dissertação referenciação design

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ CENTRO DE HUMANIDADES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA APLICADA FRANCISCA POLIANE LIMA DE OLIVEIRA DA CONSTRUÇÃO À CO-CONSTRUÇÃO DE REFERENTES: UM OLHAR SOBRE OS MECANISMOS COGNITIVO-DISCURSIVOS SUBJACENTES À PRODUÇÃO E À COMPREENSÃO DE PEÇAS DE DIVULGAÇÃO ELABORADAS POR DESIGNERS FORTALEZA CEARÁ 2012

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Dissertação Poliane Lima (UECE)

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  • UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEAR

    CENTRO DE HUMANIDADES

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM LINGUSTICA

    APLICADA

    FRANCISCA POLIANE LIMA DE OLIVEIRA

    DA CONSTRUO CO-CONSTRUO DE

    REFERENTES: UM OLHAR SOBRE OS MECANISMOS

    COGNITIVO-DISCURSIVOS SUBJACENTES

    PRODUO E COMPREENSO DE PEAS DE

    DIVULGAO ELABORADAS POR DESIGNERS

    FORTALEZA CEAR

    2012

  • FRANCISCA POLIANE LIMA DE OLIVEIRA

    DA CONSTRUO CO-CONSTRUO DE REFERENTES: UM OLHAR

    SOBRE OS MECANISMOS COGNITIVO-DISCURSIVOS SUBJACENTES

    PRODUO E COMPREENSO DE PEAS DE DIVULGAO

    ELABORADAS POR DESIGNERS

    Dissertao apresentada ao Programa

    de Ps-Graduao em Lingustica

    Aplicada, do Centro de Humanidades,

    da Universidade Estadual do Cear,

    como requisito parcial para obteno

    do grau de mestre.

    rea de concentrao: Estudos da

    Linguagem

    Orientadora: Prof. Dr. Maria

    Helenice Arajo Costa

    FORTALEZA CEAR

    2012

  • Dados Internacionais de Catalogao na Publicao Universidade Estadual do Cear

    Biblioteca Central do Centro de Humanidades

    O482d Oliveira, Francisca Poliane Lima de Da construo co-construo de referentes: um olhar sobre os mecanismos cognitivo-discursivos subjacentes produo e compreenso de peas de divulgao elaboradas por designers. / Francisca Poliane Lima de Oliveira. 2012. 170f. : il. color., enc. ; 30 cm. Dissertao (Mestrado) Universidade Estadual do Cear, Centro de Humanidades, Curso de Mestrado Acadmico em Lingustica Aplicada, Fortaleza, 2012. rea de concentrao: Estudos da Linguagem. Orientao: Prof. Dr. Maria Helenice Arajo.

    1. Referenciao. 2. Design. 3. Semitica. 4. Processo criativo I. Ttulo.

    CDD: 410

  • FRANCISCA POLIANE LIMA DE OLIVEIRA

    DA CONSTRUO CO-CONSTRUO DE REFERENTES: UM OLHAR

    SOBRE OS MECANISMOS COGNITIVO-DISCURSIVOS SUBJACENTES

    PRODUO E COMPREENSO DE PEAS DE DIVULGAO

    ELABORADAS POR DESIGNERS.

    Dissertao apresentada ao Programa

    de Ps-Graduao em Lingustica

    Aplicada, do Centro de Humanidades,

    da Universidade Estadual do Cear,

    como requisito parcial para obteno

    do grau de mestre.

    rea de concentrao: Estudos da

    Linguagem

    Defesa em: 24 de maio de 2012 Conceito obtido: Satisfatrio

    Nota obtida: 10,0 - com louvor

    BANCA EXAMINADORA

    Prof. Dr. Maria Helenice Arajo Costa (orientadora)

    Universidade Estadual do Cear UECE

    Prof. Dr. Maria Ednilza Oliveira Moreira

    Universidade Federal do Cear UFC

    Prof. Dr. Laura Tey Iwakami

    IES/Universidade Estadual do Cear UECE

  • Mais do que agradecer, ofereo este

    trabalho Maria Helenice Arajo

    Costa.

  • AGRADECIMENTOS

    Tenho muito e a muitos que agradecer e, nestas pginas, talvez no caiba,

    porque esse espao no comporta toda a gratido que dedico a essas pessoas to

    significativas. Mas, se tem que ser assim, vamos, ento:

    Comeo agradecendo ao amigo de infncia, Wagner,

    Porque foi com ele que minhas ideias de misturar criao de

    peas e referenciao tomaram corpo, alm de ter sido minha

    companhia em uns tantos eventos.

    Agradeo Mnica,

    Professora divertida que encontrei na graduao, por ter me

    ajudado nos primeiros passos e ter me incentivado a ser

    sempre mais alegre.

    Aos amigos que fiz no Dirio do Nordeste,

    Por essas pessoas me incentivarem a ir, todos os dias, mais

    longe e fazerem muitas das minhas horas mais animadas.

    Aos meus amigos de toda a vida,

    Brenda, Crgina e Danilo, Camila e Daniel, Fernando e Isac,

    Loureno e Luciana, que foram o meu alvio e companhia

    nesses tempos.

    s minhas companheiras, amigas do labor e, agora, da vida inteira,

    Erika, Jariza, Alana e Mikaelle. Sou grata por todo apoio,

    carinho e ateno que me dedicaram nas horas confusas da

    escrita e de outras tambm.

    Aos demais amigos que descobri pelos corredores da UECE e que se

    tornaram uma companhia constante. Esses tambm espero que se derramem pela vida

    inteira,

    Elys, Gisleuda, Beatriz, Fernanda, Rafaelle, Raquel, Hiran,

    Emanoel, Sidney, Ailton, Lins, rica, Germana, Walkria,

    Joo Francisco, Karol, Aline, Isabelle, Amanda; no hei de

  • esquecer o carinho, nem as noites de escrita e as sensaes

    divididas com vocs pelos espaos virtuais e fsicos.

    Ao Chico,

    O amigo que chegou na ltima hora e segurou minhas agonias

    pr- seleo de mestrado; no me esquecerei das ligaes,

    dos sorvetes, das leituras e das explicaes, dos gritos e das

    risadas fartas.

    Ao Carlos Eduardo,

    Que foi mais que uma luz na poca da qualificao e em

    outros momentos; voc foi um farol de milha no meu

    caminho.

    A Rodrigo, Diogo, Hilden, Dimitri, Renan e Nara,

    Que acreditaram na minha ideia e concordaram em participar

    da minha pesquisa, dando-me matria prima ou tirando-me

    dvidas.

    Agradeo mais ainda e mais uma vez professora Helenice,

    Que caminhou ao meu lado todo o tempo, sempre atenciosa,

    dispensando cuidados ao meu trabalho e a minha sade.

    Pessoa mpar que aceitou meu projeto, ainda torto, viu a luz

    no fim do tnel e a trouxe para mais perto de mim e de vocs

    que agora podero ler e entender o que eu queria dizer o

    tempo todo.

    Capes,

    Que financiou esse sonho.

    Aos membros do PsLA, em especial professora Claudiana e Keliane,

    Por fazerem com alegria um trabalho que, s vezes, me

    parecia to difcil; ai das nossas matrculas e bolsas se no

    fossem esses dois anjos;

    Aos meus irmos, Patrcia e Paulo,

    Juntos descobrimos que o mundo s vale a pena fazendo

    nossos sonhos se transformarem em algo de verdade; por isso,

    sempre me incentivaram e me ajudaram a estar aqui.

    Ao Marcos Paulo, siribim querido,

  • Que chegou para somar alegrias e multiplicar as satisfaes e

    me ensinar a trocar fralda. Talvez esse aprendizado seja til

    um dia.

    E, claro, no poderia deixar de agradecer, de todo o meu corao, aos

    meus pais:

    Ao meu pai, agradeo por ter me ensinado o valor da teimosia;

    por ser insistente, cheguei aqui e vou continuando;

    A minha me, devoto agradecimento eterno, por ter cuidado

    de mim e cuidar at hoje com carinho desmedido; s vezes,

    tem medo dos passos que quero dar, mas, mesmo assim, me

    d a maior fora e reza para que d certo. Continue rezando,

    me!

    E como ela me ensinou a fazer:

    Agradeo a Deus por ter me dado vida, f, juzo, famlia,

    amigos, professores, enfim, todas as coisas necessrias para

    passar feliz pela Terra.

    E, para fechar com grande estilo, agradeo s professoras Ednilza e Laura,

    Que saram de suas casas para compor a banca de qualificao

    e a de defesa; sou grata por terem recebido meu trabalho, lido-

    o com ateno e trazido contribuies valiosas; suas parcerias

    foram de grande importncia nessa construo.

    E, de forma extra acadmica, agradeo,

    Ao show do Pearl Jam, que foi um momento divisor de guas

    na minha escrita e um acelerador de boas ideias.

  • Um galo sozinho no tece uma manh:

    ele precisar sempre de outros galos.

    De um que apanhe esse grito que ele

    e o lance a outro; de um outro galo

    que apanhe o grito de um galo antes

    e o lance a outro; e de outros galos

    que com muitos outros galos se cruzem

    os fios de sol de seus gritos de galo,

    para que a manh, desde uma teia tnue,

    se v tecendo, entre todos os galos.

    E se encorpando em tela, entre todos,

    se erguendo tenda, onde entrem todos,

    se entretendendo para todos, no toldo

    (a manh) que plana livre de armao.

    A manh, toldo de um tecido to areo

    que, tecido, se eleva por si: luz balo.

    Tecendo a Manh

    Joo Cabral de Melo Neto

  • RESUMO

    Nesta pesquisa, enfocamos o processo criativo de algumas peas de divulgao com

    vistas a observar como os criativos construram os referentes e ainda como esses

    mesmos referentes foram co-construdos pelos leitores. Para tanto, realizamos escuta

    e registro do depoimento de dois designers, em que cada um deles nos descreveu as

    etapas de produo de duas peas de autoria prpria, e de dois leitores, que faziam

    parte do pblico-alvo dessas peas, os quais leram o material elaborado e fizeram

    consideraes sobre as peas que leram e a forma como as interpretaram. Nosso

    referencial terico compe-se de uma reviso bibliogrfica que envolve relatos de

    pesquisas e textos tericos nos campos da referenciao, do design e da semitica.

