “Chucrute na Bahia”..........................................................106

4.4 Análise das anáforas encapsuladoras nas notícias esportivas..................................111

4.5 Análise das anáforas indiretas nas notícias esportivas............................................121

4.6 A análise da dêixis temporal e pessoal nas notícias esportivas...............................127

4.7 A segmentação do espaço nas notícias esportivas...................................................132

5. A REFERENCIAÇÃO E AS NOTÍCIAS ESPORTIVAS...................................141

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................149

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................154

ANEXOS......................................................................................................................160

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Processos referenciais; retirado de Santos e Cavalcante (2014, p. 242)....p.68

Quadro 2: Formas de referência às notícias que constituem o corpus........................p.72

Quadro 3: Objetos de discurso analisados no par 1....................................................p.74

Quadro 4: Objetos de discurso analisados no par 2....................................................p.78

Quadro 5: Objetos de discurso analisados no par 3....................................................p.82

Quadro 6: Objetos de discurso analisados no par 4....................................................p.87

Quadro 7: Objetos de discurso analisados no par 5....................................................p.91

Quadro 8: Objetos de discurso analisados no par 6....................................................p.96

Quadro 9: Objetos de discurso analisados no par 7..................................................p.100

Quadro 10: Objetos de discurso analisados no par 8................................................p.107

Quadro 11: Funções discursivas dos processos de referenciação no gênero notícia

esportiva......................................................................................................................p.144

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Relação entre suporte e gênero....................................................................p.32

Figura 2: Relação entre os processos anafóricos e a correferencialidade...................p.59

Figura 3: Capa dos jornais O Globo e Lance!.............................................................p.71

Figura 4: Campo de futebol......................................................................................p. 134

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1: Comparação entre as estratégias de referenciação nos dois jornais.........p.142

Gráfico 2: Estratégia de retomada dos nomes das seleções nos dois jornais............p.147

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1. INTRODUÇÃO

Os processos de referenciação são cruciais para a construção de sentidos dentro

do texto, pois sua interpretação requer a articulação entre conhecimentos culturais,

contextuais e linguísticos bem como o conhecimento da estrutura textual dos gêneros

textuais em que ocorrem. Com a pesquisa iniciada no Mestrado (MORAIS, 2012) – cuja

originalidade foi enfatizada pela Banca durante a defesa –, percebemos como pode ser

produtivo relacionar o processo de referenciação aos gêneros textuais. Além disso,

vimos a importância de destacar o papel desse processo na leitura e na produção de

textos, tendo em vista a importância sociocognitiva das estratégias textual-discursivas.

Esta Tese, portanto, nasceu do interesse em aprofundar a pesquisa do curso de

Mestrado, em que começamos a evidenciar a relação entre o gênero notícia esportiva e

os processos de referenciação, mostrando as transformações e mudanças pelas quais

passam os referentes e sua contribuição para os propósitos comunicativos dos textos.

Esses mecanismos são importantes para a progressão temática, recuperação e

construção dos sentidos, uma vez que colaboram para a compreensão e mostram como

os enunciadores trabalham juntos para obter sucesso no processo de comunicação, além

de apresentarem uma série de funções discursivas de grande relevância para a

construção do texto. Desse modo, de acordo com os avanços da Linguística de Texto

acerca dos processos de referenciação e sua importância para a textualidade,

pretendemos, com esta pesquisa, analisar os processos de referenciação no gênero

notícia esportiva, comparando a seleção desses recursos em dois jornais diferentes: um

jornal exclusivamente esportivo, Lance! e outro de assuntos gerais, Globo.

Outra motivação para esta pesquisa é ampliar a discussão sobre os processos de

referenciação, já que, com o avanço das pesquisas, percebe-se que a diferença entre

esses processos é bastante sutil, sendo, muitas vezes, de difícil delimitação. Além disso,

há o fato de estarmos diante de um gênero pouco estudado e que suscitou diversas

questões, não só para a teoria de referenciação mas também sobre a própria constituição

do gênero. Dessa forma, demos continuidade às pesquisas sobre referenciação,

procurando responder os problemas:

a) De que modo as estratégias de referenciação presentes nos dois jornais podem

evidenciar a maior/menor necessidade de conhecimentos compartilhados?

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b) Há diferença, entre os dois corpora, entre as estratégias de referenciação

mobilizadas e os efeitos de sentido que elas geram?

Tendo em vista esses problemas, postulamos as seguintes hipóteses: (i) as

estratégias de referenciação evidenciam o apelo ao conhecimento compartilhado, de

maneira que, quanto maior o apelo a esse tipo de conhecimento, maior será o teor

argumentativo dos textos; (ii) Dentro dessa perspectiva, haveria maior necessidade de

inferência em textos voltados para públicos específicos, o que interfere nos recursos

empregados na construção das notícias nos dois jornais, a fim de evidenciar um tom

mais avaliativo ou de neutralidade.

Visto que um dos objetivos desse trabalho é propor uma reflexão teórica acerca

da referenciação e dos gêneros textuais, esta pesquisa utiliza a metodologia da análise

qualitativa e contrastiva dos textos dos corpora. Foram escolhidas como corpora um

total de dezesseis textos, sendo oito exemplares de notícias esportivas do Lance!, jornal

esportivo de grande circulação no Rio de Janeiro, e oito exemplos do jornal O Globo,

destinado a assuntos gerais e que contém um caderno de esportes. Embora o suporte

seja o mesmo, a especificidade do público e dos objetivos dos periódicos pode interferir

na escolha dos processos de referenciação e na orientação argumentativa do texto,

conforme afirmamos em uma das hipóteses deste trabalho.

Para fundamentar as questões levantadas anteriormente, a presente pesquisa

ancora-se nos estudos que consideram a referenciação como um processo colaborativo

de construção de sentidos que emerge da negociação dos sujeitos (cf. MONDADA E

DUBOIS, 2003), posição corroborada no Brasil por Marcuschi (2008), Koch (2002,

2005 e 2006), Cavalcante (2011), Santos (2015), dentre outros autores. Além disso,

também nos apoiamos em autores que partilham de visões teóricas distintas e outros que

não se filiam à Linguística do Texto, como Cornish (2011). Também abordamos

conceitos da área do Jornalismo Esportivo, como Costa (2011) a fim de caracterizar

com mais precisão os recursos empregados no gênero notícia esportiva sob o ponto de

vista do domínio discursivo em que o gênero circula.

Partilhamos da visão atual da Linguística de Texto de que a noção de referência

não se restringe à equivalência das palavras aos elementos do mundo, mas abrange o

fenômeno de uma construção conjunta de objetos cognitivos e discursivos, sempre

tendo em vista as intenções dos sujeitos presentes na interação e seu contexto sócio-

histórico (cf. MONDADA E DUBOIS, 2003, KOCH, 2004). As entidades nomeadas,

portanto, são vistas como objetos de discurso e não como objetos de mundo; desse

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modo, os objetos são dinâmicos e não estáticos, podendo ser construídos, reconstruídos,

recategorizados, contribuindo para o desenvolvimento e a progressão dos textos (cf.

CAVALCANTE, 2011).

Entendemos que a referenciação vai além da rotulação de elementos presentes

no mundo, e que os processos de referenciação são construídos na interação, tendo

como base atividades cognitivas, sociais e o próprio entorno discursivo em que os

falantes se encontram. Para que haja a identificação dos referentes e a compreensão

dos processos referenciais, é necessário que o leitor acione conhecimentos prévios,

dentre os quais os contextuais e os linguísticos, que são diferentes dependendo do

gênero textual.

Também são pressupostos básicos desta pesquisa os estudos de Koch (2002,

2006) sobre o conceito de que todo texto contém marcas deflagradoras de pistas que

orientam o leitor no seu percurso de construção de sentido. Portanto, a noção de texto

aqui empreendida levará em conta que a construção de sentidos no texto não ocorre

apenas pela sua materialidade linguística, como simples resultado de escolhas lexicais

ou sintáticas, mas como marcas enunciativas, como ações dos sujeitos na sua relação

com e sobre o mundo. Deste modo, o texto não é um produto acabado, mas contém

pistas que permitirão ao leitor percorrer caminhos na construção dos sentidos.

Sobre o estudo dos gêneros textuais, adotamos a definição de Bakhtin

(2003[1979]) de gênero como tipos relativamente estáveis de enunciado, compostos por

uma estrutura composicional, estilo e conteúdo temático, e associaremos tais

características de composição do gênero aos processos de referenciação. Adotamos as

contribuições de Marcuschi (2008), Bhatia (2009) para o entendimento dos gêneros e

também pretendemos ampliar essa descrição com a discussão sobre o papel do suporte

no gênero relato esportivo.

Assim, observamos, nesta pesquisa, a estrutura e a característica dos gêneros, a

estrutura textual dos relatos e as formas de referenciação – introdução referencial,

anáfora direta, indireta, encapsulamentos e a dêixis –, a fim de verificarmos a

pertinência das hipóteses postuladas e implementar uma parte importante da nossa

pesquisa, que é atrelar o estudo da referenciação ao estudo dos gêneros textuais. Sobre

os processos de referenciação, especificamente, pretendemos discutir os casos de

anáforas diretas, indiretas, encapsuladoras e a própria dêixis, mostrando como esses

processos estão interligados, seguindo o caminho já trilhado por Santos e Cavalcante

(2014), Cavalcante, Custódio Filho e Brito (2014), dentre outros autores.

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20

De acordo com os objetivos e hipóteses que pretendemos alcançar, o trabalho

está organizado em cinco capítulos. Após a presente introdução, faremos, no segundo

capítulo, uma contextualização sobre alguns postulados importantes, como a noção de

texto, enfatizando o enfoque sociocognitivo e interacional desse conceito atualmente,

gênero textual, suporte e as características e especificidades do gênero notícia esportiva.

Já no terceiro capítulo, sob a perspectiva da Linguística de Texto, apresentamos

o panorama teórico atual dos estudos sobre a referenciação, ressaltando as contribuições

mais importantes para a área em questão. Após essa descrição inicial, faremos uma

discussão sobre a classificação tradicional dos processos de referenciação, a fim de

avançar em questões teóricas importantes sobre esse tema.

Após essas considerações, iniciamos o quarto capítulo, apresentando a

metodologia implementada e a análise das notícias, discutindo os exemplos

selecionados, divididos pela tipologia dos processos de referenciação. Iniciamos com a

análise contrastiva dos jornais. Privilegiamos os objetos de discurso centrais das

notícias, como as seleções e seus jogadores, analisando, em um primeiro momento, as

anáforas diretas, já que tais expressões de referenciação costumam estar diretamente

associadas à construção/exposição de uma dada orientação argumentativa nos textos.

Logo após, passamos a tratar dos encapsuladores, das anáforas indiretas e, por fim, dos

casos de dêixis verificados no corpus. Após essa análise, trazemos uma discussão sobre

a segmentação do espaço nas notícias esportivas e os processos referenciais envolvidos

nessa segmentação.

Com base nos principais resultados da análise, relacionamos, no quinto capítulo,

as estratégias de referenciação à construção das notícias esportivas, destacando as

estratégias mais recorrentes e suas funções dentro das notícias, e evidenciamos a estreita

relação entre o perfil do público selecionado pelos jornais e as estratégias de

referenciação.

No sexto capítulo, serão feitas as considerações finais, em que organizamos os

resultados principais, discutindo e verificando a pertinência das hipóteses e dos

objetivos postulados, além de futuros desdobramentos de pesquisa possíveis. Por fim,

seguem-se as referências bibliográficas e o Anexo, no qual constam os oito pares de

textos analisados.

Acreditamos que a originalidade desta Tese reside na interface teórica entre

referenciação e gêneros textuais, especificamente por demonstrar, por meio de variados

exemplos, a produtividade dos processos de referenciação presentes no gênero notícia

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esportiva, que também consiste em um gênero pouco estudado, sempre tendo como foco

a perspectiva sociocognitiva.

Além disso, a discussão acerca das fronteiras tênues dos processos referenciais e

suas especificidades em determinados gêneros tem merecido destaque na agenda dos

estudos sobre esses temas. Assim, nossa pesquisa representa um importante movimento

no sentido de expandir os estudos sobre a referenciação – entendida como um processo

complexo que vai além das expressões referenciais – e a associação entre esses estudos

ao campo dos gêneros textuais.

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2. TEXTO E GÊNEROS TEXTUAIS: CONTEXTUALIZAÇÃO DA NOTÍCIA

ESPORTIVA

2.1 Texto: a perspectiva sociocognitiva

Como a proposta desta Tese integra aspectos cognitivos, sociais e linguísticos na

construção de sentidos do texto, não podemos analisar a materialidade linguística como

simples resultado de escolhas lexicais ou sintáticas, mas como marcas enunciativas,

ações dos sujeitos na sua relação com e sobre o mundo. Deste modo, o texto passa a ser

visto, conforme Koch (2006, p.65), como um “mapa da mina”, o que permitirá ao leitor

percorrer caminhos que o aproximem da ideia do produtor ou o desviem dela, por meio

do levantamento de hipóteses de sentido.

Com essa abordagem atual dos estudos em Linguística do Texto, é possível

deslocar o interesse atribuído, prioritariamente, à forma linguística para o

funcionamento da língua em distintos contextos e, consequentemente, para a análise

linguística de textos e/ou discursos, isto é, da língua em uso, no seu funcionamento

entre os sujeitos, deixando a análise de enunciados isolados. Para Marcuschi (2008, p.

67), “a função mais importante da língua não é a informacional e sim a de inserir os

indivíduos em contextos sócio-históricos e permitir que se entendam”. Assim,

entendemos que a língua é, de fato, um produto social: por meio dela, o conhecimento

cultural e as relações interpessoais se estabelecem e nos inserimos no mundo.

A interação verbal ocorre pelo uso efetivo da língua pelos sujeitos nas suas

práticas discursivas, concretizadas por meio de textos com os quais as pessoas

interagem. A atividade comunicativa, portanto, é permeada por textos, e, conforme

aponta Marcuschi (2008, p. 88): “o texto é a unidade máxima de funcionamento da

língua e não importa o seu tamanho; o que faz um texto ser um texto é um conjunto de

fatores que, quando acionados, garantem a coerência dos enunciados”.

Se é na interação verbal que os sentidos se estabelecem, não podemos, então,

pensar em um leitor passivo. A atividade de leitura pressupõe um leitor ativo a fim de

que haja produção de sentidos. Assim, o procedimento de leitura dos textos envolve,

segundo Koch (2006), uma interação entre autor-texto-leitor, na qual se faz necessário

tanto o conhecimento da materialidade linguística, como os conhecimentos do leitor

para o estabelecimento do jogo interacional.

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Por essa razão, não se fala em um (único) sentido para o texto, uma vez que

valores culturais atuam na interpretação. Portanto, considerar o leitor e perceber que os

conhecimentos variam de um para outro acarreta aceitar múltiplas leituras e sentidos

oriundos de um mesmo texto, o que não significa dizer que se possa admitir qualquer

interpretação, mas pensar o texto a partir das pistas que ele fornece, tendo em vista a

interação autor-texto-leitor e todos os outros conhecimentos envolvidos nesse processo.

Podemos dizer, então, que o processamento textual, para a produção de um texto

ou para a sua leitura, depende da interação entre os interlocutores que atuam em

conjunto, mobilizando uma série de conhecimentos – de ordem cognitiva, interacional,

cultural e textual – para produzirem sentido. Esse processamento envolve um

movimento por parte do leitor para estabelecer pontes entre informações novas e outras

já fornecidas dentro do texto. Cabe ressaltar que essa relação não é simples nem

explícita: exige inferências, interpretação de expressões referenciais e de outros

mecanismos linguísticos.

De acordo com Koch (2002, p. 30):

O sentido de um texto, qualquer que seja a situação comunicativa, não

depende tão somente da estrutura textual em si mesma. Os objetos de

discurso a que o texto faz referência são apresentados em grande parte

de forma lacunar, permanecendo muita coisa implícita. O produtor do

texto pressupõe da parte do leitor/ouvinte conhecimentos textuais,

situacionais e enciclopédicos e, orientando-se pelo Princípio da

Economia, não explicita as informações consideradas redundantes. Ou

seja, visto que não existem textos totalmente explícitos, o produtor de

um texto necessita proceder ao “balanceamento” do que necessita ser

explicitado textualmente e do que pode permanecer implícito, por ser

recuperável via inferenciação.

Portanto, para a LT, o texto é o lugar da interação, é o lugar no qual circulam as

intencionalidades, pistas e informações compartilhadas, imbricados em uma relação

estreita, por isso é difícil falar em conhecimentos linguísticos e extralinguísticos, já que

não se pode distinguir quais conhecimentos estariam dentro e quais estariam fora do

texto, visto que todos eles atuam em igual medida na construção de sentidos. Marcuschi

(2008, p. 95), ao refletir sobre a questão, já nos mostra essa direção quando assegura

que “não se pode imaginar o texto como se tivesse um dentro (cotextualidade) e um fora

(contextualidade)”. O autor explica ainda que, se os textos são vistos como atrelados aos

aspectos interacionais, tanto em situação de produção quanto de recepção, não é

possível separar o que seria cotexto e contexto dentro dessa perspectiva de observação.

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Por fim, cabe acrescentar aqui que adotamos a posição de Cavalcante (2011), na

esteira do que já nos apontou Koch (2002 e 2006), de que o texto é algo que se abstrai

da relação entre texto-autor-leitor dentro de um contexto sociocultural específico. Dessa

forma, o texto não pode ser entendido como uma materialidade que leva ao discurso.

Pelo contrário, se é resultado de uma situação discursiva, o texto é indissociável do

discurso. Atualmente, a LT já faz o intercâmbio entre as noções de texto e discurso, não

as analisando separadamente. Segundo Marcuschi (2008, p.58), a distinção entre texto e

discurso, além de complexa, não se mostra interessante, já que hoje as duas noções

podem ser vistas como

intercambiáveis, nas palavras do autor,

A tendência é ver o texto no plano das formas linguísticas e de sua

organização, ao passo que o discurso seria o plano do funcionamento

enunciativo, o plano da enunciação e efeitos de sentido na sua

circulação sociointerativa e discursiva envolvendo outros aspectos.

Texto e discurso não distinguem fala e escrita como querem alguns

nem distinguem de maneira dicotômica duas abordagens. São muito

mais duas maneiras complementares de enfocar a produção linguística

em funcionamento.

Pode-se concluir, então, que a LT atribui ao texto uma perspectiva

sociocognitiva e considera a atividade de leitura um ato que envolve não só a

compreensão de mensagens, mas também o entendimento de intenções comunicativas.

Dentro desse processo de leitura e construção de sentidos, um dos mecanismos que

facilita essa interação é a existência de um padrão relativamente estável de construção

dos textos que utilizamos cotidianamente: os gêneros textuais.

O gênero seria a ponte entre o discurso e o texto, pois, sendo resultado de uma

prática social e textual discursiva, apresenta uma composição observável que

corresponde a formas sociais que cercaram a situação de sua produção, conforme foi

dito no capítulo anterior. Nessa concepção, o texto é uma materialização de determinado

gênero – o que faz com que ele esteja submetido às regularidades linguísticas e

temáticas desse gênero, conforme a situação enunciativa na qual circula. Assim, a

atividade de leitura depende de estratégias e de graus de percepção de aspectos

inferenciais e referenciais, para não somente articular conhecimentos prévios, como

também colaborar com o levantamento de hipóteses.

Construir os sentidos de um texto implica, necessariamente, articular diversos

processos referenciais. Desse modo, já que consideramos o texto como processo

colaborativo de construção de significados, o mesmo vale para as formas de

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referenciação, que também estão em permanente construção, conforme será discutido a

seguir.

2.2 A noção de gênero

Como a língua é um lugar de interação, é nesse contexto que ela se reveste de

significado e revela as marcas de um sujeito, que é ativo socialmente no processo

interacional. Essa dinâmica linguística se concretiza na forma de diálogo entre os

interlocutores, já que os sentidos concretos dos signos linguísticos só são apreendidos

por meio da indissociável relação entre os interlocutores. Segundo Marcuschi (2008, p.

61), “a língua é um conjunto de práticas sociais e cognitivas historicamente situadas”,

desse modo, o foco dos estudos não está mais sobre o código, mas no funcionamento

linguístico.

Assim, o papel da língua é mais do que mediar o conhecimento: é constituir o

nosso conhecimento. Dessa visão, deriva o conceito de dialogismo, propriedade básica e

inerente da linguagem, que implica a presença de parceiros, de modo que todo

enunciado pressupõe um interlocutor ativo, não alguém que receba passivamente o

enunciado. O dialogismo pode ser interpretado como marcas históricas e sociais,

resultantes da interação entre os falantes, presentes nos enunciados, afirmando, assim, a

presença de uma multiplicidade de vozes nos discursos que reproduzem os discursos de

uma dada sociedade, conforme aponta Bakhtin (2003[1979]).

Nessa perspectiva, ganha relevo a noção de enunciado como a unidade real da

comunicação verbal, realizada pelos interlocutores numa estrutura dialógica que inclui

as condições sociais e o contexto cultural nos quais os enunciados são produzidos.

Seguindo a perspectiva dialógica da linguagem, nenhum discurso é novo, mas reflete

valores e crenças de outros discursos. Isso quer dizer que, para constituir um discurso, o

enunciador necessariamente o elabora a partir de outros, constituindo, portanto, uma

dialogização interna no discurso. Assim, o falante sempre é um contestador, sua fala

está sempre em resposta a enunciados já em circulação, sendo os enunciados sempre

dirigidos a um destinatário que influencia e determina as escolhas necessárias para sua

produção.

Marcuschi (2008) afirma que, ao dominarmos um gênero textual, não estamos

dominando uma forma linguística, mas uma forma de realizar, linguisticamente, nossos

propósitos comunicativos em uma situação social particular. Cada enunciado é único, é

um acontecimento abstrato em um tipo específico de situação comunicativa que se

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insere em uma formulação genérica e compartilha características comuns aos outros

enunciados da mesma situação de interação.

Cada atividade, cada forma de utilização da língua elabora tipos relativamente

estáveis de enunciados, os gêneros textuais, que são construídos por três elementos:

conteúdo temático, estilo verbal e a construção composicional. Para Marcuschi (2008,

p.155),

os gêneros textuais são os textos que encontramos em nossa vida diária

e que apresentam padrões sociocomunicativos característicos definidos

por composições funcionais, objetivos enunciativos e estilos

concretamente realizados na integração de forças históricas, sociais,

institucionais e técnicas.

Com essa posição teórica, chegamos à conclusão de que o gênero é indissociável

do envolvimento social; não podemos, então, tratar dos gêneros fora da sua relação com

as atividades humanas. Bhatia (2009), assim como Bazerman (2005), corroboram a

ideia de que os gêneros são resultados das práticas discursivas convencionadas de

comunidades discursivas específicas e mostram ainda que o conhecimento dos aspectos

constitutivos dos gêneros é uma ferramenta importante, pois permite o reconhecimento

dos diversos textos que circulam na nossa sociedade. Contudo, esses estudiosos

destacam a dinamicidade do gênero e a possibilidade de inovação, demonstrando que,

embora os gêneros sejam uma prática socialmente convencionada, isso não significa que

eles não possam se modificar para atender novos propósitos comunicativos.

Tendo em vista essa possibilidade, os gêneros podem se misturar para constituir

novos gêneros e abarcar novas formas de comunicação social. Desse modo, acentua-se

mais o caráter relativamente estável dos gêneros do que a sua estabilidade, já que a

instabilidade permite a constante modificação dos gêneros. Assim, de acordo com sua

esfera de atividade e circulação, teríamos gêneros mais rígidos, como fichas de

inscrições, por exemplo, e gêneros mais flexíveis, como os pertencentes à esfera da

publicidade.

Para Bazerman (2005, p. 31), os gêneros “são parte de como os seres humanos

dão forma às atividades sociais”. Isso significa dizer que os gêneros não são somente

tipos de enunciado reconhecidos, mas emergem nos processos sociais em que os

indivíduos se comunicam e articulam suas atividades com vistas a seus interesses

práticos. Assim, enfatiza-se o aspecto social e não no seu aspecto linguístico. Essa

interação entre autor-leitor de que fala Bazerman é bastante produtiva no gênero

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estudado nesta pesquisa, uma vez que a notícia esportiva tem como característica

adaptar-se ao seu público.

Em síntese, é importante ressaltar o gênero como resultado de propriedades

formais e textuais/discursivas e, embora cada gênero apresente uma forma prototípica,

interessa também o caráter flexível dos gêneros e sua adaptação ao meio de circulação.

2.3 O jornal como suporte na recepção e circulação dos gêneros

Não é possível pensar os gêneros fora das relações sociais em que se

estabelecem e do contexto em que circulam, conforme aponta Marchuschi (2008). A

noção de suporte, seja em seu âmbito material ou seu âmbito virtual, ainda se encontra

em estudo (cf. MARCUSCHI, 2003, 2008; BEZERRA,2006), pois não se sabe,

exatamente, de que maneira os diferentes suportes podem adicionar ou até mesmo

alterar características dos gêneros.

Mainguenau (2001, p. 68) já apontava para a importância do modo de

manifestação material dos discursos poderia ter sobre os textos, não sendo apenas um

instrumento para mandar uma mensagem, mas um meio que poderia interferir no

próprio discurso:

uma modificação de um suporte material de um texto modifica

radicalmente um gênero de discurso: um debate político pela televisão é

um gênero totalmente diferente de um debate em uma sala para um

público exclusivamente formado por ouvintes presentes. O que

chamamos “texto” não é, então, um conteúdo a ser transmitido por este

ou aquele veículo, pois o texto é inseparável de seu modo de existência

material: modo de suporte/transporte de estocagem, logo, de

memorização.

No Brasil, o conceito foi introduzido por Marcuschi (2003, p.11), que o

descreveu como “um locus físico ou virtual, com formato específico que serve de base

ou ambiente de fixação do gênero materializado como texto”. Para Marcuschi, há duas

formas de suporte: o convencional (elaborado exatamente com o objetivo de portar

textos) e o incidental (que apresenta outros objetivos, mas eventualmente pode servir

como base de fixação de textos). Como exemplo de suporte convencional, tem-se um

livro, rádio, revista; já o suporte incidental pode ser uma roupa, por exemplo. A

diferença entre os dois tipos é que o suporte incidental não foi pensado inicialmente

com a função de portar um texto.

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Marcuschi (2008, p. 175) entende que o suporte apresenta três aspectos

fundamentais: ser um lugar, ter um formato e servir para fixar ou mostrar o texto. Esses

aspectos podem, em alguma medida, interferir no gênero; não mudam o seu conteúdo,

mas podem alterar sua formatação ou alguma outra característica, de acordo com o

autor:

pode-se dizer que suporte de um gênero é uma superfície física em

formato específico que suporta, fixa e mostra um texto. Essa ideia

comporta três aspectos: a) suporte é um lugar (físico ou virtual);

b)suporte tem formato específico; c) suporte serve para fixar e mostrar o

texto

Segundo Marcuschi (2008, p.179), o jornal, seja ele diário ou semanal, é um

suporte com muitos gêneros. Para o autor, “estes gêneros [do jornal] são, em boa média,

típicos e recebem, em função do suporte, algumas características em certos casos, tal

como o da notícia”. Para o autor, o jornal fixa determinados gêneros, como um anúncio

fúnebre, horóscopo, resumos de filmes, por exemplo, o que é mais um indício de sua

atuação como suporte.

Távora (2008, p. 50) destaca que, para qualquer gênero obter sucesso em seus

propósitos, uma das condições necessárias é o suporte:

É bem verdade que se pode conceber que determinados gêneros

necessitam de uma realização em determinado suporte para se

efetivarem, para ganharem “credibilidade”. O que dizer de alguém que

escreve notícias que não são divulgadas em um jornal? O mesmo se

pode dizer de um romance: parece esdrúxulo falar em um romance que

não foi validado pela sua “publicação” em um livro.

Para Távora, o suporte é uma entidade capaz de estabelecer uma interação por

meio de uma materialidade formalmente organizada, que compreende o modo de

existência do gênero. Távora instaura, como categorias de ordem metodológica e

critérios de análise, as noções de matéria, forma, interação, registro e acesso aos

gêneros, defendendo que o suporte seja responsável pela atualização dos gêneros por

meio de uma série de elementos convencionais, como formatação de página e

diagramação, por exemplo. O autor propõe um conceito de suporte dividido em três

componentes: matéria, forma e interação. O primeiro deles é a matéria (caracterizada

como um plano físico), que, por sua vez, se divide em três processos: o registro (o

arquivamento de dados, por exemplo, em um CD), a atualização (que é a produção do

gênero) e o acesso (as formas de interação permitidas pelo suporte).

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O outro componente do suporte é a sua forma, que consiste na junção de dois

fatores: a) a possibilidade de atualização de linguagem verbal e não verbal; b) os níveis

diferentes de interatividade ditados pelo fluxo comunicativo. Segundo essa lógica, as

possibilidades de atualização dizem respeito, por exemplo, ao modo como o gênero se

materializa no jornal em função dos padrões de diagramação, como a presença e a

posição de uma foto ou uma legenda, por exemplo, que funcionam como parte do

gênero. Já os níveis de interatividade referem-se, entre outros, às possibilidades

espaciais e temporais do suporte. Távora cita o exemplo do outdoor, que oferece um

curto tempo para sua visualização, mostrando como esse aspecto do suporte pode

interferir na construção do gênero.

O terceiro componente do conceito de suporte proposto por Távora (2008,

p.157) é a interação, uma vez que o suporte é uma ferramenta sócio-técnica “elaborada

para estabelecer processos interativos”. Para o autor, o suporte, até o momento

desconsiderado nas análises de gênero, deveria ocupar o primeiro plano da ordem

metodológica de análise dos gêneros. Bezerra (2006, p.381), em um artigo que investiga

a relação entre suporte e gênero, também destaca que são poucos os trabalhos que fazem

essa associação:

nas discussões mais recentes sobre gêneros textuais, são raras as

pesquisas que enfoquem as complexas relações existentes entre os

gêneros e seus suportes. Nota-se frequentemente que os conceitos

tendem a se sobrepor ou confundir

Já em Bonini (2003, 2008), verificamos outros encaminhamentos para o estudo

do suporte nos gêneros e a divisão desse conceito em duas partes: os suportes físicos e

os convencionados. Bonini (2006), em seu Projeto Gêneros do Jornal (PROJOR),

investigou os gêneros do jornal, considerando-o um hipergênero, ou seja, um gênero

composto por vários outros. O autor, baseado nas considerações de Marcuschi

mencionadas acima, estabeleceu a existência de dois tipos de suporte: os suportes

físicos, como o outdoor ou um álbum de fotografias, e os suportes convencionados.

Em estudos recentes, Bonini (2011, p. 682) observou a existência de um

contínuo entre o gênero como entidade de interação dialógica e o suporte como portador

físico; entre esses dois extremos, pondera o autor, pode haver a ocorrência de elementos

híbridos: elementos que são, ao mesmo tempo, um gênero formado por outros gêneros -

portanto, um hipergênero – e também um suporte. Dentre estes elementos híbridos,

estariam exemplos como o jornal, as revistas e o site.

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Cabe destacar que Bonini (2011, p; 688) apresenta ainda uma distinção entre

gênero, mídia e suporte. Nas palavras do autor:

a)gênero – unidade da interação linguageira que se caracteriza por uma

organização composicional, um modo característico de recepção e um

modo característico de produção. Pode ser de natureza verbal,

imagética, gestual, etc. Como unidade, equivale ao enunciado

bakhtiniano; b) mídia – tecnologia de mediação da interação linguageira

e, portanto, do gênero como unidade dessa interação. Cada mídia, como

tecnologia de mediação, pode ser identificada pelo modo como

caracteristicamente é organizada, produzida e recebida e pelos suportes

que a constituem; e c) suporte – elemento material (de registro,

armazenamento e transmissão de informação) que intervém na

concretização dos três aspectos caracterizadores de uma mídia (suas

formas de organização, produção e recepção)

Bonini afirma ainda que as mídias podem apresentar um conjunto de suportes,

funcionando como um sistema. O autor cita o exemplo da televisão, em que há

microfone, câmeras, sistemas de edição e suportes de transmissão, como as ondas

eletromagnéticas, por exemplo. Bonini também propõe uma separação entre o suporte e

a mídia, sendo a mídia aquela que vai interferir mais diretamente nas formas de

interação entre o gênero e seus interlocutores, ou seja, as diferentes tecnologias, já o

suporte passa a ser um termo empregado para designar elementos materiais de registro,

armazenamento e transmissão de informações. De acordo com o Bonini (2011, p.689),

“O termo suporte só é relevante em uma análise mais pormenorizada de uma mídia

específica. Podemos dizer, desse modo, que a interação se faz por meio de gêneros e

que esses gêneros circulam em mídias”.

Para esta Tese, entretanto, não separaremos a noção de mídia e suporte, uma vez

que isso pode acarretar em uma descrição exaustiva nos componentes da mídia e nas

formas de registro e armazenamento das informações, como prevê a proposta de Bonini.

Não achamos produtiva essa descrição, já que o suporte dos textos que compõem o

corpus é o mesmo e não utilizamos nenhuma mídia específica, a não ser o jornal em

papel.

De toda forma, podemos pensar em perspectivas diferentes trazidas pelas novas

tecnologias. Notícias ou romances criados para serem lidos online, por exemplo, podem

apresentar características diferentes dos textos escritos em versão impressa. Nas notícias

esportivas online, uma das possibilidades consiste em colocar disponíveis vídeos das

melhores jogadas, links para tabelas e pontuação dos campeonatos, galeria de fotos,

entre outros itens. Os programas esportivos televisionados, nesse sentido, nos últimos

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anos, têm-se especializado em diferentes estratégias para emocionar um interlocutor já

saturado de informações, inovando nas formas de captar esse telespectador, com a

presença de quadros com interação do público, conforme podemos ver no programa

Globo Esporte, da Rede Globo, atualmente. De acordo com Santos e Affonso (2015),

esse programa sofreu uma reformatação, incorporando o esquema de mesa-redonda com

convidados, usos de mesa tática (quadro interativo com os jogadores em forma de

bonecos), entre outras modificações para atrair o público.

Portela e Schwartzmann (2012) defendem que as propriedades textuais genéricas

selecionam propriedades morfológicas do objeto suporte, posição com a qual

concordamos. Ao analisar os aforismos, os autores mostram que a publicação desses

textos em um livro ou em um para-choque de caminhão levaria a uma formatação

diferente do gênero, no que se refere às suas propriedades textuais, como seleção de

linguagem, tipologias textuais empregadas.

Os autores explicam que uma máxima no para-choque de caminhão serve a uma

prática de linguagem que, pelo ponto de vista assumido no gênero e na pequena

extensão do suporte, seria de exortar o riso. Já se a máxima fosse publicada em um

livro, pela diferença na extensão, os objetivos e a finalidade do gênero poderiam ser

diferentes, pois pode ser direcionada a um enunciatário mais específico e/ou

especializado no assunto, que busca conhecer aspectos históricos e sociais sobre as

máximas.

De acordo com Portela e Schwartzmann (2012, p.91),

propriedades genéricas moldam os elementos formais do objeto-suporte

e estes, por sua vez, oferecem às instruções de exploração aquilo que

caracteriza a diversidade de fontes e pontos de vistas próprios à

construção do conhecimento.

Todos esses estudos convergem para a relação entre suporte e gênero. Apesar de

noções mais detalhadas e diferentes explicações para o que seria, de fato, o suporte e

seu alcance, o fato é que os estudos mostram que os textos estão ligados ao seu suporte.

Bezerra (2006) lembra que a complexa relação entre gêneros e seus suportes não

pode ser idealizada de forma hierarquizada. Em alguns casos, o suporte pode adquirir

um papel central, conforme acontecia nas escritas monumentais de antigas civilizações

como a romana, por exemplo, que, segundo o autor, tinham o propósito de manifestar

autoridade, já que a maior parte da população não sabia ler. O autor afirma ainda que o

suporte também exerce papel importante hoje por atuar na construção de sentidos.

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Nesse sentido, concluímos que a materialidade – entendida no sentido de

condições de produção e veiculação de um determinado texto – propicia algum tipo de

relação interativa nos interlocutores dos gêneros. Desse modo, acreditamos que, de

algum modo, o suporte pode influenciar o gênero, conforme já dito por Marcuschi

(2008) o suporte pode interferir no gênero.

Na figura abaixo, produzimos um esquema para ilustrar a relação entre suporte e

gênero:

Gênero suporte atualização do gênero

confere ao

gênero possibilidades

materiais de concretização (Fig. 1 relação entre suporte e gênero)

No caso das notícias esportivas, acreditamos que alguns recursos, como escolha

vocabular e, apelo ao conhecimento compartilhado, por exemplo, diferem justamente

pelo perfil de público selecionado pelos dois jornais, já que o jornal esportivo Lance!

apresenta um público alvo mais específico que, provavelmente, homologa as escolhas

feitas pelo interlocutor, pois os consumidores de um jornal de assuntos gerais não são os

mesmos de um jornal esportivo como o Lance!. Desse modo, o jornalista idealiza/prevê

quem será o receptor do seu texto para, assim, proceder a escolhas diversas na

construção dos textos.

A interferência do suporte, entretanto, pode ocorrer na formatação do jornal, na

possibilidade de apresentar mais informações sobre os clubes, seleções e seus jogadores,

como, no Lance!, por exemplo, por ser um periódico que só trata de esportes.

Consideramos, portanto, o jornal um suporte, e não um hipergênero, pois entendemos

que as características do jornal e a maneira como ele contribui para a fixação e

circulação de gêneros apontam para a sua função como um suporte de gêneros.

2.4 A notícia esportiva nas quatro linhas

A notícia é um gênero textual que costuma ser representado como se não

possuísse subjetividade ou como se expressasse o relato objetivo dos fatos. De modo

geral, a notícia, segundo Charaudeau (2010), pode ser entendida como um conjunto de

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informações que integra um mesmo espaço temático, isto é, o acontecimento é um fato

que se insere em um determinado domínio público, apresentando caráter de novidade,

proveniente de uma determinada fonte e podendo ser tratado de diversos modos.

Charaudeau (2010) defende que, no mesmo momento em que surge a notícia, ela pode

ser diversamente tratada, pois consiste, basicamente, em descrever o que se passou,

reportar ações e analisar os fatos. Diante disso, dependendo do propósito da instância

midiática, há diferentes formulações que buscam categorias que permitem, a todo

sujeito falante, responder às questões do como descrever, como contar, como explicar

e/ou persuadir.

Segundo Van Dijk (1998, p. 83), as notícias têm como função ideológica

implícita promover as crenças e os valores dos grupos sociais dominantes, razão pela

qual a persuasão tem função e objetivo muito específicos no discurso noticioso. Isso

significa que a notícia não apenas deve veicular proposições que sejam compreendidas

pelo leitor/ouvinte, mas proposições que sejam tomadas como verdadeiras ou

possivelmente verdadeiras. Desse modo, o caráter persuasivo da notícia inclui,

basicamente, a ênfase nas crenças já existentes entre os leitores, visando enfatizar um

modo de pensar já existente e não propriamente mudá-lo. A notícia, ainda segundo Van

Dijk (1998), é um gênero que busca promover uma aparência de verdade e, por isso, os

redatores utilizam diferentes estratégias para garantir esse efeito. Dentro da proposta de

Van Dijk, destacamos os seguintes recursos:

• Ênfase na natureza factual dos eventos, através de descrições diretas de eventos

em curso;

• Uso da informação com apelo emocional. Tal recurso se baseia na ideia de que

fatos podem ser mais bem representados e memorizados se eles envolvem ou

provocam emoções fortes.

Para Oselame (2012), a notícia esportiva, a princípio, tratava exclusivamente dos

textos em que se narram os lances de determinada partida, sem assinatura e sem

estrutura opinativa explícita. Tal gênero cobre todos os jogos de um dado campeonato.

Atualmente, as notícias esportivas não ficam restritas à publicação de resultados dos

jogos e campeonatos, ampliando a possibilidade de cobertura para temas como a

política dos clubes, situação financeira, entre outros, conforme aponta Coelho (2008). A

autora destaca que, com a modernidade, os “valores-notícia” – filtros que o jornalista

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aplica para selecionar que acontecimentos serão publicados – estão se modificando e,

cada vez mais, estão se misturando com questões que envolvem propaganda e

entretenimento, isto é, estão se tornando menos objetivos. Além disso, esse conjunto de

parâmetros denominado “valores-notícia” também pode ser adaptado tendo em vista os

diferentes suportes/meios de comunicação, como rádio, televisão, dentre outros.

De acordo com Santos e Affonso (2015), nos últimos anos, a definição do que

pode ou não ser notícia passou a depender não só do que é relevante, mas do que é

interessante ao público, aquilo que pode atingir mais pessoas, gerando, assim, lucro pela

audiência. No caso específico das notícias esportivas, os assuntos esportivos foram

gradativamente ocupando espaço nos grandes jornais até ganharem publicações

especializadas. Para Sousa (2005, p. 2),

Como em qualquer produto jornalístico, a seleção da notícia esportiva é

um processo norteado pelos critérios de noticiabilidade universais à

atividade de produção e transformação de acontecimentos em fatos

noticiáveis. Também no noticiário esportivo tem mais chances de se

tornar notícia o que é factual, que desperta o interesse do público, que

atinge o maior número de pessoas, que seja inusitado ou curioso, que

seja novidade e que apresente bons personagens

Desse modo, torna-se notícia não o que prioritariamente é utilidade pública, mas

o que pode gerar maior repercussão e audiência de acordo com uma abordagem que

tenda ao espetáculo e à produção de emoções em quem assiste. No caso da editoria

sobre futebol, como apontam Santos e Affonso (2015), já existe uma predisposição para

a espetacularização por conta da manipulação de uma “paixão nacional”.

Quanto à tipologia textual predominante, segundo Nascimento (2009), a

estrutura da notícia tende a ser prioritariamente narrativa, forma redacional que

predomina na linguagem jornalística, com características de objetividade e tentativa de

imparcialidade.

No entanto, embora o texto jornalístico pretenda ser objetivo e imparcial – que

por si só já é difícil, pois não existe linguagem imparcial – notamos atualmente o

predomínio do relato baseado em elementos ficcionais da narrativa, como personagens

bem definidos e criação de clímax, constituindo um terreno propício à dramatização da

notícia. Característica que tem sido uma estratégia recorrente na editoria esportiva,

conforme veremos na próxima seção. Ainda de acordo com Santos e Affonso (2015), a

narrativa nem sempre acontece de forma linear e cronológica nas reportagens

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esportivas. Muitas vezes, as matérias começam por fatos que aconteceram no fim do

jogo e que, por terem um caráter curioso que possa ser utilizado para humor ou

dramaticidade, servem de ponto de partida para a notícia.

Em relação à linguagem, Barbeiro e Rangel (2006) destacam que o texto

esportivo, de modo geral, detém maior liberdade no tratamento da matéria. Segundo os

autores, na editoria de esportes, é perceptível humor e leveza, e o vocabulário, muitas

vezes, consagra expressões populares, sendo mais criativo. Os autores afirmam ainda

que os jornais e revistas esportivos adotam a descrição em detalhes dos jogos, os

bastidores e há uma preocupação em passar ao leitor/telespectador a emoção

proporcionada pelos esportes.

Além disso, os autores chamam atenção para o fato de que os esportes

apresentam uma linguagem muito particular, principalmente quando tratam de futebol,

com gírias e metáforas para lances do futebol, como “totozinho” e “tesoura”, que o

editor esportivo não pode desconsiderar, principalmente no Lance!, que é um jornal

inteiramente esportivo. Em vários manuais esportivos, há uma espécie de glossário com

nomes de lances, jogadores e clubes não só de futebol como de outros esportes. Essas

expressões e metáforas são características discursivas escolhidas para justificar a adesão

do interlocutor, servindo também para emocionar os leitores, contribuindo ainda para a

argumentação verificada nos relatos. De acordo com Oselame (2012), o jornalismo

esportivo, principalmente o de televisão, vale-se de linguagem mais informal, próxima

do cotidiano do leitor/telespectador, principalmente, para garantir audiência.

Além disso, a notícia esportiva caracteriza-se como um gênero bem marcado

quanto ao tempo, pois deve ser publicado no jornal, no máximo, um dia após a partida.

O universo dos esportes é bastante dinâmico e ocorrem jogos de diferentes campeonatos

simultaneamente, por isso há rapidez na divulgação, em edições expressas ou nas

versões online dos jornais. Cabe ressaltar também que o gênero em questão é bastante

marcado em relação ao contexto em que é produzido: os referentes, como nome de

jogadores e técnicos, vão se modificando durante cada temporada de campeonato, pois

há uma grande rotatividade de jogadores e técnicos no futebol, o que pode contribuir

para a criatividade dos jornalistas e dos recursos empregados nesse gênero.

Nesse aspecto, a notícia esportiva se aproxima bastante de uma notícia ou

reportagem de assuntos gerais por sua estreita ligação com a temporalidade, mas, ao

contrário desta, não tem preocupação em “informar um fato novo”. Os leitores das

notícias esportivas, provavelmente, já sabem o resultado das partidas (a maior parte dos

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jogos é televisionada, os resultados são anunciados em telejornais, fora a possibilidade

de acesso a esses resultados pela internet). O interesse desses leitores é saber mais sobre

os lances da partida, obter detalhes, pois o futebol é tópico frequente nas discussões

cotidianas no Brasil.

Para descrever os lances da partida, é necessário que o jornalista descreva como

o campo de futebol é organizado e como o uso do espaço pode contribuir para a eficácia

ou fracasso dos times. As ações são apresentadas a partir do ponto de vista de um

observador (cf. FIORIN, 1996, p. 104) que se instaura dentro do campo e assume a

perspectiva ora de um time ora de outro a fim de apresentar uma maior credibilidade

para os lances narrados. Isso pode ser percebido em expressões como “chutou à direita

do gol” ou “cruzou pelo lado esquerdo”, em que, para entender a demarcação espacial

realizada, é preciso saber quem é o jogador (sua posição dentro do campo) e de que lado

do campo ele está atuando.

A segmentação do campo é relevante para a notícia esportiva, pois, sem essa

descrição, o texto perde parte de sua característica fundamental. Não há como narrar

lances de uma partida de futebol sem mencionar as demarcações, como as quatro linhas

que separam a fronteira dos eventos, uma vez que, fora destes espaços, as ações não têm

efeito e, dentro desta fronteira, há limites internos que caracterizam o posicionamento

dos jogadores (ataque, defesa, linha intermediária, etc), fundamentais para o desenrolar

da partida. O direcionamento das ações é determinado pelas metas (gols) que se situam

em lados opostos ao time (linhas laterais, retranca, recuo, avanço) e as posições são

demarcadas, com trajetórias definidas. O espaço é codificado e não flexível. A

transposição de determinados limites está relacionada à eficácia ou ineficácia do time,

considerando uma expectativa em relação a essas trajetórias.

