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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS Instituto de Economia
REESTRUTURAÇÃO DO SISTEMA LÁCTEO MUNDIAL:
UMA ANÁLISE DA INSERÇÃO BRASILEIRA
Vera Regina Ferreira Carvalho
Tese de Doutoramento apresentada ao Instituto de Economia da UNICAMP para obtenção do título de Doutor em Ciências Econômicas – área de concentração: Teoria Econômica, sob a orientação do Prof. Dr. Célio Hiratuka.
Este exemplar corresponde ao original da
tese defendida por Vera Regina Ferreira
Carvalho em 25/07/2008 e orientada pelo
Prof. Dr. Célio Hiratuka.
CPG, 25 / 07 / 2008
____________________________
Campinas, 2008
ii
iii
v
A minha família, pelo amor, paciência e compreensão, que tornou esse trabalho possível
vii
[obrigado por todos os olhares]
o seu olhar
O seu olhar lá fora, O seu olhar no céu, O seu olhar demora, O seu olhar no meu,
O seu olhar, seu olhar melhora Melhora o meu.
Onde a brasa mora e devora o breu
Como a chuva molha o que se escondeu. O seu olhar, seu olhar melhora, melhora o meu.
O seu olhar agora, o seu olhar nasceu, o seu olhar me olha, o seu olhar é
seu. O seu olhar, seu olhar melhora, melhora o meu...
(Paulo Tatit e Arnaldo Antunes)
ix
Agradecimentos
Nada se constrói sozinho, ainda mais quando essa construção se estende
por muito tempo. Assim, agradeço a todos àqueles que de uma maneira ou de
outra, na maioria das vezes até sem saberem, ajudaram para que esse trabalho
chegasse ao fim. Aqueles que incentivaram, que me ajudaram a não desistir de
vez, quando tudo parecia tão difícil.
Agradeço primeiramente a minha filha, a Ana Carvalho Herrlein, por me
lembrar todos os dias, por meio de um sorriso, de um resmungo, de um abraço, a
alegria que é viver. Quando tudo ficava muito difícil era no seu olhar que eu
encontrava forças para continuar.
Ao amigo e companheiro Ronaldo Herrlein Jr, sem sua entrada na minha
vida, provavelmente essa tese não existiria. A Vera também seria outra. Faltam
palavras para agradecer a esse companheiro que me deu asas para voar e ainda
ficou cuidando da sogra e da avó emprestada, entre outras tantas coisas.
Obrigado sobretudo pelos momentos difíceis em que esteve ao meu lado.
Agradeço também pelo pai tão dedicado que é para a Ana, dedicação essa que
me deixou livre, em vários momentos, para que eu pudesse me dedicar a esse
trabalho. Uma presença fundamental, não só nessa tese, mas na vida que
construí para mim.
Simone Silva de Deos, qualquer escrito sobre essa amiga é pouco pra
representar a importância dela na minha trajetória. Obrigada pelas incontáveis
acolhidas em São Paulo, aqui estendo também meus agradecimentos ao Eduardo
e a querida Tereza. Quando Campinas ficava distante demais dos pampas era na
sua casa que eu encontrava aconchego. Mas sobretudo meu obrigada é por ter
me ajudado no momento mais difícil, quando pressenti a possibilidade de fraquejar
e sua mão me ajudou a sair do poço em que me encontrava. Minha eterna
gratidão.
Ao meu derradeiro orientador Célio Hiratuka, que aceitou orientar alguém
em pleno processo depressivo. Agradeço a sua disponibilidade, sua franqueza em
x
nossas conversas, sua seriedade. Pela compreensão e dedicação, meu
muitíssimo obrigado. Também sou imensamente grata ao professor Luciano
Coutinho, pelo apoio, pelas conversas sobre o tema e sobretudo por acreditar
nesse trabalho.
Lembranças deixam laços para sempre. Quando nos deparamos com um
trabalho dessa natureza, muitos problemas aparecem, sem os amigos, sem os
amores, essa superação teria sido ainda mais difícil. Com um trabalho de longa
duração corremos o risco de perder alguns pelo caminho. Alguns amigos que nem
estavam mais por aqui, mas que suas presenças pretéritas ajudaram a ir em
frente. Jura, sempre a Juracy, o Tio Marcello, e o colega e amigo Dinizar Becker,
obrigado por terem feito parte da minha vida.
Um agradecimento especial ao apoio da minha mãe, sua postura perante
a vida ajudou-me, e muito, a não desistir de tudo em muitos momentos. Meu
muito obrigado ao apoio logístico das avós da Ana, nos inumeráveis finais-de-
semana que se ocupavam da pitoca para que eu pudesse avançar mais um pouco
no trabalho.
No Instituto de Economia passei momentos memoráveis, grandes aulas,
grandes conversas. Através do professor Mariano Laplane agradeço a todos os
professores que me abriram ainda mais os olhos e que brindaram, a mim e a
meus colegas, com aulas memoráveis. Agradeço através da Cida e do Alberto a
todos os funcionários que tornam o Instituto uma referência na vida da gente.
Agradeço também a Gisele, um anjo presente nesses últimos tempos, e a
Malu, que me apresentou essa amiga e tudo o mais que ela representou na minha
construção.
Obrigado também aos meus alunos, pelos diálogos possíveis, pelas
omissões de alguns momentos, pelo apoio e sobretudo pela última turma de
economia remanescente da UNIVATES que indiretamente me ajudaram a não
desistir de tudo nos momentos em que Lajeado ficava pesado demais. Também
agradeço as instituições que me financiaram, a CAPES e a UNIVATES.
xi
Enfim, agradeço a todos, que direta ou indiretamente, tornaram essa
caminhada possível. Por razões de tempo, e também para não cometer injustiças,
não foi possível nomear cada um deles, mas finalizo agradecendo a todos aqueles
que me apoiaram e que compreenderam que diante de situações imprevistas as
respostas, entre elas as emocionais, nem sempre são iguais.
xiii
Índice
Introdução...................................................................................................................1 1. A produção de lácteos em escala global: aspectos cruciais e o contexto
dos blocos regionais ............................................................................................5
1.1 Panorama geral ...................................................................................................6
1.2 Aspectos da cadeia produtiva na Europa ..........................................................25
1.3 Aspectos da cadeia produtiva nos Estados Unidos da América .....................27
1.4 Aspectos da cadeia produtiva na Oceania.........................................................33
2. Indústria láctea mundial: uma análise dos principais atores.............................37
2.1 Nestlé.....................................................................................................................38
2.2 Lactalis ..................................................................................................................47
2.3 Danone ..................................................................................................................50
2.4 Dean Foods Company..........................................................................................53
2.5 Arla Foods.............................................................................................................57
2.6 Cooperativa Fonterra ...........................................................................................61
2.7 Dairy Farmers of America (DFA) .........................................................................64
2.8 Kraft Foods ...........................................................................................................67
2.9. Algumas considerações preliminares...............................................................70
3. Setor lácteo brasileiro: transformações e permanências na nova ordem econômica mundial ..............................................................................................77
3.1 Panorama produtivo primário da cadeia láctea brasileira................................79
3.2. Indústria processadora brasileira: um destaque para as mudanças
patrimoniais e a mudança de paradigma produtivo................................................84
3.3 Mudanças na perspectiva do comércio varejista e do mercado
consumidor.................................................................................................................97
3.4 Balança comercial láctea brasileira....................................................................101
3.5 Outras considerações preliminares ...................................................................103
4. Indústria láctea brasileira: uma análise dos principais atores...........................105
xiv
4.1 Dairy Partner Américas (DPA) & Nestlé..............................................................107
4.2 Perdigão...............................................................................................................116
4.3 Itambé....................................................................................................................121
4.4 Parmalat ................................................................................................................125
4.5 Danone ..................................................................................................................129
4.6 Considerações preliminares ...............................................................................132
Conclusão...................................................................................................................135 Referências.................................................................................................................143
xv
Índice de figuras
Figura 01 – Desenho geral das inter-relações na cadeia produtiva láctea ...........8 Figura 02 – Distribuição da produção de leite, segundo classificação sócio-
econômica dos países..........................................................................9 Figura 03 – Comércio internacional de lácteos, em 2000 .......................................23
xvii
Índice de gráficos
Gráfico 01 – Distribuição da produção mundial de leite por continente – 2005 ...11 Gráfico 02 - Projeção da produção de leite no mundo, segundo países-
membros e não-membros da OCDE....................................................16 Gráfico 03 – Exportações de lácteos em 2005, segundo países de origem..........20 Gráfico 04 – Principais exportadores mundiais de derivados lácteos ..................21 Gráfico 05 – Importações de lácteos, em 2004-06 e previsão para 2016...............22 Gráfico 06 – Distribuição das vendas mundiais da Nestlé, por grupo de
produtos, em 2006 ................................................................................42 Gráfico 07 – Distribuição das vendas mundiais da Nestlé, por região
produtora, em 2006...............................................................................43 Gráfico 08 – Distribuição da vendas mundiais da Danone, por grupo de
produto, em 2006 ..................................................................................51 Gráfico 09 – Distribuição das vendas mundiais de lácteos da Danone, por
região, em 2006 .....................................................................................52 Gráfico 10 – Distribuição da vendas mundiais da Arla, por grupo de produto,
em 2006..................................................................................................58 Gráfico 11 – Distribuição das vendas mundiais de lácteos da Arla Foods, por
região, em 2006 .....................................................................................59 Gráfico 12 – Distribuição do faturamento do grupo Fonterra, por região, no
