anÁfora: mecanismo coesivo de referenciaÇÃo textual

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ANÁFORA: MECANISMO COESIVO DE REFERENCIAÇÃO TEXTUAL Letícia Cristina Vieira Ferreira Lúcia Sá Rebello 1 Resumo: Através desse trabalho, realizado com base em perspectivas teóricas, a anáfora é definida como constituinte essencial na coesão referencial. Sendo um texto muito mais que um mero agrupamento de frase e palavras, a textualidade é o que legitima e caracteriza o texto como sendo um veículo que vai além da mera informação e entretenimento, já que constitui uma relação contratual entre leitor e escritor. Dessa forma, a coerência e a coesão são fundamentais para a sua estruturação e anáfora é apresentada como peça-chave na retomada referencial. Palavras-chave: Coesão; referentes; anáfora 1 Introdução Este trabalho procurará, através de pesquisas teóricas, compreender, identificar e discutir o uso de termos anafóricos recorrentes na estrutura textual. A anáfora, por se tratar de um recurso coesivo que busca a manutenção de sentidos referidos anteriormente, será o objeto central desenvolvido e discutido nesse trabalho, devido a sua importância na construção coesiva de um texto. Dentre os muitos fatores de textualidade (que comprova e legitima um texto) existentes, caberá a esse artigo um olhar especial à coerência e à coesão, principalmente a esse último, por estabelecer relações de sentido que constituem o “tecido do texto”, os elos que unem e dão sequências aos termos semânticos que o compõem. A coesão será, portanto, a peça formadora, a base para o estudo discutido neste presente trabalho: o uso de termos anafóricos como mecanismo de coesão referencial. Sendo assim, um breve estudo, desde a expansão da Linguística Textual ao estudo da anáfora referencial constituirá a proposta deste trabalho, o qual não deverá ser visto como um modelo acabado, mas sim como uma linha de 1 Professora da 5ª edição do Curso de Especialização em Gramática e Ensino da Língua Portuguesa UFRGS.

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Page 1: ANÁFORA: MECANISMO COESIVO DE REFERENCIAÇÃO TEXTUAL

ANÁFORA: MECANISMO COESIVO DE REFERENCIAÇÃO

TEXTUAL

Letícia Cristina Vieira Ferreira

Lúcia Sá Rebello1

Resumo: Através desse trabalho, realizado com base em perspectivas teóricas, a anáfora é

definida como constituinte essencial na coesão referencial. Sendo um texto muito mais que

um mero agrupamento de frase e palavras, a textualidade é o que legitima e caracteriza o texto

como sendo um veículo que vai além da mera informação e entretenimento, já que constitui

uma relação contratual entre leitor e escritor. Dessa forma, a coerência e a coesão são

fundamentais para a sua estruturação e anáfora é apresentada como peça-chave na retomada

referencial.

Palavras-chave: Coesão; referentes; anáfora

1 Introdução

Este trabalho procurará, através de pesquisas teóricas, compreender, identificar e

discutir o uso de termos anafóricos recorrentes na estrutura textual.

A anáfora, por se tratar de um recurso coesivo que busca a manutenção de sentidos

referidos anteriormente, será o objeto central desenvolvido e discutido nesse trabalho, devido

a sua importância na construção coesiva de um texto.

Dentre os muitos fatores de textualidade (que comprova e legitima um texto)

existentes, caberá a esse artigo um olhar especial à coerência e à coesão, principalmente a esse

último, por estabelecer relações de sentido que constituem o “tecido do texto”, os elos que

unem e dão sequências aos termos semânticos que o compõem. A coesão será, portanto, a

peça formadora, a base para o estudo discutido neste presente trabalho: o uso de termos

anafóricos como mecanismo de coesão referencial. Sendo assim, um breve estudo, desde a

expansão da Linguística Textual ao estudo da anáfora referencial constituirá a proposta deste

trabalho, o qual não deverá ser visto como um modelo acabado, mas sim como uma linha de

1 Professora da 5ª edição do Curso de Especialização em Gramática e Ensino da Língua Portuguesa – UFRGS.

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reflexões que visam à compreensão e à interpretação dos campos semânticos referenciais para

construção de um texto bem estruturado e coerente. Para tal proposta, haverá todo um

embasamento teórico referente aos assuntos que serão vistos.

Cabe salientar que a coesão referencial é realizada com o auxílio de vários outros

elementos de natureza gramatical e, assim, cada um desses possui uma função peculiar dentro

da superfície textual. Entretanto, esse fenômeno será utilizado para a organização das idéias

no âmbito textual visando à conceituação e ao entendimento da anáfora, o assunto central a

ser apresentado.

2 A Linguística Textual

O ensino-aprendizagem de uma língua está no texto. Essa afirmação, confirmada por

professores de línguas maternas e estrangeiras, reforça a importância que um texto possui,

pois esse não se trata apenas de informação ou de entretenimento, mas, principalmente, de

transmitir idéias e pensamentos entre escritor e leitor.

Nessa interação, é fundamental aos dois o conhecimento de um mesmo código

linguístico (“falar a mesma língua”) e, por conseguinte, uma cooperação mútua. Sendo assim,

o escritor vai procurar estruturar o seu texto de modo que este se ajuste ao o que ele conhece

do mundo mental de seu leitor, transmitindo informações que acredita já serem de domínio de

seu interlocutor, considerando-as ou como informações dadas ou novas. Já o leitor, em seu

turno, vai procurar interpretá-las, acionando a sua memória, o seu conhecimento adquirido

com a sua vivência de mundo e com aqueles adquiridos com a sua educação formal. Trata-se,

então, de uma espécie de contrato preestabelecido entre ambos.