Alguns recursos linguísticos contribuem para marcar o espaço, pelo uso de

verbos e expressões adverbiais, como, por exemplo, “invadir”, “para fora”, “longa

distância”, entre outros. Expressões como “invadir”, por exemplo, já carregam um

conteúdo semântico específico que auxilia na demarcação o espaço. Se o jogador

invadiu a área, certamente, ele se utilizou de um espaço que não lhe era lícito.

Expressões como escanteio, travessão, trave, impedimento, entre outras ajudam

a orientar a percepção do enunciador sobre o espaço, segmentando-o. Para os que

acompanham futebol, é uma possibilidade de julgar a ação do time para o qual torcem,

se os jogadores estão se aproximando do seu objetivo ou não. São comuns nas narrações

de jogo, escritas ou orais, as seguintes avalições: “o time não passa da linha do meio-

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campo” ou “só joga do meio pra frente”, “só dá chutão pra frente”, entre outras. Essas

expressões contribuem para os efeitos de sentido nas notícias esportivas, tornando bem

expressivas as ações dos jogadores, de modo que a impressão causada no leitor é a de

um efeito de verdade, como se ele estivesse de dentro do campo assistindo às partidas.

A descrição em detalhes dos jogos e dos bastidores refletem uma preocupação em

passar ao enunciatário a emoção proporcionada pelo futebol.

Nesse sentido, a mudança constante da posição do observador dentro do campo

cumpre um propósito de sentido, pois recria a trajetória da bola para o leitor. Os efeitos

gerados simulam a visão do leitor no momento dos lances, mostrando a trajetória da

bola em um processo, como podemos ver no trecho abaixo:

(L1) Foi a vez dos deuses do futebol fazerem justiça a Wayne Rooney. Após boa jogada pela

direita, Johnson cruzou rasteiro e o camisa 10 escorou de canhota para fazer seu primeiro gol

numa Copa do Mundo. (L1, anexo p.160)

A expressão “boa jogada pela esquerda” é empregada de acordo com um

observador que se instaura dentro de campo, trazendo um olhar interno. Como pistas

que auxiliam o leitor, há o nome dos jogadores que nos auxiliam a entender de que

espaço se trata.

A delimitação do espaço, além de parecer um traço constitutivo desse gênero, é

muito importante para a análise aqui empreendida e interfere diretamente no uso dos

mecanismos de referenciação, pois, de algum modo, comportam-se como anáforas

indiretas que se relacionam com o espaço dentro do campo. Expressões como “do outro

lado”, “chutou em diagonal”, “cruzou pela linha de fundo” mostram a presença desse

observador dentro do campo, além de trazerem formas com comportamento semelhante

ao de expressões dêiticas.

Nesta Tese, portanto, consideramos a notícia esportiva um gênero dinâmico e

heterogêneo, por depender de muitas variáveis que a fazem incorporar certas

características em vez de outras, dependendo do leitor presumido, do tema, do suporte

em que é veiculada, como TV, rádio, jornal impresso, portal de internet, por exemplo.

Após a caracterização da notícia esportiva, cabe ampliar um pouco o domínio

discursivo em que esse gênero atua com uma contextualização breve sobre a editoria

esportiva.

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2.5 O Jornalismo esportivo

Segundo Melo (2003), durante muito tempo os esportes e a editoria esportiva

foram considerados assuntos menores dentro dos jornais, pois não se julgava

conveniente, por exemplo, estampar a capa de um jornal com manchetes referentes a

esses assuntos. No entanto, com o crescimento da importância dos esportes e da prática

esportiva em nosso cotidiano, essa temática foi ganhando espaço nos jornais e nas

práticas sociais rotineiras. De acordo com especialistas no tema, como Coelho (2008) e

Mello (2003), os assuntos esportivos foram gradativamente ocupando espaço nos

grandes jornais até ganharem publicações especializadas, como Lance, Marca, Vencer,

Olé, entre outros.

Conforme aponta Mello (2003, p. 112), o esporte e a mídia passaram a se

relacionar de modo mais estreito quando os esportes assumiram um caráter coletivo,

deixando de ser um lazer individual ou de um grupo para se tornar o lazer das massas. A

imprensa esportiva brasileira teve seu início em 1910, com o jornal Fanfulha, de São

Paulo, que, sendo muito apreciado pelos italianos que viviam na cidade à época,

influenciou a criação do clube de futebol Palmeiras. Cabe ressaltar que, de acordo com

Coelho (2008), não havia um jornalismo esportivo, como o que há hoje: a cobertura

jornalística da época era constituída por breves relatos dos principais acontecimentos

que envolviam os famosos clubes de futebol brasileiros e informações sobre resultados

e os próximos jogos.

Com o passar do tempo, na década de 30, surge, no Rio de Janeiro, o Jornal dos

Sports, primeiro periódico destinado exclusivamente aos assuntos esportivos. Em uma

de suas primeiras edições, a linha editorial afirmava que o jornal buscava, por meio do

futebol, alcançar uma identidade nacional, uma tentativa de afirmação do Brasil através

desse esporte. O Jornal dos Sports, ainda com um grande uso de palavras em inglês

(football, match, record), foi o principal veículo da cobertura da Copa do Mundo de

Futebol de 1938. Contudo, segundo o Mello (2003), embora estivesse ganhando maior

destaque, poucos acreditavam que os esportes pudessem figurar na capa de jornais como

O Globo ou Folha de São Paulo. Com a realização de importantes eventos esportivos

aqui no Brasil, como a Copa do Mundo de 1950, a inauguração do Maracanã e a vitória

do Brasil em 1958, na Suécia, o preconceito contra os esportes foi diminuindo, mas só

no fim da década de 1960 os cadernos esportivos ganharam mais força como o Caderno

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de Esportes, de São Paulo, que originou o Jornal da Tarde – importante caderno

esportivo que influenciou a chegada de outros semelhantes.

De acordo com Barbeiro e Rangel (2006), a linguagem jornalística do esporte

nunca teve uma escola definida. No início das transmissões no rádio, em 1932, a

linguagem era de pura emoção sem uma preparação ou sem seguir regras previamente

estabelecidas. Com a evolução do futebol e sua expansão, a partir da década de 90,

passou a haver uma maior preocupação com o tratamento que deveria ser dispensado às

notícias esportivas. Segundo os autores, alguns veículos optaram por integrar o esporte

ao jornalismo e outros optaram por deixar o departamento de esporte separado, como

um departamento isolado, com regras próprias.

Como atesta Costa (2010, p.65), a imprensa esportiva é uma importante

“multiplicadora do jogo”, já que nela a informação ultrapassa as suas funções

tradicionais de informar ou explicar. Isso ocorre, pois grande parte das páginas

esportivas se configura como espaços onde a notícia se apresenta como entretenimento,

o que significa dizer que seu objetivo principal é divertir, atingindo os sentidos do

público.

Para Costa (2010, p.66), ao tratar de futebol – e principalmente quando envolve

a seleção brasileira

a imprensa costuma ficar longe da imparcialidade e objetividade, ideais

pelos quais, muitas vezes, afirma se pautar, como veremos mais adiante.

Nela é constante a incorporação de discursos típicos da esfera torcedora,

o que em parte se mostra justificável, pois seu principal público é

formado justamente por uma considerável parcela de torcedores.

A torcida também é um elemento de destaque nas narrativas da imprensa

esportiva, tanto no jornal impresso, como nos sites e nos programas de televisão. O

antropólogo Luis Henrique de Toledo já demonstrou que a reportagem esportiva no

Brasil apresenta uma característica que a diferencia de outros países no que diz respeito

“ à intensa cobertura dada à performance torcedora” (TOLEDO, apud COSTA, 2010,

p. 2), o que pode ser exemplificado, quando, em 2008, o clube carioca Vasco da Gama

foi rebaixado pela primeira vez e a maioria dos jornais destacou a imagem de um

torcedor que ameaçava se jogar da marquise em São Januário.

Aos poucos, o futebol ganhou personagens caricatos, divertidos, que promoviam

a identificação com o público leitor/consumidor dos jornais esportivos. O jornalista

percebeu que era necessário entreter e seduzir seu leitor através das suas emoções e da

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sua paixão pelo clube. Costa (2010), nesse sentido, fala em “folhetinização da notícia”,

desenvolvendo a tese de que as notícias esportivas apresentam narrativas com contornos

dramáticos, pois há uma ênfase no caráter dramático dos lances de uma partida, um

forte julgamento em relação aos bons e aos maus, ao que é certo e errado. Nos

programas de televisão, por exemplo, destacam-se as entrevistas emocionadas, à

comoção dos jogadores que choram, segundo os locutores esportivos “os que se

entregam em campo”.

Segundo Costa (2010), as Copas são ótimos exemplos para verificar como o

jornalismo pode se valer de estratégias narrativas próprias dos romances para

“folhetinizar” a informação e, portanto, emocionar o leitor. Traquina (2005) afirma que

se poderia dizer que o jornalismo esportivo é um conjunto narrativas sobre triunfos e

tragédias. Ainda de acordo com o autor, essas narrativas ecoam de narrativas antigas

que criaram figuras míticas que, se apresentadas sob a forma de arquétipos como heróis,

vilões e vítimas inocentes, se perpetuam. Essa definição de arquétipos ajuda a entender

o motivo pelo qual, na cobertura jornalística dos eventos esportivos, a história do jogo

ou da competição seja contada, em muitos casos, elegendo o goleiro como o “vilão”,

por ter – na linguagem do futebol – “frangado”, isto é, falhado em um lance e, por isso,

tomado gol ou um atacante como herói, por exemplo.

2.6 O conceito de infoentretenimento

O conceito de infoentretenimento vem sendo empregado para descrever o

jornalismo que incorpora divertimento à informação. De acordo com Padeiro (2013), é

um conceito que vem sendo usado em muitos países, não só na editoria de esportes mas

também na editoria de moda, comportamento, vida de celebridades, dentre outros, já

sendo considerado uma marca do jornalismo contemporâneo. Para Rangel (2010),

observa-se cada vez mais o declínio da notícia entendida como informação atual,

relevante e de interesse público. Por outro lado, ganha força a ideia de prestação de

serviços e de entretenimento. Conforme Rangel (2010, p. 3),

Na contemporaneidade, a informação deixa de significar a

representação simbólica dos fatos para se apresentar como produto

híbrido que se associa ora à publicidade, ora ao entretenimento, ora ao

consumo; mas muitas vezes deixando de cumprir a sua missão

primordial de informar

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Fonseca (2008, p. 57) ressalta que “a lógica capitalista dominante no negócio

jornalismo provoca mudanças nos critérios de noticiabilidade.” As notícias deixam de

seguir, estritamente, o caráter da relevância para se tornarem um produto mais atrativo

para o público. Os autores supracitados, todos da área do jornalismo esportivo,

ressaltam o crescimento do conceito de infoentretenimento dentro da editoria esportiva,

principalmente nos programas que são televisionados.

Segundo Gomes (2011), o infoentretenimento é, ao lado do telejornalismo

popular, a principal tendência da televisão brasileira neste início de século. Para a

autora, é no telejornalismo, por excelência, que ocorre a articulação entre as esferas da

informação e do entretenimento. Conforme a autora, como o esporte consiste em uma

manifestação cultural democrática e de livre acesso, por se destinar a todos os públicos

ao mesmo tempo, essa área do jornalismo conta com uma espécie de “licença poética”

para utilizar uma linguagem mais informal, que dialogue com o público e com bastante

senso de humor. A ideia é que as matérias, os programas e as transmissões dialoguem

cada vez mais com as expectativas do público, de modo que haja uma identificação e

uma maior interação com as coberturas esportivas.

Oselame (2012) afirma que, dentre os teóricos da área do jornalismo, o

reconhecimento de que o infoentretenimento é inevitável, sendo uma tendência da mídia

contemporânea e que sempre deve ser considerado à luz das transformações culturais de

nosso tempo, principalmente no telejornalismo.

Nas notícias esportivas, é possível perceber que há, de algum modo, uma

preocupação em tornar os textos emocionantes, dramáticos, principalmente na

caracterização dos jogadores, que pode ser atribuído a essa nova tendência do

jornalismo. A notícia esportiva, muitas vezes, revestida de valores que causam

adesão/apelo às emoções do público leitor, cria uma relação de empatia e identificação

a fim de garantir o consumo dos jornais.

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3. REFERENCIAÇÃO: PANORAMA TEÓRICO

De acordo com as investigações atuais dentro da LT, a referenciação se constitui

como uma atividade discursiva, uma vez que o texto é o próprio lugar da interação entre

sujeitos sociais, que compartilham todos os seus conhecimentos com a finalidade de

atingir as suas propostas comunicativas. São atribuídas à referenciação as funções de

introduzir novos referentes no texto, além de contribuir para a sua progressão temática –

atividades importantes para a construção de sentidos nos textos. (cf. CAVALCANTE,

2011).

Desse modo, a referenciação hoje ocupa um lugar importante dentro da LT e os

estudos sobre esse fenômeno, hoje, vão além do reconhecimento das cadeias e

mecanismos de referenciação dentro dos textos para atrelar esse conhecimento ao

estudo dos gêneros textuais. Esse tem sido um objeto de investigação muito importante,

já que permite a interrelação entre a leitura e as estratégias de referenciação. Como

dissemos acima, a leitura depende da nossa bagagem cultural, do nosso conhecimento

linguístico e do conhecimento sobre as coisas do mundo. Assim, identificar e

compreender as formas de referenciação empregadas é descobrir os sentidos do texto, a

sua orientação argumentativa e a intencionalidade do autor ao empregar tais formas.

Nesse sentido, como já mostramos em Morais (2012), a observação das cadeias

referenciais é uma pista importante para a construção de sentidos no texto. Além disso,

seu estudo se torna muito mais profícuo quando associado ao estudo dos gêneros.

A nomeação de referentes envolve uma reflexão sobre o próprio ato de nomear

seres ou entidades, sendo uma atividade ancorada em função do receptor, dos propósitos

comunicativos do texto e do gênero textual em questão. Portanto, é natural que a ação

de nomear aconteça de maneira instável, ou seja, os referentes não são nomeados e/ou

representados por palavras isoladas, pois não há uma ligação direta entre as palavras e

as coisas. Dentro dessa perspectiva, de acordo com Koch, Morato, Bentes (2005, p. 8)

não cabe mais usar o termo referência, mas sim referenciação, uma vez que

passam a ser objetos de análise as atividades de linguagem realizadas

por sujeitos históricos e sociais em interação, sujeitos que constroem

mundos textuais cujos objetos não espelham o mundo real, mas são, isto

sim, interativamente e discursivamente constituídos em meio a práticas

sociais, ou seja, são objetos de discurso.

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Rastier (1994, p. 19 apud MONDADA, 2005, p. 20) pondera que “a

referenciação não diz respeito à relação de representação a coisas ou estado de coisas,

mas a uma relação entre texto e a parte não linguística da prática na qual ele é produzido

e interpretado”. Para Koch (2005), a discursivização ou textualização do mundo através

da linguagem não faz referência a um simples processo de elaboração de informações,

mas a um processo de (re)construção do próprio real. Os objetos de discurso se

(re)constroem no próprio processo de interação: “a realidade é construída, mantida e

alterada não apenas pela forma como nomeamos o mundo, mas acima de tudo pela

forma como, sociocognitivamente, interagimos com ele” (KOCH, 2005, p. 34).

Defendemos o enfoque discursivo no processo de referenciação, uma vez que

esse processo é visto como uma atividade de construção de “objetos de discurso”, que

não se confundem com a realidade extralinguística, mas (re)constroem-na no processo

de interação. Desse modo, referir é, sobretudo, elaborar uma discursivização ou

textualização do mundo, a qual se funda em escolhas do sujeito em função de um

querer-dizer.

Segundo Koch e Elias (2008, p. 123), “eles (os referentes) são construídos e

reconstruídos, de acordo com nossa percepção”. Ou seja, não há uma perfeita

equivalência entre as palavras e as coisas. Ao serem reconstruídas no interior do

discurso, as entidades se tornam novos objetos de discurso, revestidos de nossas

crenças, atitudes e intenções comunicativas. Os objetos de discurso são “representações

semióticas (constantemente reformuláveis) e não entidades da realidade preexistentes à

interação”, por isso, devem ser analisados observando "a coconstrução de sentido"

(SANTOS e CAVALCANTE, 2014, p. 226). Isso equivale a dizer que os objetos de

discurso são dinâmicos e podem ser ativados ou reativados, dependendo dos propósitos

comunicativos do texto.

Para Mondada e Dubois (2005, p. 24):

A variação e a concorrência categorial emergem notadamente quando

uma cena é vista de diferentes perspectivas, que implicam diferentes

categorizações da situação, dos atores, dos fatos. A ‘mesma’ cena pode,

mais geralmente, ser tematizada diferentemente e pode evoluir – no

tempo discursivo e narrativo – focalizando diferentes partes ou

aspectos. O próprio entorno discursivo pode alterar a percepção do

objeto de discurso, sendo responsável também por sua identificação,

uma vez que, nas atividades discursivas, a instabilidade categorial

manifesta-se em todos os níveis da organização linguística, de forma

que a recategorização seja uma evolução natural do referente dentro do

discurso.

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É na prática social de linguagem que se constroem os referentes e construímos a

realidade a partir das estruturas linguísticas; assim, a instabilidade dos referentes é

inerente ao discurso. Por outro lado, a instabilidade na categorização, orientada pelo

contexto, não leva necessariamente a escolhas “caóticas ou desordenadas”

(MONDADA; DUBOIS, 2003, p. 40), visto que os sujeitos se valem de estruturas

cognitivas, arquivadas na memória, que lhes permitem dar estabilidade ao mundo.

Portanto, a escolha de determinadas categorias textuais está intimamente relacionada às

representações e papéis sociais, aos propósitos comunicativos dos enunciadores e ao

próprio sentido que se deseja atribuir ao texto, o que pode ser percebido na análise das

notícias esportivas.

De fato, é bastante complicado pensar a estabilidade/instabilidade dos referentes,

já que a própria natureza da atividade de nomeação aproxima os nomes da realidade e

não se pode descartar esse aspecto. Entretanto, é importante perceber que as categorias

usadas para descrever o mundo são plurais e passíveis de mudança porque não se trata

de uma rotulação real e objetiva, mas de conceber que a relação entre a linguagem e o

mundo é construída pelos falantes, podendo ser modificada a todo instante. O cérebro

humano não opera somente de forma a refletir exemplarmente a realidade, isto é, o

modo como dizemos o real é reelaborado dentro de nossas mentes e essa reestruturação

ocorre no discurso, não de forma individual e isolada, mas obedecendo a condições

culturais, sociais, históricas e linguísticas, conforme apontam Koch e Marcuschi (1998).

Sobre o processamento das expressões referenciais, destacamos a contribuição

de Ariel (1996, 2001), sobre a acessibilidade dos referentes. A teoria de Ariel procura

abarcar as relações entre as expressões referenciais e o estatuto da memória, ou seja, a

preocupação se resume em tentar explicar como as expressões referenciais podem ser

lembradas e como são marcadas para facilitar a acessibilidade. Ariel fala de fatores que

fazem variar a acessibilidade de um referente em determinado espaço do discurso como:

(i) topicalidade - quanto mais saliente um referente, mais acessível ele se torna; (ii)

distância - temporal ou espacial - segue o princípio de que quanto maior a distância,

menos acessível o referente; (iii) competição - a quantidade de referentes faz parte da

relação informacional, ou seja, as entidades que não têm candidatos concorrentes são

mais facilmente acessadas.

A autora enfatiza o aspecto cognitivo das expressões referenciais. Para Ariel, os

falantes, ao empregarem determinadas expressões referenciais, sugerem sinalizações

sobre o grau de acessibilidade que atribuem a esses referentes. Assim, de acordo com a

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autora, as expressões referenciais constituem apenas instruções ao destinatário de como

este deve recuperar da memória parte de uma determinada informação. Elas indicam

quão acessível está esse pedaço de informação no discurso. Além de exercerem essa

função de orientar o coenunciador, elas ainda contribuem para a identificação do

referente de outro modo: pelo próprio conteúdo informacional que comportam,

geralmente.

Como a instabilidade dos objetos é inerente aos processos de referenciação, é

natural que haja uma transformação desses objetos. Isto é, um objeto de discurso pode

ser renomeado e sofrer constantes alterações no ato enunciativo. Tal possibilidade opera

mudanças tanto nas formas linguísticas como nos processos cognitivos envolvidos na

construção/reconstrução desses referentes que pode apresentar significativas alterações.

Essa operação tem sido classificada pelos estudiosos em geral como um caso de

continuidade referencial, um subtipo das anáforas diretas, como será exposto mais

adiante. Essa possibilidade nos leva ao próximo assunto: a recategorização dos

referentes.

Segundo Koch (2005), as formas nominais, com função de categorização ou de

recategorização de referentes, são resultados de escolhas frente a uma diversidade de

formas de caracterizar o referente, de acordo com os sentidos pretendidos pelo produtor

do texto. Essas formas ativam conhecimentos partilhados, como informações culturais,

valores e crenças sobre características desses elementos, que podem levar o interlocutor

a reconstruir a imagem do objeto de discurso. Ainda de acordo com Koch (2005), a

recategorização dos referentes auxilia o receptor do texto na reconstrução de sentidos.

Observemos o exemplo de uma das notícias que compõem o corpus dessa pesquisa:

(L2) Vexame! Brasil sofre maior derrota da sua história e vê Alemanha chegar à final Seleção de Felipão perde por 7 a 1 para os germânicos e agora irá disputar o terceiro lugar do

torneio que sedia. Um capítulo que deixa até o drama de 50 mais apagado. (L2, anexo, p. 164)

A expressão sublinhada retoma o objeto de discurso Brasil, introduzido no título,

e acrescenta novas informações a esse objeto à medida que o texto progride. Além de

formar uma cadeia coesiva, traz para a situação discursiva outros sentidos,

complexificando o processo de interpretação, visto que outras significações são

acrescentadas ao texto. Essas transformações só são possíveis porque essas novas

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categorias se formam durante a enunciação. Tal estratégia não é usada ocasionalmente,

mas de forma proposital para fornecer ao co-enunciador outras informações.

Como afirma Cavalcante (2011), “são situações de anáfora correferencial em

que o mesmo referente vai sendo alterado em proporções variadas”. Koch (2005)

também alerta que, para interpretação mais adequada dessas recategorizações, são

necessários conhecimentos prévios, pois a reativação dos referentes se manifesta

acrescida de novas significações. No exemplo acima, retirado da partida entre Brasil e

Alemanha, a recategorização do objeto de discurso Brasil é construída com base em

conhecimentos enciclopédicos, como a informação sobre o nome do treinador da

seleção brasileira, por exemplo.

A respeito dessa característica dos elementos recategorizadores, Koch (2005)

afirma que o emprego dessas expressões nominais anafóricas opera a recategorização

dos objetos de discurso, reconstruindo-os de acordo com intenções comunicativas do

interlocutor. Acreditamos, portanto, que a recategorização é um processo textual que

revela as transformações de um referente, o que pode acarretar mudança de significação,

indicando a orientação argumentativa do texto. Nesse sentido, Custódio Filho e Silva

(2013, p. 63), apontam que “a recategorização anafórica está intimamente ligada ao teor

argumentativo do texto. As expressões recategorizadoras podem explicitar o

posicionamento do locutor”.

O enunciador constrói a referência a partir de uma interpretação do mundo real.

Desse modo, o enunciador vai recategorizando a informação anterior ao acrescentar

novas informações compartilhadas culturalmente. Segundo Santos e Cavalcante (2012,

p.660),

Por esse aporte de informação nova, o enunciador conduz o destinatário

(que coparticipa dessa construção, sendo, por isso, um coenunciador) a

uma reinterpretação ou refocalização do elemento referido. Pelas

estratégias de recategorização, a imagem do referente que o

coenunciador constrói em sua memória vai evoluindo à medida que se

desenvolve o discurso.

Desse modo, confirmando o pressuposto básico de que a referenciação é uma

atividade complexa, é importante não associar o fenômeno da recategorização somente

a uma relação formal entre antecedente e anafórico. A construção da coerência também

pode se pautar em outras estruturas linguísticas – predicações, adjetivos, imagens, por

exemplo -, comprovando, de fato, como as articulações textuais apontam para o projeto

de dizer. Nas palavras de Cavalcante (2011, p.90),

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[...] a recategorização é o fenômeno cognitivo-discursivo que

corresponde à evolução natural que todo referente sofre ao longo do

desenvolvimento do texto; ele se dá abstratamente, na mente dos

interlocutores, podendo ou não realizar-se no cotexto por meio de

termos anafóricos. Para essa evolução, concorrem não somente as

expressões referenciais que manifestam explicitamente as

transformações do objeto de discurso, mas também um conjunto de

pistas contextuais que, acionando informações sócio-historicamente

compartilhadas, ajudam os participantes da enunciação a (re)

construírem a referência.

Assim, toda essa articulação textual que envolve a evolução dos referentes pode

acontecer por meio de pistas contextuais que ativam o processo sociocognitivo que

acontece na mente dos interlocutores, valendo-se ou não de relações anafóricas. Nesse

sentido, Cavalcante (2011) postula que existam indícios no contexto que auxiliam na

construção da tessitura textual, fornecendo “trilhas” ou “âncoras” para a recuperação

dos referentes. Dentro desse mesmo entendimento, Cornish (2011) usa o termo

“antecedente trigger” (gatilho) para tratar dessa relação.

O entendimento adotado nesta Tese consiste na noção de que as âncoras textuais

são recursos que possibilitam a identificação da referência anafórica, seja em relações

remissivas, correferenciais ou não. Já as pistas textuais fazem parte de toda

materialidade textual que se articula dentro do texto, construindo, cognitivamente, os

sentidos, mas sem corresponder a uma expressão referencial, o que não quer dizer que

sejam menos importantes ou não auxiliem no entendimento de determinadas expressões

referenciais.

Cabe agora ressaltar que, para localizar informações na memória, o falante

utiliza estratégias por meio das quais é possível construir os objetos de discurso, mantê-

los ativados ou desfocalizados na plurilinearidade do texto. Por meio dessas estratégias,

os referentes instaurados no texto podem ser, em qualquer momento, expandidos ou

modificados. Desse modo, durante o processo de compreensão, a memória do

interlocutor vai criando uma representação complexa, que ocorre pela soma sucessiva

de categorizações, recategorizações e/ou novas avaliações sobre os referentes. Em um

texto, todas essas estratégias estão presentes, à medida que atuam instaurando novos

referentes, mantendo-os em foco ou até mesmo desativando esses referentes na

arquitetura textual, formando a memória discursiva dos interlocutores, permitindo que

novas informações sejam assimiladas sem causar estranhamento. São recursos que, ao

mesmo tempo, relacionam o léxico às operações cognitivas, confirmando o que afirma

Feltes (2007, p.89), sobre a (re)categorização, à luz dos modelos cognitivos, funcionar

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como “uma relação entre o aparato cognitivo humano e o mundo de estímulos da

realidade”.

Por fim, esclarecemos que a manutenção dos objetos de discurso pode ser feita

através de recursos como emprego de pronomes, elipses, advérbios, além de estratégias

de ordem lexical, como repetição, sinônimos, expressões metafóricas, entre outras.

Entretanto, neste trabalho, nosso foco será maior nas estratégias lexicais de manutenção

dos referentes – que ocorrem em larga escala no corpus – uma vez que, de acordo com

Santos e Cavalcante (2014, p.229),

as escolhas das estratégias referenciais não são aleatórias. Sobre elas

incide a intencionalidade, o gênero discursivo em questão, o suporte

onde o texto circula, a sequência textual predominante, além de outros

aspectos não apenas linguísticos, mas condicionados pelo caráter

sociocognitivo da linguagem e dos textos.

O fato de as escolhas das estratégias de referenciação não acontecerem de modo

aleatório é de fundamental importância para esta pesquisa, já que as diferenças

verificadas nesses recursos nas notícias dos dois jornais têm estreita relação com o

suporte, a esfera de circulação e a intencionalidade dos textos.

Passaremos agora a tratar da classificação dos processos referenciais que tem

norteado os estudos sobre assunto.

3.1 Classificação dos processos de referenciação

Há diferentes tipos de processos referenciais que ajudam os participantes da

interação a construírem os sentidos e a coerência dos textos que recebem ou produzem.

Koch e Marcuschi (1998) apresentaram as noções de referência e o conceito de anáfora,

retomados por Cavalcante (2011) aponta para duas possibilidades dos processos

referenciais:

(i) a introdução referencial, equivalente à ativação de novos referentes e;

(ii) a anáfora ou continuidade referencial, equivalente à reativação, dentro da

perspectiva do que se considera como processos atrelados à menção no cotexto. As

anáforas podem apontar para trás (remissões retrospectivas), ou para frente (remissões

prospectivas).

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Cavalcante, Custódio Filho e Brito (2014) apontam a introdução referencial, a

anáfora e a dêixis como as três categorias maiores de processos referenciais. Para os

autores, a introdução referencial acontece quando um referente é construído pela

primeira vez na mente do co-enunciador de um texto, sem ter sido manifestado,

textualmente, por meio de uma expressão referencial. A partir dessa introdução, todas as

demais expressões referenciais que guardarem alguma relação com tal referente podem

gerar diferentes processos de retomada anafórica.

Desse modo, os autores separam dois tipos de processo: as introduções e as

anáforas. As introduções são ocorrências novas, formalmente apresentadas no texto pela

primeira vez. Em contrapartida, as anáforas devem estar ancoradas em informações do

cotexto. Isto é, devem estar baseadas em algum elemento que possa servir de âncora

para as anáforas.

Sobre a questão da introdução de referentes, corroboramos com a proposta de

Colamarco (2014), para quem a introdução referencial não deve ser considerada um

processo oposto aos anafóricos e dêiticos por conta do critério de haver ou não uma

menção anterior no cotexto, já que os dois processos podem ser responsáveis por

introduzirem novos referentes. Soma-se a isso a possibilidade de as anáforas

prospectivas, por exemplo, anteciparem um referente para o discurso que só será

nominalizado adiante no texto. Colamarco, na análise de fábulas, mostra, inclusive,

como esses recursos desempenham efeitos de sentido articulados com o propósito

comunicativo do gênero, de modo semelhante ao que acontece nas notícias esportivas.

Assim, também adotamos a posição de Colamarco (2014), quando a autora

propõe uma divisão entre o que seria uma introdução do referente e a enunciação do

referente por acreditarmos que, mais do que uma simples questão de nomenclatura, tal

divisão esclarece esses conceitos, como explica Colamarco (2014, p. 71)

a introdução do referente pode coincidir ou não com a enunciação desse

referente no texto, isto é, com a primeira manifestação mais precisa e

significativa, no texto, do objeto de discurso. Compreendemos como

enunciação do referente sua primeira categorização no texto por meio

de uma expressão nominal. Ou seja, sempre que o referente é nomeado

pela primeira vez no texto por meio de um substantivo, seja ele comum

ou próprio, consideramos tratar-se da enunciação do referente

Desse modo, a enunciação do referente corresponde à formalização, no texto,

desse elemento por meio de uma expressão nominal. Em resumo, uma introdução

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referencial ou uma anáfora podem trazer novos referentes para o discurso; entretanto, a

enunciação do referente só ocorrerá se esse objeto de discurso, de fato, for expresso no

texto por meio de uma expressão nominal. Além disso, podemos ter anáforas que

antecipam seus referentes dentro do texto (anáforas prospectivas) ou anáforas que

promovem retomadas de elementos que já foram introduzidos no discurso, de modo

correferencial ou não.

Santos e Cavalcante (2012), por exemplo, analisando o conto “Dizem que os

cães veem coisas’, mostram a possibilidade de não haver uma enunciação do referente

em um texto, isto é, o referente pode ser introduzido no discurso e o interlocutor pode

depreender esse objeto de discurso por meio de pistas textuais sem que seja necessária a

nomeação desse referente no texto. Essa escolha vai depender da intencionalidade do

texto, sendo mais interessante, portanto, trabalhar com as pistas do que com a nomeação

propriamente dita do referente, tendo em vista os efeitos de sentido pretendidos. Desse

modo, a separação entre enunciação e introdução dos referentes mostra-se bastante

pertinente, já que, por meio dela, é possível esclarecer que a introdução referencial não

é um processo de referenciação em si, mas uma função que perpassa os processos

referenciais.

A relação entre anáforas e seus referentes pode ser concretizada de diferentes

maneiras, no que diz respeito à presença ou não de correferencialidade, conforme será

exposto a seguir.

3.2 Anáforas diretas e indiretas

De acordo com Cavalcante (2011), uma das formas de garantir a progressão

textual é o uso de anáforas diretas, isto é, aquelas que representam uma relação de

correferencialidade com alguma expressão cotextual. A relação de correferência

acontece quando duas expressões designam o mesmo referente no discurso. Conforme

aponta Schwarz (2007, p.5) “a relação referencial entre a anáfora e o seu antecedente é

baseada na correferência e a ligação entre essas expressões corresponde à

correferência1”. Alguns autores tendem a analisar a anáfora direta em termos mais

estruturais e entendem a correferência como uma relação de equivalência, como

1 The referencial relationship between anaphor and antecedent is based in coreference, and the

link between the expressions denoting coreference (tradução nossa)

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podemos ver em Perdicoyanni-Paléologou (2001, p. 57): “A anáfora contempla uma

relação estrutural (...) entre dois segmentos textuais, em que um é dependente do

outro”2.

A anáfora direta seria, portanto, o processo que constrói nos textos uma

retomada direta ou parcial de um mesmo objeto de discurso. Já a anáfora indireta não

pressupõe uma retomada do referente, ou seja, o elemento anafórico não

recupera/substitui um objeto de discurso, sendo necessário realizar inferências ativadas

por alguma âncora presente no cotexto. (cf. CAVALCANTE, 2011).

Desse modo, percebemos que a progressão referencial não se articula apenas por

meio de estratégias de correferencialidade, pois nem toda continuidade implica a

manutenção do mesmo referente. A continuidade anafórica também pode ocorrer pela

menção de expressões ligadas a âncoras linguísticas do cotexto, ou seja, uma referência

indireta que também é anafórica. Nesse caso, a progressão referencial ocorre por

associação e inferências articuladas pelos participantes da interação, configurando as

anáforas indiretas (não correferenciais). Segundo Koch (2002, p. 217), “trata-se de uma

estratégia endofórica de ativação de referentes novos e não de uma reativação de

referentes já conhecidos”. Porém, a introdução dos elementos novos é previsível,

recuperada pelo contexto, como podemos ver no exemplo abaixo:

(L4) Depois do bombardeio, Bélgica 2X1 Estados Unidos Anheuser – Busch, Duvel, Stella-Artois. Qual delas os belgas vão escolher para comemorar a

dramática vitória sobre os Estados Unidos? Ou tomarão todas?(...)

(L4, anexo, p. 170)

Os termos sublinhados – todos nomes de cervejas produzidas na Bélgica – não

correspondem, diretamente, ao nome Bélgica indicado no título do texto, mas se

relacionam a esse termo por meio de inferências e de conhecimentos culturalmente

compartilhados, o que torna possível sua interpretação. Esses nomes configuram-se,

portanto, como anáforas indiretas. Nesse texto, o sintagma nominal “os belgas”, em

negrito no exemplo, retoma diretamente o referente introduzido no título do texto, a

Bélgica, criando, assim, uma relação de correferencialidade – uma vez que se pode

estabelecer uma ligação concreta entre anáfora e antecedente – que não existe entre os

nomes da cerveja e o nome do país.

2 En résumé, l'anaphore est une relation structurelle, (...) entre deux segments textuels dont l'um

(anaphorisant) est dépendant de l'autre.

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Nos trabalhos e estudos sobre esses tipo de anáforas, há estudiosos que propõem

uma subdivisão das anáforas indiretas, tendo em vista o tipo de relação inferencial que

se estabelece. Cavalcante (2011), por exemplo, cita autores que propõem uma divisão

das anáforas indiretas em diferentes subtipos (associativas, inferenciais, meronímicas,

etc). Entretanto, a autora, seguindo Marcuschi (2003) e Koch (2005), não as subdivide,

tendo em vista que toda anáfora indireta se constrói por meio de uma diversificada

associação de ideias, não sendo produtivo, portanto, subclassificá-las. Nesta Tese,

concordamos com esta posição, também defendida por Apótheloz e Reichler-Béguelin

(1999), por acreditarmos que subdividir esse tipo de anáfora seria apenas encontrar

diferentes maneiras de nomear o mesmo fenômeno.

Em relação à subdivisão entre anáforas diretas e indiretas, destacamos os estudos

de Ciulla e Silva (2008) e Cavalcante (2011), os quais mostram que essa subdivisão não

abrange satisfatoriamente a complexidade do uso dessas anáforas. As autoras chamam

atenção sobre a definição de anáfora correferencial, como aquela que remete a um único

antecedente no cotexto, apontando como tal definição pode ser questionada, se levarmos

em consideração que há diversas pistas disponíveis para a elaboração da referência. Em

outras palavras, as autoras demonstram o comportamento semelhante entre esses dois

subtipos de anáforas, pois, em ambos os casos, há o apelo à memória discursiva e os

procedimentos de recuperação dos referentes podem englobar pistas no cotexto. De

modo mais específico, as autoras provam que, mesmo no caso das chamadas anáforas

diretas, pode não haver um antecedente expresso recuperado através de substituição de

termos, mas um referente reformulado através de informações inferenciais, assim como

ocorre nos casos tratados como anáforas indiretas. Ciulla e Silva (2008, p.52), afirma

que “nos dois casos [anáforas diretas e indiretas], o comportamento pode ser o de

amálgama cognitivo, tanto chamadas diretas como indiretas podem ser núcleos a partir

dos quais diversas referências podem ser feitas”. Observemos o exemplo abaixo:

(G2) O sonho do hexacampeonato se transformou na dor de uma derrota humilhante em apenas

seis minutos. Na maior vergonha brasileira na história das Copas, o Brasil foi atropelado pela

Alemanha no Mineirão: 7 a 1. A seleção treinada por Joachim Löw dominou a partida e deixou

evidente a sua superioridade entre os 23 e os 29 minutos do primeiro tempo, quando os quatro

gols marcados transformaram o tímido 1 a 0 no estridente placar de 5 a 0. No segundo tempo,

Schürlle marcou duas vezes e ampliou o vexame (...).

(G2, anexo, p. 166)

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A expressão sublinhada retoma o objeto de discurso “Alemanha”, ativando

conhecimentos diversos para sua interpretação, como o nome do técnico da seleção

alemã, e pistas textuais, como a informação de que tal seleção dominou a partida, por

exemplo. Desse modo, concordamos com a posição de Ciulla e Silva (2008), para quem

todo processo anafórico implica inferência e outros processos cognitivos realizados a

partir de diferentes graus de inferência e com diversas pistas concorrentes para

interpretação dos elementos referenciais. Em Morais (2012), na análise das notícias

esportivas do jornal Lance, foi demonstrado como as anáforas diretas recategorizadoras,

mesmo mantendo uma relação de correferência, exigiam, para sua interpretação, uma

série de conhecimentos compartilhados culturalmente, como podemos ver abaixo, em

uma notícia esportiva que narra a partida entre Flamengo e Olaria pelo Campeonato

Carioca, retirado de Morais (2012, p. 96):

(...)Thiago Neves e Ronaldinho começaram o segundo tempo com nota 10 no quesito harmonia.

O capitão recebeu do camisa 7 na cara do gol e fez 2 a 1, com categoria. Vanderlei Luxemburgo

mexeu na ala dos estrangeiros e trocou Botinelli por Fierro. Aos 25 minutos, o chileno recebeu

bom passe de Leonardo Moura e seu cruzamento encontrou Thiago Neves, que marcou por

cobertura.(...)”

(NÚCLEO DE FUTEBOL. Vitória libera o bonde pra curtir a folia. Jornal Marca. Rio

de Janeiro, 6 de mar. 2011. p.2)

As anáforas diretas sublinhadas não são interpretadas apenas pela presença de fontes

no texto, mas a partir dessas fontes, uma vez que, para saber quem é o capitão e quem é o

camisa 7, o leitor deve compartilhar dessas informações, sabendo que Ronaldinho utilizava

a braçadeira de capitão em campo e o meia Thiago Neves jogava com a camisa de número

7. A construção da referência não acontece somente por meio de uma relação de

equivalência entre termo anafórico e objeto de discurso, mas, em paralelo com o que

acontece com as anáforas indiretas, essa construção ocorre por meio de uma complexa

rede de inferências.

Como dissemos, os objetos de discurso podem sofrer transformações e

recategorizações ao longo do discurso, tendo por base processos inferenciais e o apelo à

memória cognitiva compartilhada pelos interlocutores. As anáforas, de qualquer

subtipo, promovem essa reformulação dos objetos de discurso, envolvendo tais

mecanismos inferenciais e o uso da memória sociocognitiva em diferentes graus, ou

seja, determinadas construções anafóricas podem apelar mais ou menos para a memória

compartilhada.

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Em Samaniego (2011), também encontramos considerações sobre o processo

anafórico, descrito sob a forma de uma relação assimétrica, isto é, a autora reconhece o

caráter relacional da anáfora e focaliza o aspecto discursivo desse recurso e não uma

ligação linear de substituição ou de igualdade entre os termos. A autora afirma que a

retomada dos objetos de discursos pelos antecedentes não deve ser tratada como uma

equação no discurso, pois uma anáfora, que envolve uma representação mental de um

referente, não está em relação de igualdade com seu antecedente textual. O ato da

retomada não configura uma relação de igualdade entre esses termos, uma vez que esses

elementos não podem ser mais textualmente equiparados. A relação de sentido que se

estabelece entre uma anáfora e um antecedente só faz sentido naquele contexto

sociocomunicativo situado, o que demonstra como a anáfora é um processo situado

discursivamente, sendo uma construção complexa que depende do acesso a diversas

bases do conhecimento para checagem de sentido. Nas notícias esportivas, muitas

anáforas só ganham significado naquele contexto discursivo, anáforas que envolvem,

por exemplo, posição do jogador ou a sua identificação com determinado clube são

muito instáveis, visto que o mundo do futebol é muito dinâmico. Desde 2015, por

exemplo, não se pode mais fazer referência ao jogador Fred como atacante do

Fluminense, já que ele, apesar de ídolo da torcida tricolor, não joga mais pelo clube.

As notícias esportivas, nesse sentido, constituem um gênero textual muito

produtivo para o estudo das anáforas, principalmente as diretas, não só pela grande

quantidade desse recurso nos textos, mas também pela possibilidade de avaliar a

instabilidade/estabilidade dos referentes na construção dos textos. Ao mesmo tempo em

que algumas referências são bastante estáveis – como apelido de jogadores, cores dos

clubes, por exemplo – outras são bastante instáveis, o que permite verificar a

negociação entre os interlocutores para a construção da referência e, em termos teóricos,

possibilita o entendimento de que as anáforas – sejam correferentes ou não – podem

depender mais ou menos de inferências.

Esse apelo às inferências e ao conhecimento compartilhado é definido pelos

propósitos e intencionalidades dos gêneros em que surgem. Portanto, reconhecer a

existência de uma relação de correferência não implica, necessariamente, um processo

mais simples de retomada pontual ou menos dependente do contexto sociocognitivo do

que um processo em que não haja correferência. Como processo dinâmico,

sociocognitivo e negociado pelos sujeitos – pressuposto básico sobre a referenciação –

seus processos anafóricos se cruzam e se misturam, não sendo interessante pensar em

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categorias estanques, mas pensar cada vez mais em processos que se integram e se

adaptam às necessidades comunicativas dos textos/discursos.

3.3. Os encapsuladores

O encapsulador é processo referencial que merece destaque. Esse processo de

referenciação pode ser definido como “um recurso coesivo pelo qual um sintagma

nominal funciona como síntese de uma porção do cotexto que pode possuir extensão

variada”, conforme descreve Conte (2003, p. 178).

Esse tipo de anáfora, além de apresentar um importante papel coesivo e

organizar os tópicos dentro do discurso, pode, a partir de informações já mencionadas

no texto, implementar um objeto quase novo para discurso, remetendo a informações

não explicitadas no cotexto, como pressupostos, subentendidos e outros conteúdos

presentes na memória discursiva dos participantes da interação. Desse modo, uma de

suas principais propriedades reside no fato de que seu referente não é claramente

delimitado no texto. Esse referente deve ser reconstruído pelo interlocutor, ou seja, a

anáfora encapsuladora não retoma, pontualmente, nenhum objeto de discurso, e sim se

vincula a informações contidas em porções de texto presentes no cotexto, como

podemos ver no exemplo (L5):

(L5) (...)Nenhum dos dois times foi melhor na Arena Corinthians e qualquer bola poderia

decidir o futuro dessas duas gigantes. Robben, lembrando a final de 2010 diante da Espanha,

teve essa bola aos 45 minutos do segundo tempo. Foi travado por Mascherano, um monstro. O astro holandês jogou pro alto a chance de fazer história. E permitiu aos argentinos

escrevê-la.(...) (L5, anexo, p. 173).

O encapsulamento (“a chance de fazer história”) ajuda a construir uma

expectativa no leitor sobre as jogadas e contribui para conferir emoção ao texto

esportivo, como é característica desse gênero. Esse encapsulamento, além de remeter ao

conteúdo anterior, retomando que o gol no final do jogo garantiria a vaga na semifinal,

faz referência também a conhecimentos cognitivos sobre a seleção holandesa que,

embora seja considerada uma grande seleção, nunca ganhou uma Copa do Mundo. Esse

tipo de elaboração referencial pode atribuir uma hierarquia nos argumentos listados em

um texto e até mesmo funcionar como um elemento de avaliação por parte do autor,

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pois, ao sumarizar uma parte do texto, ele pode destacar ou enfatizar alguma parte desse

conteúdo, como atesta Koch (2005). No caso acima, a expressão “a chance de fazer

história” ressalta a relevância desse lance dentro do jogo, pois poderia significar a

vitória e, mais ainda, a importância dessa possível vitória para a história da seleção

holandesa.

Esse tipo de processo referencial, por sua capacidade de retomar um referente

não expresso, mas difundido no contexto, expresso de modo esparso, pode apresentar

um alto teor argumentativo. Isso ocorre porque, no ato da nomeação, podem ser

empregados rótulos com grande carga avaliativa. Dessa forma, a anáfora encapsuladora

pode exercer uma função argumentativa decisiva para uma tomada de ponto de vista do

texto, estabelecendo uma nova cadeia referencial a partir desse momento.