ano de 2006 ...........................................................................................63 Gráfico 13 – Distribuição da vendas mundiais da DFA, por grupo de produto,
em 2006..................................................................................................66 Gráfico 14 – Distribuição da vendas mundiais da Kraft, por grupo de produto,
em 2006..................................................................................................68 Gráfico 15 – Distribuição das vendas mundiais da Kraft, por segmento de
negócio, em 2006 ..................................................................................69 Gráfico 16 - Distribuição regional da produção de leite no Brasil no ano de
2006........................................................................................................80 Gráfico 17 - Produtividade de leite do rebanho bovino no Brasil, no período
1980-2007 (litros/vaca/ano) ..................................................................81 Gráfico 18 - Evolução da produção de leite e rebanho ordenhado no Brasil -
1980/2007 (milhões litros e mil cabeças) ............................................82 Gráfico 19 - Curva de concentração para as dez maiores empresas em
captação de leite no Brasil - 2007........................................................88 Gráfico 20 – Destino do leite inspecionado no Brasil segundo produto final –
2002........................................................................................................90 Gráfico 21 – Operações de fusões e aquisições envolvendo empresas
industriais pertencentes à cadeia produtiva láctea no Brasil por ano e por tipo de operação – período 1986/2008 ..............................92
Gráfico 22 – Mercado total de leite fluído – leite longa vida X outros leites fluídos Brasil 1991/2005 .......................................................................98
Gráfico 23 – Saldo da balança comercial brasileira de lácteos de 2000-2007 em milhões de US$ ...............................................................................101
xviii
Gráfico 24 – Composição da pauta de lácteos exportados pelo Brasil, em 2007........................................................................................................102
xix
Índice de quadros
Quadro 01 – Custos de produção mundial de leite (US$/litro) ...............................13 Quadro 02 – Operações de fusões e aquisições realizadas pela Nestlé, no
período 1985-2006.................................................................................41 Quadro 03 – Operações de fusões e aquisições realizadas pela Lactalis, no
período 1985-2006.................................................................................48 Quadro 04 – Operações de fusões e aquisições realizadas pela Dean Food, ......56 Quadro 05 – Operações realizadas pela Arla Food no período 1985-2006............60 Quadro 06 - Fusões e aquisições realizadas pela Parmalat no período 1989-
2002........................................................................................................93 Quadro 07 – Investimentos anunciados no Brasil a partir de 2005 para o
segmento lácteo....................................................................................95 Quadro 08 - Operações de fusões e aquisições realizadas pelo grupo Nestlé
no Brasil durante período 1989/2008 ..................................................112 Quadro 09 - Vendas de operações realizadas pelo grupo Nestlé no Brasil no
período 1989/2006.................................................................................113 Quadro 10 - Fusões e aquisições realizadas pela Perdigão no período 2005-
2008........................................................................................................117 Quadro 11 – Unidades produtoras da Parmalat em 2007 e seus respectivos
produtos ................................................................................................126 Quadro 12 – Operações realizadas pela Danone no período 1989-2002 ...............130 Quadro 13 – Vendas de ativos realizadas pela Danone no período 1989-2002 ...131
xxi
Índice de tabelas
Tabela 01 – Distribuição da produção mundial de leite, segundo as espécies animais (em %)......................................................................................9
Tabela 02 – Produção de leite nos principais países produtores mundiais e suas participações na produção mundial, 1990 e 2005 (em mil ton) .........................................................................................................10
Tabela 03 – Produtividade em países selecionados (litros/vaca/dia) ....................12 Tabela 04 – Principais empresas de lácteos no mundo, ranqueamento
segundo o valor das vendas (somente lácteos) no ano de 2006 (em bilhões de €)...................................................................................38
Tabela 06 – Recepção de leite por parte das maiores empresasde laticínios instaladas no Brasil – 1996 – 2007 (milhões de litros) ......................96
xxiii
Índice de anexos
ANEXOS 151 Anexo A1 - Evolução da produção de leite mundial em 1.000 toneladas(1990-
2005) ....................................................................................................151 Anexo A2 – Mudança no consumo mundial per capta de leite e produtos
lácteos (kg/hab/ano)...........................................................................151 Anexo A3 - Mudanças nos padrões de consumo de alimentos conforme
evolução da renda..............................................................................152 Anexo A4 – Tendências no consumo de alimentos mundial .................................153 Anexo A5 – Produção de leite de vaca em 2005......................................................153 Anexo A6 – Produção de leite em pó nos maiores países produtores
europeus em 1.000 toneladas, no período 1995-2005.....................154 ANEXO A7 – Marcas utilizadas nos produtos de origem láctea da Nestlé ...........155 ANEXO A8– Marcas propriedade da Lactalis...........................................................156 ANEXO A9 – Marcas utilizadas pela Danone ...........................................................157 Anexo A10 – Marcas utilizadas pela Dean Foods nos produtos lácteos ..............158 ANEXO A11 - Marcas utilizadas pela Fonterra.........................................................159 ANEXO A12 - 159 ANEXO A13 – Desenho clássico da cadeia produtiva láctea .................................160 ANEXO A14 - Cadeia Produtiva do Leite – Quantificação Brasil ...........................161 ANEXO A15 - Operações de fusões e aquisições envolvendo a indústria de
laticínios brasileira no período 1985-2008 ......................................163 ANEXO A16 - Distribuição das vendas da Perdigão, por grupo de produto,
em 2006 ...............................................................................................171 Anexo A17 – Marcas exploradas pela LAEP no Brasil............................................171
xxv
Resumo
Essa tese tem como objetivo analisar a inserção brasileira na
reestruturação do sistema lácteo global a partir das mudanças produtivas do final
do século XX. Diversas evidências apontam para uma redistribuição da produção
mundial de leite, a matéria-prima básica. Além disso, tem ocorrido um aumento do
consumo mundial per capita de lácteos e derivados e também um aumento no
número dos consumidores, expandindo-se por duas vias a demanda mundial. Na
medida que a produção de lácteos alcançou um nível técnico de produtos e
processos que permitiu superar a estreiteza territorial dos vínculos entre o
mercado consumidor e uma base produtora local da matéria-prima, novas
possibilidades estão colocadas. O mapa global da produção se altera e os
interesses das grandes empresas nas regiões onde é possível expandir a
produção condiciona novas estratégias de atuação. As transformações setoriais
que encaminham a formação de uma nova cadeia produtiva global são o objeto de
investigação do presente trabalho. Segundo este, a produção realizada no Brasil
tende a estar inserida em uma cadeia mais integrada globalmente e, portanto,
conforme uma nova divisão internacional do trabalho.
Palavras-chaves: leite; cadeia produtiva láctea – Brasil; cadeia produtiva
láctea – mundo; economia de empresas;
xxvii
Abstract
This thesis aims to analyze the Brazilian insertion in the restructuring of the
global dairy production changes from the end of the XX century. Various evidences
point to a redistribution of world production of milk, the raw material base.
Moreover, there has been an increase in world per capita consumption of milk and
derivatives and also an increase in the number of consumers, is expanding in two
ways world demand. To the extent that the production of milk reached a level of
technical products and processes that allow overcome the narrow territorial ties
between the consumer market and a local production base of raw materials, new
possibilities are raised. The global map of production changes and the interests of
large companies in regions where it is possible to expand the production determine
new strategies of action. The processing sectors that forward the formation of a
new global production chain are the subject of this research work. According to
this, the production in Brazil tends to be inserted into a chain more integrated
globally and, therefore, as a new international division of labor.
Key words: milk, milk production chain - Brazil; milk production chain - world;
1
Introdução
A partir de 1988, quando da eliminação de controles quantitativos e
administrativos sobre as importações, a economia brasileira iniciou um processo
de liberalização, que se intensificou em 1990 com a abertura comercial,
integrando-se de forma mais efetiva à economia mundial. Dentro dessa lógica de
maior integração à economia global, a indústria de alimentos brasileira passou por
um processo de concentração e de desnacionalização após a abertura econômica.
As transformações experimentadas pela economia brasileira – resultantes,
sobretudo, da intensificação dos fluxos de capitais estrangeiros – estabeleceram
também novas formas de atuação dos agentes integrantes do complexo
agroindustrial de laticínios e deflagraram uma intensa mudança patrimonial na
estrutura da indústria processadora, desencadeada inicialmente pelo capital
externo. Parte significativa das mudanças patrimoniais verificadas se relacionava
diretamente com a estratégia de crescimento das principais empresas.
Assim, a estrutura produtiva brasileira transformou-se intensamente no
final do século XX, reflexo em parte das mudanças mais amplas verificadas em
escala global, em parte das especificidades da economia nacional. Tais
transformações da estrutura produtiva nacional romperam seu relativo isolamento,
inserindo-a dentro de uma lógica que passa a sofrer influência, de maneira cada
vez mais evidente, de mudanças ocorridas no cenário internacional, ainda que a
produção ainda seja fortemente orientada para o mercado interno. De uma
maneira ou de outra, todos os segmentos industriais foram afetados por essas
transformações. No entanto, no caso da indústria láctea, objeto do presente
estudo, algumas mudanças recentes no cenário mundial do setor têm acelerado
esse processo.