    Com base nesses fundamentos, intentamos mostrar como se constituram as escolhas

    de formatos, imagens, cores, elementos lingusticos e ainda de que maneira todos

    esses recursos semiticos estavam relacionadas entre si e com o entorno, tendo em

    vista a hiptese de que em um processo de construo textual como esse as escolhas

    no so aleatrias, uma vez que a sugesto dada no momento do briefing colabora -

    juntamente com o entorno e com os conhecimentos acionados - na construo das

    pistas textuais que levam os atores envolvidos no processo a produzirem sentido com

    o que produzem/leem. A questo da leitura tambm despertou nossa ateno durante a

    pesquisa e, por essa razo, nos dedicamos tambm a observar como o que foi sugerido

    na criao se efetivou na recepo. Aps observarmos a criao e a leitura das peas,

    pudemos perceber que os processos cognitivos movimentados no ato de elaborao

    dos layouts no se efetivam por etapas, de forma linear como numa linha de

    montagem. Esses processos se fazem de forma complexa, so emergentes e

    recorrentes. Entendemos ainda que a co-construo dos referentes pelos leitores,

    embora se aproxime do que foi sugerido na criao, no se d com exatido, tendo em

    vista a complexidade dos processos inferenciais. Acreditamos que seguir o caminho

    percorrido pelos designers em seu trabalho de elaborao e tomar ainda a leitura para

    complementar a trajetria da criao, nos habilitou a contemplar o modo como os

    interlocutores construram consensos (e at dissensos) em torno do dizer, do como

    dizer e do que compreender e como compreender. Apesar de no podermos fazer

    generalizaes, considerando que em nossa anlise utilizamos dados singulares e por

    essa razo entendemos que no nos permitido fazer afirmaes categricas sobre o

    que obtemos a partir deles, acreditamos que, ainda assim, nossa pesquisa poder

    colaborar com os estudos de produo e compreenso de textos de vrias naturezas,

    na medida em que contempla todo o processo.

    Palavras-chave: Referenciao. Design. Semitica. Processo criativo.

  • ABSTRACT

    In this research, we focused on the creative process of some parts of disclosure in order to

    see how creative they built the referents and yet these same respect as were co-constructed by

    readers. To do so, we listen and record the testimony of two designers, each one described in

    the steps of producing two pieces of authorship, and two players who were part of the target

    audience of these pieces, which read the material developed and made considerations about

    the pieces they read and how they interpreted them. Our theoretical framework consists of a

    literature review that involves research reports and theoretical texts in the fields of reference,

    design, and semiotics. Based on these grounds, intend to show how the choices are made up

    of shapes, images, colors, linguistic elements and also how all these features semiotic were

    related to each other and with the surroundings in order hypothesized that in a process of

    textual construction such choices are not random, since the suggestion given at the briefing

    contributes - along with the environment and with the knowledge driven - in the construction

    of textual clues that lead players involved in the process to produce the sense that produce /

    read. The question of reading also aroused our attention during the search and for that

    reason, we are dedicated also to observe what was suggested as the creation was

    accomplished at the reception. After observing the creation and reading of the pieces, we

    realized that the cognitive processes busiest in the act of preparing layouts not become

    effective "step by step", in a linear fashion as on an assembly line. These processes are so

    complex, are "emerging" and recurring. We also believe that the co-related construction of

    the readers, although it was suggested that the closer the establishment does not occur

    exactly in view of the complexity of inferential processes. We believe that following the path

    taken by designers in their work of preparing and taking further reading to supplement the

    trajectory of creation, enabled us to address how interlocutors build consensus (and even

    dissent) around the mean, as the mean and than how to understand and comprehend.

    Although we can not make generalizations, whereas in our analysis we use unique data and

    for this reason we feel that we are not allowed to make categorical statements about what we

    get from them, we believe, still, our research can contribute to studies of reading

    comprehension and production of various kinds, to the extent that comprises the entire

    process.

    Keywords: Referenciation. Design. Semiotics. Creative process.

  • LISTA DE FIGURAS

    Figura 1: Organograma orientao da pesquisa prtica................................. 40

    Figura 2: Etiqueta para grife juvenil.............................................................. 52

    Figura 3: Foto divulgao.............................................................................. 59

    Figura 4: Etiqueta para grife de roupas finas................................................. 61

    Figura 5: Primeira proposta etiqueta Passarella............................................ 67

    Figura 6: Cartaz espetculo Ma vie............................................................... 71

    Figura 7: Cartaz concebido por Toulousse Lautrec....................................... 73

    Figura 8: Layout da frente do cartaz-carto postal........................................ 88

    Figura 9: Layout do verso do cartaz-carto postal........................................ 94

  • Sumrio

    INTRODUO .................................................................................................. 14

    1. Fundamentao terica ................................................................................. 21

    1.1 A referncia e a referenciao ....................................................................... 22

    1.1.1 Categorizao ............................................................................................. 25

    1.1.2 Recategorizao.......................................................................................... 26

    1.1.3 Sumarizao ............................................................................................... 28

    1.2 Os estudos da imagem ................................................................................... 29

    1.3 O lugar do Design no mundo e em nossa pesquisa ........................................ 35

    2. Como e por onde andamos ............................................................................ 38

    2.1 Ponto de partida ............................................................................................. 39

    2.2 Gerao de dados: etapas, instrumentos e procedimentos ............................. 40

    2.3 Sobre os sujeitos ............................................................................................ 43

    2.3.1 Os designers participantes da primeira etapa........................................... 44

    2.3.2 Os leitores participantes da segunda etapa .............................................. 45

    2.4 Apresentando os dados da pesquisa ............................................................... 46

    3. Aplicao das teorias: o que nos dizem os dados inicialmente ................... 49

    3.1 Fazendo-nos entender melhor ........................................................................ 50

    3.2 O encontro entre os dados e as teorias: o lado dos produtores dos textos. ..... 50

    3.2.1. Pea 1 Etiqueta externa para grife de roupas juvenil .............................. 52

    3.2.1.1. Briefing O ponto de partida da criao ................................................ 52

    3.2.1.2. O aspecto plstico ................................................................................... 53

    3.2.1.3. A materialidade lingustica ..................................................................... 56

    3.2.1.4. A perspectiva icnica ............................................................................. 58

    3.2.2. Pea 2 Etiqueta para grife de roupas finas .............................................. 61

    3.2.2.1. Briefing O ponto de partida da criao ................................................ 62

    3.2.2.2. O aspecto plstico ................................................................................... 64

    3.2.1.3. A materialidade lingustica ..................................................................... 66

    3.2.2.4. A perspectiva icnica ............................................................................. 67

    3.2.3. Pea 3 Cartaz para uma apresentao de dana ...................................... 70

    3.2.3.1. Briefing O ponto de partida da criao ................................................ 71

    3.2.3.2. O aspecto plstico ................................................................................... 75

    3.2.3.3. A materialidade lingustica ..................................................................... 79

  • 3.2.3.4. A perspectiva icnica ............................................................................. 82

    3.2.4 Pea 4 Outro cartaz para uma apresentao de dana ........................... 87

    3.2.4.1. Briefing O ponto de partida da criao ................................................ 88

    3.2.4.2. O aspecto plstico ................................................................................... 90

    3.2.4.3. A materialidade lingustica ..................................................................... 95

    3.2.4.4. A perspectiva icnica ............................................................................. 97

    3.3. O lado de l da interao: a co-construo dos referentes pelos leitores ... 101

    3.3.1. Segunda etapa da anlise: o que nos mostrou a leitura das peas. ........... 104

    3.3.1.1 Pea1 - Etiqueta para grife de roupas juvenil ........................................ 104

    3.3.1.1.1 O aspecto plstico ............................................................................... 105

    3.3.1.1.2. A materialidade lingustica ................................................................ 107

    3.3.1.1.3. A perspectiva icnica ........................................................................ 108

    3.3.1.2 Pea 3 - Cartaz para uma apresentao de dana ................................... 110

    3.3.1.2.1 O aspecto plstico ............................................................................... 111

    3.3.1.2.2. A materialidade lingustica ................................................................ 113

    3.3.1.2.3. A perspectiva icnica ........................................................................ 116

    3.4 O que nos contaram os dados. ..................................................................... 120

    CONSIDERAES DO FIM DA JORNADA ............................................... 124

    REFERNCIAS ............................................................................................... 125

    APNDICE ...................................................................................................... 131

    ANEXOS .......................................................................................................... 135

  • 14

    INTRODUO

    Palavra e imagem so como cadeira e mesa: se voc quiser se

    sentar mesa, precisar de ambas1.

    Jean-Luc Godard

    O processo criativo de peas de divulgao uma atividade ampla e

    abrange algumas etapas. Todas elas so complementares e demandam tempo de

    execuo, alm de serem cuidadosamente elaboradas. Grosso modo, essas etapas

    seriam: o briefing2, o brainstorm

    3 e a produo.

    No briefing, espera-se encontrar informaes sobre o cliente: seu

    histrico, suas necessidades, o produto/ideia que ele quer divulgar e, principalmente,

    o que ele pretende fazer, o que quer alcanar com a pea. Essas informaes ajudam

    na hora da elaborao, na medida em que direcionam o processo.

    O brainstorm, por sua vez, a hora de trabalhar a ideia que est no

    briefing, neste momento que se pensa em como transmitir o recado. Aqui, so

    concebidas as peas - sejam elas impressas, televisivas ou radiofnicas lanam-se as

    ideias e se discute a validade delas, at que os participantes da criao cheguem a um

    consenso e montem um bom script para a produo, que o momento de execuo do

    brainstorm. A etapa de produo constitui a fase de ps-criao, momento em que o

    que foi discutido na fase anterior toma corpo.

    As etapas a serem seguidas na criao de materiais de exposio se

    desenvolvem de maneira muito parecida em jornais, agncias publicitrias, escritrios

    de design e em meio aos free lancers. O que vai diferenciar o modo de operar a

    criao em todos esses locais so a estrutura e o interesse. Alguns desses meios

    podem usar de tudo para convencer o interlocutor das benesses de determinado

    1 Alm de tudo o mais que estiver ao redor delas. Uma vez que essa cadeira e essa mesa se encontram em um local especfico, tem formato especfico e foram resultado de escolhas. 2 Do ingls, to brief, dar instrues. Essa a primeira etapa da cadeia produtiva do anncio; o momento

    em que so coletadas todas as informaes trazidas pelo anunciante. 3 Ao p da letra, brainstorm quer dizer chuva de ideias; a parte do processo em que so exploradas

    todas as ideias, os problemas, as solues para serem testadas, discutidas e aprovadas ou no.