Pecorari (2014, p. 22) chama atenção para a propriedade dos encapsuladores de

carregar valores pressupostos que podem tanto trazer para os textos julgamentos como

também podem corroborar para enfatizar valores sociais da esfera do senso comum.

Segundo o autor, que analisou notícias de jornais italianos, os encapsuladores podem

cumprir o papel, dentro da linguagem do jornal, de compartilhar ideias que fazem parte

do senso comum de determinada comunidade:

o uso de um encapsulador axiologicamente marcado não implica

necessariamente que os efeitos persuasivos estão em jogo. Pelo

contrário, um dos casos mais comuns de AE avaliativa em linguagem

jornalística dizem respeito a eventos cuja avaliação é perfeitamente

simples e compartilhada entre escritor e leitor.3

O autor mostra que o encapsulador tem um efeito persuasivo sobre o leitor que,

por estar em uma posição cooperativa, acaba sendo levado a aceitar o caminho

argumentativo proposto pelo encapsulador. Por outro lado, o autor também aponta que,

em alguns encapsulamentos, mesmo aqueles com nomes avaliativos, nem sempre

carregam valores persuasivos, podendo confirmar avaliações e julgamentos

compartilhados entre os interlocutores e, muitas vezes, as notícias se valem desse

recurso para veicular uma aparente neutralidade.

3The use of an axiologically marked encapsulator does not imply necessarily that persuasive

effects are at stake. On the contrary, one of the most common cases of evaluative AE in

journalistic language concerns events whose evaluation is perfectly plain and shared between

writer and reader. (tradução nossa)

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Há exemplos em que um encapsulador pode retomar encerrando determinado

ponto de vista que foi difundido ao longo de, concluindo, assim, o projeto de dizer do

texto. Desse modo, esse recurso pode apresentar um valor argumentativo maior – ou de

maior alcance – do que uma anáfora recategorizadora, por exemplo. O levantamento

dessas características e propriedades demonstra que as anáforas encapsuladoras se

comportam de maneira híbrida. Cabe destacar, sobre o estatuto dessas anáforas dentro

da teoria, as palavras de Cavalcante (2011, p. 73):

A diferença crucial entre estes encapsuladores e os anafóricos indiretos

propriamente ditos, (...) é que resumem, “encapsulam”, conteúdos

proposicionais inteiros, precedentes e/ou consequentes. Além disso, os

encapsuladores não remeteriam a âncoras bem pontuais, bem

específicas, do cotexto, mas a informações ali dispersas.

Percebemos, então, que, para Cavalcante (2011), as anáforas encapsuladoras

funcionam como um subtipo dos anafóricos indiretos, já que não é possível delimitar

uma noção clara de correferência entre o elemento anafórico e as partes do cotexto por

ele resumidas. Entretanto, há autores com outro entendimento sobre o estatuto dessas

anáforas. Segundo Borreguero (2006, p.77), as anáforas encapsuladoras apresentam um

correferente no texto, não apresentando um novo referente no discurso:

o sintagma nominal não introduz, estritamente falando, nenhum

referente novo no texto e, portanto, deve ser considerado um elemento

informativamente dado (...) como veremos, não é, em geral, um

elemento informativamente neutro. O núcleo do sintagma bem como os

modificadores que o acompanham possuem uma intenção comunicativa

muito precisa.4

Para a autora, as anáforas encapsuladoras são anáforas diretas, pois, ainda que

não se possa indicar um único item como antecedente, é possível recuperá-lo dentro do

texto. De acordo com a autora, os encapsuladores não fazem referência a um único

elemento linguístico, mas a uma parte do texto que pode conter uma oração ou até

mesmo um parágrafo.

4 El sintagma nominal no introduce, estrictamente hablando, ningún referente nuevo en el texto

y, por tanto, debe considerarse un elemento informativamente dado; sin embargo, como

veremos a continuación, no es por lo general un elemento informativamente neutro: en general,

bien el núcleo del sintagma, bien los modificadores que lo acompañan responden a una precisa

intención comunicativa. (tradução nossa)

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Conte (2003) já afirmava que as anáforas encapsuladoras misturam

características das anáforas diretas e indiretas. Santos e Cavalcante (2014) também

afirmam que tais anáforas parecem comportar-se como um item intermediário entre

anáforas diretas e indiretas, uma vez que, ainda que se apoiem em informações dadas,

podem introduzir um novo referente. No que se refere à relação de correferencialidade,

entretanto, é possível notar um grau de correferencialidade entre a parte do texto

sintetizada e o encapsulador, o que o aproximaria de uma anáfora direta. Nesse sentido,

para Borreguero (2006), prevalecerá a questão da correferencialidade e o encapsulador

será definido como uma anáfora direta. Para a autora, há uma relação anafórica entre o

sintagma e os elementos textuais antecedentes, que contribuem para homologar a

significação dos objetos de discurso, como se fosse uma continuidade de um discurso já

existente. Entretanto, não são discutidos exemplos em que o encapsulador seja

prospectivo.

Cavalcante, Custódio Filho e Brito (2014) também compartilham dessa

abordagem sobre os encapsuladores. Os autores argumentam que o referente fica

representado na mente dos interlocutores e isso é um indício de que esse processo pode

ser tratado como um subtipo de anáfora correferencial, ainda que seja um pouco fora do

padrão de uma anáfora direta. Cavalcante, Custódio Filho e Brito (2014, p.80) ainda

defendem que, se entendemos o referente como uma entidade representada

sociocognitivamente e abstraída do contexto de enunciação, é plausível admitir que, ao

ser nomeado, o referente já existia no texto, nas palavras dos autores:

(...) mesmo sem ser citado antes da expressão encapsuladora, o referente

fica representado na mente dos interlocutores, e é esta a razão pela qual

preferimos tratá-lo como um subtipo de anáfora correferencial, ainda

que diferente ou fora dos padrões.

Para os autores, a questão da retomada a um referente já introduzido no discurso

e presente na mente dos interlocutores leva à correferencialidade, que se sobrepõe às

demais características do encapsulador, sendo o fator preponderante para a classificação

desse processo.

No exemplo (L5), “a chance de fazer história” é um encapsulador que, para

construção dos sentidos e para compreender a relevância dessa informação para o texto,

depende de conhecimentos compartilhados que não podem ser depreendidos do cotexto.

Nesse exemplo, poderíamos até estabelecer uma correferencialidade entre o

encapsulador e o que seria a porção de texto que o precede; porém, essa relação não

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59

seria suficiente para abarcar os sentidos que emergem dessa expressão referencial. Além

disso, esse encapsulamento instaura um novo referente no texto que, inclusive, é

retomado mais adiante por uma anáfora direta pronominal, como pode ser visto no

excerto: “O astro holandês jogou pro alto a chance de fazer história. E permitiu aos

argentinos escrevê-la.”

Essas nuances no comportamento do encapsulador nos levam a corroborar o que

apontam Santos e Cavalcante (2014) para quem as anáforas encapsuladoras devem ser

entendidas em um continuum entre as anáforas diretas e indiretas, como tentamos

representar no esquema abaixo:

(Fig.2 Relação entre os processos anafóricos e a correferencialidade)

Desse modo, como alguns encapsuladores apresentam correferencialidade de

maneira mais clara, ao passo que outros demonstram um comportamento mais

prototípico de uma anáfora indireta, assumimos que não estamos diante de fenômenos

isolados, mas que se cruzam e se misturam, tendo em vista uma perspectiva

sociocognitiva e interacional.

3.4 A dêixis dentro de uma perspectiva sociointeracional

Tradicionalmente, os estudos sobre a dêixis, em comparação com as anáforas,

trazem a ideia de que esse fenômeno daria conta de processos coesivos “fora do texto”,

enquanto as anáforas seriam os processos que ocorrem “dentro do texto”. Segundo

Lyons (1977), a dêixis era estudada tendo em vista as relações que envolvem pessoa,

lugar e tempo com base na perspectiva do falante. Convém ressaltar que, nesse

momento das pesquisas, a noção de texto ainda correspondia à visão de texto como um

“produto”, que continha em si todas as informações necessárias para sua interpretação.

Desse modo, os processos coesivos podiam ser claramente separados em dentro e fora

do texto.

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Segundo Buhler (1982), a marcação do campo dêitico sustenta-se em um sistema

de orientação subjetiva em que algumas expressões se referem a um campo dêitico na

linguagem. Esse campo dêitico contém marcações referentes ao lugar, ao espaço e ao

tempo – uso de pronomes demonstrativos, advérbios, por exemplo – delimitados pela

perspectiva do falante, a origo. Os estudos desse autor caracterizam a dêixis como um

fenômeno linguístico, demonstrando o papel central desse fenômeno na linguagem

verbal. O autor atribui à dêixis a um campo mostrativo da linguagem em que o falante

seria o eixo norteador desse campo. Nessa concepção, está presente a noção de

enunciação como entorno comunicativo, inspirada em Benveniste (1988).

Fillmore (1984, p.61) define a dêixis tendo em vista o contexto da enunciação,

mostrando que a interpretação dos eixos dêiticos está atrelada ao momento da

enunciação:

Dêixis é o nome dado a propriedades formais de enunciados que são

determinadas por certos aspectos do ato de comunicação em que as declarações em questão podem desempenhar um papel e que são

interpretadas pelo conhecimento. Essas declarações incluem (1) a

identidade dos interlocutores em uma situação de comunicação,

denominada pelo termo dêixis de pessoa; (2) o lugar ou lugares em que

esses indivíduos estão localizados, para o qual temos o tempo dêixis de

lugar; (3) o tempo em que o ato de comunicação toma lugar(...).

As marcas dêiticas funcionariam, então, como um sistema de coordenadas para

auxiliar a situar a perspectiva do falante no momento da enunciação. Tais marcas são

gatilhos que acionam um sistema de orientação que permite aos participantes do ato de

comunicação interrelacionar referências dêiticas de pessoa, tempo e espaço, criado

dentro do próprio enunciado. Um determinado elemento só pode ser considerado dêitico

se for possível tomar como ponto de origem quem é o falante e onde ele se localiza no

tempo/espaço de sua fala no contexto. Um enunciado como “eu preciso que você vá a

minha casa agora”, por exemplo, exige, para sua compreensão, que o coenunciador

conheça a informação sobre quem é o falante e sua localização no espaço e no tempo,

assim, os pronomes e o advérbio presentes podem ser considerados expressões dêiticas.

Desse modo, diferentemente do que acontece com os processos anafóricos, os dêiticos

podem ser definidos por sua capacidade de criar uma relação entre o cotexto e a

situação comunicativa em que se encontram os participantes da enunciação. Conforme

observado por Lahud (1979, p. 67), “o conhecimento das circunstâncias que

acompanham as palavras torna-se uma condição necessária para exata compreensão do

pensamento expresso por um enunciado que contém dêiticos”.

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Para Fiorin (1996, p. 56), os dêiticos são interpretados com referência à situação

enunciativa, pressuposta ou explicitada no texto pelo narrador; já os elementos

anafóricos “são compreendidos em função de marcas temporais e espaciais instaladas

no enunciado e de actantes do enunciado anteriormente mencionados”. Essas definições

de dêixis convergem para o fato de que se trata de um fenômeno que só ocorre na

enunciação e diz respeito ao funcionamento da língua no momento da enunciação.

3.4.1 A dêixis temporal e espacial

Os dêiticos temporais e espaciais são também indicadores de ostensão (cf.

CAVALCANTE, CUSTODIO FILHO e BRITO, 2014), porque apontam para um lugar

e fixam uma fronteira de tempo e no espaço que toma por referência o posicionamento

do “eu” no momento da enunciação.

Uma expressão temporal não vai constituir um exemplo de dêixis temporal se

não tomar como referência o momento em que se encontra o locutor. De modo

semelhante, os dêiticos espaciais marcam as noções de proximidade/distância do locutor

em relação a um dado referente. Tais mecanismos apontam para um lugar situado e

relacionado com quem produz o enunciado. Do mesmo modo que ocorre na dêixis

temporal, nem todas as expressões que denotam lugar serão necessariamente dêiticos de

espaço. Assim, só será considerada dêitica a expressão que, para identificar o referente,

necessite do falante como ponto de origem.

Santos e Cavalcante (2014, p.231) apresentam um exemplo em que ocorrem as

categorias de tempo e espaço, porém, a relação com o centro dêitico não parece ser a

mesma nos dois casos: “Nossa acredita, até hoje eu não consigo mais ficar aqui no

orkut, fiquei muito mal mesmo por terem excluído meu perfil... eu tinha muitas coisas

escritas [...]”. Nesse exemplo, a expressão até hoje (e também o pronome “eu’) está

diretamente ligada ao sujeito enunciador, pois, sem esse conhecimento, não podemos

precisar o limite temporal estabelecido. No entanto, o advérbio “aqui” pode ser

relacionado à expressão “no Orkut”, tomado como um lugar, dependendo menos,

portanto, do enunciador para sua interpretação.

3.4.2 A dêixis pessoal (e social)

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Ao pensar na dêixis pessoal, logo lembramos dos pronomes pessoais, que

representam uma categoria prototípica da dêixis de pessoa. Os pronomes “eu/tu/você”

estariam relacionados à noção de pessoa, e pronomes de terceira pessoa estariam ligados

a um uso anafórico, ou seja, a não-pessoa, delimitando, portanto, uma categoria de

pronomes dêiticos e outra de pronomes anafóricos.

Estudos que mostram o valor dêitico dos pronomes são recorrentes; no entanto,

poucos trabalhos chamam atenção para a dimensão discursiva e, por vezes, ideológica

do emprego do dêixis pessoal. De acordo com Maalej (2013, p.639), em seu estudo

sobre o uso dos pronomes Eu/Nós/Vocês em discursos de Osni Mubarak, ainda

enquanto ocupava a presidência do Egito, os dêiticos de pessoa devem ser analisados

conforme suas dimensões discursivas e ideológicas, pois, além do uso discursivo, os

pronomes têm demonstrado “uma importante dimensão ideológica”:

Enquanto o usuário do "eu" está ancorado no discurso como

egocêntrico e egocêntrico, "nós" constrói duas relações sociais

diferentes. Pennycook (1994: 175) argumenta que "nós" é sempre

simultaneamente inclusivo e exclusivo, um pronome de solidariedade e

de rejeição, de inclusão e exclusão. Por um lado, define um "nós" e, por

outro, define um "você" ou um "eles5

Desse modo, os pronomes pessoais, além de anunciar o enunciador, podem

funcionar como uma forma de construir o outro. Portanto, o “eu”/“você”, nós/”eles”

devem sempre ser entendidos com referência a outros pressupostos sobre quem está

sendo definido como o "nós" do qual o "você" e o "eles" diferem.

Cabral e Santos (2016), abordando as estratégias argumentativas presentes na

carta testamento de Getúlio Vargas, também demonstram como se constitui a imagem

do “eu”, numa relação intersubjetiva com “o povo”, a quem se dirige, e marcando o

confronto com seus opositores, de quem se distancia. As autoras mostram que, na carta

testamento, os dêiticos de pessoa também parecem demonstrar muito mais que os

participantes do jogo discursivo, denotando jogos de força, que marcam a disputa pelo

poder. Esses recursos marcam o posicionamento do autor da carta diante dos demais

5While the user of “I” is anchored in discourse as egocentric and self-centered, “WE” constructs

two different social relations. Pennycook (1994: 175) argues that “‘we’ is always

simultaneously inclusive and exclusive, a pronoun of solidarity and of rejection, of inclusion

and exclusion. On the one hand it defines a ‘we’, and on the other it defines a ‘you’ or a

‘they.’(tradução nossa)

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interlocutores – ora incluindo-os ora excluindo-os – e se projetando como um mártir da

pátria. Cabral e Santos concluem que os mecanismos dêiticos de pessoa constituem

marcas de subjetividade e podem apresentar um caráter persuasivo, contribuindo, assim,

para a argumentatividade do texto.

De acordo com Fillmore (1984), os dêiticos sociais são uma espécie de

particularização dos pessoais e se diferenciam destes por revelarem relacionamentos

sociais que perpassam os participantes da conversação, e podem definir escolha de

formas íntimas ou polidas para tratamento, como o uso das formas “você” ou “senhor”,

por exemplo, em que é perceptível uma diferença de tratamento social.

Assim, a dêixis social consiste no emprego de formas que representam relações

sociais estabelecidos no ato da conversação. São expressões que têm em vista contextos

de maior ou menor formalidade, polidez e até mesmo intimidade, bem como propósitos

comunicativos do contexto de comunicação. Alguns exemplos desses casos de dêixis

podem ser observados no emprego dos pronomes de tratamento, como no francês

“tu/vous”, ou em português no emprego das formas “senhor/você” em que a escolha de

determinada forma acarreta maior ou menor intimidade entre os interlocutores.

Alguns linguistas como Fonseca (1992), assim como Santos e Cavalcante

(2014), entretanto, acreditam que a dêixis social deve ser entendida como um subtipo da

dêixis de pessoa, posição com a qual concordamos, pois a autora mostra que o uso de

tais formas pessoais está atrelado aos propósitos comunicativos da situação enunciativa

em questão. Desse modo, a autora privilegia o papel discursivo que a escolha dessas

formas traz para os textos.

3.4.3 A dêixis “impura”: memorial e textual

Além dos casos tradicionais de dêixis, a “dêixis pura” (LYONS, 1977), há

também outros casos de dêixis, como a dêixis social, a dêixis de memória e a dêixis

textual. De acordo com Lyons, esses outros casos seriam casos de dêixis “impura”, já

que estariam fora das relações tradicionalmente reconhecidas como dêiticas.

Apothéloz (1995) chama de dêitico de memória um tipo de dêixis que tem por

objetivo fornecer indícios ao coenunciador de que ele deve buscar o objeto aludido em

conhecimentos que os participantes da comunicação compartilham. Assim, a dêixis de

memória, de acordo com Cavalcante, Custódio Filho, Brito (2014), convoca o leitor a

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procurar na memória discursiva que o texto recria um objeto de discurso que é evidente

para o enunciador como se já tivesse sido mencionado no contexto.

Os autores afirmam ainda que a presença de demonstrativos é fundamental nesse

processo, analisando um exemplo retirado da rede social Facebook: “E aquela hora que

vc pensa em comer algo e descobre: só terá comida se vc fizer...ahaaahaaaaa...” (cf.

CAVALCANTE, CUSTÓDIO FILHO, BRITO, 2014, p, 96). A expressão sublinhada

convida o leitor a investigar o momento apontado no texto, levando o destinatário a ter a

impressão de que essa informação é perfeitamente acessível na memória discursiva.

Já a dêixis textual, de acordo com Cavalcante (2011), consiste nas orientações

presentes dentro do cotexto que indicam/apontam para posições dentro do texto, tendo

como origem a enunciação e a organização das palavras. Expressões como “as palavras

acima” ou “no capítulo anterior”, por exemplo, desempenham uma função de

organizadores textuais. Nesses casos, o procedimento dêitico seria o de fazer o leitor

focalizar o espaço dêitico que seria o texto.

Em relação à definição de dêixis textual, vale salientar que Marcuschi (2003), e

Cavalcante (2011) retomam Fillmore (1984) e Ehlich (1982). Fillmore afirma que esse

tipo de dêixis se refere a uma porção do discurso em andamento; já Ehlich destaca o

fato de a dêixis orientar o foco de observação e atenção do leitor, mesmo apontando

para algo não pontualmente identificável.

Sobre a dêixis textual, Santos e Cavalcante (2014, p.232) comentam alguns

exemplos, listados abaixo em a, b e c, questionando o fato de, tradicionalmente, serem

classificados como dêixis textual:

(a) X says) - I've never ever seen him. (Y answers) - That's a lie. (X diz - Eu nunca o tinha visto

antes / e Y responde - Isso é uma mentira.)

(b) Além de não fazer mal algum, muitos insetos podem ser tão nutritivos – e saborosos –

quanto vários outros bichos que colocamos no prato todos os dias. “O nojo que nós, ocidentais

urbanos, temos por esses seres é puramente cultural”, diz Bill Yosses, chef do badalado

restaurante nova-iorquino Citarella.

(c) Os desenhos que ilustram esta reportagem fazem parte do conjunto de 31 imagens

selecionadas por Graça Pizá para ilustrar o que batizou de "vocabulário ilustrado dos afetos

emparedados" – uma síntese dos sentimentos mais frequentemente expostos por seus pequenos

clientes.

Para as autoras, apenas (c) pode ser considerado dêixis textual, já os outros

exemplos (a e b) são, respectivamente, anáfora encapsuladora e anáfora direta. Esse

entrelaçamento entre dêiticos textuais e anáforas encapsuladoras acontece também por

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haver uma tendência nos estudos mais tradicionais a restringir o estudo da dêixis ao

estudo do uso dos demonstrativos ou, pelo menos, a valorizar a presença desse

demonstrativo como um indicador de coordenada dêitica, o que fez com que casos como

o do exemplo (a) fossem colocados no rol da dêixis textual e não do encapsulamento

anafórico. Outro fator que dificulta a classificação é que os encapsuladores e a dêixis

textual sumarizam um elemento dentro do próprio texto e a informação referida por

esses dêiticos nem sempre está expressa de maneira pontual, mas diluída no discurso,

assim como pode acontecer no encapsulamento anafórico.

Cornish (2011), ao analisar o pronome “celui-ci”, do francês, fala em um

pronome de uso “anafórico-dêitico”, que seria usado para focalizar um tópico e para

chamar a atenção do destinatário para objetos de discurso que se encontram salientes no

discurso. No exemplo abaixo (L5), há o emprego do pronome demonstrativo, que,

conforme apontado por Cornish, parece reforçar ou destacar a informação em questão.

(L5) (...)Nenhum dos dois times foi melhor na Arena Corinthians e qualquer bola poderia

decidir o futuro dessas duas gigantes. Robben, lembrando a final de 2010 diante da Espanha,

teve essa bola aos 45 minutos do segundo tempo. Foi travado por Mascherano, um monstro. (L5, anexo, p. 173)

O sintagma sublinhado acima, para autores como Lyons e Elich, por exemplo,

seria classificado como uma dêixis textual. No entanto, parece mais um caso de anáfora

direta; o que pode dificultar a classificação é o uso do pronome demonstrativo, que

focaliza e especifica a informação de que bola seria essa: uma bola que representou uma

jogada que poderia definir a partida.

Álvarez e Di Pierro (2016), em seu estudo sobre dêiticos discursivos,

demonstram a importância dos demonstrativos na construção do discurso,

principalmente do discurso oral. Ainda que não seja o foco dos autores problematizar a

classificação dessas expressões, a contribuição de seu trabalho está em mostrar como

essas formas orientam e organizam o discurso, contribuindo para a organização textual e

discursiva. Podemos verificar que, apesar de diferentes classificações sobre o fenômeno,

a peculiaridade do demonstrativo é tópico frequente nos trabalhos citados.

Cavalcante, Custódio Filho e Brito (2014), ao tratarem de exemplos de dêixis

textual, discorrem sobre alguns casos em que se tratam de anáforas diretas, por

retomarem pontualmente um referente introduzido anteriormente, afirmando que,

mesmo nesses casos, também pode-se dizer que há dêixis textual pela característica

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metadiscursiva de chamar a atenção do interlocutor para lugares do cotexto, em usos

como o citado anteriormente em (L5). Para os autores, portanto, os processos podem se

sobrepor.

Retomando a diferenciação entre anáfora e dêixis, Santos e Cavalcante (2014),

postulam que a característica peculiar às anáforas, que permite sua distinção em relação

à dêixis propriamente dita, é justamente o fato de elas virem sempre associadas a uma

âncora do cotexto que lhe serve de gatilho, permitindo, ainda, o encadeamento e a

continuidade da referência. Ainda segundo as autoras, os casos de "dêixis impura", ou

seja, a dêixis de memória, social e a textual, devem ser considerados como casos

híbridos entre anáfora e dêixis, não devendo ser enquadrados em uma única categoria

apenas, o que nos parece bastante coerente em termos de uma teoria mais simplificada.

De toda forma, objetivamos aqui trabalhar com uma concepção sociodiscursiva

da dêixis, em que tal fenômeno seja definido como um processo que requer o

conhecimento de algumas coordenadas relacionadas ao contexto espaço-temporal, aos

interlocutores e também aos conhecimentos compartilhados sociocognitivamente. Dessa

forma, a relevância dos estudos deve recair sobre os sentidos e as diferenças que esses

usos anafórico/dêiticos acarretam nos textos.

Há alguns motivos importantes para investigar as relações entre anáfora e dêixis,

principalmente, o fato de que muitos termos podem ter, ao mesmo tempo, um uso

anafórico e um uso dêitico. Segundo Reichler-Béguelin (1988), a principal diferença

entre esses dois processos referenciais se concentra em como a memória discursiva é

alimentada, e não como a informação é recuperada: referência dêitica e referência

anafórica serão descritas como um lembrete das informações contidas no conhecimento

compartilhado, nas representações mentais de parceiros da interlocução. A diferença

está no nível do modo de validação dessas informações: na anáfora ou referência

contextual, a informação é validada porque é um objeto de discurso no texto; na dêixis,

ele é validado porque é o objeto de uma percepção concomitante à enunciação. No

entanto, é importante retomar que, nesta Tese, entendemos que todos os processos de

referenciação dependem em maior ou menor grau de conhecimentos compartilhados.

Como vimos anteriormente, alguns casos de dêixis textual comportam-se de

modo semelhante às anáforas encapsuladoras. Em geral, a presença do demonstrativo

dificulta a classificação por conta do traço dêitico que ele atribui às expressões em que

aparece. Ainda que essas expressões façam referência a um elemento presente,

concretamente, no cotexto, a presença do demonstrativo contribui para apontar, manter

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o foco de atenção do interlocutor àquele ponto do discurso. Por esse motivo, muitos

autores, como Cornish (2007), por exemplo, tratam esse comportamento entre dêiticos e

anafóricos como híbrido.

Os estudos sobre as relações anafóricas com demonstrativos dêiticos e a dêixis

têm cada vez mais apontado para o entrelaçamento desses conceitos e para tênue

separação que há entre eles. De todo modo, em se tratando dos processos referenciais,

cumpre sempre destacar a importância dos dados do entorno sociocultural e situacional

dos enunciadores, não só a importância das fontes presentes no texto, mas a forma como

todos esses critérios vão auxiliar na representação mental do objeto de discurso. O

processamento das relações requer uma complexa ativação de processos cognitivos que

mobilizam conhecimentos na memória discursiva dos participantes da interação. Todo

esse entrelaçamento de elos referenciais não se coaduna somente com o que está

explícito no cotexto, mas também com o que está na memória discursiva e que é ativado

por meio de inferências.

Nesse sentido, Santos e Cavalcante (2014) insistem na utilização de um traço

cotextual como um diferencial das relações anafóricas. Concordamos, portanto, com

Santos e Cavalcante (2014, p. 238), quando as autoras reconhecem que a presença de

uma âncora no cotexto é pressuposto importante de uma relação anafórica:

é a âncora que permite o encadeamento, a continuidade da referência; é

ela que dá a uma expressão referencial o estatuto de anafórica; é para

ela que se volta a atenção conjunta dos enunciadores ao buscarem no

cotexto o outro fio da meada.

No entanto, cabe ressaltar que essa âncora não deve ser pensada em termos de

uma correferencialidade explícita, pois já vimos no exame das anáforas encapsuladoras,

por exemplo, que a correferencialidade pode não se referir a um item pontual no

cotexto. Além disso, em alguns casos, para identificação dessa âncora no cotexto, o

fator decisivo pode ser a bagagem sociocognitiva compartilhada entre os parceiros da

enunciação, como demonstrado no exame de determinados casos de anáforas diretas

analisados em Morais (2012). Em resumo, a relação âncora/anáfora não pode ser vista

como uma relação de equivalência ou substituição entre termos no cotexto.

Ainda de acordo com Santos e Cavalcante (2014), no atual patamar em que se

encontram os estudos sobre referenciação, é importante repensar os processos de

referenciação tendo em vista a dinamicidade e a fluidez entre eles. Nas palavras das

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autoras, “com o passar dos anos e o desenvolvimento dos estudos sobre referenciação,

as fronteiras entre os processos referenciais parecem ter sido percebidas como mais

tênues” (id, p.224).

Neste estudo, as autoras apresentaram ainda uma síntese, após revisitar os

processos de dêixis e de anáforas, principalmente as encapsuladoras, chegando ao Quadro-

Síntese dos processos referenciais, ressaltando que não se trata de uma tentativa de resolver

todos os problemas de classificação, mas, de todo modo, organizam o que os últimos

estudos sobre o tema já apresentam e reconhecem o caráter híbrido da dêixis textual e de

memória, e a dêixis social como um subtipo da de pessoa.

Quadro 1: Processos referenciais; retirado de Santos e Cavalcante (2014, p.242).

Os processos de referenciação não devem ser vistos, portanto, como processos

que apresentam características, muitas vezes híbridas, não permitindo uma divisão

estanque entre eles. Pode ser mais produtivo pensar em um continuum entre os

processos de referenciação, assumindo, assim, que não estamos diante de fenômenos

isolados, mas de fenômenos que se cruzam e se misturam, tendo em vista uma

perspectiva sociocognitiva e interacional.

Retomando as principais características dos processos de referenciação,

podemos concluir que:

• Enunciação e introdução dos referentes são mecanismos diferentes (Cf.

COLAMARCO, 2014). A enunciação ocorrerá somente quando houver a

primeira manifestação concreta do referente, já a introdução referencial consiste

na construção da imagem desse referente e não depende da nomeação desse

objeto para ocorrer;

• As anáforas, mecanismos de continuidade referencial, estão atreladas a uma

âncora/gatilho no cotexto. AD pode retomar ou antecipar a enunciação de um

referente (quando antecipa, colabora com a introdução referencial) e estabelece

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uma relação de correferencialidade; AE tem por característica principal

sintetizar/sumarizar partes do texto, introduzindo novos referentes do discurso.

Os encapsuladores, em relação à correferencialidade, situam-se em uma zona

intermediária. Por fim, as anáforas indiretas sempre vão introduzir novos

referentes no discurso, que estarão ancorados em alguma pista do cotexto e não

são correferenciais;

• A dêixis (pessoal, espacial e temporal) depende do ponto de origem do

enunciador e da sua localização no espaço e no tempo. No entanto, temos que

considerar a possibilidade de esse processo referencial apresentar usos

anafóricos, como os casos de dêixis textual, que se mesclam com as anáforas e

considerar também que as relações anafóricas também podem apresentar

componentes dêiticos. A dêixis está atrelada às pistas de enunciação e promove

diferentes efeitos de sentido nos textos.

Reiteramos, por fim, a complexidade do fenômeno e a dificuldade de

sistematização que decorre das muitas nuances do dinamismo verificado nos processos

de referenciação, principalmente quando o exame dessas formas é feito em gêneros

textuais diversos. Já dissemos aqui, concordando com muitos estudos anteriores, que a

compreensão dos mecanismos de referenciação é uma ferramenta indispensável para

construção de sentidos nos textos. Entretanto, cabe reforçar que os processos de

referenciação também são flexíveis e se moldam aos propósitos comunicativos dos

gêneros textuais em que emergem. Nesse sentido, uma importante contribuição desta

Tese está na relação proposta entre o estudo da referenciação atrelado à constituição do

gênero relato esportivo. Acreditamos que o exame de enunciados soltos ou sem levar

em conta as características dos gêneros e sequências textuais, por exemplo, deva ser um

desdobramento necessário dos estudos de referenciação.

Não se trata de uma proposta inovadora no seu conceito, pois a LT há muito

tempo considera o texto/discurso como processo dinâmico, assim como entende os

processos de referenciação dinâmicos e elaborados na interação. Entretanto, há a

necessidade de reforçar essa relação em nossas análises, pois o ponto de vista dos

participantes, o grau de acessibilidade dos referentes, pistas co/contextuais só podem ser

analisados em situações comunicativas reais, isto é, em gêneros textuais.

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70

4. METODOLOGIA E ANÁLISE

4.1 Constituição do corpus

Nossa pesquisa propõe uma análise qualitativa de notícias esportivas da Copa do

Mundo FIFA 2014, de dois jornais diferentes, um esportivo e o outro de assuntos gerais.

O Jornal Lance!, conforme o Manual de Redação e Estilo Lance! (2008), surgiu

com a proposta de ser um diário esportivo para ser vendido em bancas, mais do que por

assinatura. Como forma de agradar o maior número possível de leitores, o projeto

editorial seguiu a linha de dois diários esportivos de bastante sucesso: o espanhol Marca

e o argentino Olé!. No formato de um tabloide (jornal em um tamanho menor do que os

jornais tradicionais, com muitas ilustrações), o Lance! inovou, incialmente, por ser

colorido, com muitas fotos dramáticas relacionadas às reportagens, como imagem de

jogadores chorando e imagens de torcedores tristes ou com fantasias inusitadas.

Já o jornal O Globo foi fundado em 1925 e é hoje bastante tradicional no cenário

nacional. Trata-se de uma publicação de assuntos gerais, que integra o grupo Globo, um

conjunto de empresas que abarca rádio, canais de televisão e emissoras afiliadas ao

longo do país.

Como se trata de uma publicação de assuntos gerais, que aborda diversos temas

do cotidiano do país, para as notícias esportivas são utilizadas, em geral, no máximo,

três páginas. Apenas na ocasião de algum evento esportivo, como a Copa do Mundo ou

as Olimpíadas, por exemplo, há a publicação de um caderno específico para o esporte.

No entanto, a extensão do caderno continua sendo pequena, isto é, a editoria esportiva

não conta com muito espaço para seus textos.

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(Fig.3 Capa dos jornais O Globo e Lance!)

Em um segundo momento, procedemos a uma escolha dos textos, avaliando as

estratégias discursivas mais relevantes e produtivas, para constituir um corpus

representativo. Dessa forma, selecionamos para análise nesta Tese oito pares,

totalizando dezesseis textos, dentro de um total de 128. Assim, antes de selecionar os

pares, avaliamos todos os textos para nos certificar de que a estrutura do gênero textual

e as estratégias de referenciação nele verificadas não seriam específicas de um

determinado texto ou de um determinado autor. De acordo com Greimas e Courtés

(2008), não há obstáculos para que um “pequeno número de fatos” não possa permitir a

construção de um modelo, que respeite critérios de aceitabilidade da mesma forma que

as descrições exaustivas de dados permitem fazê-lo.

Para sistematizar a análise, as notícias selecionadas foram agrupadas por

códigos, conforme o Quadro 3. Os pares de texto foram numerados e receberam a letra

que identifica o jornal do qual foram retirados, L – Lance! e G – O Globo. Esses textos

encontram-se no Anexo.

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72

Código Título das notícias

L1 O jogo dos sonhos de Suárez.

G1 Suárez 100 %

L2 Um dia sem fúria

G2 Laranja Amarga

L3 Não foi fácil

G3 Batalha no sul

L4 Depois do bombardeio, Bélgica 2 x 1 Estados Unidos

G4 Bélgica bate Estados Unidos

L5 Corrida para o tri

G5 De volta após 24 anos

L6 Oshowa

G6 México segura o Brasil

L7 Vexame! Brasil sofre maior derrota de sua história e vê a Alemanha chegar à

final

G7 Brasil é massacrado pela Alemanha e sofre a maior goleada de sua história: 7

a 1.

L8 Close nele!

G8 Chucrute na Bahia

Quadro 2: formas de referência às notícias que constituem o corpus.

4.2 Passos para análise

A partir da escolha dos textos, começamos a investigar as notícias de maneira

integral, ou seja, sem retirar exemplos soltos, a fim de verificar como acontece a

construção de sentidos e como os elementos de referenciação são elaborados nesses

textos, demonstrando também as características estruturais desse gênero tão pouco

estudado. Escolhemos uma abordagem de base qualitativa e a análise foi dividida em

três etapas.

O primeiro tópico de análise iniciou-se com o exame contrastivo de cada par de

textos. Separamos um determinado jogo do campeonato e avaliamos como esse mesmo

fato foi noticiado nos dois jornais, destacando aspectos semelhantes e diferentes em

cada jornal, como a temática, por exemplo. Privilegiamos os objetos de discurso

centrais das notícias, como as seleções e seus jogadores, analisando, em um primeiro

momento, as anáforas diretas, já que tais expressões de referenciação costumam estar

diretamente associadas à construção/exposição de uma dada orientação argumentativa

nos textos. Vale destacar que entendemos por orientação argumentativa uma

manifestação da argumentação lato sensu, como assinalado por Koch (2002). Segundo a

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autora, as formas de referenciação implicam uma escolha entre uma multiplicidade de

formas de caracterizar o referente de acordo com a proposta de sentido do produtor do

texto. Analisamos também, por meio das expressões referenciais e outras pistas

presentes nas notícias, como jogadores e seleções vão sendo revestidos de valores como

o herói ou o vilão da partida, demonstrando as características de composição desse

gênero textual.

Na segunda etapa da análise, discutimos as outras estratégias de referenciação

presentes nas notícias esportivas – os encapsuladores, as anáforas indiretas e, em

seguida, os casos de dêixis – sem deixar de lado a relação entre essas formas e a

construção do texto, avaliando sempre também outros recursos linguísticos que

contribuam para construção de sentidos, de acordo com a atual tendência da Linguística

de Texto. Cabe destacar que selecionamos os exemplos mais representativos dos textos,

sem a preocupação de seguir a análise comparativa dos pares, como realizado na

primeira etapa.

Após esse exame, na terceira etapa, passamos a analisar os mecanismos que

descrevem o espaço no campo de futebol, bem como a posição técnica dos jogadores,

mostrando como essas informações dependem de conhecimento compartilhado sobre

futebol para sua interpretação. Nessa seção, discutimos a importância fundamental

dessas formas para a notícia esportiva sem, no entanto, nomear os recursos de acordo

com a nomenclatura dos processos de referenciação. Essas formas são recorrentes nas

notícias esportivas, principalmente nos textos do jornal Lance!, e constituem uma

importante característica desse gênero.

Com base nessas análises, já no quinto capítulo, procuramos relacionar as

formas de referenciação verificadas à constituição do gênero notícia esportiva.

Relacionamos as estratégias de referenciação às necessidades comunicativas desse

gênero, mostrando como a referenciação pode levar a um melhor entendimento do uso

efetivo dos gêneros na vida social. Apresentamos também um levantamento quantitativo

das formas de referenciação empregadas nos dezesseis textos, comparando os resultados

entre os dois jornais, a fim de obter uma visão mais ampla da produtividade desses

recursos nos textos. Nessa seção, procuramos descrever ainda as funções discursivas das

formas de referenciação nas notícias.

Tendo em vista o alto número de anáforas diretas nos dois jornais e as diferenças

verificadas no primeiro item de análise, procedemos a um levantamento qualitativo das

estratégias de retomada empregadas no corpus, detalhando, principalmente, o emprego

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das anáforas diretas. Contabilizamos as formas de retomada nos textos, considerando a

repetição lexical e as expressões metafóricas, epítetos e demais formas de

recategorização constituídas por sintagmas nominais dos objetos de discurso centrais

nos textos: os nomes das seleções. Não contabilizamos os casos de elipse nem de

pronomes, embora estes se constituam uma forma de manter objetos de discurso em

foco no texto, pois daremos destaque às formas nominais, que constituem os casos mais

relevantes do corpus. Esse levantamento buscou explicar as diferenças percebidas entre

os dois jornais na primeira etapa de análise, principalmente no que se refere à

recategorização de referentes, e permitiu relacionar as formas de referenciação ao perfil

do público dos dois jornais.

Por fim, relacionamos as estratégias de referenciação à constituição do gênero

notícia esportiva, demonstrando as características desse gênero bem como algumas

diferenças verificadas entre os jornais.

4.3 As anáforas diretas na análise contrastiva das notícias esportivas

4.3.1 Par 1: “o jogo dos sonhos de Suárez” e “Suárez 100%”

O primeiro par de textos versa sobre a partida entre Uruguai e Inglaterra pela

fase de grupos da Copa do Mundo. Ambos os textos destacam a importância da vitória

uruguaia e a atuação decisiva do jogador Luis Suárez, cujo nome aparece nos títulos das

notícias.

No Quadro 3, há os objetos de discurso analisados nas duas notícias e as

anáforas empregadas na ação da retomada:

Objetos de discurso

analisados no par 1 Anáforas empregadas na retomada

L1 G1

Uruguai “Campeã mundial”

“Celeste”

“uruguaios”/“Uruguai”

“Celeste”/“eles”

“um time”/“equipe”

“bicampeã mundial”

Inglaterra “campeã mundial”

“Inglaterra”

“English Team” / “o time”

“ingleses”/“equipe”

“times”/ “a outra campeã do mundo”

“ o time vivo”

Luis Suárez “Luis Suárez”/“Suárez”

“um dos protagonistas”

“o atacante”/“ele”

“convidado novo”

“maior artilheiro da seleção uruguaia”

“coadjuvante”/ “craque Suárez”

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“rival” “Suárez”/ “atacante”

“o artilheiro”/ “ele”

Wayne Rooney “Ele”/“O baixinho”

“camisa 10”

“camisa 10 inglês”

Quadro 3: objetos de discurso analisados no par 1

A notícia L1 apresenta uma função argumentativa de valorizar as ações do

jogador uruguaio, Luís Suárez, que pode ser comprovada já pelo título “o jogo dos

sonhos de Suárez”, que antecipa o resultado positivo e a atuação elogiada do jogador,

conforme o excerto abaixo:

(L1) O jogo dos sonhos de Suárez

Com dois gols de Luis Suárez, Uruguai vence a Inglaterra por 2 a 1 em duelo decisivo de

campeões mundiais em São Paulo. Resultado deixa Celeste dependendo só de suas forças e

praticamente elimina a Inglaterra. Rooney desencanta e faz seu primeiro gol em Copa do

Mundo. (Anexo, p. 160)

Em relação às estratégias de referenciação, o objeto de discurso Suárez e o nome

das seleções são introduzidos por meio de seus nomes para serem retomados, ao longo

do texto, por anáforas diretas, que envolvem a estratégia de repetição lexical ou

recategorização dos referentes.

Ainda no subtítulo, há a retomada das seleções pela anáfora direta “campeãs

mundiais”, que reforça a igualdade entre as seleções, já que o texto, em alguns

momentos, destaca a tradição da seleção inglesa, mostrando como o jogo foi equilibrado

e decidido pelo artilheiro Suárez, como podemos ver no trecho abaixo:

(L1) O jogo em si foi equilibrado. Começou truncado e com muita disputa no meio. A Celeste

apareceu em campo com cinco modificações em relação à derrota para a Costa Rica. As

mudanças surtiram efeito. Marcando mais a frente e pressionando, foi melhor nos 15 minutos

iniciais (...). (Anexo, p. 160)

Algumas predicações, como “equilibrado, “truncado” e “disputa”, ajudam a

construir esse sentido no texto. Além disso, a descrição do jogo como equilibrado acaba

contribuindo para enfatizar a ação do principal jogador do Uruguai como herói da

partida. O objeto de discurso Suárez foi retomado mais quatro vezes ao longo do texto,

por repetição lexical e por uma anáfora direta nominal sendo o jogador uruguaio mais

citado no texto, reforçando a trilha de sentidos na qual ele passa a ser o principal

jogador da partida.

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No trecho acima, há ainda a retomada da seleção uruguaia pelo epíteto Celeste

– apelido da seleção uruguaia, caracterizado pela referência às cores do seu uniforme –,

o que costuma ser frequente no gênero notícia esportiva. O epíteto da seleção inglesa

também é mencionado no texto, “English Team”, que não leva em conta as cores da

seleção, como é comum nos outros epítetos.

O jogador mais conhecido da Inglaterra também foi mencionado, embora com

menos destaque. No trecho abaixo, o referente “Wayne Rooney” é retomado no final do

texto por meio do pronome “ele” e, ao final do parágrafo, é recategorizado pelo

sintagma nominal “o baixinho”. É interessante notar que essa anáfora direta tem sua

interpretação amparada por outros elementos no texto, já que há outros nomes de

jogadores que também poderiam ser retomados pela expressão “o baixinho”. No

entanto, as relações de predicação (pistas textuais) estabelecidas no texto nos fazem

perceber que nem o nome Muslera nem Gerrard poderiam ser esses referentes.

(L1) A partir dos 15 minutos, a Inglaterra se assentou em campo e passou a ameaçar. Tanto que

por duas vezes Wayne Rooney quase marcou seu primeiro gol em Copas. Primeiro, numa bela

cobrança de falta, ele deixou Muslera estático. A bola não entrou por centímetros. Depois, após

levantamento de Gerrard na área, o baixinho carimbou a trave. (Anexo, p. 160).

Ainda que a Inglaterra ainda tenha feito um gol e equilibrado a partida, o texto

se encerra reforçando a vitória da seleção uruguaia e a atuação de Suárez. A fim de

reconstruir momentos emocionantes do jogo, o texto lança mão de recursos sinalizados

por Costa (2010), que mostram essa dramatização da notícia esportiva, como a

informação que o jogador chorou no banco de reservas ao ser substituído.

Já a notícia G1 inicia-se com uma introdução que apresenta um certo suspense:

“todos tinham a mesma opinião”. Esse encapsulamento contido no substantivo opinião

– de que o Uruguai é uma seleção disposta a vencer desafios – será explicitado mais

adiante, principalmente pela ênfase atribuída ao jogador Suárez. Nesse sentido, o

emprego de diversas anáforas diretas nominais, logo no começo do primeiro parágrafo,

como podemos ver abaixo, destaca a atuação desse jogador, reforçando sua qualidade e

sua importância para a seleção uruguaia, contribuindo para mostrar como o Uruguai

superou a seleção inglesa, mesmo com todas as dificuldades.

(G1) Todos tinham a mesma opinião. Era uma partida à feição do Uruguai. Encarada como

final, com a corda no pescoço, do jeito que a Celeste está acostumada. Ser favorita não faz parte

da história da bicampeã mundial. Fazer o quase impossível, sim. E eles ainda contavam com um

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convidado novo, que quase abandonou a festa por uma cirurgia de última hora. Na verdade,

tornou-se o anfitrião. O maior artilheiro da seleção uruguaia mostrou que jamais será

coadjuvante de um time que depende muito dele. Luis Suárez estreou no Mundial ontem,

marcou os dois gols da vitória por 2 a 1 sobre a Inglaterra, no Itaquerão, e manteve as chances

de classificação para as oitavas de final. (Anexo, p.162)

As anáforas diretas presentes no primeiro parágrafo promovem um certo

suspense na leitura, mesmo o referente “Suárez” já tendo sido enunciado no título do

texto e recategorizado no subtítulo. Suárez passou a ser recategorizado como

“convidado novo”, já que foi liberado pelos médicos para jogar um pouco antes da

competição iniciar, depois tornou-se o “anfitrião”, isto é, o responsável pela “festa”. Em

seguida, a referência foi se tornando mais específica e sua orientação argumentativa

mais explícita, como podemos ver no sintagma nominal “o maior artilheiro da seleção

uruguaia em copas”. Por fim, houve a repetição do nome Suárez junto com a

informação da sua estreia no mundial e os gols que marcou no jogo.