Diversas evidências apontam para uma redistribuição da produção
mundial de leite, a matéria-prima básica. Além disso, tem ocorrido um aumento do
consumo mundial per capita de lácteos e derivados e também um aumento no
número dos consumidores, expandindo-se por duas vias a demanda mundial.
Atualmente existe um consenso entre os analistas de que a produção de leite é
2
inferior a demanda mundial. A composição das fontes de matéria-prima vem se
alterando, com o crescimento da oferta de outros tipos de leite, mas a produção de
leite de vaca continua a ser a principal fonte de matéria-prima para essa indústria.
Na medida que a produção de lácteos alcançou um nível técnico de produtos e
processos que permitiu superar a estreiteza territorial dos vínculos entre o
mercado consumidor e uma base produtora local da matéria-prima, novas
possibilidades estão colocadas. As transformações setoriais que encaminham a
formação de uma nova cadeia produtiva global respondem às condições de: (i) um
mercado consumidor em ampliação, principalmente em países emergentes, e (ii)
possibilidades de aumento da produção somente em algumas regiões (incluindo-
se o Brasil). Isso por um lado redimensiona o potencial de acumulação de capital
pelas empresas que atuam na indústria em nível mundial. Por outro, o mapa
global da produção se altera e os interesses das grandes empresas nessas
regiões onde é possível expandir a produção condiciona novas estratégias de
atuação.
Segundo as hipóteses deste trabalho, o setor está passando por uma
nova fase, em que a produção realizada no país tende a estar inserida em uma
cadeia mais integrada globalmente e, portanto, conforme a uma nova divisão
internacional do trabalho.
Assume-se aqui o papel central da grande empresa na articulação da
cadeia produtiva e admite-se que o dinamismo dessa cadeia está amplamente
determinado pelas suas ações. A hipótese enunciada desdobra-se nas seguintes
hipóteses secundárias – (i) está ampliando-se o espaço ocupado pelo capital
nacional na divisão de tarefas em nível mundial, mas, ainda assim, (ii) os agentes
econômicos de capital nacional brasileiro assumem um papel subordinado e
conseqüentemente com menores graus de liberdade.
Isso significa que a produção nacional sob controle da grande empresa
deve crescentemente inserir-se em uma lógica global de organização da
produção, independentemente da destinação de sua produção final. Portanto, um
entendimento correto dessa cadeia requer um enfoque diferenciado do geralmente
3
adotado. Nesse sentido, essa tese investiga a cadeia produtiva láctea no Brasil do
ponto de vista da configuração da cadeia em termos mundiais e da atuação das
empresas enquanto players globais.
O presente estudo, portanto, compreende a economia capitalista
contemporânea segundo a tradição dos grandes autores que apontaram a
tendência inerente da acumulação capitalista em promover um revolucionamento
contínuo de suas bases técnicas, promovendo a concentração e a centralização
dos capitais. Nesse sentido, a grande empresa capitalista moderna –
compreendida como “grupo financeiro com predominância industrial” (Chesnais,
1995) e unidade de valorização de capital – destaca-se como principal agente das
transformações que periodicamente destroem as próprias estruturas estabelecidas
de produção, distribuição, circulação e consumo.
O presente trabalho está estruturado em seis partes: esta introdução mais
quatro capítulos e uma conclusão. Tendo presente a importância do contexto
global para compreensão das estratégias e desempenhos empresariais, no
Capítulo 1 é são descritos e analisados diversos aspectos relevantes das cadeias
produtivas estruturadas em três blocos econômicos ou macro-regiões (Europa,
EUA e Oceania), com destaque para o comércio internacional de produtos lácteos.
No Capítulo 2, o foco da investigação está nas empresas, os agentes que
assumem propriamente uma perspectiva global na cadeia em conformação, sendo
as principais responsáveis pela coordenação setorial estabelecida nos diversos
territórios. São analisadas oito empresas (com maior faturamento em 2006,
conforme Rabobank Internacional, 2007) que se constituem nos principais atores
globais dos blocos que se destacam na produção e comércio mundial de lácteos.
No presente trabalho, o foco das análises está nas estratégias e no desempenhos
revelados das grandes empresas, assumindo-se que sua consideração como
unidade básica de análise permite explicar em larga medida a transformação das
estruturas de produção e comércio.
No Capítulo 3 é analisada a dinâmica da cadeia produtiva do leite no
Brasil, dando destaque para as mudanças ocorridas nos distintos elos
4
constitutivos desta cadeia, após as transformações mais recentes. Ainda que o
foco de nossa tese seja a indústria láctea, um entendimento mais adequado do
setor só é possível a partir de uma análise no âmbito da cadeia produtiva.
A trajetória das grandes empresas no Brasil é investigada do Capítulo 4.
Para tanto, são apresentadas de forma analítica as histórias contemporâneas das
empresas mais significativas no território brasileiro. Busca-se, assim, um
entendimento sobre os fatores desencadeadores e/ou intensificadores do
processo de transformação que afetou a indústria láctea brasileira. A
compreensão de como esses capitais nacionais se inserem na cadeia produtiva
global em conformação e sobre o papel desempenhado por eles, vale dizer, a
forma ativa ou passiva dessa inserção, é o propósito último desse capítulo.
Finalmente, na conclusão, são apresentados os resultados do estudo e a
interpretação dos movimentos da indústria láctea mundial e da inserção dos
agentes nacionais. Esses resultados servem então de base para sugestões de
políticas setoriais para a cadeia láctea no Brasil, visando uma inserção positiva da
indústria brasileira na constituição da cadeia láctea global. Pretende-se, com esse
trabalho, fornecer subsídios aos formuladores de políticas públicas e privadas,
para a tomada de decisões e para o estabelecimento suas linhas de atuação
quanto as principais transformações e tendências da cadeia produtiva do leite.
Qualquer decisão, corporativa ou de governo, necessita de uma visão sistêmica
que apóie as tomadas de decisão. Esse trabalho pretende contribuir para que se
alcance tal visão sistêmica na compreensão da cadeia produtiva láctea e nas
estratégias privadas e políticas públicas que afetam seus diferentes elos
constitutivos.
5
1. A produção de lácteos em escala global:
aspectos cruciais e o contexto dos blocos regionais
Em vista da mundialização do capital e das conseqüências advindas
desse processo, com destaque para a intensificação da concorrência, as cadeias
produtivas passam a operar numa dimensão mais global, na qual os blocos
regionais desempenham papéis distintos e hierarquizados. O entendimento da
lógica imperante na cadeia láctea inicia-se pela abordagem de uma importante
mudança institucional que desencadeia o processo de conformação de uma
cadeia global no setor de lácteos. A instituição do sistema de cotas produtivas
para os países integrantes da Comunidade Européia, na década de 1980, afetou
em graus diferenciados os países produtores e provocou uma mudança de
estratégias por parte das empresas atingidas.
A Política Agrícola Comum (PAC) da União Européia constituiu-se num
mecanismo de coordenação internacional para a cadeia produtiva láctea mundial
quando, em 1982, estabeleceu o sistema de cotas de produção para os seus
países membros.1 Esse sistema acabou por impactar a produção em todas as
regiões produtoras e resultou num regime de contenção da produção na Europa.
Assim, a expansão das empresas européias passou a ser circunstanciada pela
PAC. Portanto, desde a sua instituição, em 1984, as estratégias empresariais de
crescimento e as ações das grandes empresas produtoras de leite e derivados
levaram a um novo arranjo produtivo, com um aumento gradativo da lógica global
dentro de suas decisões de expansão.
No presente capítulo, faz-se inicialmente um resgate dessa mudança
institucional e de outros aspectos relativos à produção da matéria-prima, ao
consumo de lácteos e ao comércio internacional. Posteriormente, são
apresentados os contextos regionais dos principais blocos a partir dos quais se
organiza a cadeia láctea global. O argumento é que as grandes empresas têm
1 Os países membros, quando da constituição do sistema de cotas eram Alemanha, Bélgica, França, Itália, Luxemburgo, Países Baixos, Dinamarca, Irlanda, Reino Unido e Grécia. Efetivamente esse sistema foi colocado em prática em 1984.
6
estabelecido estratégias e organizado sua atuação com vistas às condições do
mercado em escala cada vez mais global e, embora integrem suas atividades
além das fronteiras nacionais, as mesmas estão seletivamente distribuídas, de
sorte que permanecem centralizadas as atividades de pesquisa e
desenvolvimento e, portanto, a concepção de novos processos e produtos, bem
como os conceitos de marketing relacionados.
1.1 Panorama geral
A cadeia produtiva láctea guarda traços análogos com os movimentos
apresentados por diversas outras cadeias produtivas. Porém, as especificidades
do leite – inclusive o grande volume de água presente na matéria-prima principal e
a existência de subsídios à produção – conduzem a formas específicas de
relacionamento entre produtores e processadores nas diferentes regiões.2 A
produção primária, ainda que tenha um papel economicamente subordinado,
nesse caso é fundamental, pois as diferenças nos seus rendimentos físicos e
custos de produção podem ser o diferencial para inclusão de regiões produtivas
nas operações de uma produção em escala global. Devido às características
próprias do leite fluido, o primeiro tipo de processamento deve ser realizado
próximo da base produtora. A produção da matéria-prima leite está disseminada
em todo o território mundial e as formas de produção são muito díspares,
apresentando realidades muito distintas quanto a produtividade e custos. Essa
disseminação da produção relaciona-se com a importância nutritiva do leite, mas
também com o fato de ser um dos poucos produtos agropecuários que propicia
uma renda mensal ao produtor.