  • 15

    produto ou ideia, at mesmo tocar fogo num Padre. Outros preferem algo que seja

    lembrado por alguma caracterstica peculiar e que v alm daquilo para o qual foi

    projetado, revelando uma preocupao que ultrapassa a mera inteno comercial.

    No que toca exclusivamente ao nosso campo de pesquisa, a literatura

    especfica e os profissionais que ouvimos nos deram conta de que o Design uma

    rea frutfera em ideias, sedenta de desafios e em constante transformao.

    Sendo inicialmente apenas um ofcio voltado para a impresso e

    composio, conforme afirmam Gomez-Palcio e Vit (2011), com o passar dos anos e

    com as frequentes mudanas culturais, econmicas e sociais e at comportamentais, o

    Design deixou de ser apenas um ofcio e alou a condio de profisso e um status de

    disciplina. Esses autores acrescentam que, atravs das dcadas j na condio de

    profisso , esse campo foi ainda transformado por mudanas acadmicas, prticas e

    tecnolgicas. Eles arrematam essa colocao afirmando que Compreender a gama de

    termos, definies, tcnicas e processos essencial para entender o design grfico

    (GOMEZ-PALCIO E VIT, 2011, p. 25).

    O design surgiu como matria de estudo durante nossa atuao

    profissional. Trabalhando com a produo de materiais de divulgao, mais

    especificamente com reviso e redao das peas, em um veculo de comunicao

    local, percebemos o quanto essa parte da divulgao de produtos e ideias guarda

    processos que, se abordados pela tica das teorias lingusticas, principalmente as que

    se debruam sobre o texto como um processo dinmico, construdo na interao com

    o outro e produtor de mltiplos sentidos, fomentaro discusses e possibilidades que

    podem ampliar nossa viso deste objeto de pesquisa.

    A partir da tomada de conscincia de que as peas de design percorrem

    um caminho at a chegada ao pblico, passando por aprovaes e modificaes nesse

    trajeto, foi possvel entender que h sempre um plano na criao e que este ser

    seguido criteriosamente, at chegar a uma pea que comunique com clareza, cause

    identificao nos leitores e, por consequncia, convena.

  • 16

    Para que tudo isto que foi citado ocorra, a pea deve dar condies de

    acessibilidade e de entendimento. Para tanto, essencial o uso adequado4 dos recursos

    lexicais, gramaticais e imagticos da lngua. preciso dialogar com a realidade, fazer

    escolhas que sejam parte do universo de quem vai ler, pois se algum dos elementos

    constantes de um layout no for compreendido, ou mesmo, no for aceito pelos

    leitores, haver um rudo na comunicao, uma interrupo na cadeia comunicativa, e,

    por fim, o no convencimento.

    Por essa razo, desconfiamos de que, do lado da criao, h um processo

    minucioso de escolha que leva em conta no somente a esttica, mas tambm a

    funcionalidade de determinados termos e/ou imagens dentro do contexto

    comunicativo da pea que est sendo concebida. H uma fala que pode nos ajudar a

    explicar melhor como isso ocorre:

    Por exemplo, acho que, na poca, se escrevesse num ttulo PREO:

    APENAS 5 CRUZEIROS, meu guia se apressaria a demonstrar que a

    palavra "apenas", embora correta, afinal negativa, lembra

    "penas", sofrimento, tristeza, coisa que ningum quer: ou ento

    "penas" de pssaro, coisa extica, talvez nojenta. Se mudasse para:

    SOMENTE 5 CRUZEIROS, ele me faria ver, sem dvida, que

    "somente", no caso, embora correto, imprprio, porque lembra

    "mente", do verbo "mentir", nada indicado para anunciar "preo to

    reduzido", a dona-de-casa no iria acreditar... (BARRETO, 2004, p.

    25)

    Esse testemunho que acabamos de ler demonstra o modo de raciocnio

    que parece ocorrer durante a maioria dos processos criativos e ilustra essa atividade

    cognitiva de que estamos falando. O redator em questo estava debatendo a validade

    de suas escolhas com um interlocutor que lhe apresentava motivos para no escolher

    determinados termos. Por sua vez, este interlocutor estava buscando a referncia

    adequada ancorado na suposio de como se daria a compreenso do leitor final.

    Sendo assim, possvel perceber que, em todas as etapas, a criao de

    referentes e a pressuposio quanto ao nvel de inferncia que esses objetos de

    discursos ocupam na mente do leitor parecem andar juntas. Por outro lado,

    entendemos tambm que, durante esse processo criativo - que pode se dar de forma

    4 Salientamos que, aqui, a noo de adequao vai alm do uso correto de critrios semnticos e

    sintticos. A adequao a que nos referimos est ligada habilidade do profissional em lidar com os

    dados que tem mo na hora da criao.

  • 17

    coletiva ou particular -, as negociaes de sentido so de duas ordens: ao mesmo

    tempo em que os criadores entram em acordo entre si, tambm esto previamente

    negociando com o leitor, por julgarem acessveis as escolhas que fazem; ou seja,

    concordam entre si e acordam que o leitor aceitar tambm.

    Dentro do campo da Lingustica, algumas pesquisas trabalharam com

    materiais de divulgao - sobretudo anncios impressos - e sob os mais diferentes

    enfoques. De sada, temos o trabalho de Biasi-Rodrigues (2008) que se debruou

    sobre os aspectos pragmticos e contextuais de anncios dos sculos XIX e XX.

    Outro que pode ser citado a ttulo de exemplo o de Laurindo (2007), o qual tomou

    como modelo algumas peas de anncios publicados em jornais e revistas para falar

    da constituio instvel do anncio. E, finalmente, podemos incluir nessa lista os

    estudos de Souza e Lopes (2007). Em sua pesquisa, as autoras se utilizaram tambm

    de anncios impressos para verificar suas formas de composio textual, os processos

    referenciais anafricos e a inter-relao entre tais processos.

    A peculiaridade de nossa pesquisa reside no fato de ela constituir um

    olhar para o processo e no para o produto. A exemplo dos trabalhos aqui citados,

    podemos elencar outros mais e em rea distinta da nossa - como o caso dos estudos

    em multimodalidade. Nesse campo, as pesquisas tambm se do em material j

    publicado, realizando suas buscas e anlises sobre o que est visvel. Embora

    importantes, essas obras no refletem as ideias de Marcuschi (2007) e de outros

    autores adeptos da abordagem sociocognitivista da linguagem, na medida em que

    deixam de contemplar o modo como os interlocutores constroem consensos (e talvez

    dissensos) em torno do dizer, do como dizer e do que compreender e como

    compreender. Nessa perspectiva, o tipo de abordagem realizado nesses trabalhos que

    citamos como exemplo, ainda que profcuas, no chegam a contemplar um aspecto

    importante da linguagem para o qual Abaurre (1997, p. 18) chama a ateno: a

    plasticidade da linguagem.

    Dada uma certa plasticidade natural da linguagem, nada mais

    natural, tambm, que essa plasticidade adquira maior visibilidade

    nas situaes-limite em que a linguagem se constitui em objeto de

    evidente manipulao.

  • 18

    Em nosso caso, alm de realizarmos a pesquisa em um contexto diferente

    dos que foram aqui citados, nos detemos sobre o processo sociocognitivo que h por

    trs das escolhas, um processo que se torna em grande parte mostrado, uma vez que

    os elementos pensados so postos em pauta, so discutidos e defendidos com base no

    que se tem como conhecimento comum, os culos sociais e os corredores isotpicos

    de que nos fala Blikstein (2003).

    No pretendemos questionar a eficincia dessas pesquisas, pois no nos

    compete tal servio. Apenas estamos ressaltando, com essa rpida exposio, a

    diferena de foco do nosso trabalho. Com esse novo olhar para o objeto em questo,

    esperamos, entre outras coisas, somar compreenses aos estudos aplicados de

    Lingustica de Texto.

    Partindo do pressuposto de que a produo textual no universo do Design,

    por ser motivada e situada, constri seus referentes com base no contexto

    sociocomunicativo dos criadores e dos leitores, intentamos verificar de que maneira

    os criativos levam em conta o conhecimento compartilhado e a capacidade de

    inferncia do leitor na construo dos referentes e ainda at que ponto os leitores, na

    co-construo dos referentes, consideram os elementos que foram pensados pelos

    criativos durante a criao.

    A investigao que realizamos, conforme j foi dito, teve como foco o

    processo de construo de referentes e considerou tudo que nele estava envolvido: as

    negociaes, apostas, escolhas, expectativas e o jogo entre os conhecimentos (prvio

    e de mundo) de criadores e leitores, o que nos levou naturalmente aos estudos da

    referncia. Desta feita, para melhor apresentar o desenvolvimento e o resultado de

    nossa pesquisa, organizamos esta dissertao em trs captulos. Alm desses,

    contamos ainda com esta introduo e com as consideraes finais.

    No primeiro captulo, apresentamos o percurso terico. Orientamos nossa

    argumentao em torno da perspectiva sociointeracionista de referncia, em que

    propomos uma linha de pensamento que veja os processos referenciais sendo

    realizados para alm das simples escolhas lexicais. Nessas condies, nos apoiamos

    em autores como Blikstein (2003), Marcuschi (2007), Costa (2007a), (2007b), Ciulla

    (2008), Custdio Filho (2011), entre outros para nos posicionar quanto aos estudos de

  • 19

    referncia e, a partir da, apresentarmos as categorias com as quais trabalhamos

    durante as anlises.

    A essa postura terica, aliamos estudos em Semitica e Design. No campo

    semitico, autores como Peirce (1993), Santaella (2008), Santaella e Noth (2009) e

    Joly (2009) nos esclarecem sobre o movimento interno das imagens, a relao destas

    com o verbal e a produo de sentidos. Questes do tipo: Como se d a interao

    entre a parte lingustica e a parte visual das peas? De que forma elas se relacionam?

    Uma se sobressai a outra? puderam ser entendidas com o auxlio dessa forma de

    perceber o funcionamento dos signos.

    J o Design entra para nos assistir no ato de observar a criao.

    Compreendendo o mecanismo de funcionamento dessa rea com a ajuda dos estudos

    tericos de Carrascoza (2002), Morais (2010), Gomez-Palcio e Vit (2011) e nos

    ambientando no savoir-faire - a partir do prprio depoimento dos designers - foi

    possvel observar com maior clareza como as operaes sociocognitivas so ativadas

    durante a construo dos referentes pelos criadores e, num segundo momento, na co-

    construo pelos leitores.