Essas anáforas apontam para a orientação argumentativa do texto, que tende a

valorizar o feito da seleção uruguaia e de seu principal jogador. Além do epíteto

“Celeste”, a anáfora “ a bicampeã mundial”, utilizada para retomar o objeto de discurso

“Uruguai” também evidencia essa relação. Não só as expressões referenciais cumprem

esse papel, como a descrição da partida como “à feição do Uruguai”, que estaria

acostumado a superar dificuldades.

O texto segue descrevendo como o resultado da partida interfere na caminhada

das duas seleções na continuidade do campeonato e apresenta um exemplo interessante

de como as relações anafóricas são dinâmicas e construídas dentro do texto:

(G1) O resultado, porém, não significa o adeus da outra campeã do mundo, a Inglaterra. Tudo

dependerá do jogo de hoje entre Itália e Costa Rica, no Recife. Um empate elimina os ingleses.

Assim como uma vitória costarriquenha. Isso porque, com esse resultado, os ingleses não

conseguirão alcançar a pontuação de pelo menos dois rivais do Grupo D. Já a vitória italiana

deixa o time vivo até a última rodada. Para os uruguaios, não importa o que vai acontecer entre

Itália e Costa Rica. Vão enfrentar os italianos, na terça-feira (...)

(Anexo, p. 162)

A seleção inglesa é retomada ainda como “a outra campeã do mundo”, logo em

seguida há a repetição lexical do nome Inglaterra. Mais adiante, há o uso da anáfora

direta na frase “Já a vitória italiana deixa o time vivo até a última rodada”, em que a

expressão sublinhada não se refere à Itália – objeto de discurso mais próximo, ativado

no discurso pelas referências aos possíveis cenários para a classificação do time inglês.

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Tal exemplo mostra como há toda uma complexa e dinâmica rede de articulação dos

processos de referenciação, que evidencia pressupostos básicos dessa atividade como a

negociação dos interlocutores e a natureza sociocognitiva da referência.

O final da notícia apresenta retomada do objeto de discurso Suárez, por meio de

repetição lexical e recategorização por meio do sintagma nominal “o artilheiro”,

afirmando que ele “fuzilou” o gol de Hart, o goleiro inglês. O verbo “fuzilar”, dentro do

futebol, demonstra vontade, força até mesmo determinação na hora de finalizar a

jogada. Aproveitando esse contexto, a notícia se encerra dizendo que Suárez, retomado

pelo pronome “ele”, saiu de campo ovacionado pela torcida, como se fosse um herói,

como podemos ver abaixo:

(G1) Quando a virada parecia provável, Suárez desfez a impressão. Muslera cobrou tiro de

meta, a bola resvalou na cabeça de Gerrard, e sobrou para o artilheiro fuzilar o gol de Hart, aos

40. Ele saiu ovacionado do estádio e carregado por Lugano.

– Ele está no nível de Messi e Cristiano Ronaldo. E para nós, ele é ainda mais importante que

eles e que o Neymar. É só olhar as estatísticas.

(Anexo, p. 162)

Diferente do que foi visto em L1, em G1 há trechos de entrevistas dos jogadores

na composição do texto. Essas entrevistas também contribuem para marcar a emoção do

jogador Suárez, no seu depoimento sobre o jogo, com a inserção de modo direto da sua

voz, buscando reproduzir a fala do jogador tal qual o momento da enunciação para criar

um efeito de aproximação. No trecho acima, por exemplo, notamos a demarcação de

voz do jogador uruguaio Lugano utilizada de modo a reforçar a habilidade de Suárez.

4.3.2 Par 2: “Vexame! Brasil sofre maior derrota de sua história e vê a Alemanha chegar à

final” e “Brasil é massacrado pela Alemanha e sofre a maior goleada de sua história: 7 a 1”

Esse par de textos trata da derrota da seleção brasileira para a Alemanha na

primeira semifinal da Copa do Mundo de 2014. No Quadro 4, estão os objetos de

discurso analisados:

Objetos de discurso

analisados no par 2

Anáforas empregadas na retomada

L2 G2

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Brasil “Brasil”/ “ele” / “equipe canarinho”

“Pentacampeões” / “Seleção

“potência” / “Felipão e seus comandados”

“do país celebrado mundialmente por ser o do

futebol”

“Brasil”/ “Seleção”

“Seleção de Felipão”

Alemanha “uma espécie de carrossel em vermelho e

preto”

“tedescos”/ “germânicos” “adversários”

“rival”/ “Alemanha”/ “potência

“Alemanha”

“seleção treinada por

Joachim Löw”

Maracanazzo “triste capítulo de 50”

“daquele 2 a 1 para o Uruguai”

------------------------

O jogo “a maior das suas humilhações”

“a pior derrota”

“a derrota mais vexatória”

“maior goleada da

história”/ “vexame”

“na maior vergonha

brasileira na história

das copas”

Bernard “O menino com alegria nas pernas” ---------------------

Klose “ele”

“goledor máximo nessas 20 edições de copa”

“único atleta a jogar quatro semifinais de

Copa”

“Klose”

Quadro 4: objetos de discurso analisados no par 2

Em L2 cf. anexo, p. 164, as expressões “vexame” e “maior derrota da sua

história”, logo no título, rotulam o que representou a derrota para os alemães. Em

seguida, o primeiro parágrafo retoma o dia 16 de julho de 1950, lembrando da derrota

que ficou conhecida como “Maracanazo”, termo que será retomado pela expressão “o

triste capítulo de 50” e, mais adiante, por “daquele 2 a 1 para o Uruguai”. Ambas as

anáforas diretas necessitam de muitas inferências e apelo a um conhecimento

enciclopédico sobre a história da seleção brasileira. Além disso, interessa observar que a

construção desses referentes não está diretamente atrelada a nenhuma das expressões

referenciais utilizadas para identificar o referente “Maracanazo” no texto; ou seja, a

representação não resulta de uma ligação entre expressões referenciais designadoras do

objeto focalizado, trata-se de uma relação que se estabelece pela análise das pistas que o

texto fornece. Por meio das informações presentes no cotexto, torna-se possível

relacionar “Maracanazo” às expressões “triste capítulo de 50” e “daquele 2 a 1”,

compreendendo ainda a dimensão emocional do que representou tal derrota brasileira,

conforme podemos ver abaixo:

(L2) Um dia 16 de julho de 64 anos atrás faria o Brasil chorar seu drama maior, o Maracanazo

Pois este 8 de julho de 2014 faz ele jorrar lágrimas para a maior das suas humilhações. De

joelhos! A derrota mais vexatória do país celebrado mundialmente por ser o do futebol. O

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Estádio do Mineirão viu o triste capítulo de 50 ficar esmaecido, ao menos por ora, na história.

Vai ser difícil lembrar daquele 2 a 1 para o Uruguai diante do que fez a Alemanha nesta

semifinal. (Anexo, p. 164)

Outro destaque fica por conta do uso do pronome demonstrativo “daquele” na

anáfora direta “daquele 2 a 1 para o Uruguai” que retoma “Maracanazo”, em que tal

pronome parece contribuir para recuperar (ou apontar) uma lembrança distante na

memória do leitor. Além disso, esse pronome também orienta o leitor a buscar um

determinado lugar no cotexto, o que faz muitos autores admitirem um caráter híbrido

entre dêixis/anáfora, como Cornish (2007, 2011) que, para casos semelhantes a esse,

propõe o nome “anadêixis” a fim de destacar a fluidez entre os processos.

Dentro da arquitetura textual, a menção ao “Maracanazo” como maior derrota é

utilizada como parâmetro para sugerir o que representou a derrota brasileira para

Alemanha e justificar que a derrota de 2016 superaria a anterior. Ainda no mesmo

excerto, podemos notar que essa derrota foi recategorizada como “a maior de suas

humilhações”, seguida pela expressão “de joelhos!” que, de certo modo, enfatiza a

humilhação e a vergonha sofridas pela seleção, recategorizada em seguida como “país

celebrado mundialmente por ser o do futebol”, o que também contribui para ampliar a

sensação de humilhação, já que uma derrota tão expressiva não é o caminho natural para

uma seleção mundialmente famosa e vitoriosa. Vale ainda destacar que essa última

anáfora – “país celebrado mundialmente por ser o do futebol” – pode referir-se tanto ao

Brasil como país quanto à seleção brasileira, como se as duas entidades fossem uma só.

Essa ambiguidade contribui para dramatização verificada no texto, uma vez que, a todo

momento, a derrota da seleção brasileira é descrita como motivo de tristeza para os

brasileiros.

A seleção alemã, recategorizada como “os germânicos”, é retomada como a

grande vilã que “tornou picadinho o sonho nacional de conquistar o troféu em casa”,

como podemos notar pela predicação “tornou picadinho” e também por outras

expressões que se seguem, como “tortura incomparável para os apaixonados pela

“seleção canarinho”, em que se nota ainda a recategorização do Brasil como “seleção

canarinho". A grandiosidade da seleção volta a ser destacada nesse parágrafo por meio

da anáfora direta “pentacampeões”, que destaca a quantidade de títulos da seleção

brasileira. As recategorizações verificadas, embora ressaltem a história vitoriosa da

seleção, contribuem para ampliar a carga dramática atribuída à derrota.

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Na continuidade do texto, são explicitadas as mudanças feitas pelo treinador na

seleção brasileira para suprir a ausência de Neymar, machucado. Explicações que

foram, em seguida, encapsuladas pelo substantivo “tática”, que, de acordo com o texto,

não surtiu o efeito desejado, pois, logo no começo do jogo, o Brasil sofreu um “colapso

inédito em mais de seus cem anos de história”, ao ficar paralisado frente ao ataque

alemão. É interessante notar que, para além das estratégias de referenciação, a seleção

vocabular da adjetivação empregada, por exemplo, corrobora o tom de melodrama do

texto.

Na sequência, a seleção alemã, recategorizada pelo uso de um vocábulo pouco

comum, “tedescos”, é descrita como a dona do futebol e dos passes que deveriam ser da

seleção brasileira. A seleção alemã foi recategorizada ainda pela expressão “uma

espécie de carrossel vermelho e preto”, que faz referência às cores da camisa alemã

naquela partida, vermelho e preto – resultado de uma estratégia de marketing da Adidas,

patrocinadora da seleção alemã e do time carioca Flamengo – e ao apelido da seleção

holandesa, “carrossel”. Esse apelido, atribuído à seleção holandesa da década de 70,

reforçava o toque de bola dessa equipe que ludibriava os adversários. Como podemos

ver, embora tenhamos uma anáfora direta correferencial, o conhecimento compartilhado

é de fundamental importância para que se chegue à carga argumentativa que a expressão

recategorizadora propõe ao associar uma característica do futebol holandês de 1974 à

seleção alemã.

A palavra “vexame”, ao final da notícia, resume o que representou a derrota

brasileira; o texto se encerra enfatizando que o Brasil, retomado por estratégia de

repetição lexical, terá de “recolher os infindáveis cacos para defender seu orgulho na

disputa de terceiro lugar”.

A notícia do jornal O Globo (G2) também apela para o emocional na

representação da derrota brasileira, afirmando, já no título, que o Brasil foi “massacrado

e sofre a maior goleada de sua história”.

A primeira linha do texto já apresenta o tom dramático: “o sonho do

hexacampeonato se transforma na dor da derrota humilhante”. A derrota foi

recategorizada como “a maior vergonha na história das copas”.

A seguir, como verificado em outros textos do jornal O Globo, há um subtópico

que traz curiosidades sobre os recordes quebrados nesse jogo. Nesse caso, recordes

negativos para seleção brasileira, como quebra da invencibilidade, maior número de

gols sofridos, dentre outras informações.

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A seleção brasileira foi retomada como “a seleção de Felipão”, anáfora direta

que inicia o parágrafo em que se expõem, de modo resumido, as principais alterações

feitas na seleção brasileira, assim como no jornal Lance!, contudo com poucos detalhes

mais técnicos sobre a posição dos jogadores no campo, como podemos ver abaixo:

(G2) A seleção de Felipão conseguiu equilibrar a partida por dez minutos. Com Bernard, o

Brasil marcava na frente e teve a primeira chance logo aos dois minutos, em um chute de

Marcelo. (Anexo, p. 166)

A notícia continua com a narração dos próximos gols da Alemanha. O Brasil,

retomado por meio de repetição lexical, foi classificado como uma seleção cujos

jogadores e torcida “estavam atônitos”, adjetivo que reforça o espanto causado pela

derrota.

Por se tratar de um jogo da seleção brasileira e também pela expressiva derrota

sofrida pelo Brasil, as duas notícias apresentam uma forte carga dramática, que pôde ser

comprovada, por exemplo pelo modo como a derrota por 7 x 1 foi (re)categorizada tanto

em L2 quanto em G2. Nesses textos, o apelo ao senso de humor é praticamente nulo,

sobressaem os adjetivos e expressões que se propõem a dar a dimensão da

tristeza/espanto diante da derrota brasileira. Expressões como “vexame”, “atropelado”,

“atônito (retiradas de L1); “desencontro brasileiro”, “massacrado”, “dor brasileira”

(retiradas de G2) trazem para as notícias esse tom de tristeza e drama, em uma tentativa

de representar a dor não só dos jogadores mas também da própria torcida.

4.3.3 Par 3: “Não foi fácil” e “Batalha no sul”

Esse par de textos apresenta notícias que contemplam a partida entre Alemanha

e Argélia pelas oitavas de final da Copa do Mundo. Ambos os textos destacam a

dificuldade da seleção alemã em superar a Argélia, seleção sem tradição no futebol.

Objetos de discurso

analisados no par 3

Anáforas empregadas na retomada

L3 G3

Alemanha “Alemanha”/ “craques adversários”/

time branco”/ “adversário”

“equipe”/”alemães”

“o branco”

“Alemanha” /“frieza alemã”

“time de Löw”

“futebol tricampeão do mundo’

“poderosos alemães”

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Argélia “As raposas do deserto”

“Argélia”/ “africanos”

“adversários”

“time verde”

“argelinos”

“Argélia”/ “valente selecionado

africano”

“Uma Argélia veloz, aplicada e

ousada”

“Uma Argélia mais defensiva”

“seleção africana” /“zebra

argelina”

“arrancadas argelinas”

Schürrle “Schürle” “atacante do Chelsea”

Quadro 5: objetos de discurso analisados no par 3

Em L3 (cf. anexo, p.167), no que se refere às estratégias de referenciação,

notamos, como principal recurso, muitas anáforas diretas – expressões

recategorizadoras e repetição lexical – para retomar os objetos de discurso centrais,

como o nome das seleções.

O primeiro parágrafo começa com a frase “ foi absolutamente dramático”, que já

aponta para o interlocutor um relato de dificuldade, sofrimento. Nesse sentido, a

primeira recategorização da seleção argelina apresenta um exemplo de anáfora direta

que consiste no epíteto “raposas do deserto”, uma expressão pouco conhecida porque

essa seleção não possui tradição no futebol. A escolha desse sintagma nominal contribui

para delinear, na mente do interlocutor, a imagem de uma seleção que, embora não

tenha experiência, pode ser uma seleção articulada, pois o uso do nome “raposa”

representa um animal com fama de traiçoeiro. Além disso, também poderíamos pensar

em uma relação intertextual com um filme de 1951, “As raposas do deserto”, que trata

da história de um temido general alemão:

(L3) Foi absolutamente dramático. As Raposas do Deserto resistiram como puderam. Mas essa

guerra a Alemanha ganhou, por 2 a 1, mesmo que a sua divisão panzer – Özil, Schweinsteiger e

Müller – ainda não tenha repetido a blitzkrieg da estreia sobre Portugal.

(Anexo, p. 167)

Em L3, é recorrente o uso de um vocabulário bélico, comum nesse gênero, pois,

muitas vezes, os jogos são retomados como “batalhas”, “duelos”, “guerra/guerreiros”.

Essa associação entre o futebol e guerra, principalmente quando se trata de jogos muito

disputados ou entre seleções com muita tradição, contribui para a dramatização das

notícias esportivas. De acordo com Saíz (2015), uma metáfora, ao focalizar alguns

aspectos em virtude de outros, pode colaborar para a formação de uma linha

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argumentativa concreta em um meio de comunicação, como nessa notícia, em que logo

no início, é exposta a comparação implícita entre a partida e uma guerra.

O texto explora ainda outro termo de guerra, “a blitzkrieg”, doutrina militar que

consistia em utilizar forças móveis em ataques rápidos e de surpresa, com o intuito de

evitar que as forças inimigas tivessem tempo de organizar a defesa. Esse tipo de

estratégia, comum no futebol, de acordo com o texto, teria sido o fator decisivo para a

goelada alemã em cima de Portugal (4x0), e teria funcionado também, ainda que com

menos intensidade, contra a Argélia.

Na continuidade do texto, a Argélia é retomada por meio de repetição lexical e a

seleção alemã, pela recategorização “craques adversários”, que reforça a superioridade

alemã.

Outro recurso também bastante comum nas notícias esportivas é a menção à cor

dos times para nomeá-los nos textos, como no trecho:

(L3) (...) pelos contra-ataques do adversário, que obrigou Neuer a sair pelo menos três vezes da

área para isolar a bola. Um pouco mais de capricho do time verde e o branco sairia derrotado

para o intervalo. (Anexo, p. 167)

No trecho acima, as seleções da Argélia e da Alemanha são retomadas pelas

anáforas diretas “time verde” e “time branco”, respectivamente. A cor branca,

entretanto, poderia ser usada para fazer referência aos dois times, uma vez que o

uniforme de ambos possui a cor branca. Mais uma vez, as relações estabelecidas dentro

do texto é que vão homologar a construção desses sentidos e permitir a associação entre

essa anáfora direta e seu antecedente.

O texto se encerra retomando a metáfora da guerra com a utilização de verbos

como “fuzilar”, por exemplo, reiterando a orientação argumentativa no sentido de

relacionar o jogo a uma guerra.

Na notícia esportiva veiculada no jornal O Globo (G3) cf. anexo, p.168 também

notamos essa associação indicada logo no título: “batalha no sul”. Entretanto, na

continuação do texto, essa metáfora não se mostra tão produtiva, como na notícia do

jornal Lance!, mas foi ressaltado que foi um jogo “épico”.

O objeto de discurso “Alemanha” foi recategorizado, na introdução da notícia,

como uma seleção fria, por meio da anáfora direta “frieza alemã”, o jornalista associou

o clima, em geral, frio da região sul, onde a partida foi realizada, à objetividade da

seleção alemã.

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No que se refere às estratégias de referenciação utilizadas para retomar a seleção

argelina, há o emprego de algumas anáforas diretas, que consistem na utilização do

artigo indefinido + nome + modificador:

(G3) Como previra o técnico Joachim Löw na véspera, foi preciso paciência e

humildade para bater uma Argélia aplicada, veloz e ousada (Anexo, p. 168)

No exemplo acima, chama atenção o uso do artigo indefinido no sintagma

sublinhado. Embora a seleção argelina já tivesse sido enunciada no subtítulo da notícia,

o artigo indefinido acentua que se trata de uma seleção com características novas,

destacando, assim, as qualidades da seleção argelina, que valorizou a vitória alemã com

sua atuação. O mesmo ocorreu no exemplo abaixo:

(G3) O técnico Vahid Halihodzic surpreendeu ao escalar uma Argélia mais defensiva, deixando

Brahimi e Djabou no banco. Mesmo assim, foi a seleção africana quem mandou no jogo na

primeira etapa. (...)

(Anexo, p. 168)

Mais uma vez, há o uso da estrutura artigo indefinido + nome + modificador,

qualificando a seleção argelina naquele jogo. É interessante notar que, logo em seguida,

a mesma seleção é retomada pela anáfora direta “a seleção africana”, com o uso do

artigo definido sem qualquer elemento que caracterize essa seleção em relação ao seu

desempenho. O uso das estruturas com artigo indefinido está diretamente ligado ao

direcionamento argumentativo pretendido pelo interlocutor e trazem uma perspectiva de

recategorização do objeto de discurso bastante dinâmica, isto é, essas representações

que se fazem da seleção argelina são válidas para aquele jogo, para aquele momento da

partida. No restante do texto, entretanto, as estratégias mais recorrentes constituem a

retomada por repetição lexical.

Ao final da notícia, também há a menção ao jogo de 1982 entre Argélia e

Alemanha; entretanto, de modo oposto ao que acontece na notícia do jornal Lance!, há

uma explicação acerca do jogo do referido ano. Certamente, o interlocutor calculou que

tal informação pudesse ser desconhecida do leitor, conforme é possível ver abaixo:

(G3) Fim de jogo histórico, e, se não se repetiu a história de 1982, quando a (ainda mais) zebra

argelina derrotou a então bicampeã Alemanha Ocidental por 2 a 1, no estádio El Molinón, em

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Gijón, na Espanha, mais uma vez os africanos (como já tinha acontecido no empate em 2 a 2

com Gana, na fase de grupos), foram uma pedra na chuteira dos poderosos alemães. (Anexo, p.

168)

Esses cálculos inferenciais objetivam diminuir o esforço do leitor na

(re)elaboração dos sentidos dentro do texto. Em L3, isso não constitui um objeto de

preocupação do interlocutor, que faz a referência a essa informação apenas pelo ano do

jogo e espera que o leitor alcance o que significou o jogo naquele contexto, tendo em

vista o conhecimento de mundo compartilhado, para, assim, tecer a comparação com o

jogo atual. Já em G3 os efeitos de sentido causados por essa comparação estão

explícitos no texto. De acordo com Schwarz (2007), a compreensão textual depende

tanto da decodificação do significado dos recursos linguísticos do texto quanto da

construção de um modelo de mundo textual conceptualizado a partir do texto. O

material linguístico funciona como instruções para o processamento cognitivo dos

textos. Desse modo, percebemos a preocupação em G3 em fornecer mais informações

para esse processamento cognitivo.

O jogo é retomado no final com do texto como “jogo histórico” e a Argélia

recategorizada como “zebra argelina” e uma “pedra na chuteira”, em um trocadilho com

expressão popular “pedra no sapato”, dos “poderosos alemães”. Portanto, a notícia é

encerrada com a retomada do viés argumentativo referente à eficaz atuação do futebol

argelino que, mesmo sem ganhar, foi um difícil adversário para Alemanha, grande

favorita.

Podemos dizer que os dois textos, ainda que com estratégias diferentes,

apresentam um projeto de dizer semelhante. Porém, em L3, há muitas referências que

necessitam de mais inferências por parte do interlocutor, ao passo que em G3, há mais

detalhes, pois é um texto maior, com descrição de mais jogadas e com mais explicações

sobre os jogadores es suas funções, por exemplo. No que diz respeito às estratégias de

referenciação, o emprego da repetição lexical para a retomada dos nomes das seleções e

dos principais jogadores mencionados no texto é a estratégia mais recorrente.

Acreditamos que essa diferença possa ser creditada, como já foi dito, à diferença

de público dos dois jornais e a maior abrangência do jornal O Globo, principalmente em

ano de Copa do Mundo, competição muito conhecida, que desperta mais interesse de

possíveis leitores que não necessariamente acompanham futebol de modo rotineiro.

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4.3.4 Par 4: “Depois do bombardeio: Bélgica 2 x 1 Estados Unidos” e “Bélgica bate

Estados Unidos”.

Os dois textos referem-se à partida entre Bélgica e Estados Unidos, que valia

uma vaga nas quartas de final da Copa do Mundo. Os objetos de discurso analisados

nesse par de textos estão expostos no quadro que se segue:

Objetos de discurso

analisados no par 4

Anáforas empregadas na retomada

L4 G4

Bélgica “diabos vermelhos”

“belgas”/ “equipe”

“time europeu”

“domínio belga” / “eles”

“Bélgica” / “belgas”

“pressão belga”

“equipe”

“equipe de Marc Wilmots”

Estados Unidos “Estados Unidos”

“Norte-americanos”

“equipe”/”adversário”

“americanos”

“Estados Unidos”

“americanos”/ “equipe”

“equipe comandada por Jürgen

Klinsmann”

Tim Howard “goleiro”/“autêntico herói”

“Howard”/ “monstro

“Howard”

Quadro 6: objetos de discurso analisados no par 4

L4 (cf. anexo, p.170) apresenta uma descrição dos lances mais importantes da

partida tendo em vista o ponto de vista belga e considerando-a um time superior e com

uma atuação melhor em relação aos Estados Unidos. Embora os textos sejam narrativos,

há uma argumentatividade que pode ser verificada nos textos. Nesse sentido, essa

notícia manifesta de modo mais aparente uma postura avaliativa.

Já no título de L4 a palavra “bombardeio” evoca a imagem de uma partida em

que uma das seleções se sobrepõe a outra, ou seja, “bombardeou” o seu oponente.

Algumas informações, espalhadas pelo entorno discursivo, caracterizam a Bélgica como

o time que “fuzilou”, “dominou”, ou seja, que jogou para ganhar. Em contrapartida, os

Estados Unidos foram caracterizados como “cautelosos”, dentre outras expressões que,

de certo modo, contribuíam para que percebêssemos essa superioridade belga descrita

no texto. Assim, abre-se uma rede de caminhos por meio de pistas textuais que ativam

conhecimentos e crenças dos participantes do ato enunciativo. O exame dessas pistas

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também permite evidenciar a intencionalidade e o teor mais argumentativo no texto do

jornal Lance!,

O objeto de discurso Bélgica foi recategorizado pela anáfora direta “diabos

vermelhos”, epíteto da seleção. Além disso, ao longo da notícia, foram utilizadas

expressões como “ousados”, “dispostos a decidir”, “domínio belga”, por exemplo, que

reforçam a superioridade belga. Para referência à seleção norte-americana, foram

utilizadas repetições lexicais, e a seleção foi caracterizada como uma equipe de nível

mais baixo que a Belga, conforme apontam as expressões “cautelosos”, “aceitando o

domínio belga” e “não conseguiam superar o próprio campo”. Essas amarras anafóricas

vão construindo um valor de superioridade belga, sugerindo que eles “merecem a

comemoração”, marcada no início do texto pela referência às cervejas belgas, como

podemos ver abaixo:

(L4) Anheuser – Busch, Duvel, Stella-Artois. Qual delas os belgas vão escolher para

comemorar a dramática vitória sobre os Estados Unidos? Ou tomarão todas? Pois é os Diabos

Vermelhos deixaram de lado todo o futebol pragmático da primeira fase, reviveram na Fonte

Nova alguns dos melhores momentos nas Eliminatórias e só não enfiaram uma goleada no

adversário porque Tim Howard, mesmo com a derrota, foi um autêntico herói, com 16 defesas

em 27 das 38 bolas chutadas a gol, os norte-americanos fizeram um esforço extraordinário para

manter a Star-Splanged Banner tremulando. (Anexo, p. 170)

O único jogador norte-americano destacado no início do texto é o goleiro Tim

Howard, recategorizado pela anáfora “ um autêntico herói’ por ter, segundo o texto,

evitado uma goleada. Para enfatizar o feito desse jogador, há, inclusive, a quantidade

das defesas praticadas por ele, ou seja, mais um argumento que, ao mesmo tempo em

que comprova eficiência do arqueiro, também reforça a eficiência da seleção belga pela

quantidade de chances criadas. No final desse parágrafo, há também referência à

bandeira norte-americana “star-splanged banner” e ao esforço desse time na partida.

O texto segue utilizando a estratégia da repetição lexical para retomar os dois

objetos de discurso principais: os nomes das seleções. A seleção belga foi retomada

também pela anáfora “time europeu”, e aparece, mais uma vez o epíteto “diabos

vermelhos”. A seleção norte-americana é retomada pelas anáforas diretas “Estados

Unidos” e “americanos”.

Ocorrem ainda a inserção de nomes de jogadores da Bélgica e, pelo lado norte-

americano, o jogador citado continua sendo o goleiro, que será recategorizado pela

anáfora direta “o monstro’’:

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(L4) O segundo tempo foi diferente. O time europeu voltou pressionado, disposto a decidir, e

criou um punhado de chances, obrigando Howard a praticar várias intervenções. Os americanos

quase não conseguiam superar o próprio campo, abusando dos chutões, aceitando o domínio

belga. Marc Wilmots trocou Mertens por Mirallas, que tornou os Diabos Vermelhos ainda mais

ousados. Mas as tentativas morriam nas mãos e nos pés do goleiro. Mirallas e Hazard, livres de

marcação, desperdiçaram oportunidades incríveis. Besler evitou o pior no complemento de Van

Buyten. Origi tentou de fora da área e o monstro deu um tapa para escanteio. (Anexo, p. 170)

Analisando essas relações anafóricas, percebemos que há outros nomes de

jogadores citados que poderiam confundir ou dificultar o estabelecimento da

correferência entre “Tim Howard” e “o monstro”. Para interpretação dessa anáfora, o

leitor teria de se apoiar nas pistas textuais, como, por exemplo, “deu um tapa”, que já

aponta que “o monstro” teria de ser um goleiro, além de conhecer o nome dos jogadores

e suas funções no campo – informação que requer um conhecimento mais específico do

esporte. Isso reitera o que defendem Santos, Riche e Teixeira (2012, p. 20) a respeito

das AD

não basta identificar a que elemento no texto determinado pronome ou

substantivo se refere, porque, muitas vezes, há mais de um elemento

morfossintaticamente capaz de associar-se a esses termos. Para

compreender um texto, é necessário relacionar os elementos de

retomada à construção de seu sentido.

Chama atenção ainda a relação entre as palavras herói e monstro. Fora do texto,

poderíamos pensar em uma relação de oposição; entretanto, dentro do texto, as relações

estabelecidas levam esses vocábulos a designar a mesma entidade, qualificando-a

positivamente. Esse exemplo comprova, claramente, como o texto é uma unidade de

sentido em que se estabelecem relações que só são possíveis dentro dele. Para que essas

relações sejam homologadas, é necessário um trabalho cognitivo, colaborativo de um

coenunciador, que participa ativamente do processo de construção da coerência do

texto. É preciso reconhecer os elementos contextuais pertinentes, os conhecimentos

culturalmente compartilhados, como a noção de que o nome “monstro” pode ser usado,

em especial no futebol, para atribuir uma avaliação positiva. Isso reforça, em última

análise, a tese de que a coerência é uma construção sociocognitiva, ancorada na

interação.

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No fim da notícia, há uma anáfora direta “a arma dos norte-americanos”, que

recategoriza o nome “contra-ataque”, já enunciado em outra parte do texto.

(L4) E lá veio a prorrogação. Nesta, os belgas acabaram ganhando com a arma dos norte-

americanos: aos dois, Lukaku, que entrou com o próprio diabo no corpo, rolou para De Bruyne

fazer 1 a 0. Aos 15, De Bruyne lançou Lukaku, que fuzilou: 2 a 0. Aos 17, no entanto, o jovem

Green, 19 anos, mostrou que não está verde: entrou em campo e diminuiu para 2 a 1.

(Anexo, p. 170)

Tal uso tem um valor argumentativo muito grande, englobado no significado do

vocábulo “arma”. Na sequência, o editor faz uma brincadeira ao afirmar que o jogador

Lukaku “entrou com o próprio diabo no corpo” em uma referência ao apelido “diabos

vermelhos”, pois o jogador foi fundamental nos dois lances que resultaram em gol; no

último lance, inclusive, ele “fuzilou”, verbo que realça tanto a força do chute quanto a

eficiência do jogador em questão. Em seguida, há outro trocadilho, dessa vez com o

nome do jogador Green: ao afirmar que o jovem jogador não “está verde”, ao mesmo

tempo em que há uma referência à tradução do nome jogador para o português, está

presente, de modo implícito, a tese de que o jogador, embora tenha pouca idade, suporta

pressão e sabe ser decisivo em momentos importantes.

Na notícia do jornal O Globo (G4), (cf. anexo, p.171), os nomes das seleções são

enunciados e introduzidos no texto logo no subtítulo. Ao longo da notícia, esses nomes

vão sendo retomados, principalmente, por repetição lexical.

Em G4, não encontramos o emprego dos epítetos dos times, mas há duas

anáforas diretas que recategorizam as equipes pela referência aos seus técnicos, como a

“equipe comandada por Jürgen Klinsman” (Estados Unidos), por exemplo, em que se

destaca o nome do técnico, conhecido jogador de sucesso do futebol alemão e, ao final

do texto, a seleção belga foi recategorizada como “equipe de Marc Wilmots”, menos

famoso do que seu colega alemão:

(G4) os belgas impediam os avanços da equipe comandada por Jürgen Klinsmann, mas

esbarravam na falta de objetividade do ataque, que não conseguia concluir as jogadas. (...)

Apesar das muitas tentativas, a equipe de Marc Wilmots se manteve inabalável, e conseguiu sair

da Fonte Nova com a vitória . (Anexo, p. 171)

Por meio dessas escolhas, podemos inferir uma crítica implícita ao técnico dos

Estados Unidos, que, apesar de toda sua expressão no futebol como importante atacante

alemão, não conseguiu bons resultados à frente da seleção norte-americana.

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As expressões usadas para caracterizar as seleções em G4 tentam simular um

equilíbrio na partida, como pode ser visto nas expressões: “pressão belga”, “pressão

norte-americana”, “belgas”, “norte-americanos”, por exemplo.

Na continuidade da notícia, seguem-se informações sobre a prorrogação, já que

houve empate no tempo regulamentar, e o texto procura reproduzir a tensão verificada

na partida ao dizer que “a temperatura e a velocidade em campo aumentaram”, por

exemplo. Por fim, são narrados os gols belgas e a valentia norte-americana que, mesmo

em desvantagem por dois gols, não desistiu e conseguiu diminuir a diferença sem,

entretanto, chegar ao empate que levaria a partida para os pênaltis.

Ao contrário de L4, em que a orientação argumentativa da notícia é mais

evidente nas anáforas diretas, G4 busca promover um efeito maior de neutralidade, ao

narrar a partida entre Bélgica e Estados Unidos, empregando mais a estratégia da

repetição lexical para retomada das seleções.

4.3.5 Par 5: “Corrida para o Tri” e “De volta após 24 anos”

Esse par de notícias esportivas trata do jogo entre Argentina e Holanda pela

semifinal da Copa do Mundo, em que a Argentina ganhou e foi disputar a final da Copa.

Segue o quadro 7, que apresenta os objetos de discurso analisados nesse par:

Objetos de discurso

analisados no par 5

Anáforas empregadas na retomada

L5 G5

Argentina “Argentina”/ “argentinos”

“Hermanos”/ time de Alejandro

Sabella”

“eles”/ “time”

“Argentina de Messi”

“gigante” / “seleção”

“argentinos”

“sul-americanos”

“geração de Messi”

“país” / “time”

Holanda “Holanda”

“Holanda do ótimo Louis Van Gaal”

“gigante”

“Holanda”/”seleção”

Brasil “Brasil”/ “país vizinho”

“time de Luiz Felipe Scolari”

“Brasil”

Alemanha “responsável pela maior humilhação de

nossa história”

“alemães”

“fantasma”

“ameaça alemã”

“Alemanha” / “rival”

Messi “craque” “Messi”

Robben “astro holandês” -------------------

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Quadro 7: objetos de discurso analisados no par 5

Na notícia do jornal Lance! (L5) cf. anexo, p.173, já pelo título, podemos

perceber o direcionamento do texto para uma valorização da vitória argentina: “Corrida

para o Tri” faz referência à possibilidade de a seleção argentina conquistar o

tricampeonato mundial no Brasil, país com o qual mantém grande rivalidade no futebol.

Embora a notícia narre a partida entre Argentina e Holanda, há diversas referências à

seleção brasileira, que havia perdido um dia antes e estava, portanto, fora da final do

mundial, contrariando expectativa geral de mais um título brasileiro. A notícia se inicia,

inclusive, com o trecho de uma música cantada pela torcida argentina em provocação ao

Brasil – “Brasil decime que se siente” – comparando a vitória da seleção argentina ao

papel que deveria ter sido desempenhado pelo Brasil na competição.

Em relação às estratégias de referenciação, predominam as anáforas diretas

formadas pela estratégia de repetição lexical e as formadas por novas expressões

referenciais na manutenção dos principais objetos de discurso do texto. A seguir, há um

exemplo de uma anáfora direta que recategoriza o objeto de discurso “Alemanha”:

(L5) A Argentina vai fazer a final do mundial em nossa casa com a responsável pela maior

humilhação de nossa história: a Alemanha. (Anexo, p. 173)

A expressão “a responsável pela maior humilhação de nossa história” apresenta

um grande teor avaliativo, uma vez que faz referência ao episódio da derrota sofrida

pelo Brasil por 7 x 1 para Alemanha. Além disso, o texto o tempo todo lembra que a

Argentina disputaria a final no Brasil, reforçando a rivalidade existente entre Brasil e

Argentina e sugerindo que, para o torcedor brasileiro, seria difícil escolher um lado

nessa disputa.

Após essa introdução, a notícia, enfim, começa a entrar no seu assunto principal,

comentando os lances de maior destaque entre Argentina e Holanda e informando que a

partida foi definida somente nos pênaltis, já que houve empate em 0 x 0 no tempo

normal e na prorrogação. No entanto, há uma preocupação em não descrever o jogo

como “chato” por conta da ausência de gols no tempo normal.

(L5) A Argentina venceu a Holanda porque foi muito mais competente nos pênaltis, após 0 a 0

no tempo normal e na prorrogação, mas não foi só isso. Os Hermanos fizeram muito do que o

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time de Luiz Felipe Scolari, que deveria jogar no Maracanã domingo, não o fez na terça no

Mineirão. (Anexo, p. 173)

A seleção argentina é retomada pela AD “Hermanos”, como podemos ver acima,

uma forma, de certo modo, irônica, comum nos textos esportivos, que também aponta

para rivalidade entre Brasil e Argentina. Nesse trecho, há a comparação entre Argentina

e Brasil, recategorizado como “ o time de Luis Felippe Scolari”, enfatizando que a

Argentina está ocupando o lugar que deveria ser do Brasil, na final realizada em

território brasileiro.

O texto segue tratando mais detidamente dos lances e informações da partida.

Argentina e Holanda aparecem recategorizadas, respectivamente, por “time de

Alejandro Sabella” e “Holanda do ótimo Louis Van Gaal”. Essas anáforas diretas, que

têm em comum o nome dos técnicos das duas seleções, contribuem para revelar a

intencionalidade do texto ao enfatizarem os técnicos, já que o próprio jogo foi

encapsulado como uma partida de xadrez, como veremos na seção 4.4.

Em seguida, as duas seleções são recategorizadas pela expressão “duas

gigantes”, mais uma vez, reforçando a expressão dessas duas seleções no cenário

mundial. Ao descrever os últimos lances que poderiam ter modificado o placar da

partida e a sorte de cada time na competição, foi empregada uma AD que apela bastante

para o conhecimento compartilhado dos interlocutores:

(L5) Robben, lembrando a final de 2010 diante da Espanha, teve essa bola aos 45 minutos do

segundo tempo. Foi travado por Mascherano, um monstro.

O astro holandês jogou pro alto a chance de fazer história. E permitiu aos argentinos escrevê-la.

(Anexo, p. 173)

A AD “o astro holandês” refere-se a Robben, importante jogador holandês. Caso

o leitor não conhecesse esse jogador, poderia chegar a essa conclusão por meio da

arquitetura textual, já que o texto informa que ele teve “essa bola”, uma bola que

poderia decidir o jogo. Logo, foi ele quem jogou para o alto a “chance de fazer

história”. Há outras informações mais dependentes da bagagem cultural dos

interlocutores, como a nacionalidade e a menção à final da copa de 2010, em que o

mesmo jogador holandês também desperdiçou uma oportunidade de decidir o jogo.

A seleção argentina, ao final do texto, foi recategorizada pela expressão

“Argentina de Messi”, para logo a seguir ser retomada como “a Argentina de todos”,

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finalizando a notícia com um destaque para a coletividade da seleção sul-americana, que

não precisou do seu ídolo para chegar à final. O objeto de discurso Holanda foi

retomado, ao final, pela estratégia de repetição lexical.

O final do texto retoma a intertextualidade com a música da torcida, citada na

introdução da notícia, reforçando a rivalidade entre Brasil e Argentina:

(L5) Certo é que, assim como o 8 de julho para os brasileiros, esse 9 de julho nunca será

esquecido pelos argentinos. No dia da independência do país, eles ficaram a um jogo de

conquistar o Brasil, a eternidade. Brasil decime que se siente... (Anexo, p. 173)

L5 se encerra retomando a derrota sofrida pelo Brasil no dia anterior (8 de julho)

e afirmando que, para os argentinos, o nove de julho também será inesquecível para os

argentinos – retomados pelo pronome “eles”, que conquistaram a disputada vaga na

final, para tristeza dos torcedores brasileiros.

No jornal O Globo, a notícia (G5) cf. anexo, p.174 também destaca a

classificação argentina, depois de tantos anos sem disputar uma final de mundial, o que

pode ser verificado logo no título “De volta após 24 anos”. Do mesmo modo que a

notícia do jornal Lance!, a seleção brasileira e a sua sofrida derrota para a Alemanha

também são mencionadas, a fim de construir a imagem da superioridade da seleção

alemã.

Em relação às estratégias de referenciação, em G5, a estratégia mais recorrente é

a repetição lexical dos objetos de discurso Argentina e Holanda. O nome Argentina foi

retomado por repetição cinco vezes e o nome Holanda, quatro vezes.

A introdução da notícia anuncia a volta da Argentina a uma final de copa com

contornos dramáticos, marcados pelo tempo em que essa seleção está sem participar de

nenhuma final e sem conquistar títulos. O exemplo abaixo mostra a caracterização do

adversário, a Alemanha:

(G5) A volta a uma final de Copa do Mundo após 24 anos, a busca pelo título após 28, tudo isso

leva a Argentina a reencontrar um fantasma. A Alemanha, que eliminou os sul-americanos nos

dois últimos Mundiais, está novamente no caminho.

(Anexo, p.174)

Esse objeto de discurso foi recategorizado pela anáfora prospectiva “fantasma’,

por já ter vencido a Argentina em outras finais e pela goleada que impusera ao Brasil na

outra semifinal. Essas informações, mencionadas logo na introdução, contribuem para

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dimensionar o desafio que a seleção argentina, recategorizada pela expressão “sul-

americanos”, terá pela frente.

A seleção argentina também é recategorizada por meio da expressão “geração de

Messi”, que destaca o principal e mais famoso jogador dessa seleção. Já a Holanda é

retomada por meio de repetição lexical, pois há pouco destaque à Holanda, devido à

sua derrota e consequente eliminação, como podemos ver abaixo:

(G5) Nos pênaltis, após 120 minutos sem gols em uma semifinal amarrada contra a

Holanda, com mais táticas e cuidados defensivos do que ousadia, a geração de Messi

manteve vivo o sonho de levar os argentinos a quebrar o jejum e fazer história em pleno

Maracanã. Por enquanto, o tamanho da ameaça alemã foi assunto evitado.

(Anexo, p. 174)

No final do trecho acima, notamos ainda a seleção alemã recategorizada como

“ameaça alemã”, afirmando que “foi um assunto evitado”, destacando, mais uma vez, a

superioridade da Alemanha, principalmente depois de derrotar o Brasil.

O restante da notícia é composto por trechos de entrevista com jogadores e

técnicos das duas seleções, como, no exemplo abaixo, em que se destaca um trecho da

entrevista com o volante da seleção argentina, Mascherano:

(G5) – Amanhã pensamos nisso (nos 7 a 1). Esperei tanto tempo por este momento, estar na

final é um sonho. Por favor, me deixem desfrutar. Vamos enfrentar um grande time, mas por

que não tentar? – disse o volante Mascherano, um dos melhores em campo. (Anexo, p. 174)

Esse par de notícias apresenta conteúdo temático e orientação argumentativa

bastante semelhantes, sendo possível perceber que a diferença entre as notícias recai na

seleção dos recursos para veiculação desses sentidos, principalmente pela comparação

entre as anáforas diretas com avaliação mais explícita e na utilização de entrevistas por

parte do jornal O Globo. Em G5, há a narrativa de que a semifinal foi um jogo difícil

em que prevaleceram táticas e um jogo mais defensivo, do mesmo modo como foi

narrado em L5, como pode ser percebido no emprego de anáforas diretas que iam além

da repetição lexical e apresentavam viés avaliativo mais explícito.

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4.3.6 Par 6: “Oshowa” e “México segura o Brasil”

O seguinte par de notícias a ser analisado trata da partida entre Brasil e México

pela fase classificatória da Copa do Mundo cujo placar foi marcado por um empate sem

gols. Os objetos de discurso avaliados nesse par encontram-se expostos no quadro 8:

Objetos de discurso

analisados no par 6

Anáforas empregadas na retomada

L6 G6

México “México”

“Um México que não se apequenou”

“Um México que cresce”

“México” / “seleção”

“jogadores mexicanos”

Brasil “Brasil”/ “Seleção brasileira”

“equipe”/ “Seleção”/“time”

“uma equipe que depende tanto de

Neymar quanto do Hino antes do jogo”.

“Brasil”

“Seleção brasileira”

“Seleção”/ “time”

“equipe brasileira”

Ochoa “Oshowa”, “Ochoa” “Ochoa”

“mãos milagrosas de Ochoa”

Neymar “Neymar” “o camisa 10 da seleção”

Quadro 8: objetos de discurso analisados no par 6

Em L6 (cf. anexo, p. 176), o início do texto se destaca pelo título bastante

expressivo, promovido pelo cruzamento vocabular “Oshowa”, que resulta da junção do

nome Ochoa (goleiro do México) com a palavra show. Aproveitando-se da semelhança

fônica entre esses dois vocábulos, esse cruzamento já instaura no texto um efeito de

humor, além de demarcar o destaque positivo ao goleiro do México. Para compreender

essa construção, é necessário resgatar as pistas estruturais oferecidas e conectá-las a

informações contextuais e ao conhecimento compartilhado.

O subtítulo da notícia confirma a orientação argumentativa anunciada pelo título,

citando o goleiro Ochoa e sua atuação eficiente evitando os gols da seleção brasileira.