2 A especificidade da matéria-prima e das formas de relacionamento entre os elos da cadeia produtiva láctea implicam também um maior grau de especificidade dos ativos produtivos, pois o grau de especificidade do ativo relaciona-se com o grau de especialização de determinada transação (Williamson, 1989). Ativos com maior grau de especificidade requerem arranjos produtivos do mercado e da firma, que assegurem maior estabilidade das condições de uso desses ativos.
7
Tanto a produção de leite quanto a indústria processadora integram a
cadeia produtiva láctea.3 Uma cadeia produtiva representa um modo específico de
organização das atividades econômicas, compostas por diferentes etapas,
concatenadas e relativamente interdependentes, a partir de uma lógica cujo
elemento principal é de hierarquia e comando (Furtado, 2003:7). A cadeia como
um todo consiste numa rede de trabalho e de processo produtivo, incluindo os
sistemas produtivos, os fornecedores de insumos e serviços, as indústrias de
processamento e de transformação, os agentes de distribuição e de
comercialização e consumidores finais (Figura 01), não apenas dentro de um
contexto nacional, mas sim internacional. Conforme essa abordagem é
necessário operar um corte vertical no sistema econômico e também considerar
os fluxos entre os agentes integrantes, assim como as relações de causalidade
entre esses e suas influências sobre os demais elos.
3 O conceito de cadeia produtiva utilizado é derivado de Gereffi (2001) que é uma rede de trabalho e de processo produtivo cujo resultado é uma mercadoria final. De acordo com essa concepção, um melhor entendimento das cadeias produtivas pressupõe, além das investigações de desempenho e características econômicas, um estudo sobre o padrão e a natureza das relações dentro de cada elo e também entre os elos. Dentro da literatura econômica, diversos conceitos congêneres são utilizados para a designação de cadeia produtiva, tendo como pontos comuns a constituição do mesmo a partir do produto final e privilegiando as relações que se estabelecem entre e dentro dos elos constitutivos de cada cadeia.
8
Figura 01 – Desenho geral das inter-relações na cadeia produtiva láctea
Fonte: Relatório Perdigão (2006).
Uma compreensão da dinâmica das cadeias produtivas, sobretudo
naquelas em que a matéria-prima básica é um produto agropecuário, deve
principiar pelas questões relativas à produção primária. No caso do leite, em
decorrência das especificidades e também da importância deste insumo
agropecuário, a abordagem o setor primário deve considerar as condições
diferenciadas dos marcos regulatórios, dos custos, da produtividade, do ambiente
natural, etc.
Desde 1990 até 2005, a produção mundial expandiu-se em 22,8% (cerca
de 1,4% a.a.). No mesmo período, a produção dos países em desenvolvimento
cresceu 72,2%, alterando, significativamente e num breve período, a distribuição
mundial da produção (Figura 02).
9
Figura 02 – Distribuição da produção de leite, segundo classificação sócio-econômica dos países
1990
66%
34%
países desenvolvidos países em desenvolvimento
2005
53%47%
Fonte dos dados brutos: FAOSTAT (2007)
Os dados apresentados dizem respeito à produção de diversos tipos de
leite, englobando leites de vaca, de cabra e de búfala. Com o aumento do
consumo de leite nos países asiáticos ampliou-se também a matriz produtiva
láctea, incluindo outras fontes tradicionais, além do leite de vaca. Nos países
desenvolvidos, 99% do leite produzido é de vaca, enquanto nos países em
desenvolvimento 33% do leite provêm de outros animais (búfalo, ovelhas, cabra e
camelo). Atualmente, com referência à produção mundial, 84% do leite total é de
vaca (Tabela 01).
Tabela 01 – Distribuição da produção mundial de leite, segundo as espécies animais (em %)
Espécie 1970 1980 1990 2000 2005
Vaca 91,71 90,71 88,32 84,75 84,20Búfala 5,00 5,91 8,12 11,63 12,25Cabra 1,65 1,66 1,84 2,01 1,98Ovelha 1,40 1,46 1,47 1,39 1,36Camelo 0,24 0,26 0,25 0,22 0,21
Total 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 Fonte: FAO apud Marcondes (2007)
10
No ano de 2005, os principais produtores mundiais foram Índia, EUA e
Rússia (Tabela 02). A produção brasileira ocupou a oitava posição no
ranqueamento mundial.4 Nos últimos anos está ocorrendo uma mudança dentre
os principais países produtores, sendo que China, Índia, Paquistão, Brasil, Nova
Zelândia e México apresentaram taxas de crescimento acima da média,
aumentando assim a sua participação na produção mundial.
Tabela 02 – Produção de leite nos principais países produtores mundiais e suas participações na produção mundial, 1990 e 2005
(em mil ton)
Fonte dos dados brutos: FAOSTAT(2007)
As regiões que intensificaram a sua produção de leite também são
aquelas onde se verifica um maior aumento de consumo de produtos lácteos, tais
4 Caso se considere apenas a produção de leite de vaca a posição ocupada pelo Brasil é a sétima (Anexo A5).
Produção % Produção %
1990 1990 2005 2005
Índia 53.678 10% 95.619 15%
EUA 67.005 ---
13% 80.264 13%
Federação Russa --- 31.144 5%
Paquistão 14.723 3% 29.672 5%
China 7.037 1% 29.403 5%
Alemanha 31.342 6% 28.488 4%
França 26.807 5% 26.133 4%
Brasil 15.076 3% 25.468 4%
Nova Zelândia 7.509 1% 14.498 2%
Itália 11.956 2% 11.831 2%
Holanda 11.226 2% 10.532 2%
México 6.456 1% 10.338 2%
outros países 268.771 52% 246.956 39%
Mundo 521.586 100%
640.346 100%
País
11
como Ásia e América Latina. Conforme será considerado adiante, nessas regiões
o aumento do consumo está associado à intensificação da urbanização e a um
incremento da renda. E também é nessas regiões que se faz possível um
incremento produtivo futuro (Gráfico 02, adiante).
Conforme se pode presumir pelos dados da Tabela 02, a produção de leite
encontra-se dispersa geograficamente (Gráfico 01). Porém, as condições de
custos e rendimentos físicos da produção são bastante distintas.
Gráfico 01 – Distribuição da produção mundial de leite por continente – 2005
África5%
Oceania4%
Américas24%
Ásia33%
Europa34%
Fonte dos dados brutos: FAOSTAT (2007)
Nossa análise dos dados internacionais, em comparação com a realidade
brasileira, chama a atenção para o baixo índice de produtividade apresentado pelo
Brasil frente a outros importantes produtores mundiais. Estas diferenças derivam
da utilização de sistemas de produção distintos e também do grau de
especialização do rebanho. Sistemas em confinamento (produção intensiva de
leite) tendem a apresentar maior produtividade, entretanto apresentam também
maiores impactos ambientais (Tabela 03). Rebanhos especializados, por sua vez,
apresentam produtividade maior.
12
Tabela 03 – Produtividade em países selecionados (litros/vaca/dia)
Fonte: USDA (2007) Obs: * dados preliminares; ** previsão.
Como não poderia deixar de ser, essas disparidades nos níveis de
produtividade estão relacionadas com os diversos custos de produção
apresentados pelas diferentes regiões produtoras. Nesse aspecto, o Brasil se
destaca por apresentar custos de produção baixos, quando comparados aos
demais produtores mundiais importantes (Quadro 01).