    No segundo captulo, intitulado Como e por onde andamos,

    descrevemos as estratgias adotadas para dar seguimento ao trabalho. Iniciamos com

    uma breve contextualizao que versa a propsito da nossa escolha pelo Design e

    seguimos o percurso falando de nossas ferramentas de pesquisa. Nesse momento,

    foram importantes as contribuies trazidas por Cavalcanti (1989) em sua tese, que

    trata da interao leitor-texto e investiga a criao de significados na interao com o

    texto. Com as ideias apreendidas nos estudos dessa autora, construmos os roteiros e

    os questionrios utilizados para a coleta dos dados. Alm de levarmos em conta as

    contribuies dessa autora, nesse momento de constituio dos nossos mtodos de

    trabalho, ainda nos orientamos pelos esclarecimentos de Abaurre (1997) que nos

    alertaram para a caracterstica singular dos dados com os quais trabalhamos.

    Finalizamos o captulo apresentando os sujeitos pesquisados e os dados colhidos.

    No terceiro captulo, finalmente, damos voz aos dados, promovendo o

    encontro entre estes e as teorias. Dividimos este tpico em dois momentos, assim

    como o fizemos na ocasio da coleta.

  • 20

    Dedicamos o primeiro deles exposio das anlises de cada uma das

    quatro peas. Para melhor estruturar a apresentao dos dados, o percurso de anlise

    segue a mesma ordem cumprida quando da descrio das etapas pelos designers: indo

    do briefing, passando pelo formato, pelo aspecto verbal at a perspectiva visual.

    O segundo, ento, destinado mostra dos resultados das leituras

    empreendidas pelos participantes de nossa pesquisa. Nessa fase, como forma de

    manter a coerncia na conduo das anlises, obedecemos a um trajeto semelhante ao

    seguido, no primeiro momento, quando da apresentao dos dados.

    Cada aspecto foi observado com base em categorias especficas. Por meio

    da categorizao, da recategorizao e da sumarizao, discutimos a construo de

    referentes nesses projetos de dizer elaborados por designers e ainda contemplamos a

    co-construo desses mesmos referentes no momento da recepo.

    Nas consideraes do fim da jornada, tecemos algumas reflexes em

    linhas mais gerais a respeito de nosso percurso, enquanto apresentamos tambm as

    concluses advindas com todo o processo. Em meio exposio das realizaes e das

    discusses vivenciadas na pesquisa, ousamos, ainda, apresentar o que julgamos que

    possam vir a ser contribuies de nosso projeto ao campo de estudos ao qual nos

    vinculamos e ainda a outras reas que lidem com produo e interpretao discursiva.

    Aps as referncias, acrescentamos ainda um apndice. Tal acrscimo o

    resultado de nosso interesse em aprofundar uma peculiaridade que no havia sido

    mencionada pelo designer, em seu depoimento sobre a produo da pea, mas que

    acabou se apresentando para ns no momento da anlise. Essa uma tentativa de no

    deixar de fora, algo que consideramos importante acrescentar a esses estudos, uma

    vez que tambm ilustra a atividade de produo de discursos e significados a que nos

    referimos neste projeto.

  • 21

    1. Fundamentao Terica

    Conte-me e eu vou esquecer. Mostre-me e eu vou lembrar.

    Envolva-me e eu vou entender.

    Confcio

    Para formular a base terica de nossa pesquisa, apoiamo-nos em um

    quadro de referncias que toca nas questes concernentes ao nosso projeto de

    observao dos mecanismos subjacentes produo e compreenso de peas de

    divulgao elaboradas por designers.

    Na construo do nosso percurso terico, tratamos de partida da questo

    da referncia. Com esse mergulho nas relaes entre um dizer e um no dizer,

    (CARDOSO, 2003, p.1) foi possvel amparar nossas observaes da prtica de criao

    dos objetos de discurso nas produes que tomamos para anlise. Na sequncia,

    discorremos com mais cuidado sobre os fenmenos referenciais que elegemos como

    categorias de anlise, a saber: categorizao, sumarizao e recategorizao.

    Outra teoria que refora nossa apreciao a semitica. Esse campo de

    estudo, assim como a referenciao, nos habilitou a investigar o movimento interno

    das mensagens. Tendo um escopo de estudo muito vasto, a semitica est dividida em

    trs ramos que se inter-relacionam e do conta do estudo dos ideais e normas que

    conduzem o pensamento, das condies gerais dos signos e ainda da transmisso de

    significados. Dada essa aproximao epistemolgica entre os estudos semiticos e o

    que nos assiste a teoria da referenciao, aliamos os dois campos na observao da

    construo de peas de divulgao.

    Para completar esse referencial e tratar a questo da criao com mais

    desenvoltura, voltamos nosso olhar para o Design com vistas a melhor proceder na

    observao desses fenmenos de composio de peas. A pesquisa nessa rea foi

    assistida por literatura especfica e ainda com o auxlio de depoimentos dados pelos

    prprios criativos.

  • 22

    1.1 A Referncia e a Referenciao

    A questo da referncia tem interessado bastante aos pesquisadores que se

    abrigam sob os estudos da Lingustica Textual. Nessa perspectiva, essa teoria tem se

    mostrado bastante frutfera e capaz de explicar com maior clareza a discretizao do

    mundo nos discursos.

    Uma contribuio importante trazida pelos estudos da referncia diz

    respeito ao fato de se considerar a exterioridade na busca dos sentidos. Como afirma

    Custdio Filho (2011, p.2), A busca por desvendar as relaes entre as formas, as

    funes e os sentidos [...] est na raiz de quase todas as teorias lingusticas. Ou seja,

    trabalhar a partir de uma tica que explica a relao entre o materialmente colocado e

    o extra material tem sido uma maneira eficiente de pensar a questo dos sentidos.

    Bakhtin/ e Voloshinov5 ([1926], p.5)

    6 tambm se mostraram conscientes dessa

    natureza no autossuficiente dos discursos e demonstraram tal conscincia quando

    afirmaram que o discurso diretamente vinculado vida em si e no pode ser

    divorciado dela sem perder sua significao. Dentro dessa concepo, se encaixa

    com muita clareza a necessidade de levar em conta, na produo dos discursos, o que

    se sabe e tambm o que se imagina que o outro saiba, alm das relaes que se

    estabelecem entre as pessoas e o mundo.

    Blikstein (2003, p.17) j manifestava essa conscientizao a respeito da

    contribuio que a atividade social pode dar para a considerao do sentido, ao

    explicar que a prpria percepo do mundo participante da construo do sentido: a

    significao do mundo deve irromper antes mesmo da codificao lingustica com que

    o recortamos: os significados j vo sendo desenhados na prpria percepo/cognio

    da realidade.

    5 Considerando a discusso que h em torno da autoria de algumas obras do crculo de Bakhtin,

    adotamos neste texto o duplo nome Bakhtin/Voloshinov em todas as referncias que fizermos s obras

    desse crculo utilizadas em nossa pesquisa. 6 A edio de Discurso na vida e discurso na arte a que estamos nos referindo nesta pesquisa a traduo de CarlosAlberto Faraco e Cristvo Tezza, realizada para fins didticos e est disponvel, em

    pdf, neste endereo:

    http://www.linguagensdesenhadas.com/imagens/03textos/autores/Bakhtin_Discurso_na_vida.pdf

  • 23

    Nessa direo, percebemos o quanto pode ser benfico aos estudos do

    texto o emprego dessa teoria na observao das operaes sociocognitivas de

    construo dos objetos de discurso em peas produzidas por designers, ao mesmo

    tempo em que estaramos atendendo a um apelo de Blikstein (2003, p.49) quando diz

    que a semiologia deveria ir mais longe, procurando compreender os mecanismos de

    transformao da realidade em referente. Pois, como vimos, esse mecanismo que

    produz os sentidos uma situao desencadeada pelos sujeitos em suas interaes

    sociais, o que imprime certo dinamismo a essa considerao.

    Em Custdio Filho (2011, p.4) temos uma passagem que corrobora nossa

    proposta de atentar para a realidade na busca dos sentidos:

    Assumir um paradigma sociocognitivista estabelece, para a LT, a

    necessidade de uma investigao que esteja atenta aos sistemas de

    conhecimento acionados/construdos quando da produo e

    interpretao, bem como ao contexto scio histrico envolvido em

    cada situao de comunicao.

    Neste contexto, importante a considerao que fazem Mondada e

    Dubois (2003, p.20), quando avanam da noo de referncia para a de referenciao,

    indicando a dinamicidade presente nas construes dos objetos de discurso.

    O problema no mais, ento, de se perguntar como a informao

    transmitida ou como os estados do mundo so representados de

    modo adequado, mas de buscar como as atividades humanas,

    cognitivas e lingusticas estruturam e do um sentido ao mundo. Em

    outros termos, falaremos de referenciao tratando-a, assim como

    categorizao, como advindo de prticas simblicas mais do que de

    uma ontologia dada.

    Costa (2007a, p. 68) tambm se posiciona sobre esse avano para a noo

    de referenciao, salientando que essa passagem implica abandonar o pressuposto de

    uma correspondncia dada, preexistente e perdida entre palavras e coisas do mundo e

    atentar para os processos sociocognitivos envolvidos na construo das entidades

    discursivas., reforando o que j vnhamos trazendo sobre o ato de construir

    referentes.

  • 24

    Sob essa perspectiva, podemos nos guiar pelos princpios da referenciao

    e, estando conscientes dessa caracterstica interativa, vemos aqui um instrumento que

    nos possibilita ter uma compreenso mais ampla do envolvimento das construes

    textuais nas propostas enunciativas em que se inscrevem, uma vez que, como dito h

    pouco, as expresses referenciais no se prestam somente identificao de

    referentes. Indo mais alm, essas expresses podem exercer uma funo

    argumentativa valiosa em certos contextos discursivos, entre os quais o mundo das

    peas concebidas sob a tica do design. Isso mostra a importncia de termos condio

    de reconhecer essa funo entre outras manifestaes para melhor agir diante delas.

    De acordo com os raciocnios apresentados at aqui, podemos

    compreender que a referenciao indica que a relao da linguagem com o mundo no

    feita como se a lngua estivesse aguardando um acontecimento para se manifestar.