Entretanto, o primeiro parágrafo mostra que o empate ocorreu não só pela atuação do

referido goleiro mas também por uma atuação ineficiente do Brasil, como comprovam

as expressões “tropeça” e “pálida atuação”. O objeto de discurso Ochoa é retomado

nesse parágrafo pela anáfora direta “goleirão”, em que o sufixo reforça a avaliação

positiva.

A seguir, a notícia narra alterações táticas promovidas pelo técnico da seleção

brasileira na sua tentativa de poupar o atacante Hulk e como essa alteração mexeu com

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todo o time. Nesse trecho, a referência à posição dos jogadores dentro do campo e sua

função dentro dele evidenciam a necessidade de conhecimentos enciclopédicos

compartilhados sobre o futebol para alcançar a totalidade do que se está descrevendo na

notícia, como podemos ver no excerto abaixo:

(L6) Felipão poupou Hulk e, por tabela, mudou taticamente a equipe. Oscar, o melhor contra a

Croácia, foi atuar pela esquerda, na de Hulk. Ramires, com outra característica, foi fazer a

direita do 4-3-2-1 – onde Oscar brilhou na estréia. Por dentro, próximo de Fred, Neymar, como

todo o Brasil, fez um primeiro tempo discreto. De ótimo apenas uma bela cabeçada

espetacularmente defendida por Ochoa.

Demérito da seleção que se mexeu ainda menos contra um México que não se apequenou.

(Anexo, p. 176)

Do mesmo modo que há uma crítica à seleção brasileira, há uma valorização da

atuação da seleção mexicana. O objeto de discurso México foi recategorizado, por duas

vezes ao longo do texto, por uma expressão constituída de artigo indefinido + nome +

modificador, como em “Um México que não se apequenou”. Nessa expressão, a oração

adjetiva contribui para recategorizar o nome México, mostrando que tal seleção não se

intimidou frente à seleção brasileira. Além disso, como já utilizado em outra notícia, o

uso do artigo indefinido nessa anáfora direta contribui para atualizar esse referente

dentro do texto, como se fosse um novo objeto de discurso, com novas características.

Esse exemplo mostra o dinamismo do texto como processo, constituindo um jogo

contínuo de ativação e desativação de referentes, de modo que seja perfeitamente

possível entender o uso do artigo indefinido nessa anáfora direta.

A notícia continua com mais referências à posição de jogadores e esquemas

táticos. Sobre as estratégias de referenciação, há repetição lexical de México e Brasil ou

o uso do substantivo “time”. Já no encerramento da notícia, notamos uma retomada das

principais avaliações sobre o jogo e sobre as duas seleções, conforme o trecho a seguir:

(L6) O Brasil não jogou bem e, pior, deixou jogar um México que cresce. O que ainda não

justifica alguns sustos defensivos brasileiros, bem defendidos por Luiz Gustavo, Thiago Silva e

David Luiz. Defesa que sustentou uma equipe que depende tanto de Neymar quanto do Hino

antes do jogo. (Anexo, p. 176)

Nesse trecho, o referente Brasil foi retomado por repetição lexical, e o México,

pela expressão recategorizadoras “um México que cresce”, em que a oração adjetiva

reforça a avaliação positiva da seleção mexicana delineada ao longo de todo a notícia.

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De todo modo, mesmo o crescimento da seleção mexicana, segundo o autor da notícia,

não é motivo suficiente para o “susto brasileiro”. Para finalizar, a seleção brasileira foi

recategorizada pela expressão “uma equipe que depende tanto de Neymar quanto do

hino antes do jogo”. Essa expressão, ao mencionar o nome de Neymar e o Hino,

apresenta uma carga argumentativa bastante forte. Neymar era e ainda é um jogador de

prestígio internacional, maior promessa do futebol brasileiro, e a referência ao Hino se

justifica pelo hábito da torcida brasileira nessa copa de continuar cantando o Hino à

capela, o que causava comoção nos jogadores, muitos choravam, inclusive. Podemos,

então, inferir uma crítica negativa tanto à dependência de Neymar quanto à reação

provocada pelo Hino.

A notícia do jornal Globo (G6) cf. anexo, p.177 também se inicia destacando a

seleção mexicana, como podemos ver no título “México segura o Brasil”. Já no

subtítulo, há o foco no goleiro Ochoa, ao dizer que ele “brilhou”, e à torcida mexicana

que “deu show”.

Em G6, o texto se inicia descrevendo os dias que antecederam a partida e o

pedido feito pela seleção para que a torcida apoiasse a equipe e cantasse o hino. A

notícia informa que o estádio estava cheio, porém a torcida mexicana também esteve

presente apoiando sua seleção. Nessa notícia, o empate é visto como um resultado bom

para as duas seleções, explicando que ambas devem ser classificadas do grupo. Algumas

informações adicionais são citadas, como a data do último empate sofrido pela seleção

brasileira em copas do mundo e a longa sequência de vitória do treinador Luis Felipe

Scollari. Ao contrário das notícias do jornal Lance!, os textos do jornal O Globo,

frequentemente, trazem mais informações sobre a partida, jogadores e também

curiosidades, estatísticas sobre o desempenho das seleções. Em relação às estratégias de

referenciação, em G6, prevalece a estratégia de repetição lexical ou a retomada com o

uso da palavra “seleção”.

No excerto abaixo, marca-se a dificuldade do Brasil, recategorizado como “a

equipe brasileira”, para vencer o México, conforme pode ser observado na expressão

“furar o forte bloqueio mexicano”, que enfatiza a boa atuação dessa defesa. Finalizando

o exemplo, a predicação atribuída ao goleiro Ochoa (“brilhou”) reitera a eficiência da

defesa mexicana, já que o goleiro defendeu os melhores ataques da seleção brasileira.

(G6) Com Oscar bem abaixo da estreia e Neymar muito bem marcado, a equipe brasileira teve

dificuldades para furar o forte bloqueio mexicano. No primeiro tempo, as melhores chances do

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Brasil foram numa cabeçada de Neymar aos 25 e numa conclusão de Paulinho, após lindo passe

de Thiago Silva com o peito, já nos acréscimos. Em ambas Ochoa brilhou. (Anexo, p. 177)

Na continuidade do texto, há o subtítulo, intitulado “Ramires foi mal”, em que

são descritas as modificações feitas pelo treinador na seleção brasileira:

(G6) Como Ramires, que substituiu Hulk, foi muito mal, Felipão lançou Bernard no intervalo.

Mesmo assim, o time não melhorou. Continuou excessivamente dependente de Neymar. O

camisa 10 da seleção, por sinal, quase fez um belo gol, aos 23. Mas novamente, parou em

Ochoa.

A entrada de Jô no lugar de Fred, que nada fez em campo, também não surtiu efeito. O

atacante só brigou com a bola. (Anexo, p. 177)

Como podemos ver, há os nomes dos jogadores, quais jogadores foram

substituídos e quais entraram em campo, mas não há muitas referências a esquemas

táticos e nem a posições dos jogadores dentro do campo.

Chama atenção a anáfora direta empregada para recategorizar o jogador Neymar:

“camisa 10”. Mais do que informar o número da camisa, ser o camisa 10 da seleção

implica ser o jogador mais importante, o craque do time, é uma expectativa de que seja

o jogador mais decisivo. Muitas vezes, em programas esportivos de debates e análise

tática, fala-se no “camisa 10”, de modo abstrato, com frases como “Flamengo precisa de

um camisa 10”, por exemplo. Portanto, há, nessa anáfora direta, uma informação

cultural sobre futebol que contribui para qualificar Neymar. É interessante notar que

essa qualificação não está marcada por um adjetivo ou alguma expressão de valor

adjetivo, mas atrelada ao conhecimento compartilhado ativado pelo substantivo e pela

expressão numérica.

No final, há o sintagma nominal “atacante”, que retoma Jô, marcando a função

desse jogador no campo. O uso de dessa AD mostra como o processo de retomada está

diretamente ligado às pistas textuais, já que a expressão “o atacante” poderia servir

como correferente tanto para Jô quanto para Fred, pois ambos são atacantes. O

processamento desse referente está relacionado à mobilização de um conjunto de

informações sugeridas e apontadas pelo/no texto, como, por exemplo, a informação de

que o jogador havia acabado de entrar na partida.

A notícia se encerra mostrando que o México cresceu dentro do jogo, o que é

sugerido por informações como “ México com mais posse de bola”, “ameaçou o gol de

Júlio César”, dentre outras. E, para finalizar, o goleiro Ochoa é retomado,

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metonimicamente, pela expressão “nas mãos milagrosas de Ochoa” por ter defendido

uma cabeçada de Thiago Silva, aos 40 minutos do segundo tempo.

As duas notícias apresentam uma condução argumentativa um pouco diferente.

Enquanto em L6 há uma preocupação em demonstrar a evolução da seleção mexicana e

como, em alguns momentos, ameaçou o Brasil, em G6 a ideia é que a seleção brasileira,

apesar de uma boa atuação, não conseguiu segurar o bloqueio mexicano e parou “nas

mãos milagrosas de Ochoa”. Por esse motivo, percebemos diferenças nas anáforas

diretas empregadas, principalmente, para a retomada da seleção mexicana.

G6 também apresenta alguns dados estatísticos, para além da narração da

partida, como a informação sobre o ano do último empate do Brasil e um trecho da

entrevista do técnico brasileiro, o que não notamos em L6. Também notamos diferenças

na descrição dos esquemas táticos que estão resumidos e pouco detalhados em G6; já

em L6 o apelo ao conhecimento compartilhado é maior, pois são empregadas

numerações, nomes de posições e táticas que demandam maior conhecimento do

interlocutor para sua interpretação.

4.3.7 Par 7: “Um dia sem fúria” e “Laranja amarga”

O próximo par de textos trata da partida entre Holanda e Espanha pela fase de

classificação da Copa do Mundo. Tratava-se da estreia de ambos os times na Copa, em

Salvador. Iniciamos com a apresentação dos objetos de discurso analisados nesse par:

Objetos de discurso

analisados no par 7

Anáforas empregadas na retomada

L7 G7

Espanha “Fúria” / “campeões mundiais”

“adversário”

“espanhóis” / “Espanha”

“Espanha”/ “Espanhóis

“protagonista Espanha”

“equipe”

Holanda “Laranja” / “Laranja de azul”

“Holanda” / “holandeses”

“equipe renovada”

“Laranja amarga” /

Laranja azul”

“Holanda”/ “Holandeses”

“papel de coadjuvantes”

“equipe”/ “outra Holanda”

Robben “Robben”, “ele” “Holandês de 30 anos”/

“Robben”

Casillas “Casillas” / “goleiro” “goleiro espanhol” /

“arqueiro”

Van Persie “Van Persie” “o camisa 9”

Quadro 9: objetos de discurso analisados no par 7

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O título da notícia do jornal Lance! (L7), cf. anexo, p.178, apresenta uma

expressão que remete a um duplo sentido. Em “Um dia sem fúria”, o substantivo “fúria”

pode se referir tanto à seleção espanhola, já que representa seu apelido, como pode

referir-se ao fato de a Espanha ter sido goleada, isto é, sua fúria – em uma relação

metafórica com seu futebol – não funcionou. De todo modo, podemos notar que a

palavra fúria antecipa o referente que será enunciado no subtítulo do texto “campeã

mundial Espanha”, funcionando como uma AD prospectiva, conforme verificado no

trecho abaixo:

(L7) Um dia sem fúria

Sem dó, nem piedade, campeã mundial Espanha é humilhada pela Holanda na reprise da final

da Copa da África do Sul de 2010. (Anexo, p. 178)

Chamam a atenção as expressões que revelam o tamanho da derrota sofrida pela

Espanha, logo na primeira linha. A escolha do verbo humilhar como predicador é

bastante degradante para uma seleção, que foi enunciada no texto como “campeã

mundial”. Além disso, a escolha desse verbo, bem como as expressões “sem dó”, “nem

piedade” também contribuem para trazer carga dramática ao texto, como é comum nas

notícias esportivas, constituindo o que Costa (2010) chama de “folhetinização da

notícia”. De acordo com a autora, embora essa dramatização não seja exclusiva da

editoria de esportes, tal característica é ampliada nos textos esportivos, principalmente

na cobertura do futebol e em competições importantes, como uma Copa do Mundo, que,

para a autora, constitui ótimo exemplo de como o jornalista pode lançar mão de recursos

narrativos próprios da ficção. Nas palavras de Costa (2010, p.68),

Muitas reportagens sobre futebol produzidas pela imprensa têm o

excesso como marca forte, assim como o suspense, a polêmica e uma

visão de mundo maniqueísta, dividida entre o bem e o mal, o certo e o

errado, entre heróis e vilões. A ênfase no caráter dramático dos lances

de uma partida, em cenas lacrimosas, em depoimentos eivados de

emotividade, é constante em muitas reportagens.

O primeiro parágrafo do texto é bastante criativo e funciona como uma

apresentação da linha de raciocínio do texto: a sofrida derrota da Espanha e a eficiência

do time holandês. O parágrafo se inicia com uma AD que recategoriza a seleção

holandesa pelo seu apelido “laranja”. Porém, mais do que a estratégia de referenciação

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em si, cabe analisar toda a frase: “a Laranja – de azul – voltou a ser Mecânica”. O

especificador “de azul” está entre os travessões justamente para destacar que, apesar de

a cor tradicional da Holanda ser o laranja, nessa partida, a seleção holandesa jogou de

azul, seu segundo uniforme. Além disso, o predicado “voltou a ser Mecânica” faz

referência à seleção holandesa da década de 70, conhecida como “Laranja Mecânica”

por sua brilhante atuação nos mundiais de 1974 e 1978 e também pode ter relação com

o famoso filme da época, “Laranja Mecânica”. São, portanto, acionados muitos

significados a partir dessa expressão, não só a referência às cores, mas também a

acontecimentos da história da seleção holandesa e do futebol.

Já a Espanha é recategorizada pela AD “fúria”, seu epíteto. Do mesmo modo

como acontece com a referência à Holanda, é muito importante verificar todas as outras

referências presentes no enunciado. A frase “a fúria ficou só no tiki” relaciona-se ao

famoso estilo de jogo espanhol, tiki-taka, em que há muitos toques de bola e

movimentação, não há lançamentos ou chutões, a bola vai de pé em pé até chegar ao

gol. Entretanto, nesse enunciado, a expressão está separada, de modo que é possível

inferir que esse estilo de jogo não funcionou e, mais do que isso, a Espanha ficou com

outro tique, o nervoso, sugerindo descontrole da equipe na partida. A própria pontuação

– há várias frases em sequência, separadas pelo ponto final – funciona como um recurso

linguístico bastante expressivo para provocar, dentro do texto, o efeito de um

movimento repetido, sugerindo um tique-nervoso. Também chama atenção a expressão

“pois é”, que simula uma conversa com um interlocutor, como se respondesse a uma

possível desconfiança do leitor em relação aos fatos narrados, como podemos ver

abaixo:

(L7) A Laranja – de azul – voltou a ser Mecânica. E a Fúria ficou só no tiki. Nervoso.

Sem o taka. Pois é. Em dia de muito brilho de Robben, que estraçalhou, e desastroso

para o adversário, principalmente para Casillas, a Holanda enfiou 5 a 1 na Espanha, em

Salvador, vingando a derrota de 1 a 0 na decisão da Copa de 2010, na África do Sul. (Anexo, p. 178)

Em relação às estratégias de referenciação, há o emprego de anáforas diretas

formadas pela estratégia de repetição lexical e por expressões referenciais novas, isto é,

que evitam a repetição do referente, para reforçar o projeto de dizer do texto: a Espanha,

como última campeã mundial derrotada, e a Holanda, que, após ter perdido a final na

última copa, apresenta-se reestruturada, sendo recategorizada como uma “equipe

renovada”.

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Em seguida, são descritas as principais jogadas dos dois times, começando pelo

fato de a Espanha ter saído na frente, com gol de pênalti, e pela chance perdida por

David Silva no primeiro tempo.

Na sequência, o pronome demonstrativo “essa” instaura uma anáfora direta que

aponta para a jogada desperdiçada. Trata-se de uma anáfora direta realizada apenas pelo

emprego do pronome que orienta o leitor para encontrar o objeto de discurso que,

sabemos estar saliente na memória discursiva, dentro do cotexto. É um recurso bastante

expressivo, pois percebemos que esse pronome aponta para um lugar do cotexto;

entretanto, a nosso ver não se trata de um caso de dêixis textual nem de dêixis, pois há

um referente enunciado no discurso. Por fim, reiterando a orientação argumentativa

atribuída a importância dessa jogada dentro do contexto do jogo, há a expressão bola

do jogo “bola do jogo” , que encerra o trecho corroborando toda a cadeia referencial

que foi articulada em torno do lance perdido por David Silva:

(L7) O curioso é que a Espanha saiu na frente, gol de pênalti – de De Vrij em Diego Costa – aos

26 minutos, teve maior domínio e desperdiçou uma excelente oportunidade aos 42, por capricho

de David Silva, que tentou encobrir Cillessen. Não seria exagero dizer que essa foi o que se

chama de bola do jogo, pois se entra talvez mudasse o rumo do duelo. Ah... e só tomou o

empate aos 44, num peixinho de Van Persie. (Anexo, p. 178)

No próximo exemplo, a orientação argumentativa principal do texto, que trata da

superioridade holandesa, é reiterada por outras informações presentes no texto no

parágrafo abaixo:

(L7) Veio o segundo tempo, e os holandeses envolveram por completo o adversário, que acabou

perdendo o controle dos nervos e do jogo. Robben fez 2 a 1 aos sete, De Vrij – após falta de

Van Persie em Casillas – aos 19, Van Persie, tomando a bola do goleiro, aos 27, e ele, Robben,

novamente, num gol espetacular: ganhou na corrida de Piqué e Ramos, tirou Casillas do lance e

mandou a pancada à esquerda, 5 a 1. (Anexo, p. 178)

“O adversário” – AD que retoma Espanha – foi “envolvido” pela Holanda de tal

modo que começou a cometer erros, “perdeu o controle dos nervos e do jogo”, por isso

acabou sofrendo uma goleada. O relato de que Casillas (goleiro espanhol) levou um gol

ao perder a bola para um atacante reforça a desorientação do jogador, pois isso é

considerado um erro grosseiro e incomum, ainda mais se tratando de um goleiro (à

época) de um clube espanhol muito famoso, o Real Madrid. Esse lance justifica a

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104

avaliação de que a Espanha “perdeu o controle dos nervos”. Há ainda a presença de

algumas anáforas diretas, como o nome goleiro retomando Casillas e o pronome pessoal

“ele” para retomar “Robben”

O final de L7 não apresenta outras estratégias de referenciação além da repetição

lexical. Entretanto, devemos destacar os adjetivos utilizados para qualificar as seleções

ao final da partida: enquanto os espanhóis estavam assustados, “rezando” para o “apito

final”, os holandeses estavam felizes. A notícia ainda faz um elogio ao treinador

holandês pelo seu trabalho e faz projeções promissoras para o futuro da Holanda na

competição.

A notícia do jornal O Globo (G7) cf. anexo, p. 179 surpreende e apresenta

muitos recursos criativos, como já podemos ver pelo título “laranja amarga”. Essa AD

antecipa o referente Holanda, que será enunciado no subtítulo. Além disso, o adjetivo

“amarga”, faz referência à goleada que aplicou na Espanha: para os espanhóis, a laranja

estava “amarga”.

O início da notícia retoma a derrota sofrida pela Holanda na final da copa de

2010 e como esse jogo tinha um apelo diferente, de revanche. No excerto abaixo,

podemos ver que a expressão “virar o jogo” não se refere ao jogo que está sendo

narrado, mas à final de 2010. As recategorizações dos objetos de discurso Espanha e

Holanda exemplificam essa orientação argumentativa. Em 2010, à Holanda coube “o

papel de coadjuvante”, e à Espanha, o protagonismo, o brilho.

(G7) São necessários 45 minutos para a troca de lados em uma partida. Mas o intervalo

esperado pela Holanda para virar o jogo durou quatro anos. No ciclo entre as Copas, os

holandeses não suportaram o papel de coadjuvantes, enquanto a protagonista Espanha brilhava

como a estrela campeã em sua camisa roja. Até ontem. (Anexo, p. 179)

Após a marcação de tempo “até ontem”, é instaurada uma mudança na

orientação argumentativa no texto, com a narração dos lances da partida e do modo

como ocorreu a vitória holandesa e superioridade na partida de 2014. O jornalista

compara as crenças, costumes e comidas trazidas do continente africano para a Bahia e

afirma que as seleções, retomadas pela AD equipes, trazem desse continente a

rivalidade e os holandeses, o desejo de revanche. Na sequência, Holanda e Espanha são

retomadas pela estratégia de repetição lexical e é relatado o placar da partida, como a

“furiosa goleada”, em que há uma brincadeira com o adjetivo furiosa, que lembra o

apelido da seleção espanhola, sugerindo que a “fúria”, nesse jogo, não era espanhola:

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(G7) Assim como a maioria dos credos, crenças e culinárias vieram da África, as equipes

trouxeram daquele continente para a Bahia a rivalidade e o latente desejo de vingança da

Holanda, que impôs à Espanha uma furiosa goleada de 5 a 1. Jamais um campeão havia estreado

na Copa seguinte levando cinco gols. (Anexo, p. 179)

O próximo parágrafo se inicia com o encapsulador “a inversão de papéis”, que

retoma o conteúdo anterior e a relação estabelecida pelas anáforas diretas “papel de

coadjuvante” e “protagonista Espanha”. Desse modo, esse encapsulamento, como será

explicado na seção 4.4, inicia um novo tópico discursivo: a vitória da Holanda sobre a

Espanha.

Na sequência da notícia, há uma associação interessante na descrição do gol de

cabeça de Van Persie, gol que abriu a goleada holandesa. O jornalista diz que o “voo de

Van Persie sobre a área iniciou a decolagem da Holanda”, uma metáfora para o

movimento de subida do jogador para realizar a jogada; essa metáfora serve de âncora

para o substantivo “decolagem”. A partir desse gol, a Holanda “subiu” e ganhou o jogo

por um amplo placar. Logo após, Van Persie é recategorizado pela AD “camisa 9”,

receber tal camisa significa ocupar o papel de atacante/goleador do time. A escolha

dessa expressão, portanto, indica para o leitor a relevância desse jogador dentro da

seleção holandesa

(G7) O voo de Van Persie sobre a área iniciou a decolagem da Holanda. Após receber passe

certeiro de Blind, o camisa 9 praticamente ficou no ar, com o corpo na horizontal, antes de

cabecear e encobrir Casillas, aos 44 minutos. (Anexo, p. 179)

Na continuidade do texto, há um subtópico, intitulado Piqué no “waka waka”,

em que são descritos os lances do segundo tempo da partida com os outros gols da

Holanda. A referência feita no subtópico à música da Shakira, esposa de Piqué, é

explicada no decorrer do texto. No segundo gol, Robben driblou Piqué, com uma

sequência de dribles no mesmo jogador e esse movimento do corpo de Piqué lembra

uma dança, como enunciado no subtópico. Nesse parágrafo, há ainda menção à Laranja

Mecânica da década de 70, e a curiosidade é que havia um jogador na Holanda que é

filho de um jogador daquela seleção.

No que se refere às estratégias de referenciação, Espanha é retomada por

estratégias de repetição lexical ou pela palavra “seleção”, como também acontece com o

objeto de discurso Holanda.

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(G7) O grande final foi definido pelo destino. Quatro anos antes, Robben perdeu um gol na

decisão, em chute defendido por Casillas. Era preciso deixar o goleiro espanhol aos seus pés. A

corrida que o holandês de 30 anos deu, do meio-campo até a área da Espanha, aos 35 do

segundo tempo, mostra a disposição de reescrever a sua história. (Anexo, p. 179)

A expressão “o Holandês de 30 anos” retoma Robben, citado anteriormente. É

interessante notar que a mesma jogada também mereceu destaque no Lance!, como “gol

espetacular”.

Para finalizar a notícia, são utilizados alguns vocábulos que contribuíram para

carregar o tom dramático do lado espanhol, como “incredulidade”, por exemplo. Ao

goleiro espanhol foram atribuídos os adjetivos “humilhado” e “cabisbaixo”, já o jogador

holandês “passou radiante”. Essas expressões oferecem um tom emocional e dramático

à notícia, confirmando o que Costa (2010) já tinha apontado em sua análise sobre o

jornalismo esportivo de futebol.

Assim como em L7, as palavras escolhidas para compor a notícia revelam muito

do projeto de dizer do texto. O mesmo verbo foi escolhido, no subtítulo, para

caracterizar a ação holandesa: “humilha”. Outros vocábulos como “vinga” ou a

expressão “torcida canta olé” também corroboram para dramatizar a derrota sofrida pela

Espanha. O lance do gol de Robben, por exemplo, foi descrito nas duas notícias. No

entanto, em G7, a jogada é descrita sem envolver o nome dos defensores, com foco em

Robben, principal jogador holandês, e o texto fornece mais informações para auxiliar o

leitor na (re)construção de sentidos. Já em L7, há menos informações e uma necessidade

maior de o interlocutor conhecer os jogadores que estão envolvidos no lance.

4.3.8 Par 8: “Close nele” e “Chucrute na Bahia”

Esse par de textos trata do jogo entre Alemanha e Portugal, pela fase de

classificação da copa do Mundo, no estádio conhecido como Fonte Nova localizado na

Bahia. No quadro 10, há os objetos de discurso analisados e as anáforas empregadas na

estratégia de retomada:

Objetos de discurso

analisados no par 8

Anáforas empregadas na retomada

L8 G8

Alemanha “ Alemanha de Thomas Muller”

“comandados de Löw”

“Alemanha” / “rival

‘tricampeões”

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“bloqueio alemão” “Alemanha de Muller”

Portugal “time recuado” / “Portugal”

“zaga adversária” / “os lusos”

“portugueses”

“Portugal”

“time ibérico”

Thomas Muller “novo artilheiro da Copa” /“ele”

“Muller”

“ artilheiro do mundial até

agora”

Cristiano Ronaldo

“Cristiano Ronaldo” “Cristiano Ronaldo” /

“Ronaldo” / “um Ronaldo

“craque”/ “o melhor jogador do

mundo”

Ronaldo Fenômeno -------------------------------- “o outro” / “esse Ronaldo”

Pepe “Pepe” “ele”, “brasileiro naturalizado

português”

Quadro 10: objetos de discurso analisados no par 8

O título da notícia do jornal Lance!, (L8) (cf. anexo, p. 180) “Close nele”,

apresenta uma AD que introduz um referente que será enunciado no subtítulo do texto:

(L8) Close nele!

Alemanha não toma conhecimento de Cristiano Ronaldo e goleia com show de Thomas Muller,

novo artilheiro da Copa, que deixa Klose no banco. (Anexo, p. 180)

A palavra “Close” promove um duplo sentido, pois se poderia imaginar que,

pela semelhança fônica, refere-se ao famoso jogador Klose, um dos maiores goleadores

da história das Copas. Entretanto, lendo o subtítulo e o restante do texto, percebemos

que se trata de uma referência ao seu companheiro equipe, Thomas Muller.

A expressão “nele” é uma AD pronominal que introduz um novo objeto de

discurso ao texto, deixando-o em evidência, isto é, fica em foco na memória textual.

Conforme atesta Koch (2005), um pronome prospectivo pode ser um recurso de

suspense, que leva o leitor a imaginar qual seria o referente, estratégia que pode ser

interessante a depender do gênero textual em questão. Santos e Colamarco (2014), por

exemplo, mostram como essa estratégia tende a ser recorrente em narrativas de terror.

L8 se inicia citando Cristiano Ronaldo, por ser um jogador português famoso

mundialmente, afirmando que ele ficou perdido em campo, “não viu a cor da bola”. Em

seguida, a Alemanha é recategorizada pela expressão “Alemanha de Thomas Muller”,

em referência ao craque alemão, até então desconhecido no cenário mundial. Na

sequência, o sintagma nominal “a estratégia de Paulo Bento” sintetiza o conjunto de

ações tomadas pelo treinador português, que serão descritas no próximo parágrafo, para

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neutralizar o ataque alemão, que já havia goleado outras seleções nesse início de

competição. Nesse caso, a avaliação não está dentro do sintagma nominal, mas na

predicação em torno, em expressões como “derrubar”, “desastrada”, dentre outras:

(L8) Alemanha de Thomas Muller, que precisou de apenas um tempo para enfiar 4 a 0 e

derrubar a estratégia de Paulo Bento, que se revelou absolutamente desastrada, dado que suas

previsões caíram por terra com extrema rapidez. (Anexo, p. 180)

Com a leitura do texto, entendemos que “a estratégia” consistia em manter o

time recuado e apostar nos contra-ataques, tendo em vista a velocidade de alguns

jogadores do ataque, dentre eles, Cristiano Ronaldo. Paulo Bento é retomado pela AD

“treinador”, que acrescenta, para quem desconhecia, seu papel na equipe portuguesa.

As ações do treinador alemão também são evidenciadas, já que ele ganha o

crédito de ter percebido as intenções do treinador português e ter adiantado a marcação

dos alemães. Nesse sentido, a defesa alemã é chamada de “bloqueio alemão”, as

chances de gol da seleção alemã foram encapsuladas como “as oportunidades”, o que

sugere, para o leitor, que se tratava de uma excelente partida executada pela seleção

alemã, pois, ao mesmo tempo em que sua defesa criava “um bloqueio”, o ataque criava

“oportunidades”.

As ações continuam sendo descritas do ponto de vista do ataque alemão. Na

sequência, notamos alguns exemplos:

(L8) Certa de que Portugal, sem outra opção, sairia para tentar diminuir o vexame, preferiu

recuar, para ampliar o resultado nos contra-ataques. Enquanto os lusos esbarravam no muro

adversário – o de Berlim já foi abaixo – os comandados de Löw recuperavam a bola, trocavam

passes medidos e vez por outra arriscavam na frente. (Anexo, p. 180)

Os portugueses são retomados pela AD “lusos”, na frase “os lusos esbarravam

no muro adversário”, isto é, a defesa alemã, retomada por meio de uma anáfora indireta,

processo que será tratado em outra seção. O jornalista faz ainda uma relação baseada em

conhecimentos históricos entre esse “muro”, ou seja, o esquema defensivo alemão, que

continua firme, ao passo que o muro de Berlim, que já caiu. Ainda nesse parágrafo, a

Alemanha volta a ser retomada pela AD “os comandados de Löw”, que envolve o nome

do treinador alemão e a expressão “comandados”, aqueles que implementam a estratégia

proposta pelo comandante/treinador. Essa associação entre termos militares e futebol é

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recorrente nas notícias do jornal Lance!, principalmente quando a notícia trata de jogos

da Alemanha.

Ao final da notícia, as duas seleções são retomadas pela estratégia de repetição

lexical, e o texto se encerra, reforçando a supremacia alemã sobre Portugal, ao dizer que

“ficou barato” devido ao calor do dia. Há, por fim, uma alusão às comidas baianas ( o

vatapá e o dendê) como se elas fossem a razão para a derrota de Portugal. Trata-se de

um recurso recorrente nas notícias esportivas, principalmente no jornal Lance!, a

referência a traços culturais dos países e cidades onde ocorrem as partidas.

A notícia do jornal O Globo (G8) cf. anexo, p.181 também destaca a expressiva

vitória alemã. O título, “chucrute na Bahia”, ao lembrar um típico prato alemão, já

sugere que a equipe alemã obteve êxito na Bahia.

As duas seleções são enunciadas logo no subtítulo, que também menciona o

principal jogador alemão, através da AD “o artilheiro do mundial até agora”. A notícia

se inicia afirmando que a Alemanha já “bateu um Ronaldo, agora falta o outro”, que,

além de ser referir ao Cristiano Ronaldo, jogador mais famoso da seleção portuguesa,

também faz referência ao ex-jogador brasileiro, Ronaldo, que até a Copa de 2010 era o

maior goleador da competição e estava para ser superado, em 2014, pelo jogador

alemão Thomas Müller. Nesse parágrafo, dá-se grande destaque ao jogador alemão de

forma que a própria seleção alemã é recategorizada pela AD “Alemanha de Müller”,

reforçando a ênfase na estrela do futebol alemão na Copa de 2014.

Em seguida, o jogador Cristiano Ronaldo é recategorizado através da AD “o

melhor jogador do mundo”, e a Alemanha, pela expressão “tricampeões”. Percebemos,

ao longo do texto, que a descrição das ações da seleção portuguesa está muito

relacionada às ações do jogador Cristiano Ronaldo, sugerindo que a equipe de Portugal

seja muito dependente de seu jogador principal, como também acontece no exemplo

abaixo:

(G8) “Se fosse Portugal uma equipe independente de seu craque, Fábio Coentrão teria chutado a

gol no início, mas preferiu tocar (errado) para Ronaldo, em chance clara”. (Anexo, p. 181)

Como podemos ver no trecho acima, Cristiano Ronaldo é retomado duas vezes:

uma por meio da AD “seu craque” e outra pelo seu nome “Ronaldo”. Além disso, fica a

avaliação de Portugal como uma equipe presa ao talento de Cristiano Ronaldo.

Na sequência das ações, há um novo tópico, intitulado “Pepe leva o cartão

vermelho”, em que são narradas as ações que culminaram no terceiro gol alemão, como

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o fato de o zagueiro Pepe ter acertado o rosto do jogador alemão Müller com a mão,

como mostra o excerto abaixo:

(G8) “Pepe não andava bem da cabeça: aos 36, ele acertou o rosto de Müller com a mão. Com o

alemão sentado, o brasileiro naturalizado português deu-lhe uma cabeçada e foi expulso. O

outro zagueiro, Bruno Alves, “contribuiu” aos 46, ao rebater fraco a bola, que Müller roubou

antes de fuzilar para o gol: 3 a 0” (Anexo, p. 181)

De modo interessante, o parágrafo começa com a frase “Pepe não andava bem

da cabeça”, expressão que indica um sentido figurado, cujo conteúdo será justificado

mais adiante com as informações sobre as duas infrações que ele cometeu, como a

cabeçada no jogador alemão. Nesse sentido, podemos inferir que a frase citada indica

uma ironia em relação ao lance agressivo que o jogador protagonizou.

Além disso, a frase inicial faz um link com o final do parágrafo anterior, que é

encerrado narrando a falha de Pepe no gol de cabeça da Alemanha, dizendo que o

jogador “perdeu de Hummels na subida”. O zagueiro Pepe, nesse trecho, foi retomado

pelo pronome pessoal “ele” e depois pela AD “o brasileiro naturalizado”, que acrescenta

uma nova informação sobre o zagueiro.

Ainda nesse subtópico, há um exemplo de AD que chama atenção pelo seu apelo

ao conhecimento compartilhado para sua interpretação, conforme segue abaixo para

apreciação:

(G8) Apesar de Paulo Bento pôr um novo zagueiro em campo no segundo tempo, Portugal

continuou igual, frágil. E a Alemanha manteve a potência. Com a saída de Fábio Coentrão,

também machucado, a chance do trio português do Real Madrid ter sucesso estava limitada a

Ronaldo. Que nada fez. (Anexo, p. 181)

A expressão “trio português do Real Madrid” retoma, por meio de uma AD, os

jogadores Cristiano Ronaldo, Fábio Coentrão e o zagueiro Pepe. A referência aos dois

primeiros jogadores – Cristiano Ronaldo e Fábio Coentrão – pode ser homologada pelas

informações contidas no parágrafo. Entretanto, chegar à conclusão de que o trio se

completa com o jogador Pepe não depende somente de pistas textuais, visto que tal

jogador tinha sido enunciado no parágrafo anterior quando se falava da sua cabeçada e,

após a sua menção, outros jogadores de Portugal foram mencionados, como o zagueiro

Bruno Alves, por exemplo. Esse exemplo mostra como uma anáfora direta pode ser

extremamente dependente de inferências. Ainda que tenham um correferente expresso

no cotexto, a interpretação dessa anáfora depende de processos cognitivos, acessando,

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assim, informações relevantes na memória para ativar o conhecimento necessário para

tal inferência (cf. SCHAWRZ, 2007, p. 5). As anáforas diretas, portanto, podem

apresentar mais ou menos dependência do contexto cultural compartilhado entre os

interlocutores. Acreditamos ainda que essa possibilidade está diretamente relacionada

aos propósitos comunicativos do texto e ao gênero textual em que tais processos

emergem, construídas na interação.

O encerramento do texto retoma os dois objetos de discurso centrais – Portugal e

Alemanha – por meio de repetição lexical e ressalta a superioridade alemã e o baixo

desempenho de Portugal e a referência a Ronaldo, jogador português derrotado, e

Ronaldo, jogador brasileiro que perderia dias depois seu título de maior goleador em

Copas do Mundo para um novo jogador alemão.

Ambos os textos, L8 e G8, valorizam a vitória alemã devido à goleada que essa

seleção impôs aos portugueses, mesmo com a presença do craque com fama mundial,

Cristiano Ronaldo.

4.4 Análise das anáforas encapsuladoras nas notícias esportivas

As anáforas encapsuladoras se apresentam como uma escolha com a capacidade

de sumarizar informações presentes no cotexto e, ao mesmo tempo, transformá-las em

novo objeto de discurso. Foram verificados alguns casos de anáforas encapsuladoras no

corpus que mostram a dupla funcionalidade dessa estratégia, podendo incorporar,

inclusive, certo teor avaliativo ao texto.

Os primeiros exemplos a serem discutidos são aqueles que apresentam, mais

explicitamente, um papel de organizador e de articulação entre as partes do texto, como

o exemplo abaixo, retirado do jornal O Globo, que narra a partida entre Uruguai e

Inglaterra:

(G1) O resultado, porém, não significa o adeus da outra campeã do mundo, a Inglaterra. Tudo

dependerá do jogo de hoje entre Itália e Costa Rica, no Recife. Um empate elimina os ingleses.

Assim como uma vitória costarriquenha. Isso porque, com esse resultado, os ingleses não

conseguirão alcançar a pontuação de pelo menos dois rivais do Grupo D. (Anexo, p. 162)

O encapsulador “o resultado” faz a articulação entre os parágrafos anteriores do

texto e aponta para o novo tema que surge na progressão do texto, funcionando como

um tópico discursivo (cf. JUBRAN, 1992). O pronome “isso” retoma e sintetiza a

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explicação sobre a possibilidade de classificação das equipes citadas. Já a expressão

“esse resultado” retoma a situação que envolve a possibilidade de vitória

costarriquenha, o que desclassificaria a equipe inglesa. Chama atenção ainda o uso do

pronome demonstrativo “esse” que situa o leitor dentro do texto para que ele recupere o

referente dessa expressão de modo eficiente, mostrando que a troca da classe gramatical

do determinante nos sintagmas nominais cumpre um propósito dentro do texto.

No exemplo retirado de (L5), também verificamos o uso do pronome

demonstrativo como encapsulador:

(L5) A Argentina venceu a Holanda porque foi muito mais competente nos pênaltis, após 0 a 0

no tempo normal e na prorrogação, mas não foi só isso. Os Hermanos fizeram muito do que o

time de Luiz Felipe Scolari, que deveria jogar no Maracanã domingo, não o fez na terça no

Mineirão. (Anexo, p. 173)

Para desfazer a imagem de um jogo sem emoções – conteúdo pressuposto por ter

sido um jogo sem gols –, em que os lances principais só saíram na prorrogação, há a

relação discursivo-argumentativa de oposição marcada pela oração “mas não foi só

isso”, que procura descartar essa possível leitura. O uso do advérbio “só” com o

pronome “isso” reforça a tese de que o jogo foi interessante. Isto é, ainda que os gols

tenham acontecido somente na disputa de pênaltis, não quer dizer que o jogo tenha sido

sem emoção.

É importante destacar também que, pronome “isso” não só sintetiza a porção

anterior do texto como também cria uma expectativa para algo que ainda vai ser dito, ou

seja, também aponta “para frente” no texto. Ao dizer que “não foi só isso”, o jornalista

gera no leitor uma curiosidade sobre o que se seguiu na partida, por isso podemos dizer

que esse mecanismo realiza um duplo movimento no texto, de continuidade e

progressão, retomando porções já ditas e antecipando que mais informações serão ditas.

Tal característica é pouco discutida nos estudos sobre encapsulamento – principalmente

quando o encapsulador é o pronome “isso”. Muitas vezes, destaca-se o papel de

organizador desse processo de referenciação tendo em vista somente a sua propriedade

de retomar partes já ditas.

Dentro dos exemplos que contribuem para a organização textual, o

encapsulamento prospectivo sublinhado abaixo, verificado na notícia do jornal O

Globo, inicia um novo tópico no discurso e reitera a orientação argumentativa do texto

que trata da superação do time holandês:

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(G7) A inversão de papéis começou antes de a bola rolar. Ao contrário da final de 2010, era a

Holanda a usar azul. Ao cair na área aos 25 minutos, o brasileiro naturalizado espanhol Diego

Costa já percebera a dificuldade para se livrar dos zagueiros e das vaias. Xabi Alonso bateu o

pênalti e fez o único gol da Espanha, um suspiro antes do afogamento total.

(Anexo, p. 179)

Tendo em vista o parágrafo anterior da notícia, esse parágrafo, com o

encapsulador “a inversão de papéis”, retoma o conteúdo anterior e a relação

estabelecida pelas anáforas diretas “papel de coadjuvante” e “protagonista Espanha”,

além de marcações dêiticas de tempo presentes no parágrafo anterior, que estabelecem

um “antes e depois” no discurso, coincidindo com o tópico instaurado pelo

encapsulador “a inversão de papéis”.

Assim, além de resumir o conteúdo anterior, esse encapsulamento inicia um

novo tópico discursivo: a vitória da Holanda sobre a Espanha. De acordo com Burdiles

e Parodi (2016), os encapsuladores prospectivos e retrospectivos relacionam-se à

organização e hierarquização das informações dentro do texto, o que comprova o papel

fundamental desses mecanismos na compreensão de textos, que podem tanto retomar

informações já mencionadas como antecipar novos conteúdos.

Koch e Elias (2016, p. 95) afirmam que os encapsuladores podem funcionar

como um importante recurso para “marcar o parágrafo do ponto de vista cognitivo’. É

exatamente o que acontece nesse exemplo, pois as informações textuais precedentes

conduzem a uma imagem mental dos objetos de discurso Holanda e Espanha que será

oposta no próximo parágrafo. Essa “virada” dos objetos de discurso é marcada pelo

encapsulador “a inversão de papeis”, indicando o assunto a ser desenvolvido, definindo

cognitivamente essa unidade construtiva do texto.

Essa mesma notícia se encerra com o encapsulamento “o grande final”, que

sintetiza e avalia a porção posterior do texto, sendo, portanto, uma anáfora prospectiva.

A seguir, é explicado todo o contexto da última vitória da Espanha, como Robben

perdeu um gol na frente do Casilhas, em 2010, e como, nesse jogo, ocorre a sua

redenção, justificando o rótulo “grande final”, como mostra o trecho abaixo:

(G7) O grande final foi definido pelo destino. Quatro anos antes, Robben perdeu um gol na

decisão, em chute defendido por Casillas. Era preciso deixar o goleiro espanhol aos seus pés.

(Anexo, p. 179)

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Os próximos exemplos foram retirados do jornal O Globo (G2), que trata da

partida entre Brasil e Alemanha.

(G2) Aos 7, no entanto, a Alemanha deu o primeiro sinal: em uma jogada bem tramada no

ataque, Khedira bateu de fora da área, mas a bola bateu no companheiro Kroos. Quatro minutos

depois, Müller aproveitou um escanteio e, sozinho, abriu o placar. Era só o começo. (...)

A Alemanha ainda marcou mais duas vezes no segundo tempo e ampliou o massacre: aos 24 e

34, Schürlle, que entrara no lugar de Klose, escancarou ainda mais a fragilidade brasileira. Aos

44, Oscar marcou, mas não diminuiu em nada a dor brasileira. (Anexo, p. 166)

O primeiro exemplo constitui um caso bastante comum nas notícias esportivas: o

encapsulamento de lances do jogo, que, muitas vezes, avaliam a jogada. Outra

característica recorrente é o fato de serem encapsulamentos prospectivos, como no

exemplo acima, em que o sintagma nominal “o primeiro sinal” antecipa a descrição do

lance de perigo da seleção alemã.

No mesmo texto, já no último parágrafo, “massacre” sintetiza e avalia o que foi

a derrota brasileira para Alemanha, além de servir para fazer uma referência prospectiva

ao último gol alemão.

O mesmo recurso – encapsulador que antecipa lances da partida – também foi

utilizado no exemplo abaixo (L4), sobre a partida entre Bélgica e Estados Unidos:

(G4) Dispostos a se defender até o fim, os americanos levaram sorte no chute de Hazard, aos

42, que acertou a rede pelo lado de fora. A melhor chance do jogo, no entanto, veio já nos

acréscimos, quando Wondolowski recebeu livre na área, mas concluiu por cima do gol de

Courtois, sob olhar incrédulo do ex-artilheiro Klinsmann. (Anexo, p. 171)

O encapsulamento “melhor chance do jogo” descreve o que, para o jornalista

representou o lance mais interessante da etapa normal de jogo: a jogada norte-

americana. Em seguida, o operador argumentativo disjuntivo "no entanto", traz para o

texto uma orientação argumentativa de que, apesar da superioridade belga ao longo da

partida, a melhor jogada foi norte-americana. Tal conteúdo também é reforçado pelo

vocábulo “melhor”. Para Conte (2003, p.186) a anáfora encapsuladora “funciona

simultaneamente como um recurso coesivo e como um princípio organizador, e pode ser

um poderoso meio de manipulação do leitor”, pois o fato de o produtor do texto rotular

um conteúdo contribui para sua força argumentativa, como acontece no exemplo

destacado.

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De modo semelhante ao anterior, o próximo exemplo também apresenta um

encapsulamento que rotula e avalia um determinado lance do jogo, que o jornalista julga

ter sido “o mais dramático’:

(G3) Aos 38, o lance mais dramático da primeira etapa: Mostefa aparou um rebote de fora da

área, a bola desviou em Boateng e, com Neuer completamente batido, passou à direita do gol.

Na seqüência, Schweinsteiger chutou de fora da área, o goleiro M’Bolhi bateu roupa e em

seguida defendeu a pancada à queima-roupa de Götze. (Anexo, p. 168)

Esse encapsulamento promove um efeito de suspense em relação a um lance

quase no final do primeiro tempo de jogo: “o lance mais dramático da primeira etapa”.

Tal recurso apresenta e qualifica todo o conteúdo do parágrafo que encabeça, pois o que

se segue no restante do parágrafo é a descrição detalhada do que seria a jogada mais

importante do primeiro tempo da partida.