Ano 2002 2003 2004
2005 2006* 2007**América do Norte
Canadá 7.35 7.26 7.49 7.32 7.41 7.43México 1.41 1.44 1.45 1.44 1.46 1.47Estados Unidos
8.44 8.51 8.60 8.87 9.05 9.37América do Sul
Argentina 3.95 3.98 4.63 4.52 4.79 4.95Brasil 1.45 1.49 1.53 1.59 1.64 1.69
União Européia - 25 5.21 5.39 5.45 5.63 5.68 5.89Antiga União Soviética
Rússia 2.75 2.82 2.86 3.08 3.14 3.23Ucrânia 2.82 2.84 3.20 3.25 3.36 3.45
Sul da ÁsiaÍndia 1.01 1.00 1.01 0.99 1.02 1.04
ÁsiaChina 3.80 3.91 4.14 4.05 4.05 4.10Japão 8.68 8.71 8.90 9.10 9.04 9.04
OceaniaAustrália 4.90 5.19 5.10 5.11 5.08 5.02Nova Zelândia 3.71 3.73 3.83 3.65 3.71 3.77
13
Quadro 01 – Custos de produção mundial de leite (US$/litro)
Custo de Produção
Países/Regiões
< 0,18 US$ Polônia, Argentina, Paquistão, Vietnã, Austrália (oeste), Brasil (centro-oeste),
5Chile, Índia (grandes fazendas), China (norte)
0,18 - 0,23 US$ Ucrânia, Bangladesh, República Tcheca (fazendas modernas), Brasil (fazendas de custo elevado), Chile (fazendas de custo elevado), Índia
(fazendas de custo elevado), Nova Zelândia (fazendas de custo elevado)
0,23 - 0,30 US$ República Tcheca (fazenda antiga), Estados Unidos (grandes fazendas),
Peru, China (sul), Tailândia, Austrália
0,30 - 0,37 US$ Reino Unido, Irlanda, Hungria, Israel, Estados Unidos (fazendas pequenas),
Alemanha (grandes fazendas), Espanha, Dinamarca
> 0,37 US$ Suíça, Áustria, Holanda, Luxemburgo, França, Itália, Dinamarca, Suécia,
Finlândia, Noruega, Canadá, Alemanha (pequenas fazendas)
Fonte: International Farm Comparison Network (2005) in Agroanalysis (2007)
O protecionismo e a presença de subsídios produtivos são aspectos que
se vinculam à sustentação econômica de produções tão díspares e são muito
relevantes na explicação do desenho da cadeia produtiva em nível mundial. O leite
é o produto agropecuário que recebe o maior volume de subsídios em todo
mundo e as pressões para um relaxamento desse quadro regulatório são intensas
(IATRC,1998 apud Martins & Araújo, 2002). Os acordos de 1994 do GATT, a
chamada Rodada Uruguai, marcaram o início de uma abertura acelerada do
mercado mundial de lácteos e levaram a uma diminuição dos grandes superávits
de produtos lácteos gerados pelos principais países produtores europeus
(Bortoletto & Wilkinson, 1999). Uma mudança dessa ordem, no marco regulatório
que afeta diretamente o setor primário, conduziu também a uma reavaliação, por
parte de empresas processadoras sobre a sua fontes de captação e as
perspectivas de crescimento nos locais originários.
5 Um maior detalhamento sobre o custo de produção brasileiro é apresentado no capítulo 3.
14
Gradativamente, a redução dos subsídios e do protecionismo explicita as
maiores diferenças de custos. Essas diferenças podem adquirir ainda maior
relevância com a extinção das práticas protecionistas, sobretudo pelos países
desenvolvidos.6 Entretanto, esse quadro de subsídios não sofrerá alterações antes
da conclusão da Rodada de Doha. De todo modo, com a redução e/ou extinção
dos subsídios, ampliam-se as possibilidades de comercialização internacional de
produtos lácteos.
Ainda com referência aos aspectos vinculados à produção leiteira, cabe
considerar que a mesma vem acompanhada de impactos ambientais, assim como
as demais produções animais. Assim, um fator que impacta mundialmente a
cadeia produtiva láctea é que os problemas ambientais derivados da pecuária
leiteira estão se ampliando nos países onde a produção de leite ocorre de forma
mais intensiva. Em tempos de agravamento do aquecimento global, as questões
ambientais acabam por restringir o crescimento da produção primária em uma
série de países e contribuem para reconfigurar a cadeia produtiva em nível
mundial.
Entre as questões ambientais, destaca-se a poluição do solo com
nitrogênio, na qual o estrume de vacas leiteiras pode adquirir uma dimensão
importante.
“Os países podem ser reunidos em quatro grupos distintos, em função do nível de risco tal como foi medido pela estimativa global de nitrogênio no solo, e da importância da gestão de estrume de vaca enquanto fonte de nitrogênio. O risco é maior na Bélgica, República Tcheca, Dinamarca, França, Alemanha, Irlanda, Japão, Países Baixos, Noruega, Portugal,
6 Diversos movimentos estão sendo realizados, no sentido de reduzir o protecionismo. Dentro dessas iniciativas destaca-se a constituição da Aliança Láctea Global (GDA) que organizou-se para fazer lobby na rodada de Doha. Essa aliança congrega empresas nacionais da Argentina, Austrália, Brasil, Chile, Nova Zelândia e Uruguai, com a finalidade é estabelecer um sistema comercial justo no âmbito do leite e seus derivados, evitando assim as distorções regulatórias atuais. Segundo a GDA “[a]s tarifas aplicadas no mercado mundial de lácteos estão entre as mais altas do mundo; [m]ercados desenvolvidos aplicam tarifas bem acima de 100%; [a] tarifa nas importações japonesas de manteiga está acima de 500%; [o] Canadá aplica tarifas entre 200% a 300% em suas importações de lácteos; [n]um mercado de 7 milhões de toneladas, as importações intracota européias de queijo giram em torno de 100 mil toneladas; [d]ecisões européias sobre subsídios à exportação têm repercussões negativas na renda dos produtores de leite das regiões onde não há subsídios (FAEP, 2005)”.
15
Suíça e Reino Unido. Na Austrália, Canadá, Itália, Nova Zelândia, Espanha e Estados Unidos, o risco de poluição com nitrogênio ocasionado pelo estrume de vacas leiteiras é fraco a nível nacional, embora estudos indiquem que o risco a nível regional pode ser tão importante quanto nos países de maiores riscos. Na Áustria, Polônia, Portugal e Suécia, a estimativa global dos nutrientes é baixa, mas a contribuição das vacas leiteiras à produção total de nitrogênio é superior a 10%, enquanto na Coréia a estimativa global dos nutrientes é alta, embora o estrume das vacas leiteiras contribua em menos de 10% (OECD, 2004)”.
As atuais projeções mundiais para a produção de leite apontam para a
continuidade de um crescimento maior nos países que não integram a OECD, o
que está relacionado com os níveis de poluição gerados e com as mudanças
regulatórias que afetam subsídios e cotas de produção. As projeções para a
produção de leite, apresentadas no Brasil pelo Ministério de Agricultura, Pecuária
e Abastecimento e derivadas de estudos do Food and Agricultural Policy
Research Institute (FAPRI, 2007), são as seguintes:
“Segundo o FAPRI na próxima década a produção de leite aumentará 18,5% com a maior parte do crescimento sendo decorrentes por ganhos de produtividade por vaca. A produção mundial projetada para 2015 é de 586,80 milhões de toneladas de leite. Das 91,8 milhões de toneladas acrescidas à produção entre 2005 e 2015, 28,5% ocorrem nas Américas e 60% ocorrem na Ásia, principalmente na China e na Índia. O continente asiático segundo o FAPRI será o maior produtor de leite em 2015, com 181,4 milhões de toneladas, seguido pela Europa com 154,32 milhões de toneladas e pelos Estados Unidos, com uma produção projetada de 110,45 milhões de toneladas de leite.
Segundo o FAPRI, a Índia produzirá em 2015, 68% da produção do continente asiático. Na América do Norte, os Estados Unidos serão os maiores produtores de leite. Na América do Sul, o Brasil deverá produzir em 2015, 31,3 milhões de toneladas e a Argentina 14,0 milhões de toneladas.
Entre os derivados do leite, o queijo é o que apresenta o maior volume de produção. A produção mundial deverá aumentar de 16,5 milhões de toneladas em 2005 para 19,0 milhões em 2015. Os maiores produtores mundiais de queijo serão a Europa, 9,43 milhões de toneladas e América do Norte 4,9 milhões de toneladas. Na produção de queijo a Argentina deverá se tornar mais importante que o Brasil em 2015. Na Oceania, a Austrália e Nova Zelândia serão os grandes produtores do continente em 2015 (FAPRI) (MAPA/AGE, 2006:31)”.
16
Torna-se evidente que, em face de diversas questões – como os custos
relativos de produção, as limitações legais à expansão da produção de leite e os
problemas ambientais a ela associados – o aumento da produção de leite só será
possível nos países em desenvolvimento, como o Brasil. Estudo como o
OCDE/FAO (2007) já projeta essa tendência (Gráfico 02), e também aponta para
um aumento dos preços dos lácteos e derivados em face do descompasso entre o
crescimento da demanda e da oferta, que tende a se acentuar.
Gráfico 02 - Projeção da produção de leite no mundo, segundo países-membros e não-membros da OCDE
Fonte: OCDE/FAO(2007)
No que se refere à oferta, a produção mundial apresenta tendência de
crescimento, tendo crescido, como vimos, à taxa anual de 1,4% entre 1990 e
2005, com projeção de 1,7% a.a. para a década subseqüente (Anexo A1). Ainda
que essa tendência se mantenha, essa taxa é menor que as taxas projetadas para
o crescimento do consumo nos próximos anos (Anexo A2). São muitos e diversos
os fatores que apontam para um aumento do consumo de lácteos e derivados nas
próximas décadas.
Sabe-se que um grau maior de desenvolvimento econômico repercute
diretamente no aumento consumo de lácteos e derivados. Isso ocorre, em
primeiro lugar, devido a elevada elasticidade-renda dos produtos lácteos. O
17
aumento da renda per capita e outras transformações associadas ao processo de
desenvolvimento, como a crescente urbanização e a entrada da mulher no mundo
do trabalho, fazem com que os países em desenvolvimento apresentem um
grande potencial de crescimento. Assim, as previsões apontam que, nas regiões
menos desenvolvidas o incremento do consumo deverá ocorrer tanto devido à
inclusão de consumidores quanto ao incremento de renda. Nesse contexto,
destacam-se a China e a Índia, países com elevada população e cujas rendas per
capita têm crescido em níveis muito superiores aos dos países desenvolvidos.