O texto é, portanto, um instrumento de intermediação entre o leitor e o escritor. De

acordo com Koch (1994:14), texto é: “a unidade básica de manifestação da linguagem (...) é

muito mais que a simples soma das frases (e palavras) que o compõe: A diferença entre frase

e texto não é meramente de ordem quantitativa; é sim, de ordem qualitativa”. Ou seja, ele

deve formar todo um conjunto significativo, no qual se prima a sua qualidade e não a sua

quantidade.

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Visto sob essa perspectiva, o texto é objeto de investigação da Linguística Textual, já

que o ser humano se comunica através dele e que há uma série de fenômenos linguísticos que

só se explicam dentro de textos. Daí, portanto, os estudos científicos recentes voltados para

essa área de conhecimento linguístico, como o desenvolvimento de uma gramática específica

que possui a finalidade de solucionar, esclarecer e explicar possíveis dúvidas pertinentes no

âmbito textual.

Assim sendo, a linguística textual é a ciência da estrutura e do funcionamento dos

textos. Constitui um novo ramo da linguística que começou a se desenvolver na Europa

durante a década de 60, de modo especial na Alemanha.

Devido às falhas das gramáticas da frase no tratamento de fenômenos como a

referência, a correferência, a pronominalização, a seleção dos artigos (definidos e

indefinidos), a ordem das palavras no enunciado, as relações entre sentenças não ligadas por

conjunções e a concordância entre os tempos verbais, ou seja, fenômenos esses que só podem

ser esclarecidos em referência a um contexto situacional, constituem as causas para o

desenvolvimento dessa ciência.

Todo falante de uma língua possui a competência textual de compreender e de

diferenciar uma produção coerente de outra incoerente. As habilidades que esse falante

possui, tais como a de resumir, atribuir um título ou a de produzir a partir de um título dado e

a de distinguir dentre os vários tipos encontrados (como, por exemplo, uma receita de bolo a

uma poesia), justificam o porquê de uma gramática textual, visto que todo texto vai além de

um aglomerado de frases que o compõe.

Para Fávero e Koch,

texto, em sentido lato, designa toda e qualquer manifestação da capacidade textual

do ser humano (quer se trate de um poema, uma música, uma pintura, um filme, uma

escultura, etc.), isto é, qualquer tipo de comunicação que é realizado através de um

sistema de signos. (Fávero e Koch, 1983, p. 25)

Mas, o que faz o texto ser de fato um texto? Como visto anteriormente, há a

capacidade intuitiva de distinguir textos de não textos, porém, é difícil definir o que faz um

texto ser exatamente visto como tal.

O texto é um contínuo comunicativo contextual que se caracteriza pela ocorrência de

textualidade, sendo que essa possui a coerência como uma das propriedades mais

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fundamentais para legitimá-lo. No entanto, esse presente trabalho apresentará, de forma

introdutória, dois elementos que compõem a textualidade, dentre outros, a coerência e a

coesão textuais.

3 Coerência e Coesão Textual

O texto precisa ser percebido como um conjunto global, lógico, uma unidade de

significado. Se for assim percebido, possui coerência. É essa que conecta as idéias de um

texto, sendo, portanto, a coerência textual uma conexão de idéias que conferem sentido a um

texto.

Parte dessa percepção resulta da continuidade estabelecida por relações entre as frases.

Isto é o que se chama de coesão textual. Sendo assim, essa demonstra uma importância dos

elementos da língua, os seus valores e usos – os conhecimentos linguísticos – para a produção

do texto e sua compreensão, ou seja, para o estabelecimento da coerência.

Segundo Koch e Travaglia,

a coerência está diretamente ligada à possibilidade de se estabelecer um sentido para

o texto, ou seja, ela é o que faz com que o texto faça sentido aos usuários, devendo,

portanto, ser entendida como um princípio de interpretabilidade, ligada à

inteligibilidade do texto numa situação de comunicação e à capacidade que o

receptor tem para calcular o sentido desse texto. (Koch e Travaglia, 1990, p. 21)

Dessa forma, nota-se que é a coerência que permite que uma sequência linguística seja

vista como um texto, pois, através de vários fatores, estabelece relações (sintático-gramaticais,

semânticas e pragmáticas) entre os elementos, permitindo, assim, a construção e a percepção

de uma sequência (de morfemas, palavras, expressões, frases, parágrafos, capítulos, etc.).

Já a coesão – conexão entre palavras e frases – pode ser comparada a uma linha que

costura e une os elementos, referindo-se aos modos nos quais os componentes que fazem

parte da estrutura textual estão unidos entre si dentro de uma sequência lógica e

compreensível, construindo e tornando o texto, dessa forma, mais legível. Essas conexões

podem ocorrer no nível semântico (referentes aos sentidos vinculados) ou no nível sintático

(referentes às questões de ordem dos seus constituintes).

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Halliday e Hassan (apud FÁVERO, 2010), numa obra que se tornou referência básica

sobre a coesão textual, escrevem que a coesão é uma relação semântica entre um elemento do

texto e algum elemento crucial para a sua interpretação, estabelecendo relações de sentido que

utilizam um conjunto de recursos semânticos por meio dos quais uma sentença se liga com a

que veio antes. Ou seja, há certa relação de dependência entre elementos para que se

estabeleçam significados.

Esses autores citam que há cinco mecanismos, segundo eles, os quais a coesão textual

procede: Referência, Substituição, Elipse, Conjunção e Lexical. Salienta-se que a referência é

a categoria de interesse desse artigo; as demais foram apenas citadas como participantes dos

mecanismos coesivos.