    Como j sinalizamos anteriormente, os objetos criados no preexistem no mundo, mas

    so frutos do compartilhamento de culturas e saberes oriundos das diversas mentes

    envolvidas no momento da construo. Mais uma vez Bakhtin/Voloshinov (on line,

    p.5) vm em nosso favor e mostram que nessa construo deve-se levar em

    considerao muito mais alm do que simplesmente fatores lingusticos, juntamente

    com fatores verbais, elas [as produes comunicativas] tambm abrangem a situao

    extra verbal do enunciado.

    Consoante Koch (2005), a referncia o resultado da operao que

    realizamos quando, para designar, representar ou sugerir algo, usamos um termo ou

    criamos uma situao discursiva referencial com essa finalidade. Para ns, essa noo

    se aproxima muito do processo que o designer vive durante a produo de uma pea.

    Quando elege um elemento ou constri um discurso, ele est crendo que essa(s)

    escolha(s) levar(o) o interlocutor a inferir os sentidos aos quais se referiu naquele

    ato. E vai mais longe na sua proposta quando est acreditando que aquelas ditas

    escolhas se relacionaro com elementos da realidade coletiva e subjetiva no momento

    em que estar(o) sendo construdo(s) o(s) sentido(s).

    O que acabamos de mencionar sobre a atividade sociocognitiva de

    construo de referentes pode ser confirmado com outra fala de Koch (2004, p.79) em

    que ela mostra que a realidade construda, mantida e alterada no somente pela

    forma como nomeamos o mundo, mas, acima de tudo, pela forma como,

  • 25

    sociocognitivamente, interagimos com ele. Ousamos dizer que esse nosso ponto de

    vista ainda est ligado ao pensamento que Custdio Filho (2011, p. 5) apresenta em

    sua tese ao defender que a perspectiva assumida na atualidade investe no

    entendimento do texto como um artefato dinmico.

    Isto nos leva a entender que o produtor do texto tem um papel importante

    nas escolhas que faz, porque, a partir das selees operadas, a proposta de sentido ser

    alcanada com maior ou menor xito, e o efeito esperado ser produzido ou no.

    Como nos diz Blikstein (2003, p. 45), evidente que a significao lingustica

    tributria do referente e que este, por sua vez, constitudo pela dimenso perceptivo-

    cognitiva. Da por que, mais uma vez, enfatizamos o carter estratgico das

    construes textuais desse universo de discurso.

    Admitindo essa postura scio interacionista da referncia, propomos uma

    linha de pensamento que veja os processos referenciais sendo realizados para alm

    das simples escolhas lexicais, como preveem Jaguaribe (2007), Zavam (2007), Costa

    (2007a), (2007b), Ciulla (2008), Custdio Filho (2011). Com base nessa viso,

    passamos a discutir adiante os conceitos de categorizao, de recategorizao e

    sumarizao com o intuito de desenhar o percurso por onde caminharemos em nossa

    pesquisa.

    1.1.1 Categorizao

    Um aspecto que julgamos muito importante nos processos referenciais o

    da categorizao. De acordo com o pensamento que desenvolvemos at aqui sobre a

    referenciao e ainda em consonncia com o que propem Mondada e Dubois (2003,

    p. 20) entendemos esse processo como advindo de prticas simblicas mais que de

    uma ontologia dada. Desta feita, podemos dizer que a categorizao, assim como a

    referenciao, no uma atividade compulsria.

    Segundo Zavam (2007), categorizar a habilidade cognitiva que

    possibilita ao homem dar sentido quilo que experiencia e compartilha. Detalhando

    um pouco mais, recorremos a uma explanao de Bruner (lido em CIULLA, 2008, p.

    23) que diz: perceber categorizar, conceitualizar categorizar, aprender formar

  • 26

    categorias, tomar decises categorizar. A partir dessas afirmaes, a prpria Ciulla

    conclui que referir categorizar e que esse na verdade um processo que evidencia

    ainda mais o carter de construo discursiva da referncia. (p.24)

    Assumimos posicionamento semelhante ao de Mondada e Dubois no que

    se refere a esse carter de construo discursiva dos referentes. As autoras (2003, p.

    17) defendem que os sentidos se constituem na prpria atividade discursiva e, assim,

    afirmam que os sujeitos constroem, atravs de prticas discursivas e cognitivas

    social e culturalmente situadas, verses pblicas do mundo.

    Em razo disso, vemos tal atividade como um processo dinmico que se

    ajusta constantemente e localmente e, por consequncia, consideramos que o processo

    de categorizar vai alm do simples operar lexicalmente sobre o mundo. Conseguimos

    observar esse fato com mais clareza no momento da escuta dos depoimentos dos

    designers. De acordo com o que foi dito por eles, compreendemos que ao tomar um

    elemento para fazer parte de seu projeto criativo, os profissionais do design no esto

    apenas excluindo possibilidades. Nesse momento da escolha, os dizeres so

    socialmente fabricados, ou seja, com base num propsito comunicativo bem

    orientado, os criativos tomam decises e entram em negociao com os

    conhecimentos de mundo dos pretensos leitores das peas. Buscando ser persuasivos,

    esses profissionais no trabalham com as possibilidades semiticas de forma ingnua

    e aleatria.

    Sendo assim, acreditamos que o fenmeno da categorizao se apoia nos

    processos de inferncia, uma vez que, como nos explica Marcuschi (2007, p.88),

    impossvel no inferir quando se quer produzir significaes. E, j que produzir

    significaes tambm pode ser entendido como categorizar pensando de acordo com

    o autor citado por Ciulla , no difcil entender ou aceitar essa relao.

    1.1.2 Recategorizao

    Tratando do fenmeno da recategorizao, em conformidade com o que

    nos explica Jaguaribe (2007, p. 232), veremos que esse ato considerado como um

    processo mental por meio do qual os objetos-de-discurso vo sendo reavaliados pelo

  • 27

    falante; mas como envolve tambm uma dimenso social - ainda com base na mesma

    autora - percebemos que esse processo se efetiva para atender ao propsito do falante

    de interagir com o interlocutor. Indo alm da capacidade de atualizar um referente e

    agir socialmente, Zavam (2007, p.127) nos mostra que essa ferramenta discursiva

    ainda pode manter ou dar continuidade ao referente j estabelecido no discurso.

    Tomamos as elucidaes das pesquisadoras acima citadas e de outros

    autores ainda como Marcuschi (2007), Leite (2007), Ciulla (2008) e Custdio Filho

    (2011) para compreender e melhor agir nesse terreno onde se assenta uma de nossas

    categorias de analise. Porm, nessa pesquisa, acreditamos que o processo de

    recategorizar acontea nas duas instncias da interao discursiva, ou seja, tanto na de

    quem produz, quanto na de quem recebe o discurso produzido.

    Em outras palavras, somos da opinio que esse ato no se restringe

    somente ao criativo que em seu trabalho de elaborao tomar um elemento e o

    retomar em seguida de forma ampliada, atenuada ou melhorada visando fortalecer o

    seu projeto de dizer. Nem tampouco se destina exclusivamente ao leitor como quem

    recebe a responsabilidade de identificar e reavaliar o j dito ou o sugerido pelo

    falante. Nesse processo de interao, cremos que a produo de sentido funciona

    muito mais parecida com um trabalho coletivo do que com o acatamento de ordens;

    principalmente, quando temos em vista a fluidez dos discursos. Nesse sentido, no

    podemos deixar de lado o que se l em Jaguaribe (2007, p. 232), que, ao considerar a

    recategorizao como fenmeno sociocognitivo, deixa claro que essa atividade um

    processo que se resolve aqum e alm da superfcie textual.

    Por essa razo, entendemos que a tarefa de recategorizar assim como a

    de categorizar e a de sumarizar - emerge durante todo o processo: desde a concepo

    at a leitura; uma vez que o universo e o prprio pensamento j comeam a se

    organizar na percepo/cognio, antes, portanto, da prpria linguagem como j

    assinalava Blikstein (2003, p.45). Sendo assim, no nos parece condio sine qua non

    a presena de uma primeira meno para que haja recategorizao; no sendo preciso,

    ento, que o interlocutor espere permisso do falante para proceder de forma

    recategorizadora no mundo. Sobre isso, Ciulla (2008, p. 30) tambm manifesta seu

    posicionamento e afirma que a remisso no uma condio obrigatria para a

    recategorizao, que pode ocorrer independentemente dela.

  • 28

    Por essa razo, defendemos que o processo de recategorizar se encontra

    nos dois lados da interao como num permanente dilogo, em que todos os

    participantes acordam, desacordam, reajustam, negociam e juntos do sentido e dizem

    o mundo - como em algumas vezes fica patente, nas criaes das peas que trouxemos

    para esse trabalho fazendo lembrar as palavras de Marcuschi (2007, p. 94) que, ao

    falar da caracterstica interativa das produes, afirma que a construo do mundo

    pelo discurso dialgica.

    1.1.3 Sumarizao

    Como categoria de anlise, consideramos ainda, para esta pesquisa, o

    processo de sumarizao. Esse ato, na concepo de Koch (2004), tratado como o

    responsvel pela funo sintetizadora das informaes precedentes, atribuindo-lhes o

    estatuto de objetos-de-discurso. Mas h que se fazer uma observao: a autora em

    foco oferece essa descrio do processo de sumarizao em termos de presentidade

    imediata. Para ela, as informaes sintetizadas fazem parte da materialidade textual.

    Entretanto, para esta pesquisa, mais uma vez, se faz necessrio alargarmos

    uma considerao. Se as abordagens de referenciao levam em conta que o processo

    de encapsulamento cumpre a funo de resgatar informao precedente de forma

    resumida, nosso corpus mostra que no s o cotexto ir fornecer tais informaes,

    como tambm o entorno.

    Nesse caminho, agimos de maneira semelhante a Costa (2007), que, ao

    tomar a teoria da acessibilidade e aplic-la ao que os autores normalmente chamam de

    encapsulamento anafrico, mostrou que a informao encapsulada provm de uma

    mescla de variadas origens. Da mesma forma que ela, propomos que outros

    elementos, que esto alm do lxico - como as ideias, as intenes dos criativos e os

    conhecimentos compartilhados - tambm so sumarizados.