Convém destacar a noção de tópico discursivo e como tal noção está diretamente

ligada à referenciação. Dentre todos os processos, o encapsulamento exerce um papel

importante de continuidade ou de progressão tópica. Como observou Pinheiro (2003, p.

261), os encapsuladores, além dos papéis citados, podem realçar um dado conteúdo,

reforçando ou esclarecendo o ponto de vista do enunciador:

Ao atribuir a um conjunto de informações o estatuto de referente, o

produtor do texto deixa transparecer seu ponto de vista em relação a

essas informações. Esse é um dos aspectos interacionais vinculados à

conferição de estatuto de referente a um conjunto de informações

difundidas no cotexto como mecanismo de articulação tópica. Ao

sumarizar todo o conteúdo de tópico através de uma forma referencial, o

produtor do texto pode realçar uma parte desse conteúdo, avaliando-a.

Esse tipo de estratégia para se referir a determinados lances dos jogos é

recorrente nas notícias esportivas analisadas – verificadas nos dois jornais –,

principalmente para (re)construir a emoção do lance e da própria partida, sendo

recorrente também a estrutura: nome + modificador nos encapsuladores. Assim, além da

função de introduzir um novo tópico no discurso, esse recuso também propicia um

efeito argumentativo ao projeto de dizer do texto.

Observamos também ser comum nas notícias esportivas o uso de um

encapsulador logo no início do texto, conforme pode ser observado em (L4), transcrito

abaixo:

(L4) Anheuser – Busch, Duvel, Stella-Artois. Qual delas os belgas vão escolher para

comemorar a dramática vitória sobre os Estados Unidos? Ou tomarão todas? (Anexo, p. 170)

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Esse encapsulador, que atua como uma anáfora prospectiva, já promove uma

categorização da partida: trata-se de uma “dramática vitória”. O emprego desse rótulo

estabelece um ponto de partida para as relações que se estabelecerão dentro do texto,

apresentando, já no início, uma avaliação do jogo. No desenvolvimento da notícia, com

a descrição dos principais lances e a informação de que a vitória só veio na prorrogação,

entendemos por que a partida foi caracterizada como “dramática”.

Ao final dessa mesma notícia, há um encapsulamento realizado por um pronome

demonstrativo que encerra o texto, reforçando que, apesar do gol final dos Estados

Unidos, a vitória ficou com a seleção belga.

(L4) E lá veio a prorrogação. Nesta, os belgas acabaram ganhando com a arma dos norte-

americanos: aos dois, Lukaku, que entrou com o próprio diabo no corpo, rolou para De Bruyne

fazer 1 a 0. Aos 15, De Bruyne lançou Lukaku, que fuzilou: 2 a 0. Aos 17, no entanto, o jovem

Green, 19 anos, mostrou que não está verde: entrou em campo e diminuiu para 2 a 1. Foi um

final imprevisível, mas ficou nisso. (Anexo, p. 170)

Em (G6), também observamos o uso do encapsulador prospectivo na notícia que

trata do jogo entre México e Brasil:

(G6) Com Oscar bem abaixo da estreia e Neymar muito bem marcado, a equipe brasileira teve

dificuldades para furar o forte bloqueio mexicano. No primeiro tempo, as melhores chances do

Brasil foram numa cabeçada de Neymar aos 25 e numa conclusão de Paulinho, após lindo passe

de Thiago Silva com o peito, já nos acréscimos. Em ambas Ochoa brilhou. (Anexo, p. 177)

O sintagma “as melhores chances do Brasil”, que aponta para frente no texto,

refere-se à cabeçada de Neymar e à finalização de Paulinho. Esse encapsulamento,

além de resumir os principais lances da primeira etapa de jogo, evidencia o julgamento

desses lances por meio do adjetivo “melhores”. A escolha desse termo permite ao

jornalista caracterizar as ações dos jogadores, pois carrega um juízo de valor. Dentro do

contexto da notícia, “melhores” apresenta um valor depreciativo, pois as jogadas foram

fracas e, mesmo assim, constituíram os melhores lances da equipe brasileira. De acordo

com Borreguero (2006), o encapsulador etiqueta uma entidade nova, em termos de

designação, para o leitor. Saíz (2010) afirma que essa operação prova que existiu uma

interpretação por parte do jornalista, que acaba por guiar as inferências realizadas pelo

leitor.

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No próximo exemplo, o nome “voo” encapsula a jogada holandesa

protagonizada pelo jogador Holandês Van Persie:

(G7) O voo de Van Persie sobre a área iniciou a decolagem da Holanda. Após receber passe

certeiro de Blind, o camisa 9 praticamente ficou no ar, com o corpo na horizontal, antes de

cabecear e encobrir Casillas, aos 44 minutos. (Anexo, p. 179)

O substantivo “voo” – uma metáfora comum no futebol que designa uma jogada

aérea – funciona como encapsulador prospectivo que antecipa o lance do gol de cabeça

do jogador holandês. Tal encapsulamento contribui ainda para outras relações no texto,

servindo de âncora para “decolagem holandesa”, uma AI, como veremos mais adiante,

que marca o início da goleada holandesa, já que, após o gol do jogador Van Persie, a

Holanda passou a dominar a Espanha. Podemos dizer que essas amarras anafóricas

reforçam a orientação argumentativa da notícia (G7) ao enfatizar a superioridade

holandesa.

O exemplo abaixo trata de um encapsulamento que não sintetiza uma jogada da

partida, mas rotula, de modo prospectivo, a técnica usada pelo treinador português, na

partida entre Alemanha e Portugal, retirada do jornal Lance!

(L8) Alemanha de Thomas Muller, que precisou de apenas um tempo para enfiar 4 a 0 e

derrubar a estratégia de Paulo Bento, que se revelou absolutamente desastrada, dado que suas

previsões caíram por terra com extrema rapidez. (Anexo, p. 180)

O sintagma nominal “a estratégia de Paulo Bento” sintetiza o conjunto de ações

tomadas pelo treinador português, que serão descritas no próximo parágrafo, para

neutralizar o ataque alemão, que já havia goleado outras seleções nesse início de

competição. Nesse caso, a avaliação dessa estratégia não está dentro do sintagma

nominal, mas na predicação em torno, em expressões como “derrubar”, “desastrada”,

“suas previsões caíram por terra”, que demonstram a ineficácia do esquema tático

proposto por Paulo Bento. Compreendemos, como dissemos na fundamentação teórica

desta Tese, que inúmeros elementos que participam da configuração textual são

acionados para a construção dos objetos de discurso, dentre os quais destacamos toda a

materialidade verbal do texto, observada em seu sentido amplo e não apenas por meio

das expressões referenciais. Por isso, é necessário, como no exemplo acima, analisar

não só as expressões referenciais, mas outras pistas presentes no cotexto que colaboram,

inclusive, para trazer um efeito avaliativo ao objeto de discurso.

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Os últimos exemplos analisados nesta seção tratam de encapsulamentos também

metafóricos que rotulam o jogo inteiro. O primeiro, retirado da notícia do jornal Lance!

sobre a partida entre Argélia e Alemanha:

(L3) Foi absolutamente dramático. As Raposas do Deserto resistiram como puderam. Mas essa

guerra a Alemanha ganhou, por 2 a 1, mesmo que a sua divisão panzer – Özil, Schweinsteiger e

Müller – ainda não tenha repetido a blitzkrieg da estreia sobre Portugal.

(Anexo, p. 167)

O encapsulador prospectivo “guerra’ carrega uma forte carga axiológica,

caracterizando todo o jogo, e serve de âncora para as relações que vão se estabelecer

dentro do texto, evidenciadas por meio de outras palavras, que revelam este projeto de

dizer: o jogo como uma guerra. No mesmo parágrafo, há o emprego de outro

encapsulamento “divisão panzer”, que compara o uso da artilharia pesada do exército

alemão, com tanques e veículos blindados, aos jogadores que compõem o ataque da

seleção alemã. A “divisão panzer” era responsável pelo sucesso do exército alemão,

assim como esse trio de jogadores também compõe a principal estratégia para vitória.

A mesma metáfora acontece no exemplo retirado do jornal O Globo (G3), cujo

título é um encapsulamento prospectivo que rotula todo o jogo que será descrito no

desenvolver da notícia que trata da partida entre Alemanha e Argélia, como podemos

ver abaixo:

(G3) Batalha no Sul

Alemanha é supreendida pela aguerrida Argélia e só consegue a vitória na prorrogação, em jogo

com grandes atuações dos dois goleiros. (Anexo, p. 168)

O nome “batalha” apresenta um encapsulamento que consiste em uma metáfora

sobre o que representou o jogo para as duas seleções: um jogo difícil e disputado, como

sugere o nome “batalha”. Mais uma vez, notamos um substantivo abstrato que funciona

como um encapsulador prospectivo.

No exemplo abaixo, também há um encapsulamento que sintetiza o jogo narrado

como “reprise da final da Copa da África do Sul de 2010”:

(L7) Um dia sem fúria

Sem dó, nem piedade, campeã mundial Espanha é humilhada pela Holanda na reprise da final

da Copa da África do Sul de 2010. (Anexo, p. 178)

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Assim como o exemplo anterior, também se trata de um encapsulamento

prospectivo que sintetiza e avalia o conteúdo a ser narrado na notícia esportiva. Nesse

caso, além do encapsulamento, a expressão “da África do Sul de 2010”, constitui uma

anáfora indireta, como será exposto na seção 4.5.

O próximo exemplo a ser discutido, retirado da notícia veiculada no jornal O

Globo (G8), sobre a partida entre Alemanha e Portugal, apresenta um caso diferente de

encapsulamento. O título “Chucrute na Bahia”, por meio da anáfora encapsuladora

“chucrute” engaja o leitor no texto já com a perspectiva do sucesso alemão, já que, na

Bahia, prevaleceu “o prato típico alemão”. Nesse sentido, as informações presentes no

subtítulo, bem como a própria enunciação do referente “Alemanha”, contribuem para

que o coenunciador perfaça a trilha de sentido que leva à vitória alemã, juntamente com

o acervo cultural compartilhado entre os interlocutores.

(G8) Chucrute na Bahia

Sempre favorita ao título, Alemanha não toma conhecimento de Portugal e marca quatro gols

logo em sua estreia. E ainda tem o artilheiro do Mundial até agora: Thomas Müller, autor de

três ontem. (Anexo, p. 180)

No entanto, cabe destacar que o nome “chucrute”, ao contrário dos demais

analisados nesta seção, não é um nome abstrato, contrariando os exemplos mais

discutidos de encapsulamento. Tais exemplos, em geral, são compostos por nomes de

significação mais ampla e que, por essa característica, estariam mais propensos a serem

usados como encapsuladores. Conte (2003), por exemplo, afirma que os

encapsulamentos são formados por nomes mais gerais ou nomes com carga avaliativa.

No caso acima, pelo contrário, trata-se de um nome concreto que passa a abstrato, já que

rotula, metaforicamente, a vitória alemã sobre Portugal. Não há, no desenvolvimento da

notícia, nenhuma menção à culinária alemã, ou seja, não há uma âncora ou pista a que

pudéssemos associar o nome “chucrute”, o que comprova que esse vocábulo é tomado,

nesse texto, de modo abstrato.

Além disso, pensando no prato “chucrute”, um repolho bem picadinho, por

vezes considerado indigesto, poderíamos associar esse nome ao próprio resultado do

jogo, que, para além da vitória da Alemanha, consistiu em uma goleada sobre Portugal,

o que poderia sugerir ainda que esse título aponta para a expressividade da vitória

alemã. Nos campeonatos nacionais, por exemplo, é comum os locutores e jornalistas

esportivos empregarem o termo “chocolate” para se referirem a vitórias expressivas

constituídas por placares amplos.

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Esse substantivo encapsula informações que só podem ser processadas pelo

leitor por meio de estruturas cognitivas. Assim, “Chucrute na Bahia”, pode ser

considerado não como uma menção ao prato, mas como uma metáfora para a vitória

alemã na Bahia, local onde ocorreu a partida.

De acordo com Lakoff e Johnson (1980), metáforas emergem por meio do

processo de compreensão e de legitimação – linguística, social e cognitiva – de um

domínio de natureza abstrata (por exemplo, “tempo”) a partir de experiências concretas

já legitimadas socialmente, como guerra, dinheiro etc. O sujeito, como integrante de um

grupo, ou de uma sociedade, em contato com o mundo, compreende um determinado

conceito por meio de um outro já estabelecido, interpretando a realidade conforme

fatores culturais, históricos e ideológicos. Essas conceituações são organizadas

metaforicamente (associação de domínios), e seus traços estão presentes na linguagem

cotidiano; entretanto, por vezes, não são percebidos pelos falantes. No exemplo acima

um substantivo concreto assume um valor metafórico ao longo do texto.

No próximo excerto, há mais exemplos de encapsulamentos, inclusive um caso

que se assemelha ao descrito anteriormente:

(L7) O curioso é que a Espanha saiu na frente, gol de pênalti – de De Vrij em Diego Costa – aos

26 minutos, teve maior domínio e desperdiçou uma excelente oportunidade aos 42, por capricho

de David Silva, que tentou encobrir Cillessen. Não seria exagero dizer que essa foi o que se

chama de bola do jogo, pois se entra talvez mudasse o rumo do duelo. Ah... e só tomou o

empate aos 44, num peixinho de Van Persie. (Anexo, p. 178)

A ação descrita pela frase “desperdiçou uma excelente oportunidade” mostra

uma crítica contida no verbo desperdiçar, que aponta uma falha do jogador, reforçada

pelo encapsulamento prospectivo “uma excelente oportunidade aos 42”, em que o

adjetivo excelente enfatiza essa crítica. Soma-se a essa interpretação a própria descrição

do lance em que é dito que o atacante David Silva “por capricho” tentou encobrir o

goleiro, o que indica que o jogador tentou uma jogada com menor probabilidade de

acerto, porém esteticamente mais bonita, ou na linguagem do futebol, mais plástica.

Como vimos, é bastante recorrente, nas notícias esportivas, esses encapsulamentos que

rotulam lances, avaliando-os de acordo com a perspectiva do jornalista.

O encapsulamento “bola do jogo” resume não só a oportunidade perdida, mas

todo o contexto que cerca a partida, mostrando como poderia ter mudado o placar e

garantido a vitória holandesa. Esse exemplo também se assemelha ao anterior, já que o

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substantivo concreto “bola” ganha um valor metafórico, deixando de se referir apenas à

bola para mostrar uma jogada crucial para o desenrolar da partida e que poderia definir

a participação da Holanda na final da Copa do Mundo.

4.5 Análise das anáforas indiretas nas notícias esportivas

Os casos de anáforas indiretas ocorrem bem menos no corpus do que os casos de

anáfora direta. De todo modo, nesta seção, vamos expor alguns exemplos verificados no

corpus, discutindo, inclusive, alguns excertos que levantam questões interessantes para

refletir sobre o status dos processos referenciais.

Schwarz (2007) afirma que as anáforas indiretas apresentam como

características básicas, dentre outras, a construção de um novo referente e que, para sua

compreensão, é necessário muito mais do que um procedimento de busca e

compatibilidade. As anáforas indiretas requerem, para sua interpretação, um processo

cognitivo envolvendo a ativação de estruturas de conhecimento que combinam ativação

e reativação de referentes. Todo esse processo cognitivo é a chave para que o referente

da forma pronominal possa ser identificado.

Embora as anáforas indiretas não tenham um correferente explícito no texto,

esse mecanismo de referenciação ocorre apoiado em outros conteúdos fornecidos como

pistas no cotexto ou conhecimentos ativados por experiências culturais compartilhadas

– as âncoras citadas por Marcuschi (2005). Desse modo, reforçamos a ideia de que não

é a necessidade ou o apelo a inferências que distingue as anáforas diretas das indiretas,

mas a relação de correferência das anáforas diretas (cf. CIULLA E SILVA, 2008;

CAVALCANTE, 2011).

O primeiro exemplo a ser discutido apresenta um caso de anáfora indireta que

está dentro de um sintagma com função encapsuladora. Trata-se da notícia que narra a

partida entre Espanha e Holanda pela fase de grupos da Copa do Mundo.

(L7) Um dia sem fúria

Sem dó, nem piedade, campeã mundial Espanha é humilhada pela Holanda na reprise da final

da Copa da África do Sul de 2010.

(Anexo, p. 178)

A expressão sublinhada, ao relacionar o jogo narrado à final da Copa da África

do Sul de 2010, retoma, por meio de uma anáfora indireta, o jogo da edição de 2010 da

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Copa do Mundo, apresentando, portanto, um “novo” referente no discurso. É preciso ter

o conhecimento de que a final de 2010 ocorreu entre Espanha e Holanda, ocasião em

que a Espanha saiu vitoriosa, para homologar a referência proposta pelo jornalista ao

lançar mão desse recurso ao associar à final de 2014 à de 2010.

Alguns casos de anáforas indiretas verificados no corpus estão associados a

lances do jogo/jogadores e informações sobre as equipes, como podemos ver no

exemplo que narra a partida entre Holanda e Espanha.

O próximo exemplo, retirado da mesma notícia, apresenta um caso de anáfora

indireta relacionado ao epíteto do time holandês:

(G7) Outro jogo, outra Holanda no segundo tempo. De pé em pé, a bola chegou a Robben

depois de outro lançamento de Blind, o lateral-esquerdo legítimo descendente da Laranja

Mecânica, porque é filho do ex-zagueiro Danny Blind. (Anexo, p. 179)

Nesse trecho, a expressão sublinhada “Laranja Mecânica” faz referência ao time

da Holanda de 1974, que não foi mencionado, formalmente, no cotexto. É um caso que,

a princípio, poderia ser confundido com uma anáfora direta, já que o nome “laranja” foi

utilizado no texto, outras vezes, para se referir à seleção holandesa atual. No entanto,

como vimos, a partir das informações presentes no cotexto e de conhecimentos prévios,

descartamos essa possibilidade.

Não se trata, portanto, de uma referência à seleção holandesa que está sendo

descrita na notícia. Trata-se de uma menção à famosa seleção holandesa de 1974 que

deu origem ao apelido de Laranja Mecânica. Só chegamos a essa conclusão pelas pistas

no cotexto, como a informação de que o jogador Blind é filho de Danny Blind, jogador

daquela seleção. A fim de garantir essa interpretação, no entanto, é necessário relacionar

essas informações ao conhecimento sobre futebol e sobre a importância da seleção

holandesa que jogou na década de 1970.

No trecho abaixo, há um caso de anáfora indireta constituído por uma expressão

numérica, que chama atenção por sua peculiaridade:

(L3) Faltou à Argélia a qualidade dos craques adversários. Mas parece exagero atribuir o seu

esforço a uma tentativa de vingar 1982, pois nenhum dos 28 jogadores que estiveram na partida

havia nascido em junho daquele ano. (Anexo, p. 167)

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A expressão sublinhada “1982” retoma uma sequência de ações que culminaram

na eliminação da seleção argelina naquele ano. Na sua estreia em mundiais, a equipe

argelina havia ganhado da Alemanha Ocidental e dependia do resultado do último jogo

da fase de grupos, entre Alemanha Ocidental e Áustria, para garantir a vaga na próxima

fase da Copa. Entretanto, as seleções europeias firmaram um pacto de não agressão a

fim de manter um placar que garantisse a vaga das duas seleções na próxima fase e

excluísse a Argélia pelo saldo de gols. Assim, a Alemanha fez um gol logo no primeiro

tempo contra a Áustria e, a partir disso, as seleções não produziram mais nada dentro de

campo. O escândalo foi tão grande na época que levou a Federação Internacional de

Futebol (FIFA) a mudar algumas regras para a Copa de 1986.

A interpretação dessa anáfora indireta está bastante atrelada ao conhecimento

compartilhado sobre futebol, sendo difícil sua interpretação somente pelas pistas

textuais. Embora a presença do verbo “vingar” sugira uma revanche e permita imaginar

alguma situação em que a Argélia tenha ficado em desvantagem perante a seleção

alemã, recuperar a referência do que representou o ano de 1982 para os argelinos

depende muito mais do acionamento de informações históricas sobre futebol.

Esse exemplo chama atenção, pois costumamos encontrar, na descrição das

anáforas indiretas, a informação de que tal recurso pode ser composto por formas

pronominais, substantivos, geralmente precedidos de artigo definido, mas, dificilmente,

vemos exemplos de expressões numéricas nessa função. De acordo com Ariel (1996),

as formas referenciais constituem formas de instruir o destinatário de como ele pode

recuperar, na memória, informações que auxiliem a construção textual e também

mostram o quão acessível essas informações estão. Para a autora, o falante optaria por

uma expressão composta por um nome + modificador (mais informativa) por acreditar

que o objeto esteja pouco acessível para seu interlocutor. Formas pronominais, por

exemplo, dentro dessa proposta, seriam utilizadas para recuperar um objeto de discurso

cujo grau de acessibilidade fosse alto. Nesse sentido, podemos concluir que o

interlocutor presumiu que tal referência numérica a “1982” estivesse bastante acessível

para o seu leitor, não necessitando de mais informações ou expressões mais definidas

para sua interpretação. Como se trata de uma notícia do jornal Lance!, vemos que o

jornalista contou com a especificidade do público para a construção da coerência nessa

notícia.

No trecho abaixo, retirado do jogo entre Portugal e Alemanha, a anáfora indireta

“muro adversário” alude somente à defesa alemã que bloqueava as ações da seleção

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portuguesa, por meio de uma relação de metonímia, em que o “muro adversário” retoma

um setor da seleção alemã:

(L8) Certa de que Portugal, sem outra opção, sairia para tentar diminuir o vexame, preferiu

recuar, para ampliar o resultado nos contra-ataques. Enquanto os lusos esbarravam no muro

adversário – o de Berlim já foi abaixo – os comandados de Löw recuperavam a bola.

(Anexo, p. 180)

Trata-se de uma associação bastante utilizada no universo do futebol e, no texto,

as informações precedentes contribuem para o seu entendimento, pois já havia sido dito

que a Alemanha preferir recuar, ou seja, jogar de modo defensivo. É interessante

destacar também que o jornalista traz para o texto o exemplo do muro de Berlim,

adicionando informações históricas e culturais à notícia.

Os casos seguintes de anáforas indiretas guardam relação com a ampliação do

repertório cultural das notícias, pois trazem informações sobre países e locais onde os

jogos acontecem dente outras referências culturais para além do esporte.

(L4) Depois do bombardeio, Bélgica 2X1 Estados Unidos

Anheuser – Busch, Duvel, Stella-Artois. Qual delas os belgas vão escolher para comemorar a

dramática vitória sobre os Estados Unidos? Ou tomarão todas? (Anexo, p. 170)

No exemplo acima, os nomes “Anheuser, Busch, Duvel, Stella-Artois”

introduzem, no discurso, novos referentes: as cervejas belgas. Esse conteúdo torna-se

acessível ao leitor porque se associa a pistas cotextuais e contextuais, permitindo a

inferência. No caso, o título e as informações que se seguem no texto de que os belgas

“tomarão todas” auxiliam o coenunciador a inferir que tais nomes se refiram a bebidas.

Aliada a essa interpretação, está a fama belga em produzir cervejas. Todas essas

informações colaboram para que o leitor resolva o “quebra-cabeça”.

Os aspectos cognitivos envolvidos no ato da inferência são bastante complexos

e, de certo modo, relativos, pois é difícil garantir que cada leitor chegará às mesmas

conclusões, já que essa construção de significados depende tanto das informações

presentes no texto como das informações compartilhadas culturalmente.

A notícia do jornal O Globo, também sobre a partida entre Bélgica e Estados

Unidos, traz alguns exemplos de anáforas indiretas que remontam a informações sobre

locais e culturais. Embora a quantificação dos casos de anáforas indiretas esteja exposta

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mais adiante, vale destacar que, praticamente, não foram observadas diferenças entre a

quantidade de anáforas indiretas nos dois jornais.

No excerto abaixo, por exemplo, a menção à capital baiana ocorre no texto como

um elemento já “dado” uma vez que o nome do estádio (Fonte Nova) já havia sido

citado. Fonte Nova é o nome do estádio localizado na capital baiana, Salvador e, como

foi dito anteriormente, somente a pista no texto não seria suficiente para garantir a

inferência.

(G4) Bélgica bate Estados Unidos

Faltou a chuva de gols das outras partidas, mas, em compensação, a Fonte Nova viu um jogo

repleto de emoções. Bélgica e Estados Unidos chegaram à capital baiana para decidir quem

seria o último classificado para as quartas de final. Com um gol de Kevin De Bruyne, e outro de

Romelu Lukaku, os belgas venceram por 2 a 1, conquistaram a vaga, e agora enfrentam a

Argentina no sábado, às 13h, em Brasília. (Anexo, p. 171)

Conforme atestam Koch e Elias (2016), assim como as anáforas diretas, a

indireta também acrescenta novas informações ao texto, como é comum as expressões

referenciais constituídas de formas nominais, contribuindo com a coerência e com a

progressão textuais. No exemplo acima, é acrescentada a informação sobre o local de

realização da partida à notícia.

A notícia que trata do jogo entre Portugal e Alemanha também apresentou

anáforas indiretas relacionadas a aspectos culturais do local de jogo, como podemos ver

no trecho abaixo, que traz a menção ao vatapá e ao dendê.

(L8) Ficou barato. Não fosse o desgaste provocado pelo calor, e a Alemanha teria marcado mais

vezes, tal a facilidade. O vatapá e o dendê fizeram mal aos portugueses. Mas ainda há chance de

classificação. A Alemanha, ora, é favoritíssima. (Anexo, p. 180)

No início da notícia, o local da partida havia sido mencionado no texto como “o

tabuleiro da baiana” e, ao final da notícia, ancorados nessa expressão, emergem os

referentes “o vatapá” e “o dendê”, que aludem a comidas típicas do estado da Bahia.

Esse mecanismo de referenciação encerra a notícia com um toque de humor e ironia, ao

sugerir que o prato baiano (considerado por muitos como uma comida forte, assim

como o dendê) tenha feito mal aos portugueses, que perderam para a Alemanha de

goleada.

São exigidos variados conhecimentos não só para construir o sentido pretendido

pelo uso dessa estratégia como também para perceber a função desse recurso dentro do

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texto, confirmando o que Koch (2002, p.107) afirma sobre as anáforas indiretas, que se

encontram:

em dependência interpretativa de determinadas expressões da estrutura

textual em desenvolvimento, o que permite que seus referentes sejam

ativados por meio de processos cognitivos inferenciais que mobilizam

conhecimentos dos mais diversos tipos armazenados na memória dos

interlocutores.

No exemplo abaixo, retirado do jogo entre Argélia e Alemanha pela fase de

classificação da Copa do Mundo, verificamos um caso de anáfora indireta homologada

por fatores contextuais e por uma âncora/pista presente na superfície do texto: o nome

“guerra” funciona como uma âncora que permite ao coenunciador abrir um esquema

mental. Nesse sentido, as anáforas indiretas “divisão panzer” e “blitzkrieg” não só

alimentam esse esquema como também mantêm a continuidade do foco. Por meio do

nome guerra, um encapsulamento metafórico, inferimos que tais anáforas indiretas se

relacionam a ações/estratégias bélicas. Entretanto, engendrar que sentidos essas

expressões trazem para dentro do texto depende do conhecimento de informações

culturais e históricas sobre as estratégias de guerra alemãs. Portanto, para compreender

os sentidos acionados, é preciso combinar informações explícitas e implícitas.

(L3) Foi absolutamente dramático. As Raposas do Deserto resistiram como puderam. Mas essa

guerra a Alemanha ganhou, por 2 a 1, mesmo que a sua divisão panzer – Özil, Schweinsteiger e

Müller – ainda não tenha repetido a blitzkrieg da estreia sobre Portugal. (Anexo, p. 167)

Os exemplos demonstrados anteriormente permitem constatar que, mesmo entre

os casos de anáforas indiretas, comumente definidas pela necessidade de inferências, o

grau de acessibilidade dos referentes (ARIEL, 1996, p. 10) pode variar. De acordo com

Ariel, a acessibilidade dos referentes pode ser determinada por meio de alguns

parâmetros, como conhecimento enciclopédico, atos de fala e pistas textuais, por

exemplo. Trata-se de um processo que está sempre em construção ativa, tanto da parte

do emissor quanto do receptor.

De acordo com Odorisi (2016), o leitor constrói sentido e acessa informações

necessárias guiado pelos rastros deixados pelo autor em movimentos dinâmicos. Para o

autor, que se baseia nos estudos de Samaniego (2011), abrimos arquivos mentais, isto é,

espaços referenciais armazenados na memória do falante destinados à conceituação de

objetos de discurso, quando um novo objeto é ativado. Esse arquivo é alimentado com

informações a partir de predicações (diretas ou indiretas) e por meio das etiquetas

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utilizadas que nomeiam o próprio arquivo, no caso, as anáforas. Portanto, é importante

destacar que as relações inferenciais e cognitivas perpassam todos os processos de

referenciação.

4.6 A análise da dêixis temporal e pessoal nas notícias esportivas

Por sua capacidade de criar uma ligação entre o texto e a situação enunciativa

em que se encontram os participantes da comunicação e ter a prerrogativa de captar a

atenção do interlocutor, o processo da dêixis se distingue do anafórico. Os elementos

dêiticos exigem uma análise que deve focalizar a situação de comunicação,

determinando um movimento em que é indispensável conhecer o enunciador.

A seguir, destacaremos alguns dos exemplos mais recorrentes de dêixis no

corpus: a dêixis temporal.

(G1) Na verdade, tornou-se o anfitrião. O maior artilheiro da seleção uruguaia mostrou que

jamais será coadjuvante de um time que depende muito dele. Luis Suárez estreou no Mundial

ontem, marcou os dois gols da vitória por 2 a 1 sobre a Inglaterra, no Itaquerão, e manteve as

chances de classificação para as oitavas de final. O resultado, porém, não significa o adeus da

outra campeã do mundo, a Inglaterra. Tudo dependerá do jogo de hoje entre Itália e Costa Rica,

no Recife. (Anexo, p. 162)

No exemplo acima, o advérbio “ontem” faz uma remissão ao momento da

enunciação, marcando uma relação temporal que toma como ponto de partida o dia em

que a notícia foi enunciada e publicada. A marcação dêitica situa o momento, tendo em

vista o momento do locutor, em que o atacante Suárez estreou no campeonato: uma data

importante que marcou o retorno do jogador que estava afastado por uma lesão

muscular e sua atuação na partida. Do mesmo modo, na sequência da notícia, o advérbio

“hoje” implica uma noção de tempo que depende, para ser interpretada, do

conhecimento do momento da enunciação. Dentro da notícia, essa fronteira temporal

cumpre a função de informar ao leitor da ocorrência de um outro jogo, cujo resultado

era importante para definir o futuro da seleção da Inglaterra na competição. Como a

Copa do Mundo é uma competição com muitos jogos, principalmente na primeira fase,

a classificação das equipes, muitas vezes, não depende só dos seus resultados, mas de

uma combinação de resultados de outras partidas. Por isso, a referência temporal

importa para situar o leitor nos jogos da competição.

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Essas informações, bem como as datas dos próximos jogos, principalmente nas

notícias que tratam de seleções favoritas ou de grande expressão no futebol, são comuns

nas notícias esportivas e têm um importante papel de manter o leitor atualizado nos

próximos compromissos de seus times e nas chances de classificação nas competições

de que participam. É o que acontece, por exemplo, no trecho exposto abaixo:

(G3) Na sexta-feira, a Alemanha volta a campo para encarar a França às 13h, no Maracanã,

pelas quartas de final. (Anexo, p. 168)

Ao utilizar a expressão “na sexta-feira”, o interlocutor se baseia na ideia de que

o leitor tomará como ponto de partida a referência do dia em que a notícia foi publicada

para compreender a coordenada dêitica temporal. O mesmo caso também acontece na

notícia do jornal O Globo, ao mencionar que o próximo jogo da Bélgica seria “no

sábado”:

(G4) Com um gol de Kevin De Bruyne, e outro de Romelu Lukaku, os belgas venceram por 2 a

1, conquistaram a vaga, e agora enfrentam a Argentina no sábado, às 13h, em Brasília.

(Anexo, p. 171)

Nesse exemplo, há também o advérbio “agora” que, a princípio, poderia não ser

considerado como um caso de dêixis temporal, já que não tem como referência o

momento em que se encontra o locutor. No entanto, também poderíamos pensar em uma

“dêixis metafórica”, que marca uma relação temporal futura. Pistas textuais como o

verbo no presente do indicativo, que, por não apresentar uma marca formal de tempo,

pode indicar uma ação futura, e a expressão dêitica “no sábado” contribuem para

entendermos esse “agora”, como uma referência à próxima fase da competição. Dessa

forma, o advérbio “agora” estabelece um marco temporal futuro, que projeta as ações da

seleção Belga para frente na linha do tempo. Discursivamente, esse marco temporal tem

em vista anunciar que seu próximo adversário será a Argentina, seleção de maior

prestígio do que a belga, sugerindo, implicitamente, que será um jogo difícil para os

belgas.

A dêixis funciona, então, como um apontador enunciativo, convidando à

projeção para atalhos que auxiliam na compreensão do texto, considerado, na

perspectiva adotada, uma proposta múltipla de sentidos (KOCH, 2002). Nos próximos

exemplos, os casos de dêixis criam, nas notícias, limites de tempo que diferenciam as

ações descritas nas notícias esportivas.

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(G8) Esse Ronaldo, a Alemanha de Müller, artilheiro até agora no Brasil (3 gols), se deu ao luxo

de deixar para depois... (Anexo, p. 181)

Na notícia esportiva acima, sobre o jogo entre Alemanha e Portugal, fala-se da

disputa da artilharia da Copa de 2014 e também do título de maior goleador em Copas,

que, até aquele momento, pertencia ao jogador brasileiro Ronaldo. A disputa pela

artilharia da Copa de 2014 era liderada pelo jogador alemão Thomas Müller. Desse

modo, na expressão “artilheiro até agora”, a locução adverbial “até agora” demarca uma

espécie de fronteira, um limite cujo intervalo ocorre entre o momento da enunciação da

notícia e o momento anterior no tempo, indicando que, até aquele momento da

competição, o atacante alemão era o atleta com maior número de gols marcados. Com

relação à disputa pelo título de maior artilheiro em Copas do Mundo, o duelo estava

entre o jogador brasileiro mencionado acima e outro jogador alemão, Klose. Nesse

sentido, o advérbio “depois”, no final do excerto, constrói uma referência temporal para

marcar que, daquele jogo em diante, a artilharia do jogador brasileiro Ronaldo estaria

ameaçada, já que ele se encontrava aposentado e o jogador alemão ainda estava atuando

na Copa de 2014. De fato, o brasileiro acabou perdendo essa disputa para o alemão.

No excerto seguinte, a expressão dêitica, além de criar uma delimitação

temporal, promove uma demarcação no próprio texto, como se fosse um antes e depois

na história da Holanda na Copa do Mundo de 2014.

(G7) São necessários 45 minutos para a troca de lados em uma partida. Mas o intervalo

esperado pela Holanda para virar o jogo durou quatro anos. No ciclo entre as Copas, os

holandeses não suportaram o papel de coadjuvantes, enquanto a protagonista Espanha brilhava

como a estrela campeã em sua camisa roja. Até ontem. (Anexo, p. 179)

A locução adverbial “até ontem”, que encerra o parágrafo, toma como ponto de

partida o momento da enunciação do texto em diante, delimitando um marco temporal.

A partir desse jogo, a Holanda deixava a derrota sofrida na final da Copa de 2010 para

vencer o seu rival, a Espanha, com uma ótima atuação, vencendo por um placar amplo

de quatro gols de diferença.

É interessante notar que esse parágrafo inicia o texto falando ainda da

superioridade espanhola. No entanto, a partir da coordenada dêitica, há um novo

momento discursivo, já que a continuidade da notícia passa a relatar a virada e

superioridade holandesa sobre a Espanha. A expressão dêitica, nesse caso, funciona

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como uma demarcação de momentos diferentes no texto: o antes e o depois da seleção

holandesa, que passou de equipe derrotada pela Espanha na final do mundial de 2010

para a equipe que impôs uma goleada na campeã mundial Espanha quatro anos depois.

Esses advérbios temporais, dentro das notícias, atuam como dêiticos cuja

intepretação é feita a partir da data de publicação da matéria, que, provavelmente, deve

ser uma data diferente da recepção desses textos por parte dos leitores.

No exemplo (L5), preferimos analisar, conjuntamente, um caso de dêixis

pessoal, único exemplo desse tipo verificado no corpus, e também casos de dêixis

temporal encontrados no mesmo texto. A notícia trata do jogo entre Argentina e

Holanda, publicada no jornal Lance!. Essa partida ocorreu na etapa semifinal da

competição. Com a vitória da Argentina e a derrota do Brasil poucos dias antes, a

comparação entre as seleções foi tópico presente, nas notícias de ambos os jornais.

(L5) A Argentina vai fazer a final do mundial em nossa casa com a responsável pela maior

humilhação de nossa história: a Alemanha. (...)

Certo é que, assim como o 8 de julho para os brasileiros, esse 9 de julho nunca será esquecido

pelos argentinos. No dia da independência do país, eles ficaram a um jogo de conquistar o

Brasil, a eternidade. Brasil, decime que se siente... (Anexo, p. 173)

Em L5, o emprego do pronome possessivo de 1ª pessoa do plural, em “nossa

casa” e “nossa história”, inclui interlocutor/leitor, presentes no segundo parágrafo do

texto, em uma mesma situação de sofrimento e decepção pela derrota brasileira.

Há, no texto, uma oposição entre “nós” e “eles” revelada em alguns momentos

da notícia, como na introdução, em que o jornalista começa dizendo que quem “veio ao

Brasil e fizeram do país vizinho sua casa foram eles”, os argentinos. A partir desse

momento, os argentinos são caracterizados como “eles” em oposição à expressão dêitica

de pessoa, “nós”, os brasileiros. Desse modo, são criados dois grupos antagônicos no

texto.

Já no final do texto, a derrota brasileira e a vitória argentina são enfatizadas,

nesse parágrafo final, pelas referências temporais dêiticas: “o 8 de julho” e “esse 9 de

julho”. É interessante notar o emprego do artigo definido e do pronome demonstrativo

nesses sintagmas. O artigo definido marca a data da derrota brasileira como conhecida

do interlocutor, como um acontecimento histórico, já o pronome demonstrativo sugere

que essa data específica a cujo jogo o texto remete tornou-se especial para os

argentinos, que, no dia da independência do país, conquistaram a vaga para final do

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131

mundial. Além disso, o uso demonstrativo parece apontar para fora do texto, para o

momento do acontecimento, tornando-o também histórico.

Cabe destacar a estratégia de abertura/encerramento da notícia, que se iniciou

com os dêiticos pessoais marcando a rivalidade entre as duas seleções, e se encerrou

com os dêiticos temporais, marcando a importância das datas para as duas seleções e

também reforçando a rivalidade entre as duas equipes. Enquanto para os brasileiros a

data era triste, para a Argentina era motivo de comemoração. Ou seja, a oposição

nós/eles, criada no decorrer do texto, é reiterada pela oposição de resultados entre o 8 de

julho da derrota do Brasil e o 9 de julho da vitória da Argentina.

Essa rivalidade é bem marcada, principalmente no início do texto, em que se

encontram as referências mais diretas, como a citação à música cantada pela torcida

argentina e o uso dos pronomes, e se espalha pelo resto da notícia com diversas alusões

à seleção brasileira. É interessante notar que a notícia tratava do jogo entre Holanda e

Argentina, mas, a todo momento, o jornalista se refere à seleção brasileira. O fim da

notícia volta à música citada no título e comenta como a vitória dos argentinos –

retomados ao final pela anáfora direta pronominal “eles” – será lembrada, assim como a

derrota do Brasil também será inesquecível para os brasileiros.

Ao agrupar os brasileiros com o uso do dêitico de pessoa “nós”, o jornalista

reforça o tom dramático da derrota, afinal sofremos a “maior humilhação da nossa

história na nossa casa”. A humilhação, portanto, não é da seleção brasileira, mas de

todos os brasileiros, o que confere uma abordagem pessoal que visa ao apelo às

emoções do interlocutor, como as análises têm demonstrado ser uma das características

principais desse gênero.

Além disso, a oposição entre Brasil e Argentina criada no texto conversa com a

rivalidade entre essas duas equipes, demonstrando, assim, uma das intencionalidades do

interlocutor, que se apropria do conhecimento dessa rivalidade na construção do texto.

Logo no subtítulo desta notícia, a frase “Brasil, decime que se siente” marca uma

intertextualidade em relação a uma música entoada pelos argentinos durante a Copa,

reforçando, para além das estratégias de referenciação, não só a oposição instaurada no

interior do discurso, mas também como essa oposição foi apropriada em prol do projeto

de dizer do texto.

De acordo com Maalej (2013), a dêixis de pessoa deve ser analisada conforme

suas dimensões discursivas e ideológicas, como acontece com “nosso/nossa” no texto

acima, pois, ao mesmo tempo em que inclui os brasileiros, exclui um outro agente, os

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argentinos. Trata-se de um indício da dimensão discursiva e ideológica de que trata

Maalej, pois reforça estereótipos culturais e a ideologia da rivalidade entre Brasil e

Argentina, que se mostra bem clara no futebol, mas ultrapassa a esfera do esporte.

Ainda de acordo com o referido autor, enquanto o usuário do “eu” está atrelado ao

discurso como “egocêntrico”, o “nós” constrói duas relações sociais diferentes, de

inclusão e exclusão, pois, à medida que se define um conjunto como “nós,

automaticamente, surge uma categoria de excluídos desse grupo. Portanto, os pronomes

devem sempre ser entendidos tendo em vista outros pressupostos sobre quem está sendo

definido como o "nós" e quem está sendo referido como “eles”.

4.7 A segmentação do espaço nas notícias esportivas

O futebol, assim como outros esportes, tem o bom aproveitamento do seu espaço

de jogo como um dos princípios para o melhor andamento das partidas. A descrição do

campo de futebol e das ações que nele acontecem, nesse sentido, é uma das

características da composição do gênero notícia esportiva.

É recorrente nas notícias o uso de expressões que auxiliam na demarcação do

campo de futebol, das ações dos jogadores, posições que ocupam, estratégias técnicas,

dentre outras informações que contribuem para essa demarcação. Essas informações,

por sua vez, demandam conhecimento enciclopédico sobre futebol muito grande para

serem devidamente compreendidas, principalmente, quando se trata das notícias

esportivas do jornal Lance!, já que são mais frequentes nesse jornal.

Discutiremos, nesta seção, a função dessas expressões na construção do texto, e,

em alguns casos, problematizaremos as características dessas expressões que parecem

se comportar como uma anáfora indireta diferente, com componente dêitico, ao ajudar a

organizar o espaço dentro do campo.

Vejamos o exemplo (L6) retirado da notícia esportiva do jornal Lance!, sobre o

jogo entre México e Brasil:

(L6) Felipão poupou Hulk e, por tabela, mudou taticamente a equipe. Oscar, o melhor contra a

Croácia, foi atuar pela esquerda, na de Hulk. Ramires, com outra característica, foi fazer a

direita do 4-3-2-1 – onde Oscar brilhou na estréia. Por dentro, próximo de Fred, Neymar, como

todo o Brasil, fez um primeiro tempo discreto. De ótimo apenas uma bela cabeçada

espetacularmente defendida por Ochoa. (Anexo, p. 176)

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O parágrafo se inicia com a informação de que Felipão havia alterado a equipe

taticamente, e que Oscar foi atuar “na de Hulk”, isto é, na posição de Hulk, como

atacante, jogando, principalmente, pelo lateral esquerda do campo. Em seguida, a

informação de que Ramires foi fazer “a direita do 4-3-2-1”, expressão que requer uma

grande bagagem de conhecimento sobre futebol para sua interpretação: essa expressão

indica que Ramires foi jogar pelo lado direito do ataque. Tradicionalmente, trata-se de

um jogador que atua na chamada “linha dos 3”, atrás do ataque, mais recuado. Porém, a

notícia afirma que o jogador atuou com outra característica, o que é mais um indício

para que o leitor chegue à conclusão de que Ramires jogou no ataque pelo lado direito.

Já a expressão “por dentro” indica que Neymar atuou pelo meio do campo, pelo centro e

não pelas laterais.

Essas expressões, para sua interpretação, dependem bastante do conhecimento

compartilhado. A ocorrência desses casos no texto é semelhante ao emprego das

anáforas indiretas. Em geral, tais expressões aparecem introduzidas por artigos

definidos, como se fossem conhecidas do interlocutor, uma vez que podem ser

associadas a pistas textuais, como nome de jogadores, nomes das suas posições, por

exemplo, sem, por outro lado, terem sido explicitadas no cotexto.

De uma forma geral, as anáforas indiretas evidenciam essencialmente três

aspectos: a não vinculação da anáfora com a correferencialidade, a introdução de

referente novo e o status de referente dado por pistas do cotexto. Desse modo, podemos

pensar que esses exemplos funcionam como anáforas indiretas que orientam a

localização dentro do campo.

Ocorrem, ainda nessa mesma notícia, outras expressões semelhantes:

(L6) Demérito da seleção que se mexeu ainda menos contra um México que não se apequenou.

Usou mais o 4-4-2 que o 3-3-2-2, soltando mais Layun pela esquerda.

(Anexo, p. 176)

Utilizar “mais o 4-4-2 que o 3-3-2-2”, conforme a notícia afirma ter sido a

estratégia do México, significa dizer que a seleção mexicana usou um esquema menos

defensivo, com menos jogadores no meio de campo, indicando uma estratégia mais

ousada, na linguagem do futebol, “jogou pra frente” diante de uma seleção considerada

superior. Além disso, a expressão “pela esquerda” indica que o jogador Layun – lateral

mexicano que joga pelos dois lados – foi deslocado para a lateral esquerda em relação

ao campo do México.

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134

Na notícia do jornal O Globo sobre o mesmo jogo, as informações sobre as

alterações de jogadores estão mais resumidas e não há menção aos esquemas táticos.

(G6) Como Ramires, que substituiu Hulk, foi muito mal, Felipão lançou Bernard no intervalo.

Mesmo assim, o time não melhorou. Continuou excessivamente dependente de Neymar. O

camisa 10 da seleção, por sinal, quase fez um belo gol, aos 23. Mas novamente, parou em

Ochoa.