A referência diz respeito aos itens da língua que se relacionam a outros elementos

necessários à sua interpretação, ao invés de serem interpretados semanticamente pelo seu

sentido próprio. Para os autores, a comunicação ocorre através de referências, as quais estão

ligadas ao mundo externo situacional, assim como ao plano textual.

Segue-se, abaixo, um esquema de referência de Halliday e Hassan que pode ser

analisada através da figura de Koch.

REFERÊNCIA

Situacional Textual

Exofórica Endofórica

(ao que precede) (ao que se segue)

Anáfora Catáfora

FIGURA 1: A Referência segundo Halliday e Hassan.

Fonte: Koch, 1994, p. 20

A referência é assim denominada exofórica quando a remissão é feita a algum

elemento que se encontra fora do texto (extralinguística). Diz respeito à situação

comunicativa, no qual o referente está fora do texto. Já na referência endofórica, essa

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remissão é feita nos limites do texto no qual o referente está situado, podendo proceder ou

suceder o item com o qual se relaciona.

O tipo mais comum de referência endofórica é aquele em que a remissão ocorre por

procedência – anáfora. Os mecanismos coesivos de retomada anafórica (referentes a itens

lexicais já mencionados no discurso) garantem a unidade temática dos textos, pois promovem

a manutenção dos sentidos referidos. Os seus constituintes pronominais (anáforas realizadas

por pronomes pessoais, possessivos e demonstrativos) prestam-se especialmente a esse modo

de referenciação.

Passemos a analisar o exemplo abaixo:

(1) “Com 800 milhões de usuários em seu Facebook, o americano Mark

Zuckerberg (A) é o homem mais poderoso da internet. Há alguns dias ele (B)

mudou as regras da sua rede social.” (Veja, 05 out. 2011, p. 90)

A interpretação de (A) remete a exterioridade, pois a sua interpretação só será possível

se o leitor/ouvinte souber quem é Mark Zuckerberg. Trata-se, portanto, de uma referência

exofórica. No entanto, a interpretação de (B) remete a (A), tratando-se, por sua vez, de uma

referência endofórica, pois se encontra expressa. Como essa retomada coesiva foi realizada

com um item anterior – (B) encontra-se posterior a (A) – ele é um referente anafórico.

Porém, quando a referência endofórica se articula numa conexão com o item

subsequente, ocorre a chamada catáfora. Embora seja menos frequente do que os

procedimentos anafóricos, os mecanismos catafóricos contribuem de modo considerável para

a coesão textual, pois está a serviço da expansão temática, dos sentidos novos articulados na

superfície textual; a anáfora, por sua vez, pela manutenção e expansão do fluxo textual ao

organizar progressivamente informações já conhecida pelos interlocutores.

(2) “Será um ambiente em que usuários encontrarão tudo o que procuram –

amigos, informações, emprego, produtos, recomendações, diversão.” (Veja, 05

out. 2011, p. 93)

Tudo: referente catafórico de amigos, informações, emprego, produtos, produtos,

recomendações, diversão.

Halliday e Hassan também descrevem que a referência apresenta três tipos: a pessoal,

na qual o elemento coesivo de referência é um pronome pessoal ou demonstrativo; a

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demonstrativa, através do pronome demonstrativo ou do advérbio de lugar, e a comparativa,

por via indireta, através de identidades ou similaridades.

Retomando o exemplo (1):

(1) “Com 800 milhões de usuários em seu Facebook, o americano Mark

Zuckerberg (A) é o homem mais poderoso da internet. Há alguns dias ele (B)

mudou as regras da sua rede social.” (Veja, 05 out. 2011, p. 90)

Somente é possível interpretar o significado de (B) se (A) for revisto. Neste sentido,

(B) depende totalmente do seu antecedente (A) para ser interpretado. (A), nesse exemplo, é o

referente de (B). Esse possui com o seu antecessor uma relação de referência pessoal, já que é

retomado através do uso do pronome pessoal (ele).

Conforme visto, há certos itens na língua que possuem a função de estabelecer

referência. A coesão referencial é executada com o auxílio de vários elementos de natureza

gramatical que possuem, por sua vez, funções peculiares dentro da superfície textual. Assim,

um elemento da superfície do texto remete a outro.

3.1 A Coesão Referencial

Fávero (2010) apresenta uma nova proposta para a classificação da coesão: a

referencial, que engloba a referência (exofórica e anafórica), a elipse e a definitivização; a

lexical, que englobaria a reiteração e a substituição; sequencial, com a temporal e a

conjunção, baseada na de Halliday e Hassan. Nessa classificação apresentada pela linguista, a

coesão referencial pode ser obtida por substituição e por reiteração.

A primeira se dá quando um componente é retomado ou precedido por uma proforma,

que é entendida como um elemento gramatical que representa uma categoria, como, por

exemplo, o nome. As proformas, segundo Fávero, podem ser classificadas como

pronominais, verbais, adverbiais e numerais. No caso de uma proforma que sucede algum

item lexical, tem-se a catáfora, já no caso de retomada, a anáfora.

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Assim, a anáfora é a responsável por estabelecer uma relação coesiva de referência

que permite a interpretação de um item pela relação em que se encontra com algo que o

precede no texto, como nos exemplos de proformas anafóricas:

(3) “Cada brasileiro com perfil no Facebook passa, em média, duas horas e meia

nos domínios de Zuckerberg*. Ele quer mais. Muito mais.” (Veja, 05 out. 2011, p.