Por outro lado, tem crescido a procura por produtos com baixo teor de
gordura e dietéticos, assim como a intensificação do consumo dos alimentos
funcionais (Anexo A3).7 O avanço científico na área de alimentos já indicaram que
os derivados do leite apresentam um elevado potencial nutracêutico.8 Estudos já
realizados comprovam que frações do leite9 podem ser eficazes em tratamentos
contra o câncer de cólon, AIDS, entre outras doenças. Essas frações
apresentaram efeito antimicrobiano e também efeito anti-viral e já existe tecnologia
para produção dessas frações em escala comercial. (Brandão, 2002; Hasler,
2001).
Nas últimas décadas, o consumo de alimentos vem apresentando
modificações mais intensas devido às mudanças nos hábitos alimentares,
motivadas por questões relacionadas à saúde e à qualidade de vida. Essa
mudanças encontram um potente vetor nas ações das grandes empresas
processadoras, que conduzem o processo de inovação de produto, transformando
em mercadorias os conhecimentos científicos sobre os derivados lácteos. Surgem
assim uma série de produtos funcionais e nutracêuticos, que estão longe de
7 Alimentos funcionais, segundo uma definição que surgiu no Japão nos anos 1980, são “alimentos similares em aparência aos alimentos convencionais, usados como parte de uma dieta normal, e que, demonstraram benefícios fisiológicos e/ou reduzem o risco de doenças crônicas, além de suas funções básicas nutricionais (Brandão, 2002)”. O leite constitui-se em um alimento funcional por natureza e cientificamente é comprovado sua atuação na imunologia passiva, na modulação do sistema imunológico, proteção contra hipertensão, proteção contra osteoporose, prevenção do câncer e prevenção de cáries. 8 Denominação utilizada para nutrientes com uso farmacêutico. Para efeitos de ilustração tem-se o soro do leite, rico em cálcio (Hasler, 2001). 9 Partículas obtidas por fracionamento das proteínas contidas no leite.
18
esgotar as potencialidades nutritivas e farmacêuticas já apontadas para esses
derivados. Nesse campo, as ações das grandes empresas não se limitam à
formulação dos novos produtos (com uso de ingredientes lácteos), pois o apelo
em favor de um “consumo saudável” ocupam lugar destacado em suas estratégias
de marketing.
Os dados da FAO, utilizados no estudo de Nassar (2007), apontam para
uma substituição gradativa de cereais e amidos por carnes, lácteos, doces, frutas
e alimentos processados, com crescente incorporação dos produtos dietéticos e
funcionais (Anexo A4). Por isso, em vista da diversidade de produtos derivados do
leite e de suas propriedades, o aumento do consumo de lácteos ocorre também
nas regiões com maior grau de desenvolvimento, refletindo a incorporação de
novos produtos à dieta alimentar. No mesmo sentido, concorre o aumento mundial
da demanda por queijos, cuja contrapartida é a ampliação e diversificação da
oferta, pois as especialidades regionais na elaboração de queijos passam a ser
comercializadas no mundo todo. Devido também às propriedades dos produtos
lácteos e às mudanças de hábitos, o envelhecimento da população, seja em
escala nacional, seja em escala global, acaba por se refletir no aumento do
consumo de alimentos derivados do leite.
Além desses aspectos mais estruturais, que permitem vislumbrar
tendências expansivas de médio e longo prazo, a recente conjuntura também
reforça a percepção de uma tendência generalizada de aumento do consumo de
lácteos. Na última década, sobretudo devido à entrada de novos consumidores
asiáticos no mercado, esse passou gradativamente a apresentar insuficiência de
oferta, conduzindo a uma elevação de preços.10
Todas essas considerações, que afetam a oferta e a demanda de
produtos lácteos em escala global, vêm redefinindo as condições dos mercados
10 Por exemplo, no ano de 2006 esse mercado apresentou tendência de alta, sendo inclusive comparado ao petróleo. (i) a seca na Austrália e conseqüente redução da produção que se destina principalmente ao mercado externo; (ii) tendência de queda da produção européia, sendo que com o fim dos subsídios essa tendência se acentua; (iii) aumento do consumo de lácteos e derivados na América Latina, em função de aumento de renda real, visto que os lácteos e seus derivados apresentam uma elevada elasticidade-renda.
19
lácteos nacionais e as possibilidades do comércio internacional (Figura 03). Do
total de leite produzido, entretanto, apenas 5% é objeto do comércio mundial,
sendo a parcela principal da produção consumida internamente.
Figura 03 – Mapa mundial do balanços Produção x Consumo nos mercados lácteos nacionais, 2005
Surplus countries (positive balance >2% of production)
Deficit countries (negative balance <2% of production)
Balance countries
Surplus countries (positive balance >2% of production)
Deficit countries (negative balance <2% of production)
Balance countries
Fonte: Jachnik (2006)
No comércio mundial de produtos lácteos, quatro produtos respondem por
mais de 90% dos valores transacionados: manteiga, queijo, leite em pó integral e
desnatado. Tendencialmente, esse comércio se intensifica devido às restrições
que vão se apresentando nos atuais principais países produtores, sobretudo
restrições ambientais ou redução de área destinada aos rebanhos em face da
expansão da urbanização. Entretanto, como se viu, os indicadores de
produtividade apresentados pelos países são bem diversos (Tabela 03).
No comércio internacional de produtos lácteos, os países que se
destacam pertencem à União Européia e à Oceania. Os maiores exportadores de
20
lácteos são países pertencentes a esses blocos econômicos (Gráfico 03). Os
produtos exportados de maior valor adicionado provêm da Europa e os de menor
valor adicionado provêm da Oceania.
Gráfico 03 – Exportações de lácteos em 2005, segundo países de origem
EUA4%
Austrália16%
Outros15%
Europa31%
Nova Zelândia
34%
Fonte dos dados brutos: Saez (2006)
O estudo da OCDE/FAO (2007) mostra uma mudança nos principais
países exportadores. Para os próximos anos, as projeções apontam para um
aumento das exportações realizadas por países da América Latina, mais
especificamente da Argentina, que deve aumentar a sua participação no ano de
2016 (Gráfico 04). Esse estudo também identifica uma tendência de alta no preço
do leite e de seus derivados, caso se concretize a redução dos subsídios.
21
Gráfico 04 – Principais exportadores mundiais de derivados lácteos
0
600
1200
1800
2400
3000
2004-2006 2016manteiga
2004-2006 2016queijo
2004-2006 2016 leiteem pó
desnatado
2004-2006 2016 leiteem póintegral
1.000 toneladas
Argentina Austrália União Européia - 27 Nova Zelândia EUA resto do mundo
Fonte:OECD/FAO(2007)
Quanto às importações, pode-se dividir os países em dois blocos, um
bloco que importa produtos com maior agregação de valor: queijos e manteigas e
outro que importa sobretudo leite em pó, muitas vezes utilizado como ingrediente
em outras formulações alimentícias.11 O maior importador de queijos e manteiga é
a Rússia (Gráfico 05). Essa tendência se mantêm para o ano de 2016. O
fornecimento desses produtos provém da União Européia e da Nova Zelândia,
principalmente. Quanto às importações de diferentes formas de leite em pó, o país
que mais se destaca é a Argélia e, na projeção das importações de leite para
2016, a China aumenta sua participação, por conta do crescimento no consumo
per capita de leite, associada com a crescente urbanização que reduz as possíveis
áreas de produção. Esse crescimento da importância da China nas importações
mundiais traz no seu bojo o crescimento da demanda de produtos lácteos mais
elaborados em alguns países em desenvolvimento, que apresentam uma classe
média crescente, que demanda alimentos mais sofisticados e processados.
Ocorre que a China exerce um controle sobre as importações dos ingredientes
11 Como forma de ilustração, no ano de 1998 os principais produtos comercializados internacionalmente foram o leite em pó (54% do total de lácteos exportados), os queijos (25%) e a manteiga (20%) (Nofal & Wilkinson, 1999).
22
lácteos (produtos comoditizados, como o leite em pó desnatado e integral),
exigindo que sejam utilizados como insumos e que o processamento final ocorra
em território chinês.
Gráfico 05 – Importações de lácteos, em 2004-06 e previsão para 2016
0
100
200
300
400
500
600
700
800
900
1000
2004-2006 2016manteiga
2004-2006 2016queijo
2004-2006 2016 leiteem pó
desnatado
2004-2006 2016 leiteem póintegral
mil tonelad
as
Rússia Argélia China Japão México Arábia Saudita
Fonte:OECD/FAO(2007)
Uma visão panorâmica do comércio mundial de lácteos pode ser
observada na Figura 03. Os volumes e os perfis dos produtos não estão
perfeitamente definidos, mas pode-se perceber o papel singular da Europa, tanto
como importadora, quanto exportadora, além da ausência da América do Sul nos
fluxos assinalados.