A entrada de Jô no lugar de Fred, que nada fez em campo, também não surtiu efeito. O

atacante só brigou com a bola. (Anexo, p. 177)

Podemos ver no excerto acima, a substituição entre Ramires e Hulk, a entrada de

Bernard, mas não há referências ao posicionamento tático desses jogadores dentro do

campo, reiterando que o jornal Lance! exige mais conhecimento compartilhado sobre

futebol do que o jornal O Globo.

Antes de prosseguir com outros exemplos, a fim de exemplificar os limites e

segmentações presentes em um campo de futebol, elaboramos uma figura que remonta

um campo de futebol com suas demarcações, para que seja mais simples visualizar os

casos que estamos comentando:

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135

(Fig 4 - Campo de futebol)

No exemplo abaixo (L1), retirado do jogo entre Inglaterra e Uruguai, notamos,

novamente, a presença de informações cuja interpretação está bastante presa ao

conhecimento compartilhado sobre posição dos jogadores dentro de campo:

(L1) No lado inglês, Hodgson prendeu o lateral-esquerdo Baines, puxou Sterling mais para a

direita e colocou Rooney centralizado no meio. (Anexo, p. 160)

Estão descritas acima algumas mudanças nas posições dos ponteiros e do

atacante Rooney. Em primeiro lugar, na expressão “prendeu o lateral-esquerdo Baines”,

podemos deduzir, principalmente pelo uso do verbo prender, que o jogador teve de

abdicar de sua função de lateral – que percorre o campo para implementar jogadas

ofensivas – para atuar em uma posição mais fixa dentro do campo, como um jogador

defensivo. Provavelmente, essa escolha do treinador se justifica também como uma

estratégia para enfrentar o rival, Uruguai, que é um time bastante ofensivo, que joga

para o ataque. Em seguida, já que o lateral foi designado para uma posição mais

defensiva, houve o ajuste colocando Sterling – que, em geral, atua como atacante – na

lateral para dar assistência a Rooney, que foi posicionado também de modo fixo, no

centro da área, como atacante. Na linguagem do futebol, significa dizer que atua “por

dentro” do campo e não nas suas bordas.

Caso a notícia dissesse que Rooney estava atuando "pelo meio”, a intepretação

seria outra, pois entenderíamos que tal jogador estaria atuando mais para o meio de

campo podendo chegar à área. Desse modo, para homologação desses sentidos no texto,

é preciso associar a mudança de posição dos dois jogadores – Sterling e Rooney – ao

conhecimento compartilhado sobre futebol.

As expressões “para a direita”, “centralizado no meio”, entre outras recorrentes

nos textos, orientam o olhar do interlocutor para a movimentação dos jogadores dentro

do campo, contribuindo para delimitar esse espaço. Além disso, essa movimentação

implica um julgamento, tanto por parte do jornalista como do leitor, sobre a eficácia do

uso desse espaço. Esse julgamento acontece não só com base nas ações descritas, mas

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também considerando a expectativa do torcedor/leitor sobre as ações dos jogadores.

Nesse sentido, podemos inferir que o uso dessas expressões, principalmente nas notícias

do jornal Lance!, dialoga, diretamente, com os leitores especializados, que, de fato,

buscam saber detalhes que vão além dos resultados, como as estratégias e táticas

empregadas nas partidas.

No excerto abaixo (L2), notamos o mesmo arranjo tático, marcado pelas

expressões “pela direita”, “na esquerda” e “pelo meio” na notícia esportiva sobre o jogo

entre Brasil e Alemanha. Nessa partida, como Neymar, importante jogador brasileiro,

estava machucado, foi necessária uma nova disposição de alguns jogadores do setor de

criação no campo:

(L2) Depois de muito mistério na véspera, Felipão surpreendeu e escalou Bernard na vaga de

Neymar. O menino com alegria nas pernas, na definição do próprio treinador, entrou para atuar

pela direita, com Hulk na esquerda e Fred pelo meio. (Anexo, p. 164)

De acordo com a notícia, a escalação de Bernard foi uma surpresa,

possivelmente, porque a expectativa geral – público e especialistas – girava em torno de

um time mais conservador, mais defensivo contra a Alemanha, que já vinha marcando

placares elásticos ao longo da competição, além do fato de Bernard não ser considerado

um grande jogador pelo público. Com a entrada desse jogador, o atacante Hulk, com

maior movimentação dentro do campo, teve de atuar na esquerda do campo e o Fred foi

atuar como o atacante do meio – como dissemos anteriormente, o atacante de “dentro”.

A intenção do treinador era fortalecer o meio de campo; entretanto, como está escrito na

continuação da notícia, a estratégia não funcionou, pois a Alemanha conseguiu chegar

ao primeiro gol e, logo em seguida, aplicou uma goleada na seleção brasileira.

O exemplo abaixo (G4), retirado do jornal O Globo, apresenta uma expressão

recorrente no futebol, “entrada da área”, marcada no campo por uma linha que delimita

o começo da área do goleiro. Nesse espaço, o goleiro pode defender os chutes com a

mão. Uma falta “na entrada da área”, portanto, significa um lance com maior chance de

gol pela proximidade do lance com a meta. É interessante notar que se fala em “entrada

da área”, mas não há uma “saída da área”, que seria a linha de fundo do campo, um

espaço, geralmente, avaliado como pouco útil para as jogadas.

(G4) os Estados Unidos se lançaram ao ataque, e chegaram bem perto de levar o jogo para os

pênaltis. Após uma falta na entrada da área, a bola chegou até Dempsey, que perdeu frente a

frente com Courtois (Anexo, p. 171)

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Por meio da figura 4, podemos ver que chutar “de fora da área” corresponde a

realizar um chute no espaço compreendido antes da linha que demarca a grande área.

Se, por um acaso, fosse dito que o chute ocorreu “na entrada da área”, como aconteceu

no exemplo supracitado em (G4), teríamos um lance que aconteceu exatamente na linha

de entrada área.

Nesses exemplos, é como se houvesse a instauração de um observador que não

se confunde com o enunciador, já que a percepção espacial ocorre em relação ao

posicionamento no campo e não há referência ao espaço do sujeito da enunciação, mas a

um ponto de vista interior ao espaço em que ocorre a partida. É importante destacar essa

separação entre o observador e o enunciador, pois se trata de uma evidência de que

essas expressões não constituem um caso de dêixis, ainda que contribuam para

localização das ações e para recriar, discursivamente, o espaço dessas ações, transpostas

do campo de futebol para o universo textual. Como dissemos no início desta seção, o

comportamento dessas expressões leva-nos a entendê-las como casos de anáforas

indiretas.

O excerto abaixo demonstra a existência desse observador que situa as ações

sempre tendo em vista os limites do campo de futebol:

(G6) Com mais posse de bola, ameaçou o gol de Júlio César com chutes de fora da área. Num

deles, o goleiro brasileiro fez boa defesa, em chute de Jimenez. (Anexo, p. 177)

Logo no começo do trecho, a expressão “com chutes de fora da área” sinaliza

para o leitor o segmento do campo a partir do qual foi feito o chute, um local distante do

gol, muitas vezes explorado para surpreender o goleiro que pode estar em uma posição

que dificulte a defesa desse tipo de chute, no jargão do futebol, é uma tentativa de pegar

o goleiro “adiantado”.

Para compreender melhor as notícias esportivas, convém observar as

segmentações do campo, como as quatro linhas que separam a fronteira dos eventos,

uma vez que, fora deste espaço, as ações não têm efeito e, dentro desta fronteira, há

limites internos que caracterizam o posicionamento dos jogadores (ataque, defesa, linha

intermediária, etc.), fundamentais para o desenrolar da partida. O direcionamento das

ações é determinado pelas metas (gols) que se situam em lados opostos ao time (linhas

laterais, retranca, recuo, avanço) e as posições são demarcadas, com trajetórias

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138

definidas. O espaço é codificado e não flexível. A transposição de determinados limites

está relacionada à eficácia ou ao fracasso do time, considerando uma expectativa em

relação a essas trajetórias.

O exemplo destacado de L7, por exemplo, pode ser melhor compreendido se

conhecemos um campo de futebol e a dinâmica do jogo, pois, quando o enunciador diz

que Löw “adiantou a marcação e ganhou o meio-campo”, significa dizer que os

zagueiros, em vez de marcarem próximo à própria área, passam a marcar mais próximo

ao meio de campo ou no próprio campo adversário. Essa estratégia acaba por deixar o

adversário sem espaço, o que favorece o erro, como podemos ver abaixo:

(L7) Mas Joachim Löw percebeu, adiantou a sua marcação, ganhou o meio-campo e confundiu

por completo a zaga adversária com a movimentação dos apoiadores e dos homens de frente

(Anexo, p. 178)

Já no exemplo destacado em L4, há a descrição de uma jogada que se iniciou

pelo meio de campo e, na sequência, o meia atacante De Bruine, que estava na lateral da

área, mudou de direção indo para o centro do campo em vez de seguir pela linha de

fundo. Essa mudança de posição por parte do jogador pode ser inferida por meio da

expressão, cortou para “o centro da área”, que deixa implícita a informação de que o

lateral e mudou sua direção para o centro da área, isto é, a marca de pênalti como pode

ser visualizado na Figura 4. Esse conhecimento de detalhes quanto ao espaço e à

movimentação do jogo interferem na percepção de informações dêiticas:

(L4) No minuto seguinte, foi a vez dos belgas atacarem. Vertonghen arrancou pelo meio após

roubar a bola de Zusi e tocou para De Bryune. O meia cortou para o centro da área e chutou

rente à trave direita de Howard (Anexo, p. 170)

Esses referentes são homologados, envolvendo processos cognitivos, a partir de

pistas presentes na materialidade textual. Portanto, cabe ressaltar, mais uma vez, a

grande dependência dessas expressões do conhecimento compartilhado

socioculturalmente. Um leitor que não dispõe dessas informações poderia inferir

somente que a jogada ocorreu pelo meio do campo sem maiores detalhes.

No final do exemplo acima (L4), retomando a questão do observador,

destacamos a mudança de perspectiva na narração das ações. A descrição do lance tem

em vista a posição do jogador; entretanto, a finalização é tomada do ponto de vista do

goleiro, como podemos ver na expressão “à trave direita de Howard”, nome do goleiro

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da seleção dos Estados Unidos. O mesmo acontece no exemplo abaixo (G3), retirado

do jornal O Globo:

(G3) Aos 14, Feghouli avançou pela direita em jogada individual e chutou no ângulo, mas para

fora. Aos 18, Ghoulam bateu cruzado da esquerda e quase marcou, com Neuer completamente

batido, passou à direita do gol. (Anexo, p. 168)

O trecho se inicia afirmando que o jogador avançou pela lateral direita do campo

de ataque e chutou “no ângulo”, ou seja, no encontro entre a trave e o travessão, que

forma um ângulo reto. Em seguida, outro jogador “bateu cruzado de esquerda”, o que

significa dizer que o jogador chutou à direita e a trajetória da bola foi para a esquerda.

No final do texto, a perspectiva passa a ser do goleiro, por isso a descrição final do

lance ser “à direita do gol” e não à esquerda. É característica composicional da notícia

mudar a perspectiva da narração do lance, as jogadas são descritas sempre a partir do

ponto de vista de quem está com a bola. Quando há uma finalização para o gol,

portanto, a trajetória da bola passa a ser descrita pela perspectiva do goleiro. Essa

característica é importante, pois ela simula, para o leitor, uma ação dinâmica, como se o

leitor se sentisse presente no jogo, quase uma leitura “3D”, vendo a jogada.

Os recursos analisados nesta seção se repetem nas notícias, sendo parte da

estrutura das mesmas como forma de tornar o texto dinâmico e atrativo para o leitor.

Arriscamo-nos a afirmar que a forma como o espaço é descrito nas notícias esportivas é

uma característica exclusiva da narração esportiva sobre futebol. Algumas expressões,

principalmente as que tratam de marcar o espaço dentro do campo, são comuns tanto no

jornal Lance! como no jornal O Globo. As expressões que tratam mais especificamente

de estratégias táticas são mais frequentes no jornal Lance!; já no jornal O Globo,

notamos um certo cuidado no uso dessas expressões que, quando são utilizadas,

geralmente vêm acompanhadas de informações adicionais para auxiliar a sua

interpretação.

Como foi possível perceber, a segmentação do espaço contribui para os efeitos

de sentido nas notícias esportivas, tornando bem expressivas as ações dos jogadores, de

modo que a impressão causada no interlocutor é a de um efeito de verdade, como se ele

estivesse de dentro do campo assistindo às partidas. A descrição em detalhes dos jogos e

dos bastidores reflete uma preocupação em fazer esse interlocutor sentir a emoção

proporcionada pelo futebol, participar das tensões dos jogadores na busca do resultado

nas jogadas e da sua dinamicidade.

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Retomando as palavras de Marcuschi (2003, p. 91), o autor afirma que entre uma

anáfora indireta e um “co-texto antecedente (uma âncora), há vínculo coerente, embora

não haja uma relação explícita com um antecedente”, como acontece com as expressões

analisadas. Trata-se de um processo complexo em que enunciador e interlocutor, por

meio de pistas textuais e do apelo ao conhecimento compartilhado, (re) constroem um

caminho para leitura. Trazemos, por fim, a consideração de Odorisi (2016) que,

corroborando a posição de Marcuschi, também afirma que o processo textual é formado

por mecanismos que levam o leitor a construir sentidos e acessar a realidade,

contribuindo de maneira co-autoral nessa construção.

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5. A REFERENCIAÇÃO E AS NOTÍCIAS ESPORTIVAS

Nesta seção, traçamos uma relação entre os processos de referenciação e os

gêneros textuais. Embora saibamos que não podemos afirmar que exista um modelo

referencial restrito a um gênero específico, acreditamos que seja possível apontar alguns

casos em que algumas estratégias de referenciação sejam recorrentes no gênero notícia

esportiva, como o caso das anáforas diretas compostas por informações como o número

da camisa dos jogadores, seus apelidos e o apelido das seleções, por exemplo.

Pretendemos confirmar que referir é uma ação social e não individual,

coorientada pelos gêneros textuais, uma vez que estes, situados em contextos

comunicativos específicos, assumem valores sociais, já que todo gênero configura um

padrão de leitor ao mesmo tempo em que é configurado por ele. Dentro dessa

perspectiva, insere-se o fenômeno da referenciação, como um processo interativo em

situações específicas de comunicação, funcionando como uma atividade de construção

colaborativa e não uma operação linguística pontual de troca ou substituição de um

termo por outro.

Assim como os gêneros, a referenciação ocorre de maneira situada, dentro do

tempo, do espaço e de uma interação, envolvendo uma operação colaborativa dos

parceiros da enunciação, que constroem os referentes no e pelo discurso. Marcuschi

(2008) demonstra que, para haver interação, é necessário que haja conhecimentos

comuns compartilhados, como cultura, crença, língua e outros aspectos referentes ao

contexto situacional para que a atividade de construção de sentidos seja realizada, como

no gênero em questão, que tem sua interpretação bastante atrelada ao contexto cognitivo

e preso ao contexto sócio-histórico em que é produzido. A ativação dos referentes torna-

se difícil se feita em um momento posterior àquele em que o texto foi escrito.

Acreditamos haver ainda outra decorrência do relacionamento entre

referenciação e gêneros textuais: o fato de a referenciação apresentar estreita relação

com o acabamento do enunciado, ou seja, com o tratamento do objeto de sentido em

função do interlocutor e da situação comunicativa. No caso de um determinado gênero

objetivar um tratamento definitivo do tema, pode-se fazer uso de estratégias referenciais

que tentam recriar, discursivamente, a realidade de modo que esse simulacro pareça

indissolúvel e seja tomado como verdadeiro. Isso pode ser visto no sermão de um padre

ou de um pastor, quando determinadas formas de referir são tomadas como detentoras

da relação de verdade dogmática com o referente pretendido, contribuindo para a

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formação ideológica, como demonstrou Odorisi (2016), na análise de pregações, nas

quais observou que não há diferença entre o discurso homofóbico e a realidade recriada

dentro dos textos.

Os gêneros contemplam orientações gerais acerca dos modos como os sujeitos

referem os objetos do mundo, transformando-os em objetos de discurso nas cadeias

textuais. Como esse estudo também visa explicar a referenciação tal qual ela ocorre em

enunciados concretos, buscamos responder algumas indagações relevantes: entender de

que modo um gênero fabrica mais comumente os seus objetos de discurso, isto é, que

estratégias são mais recorrentes; que categorias linguístico-textuais se tornam mais

produtivas; como operam estas categorias para os referentes serem vistos como mais ou

menos instáveis; que concepções de objetos de discurso aparecem mais consagradas.

Os mecanismos mais regulares de referenciação encontrados no corpus

formados por notícias esportivas foram as anáforas diretas, conforme podemos ver no

gráfico abaixo:

0

20

40

60

80

100

120

140

160

180

200

Anáforas diretas Anafóras indiretas Encapsuladores Dêixis

Comparação entre as estratégias de referenciação nos dois jornais

Estratégias de referenciação no jornal Lance! Estratégias de referenciação no jornal O Globo

Gráfico 1: Comparação entre as estratégias de referenciação nos dois jornais

A fim de obter um panorama geral das estratégias de referenciação nas notícias

esportivas analisadas, procedemos a uma contagem dos casos verificados para cada

forma de referenciação. Cumpre destacar, em relação às anáforas diretas, que

contabilizamos as estratégias de retomada realizadas por emprego pronominal, repetição

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143

lexical e demais expressões referenciais recategorizadoras. Não entrou na contagem,

portanto, o emprego de elipse.

A ocorrência das estratégias de referenciação é bastante semelhante nos dois

jornais, o que parece configurar uma característica do gênero em questão. Em ambos, as

anáforas diretas constituem o recurso mais empregado. Já as anáforas indiretas

apareceram na mesma quantidade nos dois textos, enquanto os encapsuladores tiveram

uma ocorrência um pouco maior no jornal Lance!. Os casos de dêixis, em contrapartida,

são maiores no jornal O Globo, comparado ao periódico Lance!, o que pode ser

explicado pela preocupação desse jornal em apresentar algumas informações adicionais

ao leitor, como o dia dos jogos, em quais dias ocorrem outras partidas dos grupos da

Copa, por exemplo. Todos os casos de dêixis verificados no jornal O Globo foram de

dêixis temporal.

Já a alta ocorrência de anáfora direta pode ser explicada pela manutenção dos

mesmos objetos de discurso durante os textos. Em uma notícia sobre um jogo entre

Alemanha e Portugal, por exemplo, é natural que esses dois objetos de discurso

permaneçam em foco durante o texto, bem como o nome dos jogadores principais

dessas equipes. As anáforas diretas, assim como as encapsuladoras, constituem um

recurso importante para a condução da orientação argumentativa das notícias esportivas,

ainda que, em alguns casos, a intenção seja construir um efeito de neutralidade. Por

meio dessas estratégias de referenciação, podemos perceber críticas e avaliações sobre

estratégias técnicas, desempenho dos jogadores, avaliação das seleções, por exemplo.

Além disso, a manutenção desses referentes nas notícias esportivas – além de

garantir a progressão textual, característica básica dos processos de referenciação –

promove uma estabilização dos objetos de discurso, originando certas formas de

referenciação que chamamos de epítetos (apelidos dos clubes). Em alguns casos, como

as seleções de maior expressão no futebol, essas formas, de tão cristalizadas, remetem

constantemente aos mesmos referentes, sendo uma estratégia muito empregada nos

textos do jornal Lance!.

Por outro lado, muitas vezes, as recategorizações são circunstanciais, pois

dependem do momento em que a notícia é publicada e de algumas informações que,

constantemente, se modificam como quais jogadores e técnicos compõem as seleções.

Por exemplo, a retomada de determinados jogadores por um apelido criado pela torcida

ou a retomada de uma seleção pelo nome de seu técnico, como vimos em alguns

exemplos, são permitidas e homologadas tendo em vista o contexto sócio-histórico da

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produção da notícia. Desse modo, não é só a interpretação das estratégias de

referenciação que está atrelada ao contexto sociocognitivo, mas também a própria

escolha dessas estratégias.

Dito de outro modo, a referenciação pode tender para marcar uma relação

fortemente estável entre os referentes no mundo e os objetos de discurso ou pender para

indicar uma relação instável, provisória. Nesse sentido, é interessante retomar um dos

pressupostos básicos do conceito de referenciação, que é a noção de estabilidade e

instabilidade referencial, propostas por Mondada e Dubois (2005). Esses conceitos

tornam-se menos abstratos e podem ser mais bem compreendidos se trabalhados em

uma interface com os gêneros textuais. Em função deste raciocínio, devemos pensar a

relação entre instabilidade e estabilidade referencial de um modo dinâmico e não como

uma oposição, pois os dois processos são utilizados com vistas a atender plenamente às

necessidades comunicativas surgidas em contextos específicos de comunicação.

No mesmo gênero, tanto a instabilidade como a estabilidade dos referentes

coexistem e são importantes para a construção dos textos. Assim como há referentes que

sempre figuram nas notícias esportivas de futebol (como os nomes das seleções), com

um alto grau de estabilidade, chegando a apresentar formas próprias de designação

como os epítetos, também há relações bastante instáveis e criadas, exclusivamente, para

aquele momento da enunciação.

No Quadro 11, elaboramos uma síntese das funções discursivas exercidas pelos

processos de referenciação verificadas na análise das notícias esportivas. Dentre essas

funções, algumas são inerentes aos processos de referenciação e independem do gênero

analisado; outras, no entanto, puderam ser relacionadas aos propósitos comunicativos da

notícia esportiva.

Processos referenciais Funções discursivas na notícia

esportiva

Anáforas diretas - Manutenção dos nomes das seleções e

dos principais jogadores em foco;

- Promoção da estabilidade de alguns

referentes, que, de tão cristalizados,

remetem, automaticamente, a seus

referentes;

-Condução/exposição de dada orientação

argumentativa por meio da estratégia de

recategorização.

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145

Anáforas indiretas - Inserção de subtópicos no discurso;

- Inserção de referentes que delimitam

o uso do espaço no campo do

futebol;

- Em geral, é uma estratégia para trazer

para dentro do texto informações

culturais sobre os países e sobre a própria

dinâmica do jogo;

Anáforas encapsuladoras - Importante recurso de progressão

textual nas notícias, também promove

uma exposição da orientação

argumentativa das notícias;

- Utilizada também para sintetizar

lances da partida e estratégias táticas;

- Empregada, muitas vezes, para

rotular avaliações sobre as seleções ou

jogadores.

Dêixis - Uso prototípico, como ocorre nas

demais notícias. Nas notícias esportivas,

o caso mais comum foi o da dêixis

temporal, evidenciando a estreita relação

entre o marco temporal de sua publicação

e o tempo cronológico dos fatos narrados.

Quadro 11: funções discursivas dos processos de referenciação no gênero notícia

esportiva.

Em destaque, colocamos as funções dos processos referenciais diretamente

relacionadas à intencionalidade e aos objetivos comunicacionais das notícias esportivas.

Nosso objetivo aqui foi demonstrar como o ato de referir é construído tendo em vista as

particularidades do gênero em foco.

Nesse sentido, o produtor do texto pode idealizar seu público-alvo, pressupondo

que disponha de determinada competência linguística e conhecimentos enciclopédicos

para compreender o texto. O leitor, nesse caso, é visto como alguém que conhece a

temática do futebol e suas especificidades. O jornalista esportivo, então, dentro desse

gênero, não está no papel de quem sabe mais sobre o assunto, mas na posição de um

mediador entre os fatos ocorridos nos jogos e o leitor. Assim, a recorrência de termos,

como apelidos de jogadores, números de camisa e nomes das funções em campo, por

exemplo, soa como um recurso natural desse gênero, uma vez que pressupõe um leitor

especializado, que compartilha dessas informações. Dentro dessa perspectiva, passamos

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146

agora a comentar as sutis diferenças verificadas entre as notícias do jornal Lance! e do

jornal O Globo.

Após a análise das notícias esportivas, dos jornais Lance! e O Globo,

percebemos que a cadeia referencial desses textos, principalmente tendo em vista as

estratégias de referenciação, pode manifestar uma avaliação positiva ou negativa dos

objetos de discurso. Muitas vezes, esses objetos são recategorizados por meio de

expressões nominais que podem contribuir para a percepção dessa avaliação.

Koch e Elias (2016, p. 99) defendem que as formas nominais, de modo geral,

podem apresentar determinada orientação argumentativa, que

[...]pode ser configurada por um nome-núcleo ou pelo acréscimo de

modificadores avaliativos (positivos ou negativos) evidencia a relação

íntima entre formas nominais e referenciação.

Nesse sentido, o uso de elementos anafóricos promove no texto um fenômeno de

retomada relativamente complexo, da qual fazem parte o saber construído

linguisticamente pelo próprio texto e os conteúdos inferenciais que podem ser inferidos

por meio de conteúdos linguísticos, devido aos conhecimentos lexicais, aos pré-

requisitos enciclopédicos e culturais e aos lugares comuns argumentativos de uma dada

sociedade. Desse modo, as expressões estabelecem no discurso a explicitação de uma

avaliação, sendo que algumas contêm valores axiológicos mais evidentes do que outras.

Tal avaliação pode ser expressa, por exemplo, pelo acréscimo de modificadores de tipo

avaliativo, quer de ordem positiva, quer de ordem negativa. Nesta Tese, portanto,

buscamos avaliar mais especificamente os usos anafóricos que compõem a cadeia

textual das notícias.

Em relação à questão de uma aparente neutralidade/julgamento, percebemos

diferenças sutis entre os dois jornais, no que diz respeito ao emprego de determinadas

estratégias de retomada e recategorização dos referentes. A fim de visualizar de modo

mais efetivo essas diferenças nos dois jornais, focalizamos apenas os objetos de

discurso mais estáveis e que constituem o tópico principal das notícias esportivas – as

seleções de futebol – e esquematizamos o gráfico abaixo:

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Gráfico 2: Estratégia de retomada dos nomes das seleções nos dois jornais

De acordo com gráfico 2, as diferenças mais significativas verificadas nas

estratégias de retomada/manutenção dos nomes das seleções nos textos são o maior uso

de epítetos (expressões como “Celeste”, “Fúria”, por exemplo) no jornal Lance! e o

maior uso da repetição lexical nos exemplos do jornal O Globo. Em menor escala,

notamos a diferença no emprego de expressões metafóricas, como em “zebra argelina”,

e no uso de outros grupos nominais (sintagmas compostos por artigo e nome; nome e

modificador, por exemplo). De todo modo, essas divergências nos levam a concluir que:

(i) O maior uso de epítetos no jornal Lance! aponta um indício de que as notícias

esportivas desse jornal dialogam com um leitor especializado, já que muitos epítetos de

seleções de menor expressão no cenário do futebol mundial – como, “raposas do

deserto” e “diabos vermelhos”, por exemplo – não são amplamente conhecidos nem

utilizados pela mídia; (ii) O maior uso da estratégia da repetição lexical em um jornal

não especializado em esportes como O Globo pode sugerir a tentativa de tornar a

publicação, aparentemente, mais neutra e mais acessível para um público heterogêneo.

Ainda em relação às estratégias de referenciação, percebemos que se trata de um

processo que também resulta da influência exercida pelo ouvinte/interlocutor no ato de

enunciação, não sendo um processo inteiramente livre: o destinatário real ou presumido

participa da referenciação porque, de algum modo, norteia as escolhas do enunciador.

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Isso pode ser percebido, por exemplo, quando são utilizadas expressões referenciais

mais “neutras”, como a estratégia de repetição lexical ou a localização geográfica da

seleção, por exemplo, para se referir às seleções ou aos jogadores em detrimento de

expressões que evidenciem, de modo mais claro, uma avaliação. Essa constatação

permitiu definir que as diferenças verificadas nas estratégias de referenciação devem-se

mais ao perfil de público.

No caso das notícias esportivas analisadas nesta Tese, a diferença entre essas

formas pode ser atribuída ao perfil de público selecionado pelos dois jornais,

comprovando que, quanto maior a especificidade do público, mais necessárias se fazem

as inferências empregadas na intepretação dos discursos. Ou seja, de fato, o suporte

elege certas características e marcas nos gêneros que atuam na materialização desse

gênero. Entretanto, essas diferenças mais específicas relacionadas à escolha vocabular e

ao emprego de determinadas formas de referenciação estão diretamente ligadas, no

corpus, aos diferentes públicos alvos selecionados pelos jornais em questão.

Seguindo o raciocínio aqui desenvolvido, entendemos que o ato da referenciação

envolve uma decisão efetuada na interação em que os interlocutores atuam

recuperando/reconstruindo objetos de discurso, sendo um processo que só se completa

em uma situação concreta de comunicação. Desse modo, as escolhas que compõem as

estratégias de referenciação de um determinado texto só são homologadas e validadas

no momento em que o leitor/ouvinte reconhece e confirma os sentidos propostos pelo

enunciador. Por isso, como já dissemos, acreditamos que as diferenças verificadas,

sejam explicadas pela presunção de um determinado tipo de público leitor por parte dos

jornalistas.

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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como afirma Koch (2002), todo texto apresenta uma “trilha de sentidos” e

desvendar esses caminhos bem como os recursos que os constroem são motivações

incessantes para os estudiosos do texto/discurso. Por esse caminho, iniciamos esta

pesquisa com o objetivo de analisar os processos de referenciação em um gênero

específico e analisamos processos referenciais presentes em notícias esportivas sobre

futebol, publicados em jornais específicos de esporte Lance! e no jornal O Globo. Foi

possível verificar como os interlocutores se apropriam de conhecimentos

compartilhados pelo entorno sociocognitivo para reconstruir os objetos de discurso e,

assim, construir os sentidos no texto, mostrando como o gênero atua nessa construção.

Esse trabalho, realizado sob o escopo teórico da Linguística de Texto, é mais um

exemplo de como tal linha teórica constitui um meio muito profícuo para análises que

se propõem a trabalhar o texto em sua totalidade e em sua dimensão discursiva. Nesse

sentido, a teoria sobre referenciação também mostrou-se muito eficaz para que, a partir

de elementos linguísticos, possamos compreender a construção dos objetos de discurso,

as intencionalidades e, por fim, chegar aos valores construídos no e pelo texto. Dessa

forma, utilizamos como método de trabalho um modelo de análise em que foi possível

perceber como expressões referenciais e pistas textuais constroem os sentidos no texto e

como a imagem do referente que o coenunciador elabora em sua memória vai sendo

alterada, à medida que se desenvolve o discurso.

Comprovamos nossa hipótese inicial de que o gênero notícia esportiva é bastante

atrelado ao contexto sociocognitivo, por isso as formas de referenciação nele verificadas

dependem extremamente de conhecimentos compartilhados para sua interpretação.

Construir a coerência desse enunciado, portanto, depende sempre de os interlocutores

partilharem conhecimentos. Por meio de pistas contextuais e cotextuais, os participantes

da enunciação vão ativando os sentidos e interpretando os referentes como velhos ou

novos. Soma-se a isso a intencionalidade e os propósitos comunicativos do gênero

textual em questão, pois, como foi possível perceber, a notícia esportiva procura

destacar ou enfatizar lances, detalhes mais importantes do jogo, valorizar uma

determinada seleção, por exemplo, de modo a garantir uma adesão emocional do seu

interlocutor.

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Também conseguimos comprovar nossa segunda hipótese, pois foi possível

observar, no decorrer das análises, que os jornais mobilizam diferentes recursos para

construção das notícias, tendo como norte o público que selecionam.

De modo semelhante, as notícias esportivas de ambos os jornais apresentaram

recursos variados na construção de seus textos, como ironia, humor, o apelo à

dramatização dos textos, comprovando o que já apontava Costa (2011). Devido à

especificidade de seu objeto principal, que é o futebol – esporte em que a paixão ocupa

um espaço simbólico privilegiado –, e do perfil de seus leitores, em sua maioria

torcedores ávidos por adentrarem em um território repleto de grandes acontecimentos e

de ídolos imortais, configura-se no jornalismo esportivo brasileiro um campo em que é

proporcionada uma maior liberdade de investimento narrativo na construção da notícia.

Esse apelo à emoção e à adesão do leitor ao futebol está presente nos dois jornais e,

confirmando que o futebol, mais do que um esporte, para as mídias esportivas, é um

produto que movimenta um mercado muito amplo.

Em relação às diferenças, percebemos que o jornal O Globo produz matérias

mais completas que procuram agradar a todos. Além disso, notamos a preocupação do

periódico com a contextualização dos fatos, fazendo com que as notícias sejam sempre

maiores, relembrando acontecimentos anteriores ou trazendo informações adicionais

para situar melhor o leitor dentro daquele universo. Como vimos, foram frequentes as

informações sobre outros jogos, estatísticas das equipes, bem como o uso de trechos de

entrevistas dos jogadores dentro das notícias.

No jornal Lance!, em contrapartida, a contextualização dos jogos é pequena, não

há a inserção de entrevistas ou outras informações no corpo da notícia que possam

auxiliar um leitor menos especializado, o que pode ser visto, inclusive, pelo tamanho

das notícias, que costumam ser mais curtas se comparadas às do jornal O Globo.

Essas diferenças puderam ser verificadas também, como apontava uma de nossas

hipóteses de trabalho, por meio das estratégias de referenciação. Uma dessas diferenças,

como foi dito no Capítulo 5, está no maior uso de epítetos pelo jornal Lance!, indicando

a relação dialógica entre jornalista e um leitor pressuposto, especializado no assunto. Ao

passo que, no jornal O Globo, esse recurso foi quase nulo, ao mesmo tempo em que a

estratégia de retomada por repetição lexical foi a mais produtiva, o que pode ser

explicado pelo maior cuidado e preocupação em atender um público mais amplo e

menos especializado em futebol. A descrição do espaço do campo de futebol nas

notícias e a utilização de termos mais técnicos sobre jogadas e estratégias por meio de

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151

anáforas indiretas, principalmente no jornal Lance!, também confirmaram a diferença

entre os dois jornais. Para além das questões de referenciação, esses resultados

comprovaram ainda um dos conceitos fundamentais da Linguística de Texto: a noção de

texto como um elemento construído na interação entre autor-texto-leitor, conforme

atesta Koch (2006). Tais resultados corroboraram também para percepção do enfoque

sociocognitivo, indissociável, hoje, dos estudos sobre texto/discurso.

Esses resultados constituíram uma parte importante do trabalho, pois

colaboraram para a caracterização do gênero notícia esportiva, cumprindo um dos

objetivos dessa Tese. Nesse sentido, passamos agora a tratar dos resultados das análises

sobre os processos de referenciação que surpreenderam pelos casos inovadores dentro

dos exemplos consagrados pela teoria e, muitas vezes, de difícil classificação.

A estratégia de referenciação mais recorrente no corpus foi a anáfora direta. Sua

recorrência foi creditada à necessidade de manutenção de determinados objetos de

discurso durante os textos. As anáforas diretas, assim como as encapsuladoras,

mostraram-se uma estratégia fundamental para a condução da orientação argumentativa

das notícias esportivas, evidenciando críticas e avaliações sobre jogadores e seleções,

por exemplo, ou até mesmo foram utilizadas para construir um efeito de neutralidade

nos textos.

Apesar da alta recorrência de anáforas diretas, os casos que mais chamaram

atenção no corpus foram alguns exemplos de encapsuladores, anáforas indiretas e a

dêixis. A análise nos surpreendeu com exemplos cuja constituição não é encontrada nos

textos teóricos. Encontramos casos de encapsulamentos realizados por meio de

substantivos concretos, ao contrário do que preveem os estudos tradicionais, por

exemplo.

Encontramos também anáforas indiretas empregadas para segmentar o espaço do

campo de futebol nas notícias esportivas. Tais exemplos, além de atribuírem uma

movimentação dentro do campo como se o leitor estivesse vendo o jogo, demonstram

um forte apelo ao conhecimento compartilhado. Além disso, como esses casos estão

ligados a uma descrição espacial, não deixam de apontar um componente dêitico,

embora não estejam atrelados ao contexto de enunciação, característica básica do

processo dêitico.

Sobre os exemplos de dêixis, convém ressaltar que, ainda que tenham ocorrido

em menor quantidade, permitiram não só explicar tais casos como associá-los à própria

construção de sentidos nos textos, o que é uma contribuição importante deste trabalho,

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pois os trabalhos sobre dêixis, em geral, ficam presos a elementos gramaticais e frases

soltas, e pouco exploram a função desse processo nos textos.

Tendo em vista essa expressividade dos processos de referenciação nas notícias

analisadas, procedemos a um levantamento das funções que os processos de

referenciação exercem nesses textos. Além de verificar as funções tradicionais –

promoção da progressão e articulação textuais – verificamos que algumas funções

ocorrem somente nesse gênero, como a inserção de referentes que localizam o espaço

nos campos, por exemplo.

Ainda que não tenha sido o escopo dessa Tese, possivelmente pode constituir-se

como um desdobramento dela a possibilidade de contribuição dessa pesquisa com o

ensino de leitura. Considerando que a referenciação é uma prática discursiva, marcada

por estratégias sociocognitivas e interacionais, torna-se indispensável destacar na escola

o papel do leitor na construção de sentidos. É nesse ponto que os estudos de

referenciação e leitura se cruzam e assumem um papel importante para o

desenvolvimento das habilidades de leitura.

Pontuar questões como ideologia/construção de pontos de vista na referenciação

e mostrar, por exemplo, como o uso do encapsulador ou anáforas indiretas, com as

devidas adaptações segundo o nível de cada série, exige raciocínio mais profundo do

que simplesmente indicar referentes ou realizar exercícios para “evitar repetição” são

formas concretas de trabalhar a leitura em sala de aula. Nesse sentido, o corpus

analisado pode ser utilizado em sala, aproveitando a inserção que o futebol possui na

cultura brasileira. As notícias esportivas, conforme demonstrado pelas análises, podem

ser textos complexos, que mobilizam diversos conhecimentos compartilhados para sua

leitura, rompendo, inclusive com possíveis pré-conceitos de que seriam textos “fáceis”

de ler. Finalmente, é necessário levar até os alunos as descobertas do meio acadêmico,

por meio de metodologias e materiais a serem desenvolvidos, não só para o ensino

básico, mas também para os cursos de Letras e de Comunicação Social.

Para finalizar, reiteramos que as principais contribuições dessa Tese residem na

profícua associação teórica entre referenciação e gêneros textuais. Parte importante

desse trabalho, implementada por meio da análise de variados exemplos que mostraram

a estreita relação entre os processos de referenciação na constituição dos gêneros

textuais, além de ampliar o olhar sobre a referenciação, com exemplos inovadores.

Além disso, a análise aqui empreendida, de acordo com a perspectiva sociocognitiva,

explorou os processos de referenciação e sua atuação na construção de sentidos nos

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textos, considerando as pistas textuais como parte desse processo. Especificamente

sobre os processos de referenciação, demonstramos como estão interligados e

associados às intencionalidades dos textos.

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160

ANEXOS

(L1) O jogo dos sonhos de Suárez

Com dois gols de Luis Suárez, Uruguai vence a Inglaterra por 2 a 1 em duelo decisivo

de campeões mundiais em São Paulo. Resultado deixa Celeste dependendo só de suas

forças e praticamente elimina a Inglaterra. Rooney desencanta e faz seu primeiro gol em

Copa do Mundo.

O uruguaio Luis Suárez tem uma relação especial com a Copa do Mundo. Em

2010, na África do Sul, foi um dos protagonistas da bela campanha que levou a Celeste

até as semifinais. Ontem, o atacante colocou mais uma vez o seu nome em um capítulo

especial da história das Copas, agora no Brasil.

Com dois gols, ele foi decisivo na vitória uruguaia por 2 a 1 sobre a Inglaterra.

Uma vitória histórica, diga-se, que faz a Celeste renascer no Mundial e que deixa a

Inglaterra praticamente eliminada.

Na véspera do jogo, o capitão inglês Gerrard rasgou elogios ao rival, seu

companheiro de Liverpool. “Suárez é excelente, um gênio”.

Não pareceu um exagero para quem assistiu ao jogo na Arena Corinthians.

Mesmo retornando de lesão e sem estar 100 % recuperado, Suárez mostrou a que veio.

O jogo em si foi equilibrado. Começou truncado e com muita disputa no meio. A

Celeste apareceu em campo com cinco modificações em relação à derrota para a Costa

Rica. As mudanças surtiram efeito. Marcando mais a frente e pressionando, foi melhor

nos 15 minutos iniciais.

Sem estar na sua melhor condição, Suárez atuava mais plantado à frente,

enquanto o excelente Cavani buscava a bola, ajudava na armação e ainda aparecia no

ataque.

No lado inglês, Hodgson prendeu o lateral-esquerdo Baines, puxou Sterling mais

para a direita e colocou Rooney centralizado no meio.

A partir dos 15 minutos, a Inglaterra se assentou em campo e passou a ameaçar.

Tanto que por duas vezes Wayne Rooney quase marcou seu primeiro gol em Copas.

Primeiro, numa bela cobrança de falta, ele deixou Muslera estático. A bola não entrou

por centímetros. Depois, após levantamento de Gerrard na área, o baixinho carimbou a

trave.

Mas justamente quando a Inglaterra estava melhor na partida, o Uruguai abriu o

placar. Bola recuperada no meio permitiu à Celeste pegar a defesa inglesa aberta.

Cavani deu assistência perfeita para Suárez, que só teve o trabalho de cabecear.

O gol foi devastador para a Inglaterra. O time voltou do intervalo aparentemente

nocauteado.

O Uruguai teve, então, três boas chances para ampliar logo no início da etapa

final. Não matou o jogo, retraiu-se um pouco e deu espaço para o English Team crescer

na partida.

Foi a vez dos deuses do futebol fazerem justiça a Wayne Rooney. Após boa

jogada pela direita, Johnson cruzou rasteiro e o camisa 10 escorou de canhota para fazer

seu primeiro gol numa Copa do Mundo. A Inglaterra, então, foi para cima. Sterling

inclusive teve a chance de fazer o gol da virada.

Mas estava escrito que a fria tarde de São Paulo seria de Suárez. Numa reposição

de bola de Muslera, Gerrard desviou de cabeça e a bola sobrou para quem? Para Suárez,

claro. Ele não perdoou. Fuzilou a rede de Hart e selou a vitória uruguaia. Substituído,

chorou no banco de reservas. Sabia o tamanho do triunfo uruguaio. Sabia o tamanho de

sua atuação.

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(GOMES, Guilherme. O jogo dos sonhos de Suárez. Jornal Lance!. Rio de Janeiro, 20

de junho de 2014, p. 13)

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(G1) Suárez 100 %

Atacante do Liverpool estreia no Mundial e marca os dois gols da vitória do Uruguai

sobre a Inglaterra. Resultado mantém uruguaios com chances de classificação e

complica vida dos Ingleses.

Todos tinham a mesma opinião. Era uma partida à feição do Uruguai. Encarada

como final, com a corda no pescoço, do jeito que a Celeste está acostumada. Ser

favorita não faz parte da história da bicampeã mundial. Fazer o quase impossível, sim. E

eles ainda contavam com um convidado novo, que quase abandonou a festa por uma

cirurgia de última hora. Na verdade, tornou-se o anfitrião. O maior artilheiro da seleção

uruguaia mostrou que jamais será coadjuvante de um time que depende muito dele. Luis

Suárez estreou no Mundial ontem, marcou os dois gols da vitória por 2 a 1 sobre a

Inglaterra, no Itaquerão, e manteve as chances de classificação para as oitavas de final.

O resultado, porém, não significa o adeus da outra campeã do mundo, a

Inglaterra. Tudo dependerá do jogo de hoje entre Itália e Costa Rica, no Recife. Um

empate elimina os ingleses. Assim como uma vitória costarriquenha. Isso porque, com

esse resultado, os ingleses não conseguirão alcançar a pontuação de pelo menos dois

rivais do Grupo D. Já a vitória italiana deixa o time vivo até a última rodada. Para os

uruguaios, não importa o que vai acontecer entre Itália e Costa Rica. Vão enfrentar os

italianos, na terça-feira, sem depender dos outros.

São muitos os motivos para comemorar a vitória de ontem. No dia do

nascimento do libertador do país, José Artigas, Suárez foi herói a sua maneira ao acabar

com a escrita de 44 anos sem vencer uma seleção europeia em Mundiais. E a

comprovação de que o atacante, agora com 41 gols pelo Uruguai, cinco deles em Copas,

está em plena forma física.

– Sonhei com esse jogo muitas vezes e tive de controlar a ansiedade para não

prejudicar a equipe. Um filme que não imaginei por tudo o que se disse, que eu estava

50 %. Se eu estava 50 % e foi assim, imagina se estivesse 100 % – disse o herói

uruguaio, que começou a sentir cãibras por volta dos 25 minutos do segundo tempo,

bem antes de marcar o gol da vitória. – Não sei de onde tirei forças, não pedi a

substituição e o (homem) lá de cima me ajudou.

Na véspera da partida, a Celeste falava em apagar a má impressão deixada na

derrota para a Costa Rica (3 a 1) e mostra em campo a imagem do verdadeiro Uruguai,

aguerrido, que não se abate. Foi o que ressaltou o técnico Oscar Tabárez diante do

domínio do primeiro adversário da Copa, destacando ainda o papel de Cavani, que se

sacrificou na marcação. O atacante correu mais de 12 quilômetros.

– Diziam que não conseguiríamos, mas mostramos que não estamos mortos –

afirmou o treinador, lembrando que há um longo caminho a percorrer. – Mas a vitória

trouxe uma brisa, melhorou nossa autoestima.

Artilheiro ovacionado pela torcida

Foi justamente a gana uruguaia aliada ao talento do craque Suárez que fizeram a

diferença contra os ingleses, que deram trabalho ao goleiro Muslera. Num início de jogo

de forte marcação no meio-campo, os times tiveram dificuldades de entrar na defesa

adversária. Alguns chutes por sobre o gol, faltas cobradas da intermediária e nenhum

perigo iminente.

Até que, aos 38 minutos, a vontade uruguaia prevaleceu. Lodeiro brigou pela

bola com o capitão Gerrard, lançou Cavani na esquerda. O atacante esperou Suárez se

posicionar e cruzou na medida para o artilheiro abrir o placar: 1 a 0.

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Os ingleses não se assustaram. Nem os uruguaios acharam que estava tudo

resolvido. Ambas as equipes tiveram chances desperdiçadas ou defendidas, como o

chute de Rooney, aos 9 minutos da segunda etapa. Mas, no momento em que o Uruguai

recuou, o camisa 10 inglês insistiu e empatou aos 30, após bom cruzamento rasteiro de

Johnson, fazendo seu primeiro gol em Copas.

Quando a virada parecia provável, Suárez desfez a impressão. Muslera cobrou

tiro de meta, a bola resvalou na cabeça de Gerrard, e sobrou para o artilheiro fuzilar o

gol de Hart, aos 40. Ele saiu ovacionado do estádio e carregado por Lugano.