91)

Ele: proforma pronominal anafórica (refere-se à Zuckerberg, o antecedente, citado

anteriormente)

*Zuckerberg: anáfora nominal de Mark Zuckerberg (citado anteriormente, há

alguns parágrafos anteriores a essa frase)

(4) “Será possível, por exemplo, assistir a filmes dos estúdios Dream Works,

Paramount e Universal, bastando para isso ter uma conta no Netfliz, site de vídeo

por demanda que acaba de chegar ao Brasil.” (Veja, 05 out. 2011, p. 95)

Isso: proforma pronominal anafórica (refere-se à oração anterior).

(5) “Atualmente, há gente utilizando a rede com fins lucrativos, religiosos,

comerciais, sociais, profissionais e ainda para mobilização social ou caridade –

grandes companhias e famosos também estão lá–, como mostram os personagens

que ilustram esta reportagem.” (Veja, 05 out. 2011, p. 97)

Lá: proforma adverbial anafórica (refere-se ao Facebook, citado em parágrafos

anteriores)

(6) “Eles só trocam as bandas ruins. A programação está um lixo.” (frase dita por

João Gordo, que tocou no secundário Palco Sunset do Rock in Rio, como

convidado da banda Korzus. (Veja, 05 out. 2011, p. 61)

Eles: referencial exofórica. Eles está se referindo a quem? Aos produtores

musicais do evento? Ou aos empresários que contratam as bandas? Aos

responsáveis pela programação?

Nesse último exemplo (uma declaração dada numa entrevista e que foi posteriormente

escrita, mas mantendo-se original pelo que foi dito pelo entrevistado), há dificuldades em se

identificar o antecedente do termo eles. Isso se deve ao fato dessa expressão necessitar de um

contexto situacional (social ou cultural). Eles é um referente que está se interligando a algum

antecedente, embora não tenha sido visualizado anteriormente na frase.

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Retoma-se, então, através de um esquema ilustrativo, a classificação apresentada por

Fávero:

TEXTO

Coerência

TEXTUALIDADE Sequencial

Coesão Lexical

Referencial

Substituição Reiteração

Proforma

Anáfora Catáfora

FIGURA 2: Esquema ilustrativo sobre a coesão referencial apresentada por Fávero

Fonte: FÁVERO, 2010, p. 19

De acordo com a autora, a referência faz com que o leitor associe certo signo a um

objeto tal como ele o percebe na cultura em que vive. Revendo, então, o exemplo (1),

percebem-se alguns elementos referenciais:

Mark Zuckerberg = homem mais poderoso da internet = ele

Sendo assim, o homem mais poderoso da internet é um referente associado à forma a

qual Mark Zuckerberg, o criador da rede social Facebook, é visto atualmente. No entanto, se o

item de referência ele for tomado isoladamente, será vazio de significado, diferentemente do

referente anterior. Para interpretar ele, será necessário procurar a informação que lhe dê

significância.

Assim, a análise das anáforas podem se realizar no quadro da dimensão sequencial

pelo fato de aparecerem no segmento dos enunciados, assegurando a continuidade dos termos

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de um enunciado a outro. Considera-se então, por essas constatações, que a anáfora faz parte

do processo de criação de uma cadeia referencial no interior de um texto.

4 A anáfora

Revendo o que fora discutido anteriormente, para que o texto tenha continuidade

temática e seja coerente a partir das informações conhecidas do interlocutor, o locutor do

texto vai inserindo novas informações semânticas de maneira gradual. Caso o interlocutor

não consiga estabelecer pontes entre as informações novas com aquelas que já lhe são

conhecidas devido a um elevado número de informações, esse texto poderá lhe ser incoerente.

Se pensarmos na construção de uma casa, veremos que as paredes são fundamentais

para a sua sustentação. No texto, as idéias, as informações e os argumentos poderiam ser

comparados aos tijolos que, dispostos lado a lado, permitem que as paredes de uma casa

sejam erguidas. No entanto, a argamassa é que vai unir os tijolos da construção.

Analogicamente, assim se percebe os processos de coerência e de coesão textuais: a coerência

seria os tijolos que constroem e sustentam a casa (nesse caso, o texto); já a coesão, a

argamassa que une os elementos em agrupamentos para que se estabeleça uma ligação entre

eles.

Dessa forma, dentre os processos de coesão de um texto está justamente um que diz

respeito à ligação, a sinalização entre a informação nova e a dada – a anáfora.

Anáfora, do grego anaphorein, significa lembrar, repetir. Há registros de seu uso

desde o século 2 d.C nos escritos do gramático Apolônio Díscole que empregava essa noção

para referir-se aos pronomes que remetem a segmentos do discurso.

Modernamente, a anáfora é um fenômeno textual de referenciação e de

correferenciação (mesma referência), de ativação e de reativação de referentes ao longo do

texto. Possibilita a retomada/repetição pelo viés da pronominalização de um elemento do

contexto esquerdo anterior, determinando, assim, um trabalho de interpretação da referência

dos elementos nela envolvidos.

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Há várias concepções na caracterização de uma anáfora, trazendo, portanto,

dificuldades na sua definição. Vejamos novamente o exemplo (6), o qual possui um elemento

que está fazendo referência a outro não expresso na superfície textual. Sua interpretação

recorre ao contexto.