    Sendo assim, nesses contextos criativos, vemos que a sumarizao fornece

    algo muito caro s produes, ou seja, um bom vis argumentativo, pois o processo

    responsvel muitas vezes por resgatar pores textuais precedentes, definir e marcar

    com preciso objetos inespecficos e estabelecer novos referentes que podem ser

  • 29

    retomados em enunciados subsequentes, aqui, no universo de criao que trouxemos,

    se torna um elemento persuasivo valioso. Ou seja, como bem diz Costa (2007, p.154),

    faz parte da estratgia argumentativa adotada pelo remetente da mensagem.

    Ciulla (2008, p.97), referindo-se possibilidade de haver referncia

    mesmo quando os elementos no esto explicitados no texto, nos fornece o seguinte

    raciocnio,

    A estratgia de apelar para a memria do interlocutor, que precisa

    preencher a imagem do texto com as prprias experincias, tambm

    parece ser uma maneira peculiar [...] de fazer com que o

    leitor/ouvinte participe da situao, o que evidencia a funo de

    promover a intersubjetividade entre os falantes (que, em maior ou

    menor grau, est sempre presente nas interaes entre os falantes).

    Essa explicao da autora se apresenta como uma boa demonstrao para

    a concepo de sumarizao que adotamos em nossas anlises.

    1.2 Os estudos da imagem

    Santaella e Nth (2009) esclarecem que as imagens podem ser observadas

    tanto na qualidade de signos, quanto como figuras puras e abstratas. Neste trabalho,

    procuraremos dar lugar imagem no que diz respeito s suas possveis significaes e

    no somente no que tange ao prazer esttico que elas podem suscitar. Sendo assim,

    devemos nos dar ao trabalho de ao menos tentar entender a natureza de signo visual

    das imagens, uma vez que esses elementos semiticos podem auxiliar o signo

    lingustico na produo de significados de inmeras construes.

    Porquanto signos visuais e lingusticos agem juntos na formao de

    significados, podemos dizer que equilibrar imagem e palavra na busca do melhor

    caminho ao convencimento do leitor, por vezes, pode no ser uma tarefa simples. E

    a, conforme propomos na introduo, algumas questes norteiam esse raciocnio

    cooperativo que pode haver entre as semioses: Como se d a interao entre a parte

  • 30

    lingustica e a parte visual das peas? De que forma elas se relacionam? Uma se

    sobressai a outra? Que efeitos so produzidos a partir desse tipo de relao?

    Encontramos algumas possveis respostas a essas perguntas nos estudos

    semiticos de Santaella e Nth (2009). Segundo os autores, alguns aspectos da

    funo da imagem no contexto lingustico j foram discutidos em conexo com as

    questes sobre a autonomia ou dependncia lingustica e sobre a especificidade da

    imagem em relao palavra. (p. 54). Esses mesmos pesquisadores encontram em

    outros autores respostas variadas para essas questes, que so postas em pauta pela

    pergunta de Barthes ser que a imagem simplesmente uma duplicata de certas

    informaes que um texto contm[...] ou ser que o texto acrescenta novas

    informaes imagem? (BARTHES citado por SANTAELLA E NTH, 2009, p.

    54).

    Em Kalverkmp (lido em SANTALELLA e NTH, 2009, p. 54), temos

    que a imagem pode ser inferior ao texto, simplesmente complementando; a imagem

    pode ser superior ao texto, portanto, dominando, j que mais informativa; e ainda

    que a imagem tem a mesma importncia que o texto7. Vemos que, para esse autor, a

    importncia da imagem varia e est dependente do contexto em que ela est sendo

    utilizada. J para Molinor, tambm citado por Santalella e Nth (2009, p. 54), essas

    instncias so complementares. Finalmente, para Spillner, ainda na mesma obra citada

    acima, tal relacionamento constitui um caso de determinao recproca.

    Joly (2009, p.11) tem um posicionamento semelhante aos que acabamos

    de citar. A referida autora afirma que no h oposio entre imagem e palavra e que o

    que existe entre elas um caso de complementaridade [...] a oposio entre

    imagem/linguagem uma falsa oposio, uma vez que a linguagem no apenas

    participa da construo da mensagem visual, como a substitui e at a completa em

    uma circularidade ao mesmo tempo reflexiva e criadora.

    Todas essas respostas nos levam a entender que a relao existente entre o

    contedo verbal e o imagtico para usar as palavras de Santaella e Nth (2009, p.

    53) , intima e variada. Por essa razo, acreditamos que esses dois aspectos da

    7 Cumpre esclarecer que o termo texto especificamente nessa explicao, refere-se materialidade

    verbal, em contraposio materialidade visual.

  • 31

    produo comunicativa devem ser tomados com igual importncia. Com Gradim

    (2007, p. 190), reconhecemos vlida a ideia de que, ao se lidar com esses dois

    elementos semiticos,

    Procura-se explorar no esse antagonismo, mas o modo como a

    imagem no dispensa a palavra, e deste outro ponto de vista como

    as palavras pedem imagens: o modo como a imagem caminho em

    direo palavra, abrindo-a ao mundo e conferindo-lhe toda a

    espessura e densidade ontolgica que esta pode transportar.

    Se h a conscincia de que as atuais concepes de texto abrangem os

    aspectos visuais no considerados antes (pelo menos no em Lingustica Textual)8,

    preciso tambm percebermos que esse novo olhar pede por um instrumento que o

    viabilize.

    A teoria que primeiro se preocupou com essa questo foi a semitica de

    Peirce. A exemplo dela, outra proposta tem se colocado disposio para trabalhar os

    aspectos visuais, a Gramtica do Design Visual (GDV) de Kress e van Leeuwen. Essa

    proposta veio tentar dar conta da anlise crtica das imagens e tambm auxiliar na

    construo de textos multimodais. Petermann (2006, p.2), ao falar da contribuio

    dessa teoria, destaca esse duplo papel da GDV - como orientadora da produo e

    como verificadora dos sentidos existentes nos elementos visuais presentes nas

    construes.

    A proposta de uma gramtica do visual de Kress e van Leeuwen

    (1996) surge como um instrumento para a anlise de textos visuais,

    que pode ser til tanto para a prtica, ou seja, para a construo

    desses textos, quanto para a analise crtica, em uma verificao dos

    significados que esto amarrados aos elementos visuais e que

    devem ser interpretados. (PETERMANN, 2006, p. 2)

    8 Para embasar essa observao, nos apoiamos numa considerao que Koch (2004, p.33) apresenta quando se refere interao via texto: A produo de linguagem constitui atividade interativa

    altamente complexa de produo de sentidos que se realiza, evidentemente, com base nos elementos

    lingusticos presentes na superfcie textual e na sua forma de organizao, mas que requer no apenas a

    mobilizao de um vasto conjunto de saberes (enciclopdia), mas a sua reconstruo e a dos prprios

    sujeitos no momento da interao verbal. (grifos nossos). Outro ponto que corrobora essa nossa

    ideia pode ser lido no captulo dois da tese de Custdio Filho (2011). No item 2.2 desse captulo, o

    autor explicita as atuais concepes de texto e como so feitas as anlises em Lingustica Textual, o

    que nos mostra mais uma vez que so recentes as anlises que levam em conta o extramaterial na

    produo dos sentidos.

  • 32

    Embasados na gramtica sistmico funcional de Halliday, Kress e van

    Leuween propem conceitos que contemplam a presena da imagem em materiais

    como, por exemplo, livros, capas de revistas, anncios impressos, cartazes e at obras

    de arte, pois creem na ideia de que imagens produzem e reproduzem relaes sociais,

    comunicam fatos, divulgam eventos e interagem com seus leitores com uma fora

    semelhante de um texto formado por palavras (ALMEIDA e FERNANDES, 2008,

    p.11).

    Ao discutir as relaes entre as duas semioses nos textos, esses

    postuladores da gramtica multimodal consideram que o texto, nesse caso, formado

    pelos elementos pictricos e lingusticos, no apenas por um deles.

    Procuramos romper as fronteiras acadmicas entre o estudo da

    linguagem e o estudo das imagens, e procuramos, na medida do

    possvel, utilizar uma linguagem e uma terminologia compatveis ao

    falar sobre ambas, uma vez que, em comunicaes reais, as duas e

    certamente muitas outras [semioses] aparecem reunidas para

    produzir textos integrados. (KRESS e VAN LEUWEN, 1996, p.

    183)9

    Assim que, de posse de conceitos como as metafunes

    representacional10

    , interativa11

    e composicional12

    e da conscincia de que - conforme

    pontuam Almeida e Fernandes, na mesma obra tomada antes - a forte interao entre

    esses modos pode causar efeitos de sentido, os estudos da multimodalidade tm

    empreendido grandes esforos na busca da compreenso dos trabalhos que se utilizam

    das imagens como meio de propagao de contedos que antes s se realizavam

    atravs das palavras.

    Mas h que atentarmos para um detalhe: em funo do recorte que

    escolhemos para nossa pesquisa, que so os processos sociocognitivos envolvidos no

    momento da criao dos layouts, a abordagem proposta por Kress e Van Leuwen para

    tratar do fenmeno da multimodalidade no nos parece to produtiva. Como

    9 sempre oportuno lembrar que essa viso mais alargada j vinha sendo desenhada pelos

    semioticistas, o que pudemos entender a partir dos seus constantes questionamentos sobre a hegemonia

    ou no da imagem ou do verbal. 10

    Representao das experincias de mundo 11

    Estratgias de aproximao/afastamento para com o leitor 12

    Modos de organizao do texto.

  • 33

    notvel, as anlises empreendidas pela GDV contemplam o esttico, o produto e,

    como j mencionamos antes, nossa anlise se concentra no processo.

    Desta maneira, essa abordagem, embora leve em conta a imagem, algo

    que no mbito da Lingustica de Texto ainda no comum, mas que precisa ser

    levado em considerao, no nos parece suficiente para contemplar os processos

    sociocognitivos que se do na hora da criao das peas e na posterior leitura dessas.

    Somos a favor da concepo de pesquisa adotada por Custdio Filho

    (2011), que pode ser empreendida com a imagem e o verbal, e concordamos com a

    crtica que esse autor faz limitao da gramtica da imagem. Defendemos uma

    proposta que se oriente pela produo de sentidos para alm do material e no se fixe

    apenas na relao que pode haver entre as partes presentificadas.

    Interessa, sim, ver como a imagem (ou a linguagem verbal)

    manifestada numa interao concreta se relaciona com outras partes

    (con)textuais para da fazer emergir um construto dinmico e

    polissmico, sendo que tal anlise visa a perceber/descrever/discutir

    as estratgias (textual-discursivas) que esto por trs das relaes

    entre as partes (CUSTDIO FILHO 2011, p. 25).