– Ele está no nível de Messi e Cristiano Ronaldo. E para nós, ele é ainda mais

importante que eles e que o Neymar. É só olhar as estatísticas.

(FURTADO, Tatiana; KNOPLOCH, Carol & D’ERCOLE, Ronaldo. Suárez 100%.

Jornal Globo. Rio de Janeiro, 20 de junho de 2014, p. 7).

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(L2) Vexame! Brasil sofre a maior derrota de sua história e vê Alemanha chegar à final

Um dia 16 de julho de 64 anos atrás faria o Brasil chorar seu drama maior, o

Maracanazo. Pois este 8 de julho de 2014 faz ele jorrar lágrimas para a maior das suas

humilhações. De joelhos! A derrota mais vexatória do país celebrado mundialmente por

ser o do futebol. O Estádio do Mineirão viu o triste capítulo de 50 ficar esmaecido, ao

menos por ora, na história. Vai ser difícil lembrar daquele 2 a 1 para o Uruguai diante

do que fez a Alemanha nesta semifinal. Uma tortura incomparável para os apaixonados

pela equipe canarinho. Os germânicos, em 45 minutos, tornaram picadinho o sonho

nacional de, enfim, conquistar o troféu em seu território. Um 7 a 1 que não dá margem a

senões, ressalvas e paliativos. Não há razões possíveis para explicar tamanho resultado.

As ausências de Thiago Silva e Neymar, que seriam motivos razoáveis para justificar

uma derrota, não cabem para explicar o que se viu. A pior derrota dos pentacampeões

em toda sua gloriosa história!

Depois de muito mistério na véspera, Felipão surpreendeu e escalou Bernard na

vaga de Neymar. O menino com alegria nas pernas, na definição do próprio treinador,

entrou para atuar pela direita, com Hulk na esquerda e Fred pelo meio. A ideia de ter um

meio de campo mais fortalecido, com Paulinho ao lado de Luiz Gustavo e Fernandinho,

tentando assim neutralizar o setor mais criativo dos alemães, foi abortada em nome de

tentar abafar a saída de bola rival. No início até parecia que a tática poderia dar

resultado e o jogo seria disputado, com mais cara de uma semifinal entre as duas

potências. Que nada! Bastou uma jogada de bola parada, arma letal dos europeus, para a

filosofia derreter-se. Em um lance de perdição total da defesa, aos 10 minutos, David

Luiz deixou Thomas Müller livre para fazer seu quinto gol neste Mundial.

A partir daí a Seleção sofreu um colapso inédito em seus mais de cem anos de

história. A Alemanha fez seu toque de bola parecer fácil, ludibriando a marcação

brasileira. No imaginário coletivo mundial os tedescos jogaram como Brasil, com

técnica apurada. Na zaga, Dante, que tanto foi celebrado como conhecedor das virtudes

e defeitos do adversário por jogar no Bayern de Munique, foi presa fácil, assim como

todo o sistema defensivo. Aos 22, Klose fez seu 16º em Mundiais e isolou-se como

goleador máximo nessas 20 edições de Copa. Justo ele, o único atleta a jogar quatro

semifinais de Copa. E uma espécie de Carrossel em vermelho e preto passou a desfilar,

com um gol atrás do outro.

O desencontro brasileiro no gramado ficou evidente no gol de Khedira, aos 28

minutos. após linha de passe que mais parecia a tão brasileira "roda de bobinho". Antes,

Kross fizera dois. Assim, Felipão e seus comandados foram inertes para o vestiário,

com um 5 a 0 inimaginável.

No segundo tempo, Felipão fez o que muitos esperavam que fizesse no início.

Povoou o meio, com Paulinho e Ramires, na tentativa de ao menos reduzir o vexame.

Não houve trégua. Além de dois gols de Schürrle, que entrou no lugar de Klose, teve a

eficiência do goleiro Neuer, que evitou que o Brasil descontasse com duas defesas

imponentes. Já nos instantes finais, Oscar fez o de honra do Brasil.

A Alemanha vai para a decisão após esbarrar duas vezes na sequência nas

semifinais e tentará, no domingo, dar à sua exuberante geração uma glória que ainda

não veio. Espera pelo seu adversário, que pode ser a Argentina pela terceira vez ou a

Holanda pela segunda. Já o Brasil tenta recolher os infindáveis cacos para defender seu

orgulho no sábado, no Mané Garrincha, em Brasília, na disputa de terceiro e quarto.

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(NETO, Valdomiro. Vexame! Brasil sofre maior derrota da sua história e vê Alemanha

chegar à final. Jornal Lance! Rio de Janeiro, 08 de jul. 2014, p.24)

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(G2) Brasil é massacrado pela Alemanha e sofre a maior goleada de sua história: 7 a 1

Seleção leva quatro gols em seis minutos no primeiro tempo e perde a chance de

disputar o hexa

O sonho do hexacampeonato se transformou na dor de uma derrota humilhante em

apenas seis minutos. Na maior vergonha brasileira na história das Copas, o Brasil foi

atropelado pela Alemanha no Mineirão: 7 a 1. A seleção treinada por Joachim Löw

dominou a partida e deixou evidente a sua superioridade entre os 23 e os 29 minutos do

primeiro tempo, quando os quatro gols marcados transformaram o tímido 1 a 0 no

estridente placar de 5 a 0. No segundo tempo, Schürlle marcou duas vezes e ampliou o

vexame.

MUITOS RECORDES NA PARTIDA

Foi um jogo cercado por recordes e números expressivos. Foi a maior goleada já sofrida

pelo Brasil em sua história. Klose fez um gol e chegou aos 16, se isolando no posto de

maior artilheiro da história das Copas. Em apenas outras duas ocasiões, uma seleção

havia terminado o primeiro tempo derrotada por uma diferença igual ou superior a cinco

gols. Pela primeira vez, o Brasil levou seis gols em um jogo de Copa do Mundo. Foi a

maior goleada em uma semifinal em toda a história da Copa do Mundo. Nunca, em um

Mundial, uma seleção havia marcado quatro gols em um intervalo de apenas seis

minutos. A goleada alemã encerrou uma invencibilidade de 42 jogos do Brasil dentro do

país.

A seleção de Felipão conseguiu equilibrar a partida por dez minutos. Com Bernard, o

Brasil marcava na frente e teve a primeira chance logo aos dois minutos, em um chute

de Marcelo. Aos 7, no entanto, a Alemanha deu o primeiro sinal: em uma jogada bem

tramada no ataque, Khedira bateu de fora da área, mas a bola bateu no companheiro

Kroos. Quatro minutos depois, Müller aproveitou um escanteio e, sozinho, abriu o

placar. Era só o começo.

GOLEADA IMPIEDOSA

Aos 23 minutos, Fernandinho errou uma antecipação, e a jogada alemã parou em Klose.

Júlio César ainda defendeu, mas o atacante marcou no rebote. No minuto seguinte,

Kroos bateu de fora da área: 3 a 0. Dois minutos depois, Fernandinho perdeu a bola na

entrada da área: outro gol de Kroos. O Brasil não conseguia respirar, jogadores e

torcedores estavam atônitos quando veio o quinto, de Khedira.

A Alemanha ainda marcou mais duas vezes no segundo tempo e ampliou o massacre:

aos 24 e 34, Schürlle, que entrara no lugar de Klose, escancarou ainda mais a fragilidade

brasileira. Aos 44, Oscar marcou, mas não diminuiu em nada a dor brasileira.

(GRILO, M. Brasil é massacrado pela Alemanha e sofre a maior goleada de sua

história: 7 a 1. Jornal Globo, Rio de Janeiro, 8 de julho de 2014, p.15)

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(L3) Não foi fácil!

Em um jogo aberto e repleto de chances de gol, Alemanha precisa da prorrogação para

superar a valentia argelina e avançar às quartas de final

Foi absolutamente dramático. As Raposas do Deserto resistiram como puderam.

Mas essa guerra a Alemanha ganhou, por 2 a 1, mesmo que a sua divisão panzer – Özil,

Schweinsteiger e Müller – ainda não tenha repetido a blitzkrieg da estreia sobre

Portugal. Faltou à Argélia a qualidade dos craques adversários. Mas parece exagero

atribuir o seu esforço a uma tentativa de vingar 1982, pois nenhum dos 28 jogadores

que estiveram na partida havia nascido em junho daquele ano.

A Alemanha não conseguiu acertar o passo no primeiro tempo, esbarrando na

marcação cerrada dos africanos, e pior, sendo surpreendida com frequência pelos

contra-ataques do adversário, que obrigou Neuer a sair pelo menos três vezes da área

para isolar a bola. Um pouco mais de capricho do time verde e o branco sairia derrotado

para o intervalo. A Alemanha teve uma única chance de verdade, e aos 40 minutos,

quando Götze apanhou um rebote de M’bouli e chutou em cima do goleiro.

No intervalo Joachim Löw substituiu Götze por Schurrle, e sua equipe passou a

ter o controle do jogo, até porque a Argélia, preferiu assumir a retranca, certa de que

poderia segurar o 0 a 0. Os alemães, no entanto, trocavam passes e de posições, mas

praticamente não criavam oportunidades. Mustafi, machucado, deu lugar a Khedira, e

Lahm ocupou a lateral. Inútil. Por volta de meia hora, os africanos decidiram sair da

toca, e Valid Halihodzic reforçou o ataque, lançando Brahimi. Mas deixavam espaços

atrás, e M’bouli praticou duas defesas espetaculares em conclusões de Müller. E como

ninguém acertou o alvo, a partida foi para o tempo extra.

O problema é que os argelinos cochilaram no comecinho, e Schurrle, de letra,

apanhando o cruzamento de Müller, marcou o primeiro gol.

Restando um minuto, Özil apanhou sobra na área e fuzilou. 2 a 0. E não é que a

Argélia, com Djabou, ainda diminuiu para 2 a 1? Mas ficou assim. Um belo jogo.

(ASSAF, Roberto. Não foi fácil. Jornal Lance! Rio de Janeiro, 1 de julho de 2014, p. 20)

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(G3) Batalha no Sul

Alemanha é supreendida pela aguerrida Argélia e só consegue a vitória na prorrogação,

em jogo com grandes atuações dos dois goleiros.

A frieza alemã combinou perfeitamente com os 12 graus registrados ontem no

Beira-Rio, durante as oitavas de final da Copa do Mundo, contra a Argélia. Em um jogo

épico, cheio de alternativas e decidido nos instantes finais, a Alemanha avançou com

uma vitória sobre o valente selecionado africano depois de 120 minutos de futebol. De

ótimo futebol.

Como previra o técnico Joachim Löw na véspera, foi preciso paciência e

humildade para bater uma Argélia aplicada, veloz e ousada. Os gols só saíram na

prorrogação, e por pouco a decisão não foi para os pênaltis. Depois de abrir 2 a 0 a

Alemanha tomou um gol aos 16 minutos da segunda etapa da prorrogação e levou o

torcedor a segurar o grito pela classificação até o apito final.

O técnico Vahid Halihodzic surpreendeu ao escalar uma Argélia mais defensiva,

deixando Brahimi e Djabou no banco. Mesmo assim, foi a seleção africana quem

mandou no jogo na primeira etapa. A Argélia explorou a velocidade pelas laterais da

Alemanha, que jogou com dois alas improvisados – Mustafi e Boateng.

Pelos lados, o veloz Slimani, pela esquerda, e Feghouli, pela direita,

infernizaram a defesa alemã. Desorganizado e bem marcado pelos argelinos, o time de

Löw pouco ameaçou na primeira etapa e sobreviveu de chutões para o ataque. Aos oito

minutos, num contra-ataque rápido, Slimani obrigou Neuer a fazer defesa difícil com os

pés, fora da área, para impedir o gol da Argélia. O goleiro alemão teria participações

decisivas durante a partida em arrancadas argelinas. Aos 14, Feghouli avançou pela

direita em jogada individual e chutou no ângulo, mas para fora. Aos 18, Ghoulam bateu

cruzado da esquerda e quase marcou.

Aos 38, o lance mais dramático da primeira etapa: Mostefa aparou um rebote de

fora da área, a bola desviou em Boateng e, com Neuer completamente batido, passou à

direita do gol. Na seqüência, Schweinsteiger chutou de fora da área, o goleiro M’Bolhi

bateu roupa e em seguida defendeu a pancada à queima-roupa de Götze.

A Alemanha teve mais posse de bola e finalizou mais que a Argélia nos 45

minutos iniciais, mas sem perigo. Só ameaçou mesmo aos 13, em arremate de fora da

área de Schweinsteiger, que M’Bolhi defendeu, e aos 23, quando Özil tentou encobrir o

goleiro, que escorou para escanteio com um tapinha.

Com a entrada de Schürrle no lugar do apagado Götze, a Alemanha adiantou sua

linha defensiva e melhorou a intensidade do futebol tricampeão do mundo no segundo

tempo. Logo aos dois minutos, o atacante do Chelsea teve a chance de abrir o marcador

– Ghoulam desviou para escanteio. Na cobrança, Mustafi subiu mais que a zaga e

cabeceou para defesa segura de M’Bolhi. Aos nove, o goleiro argelino brilhou mais uma

vez ao espalmar chute de Lahm de fora da área.

A pressão, entretanto, esbarrou na falta de criatividade do meio-campo alemão.

Nem a entrada de Khedira melhorou o ritmo da equipe de Löw, que dependia cada vez

mais do talento individual de Muller. Com isso, o jogo, que pendia para a Alemanha,

mudou de lado.

Aos 26, o rápido Slimani obrigou Neuer a outra intervenção importante de

cabeça, mais uma vez fora da área. Aos 29, Feghouli bateu cruzado no canto direito do

goleiro alemão e, aos 30, de novo numa arrancada, Slimani bateu forte, nas mãos de

Neuer.

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Chute de letra supera M’Bolhi

Nos 15 minutos finais a Alemanha partiu para o tudo ou nada, e então brilhou a estrela

do goleiro argelino. Aos 33, numa arrancada pela direita, Muller colocou na cabeça de

Schweinsteiger, que arrematou para fora. De novo Muller ameaçou em uma cabeçada

frontal defendida por M’Bolhi, aos 35, e em chute para fora, do lado esquerdo, aos 37.

Aos 44, o goleiro argelino fez novo milagre em cabeçada de Schweinsteiger.

Depois de oito defesas importantes no tempo normal, o eficiente M’Bolhi –

escolhido como melhor jogador da partida pela Fifa – não conseguiu deter o toquezinho

de Schürrle, de letra, depois de assistência de Muller pelo lado esquerdo, a dois minutos

da prorrogação. Um a zero para a Alemanha, e classificação a caminho.

Mesmo com bom volume de jogo, a Argélia não teve qualidade para empatar –

embora tenha mantido a partida em alta temperatura até o final, com lances de lado a

lado. Mustefa poderia ter feito o gol de empate aos 11 do primeiro tempo da

prorrogação, enquanto M’Bolhi salvou aos 12 minutos do segundo tempo, em chute de

Kramer.

A disputa parecia estar liquidada aos 14 minutos da etapa final, quando Özil

fuzilou depois do zagueiro Belkalem ter rebatido uma conclusão de Kramer. Um minuto

depois, entretanto, em uma bobeira da zaga alemã, o gigante Slimani cruzou da direita e

Djabou mandou para as redes. No último ataque argelino, Neuer segurou uma conclusão

de Feghouli. Fim de jogo histórico, e, se não se repetiu a história de 1982, quando a

(ainda mais) zebra argelina derrotou a então bicampeão Alemanha Ocidental por 2 a 1,

no estádio El Molinón, em Gijón, na Espanha, mais uma vez os africanos (como já tinha

acontecido no empate em 2 a 2 com Gana, na fase de grupos), foram uma pedra na

chuteira dos poderosos alemães.

Na sexta-feira, a Alemanha volta a campo para encarar a França às 13h, no

Maracanã, pelas quartas de final.

(ILHA, Fávio. Batalha no sul. Jornal Globo. Rio de Janeiro, 1 de julho de 2014, p. 7)

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(L4) Depois do bombardeio, Bélgica 2X1 Estados Unidos

Anheuser – Busch, Duvel, Stella-Artois. Qual delas os belgas vão escolher para

comemorar a dramática vitória sobre os Estados Unidos? Ou tomarão todas? Pois é os Diabos

Vermelhos deixaram de lado todo o futebol pragmático da primeira fase, reviveram na Fonte

Nova alguns dos melhores momentos nas Eliminatórias e só não enfiaram uma goleada no

adversário porque Tim Howard, mesmo com a derrota, foi um autêntico herói, com 16 defesas

em 27 das 38 bolas chutadas a gol, os norte-americanos fizeram um esforço extraordinário para

manter a Star-Splanged Banner tremulando.

Os Estados Unidos entraram mais cautelosos, permitindo que os belgas ficassem mais

tempo com a bola, para surpreendê-los nos contra-ataques. E, embora houvesse uma correria

desenfreada, e o jogo fosse interessante, as equipes erravam quase sempre o último passe e as

conclusões, daí as raras oportunidades e o lógico 0 a 0.

O segundo tempo foi diferente. O time europeu voltou pressionado, disposto a decidir, e

criou um punhado de chances, obrigando Howard a praticar várias intervenções. Os americanos

quase não conseguiam superar o próprio campo, abusando dos chutões, aceitando o domínio

belga. Marc Wilmots trocou Mertens por Mirallas, que tornou os Diabos Vermelhos ainda mais

ousados. Mas as tentativas morriam nas mãos e nos pés do goleiro. Mirallas e Hazard, livres de

marcação, desperdiçaram oportunidades incríveis. Besler evitou o pior no complemento de Van

Buyten. Origi tentou de fora da área e o monstro deu um tapa para escanteio.

E lá veio a prorrogação. Nesta, os belgas acabaram ganhando com a arma dos norte-

americanos: aos dois, Lukaku, que entrou com o próprio diabo no corpo, rolou para De Bruyne

fazer 1 a 0. Aos 15, De Bruyne lançou Lukaku, que fuzilou: 2 a 0. Aos 17, no entanto, o jovem

Green, 19 anos, mostrou que não está verde: entrou em campo e diminuiu para 2 a 1. Foi um

final imprevisível, mas ficou nisso.

(ASSAF, Roberto. Depois do bombardeio, Bélgica 2X1 Estados Unidos. Jornal Lance! Rio de

Janeiro, 2 de julho, p. 12).

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(G4) Bélgica bate Estados Unidos

Faltou a chuva de gols das outras partidas, mas, em compensação, a Fonte Nova viu um jogo

repleto de emoções. Bélgica e Estados Unidos chegaram à capital baiana para decidir quem

seria o último classificado para as quartas de final. Com um gol de Kevin De Bruyne, e outro de

Romelu Lukaku, os belgas venceram por 2 a 1, conquistaram a vaga, e agora enfrentam a

Argentina no sábado, às 13h, em Brasília.

Dispostos a apagar a má impressão da primeira fase, na qual venceram seus três jogos, mas não

corresponderam às expectativas criadas após a bela campanha das eliminatórias europeias, os

belgas entraram em campo sem medo de se lançar ao ataque, e já no primeiro minuto de jogo,

De Bruyne cruzou de trivela, e Fellaini cabeceou para boa defesa de Howard. Marcando a saída

de bola americana, os belgas impediam os avanços da equipe comandada por Jürgen Klinsmann,

mas esbarravam na falta de objetividade do ataque, que não conseguia concluir as jogadas.

Aos 21 minutos, os americanos chegaram com perigo. Dempsey tabelou com Bradley na

entrada da área, e chutou de primeira, obrigando Courtois a fazer uma bela defesa. No minuto

seguinte, foi a vez dos belgas atacarem. Vertonghen arrancou pelo meio após roubar a bola de

Zusi e tocou para De Bryune. O meia cortou para o centro da área e chutou rente à trave direita

de Howard. De Bryune voltou a perder uma chance aos 45, chutando de primeira após receber

de Origi. Howard defendeu com segurança.

SEGUNDO TEMPO DE CHANCES DESPERDIÇADAS

No segundo tempo, a Bélgica voltou a criar chances aos nove minutos, quando Origi

desperdiçou um cruzamento açucarado de Vertonghen; aos 11, com o atacante do Lille

cabeceando no travessão após cruzamento de Alderweireld; e aos 15, com Mertens tocando de

letra para fora após cruzamento do ataque belga.

A pressão belga não diminuiu, e obrigou o goleiro americano Tim Howard a fazer grandes

defesas aos 26, numa finalização de Origi dentro da área, e aos 30, após chute cruzado de

Mirallas. Dispostos a se defender até o fim, os americanos levaram sorte no chute de Hazard,

aos 42, que acertou a rede pelo lado de fora. A melhor chance do jogo, no entanto, veio já nos

acréscimos, quando Wondolowski recebeu livre na área, mas concluiu por cima do gol de

Courtois, sob olhar incrédulo do ex-artilheiro Klinsmann.

NA PRORROGAÇÃO, GOLS E MAIS TENSÃO

Se no tempo normal as duas equipes chamaram a atenção pela correria, na prorrogação, a

velocidade aumentou. Já aos dois minutos, a Bélgica abriu o placar. Lukaku fez grande jogada

pela direita, entrou na área e cruzou para De Bruyne que, com calma, cortou dois zagueiros e

tocou sem chances para Howard. Os belgas não diminuíram o ritmo, e Howard impediu a

ampliação do placar com belas defesas em chutes de Lukaku e De Bruyne. No entanto, o

esforço belga foi recompensado aos 14 minutos, quando Lukaku recebeu de Hazard, e chutou

para o gol, ampliando o placar.

Mesmo com dois gols de desvantagem, os americanos não se deram por vencidos, e logo no

início da segunda etapa, trataram de descontar. O atacante Julian Green, que havia acabado de

entrar, recebeu um grande lançamento de Bradley e chutou de primeira, marcando um belo gol.

No minuto seguinte, Beasley chegou bem ao fundo pela direita e cruzou. Green ajeitou e Jones

tocou para o gol, mas a bola passou rente à trave esquerda de Courtois.

Com pouco menos de dez minutos para buscar o empate, os Estados Unidos se lançaram ao

ataque, e chegaram bem perto de levar o jogo para os pênaltis. Após uma falta na entrada da

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área, a bola chegou até Dempsey, que perdeu frente a frente com Courtois. Coube aos belgas

resistir à pressão norte-americana, e esperar que o relógio corresse. Apesar das muitas

tentativas, a equipe de Marc Wilmots se manteve inabalável, e conseguiu sair da Fonte Nova

com a vitória. Festa em Bruxelas, capital que abriga as sedes da Otan e do Parlamento Europeu,

e tristeza em Washington, onde o presidente americano Barack Obama se reuniu com sua

equipe na Casa Branca para assistir a partida.

(BENJAMIM, Felipe. Bélgica bate Estados Unidos. Jornal Globo. Rio de Janeiro, 2 de julho,

caderno de esportes).

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(L5) Corrida para o tri

Brasil decime que se siente. Daqui 20, 40, 50 anos, os argentinos vão lembrar

que vieram ao Brasil e fizeram do país vizinho sua casa, sua morada. E que, na Copa do

Brasil, quem foi ao Brasil foram eles.

A Argentina vai fazer a final do mundial em nossa casa com a responsável pela

maior humilhação de nossa história: a Alemanha. O jogo de domingo no Maracanã será

o tira-teima de finais de Copas: em 1986, os argentinos levaram a melhor sobre os

alemães. Quatro anos depois, veio o troco.

A Argentina venceu a Holanda porque foi muito mais competente nos pênaltis,

após 0 a 0 no tempo normal e na prorrogação, mas não foi só isso. Os Hermanos

fizeram muito do que o time de Luiz Felipe Scolari, que deveria jogar no Maracanã

domingo, não o fez na terça no Mineirão.

O time de Alejandro Sabella em nenhum momento abandonou sua proposta e só

assim foi capaz de fazer frente à consistente Holanda do ótimo Louis Van Gaal. A

partida de xadrez que durou 120 minutos mostrou o que é uma semifinal de copa do

mundo. Como tudo deve ser.

Nenhum dos dois times foi melhor na Arena Corinthians e qualquer bola poderia

decidir o futuro dessas duas gigantes. Robben, lembrando a final de 2010 diante da

Espanha, teve essa bola aos 45 minutos do segundo tempo. Foi travado por Mascherano,

um monstro.

O astro holandês jogou pro alto a chance de fazer história. E permitiu aos

argentinos escrevê-la.

A Argentina de Messi, mas que ontem foi de todos. O craque estava apático,

talvez como se quisesse provar que sua seleção poderia chegar a uma final sem ele.

Chegou.

A Holanda, de novo, bate na trave e deve encerrar a geração de Robben, Sneijder

e Van Persie.

Certo é que, assim como o 8 de julho para os brasileiros, esse 9 de julho nunca

será esquecido pelos argentinos. No dia da independência do país, eles ficaram a um

jogo de conquistar o Brasil, a eternidade. Brasil decime que se siente...

(PORTO, Marcio. Corrida para o tri. Jornal Lance! Rio de Janeiro, 10 de julho, p. 10).

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(G5) De volta após 24 anos

Em seu regresso a uma final de Mundial, Argentina reencontra a Alemanha, que a

eliminou das duas últimas Copas e fez 7 a 1 no Brasil

A volta a uma final de Copa do Mundo após 24 anos, a busca pelo título após 28,

tudo isso leva a Argentina a reencontrar um fantasma. A Alemanha, que eliminou os

sul-americanos nos dois últimos Mundiais, está novamente no caminho. E com uma

cara ainda mais assustadora após os 7 a 1 aplicados no Brasil. Nos pênaltis, após 120

minutos sem gols em uma semifinal amarrada contra a Holanda, com mais táticas e

cuidados defensivos do que ousadia, a geração de Messi manteve vivo o sonho de levar

os argentinos a quebrar o jejum e fazer história em pleno Maracanã. Por enquanto, o

tamanho da ameaça alemã foi assunto evitado.

Mas ficou claro o tamanho do respeito que o rival impõe. Pela terceira vez os

dois países se encontram numa decisão. Em 1986, a Argentina venceu por 3 a 2. Em

1990, a vitória foi alemã por 1 a 0.

– Amanhã pensamos nisso (nos 7 a 1). Esperei tanto tempo por este momento,

estar na final é um sonho. Por favor, me deixem desfrutar. Vamos enfrentar um grande

time, mas por que não tentar? – disse o volante Mascherano, um dos melhores em

campo, embora a Fifa tenha escolhido o goleiro Sergio Romero tenha levado o prêmio.

Ele se transformou em herói ao pegar dois pênaltis na disputa.

O Itaquerão viveu ecos da eliminação e do vexame brasileiro na véspera. Num

estádio com pelo menos 50 % de brasileiros, o número de camisas amarelas era muito

menor do que nas últimas partidas. Provavelmente, muitos quiseram evitar ouvir

provocações no caminho. Lá dentro, no entanto, os argentinos, que eram cerca de 20

mil, cantavam músicas em referência aos sete gols marcados pela Alemanha. Os

brasileiros respondiam com gritos de “olé” quando a Holanda tocava a bola e com coros

de “pentacampeão”. A torcida foi toda dos holandeses. Inútil.

Romero foi o herói. Curiosamente, ele foi para a Europa justamente pelas mãos

de Louis Van Gaal, treinador holandês. No Itaquerão, fez história garantindo a vitória

por 4 a 2 ao defender as cobranças de Vlaar e Sneijder. Robben e Kuyt marcaram para a

Holanda. Já Messi, Garay, Agüero e Maxi Rodriguez fizeram os gols da Argentina.

– Ensinei o Romero a agarrar pênaltis, então é claro que isso dói – disse Van

Gaal, que logo explicou. – Quer dizer, não exatamente. O AZ Alkmaar foi o primeiro

clube dele na Europa e eu era o técnico.

Romero dividiu méritos com o time.

– Tenho à minha frente jogadores que lutaram 120 minutos por todas as bolas,

não desistiram nunca – afirmou o goleiro do Monaco, da França. Após o jogo, ele foi

pessoalmente agradecer a Van Gaal no vestiário da Holanda.

Mascherano também ganhou tratamento de herói dos argentinos.

– É um baluarte, um ícone. Quando passamos para as semifinais, ele tirou um

peso grande das costas. É o único da seleção que tem duas medalhas olímpicas e é um

jogador excepcional – disse o técnico argentino Alejandro Sabella.

Um dia e uma prorrogação

Ele prevê dificuldades no domingo não só pela qualidade alemã, mas também pelo

cansaço dos jogadores. A Argentina terá um dia a menos de descanso até a decisão,

além de ter jogado 30 minutos a mais de futebol e de ter vivido o desgaste emocional

dos pênaltis.

– Eles puderam poupar forças, relaxaram no segundo tempo (da partida contra o

Brasil). E nós não pudemos poupar nada. Gastamos até a última gota de suor – destacou

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Sabella, que elogiou a organização do rival de domingo, que humilhou o Brasil. –

Admiro muito o Brasil e Alemanha. A Alemanha, na história, sempre demonstrou poder

físico, tático e mental. É um país de primeiro mundo.

Já a Holanda vive situação idêntica ao Brasil: buscará forças para disputar o

terceiro lugar, sábado, em Brasília.

– Nunca deveria ser jogada (a decisão do terceiro lugar). Falo isso há 15 anos.

Os jogadores, numa etapa final, nunca deveriam passar por isso. Só há um prêmio: para

o campeão – criticou Van Gaal, que comparou a situação da sua seleção com a do

Brasil. – Acho que perder de 7 a 1 é igual a perder nos pênaltis.

(MANSUR,Carlos Eduardo; KNOPLOCK, Carol e D’ERCOLE, Ronaldo. De volta

após 24 anos. Jornal Globo. Rio de Janeiro , 10 de julho de 2014, p. 13)

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(L6) Oshowa

Seleção Brasileira tropeça pela primeira vez na Copa do Mundo ao empatar sem gols

com o México, no Castelão: Ochoa se destaca com grandes defesas e termina como

melhor do jogo.

Foi 0 a 0 por conta do goleiro Ochoa, goleirão que fez quatro grandes defesas. O

México não merecia perder pelo ótimo futebol que jogou no Castelão. O Brasil não

merecia vencer por uma pálida atuação.

Felipão poupou Hulk e, por tabela, mudou taticamente a equipe. Oscar, o melhor

contra a Croácia, foi atuar pela esquerda, na de Hulk. Ramires, com outra característica,

foi fazer a direita do 4-3-2-1 – onde Oscar brilhou na estréia. Por dentro, próximo de

Fred, Neymar, como todo o Brasil, fez um primeiro tempo discreto. De ótimo apenas

uma bela cabeçada espetacularmente defendida por Ochoa.

Demérito da seleção que se mexeu ainda menos contra um México que não se

apequenou. Usou mais o 4-4-2 que o 3-3-2-2, soltando mais Layun pela esquerda e o

ótimo Herrera para chegar à frente, e travou o primeiro tempo. Felipão respondeu no

intervalo com a entrada de Bernard pela direita, com Oscar mantido à esquerda.

Mas foi o México que arriscou mais na etapa final. Chutou mais de longe. E com

perigo. Bernard, mal tecnicamente, antes dos 20 minutos trocou de lado com Oscar, que

foi jogar onde havia atuado bem. Mas o time seguiu sem luz. Neymar acertou poucos

lances. Paulinho seguiu sumido. Felipão demorou a tirar Fred. Willian demorou a

entrar.

O Brasil não jogou bem e, pior, deixou jogar um México que cresce. O que

ainda não justifica alguns sustos defensivos brasileiros, bem defendidos por Luiz

Gustavo, Thiago Silva e David Luiz. Defesa que sustentou uma equipe que depende

tanto de Neymar quanto do Hino antes do jogo.

(BETING, Mauro. Oshowa. Jornal Lance!. Rio de Janeiro, 18 de junho de 2014, p. 4 e

5).

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(G6) México segura o Brasil

Torcida mexicana dá show no Castelão e vê o goleiro Ochoa brilhar no empate sem gols

com a seleção brasileira

Os jogadores da seleção brasileira passaram os dias que antecederam o jogo

contra o México pedindo que a torcida cearense cantasse o Hino Nacional e não parasse

de torcer um minuto sequer. Os jogadores mexicanos devem ter feito o mesmo. Com

uma participação impressionante, a torcida do México não deixou que sua seleção se

sentisse intimidada, mesmo num Castelão lotado. Acabou premiada com um empate de

0 a 0, resultado que, aliás, acabou sendo bom para os dois. Se o Brasil empatar seu

próximo jogo, dia 23, contra Camarões, estará classificado para as oitavas de final. O

mesmo acontecerá com o México, que enfrentará a Croácia.

Último 0 a 0 foi em 1994

O empate de 0 a 0 de ontem foi o primeiro da seleção em copas desde o 0 a 0

com a Itália, na final de 1994 – o Brasil acabou conquistando o tetra na disputa de

pênaltis. A seleção lidera o Grupo A com quatro pontos e um melhor saldo de gols do

que o México.

– Faltou fazermos o gol – lamentou o técnico Felipão após a partida. O treinador

brasileiro completou ontem 50 jogos à frente da seleção e viu interrompida uma

sequência de 13 vitórias consecutivas em competições organizadas pela Fifa. Até

ontem, tinham sido sete vitórias em 2002, cinco na Copa das Confederações do ano

passado e a vitória sobre a Croácia na estreia.

É verdade que o goleiro mexicano Ochoa fez pelo menos quatro defesas

sensacionais, mas faltou o gol e muito mais. Com Oscar bem abaixo da estreia e

Neymar muito bem marcado, a equipe brasileira teve dificuldades para furar o forte

bloqueio mexicano. No primeiro tempo, as melhores chances do Brasil foram numa

cabeçada de Neymar aos 25 e numa conclusão de Paulinho, após lindo passe de Thiago

Silva com o peito, já nos acréscimos. Em ambas Ochoa brilhou.

Ramires foi mal

Como Ramires, que substituiu Hulk, foi muito mal, Felipão lançou Bernard no

intervalo. Mesmo assim, o time não melhorou. Continuou excessivamente dependente

de Neymar. O camisa 10 da seleção, por sinal, quase fez um belo gol, aos 23. Mas

novamente, parou em Ochoa.

A entrada de Jô no lugar de Fred, que nada fez em campo, também não surtiu

efeito. O atacante só brigou com a bola.

A seleção mexicana, por sua vez, foi melhor nos últimos 45 minutos. Adiantou a

marcação e obrigou o Brasil a sair jogando na base do chutão. Com mais posse de bola,

ameaçou o gol de Júlio César com chutes de fora da área. Num deles, o goleiro

brasileiro fez boa defesa, em chute de Jimenez.

O gol brasileiro poderia ter saído aos 40 minutos, mas a cabeçada à queima

roupa do capitão Thiago Silva parou nas mãos milagrosas de Ochoa.

(FONSECA, Maurício. México segura o Brasil. Jornal O Globo. 18 de junho, p.3).

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(L7) Um dia sem fúria

Sem dó, nem piedade, campeã mundial Espanha é humilhada pela Holanda na

reprise da final da Copa da África do Sul de 2010.

A Laranja – de azul – voltou a ser Mecânica. E a Fúria ficou só no tiki. Nervoso.

Sem o taka. Pois é. Em dia de muito brilho de Robben, que estraçalhou, e desastroso

para o adversário, principalmente para Casillas, a Holanda enfiou 5 a 1 na Espanha, em

Salvador, vingando a derrota de 1 a 0 na decisão da Copa de 2010, na África do Sul.

Os campeões mundiais caíram impiedosamente. Não seria exagero afirmar que a

Laranja surpreendeu a sua própria torcida, dado que se trata de uma equipe renovada,

com vários jogadores com pouca experiência de seleção.

O curioso é que a Espanha saiu na frente, gol de pênalti – de De Vrij em Diego

Costa – aos 26 minutos, teve maior domínio e desperdiçou uma excelente oportunidade

aos 42, por capricho de David Silva, que tentou encobrir Cillessen. Não seria exagero

dizer que essa foi o que se chama de bola do jogo, pois se entra talvez mudasse o rumo

do duelo. Ah... e só tomou o empate aos 44, num peixinho de Van Persie.

Veio o segundo tempo, e os holandeses envolveram por completo o adversário,

que acabou perdendo o controle dos nervos e do jogo. Robben fez 2 a 1 aos sete, De

Vrij – após falta de Van Persie em Casillas – aos 19, Van Persie, tomando a bola do

goleiro, aos 27, e ele, Robben, novamente, num gol espetacular: ganhou na corrida de

Piqué e Ramos, tirou Casillas do lance e mandou a pancada à esquerda, 5 a 1.

A partir do terceiro gol, não houve mais possibilidade de reação. A fisionomia

dos espanhóis era assustadora, todos rezando pelo apito final do italiano Nicola Rizzoli.

E vale ressaltar que se o placar fosse sete ou oito não teria sido nada demais. E que a

atuação de Robben foi uma das mais fantásticas da história dos Mundiais.

Na realidade, o técnico Louis van Gaal arrumou a defesa, lançando volantes que

reforçaram a marcação, deixando para os craques a tarefa de decidir. Se confirmar a

fórmula nos próximos jogos com certeza disputará novamente o título.

(ASSAF, Roberto. Um dia sem fúria. Jornal Lance! Rio de janeiro, 14 de julho de 2014,

p 14).

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(G7) Laranja amarga

Holanda humilha a campeã Espanha com goleada histórica na estreia, se vinga

de 2010 e ouve torcida gritar olé na Bahia

São necessários 45 minutos para a troca de lados em uma partida. Mas o

intervalo esperado pela Holanda para virar o jogo durou quatro anos. No ciclo entre as

Copas, os holandeses não suportaram o papel de coadjuvantes, enquanto a protagonista

Espanha brilhava como a estrela campeã em sua camisa roja. Até ontem. Assim como a

maioria dos credos, crenças e culinárias vieram da África, as equipes trouxeram daquele

continente para a Bahia a rivalidade e o latente desejo de vingança da Holanda, que

impôs à Espanha uma furiosa goleada de 5 a 1. Jamais um campeão havia estreado na

Copa seguinte levando cinco gols.

A inversão de papéis começou antes de a bola rolar. Ao contrário da final de

2010, era a Holanda a usar azul. Ao cair na área aos 25 minutos, o brasileiro

naturalizado espanhol Diego Costa já percebera a dificuldade para se livrar dos

zagueiros e das vaias. Xabi Alonso bateu o pênalti e fez o único gol da Espanha, um

suspiro antes do afogamento total.

O voo de Van Persie sobre a área iniciou a decolagem da Holanda. Após receber

passe certeiro de Blind, o camisa 9 praticamente ficou no ar, com o corpo na horizontal,

antes de cabecear e encobrir Casillas, aos 44 minutos.

Piqué no ‘Waka waka’

Outro jogo, outra Holanda no segundo tempo. De pé em pé, a bola chegou a

Robben depois de outro lançamento de Blind, o lateral-esquerdo legítimo descendente

da Laranja Mecânica, porque é filho do ex-zagueiro Danny Blind. Robben dominou,

driblou Piqué, que ficou meio dançando a famosa “Waka waka” de sua mulher, Shakira,

e fuzilou para o gol de Casillas, aos 7.

Mesmo sem ser uma pintura, o terceiro gol já anunciava a goleada que seria o

conjunto da obra. Os espanhóis reclamaram de falta de Van Persie em Casillas, mas o

fato é que a bola sobrou para o zagueiro De Vrij marcar, aos 20, o terceiro da Laranja

azul.

O semblante dos espanhóis era de incredulidade. Ainda passaria a ser o de

vergonha. Em busca do recorde pessoal, Casillas não poderia levar gols para superar o

italiano Zenga em minutos sem ser vazado (517). Ao desembarcar no Brasil, disse que a

Espanha ganharia tudo. Ganhou cinco gols, mais que os quatro que sua seleção sofreu

na última visita ao Brasil, na Copa das Confederações. O quarto foi cruel, nascido dos

pés do espanhol, após saída de bola errada, que Van Persie aproveitou para marcar, aos

26. A torcida gritava olé.

O grande final foi definido pelo destino. Quatro anos antes, Robben perdeu um

gol na decisão, em chute defendido por Casillas. Era preciso deixar o goleiro espanhol

aos seus pés. A corrida que o holandês de 30 anos deu, do meio-campo até a área da

Espanha, aos 35 do segundo tempo, mostra a disposição de reescrever a sua história.

Após vencer a marcação, Robben driblou o arqueiro e tocou para o gol. Enquanto saía

para comemorar, passou diante de Casillas, caído, cabisbaixo, humilhado. Como toda a

Espanha.

(AMATO, Gian. Laranja amarga. Jornal O Globo. Rio de Janeiro, 14 de junho de 2014,

p. 8)

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(L8) Close nele!

Alemanha não toma conhecimento de Cristiano Ronaldo e goleia com show de Thomas

Muller, novo artilheiro da Copa, que deixa Klose no banco.

Cristiano Ronaldo não viu a cor da bola. Que ficou preta para Portugal e

branquinha para a Alemanha de Thomas Muller, que precisou de apenas um tempo para

enfiar 4 a 0 e derrubar a estratégia de Paulo Bento, que se revelou absolutamente

desastrada, dado que suas previsões caíram por terra com extrema rapidez.

O objetivo do treinador era manter o time recuado, apostando nos contra-ataques

puxados pela velocidade e técnica de Nani e Cristiano Ronaldo. Mas Joachim Löw

percebeu, adiantou a sua marcação, ganhou o meio-campo e confundiu por completo a

zaga adversária com a movimentação dos apoiadores e dos homens de frente.

Aos 10 minutos, Muller abriu o placar no tabuleiro da baiana, cobrando pênalti

de João Pereira em Götze. O bloqueio alemão era tal que Portugal não conseguia sair da

defesa e nem evitar a pressão. As oportunidades se sucediam. Aos 27, Hugo Almeida,

machucado, foi substituído por Éder Lopes. Aos 32, Kroos bateu escanteio e Hummels

enfiou 2 a 0, de cabeça. Aos 36, Pepe agrediu Muller e recebeu cartão vermelho. Daí em

diante, qualquer reação, que já parecia improvável, ficou impossível. A Alemanha

diminuiu o ritmo para o 2º tempo.

Certa de que Portugal, sem outra opção, sairia para tentar diminuir o vexame,

preferiu recuar, para ampliar o resultado nos contra-ataques. Enquanto os lusos

esbarravam no muro adversário – o de Berlim já foi abaixo – os comandados de Löw

recuperavam a bola, trocavam passes medidos e vez por outra arriscavam na frente.

Desperdiçaram algumas chances – numa delas Özil e Müller em sequência –, tiveram o

controle total do jogo, e chegaram ao quarto gol aos 32 minutos, com ele, Muller,

apanhando um rebote de Rui Patrício.

Ficou barato. Não fosse o desgaste provocado pelo calor, e a Alemanha teria

marcado mais vezes, tal a facilidade. O vatapá e o dendê fizeram mal aos portugueses.

Mas ainda há chance de classificação. A Alemanha, ora, é favoritíssima.

(ASSAF, Roberto. Close nele. Jornal Lance!. Rio de Janeiro, 17 de junho de 2014,

p.14).

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(G8) Chucrute na Bahia

Sempre favorita ao título, Alemanha não toma conhecimento de Portugal e marca quatro

gols logo em sua estreia. E ainda tem o artilheiro do Mundial até agora: Thomas

Müller, autor de três ontem.

A Alemanha bateu um Ronaldo, ainda falta outro. Habituado ao uniforme do

Real Madrid, Cristiano aprendeu que os melhores, ontem, estavam do outro lado,

vestidos pelo branco característico do time espanhol. O melhor jogador do mundo

sumiu em campo na primeira partida, quando Portugal foi goleado por 4 a 0 pelos

tricampeões, na Fonte Nova. Com tantos bons jogadores, o técnico Joachim Löw nem

tirou do banco Klose, 14 gols em Copas, um a menos que Ronaldo Fenômeno. Esse

Ronaldo, a Alemanha de Müller, artilheiro até agora no Brasil (3 gols), se deu ao luxo

de deixar para depois...

Ao se estabelecer neste início de Copa como uma fonte inesgotável de gols, o

estádio baiano foi sede de uma Eurocopa particular. Em dois jogos, dez gols. Depois

dos 5 a 1 da Holanda sobre a Espanha, outro time ibérico naufragou. Alvo dos

zagueiros e dos próprios jogadores de Portugal, Cristiano Ronaldo foi um comandante

solitário. Começou aplaudido, terminou vaiado.

Se fosse Portugal uma equipe independente de seu craque, Fábio Coentrão teria

chutado a gol no início, mas preferiu tocar (errado) para Ronaldo, em chance clara.

Salvo um chute defendido por Neuer, aos 7 minutos, Ronaldo esteve naquela faixa de

sombra do gramado, sumido.

Quando João Pereira e Mario Götze se embolaram na área, o juiz marcou

pênalti. Aos 12, Thomas Müller bateu e fez. Atacante criticado por não fazer seu ofício

com louvor, Hugo Almeida só apareceu ao sair machucado. O jogo passava dos 28,

assim como os termômetros, e a defesa portuguesa seria crucial no desenrolar da trama.

Aos 32, o zagueiro Pepe, parceiro de Ronaldo no Real, perdeu de Hummels na subida e

o alemão, de cabeça, fez o segundo.

Pepe leva o cartão vermelho

Pepe não andava bem da cabeça: aos 36, ele acertou o rosto de Müller com a

mão. Com o alemão sentado, o brasileiro naturalizado português deu-lhe uma cabeçada

e foi expulso. O outro zagueiro, Bruno Alves, “contribuiu” aos 46, ao rebater fraco a

bola, que Müller roubou antes de fuzilar para o gol: 3 a 0.

Apesar de Paulo Bento pôr um novo zagueiro em campo no segundo tempo,

Portugal continuou igual, frágil. E a Alemanha manteve a potência. Com a saída de

Fábio Coentrão, também machucado, a chance do trio português do Real Madrid ter

sucesso estava limitada a Ronaldo. Que nada fez.

Diante da eficiência alemã em seu 100o jogo em Copas, Portugal, que não vence

a rival há 14 anos, sofreu o quarto gol, aos 32. De novo, Müller ganhou a bola nos pés,

após Rui Patrício dar rebote. O alemão tocou e saiu para o abraço diante da torcida que

gritava, inspirada pela melhora do piloto Michael Schumacher e pela presença da

chanceler Angela Merkel no estádio. Um Ronaldo já se foi. O outro que se cuide.

(AMATO, Gian. Chucrute na Bahia. Jornal Globo. Rio de Janeiro, 17 de junho de

2014, p. 7)

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