Observe-se o exemplo (6):

(6) “Eles só trocam as bandas ruins. A programação está um lixo.” (frase dita por

João Gordo, que tocou no secundário Palco Sunset do Rock in Rio, como

convidado da banda Korzus. (Veja, 05 out. 2011, p. 61)

Consequentemente, para alguns autores, a anáfora, além de ser um fenômeno textual,

trata-se de um fenômeno de memória, pois indicará uma ligação a um referente já conhecido e

manifestado pela memória operativa ou de trabalho do leitor/interlocutor do discurso. Trata-

se, portanto, do uso de inferenciais (idéias implícitas a partir do conhecimento de mundo),

cujo emprego permite encontrar o referente adequado e assim localizar a situação imediata e

identificar o saber partilhado pelos interlocutores. Sendo assim, a concepção de anáfora como

fenômeno de memória renuncia ao critério textual, pois considera como determinante o

conhecimento que o interlocutor tem do referente.

Mas, a definição de anáfora, seja ela textual ou de memória, implica a necessidade de

se encontrar, no texto ou na memória discursiva, a entidade pertinente para a sua

interpretação.

Segundo Figueiredo (2003), dentre outras condições que influem consideravelmente

para a interpretação da anáfora, destaca-se a sua relação identificável com o antecedente,

tendo a retoma como processo pelo qual se estabelece essa ligação. Não se deve pensar em

retoma apenas no sentido restrito de repetição, mas sim em por significado na relação de um

elemento do texto com o seu antecedente referencial de modo a estabelecer linhas de

continuidade que assegurem a coesão textual.

Cabe lembrar que numa relação anafórica, o antecedente é sempre dotado de

autonomia referencial, enquanto o termo anafórico só é interpretável pela sua dependência em

relação à interpretação atribuída ao antecedente. Portanto, a relação anafórica caracteriza-se

pelo fato do antecedente ser referencialmente independente em relação ao termo anafórico,

enquanto este é referencialmente dependente em relação ao antecedente.

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Conclui-se, dessa forma, que as relações anafóricas se caracterizam pelos seguintes

fatos verificados simultaneamente, conforme Marques (2009):

i. A existência de um processo de identificação referencial;

ii. A existência de uma expressão linguística que funcione como antecedente;

iii. O fato de o termo anafórico ser desprovido de autonomia referencial;

iv. A existência de uma relação de retoma cuja interpretação está dependente de

outras expressões referenciais presentes no contexto anterior.

Sendo assim, o procedimento anafórico depende do grau dessa retoma, em cada um

dos pontos da cadeia textual. Assim, a retoma poderá ir do reconhecimento total (identidade

referencial) até a disjunção parcial ou total (anáfora por associação), permitindo, então

distinguir a anáfora em diversos tipos.

4.1 Tipos de anáfora

De acordo com Figueiredo, a anáfora (2003: 229),

ou resulta de um prolongamento natural do antecedente por meio de repetição ou

substituição, o que se traz em uma âncora correferencial, ou resulta de processos

inferenciais, de saberes enciclopédicos, o que traduz em uma anáfora não

correferencial (associativa). É dentro deste modelo de anáfora que, normalmente, os

linguistas distinguem dois tipos clássicos de anáforas nominais. (Figueiredo, 2003,

p. 229)

As expressões anafóricas podem retomar uma referência anterior (nesse caso, serão

correferenciais) ou podem ativar um novo referente cuja interpretação está dependente de

outras expressões referenciais anteriormente presentes no texto (não correferenciais, nesse

caso).

Vejamos as frases:

(7) “A Nação Facebook tem um comandante supremo, que atende pelo nome de

Mark Zuckerberg, um americano obstinado e malvestido de 27 anos. Essa nação

agora possui novas regras, que Zuckerberg classifica como inovações.” (adaptado

de Veja, 05 de out. 2011, p. 91)

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O grupo nominal essa nação retoma a expressão anterior a Nação Facebook, ou seja,

faz menção a mesma entidade e depende do seu antecedente para que a realidade para a qual

remeta seja identificada. Logo, essa nação é uma expressão correferencial e anafórica. Vê-se,

assim, que existe referência correferencial sempre que o termo anafórico (essa nação) retoma

o antecedente (a Nação Facebook), ou seja, designando o mesmo nome.

(8) “Nos próximos dias, Huck completa um ano de atividades no Facebook. O

apresentador diz que sua página no Facebook – com quase 2 milhões de fãs – é

um valioso instrumento de pesquisa para a produção de seu programa semanal.”

(adaptado de Veja, 05 de out. 2011, p. 94)

Já no exemplo (8) a expressão o apresentador não é correferencial com nenhum grupo

nominal anterior, mas possui parte de seu significado apoiado na expressão Huck, pois a

expressão o apresentador tem como referente atual de Luciano Huck, que foi anteriormente

mencionado. Por assim dizer, é uma expressão não correferencial, no entanto, é anafórica.

Assim, pode-se dizer que a afirmação de que a anáfora é sempre correferencial com o

seu antecedente não é válida, já que nem todas as anáforas são correferenciais. O que se pode

afirmar é que se trata de anáfora quando a interpretação de uma expressão depende de outra

que esteja presente no contexto verbal (o antecedente). Conclui-se, então, que há casos em

que o termo anafórico e o antecedente são correferentes, mas há outros em que a relação

anafórica se realiza sem recurso ao processo de correferência.

Considerando-se a variabilidade de perspectivas existentes ao fenômeno anafórico,

será apresentada, a seguir, uma proposta tipológica para a ocorrência e a interpretação da

anáfora. Após distinguir as anáforas correferenciais e as não correferenciais, este trabalho se

restringirá essencialmente aos tipos de anáfora não correferenciais, em especial nas anáforas

não associativas pronominais e as não associativas nominais. No entanto, os demais tipos

serão apenas citados, para um breve esclarecimento. As terminologias tradicionais, como

anáfora fiel, infiel, por nominalização e associativa foram preteridas em troca da bipartição

entre anáfora correferenciais e anáfora não correferenciais, pois essas nomenclaturas parecem

ser mais claras. O objetivo primordial é o de explicitar e compreender os processos anafóricos

com clareza e objetividade.