23
Figura 03 – Comércio internacional de lácteos, em 2000
Fonte: Rabobank International (2006)
A partir dos elementos abordados, é possível observar que a
mundialização da cadeia produtiva láctea é um fenômeno bastante complexo e
incipiente, dois aspectos que dificultam a percepção mesma do fenômeno. Isso
porque o volume de lácteos objeto do comércio mundial é reduzido e o mercado
global de lácteos se apresenta como uma soma de mercados nacionais/regionais,
de diferentes dimensões, acrescidos dos mercados de exportação, que, por
enquanto, são importantes apenas para poucos países. Como se viu, essa
configuração é fortemente determinada pelas características de produção e
mesmo físicas da matéria-prima básica, que também condicionam uma necessária
proximidade geográfica das primeiras etapas do processamento. Essas condições
de produção são afetadas por circunstâncias nacionais (sócio-econômicas,
institucionais e técnicas) muito distintas na atividade primária. A evolução da
demanda global é explicada em larga medida por determinantes estabelecidos
nacionalmente, como o crescimento demográfico e o grau de urbanização, o
crescimento da renda per capita e sua distribuição, além das tradições culturais
nacionais e hábitos eventualmente em mudança. Isso tudo confere ao mercado
24
global um aspecto pouco integrado, com crescimento relativamente certo, embora
lento e progressivo, em um movimento mais determinado por tendências
(evolutivas) de longo prazo do que por perturbações cíclicas ou oscilações
bruscas.
Nessas condições, a perspectiva global está nas grandes empresas
processadoras, pouco mais de uma dezena de grandes corporações, que
dominam as tecnologias de processo e desenvolvem novos produtos (mudam
hábitos e criam novas necessidades), além de concentrar expressivo poder
financeiro. Tais ativos as colocam em condições de explorar os mercados
nacionais e de exportação para seus fins de valorização. Como será possível
notar pela análise das trajetórias empresariais (Capítulo 2), isso vem ocorrendo
em grau crescente, através de operações patrimoniais, de alianças e parcerias e
de ações internacionais de comercialização, enquanto parecem inexploradas as
possibilidades já referidas de geração de novos produtos lácteos a partir de
conhecimentos científicos estabelecidos e suas prováveis respectivas tecnologias
de produção.
Após um panorama mais geral do setor em escala mundial, o estudo
prossegue a uma apresentação do contexto das cadeias produtivas lácteas nos
blocos regionais. Tendo em vista a especificidade da indústria alimentar, pela qual
a localização da empresa está fortemente relacionada com a produção da matéria-
prima, torna-se importante de investigar preliminarmente as configurações das
cadeias produtivas lácteas com referência aos territórios dos blocos econômicos
regionais, considerando, posteriormente, a atuação das grandes empresas do
setor no contexto daquelas configurações, elas mesmas sujeitas ao impacto da
atuação empresarial.
Um entendimento mais aprofundado da dinâmica internacional só se faz
possível no âmbito da cadeia produtiva. Analisar a agroindústria processadora
sem levar em consideração os segmentos à jusante e à montante dessa indústria
não permite uma avaliação correta da competitividade da cadeia produtiva, visto
25
que aspectos relativos à competitividade só podem ser avaliados por meio da
análise da cadeia de suprimentos.
1.2 Aspectos da cadeia produtiva na Europa
A indústria láctea européia constitui-se num oligopólio misto. Apesar do
número expressivo de empresas atuantes no setor, três empresas são
responsáveis por mais de 80% da produção européia, operando com produtos
diferenciados e com o uso de marcas fortes. Dentre os principais players globais
com sede em países europeus destacam-se Nestlé, Lactalis e Danone, cujas
trajetórias são abordadas no capítulo seguinte.
A produção leiteira em que se apóia a indústria processadora encontra-se
disseminada em todo o território europeu e é considerada a principal atividade
agropecuária da Europa, estando sujeita a um marco regulatório comum no âmbito
da União Européia . Segundo sua participação na geração de renda agrícola, essa
produção responde por 18,4% do total. Justifica-se, dessa forma, o fato do leite
ser o produto primário mais protegido, sobre o qual recai o maior volume de
subsídios e incentivos sendo alvo de diversas políticas públicas.
Em face a disseminação da produção em território europeu, os cinco
maiores países produtores – Rússia, Alemanha, França, Ucrânia e Reino Unido –
foram responsáveis por 53% da produção de leite de vaca europeu no ano de
2005 (Embrapa Gado de Leite, 2007).
No tocante à produção industrial, a União Européia é a principal região
produtora de leite em pó – integral ou desnatado –, de queijos e de manteiga
(Anexo A6). Essa produção industrializada incorpora os subsídios dados à
produção primária, o que aumenta seu grau de competitividade. Diversos
indicativos apontam para uma mudança dessa realidade, com a suspensão
gradativa desses subsídios, incluindo-se nesse movimento de redução do
protecionismo do setor a própria instituição do sistema de cotas. A incógnita é
sobre quando essa redução irá se concretizar.
26
Como afirmado na introdução desse capítulo, o sistema de cotas de
produção de leite,12 em vigor desde 1984, teve uma contribuição decisiva para as
transformações setoriais verificadas nos países integrantes da Comunidade
Econômica Européia, refletindo-se sobre os demais países e constituindo-se em
um ponto de inflexão dessa cadeia produtiva.
Até o começo dos anos 1960, a Comunidade Européia era um importador
líquido de leites e derivados. No ano de 1962 a Política Agrícola Comum (PAC) foi
instituída. O objetivo da PAC era de estabilizar os mercados e assegurar um
melhor nível de vida à população agrícola. As metas a serem alcançadas para o
setor leiteiro incluíam: retorno justo para os produtores, mercados estáveis,
garantia de oferta, preços razoáveis aos consumidores e introdução de políticas
visando incremento da produção e da produtividade. No ano de 1968 é
estruturado o mercado comum do leite na Europa e, nos anos 1970, a mesma
torna-se exportadora líquida de leite. Essa inversão foi decorrente da utilização de
subsídios, que implicou em aumento de produção. Gradativamente, a Comunidade
Européia passou a aumentar seus estoques de produtos lácteos e, igualmente,
conseqüentemente os gastos com subsídios à produção de leite.
Buscando reduzir os custos crescentes com o subsídio à produção, foi
estabelecido um sistema de cotas de produção de leite no ano de 1984. A
introdução dessa prática levou a um decréscimo quase que imediato da produção
leiteira na Europa. Com a adoção desse sistema, a concentração da produção
primária acentuou-se, devido sobretudo à saída dos pequenos produtores.13
O estabelecimento do sistema de cotas, ao restringir a oferta, objetivou a
sustentação dos preços pagos aos produtores via mercado, mantendo, dessa
12 O sistema de cotas, além de limitar a produção de leite em cada país, é individualizado, pois cada produtor tem a sua quantidade de referência individual. Cabe a cada produtor, por meio de seus compradores, identificar aos organismos responsáveis a sua situação frente à sua cota de produção. Cada produtor tem que produzir pelo menos 70% da sua cota. Quantidades produzidas inferiores implicam em penalidades para os mesmos. 13 Foram excluídos principalmente os produtores com plantel de até 10 vacas, sendo compensada essa diminuição com e aumento da produção dos maiores produtores.
27
forma, o seu poder aquisitivo. De certo modo, esse sistema de contingenciamento
buscava a redução dos estoques de produtos lácteos, pois o setor lácteo estava
absorvendo parte significativa dos recursos destinados à agricultura – em torno de
10%. Os subsídios acabavam destinando-se à produção e também às
exportações, reduzindo seus preços. Com a instituição das cotas, evitou-se o
círculo vicioso de mais produção e maiores gastos com subsídios. Também
passou-se a limitar uma produção que trazia no seu bojo uma série de impactos
ambientais.
Assim, desde a implementação do sistema de cotas, inicia-se um
processo que desestimula a expansão das empresas em território europeu,
limitando-a pelas restrições à captação da matéria-prima. As posições no
ranqueamento de captação de leite das empresas então atuantes estavam
garantidas automaticamente, pois as cotas resultaram em um "engessamento" na
captação da matéria-prima. As alternativas possíveis de crescimento da produção
de lácteos foram a expansão em outros territórios ou a utilização de matéria-prima
já processada, como o leite em pó, na preparação de lácteos. Nessa trajetória de
crescimento destacaram as operações de fusões e aquisições, que asseguraram a
expansão em outros territórios, sobretudo na América Latina e na Ásia,
continentes que experimentaram um aumento do consumo per capita de leite e
derivados.
1.3 Aspectos da cadeia produtiva nos Estados Unidos da América
Como características mais marcantes da cadeia produtiva láctea norte-
americana destacam-se a elevada concentração, que perpassa todos os elos da
cadeia, a presença predominante das cooperativas de produtores na indústria
processadora, a elevada produtividade e os altos custos na produção primária, o
pequeno grau de abertura do mercado nacional de produtos lácteos e uma forte
presença dos mecanismos de regulação estatal. Os Estados Unidos são o maior
produtor mundial de leite de vaca e a trajetória do setor lácteo nesse país está
fortemente condicionada pelas ações deliberadas do Estado e dos organismos
28
institucionais relacionados, que intervêm no direcionamento que é conferido ao
setor (Bailey, 2002).
As políticas públicas atuaram no sentido de direcionar e acelerar o
processo de concentração, em diversos sentidos. A concentração acentuada na
produção primária resulta da diminuição do número de propriedades envolvidas na
atividade leiteira, associada a um aumento no tamanho dessas, que absorveram
propriedades menores. Em 2001, as propriedades com mais de 200 vacas eram
responsáveis por 57% do leite produzido nos EUA, contra 36,3% em 1993 (Bailey,
2002).14 A concentração na produção primária tem também uma dimensão
espacial, pois houve um processo de especialização regional.15
A redução no número de propriedades e também a concentração espacial
são reflexos de políticas mais amplas e de programas setoriais anteriores. Parte
dessa redução pode ser explicada pelo Government Dairy Termination Program,
implementado em 1986-87, contemplando com pagamentos os produtores que
abdicassem da produção de seus rebanhos durante cinco anos. A Lei Agrícola de
1996, que objetivava a redução das regiões de comercialização de 32 para um
máximo de 10 a 14 regiões no ano de 1999, também explica parcialmente a
concentração apresentada.