    Sendo assim, uma teoria que, segundo esse mesmo autor, analisa as

    imagens dedicando-se a encontrar uma relao entre a funo semntico-pragmtica e

    a forma da imagem pode no trazer muitas contribuies a nossa pesquisa.

    Um dado importante que colhemos desses estudos da GDV a ampliao

    da considerao da materialidade textual. Como j havamos mencionado, essa nova

    concepo de anlise toma o evento comunicativo numa viso plurimodal, o que para

    ns bastante til. Porm, o trabalho que se empreende nesse modelo, quando da

    anlise das composies, tem uma caracterstica que imprime teoria multimodal um

    carter rgido ou mesmo cartesiano. Como assumem os autores, as formas

    gramaticais [funcionam] como recursos para codificar interpretaes da experincia e

    formas de (inter)ao social13

    (KRESS & van LEEUWEN, 2006, p. 1). O fato de se

    tratar de uma gramtica com regras preestabelecidas inviabiliza, para ns, o uso dessa

    proposta na pesquisa que estamos desenvolvendo. Ao lidarmos com o fenmeno

    13 grammatical forms as resources for encoding interpretations of experience and forms of social (inter)action.

  • 34

    dinmico da construo conjunta da realidade, assumimos como uma consequncia

    natural a exigncia de olhar para alm do materialmente colocado.

    Diante dessa exigncia que acabamos de citar, recorremos semitica

    para nos auxiliar quanto ao movimento interno e externo das imagens, atentando para

    o modo como estas so engendradas e que recursos nelas so utilizados. Ainda

    pretendemos que essa teoria nos auxilie com sua concepo signica. Assim como

    qualquer signo ou processo de produo signica, as imagens no nascem ou no

    devem ser consideradas por si ss, mas como sendo geradas a partir de todo um

    processo cognitivo em que participam diversos elementos socioculturais e crenas.

    Conforme aponta Santaella (2008, p. 3), essa teoria trata no apenas das

    leis do pensamento e das condies de verdade [...], mas tambm das condies

    gerais dos signos. Ao estudar a lgica, Peirce se deu conta de que qualquer

    pensamento que seja no pode se desenvolver sem o aparato de outros signos, nem

    mesmo um raciocnio puramente matemtico.

    Arquitetada na fenomenologia14

    , a semitica toma para si o papel de

    estudar os ideais e normas que conduzem o pensamento.

    As diversas facetas que a anlise semitica apresenta podem assim

    nos levar a compreender qual a natureza e quais so os poderes de

    referncia dos signos, que informao transmitem, como so

    emitidos, produzidos, utilizados e que tipos de efeitos so capazes

    de provocar no receptor. (SANTAELLA, 2008, p. 4)

    Nesse ponto, guardadas as devidas propores, vemos alguma

    proximidade entre o que postula a teoria da referenciao e o que diz a semitica.

    Podemos, inclusive, tomar uma considerao de Cardoso (2003, p.1) para esclarecer

    em que ponto as duas teorias citadas h pouco parecem se tocar:

    Por essa razo, um objetivo comum aos linguistas, lgicos e

    filsofos tem sido resolver o importante dilema que a questo da

    referncia coloca. O referente necessrio para que a palavra tenha

    um valor, no se volte para si mesma, mas se volte para algo que lhe

    exterior.

    14 Uma quase cincia que investiga os modos como apreendemos qualquer coisa que aparece nossa mente, qualquer coisa, de qualquer tipo, algo simples como um cheiro, uma formao de nuvens no

    cu, o rudo da chuva, uma imagem em uma revista, etc. (PEIRCE lido em SANTAELLA, 2008)

  • 35

    Para esses dois campos, os objetos de discurso15

    no se prestam somente

    funo de etiquetar, eles se reportam ao mundo transmitindo ideias, construindo

    significados e produzindo efeitos. O discurso cria a realidade e esta modificada

    pelos efeitos que so produzidos a partir desse mesmo discurso. Assim que

    Santaella e Nth (2009, p. 38) explicam: fecha-se o crculo da polissemia semitica

    de uma maneira que nos lembra o princpio de Peirce da interpretao do signo como

    um processo circular de semiose infinita.

    1.3 O lugar do Design no mundo e em nossa pesquisa

    Um rpido olhar ao nosso redor faria com que percebssemos que estamos

    envolvidos at o fio de nossos cabelos com design. A casa em que moramos, a

    roupa, a mesa e o computador que usamos, a msica que ouvimos, todos esses objetos

    - com os quais interagimos cotidianamente - so frutos de projetos desenvolvidos por

    designers. O que podemos entender, a partir dessa constatao, que a criao no

    design vai alm daquilo que imaginamos que se faz nessa rea.

    Numa entrevista com um dos designers sujeitos desta pesquisa, colhemos

    o seguinte relato:

    Existe design em todo mbito das nossas vidas, independente de um

    objeto ter sido produzido por um arteso ou em escala industrial.

    Onde quer que olhemos, qualquer coisa que usemos, vai ter um

    projeto de design embutido. [...]

    As diversas publicaes existentes sobre essa atividade nos ajudam a

    entender como ela praticada, aplicada e desenvolvida e, ainda, como passou da

    condio de prtica manual ao status de disciplina.

    O design grfico vem evoluindo por mais de cem anos nos ltimos

    trs sculos do seu reconhecimento inicial como arte comercial no

    final do sculo XIX, criao do termo por W.A.Dwiggins em

    15

    Embora essa terminologia no faa parte do vocabulrio semitico, aqui chamamos de objetos de

    discurso todos os elementos constantes do projeto de dizer.

  • 36

    1922, at sua posio atual como uma disciplina que engloba uma

    mirade de especialidades. (Gomez-Palacio e Vit, 2011, p. 25).

    Como ficou sugerido pelos autores citados acima, a criao em design

    exige do artista a capacidade de se envolver com conhecimento de ordens variadas.

    Entendemos, ainda, que aplicar esses conhecimentos ao projeto de forma a criar, na

    interao com o pblico, algo marcante e que seja lembrado por geraes deve ser a

    busca dos profissionais. Assim que, permeadas por conhecimentos culturais,

    cientficos, pedaggicos e pessoais, as criaes vo ganhando espao e

    reconhecimento entre geraes de leitores.

    Inegavelmente, o aspecto mais cativante do design grfico o

    trabalho produzido: cartazes, livros, capas de discos, embalagens,

    logotipos e identidades, entre outros. Enquanto a totalidade do

    trabalho excelente aquele que atende as demandas do cliente,

    ressoa no pblico-alvo e visualmente inovador seja

    provavelmente no quantificvel e impossvel de catalogar nas

    numerosas revistas, compndios, apanhados histricos e prmios do

    setor nos ltimos 50 ou 60 anos, exemplos numerosos so tidos

    consistentemente como padres de melhores prticas ou como

    indicativos de pontes de inflexo poca de sua disseminao.

    (Gomez-Palacio e Vit, 2011, p. 255)

    Como nos foi sugerido pelos profissionais participantes desta pesquisa,

    para construir uma boa pea, alm de ter talento, ou seja, alm de ser capaz de criar os

    melhores textos e os melhores layouts em termos de esttica, necessrio estar a par

    da realidade circundante e saber dialogar com ela, us-la da maneira mais inovadora e

    sedutora. Como afirma Blikstein (2003, p. 54), ao atestar o valor das prticas humanas

    na composio de propostas de sentido e do prprio sentido, sem a prxis no h

    significao.

    Considerando esse ponto de vista, Morais (2010, p.13) nos traz uma

    reflexo a propsito da ao do design na contemporaneidade que refora essa ideia

    que viemos discutindo at aqui. Segundo o autor: Torna-se [...] necessrio, para o

    design atual, dentro do cenrio de complexidade existente, valer-se de novas

    ferramentas, instrumentos e metodologias para a compreenso e a gesto da

    complexidade contempornea.

  • 37

    Estando o designer consciente de que no vivemos mais a poca das

    relaes comerciais limitadas em que as pessoas tinham poucas opes de escolha de

    produtos - uma vez que viviam em uma economia regionalizada - imperativo a este

    profissional seguir um rumo que leve em conta as relaes multifacetadas e que seja

    mais condizente com os novos desejos desses novos consumidores. Alm disso, o

    criativo deve procurar adequar sua produo aos interesses e expectativas do cidado

    contemporneo. Por esse motivo, podemos dizer que no h mais lugar para

    produes de solues fceis e contedos previsveis; urge levar em conta as vrias

    semioses e as muitas possibilidades de comunicar.

    Nesse sentido, Carrascoza (2002, p. 33) mostrando-se consciente dessa

    nova atitude perante as produes comunicativas, afirma que a construo de uma

    mensagem persuasiva fruto de uma cuidadosa pesquisa de palavras, [...]. Optar por

    este ou aquele termo no uma atitude arbitrria, mas sim ideolgica. No contexto

    atual da descoberta da multimodalidade como algo inerente aos fenmenos da

    comunicao, podemos reescrever a afirmao do autor ampliando seu sentido:

    Optar pelo uso deste ou daquele elemento semitico no uma atitude arbitrria,

    mas sim ideolgica (grifo nosso). Nesse caminho, falar que pesquisa pode ser a

    palavra de ordem das atuais produes entender que o atual meio de criao passa

    naturalmente por um trabalho de garimpo, por meio do qual o criativo buscar as

    solues que tornem sua ideia adequada ao projeto de dizer e possibilitem a produo

    de mltiplos sentidos.

  • 38

    2. Como e por onde andamos

    O que eu vi, sempre, que toda ao principia mesmo por uma

    palavra pensada. Palavra pegante, dada ou guardada, que vai

    rompendo rumo.

    Guimares Rosa - Grande Serto: Veredas

    Como bem diz Joly (2009, p. 42): certo que uma anlise no deve ser

    feita por si mesma, mas a servio de um projeto. A caminhada que fizemos at aqui

    desenhou os contornos do projeto ao qual nos vinculamos, o qual, como pde ser

    visto, se assenta na noo sociodiscursiva de referenciao.

    Neste captulo, descrevemos os procedimentos metodolgicos que

    julgamos adequados ao cumprimento do nosso propsito de investigar as estratgias

    sociocognitivas subjacentes produo/recepo de peas comunicativas, produzidas

    por designers, no tocante aos fenmenos referenciais. Por ser fruto de um fazer

    especfico e idiossincrtico, os dados gerados por obra desta pesquisa adquirem uma

    caraterstica singular, exigindo para si a definio de princpios metodolgicos

    condizentes com os indcios reveladores que buscamos compreender (ABAURRE,

    1997, p.14).