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4.1.1 A Anáfora Correferencial (ou Anáfora Direta)

A anáfora correferencial corresponde, conforme visto anteriormente, às expressões

anafóricas que retomam uma mesma referência anterior.

Abaixo, um esquema das diferentes tipologias desse tipo de anáfora, dividindo-as em

três grupos: as anáforas por repetição, as anáforas por elipse e as anáforas por substituição.

Este último grupo será subdividido em pronominais e nominais.

ANÁFORAS CORREFERENCIAIS

Repetição Elipse Substituição

Pronominal Nominal

FIGURA 3: Esquema ilustrativo das Anáforas Correferenciais

Fonte: Marques, 2009, p.36

A anáfora correferencial por repetição, também conhecida como anáfora fiel, implica

na retomada de um segmento anterior mediante o uso do pronome demonstrativo/definido,

diferenciando-se só o determinante de uma ocorrência em relação à outra, pois o nome-núcleo

se mantém. Traz, portanto, pouca informação nova ao texto.

Na anáfora correferencial por elipse, a retoma é realizada pelo apagamento do termo

anafórico. No entanto, alguns linguistas consideram a anáfora correferencial por elipse sendo

um processo de substituição, porém, para outros, os dois processos só tem em comum o fato

de evitarem a repetição vocabular, pois diferem na medida em que a anáfora por substituição

pressupõe uma mudança nas categorias gramaticais.

Já na anáfora correferencial por substituição, utiliza-se recursos léxico-gramaticais

que evitam a repetição vocabular, podendo realizar-se ou por pronominalização ou por

substituição lexical (nominal), tendo, este último, a sua subdivisão em substituição por

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sinonímia (uso de sinônimos) e/ou por hiperonímia (relação entre hiperônimo e seus

hipônimos).

4.1.2 A Anáfora Não Correferencial (ou Anáfora Indireta)

A anáfora não correferencial, ou também conhecida como anáfora infiel, quanto à

progressão, é aquela que é temática e remática, pois apresenta uma parte de informação

antiga (fornecida pelo antecedente) e uma parte de informação nova (constituída pela entidade

nova introduzida pelo termo anafórico), assegurando, dessa forma a continuidade e a

novidade. Diferenciando-se da correferencial, no qual o termo anafórico retoma o valor

semântico de seu antecedente, na não correferencial o termo anafórico introduz uma entidade

ainda não mencionada, mas cuja especificidade depende da entidade denotada pelo

antecedente.

Trata-se de empregar outra denominação para uma realidade idêntica, sendo assim,

possível traduzir um ponto de vista particular, um juízo, uma opinião favorável, uma crítica,

ironia, etc.

Um exemplo ilustrativo:

(9) Mark Zuckerberg criou o Facebook quando ainda estava na universidade de

Harvard. O jovem “nerd” / o gênio precoce da informática / nem imaginava o

quanto a sua criação seria popular hoje em dia. (adaptado de Veja, 05 de out.,

p.97)

Nesse exemplo, os termos anafóricos (O jovem “nerd” / o gênio precoce da

informática) carregam uma opinião a respeito de seu referente (Mark Zuckerberg). Portanto,

nesse tipo de anáfora, é sempre obrigatória a presença de elementos que permitam determinar

uma relação de sentido entre o antecedente e o termo anafórico para estabelecer a coesão

referencial do texto (no caso, o fato de ainda ser estudante numa das mais importantes e

renomadas universidades dos Estados Unidos).

Segue-se uma organização esquemática das anáforas não correferenciais:

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ANAFORAS NÃO CORREFERENCIAIS

Associativas Nominalização Pronominalização

FIGURA 4: Esquema ilustrativo das Anáforas Não Correferenciais

Fonte: Marques, 2009, p.48

Em síntese, vê-se que o papel da anáfora não correferencial, valorativa, é a de

portadora de informação suplementar, ao contrário da anáfora correferencial, que não traz ou

traz pouca informação nova ao texto. Daí vem a importância desse tipo de anáfora (não

correferencial), não somente como instrumento de coesão textual (na

continuidade/manutenção), mas, sobretudo, como de mecanismo que contribui fortemente

para garantir ao texto a sua progressão lexical e a manutenção da dinâmica textual. E tudo isso

é de suma importância para um bom desenvolvimento dessa competência textual a ser

desenvolvida e melhor direcionada com os alunos de língua portuguesa.

4.1.3 Anáfora Não Correferencial Associativa

Ao ver sob a ótica da concepção lato, não é estabelecida uma distinção rígida entre

anáfora correferencial e anáfora associativa, pois admite no termo anafórico quer os pronomes

pessoais, indefinidos e demonstrativos, quer os grupos nominais introduzidos pelos

determinantes definidos, indefinidos e demonstrativos. Já ao ver da concepção strictu, é

particularizado o caso da anáfora associativa como a que apenas admite a presença do termo

anafórico do determinante definido.

Na “anáfora por associação”, o objeto da segunda aparição não é evocado, mas

somente implicado pela primeira aparição. È uma relação que não tem por base a relação de

correferência, mas sim de implicação (subentendido, implícito) entre os lexemas. Assim, a

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introdução de um termo lexical, que não trata de retoma, abarca a maior parte dos casos de

emprego de termos que relacionam a parte do todo. Caracteriza-se por aspectos particulares,

sejam eles de natureza léxico-semântica, seja de natureza conceitual (baseados em

conhecimento de mundo e em inferências).

Vejamos:

(10) Hoje pela manhã, na esquina da Av. Ipiranga com a Av. Silva Só, aconteceu

um grave acidente envolvendo um Fusca e um Gol. Os feridos foram

imediatamente encaminhados ao Hospital de Pronto-Socorro. (adaptado de

Menuzzi, 30 de abr 2011, p.18)

No exemplo (10), a descrição definida os feridos não apresenta nenhum antecedente,

porém está ancorada em um termo anterior (um grave acidente), que é reativado por essa

expressão definida. Essa relação não está fundamentada em correferência, mas sim de

referência, o que significa dizer que a descrição definida não retoma o termo antecedente,

apenas está relacionado com ele de alguma forma.

4.1.4 Anáfora por Nominalização

A anáfora por nominalização preenche funções que atribui novas categorias aos

segmentos do discurso precedente, condensando as informações num valor resumitivo ou

possibilitando uma mudança de categoria gramatical quando o antecedente é um predicado e o

termo anafórico é um nome deverbal. Segundo estudos feitos por M. Vilela, B. Combettes e

S. Moirand (apud Figueiredo, 2003, p. 240), o mecanismo de nominalização, “além de seu

caráter sintático e lexical, é um fenômeno relevante que contribui simultaneamente para fazer

lembrar ao ouvinte/leitor o essencial da informação, por meio da síntese de sintagmas, de

ligações de partes do texto e resumos de partes do discurso.”

Assim, a estrutura sintática da nominalização provém ou de um grupo de verbo –

nominalização deverbal, –ou de um grupo de adjetivos – nominalização deadjetival –,

correspondendo à redução de uma oração, o que permite, como no caso do aposto, uma

hierarquização das informações.

Vejamos:

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(11) Indignado com os escândalos políticos, o designer Chester Martins convidou

os usuários do Facebook a participar de um protesto nas ruas do Rio de Janeiro.

A iniciativa estimulou várias pessoas a organizarem outros protestos pela rede

social. (adaptado de Veja, 05 de out., p.97)

O nome a iniciativa, no exemplo acima, suscita que só o segmento convidou os

usuários do Facebook a participar de um protesto é suscetível de ser categorizado como o

antecedente do termo anafórico. Percebe-se que houve um “laço predicativo”, ou seja, na

aparência de uma simples retoma – que é um fator de coesão textual – a substituição anafórica

permite fazer o texto avançar numa nova direção, já que o termo anafórico a iniciativa

constrói um referente novo que ainda não foi mencionado anteriormente.

4.1.5 Anáfora por Pronominalização

A anáfora pronominal constitui o tipo mais comum de anáfora. Acontece quando um

pronome – pessoal ou demonstrativo – retoma um sintagma nominal. Os pronomes se

caracterizam pela sua capacidade de substituição e pela ausência de determinação semântica.

Por não serem dotados de referência virtual, constroem o seu valor referencial através da

referência virtual e atual do antecedente.

Entretanto, os pronomes podem ser correferenciais (conforme visto em capítulos

anteriores) se o processo anafórico se realizar por retoma do antecedente – ilustrado no

exemplo (1), assim como também não correferenciais, se o processo anafórico for baseado na

utilização de um pronome que atribua novas categorias aos segmentos do discurso precedente,

condensando-os (exemplo (4)).

Voltando aos exemplos (1) e (4):

(1) “Com 800 milhões de usuários em seu Facebook, o americano Mark

Zuckerberg (A) é o homem mais poderoso da internet. Há alguns dias ele (B)

mudou as regras da sua rede social.” (Veja, 05 de out. 2011, p. 90)

(4) “Será possível, por exemplo, assistir a filmes dos estúdios Dream Works,

Paramount e Universal, bastando para isso ter uma conta no Netfliz, site de vídeo

por demanda que acaba de chegar ao Brasil.” (Veja, 05 de out. 2011, p. 95)

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Neste, o valor sintético e resumido do pronome demonstrativo isso é evidente, devido

à “compactação” que causou com toda a informação anterior contida no antecedente. O termo

anafórico isso operou, no exemplo revisto, como uma espécie de termo que recapitulou e

abriu um desenvolvimento da questão apresentada.

Dessa forma, pode-se então afirmar que a anáfora por pronominalização funciona

como um constituinte de fechamento e de continuidade, sendo que essas duas operações são

feitas simultaneamente. No entanto, ao contrario da anáfora por nominalização, a

pronominalização não acrescenta qualquer conteúdo argumentativo, pois o pronome é isento

de determinação semântica.

Nota-se que há, também, ocorrências de pronomes pessoais de terceira pessoa

empregados como anáforas não correferenciais.

Veja o exemplo que se segue:

(12) Os noivos discutiam vigorosamente sobre os acertos para a cerimônia

religiosa. Observando-o à distância, percebia-se que ele discordava de tudo.

(adaptado de Marques, p.56)

Observa-se que o pronome pessoal o retoma o antecedente os noivos, instaurando,

assim, uma relação anafórica correferencial pronominal. No entanto, o pronome pessoal ele

refere-se a homem, embora esse não citado, mas baseado numa relação de dependência

interpretativa, pois, tradicionalmente, a relação noivos é formada por um homem e uma

mulher. Entra-se, então numa relação anafórica não correferencial pronominal, em que não há

uma mesma referência.

Recapitula-se que há uma relação anafórica não correferencial na medida em que o

termo anafórico e o antecedente não possuem a mesma referência virtual e o processo

anafórico se dá baseado numa relação de dependência interpretativa cuja relação se baseará

através de inferências. Acrescenta-se que também são necessários que estejam presentes no

contexto anterior elementos que sirvam de apoio para a interpretação do pronome.