    Abrigando-nos sob a perspectiva sociocognitiva e tendo em conta que

    nossa pesquisa tem como foco os processos, adotamos um mtodo de verificao

    diferenciado, que entra em acordo com o tipo de dado gerado por nossos sujeitos.

    Conforme descreve Quartarolla (lido em ABAURRE, 1997, p.15) a propsito dos

    dados singulares,

    Torna-se necessrio [...] o estabelecimento de um rigor

    metodolgico diferenciado daquele instaurado pelas metodologias

    experimentais, uma vez que o olhar do pesquisador est voltado,

    neste paradigma, para a singularidade dos dados.

    Nessas circunstncias, constitumos nosso mtodo de investigao

    dividindo-o em duas etapas. Essas etapas, por sua vez, foram subdivididas em duas

    fases, durante as quais foram gerados os dados que foram analisados. Essa anlise,

  • 39

    bem como os resultados obtidos, ser apresentada mais adiante, na parte dedicada a

    este fim.

    Antes, apresentaremos de maneira mais detalhada o percurso

    metodolgico que seguimos, incluindo quem so os nossos sujeitos, como

    procedemos na coleta dos dados, de quais instrumentos lanamos mo e quais etapas

    compuseram esse percurso.

    2.1 Ponto de partida

    Para iniciar nossa incurso nesse projeto de investigar os processos que

    esto presentes na criao e na leitura de peas comunicativas, nossa primeira atitude

    foi a escolha de um posicionamento de pesquisa. Alguns estudiosos da linguagem,

    como Rodrigues (2008), Laurindo (2007), Souza e Lopes (2007), investigaram a

    atividade referencial em publicidade optando por realizar suas pesquisas em layouts

    veiculados em jornais ou revistas.

    Mesmo nos inspirando nesses pesquisadores, preferimos seguir rumos que

    diferenciam nossa trajetria da que foi seguida por eles. A primeira diferena que,

    ao invs de nos voltarmos para os layouts impressos, preferimos atentar para os

    processos criativos que originaram tais produtos; a segunda que realizamos essa

    busca em outra rea, ou seja, escolhemos pesquisar no campo do Design. Assim,

    como mostra Marcuschi (2010, p.123) ao falar dos mtodos qualitativos, samos [...]

    da forma para a funo, da unidade analtica para o indivduo, do experimento

    controlado para a observao de dados autnticos; da significao imanente para a

    contextualizao.

    A opo por esse nicho de pesquisa decorreu do fato de em uma

    pequena experincia com produo de material comunicativo - termos notado que os

    bastidores da criao de peas de divulgao guardam etapas que, se abordadas pela

    tica mais atualizada da Lingustica Textual - que se debrua sobre o texto como um

    processo dinmico, construdo na interao com o outro e produtor de mltiplos

    sentidos - fomentariam discusses e criariam possibilidades que poderiam ampliar

    nossa compreenso sobre peculiaridades dessa forma de interao que escapariam s

  • 40

    anlises do produto. Nesse sentido, afirmamos, com Abaurre (1997, p. 15), que esses

    dados podem contribuir de forma significativa para uma discusso mais profcua da

    natureza da relao sujeito/linguagem no mbito da teoria lingustica.

    2.2 Gerao de dados: etapas, instrumentos e procedimentos

    Para obter dados que pudessem ser analisados, mantivemos contato com

    alguns designers e com os leitores das peas por eles criadas. Buscando organizar os

    encontros com os sujeitos geradores desses dados e, assim, melhor agir em nossa

    caminhada, pontuamos todas as etapas e fases que teramos que percorrer e criamos

    um organograma com todas essas partes bem definidas.

    Esse olhar voltado para nosso prprio caminhar, um trabalho

    metacognitivo, tornou-se um instrumento muito til, tanto na coleta quanto na anlise

    dos dados. Inclumos, aqui, esse instrumento e uma breve explicao sobre ele para

    tornar mais clara, ao leitor deste trabalho, a nossa trajetria.

    FIGURA 2 Organograma de orientao da pesquisa prtica

  • 41

    O organograma acima, como vemos, mostra as etapas da coleta de dados,

    s quais j aludimos anteriormente. Est dividido em duas etapas: uma para o trabalho

    com os designers e outra para a tarefa com os leitores. Como meio de melhor

    organizar a primeira etapa, subdividimos essa parte em duas fases: uma fase para a

    aplicao do questionrio e outra para a conversa com os designers sobre uma pea

    escolhida por cada um deles.

    No que tange primeira fase, o questionrio (anexo A) aplicado

    contemplava perguntas que abordavam desde conhecimentos gerais sobre a atividade

    do design, passando pelos processos criativos, indo at o entendimento do leitor.

    Composto de um total de 14 perguntas, o questionrio est organizado em dois blocos

    de sete perguntas cada. O primeiro bloco girou em torno do conhecimento geral, das

    etapas de criao e da relao com os clientes; j o segundo bloco ficou reservado

    para questes direcionadas ao conhecimento especfico de cada um sobre a rea e s

    expectativas com relao ao entendimento do leitor.

    Esse questionrio foi enviado por e-mail a cada um e, aps a devoluo

    deste instrumento respondido (anexos C e D), formulamos as primeiras noes sobre

    a atividade do design, o que nos deu uma ideia sobre o que iramos encontrar na fase

    seguinte, bem como acerca do que precisaramos fazer para melhor aproveitar esse

    momento. Sobre isto, vlido observar o que afirma Marcuschi (2010, p. 143):

    sempre indagamos e observamos com base em uma teoria. a prpria teoria que

    afunila a observao e a entrevista; da porque aplicamos o questionrio como a

    primeira fase da primeira etapa.

    Na segunda fase, elaboramos um roteiro (anexo B), compilado das

    informaes fornecidas no questionrio enviado aos designers, juntamente com a

    leitura que fizemos da metodologia apresentada na tese de Cavalcanti (1989). Nessa

    pesquisa, a autora (p.15) tomou a leitura de um texto acadmico denominado por ela

    de texto base - com vistas a examinar reas de obstculos na interpretao

    pragmtica potencialmente indicados pela analista e experienciados ou no pelo

    leitor. Essas reas so observadas pelo ponto de vista da pesquisadora, quando ela

  • 42

    faz a escolha dos itens lexicais sob os quais recair sua ateno, e tambm sob o ponto

    de vista do leitor, no momento em que ele verbaliza seu processo de leitura.

    Neste caso, os mtodos de pesquisa usados pela analista foram os estudos

    pilotos (para definir a melhor maneira de abordar o leitor), a entrevista estruturada, a

    fase de aquecimento (para estimular o leitor a pensar alto) e os protocolos de pausa16

    .

    Deste modo, o uso do relato, a fase de aquecimento e a inteno de no

    interrompermos a narrao dos dois grupos (designers e leitores) foram pontos de

    aproximao entre nossos mtodos e o de Cavalcanti. Mas, ainda assim, fizemos

    algumas adaptaes do processo metodolgico descrito pela autora em sua tese de

    modo a procedermos direcionados ao nosso objetivo.

    Aqui, procuramos agir conforme o pensamento de Marcuschi (2010,

    p.143) para quem ... as entrevistas no so fechadas, mas abertas e buscam a

    obteno de experincias autnticas. Nosso intuito era o de evitar que essa fase

    tivesse as caractersticas de uma entrevista comum: perguntas e respostas; por isso

    incentivamos os artistas a falarem abertamente sobre sua criao e s interferamos

    quando queramos aprofundar alguma considerao feita por eles ou quando algo saia

    diferente de nossa expectativa: como por exemplo, falarem pouco ou esperarem

    alguma interao de nossa parte.

    O encontro com os designers foi realizado pessoalmente e tambm em

    meio virtual (a ttulo de complementao, quando solicitvamos o envio de algum

    material explicativo de seu processo ou quando restava ainda alguma dvida ou

    curiosidade extra). Nesse encontro pessoal, para registrar a fala de cada um dos

    participantes, usamos o gravador de uma cmera fotogrfica. Os dados que colhemos

    aqui foram obtidos atravs de auto-relato (Anexo E). Cavalcanti (1989, p.139) define

    esse instrumento como sendo o momento em que os sujeitos contam sua experincia

    ao pesquisador/analista. Nessa circunstncia, seguindo a orientao17

    que

    fornecemos no incio da conversa, os profissionais relataram a produo de uma pea

    16

    Tcnica introspectiva em que o leitor faz uma leitura silenciosa do texto e pedido a ele que pense

    em voz alta sempre que ocorrer uma pausa no seu processo. 17 Solicitamos que o designer falasse abertamente sobre a criao da pea que ele escolheu para levar para a conversa. Orientamos que ele nos dissesse sobre: o briefing e o brainstorm, alm das cogitaes

    e das escolhas operadas na construo dessa pea como quem faz o caminho de volta.

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    escolhida e produzida por eles, o que nos trouxe informaes sobre as fases de

    criao: briefing, brainstorm e produo.

    Do outro lado da comunicao, encontra-se o leitor/receptor desse

    trabalho criado pelo designer. Dirigimo-nos a ele para observar a co-construo da

    ideia do criativo, ou seja, ao tomar essa leitura, intentamos ver se o que o designer

    pressups na produo da pea aconteceu no momento da recepo pelo leitor. Para

    esta conversa, optamos por um guia de leitura (anexo F) e no um questionrio com

    perguntas especficas que poderia nos dar respostas automticas. Achamos que com

    esse guia os leitores entrevistados estariam vontade para expor seus processos de

    construo de sentido, por no se sentirem obrigados a cumprir uma expectativa

    demarcada por uma pergunta.

    Tentamos, na medida do possvel, deixar nosso (e das peas) interlocutor

    vontade para se expressar sobre sua leitura e sobre suas produes de sentido (anexo

    G). Salientamos que essa contribuio em tempo real marca a diferena de abordagem

    desta etapa em relao primeira. Neste momento, flagramos o prprio processo

    acontecendo, uma vez que nossos registros se deram sobre a leitura em curso e no

    sobre a narrativa do processo de leitura, como ocorreu na primeira etapa.

    Aps estarmos de posse dos dados obtidos nas duas etapas, pas