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5 A anáfora no ensino da língua portuguesa

Conforme vimos, o uso de recursos coesivos contribui para que o texto possua uma

“boa relação” entre os novos termos semânticos que lhe são inseridos e assim interligados.

Dessa forma, ocorre uma continuidade temática de modo que a coerência textual não seja

prejudicada. Então, sob essa ótica, um texto, de alguma forma, necessita de um elo coesivo

para se articular. Como pudemos perceber, a anáfora faz, geralmente, o papel desse elo que

unifica e, ao mesmo tempo, garante a continuidade e progressão das idéias presentes no

âmbito textual.

O trabalho desenvolvido tem por base a convicção de que os estudos das relações

anafóricas são de suma importância para a organização textual dos alunos. O desenvolvimento

de competências na expressão escrita desses faz-se necessário, pois a incoerência e a falta de

coesão frequentemente apresentados demonstram a carência de estratégias e de suportes que

lidem com esses problemas tão recorrentes nas produções dos estudantes. Nota-se também

que quanto mais longo é um texto, mais a densidade anafórica pronominal e nominal será

importante para interligar os termos, dado esse que o estudante, em sua maioria, não

compartilha.

Sendo assim, ressalta-se também a importância do bom uso dos termos anafóricos para

evitar palavras repetitivas, assim como frases de difíceis interpretações e ocorrências de

ambiguidades semânticas e lexicais. Convém então salientar que este trabalho buscou trazer a

sua contribuição para o ensino de língua numa perspectiva textual, reunindo questões teóricas

que serviram de base para a sua fundamentação.

Foi extraída de uma revista de grande circulação nacional a maioria dos exemplos

utilizados, primeiramente, por ela servir como um ótimo material de apoio e de trabalho com

textos em sala de aula; segundo, por ser um veículo que ilustra os mais diversos assuntos

pertinentes no âmbito social e cultural; terceiro, por ser um periódico de fácil aquisição pelas

escolas ou por qualquer estudante.

Acredita-se que o educador deva colaborar na produção escrita, através de atividades

de leitura, escritura e reescritura, buscando tanto o nível da argumentação, como também o

nível da linguagem dos seus alunos. Tendo em vista que o texto é fundamental no ensino-

aprendizagem de uma língua, a anáfora constitui um recurso importante no desenvolvimento

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de competências para a expressão escrita do aluno, tornando-o apto a compreender e explorar

o modo como os elementos linguísticos se interligam para uma construção apropriada,

tornando, por fim, suas produções mais coerentes e coesivas.

Considerações Finais

O objetivo geral deste estudo foi o de reconhecer e comprovar de fato a importância

do emprego adequado da anáfora para a constituição de um texto coerente e bem articulado.

Tendo em vista que a anáfora é um recurso coesivo referencial que permite estabelecer

conexões significativas as quais proporcionam ao texto uma sequencialização lógica e

coerente, este trabalho foi desenvolvido a partir de estudos teóricos adequados sobre o

assunto.

Convém lembrar que o texto é uma unidade linguística de sentido e de forma, falada

ou escrita, dotada de textualidade, sendo essa de um conjunto de propriedades que lhe

conferem a condição de ser compreendido como sendo de fato um texto. A anáfora,

constituinte da coesão referencial, é um fator decisivo para o bom e eficaz entendimento de

uma produção textual, visando a um compartilhamento de interações necessárias entre o

locutor e o interlocutor.

Sendo assim, a intenção da pesquisa constituiu-se como uma tentativa de auxilio no

processo de análise dos mecanismos de usos anafóricos. Dessa maneira, ao concluí-la,

acredita-se que possa contribuir de alguma forma, para a compreensão ao processo de

produção textual, assim como servir de suporte a sua elaboração adequada.

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Referências

FÁVERO, Leonor Lopes. Coesão e coerência textuais. 11 ed. São Paulo: Ática, 2010.

FÁVERO, Leonor Lopes; KOCH, Ingedore. Linguística textual: introdução. São Paulo:

Cortez, 1983.

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tecnologia. Distribuição Dinalivro, 2003.

KOCH, Ingedore Villaça. A coesão textual. (Repensando a língua portuguesa). 7. ed. São

Paulo: Contexto, 1994.

KOCH, Ingedore Villaça; TRAVAGLIA, Luiz Carlos. A coerência textual. (Repensando a

língua portuguesa). São Paulo: Contexto, 1990.

MARQUES, Isilda Gaspar. Anáfora Associativa – propostas de abordagem em contexto

escolar. Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 2009. (dissertação de mestrado em

Linguística e Ensino, área de especialização em Linguística Aplicada). Disponível em:

<http://www.uc.pt/uid/celga/recursosonline/dissertacoes/dissertacoesdemestrado/isildagaisilda

gaspa>. Acesso em: 12 out. 2011.

MARTELOTTA, Mário Eduardo, (org.). Manual de Linguística. São Paulo: Contexto, 2009.

MENUZZI, Sérgio. Sintaxe da Língua portuguesa – uma perspectiva funcional: O uso de

pronomes, substantivos e outras expressões nominais. Instituto de Letras. UFRGS, 2011.

(material de aula do curso de especialização Gramática e Ensino da Língua Portuguesa, 5ª

edição)

PRESTES, Maria Luci de Mesquita. Leitura e (Re) escritura de textos: subsídios teóricos e

práticos para o seu ensino. 3. ed. Catanduva, SP: Editora Rêspel, 2011.

Revista Veja. Edição 2237. Ano 44. n. 40. São Paulo, 05 out. 2011.