Houve um movimento de concentração e centralização na produção de
leite e, conseqüentemente da captação para a indústria processadora. Isso
ocorreu de forma continuada e gradativa, resultando numa elevada produtividade
média – os EUA detêm o posto de maior produtividade leite/vaca (Tabela 01) -
assim como num aumento da oferta de leite, reflexo da maior especialização
obtida. Entretanto, esse maior rendimento, derivado de uma produção intensiva
14 Esse é uma tendência que já se verificava na segunda metade dos anos 1980, quando ocorreu uma queda no número de produtores da ordem de 22,1%. No período 1993-2001, com exceção das propriedades com plantel de vacas superior a 200 cabeças, todas as demais sofreram um decréscimo de produção. 15 No começo do século XXI, a produção está centrada em três grandes regiões - a Nordeste, a Meio-Oeste e a Oeste – caracterizadas por grandes propriedades, com número de cabeças superior à média americana. Essas regiões foram responsáveis por 76,8% da produção de leite nos EUA em 2001 (Bailey, 2002).
29
em tecnologia, foi alcançado graças a constantes inversões de capital. Esses
resultados também foram estimulados pelas políticas protecionistas ao setor, que
asseguram a operação do setor com altos custos de produção,16 e, em
conseqüência, implicam elevados dispêndios governamentais.17
Atualmente os Estados Unidos adotam uma política de preços mínimos,
garantindo com isso a estabilização do preço do produto e a manutenção da renda
agrícola. Entretanto, essa conjunção de políticas acaba por aumentar o potencial
produtivo do segmento e resulta em constantes excedentes de leite. A presença
de excedentes se reflete diretamente na política americana para o setor, que
desde o início do século XX organiza a comercialização através da utilização de
instrumentos que reduzam essa geração de excedentes, tal como o Dairy
Termination Program, já mencionado. Com a política interferindo diretamente na
base produtiva, verifica-se uma diminuição dos graus de liberdade do produtor. A
manutenção dessa política implica também em expressivos gastos
governamentais com o setor de leite.
O governo também exerce sua coordenação ao estipular subsídios e cotas
de produção. Ainda que o movimento geral da economia seja na direção da
liberalização dos mercados agrícolas, não é essa a realidade nos EUA. A Lei
Agrícola Americana, de maio de 2002, manteve a prática de garantir o preço
mínimo do leite, mesmo que o governo tenha sinalizado que essa prática seria
extinta em 1999.18 Essa política de preços mínimos adotada tende, em última
instância, a provocar uma maior produção e maior formação de estoques do
produtos lácteos, sendo que em alguns anos isso realmente aconteceu. Assim,
para evitar a geração de excessos de produção sobre o consumo e maiores
16 Conforme o Quadro 01, a produção de leite de vaca nos EUA figura entre as de maiores custos em termos mundiais, superiores aos apresentados na Oceania, no Brasil e também em alguns países da Europa. 17 A análise desse parágrafo apóia-se em Bortoleto & Wilkinson (1999), assim como em Nofal & Wilkinson (1999). 18 A Lei Agrícola de maio de 2002 garante a manutenção do preço mínimo do leite em 48 estados norte-americanos no período de junho de 2002 a dezembro de 2007. “O inesperado é que a Lei Agrícola de 1996 mencionava que o preço mínimo deveria se extinguir em 31 de dezembro de 1999. Entretanto, o sistema de preços mínimos e o valor foram mantidos (Lopes, 2002:1)”.
30
dispêndios com subsídios, outros instrumentos de política agrícola foram utilizados
de modo complementar, buscando um melhor escoamento da produção e
aumento de consumo.
Na medida que as políticas adotadas estimularam a produção e para que
não se verificasse um aumento dos estoques, foram desenvolvidas políticas de
promoção do consumo de lácteos – para tal foi implementado o Programa de
Promoção do Consumo do Leite (PPCL). Nos anos 1990, foram realizadas
campanhas institucionais, que destacavam a importância do consumo de leite e
que lograram reverter os problemas de saturação de mercado presentes desde os
anos 1980. As campanhas contribuíram para uma transformação no consumo,
registrando-se um aumento de aproximadamente 1,8% ao ano no consumo per
capita de lácteos no período 1990/2001 (Bailey,2002).19
Segundo as análises de Bailey (2002), as transformações que vêm
ocorrendo na base primária da cadeia láctea norte-americana devem-se aos
seguintes fatores: concentração das propriedades produtoras na busca de uma
maior competitividade e de melhores oportunidades de mercado; aumento
crescente da oferta de leite visando atender à demanda; possibilidade de
transporte do leite por longas distâncias; e alguns programas de governo
orientados para os consumidores.
Uma análise da indústria láctea dos EUA evidencia que a concentração
também está presente no elo processador da cadeia produtiva, que também se
apresenta como um oligopólio misto, recentemente reconfigurado por operações
de fusões e aquisições. Nos EUA, desde os primórdios do século XX, o
processamento do leite já era realizado predominantemente por grandes
empresas. Durante a década de 1990, houve uma redução de aproximadamente
45% no número de plantas industriais, chegando ao ápice um processo que se
iniciara na década de 1980, elevando assim o índice de concentração setorial.
19 Esse crescimento per capita não foi uniforme, pois caiu o consumo de leite fluído e aumentou sobretudo o consumo de queijos – principalmente o queijo muzzarella utilizado na confecção de pizzas.
31
A intensificação da concentração técnica da produção foi decorrência das
transformações patrimoniais dos últimos anos, sobretudo das fusões e aquisições
que envolveram a Dean Food, que se transformou na maior empresa do setor nos
EUA (conforme o faturamento). Ainda na década de 1990, surgia a Dairy Farmers
of América, outra grande empresa, também resultante de operações de fusões e
aquisições. As modificações patrimoniais refletiram-se na alternância entre
empresas nos primeiros postos no faturamento da indústria láctea durante os anos
1990, reduzindo a importância que a Kraft Foods possuía, de líder inconteste no
setor.
Nas transformações patrimoniais verificadas, as cooperativas tiveram um
papel destacado, dando origem às novas gigantes da indústria láctea. A
importância do movimento cooperativo é significativa nos EUA e não é nova, pois
desde os primórdios da formação do setor as cooperativas estiveram presentes na
cadeia láctea norte-americana.20 Durante o processo de reestruturação setorial, as
cooperativas alteraram substancialmente seu grau de centralização. Assim, no
período 1992-2000, dentre as cooperativas que tinham no leite sua principal
atividade, 17% se fundiram, 17% foram dissolvidas e 4% foram incorporadas por
outras empresas. Também nesse período surgiram 32 novas cooperativas, todas
operando em larga escala (USDA, 2001).
Uma peculiaridade da cadeia láctea americana, no tocante à coordenação
entre os agentes, é que o seu sistema de organização está inteiramente baseado
em contratos formais, o que possibilita um melhor planejamento e também evita
atitudes oportunistas por parte dos fornecedores. Entre os produtores de leite,
84% estão filiados a cooperativas, possuindo contratos formais de exclusividade
na entrega do leite. A cooperativa também estabelece contrato com as empresas
processadoras. A existência desses contratos implica que o leite produzido tenha
20 “Por volta de 1900, havia 1.600 cooperativas processando laticínios nos EUA, a maioria delas no meio-oeste (Hobsbawn, 1988:61)”.
32
destinação certa, sendo praticamente inexistentes as variações de oferta e
consequentemente de preços (Lopes, 2002).21
Parte das transformações verificadas no âmbito da indústria americana
pode ser interpretada como resultado de estratégias defensivas frente às
reestruturações mundiais, que ocorreram após a introdução do sistema de cotas
de produção na Comunidade Européia na década de 1990. Como será
evidenciado no próximo capítulo, esse novo marco regulatório provocou uma
reação nas estratégias de crescimento das empresas européias; as empresas
americanas, visando a manutenção das suas posições no mercado, adotaram
estratégias semelhantes.
Como se depreende das observações anteriores, o segmento lácteo norte-
americano sofre uma intensa intervenção pública, seja pela ótica da
regulamentação de preços (e mesmo de produtos), seja pelos programas de apoio
e políticas específicas para os diversos segmentos que compõem a cadeia láctea.
A diversidade e a intensidade das políticas públicas utilizadas é determinada pela
baixa competitividade apresentada pelo setor, comparativamente às condições do
setor em outros blocos econômicos onde estão sediados outros importantes
players da cadeia produtiva mundial. Apesar da elevada produtividade, o custo do
produto é maior do que na Oceania e no Brasil, é também superior a alguns
países europeus. Assim, a entrada dos produtos lácteos norte-americanos no
mercado internacional só se faz possível em face dos subsídios. Também em
decorrência dessa baixa competitividade, a prática da proteção tarifária é utilizada
nos mercados dos EUA para que a entrada de produtos externos não concorra
diretamente com os produtos americanos.
21 “Nessa cadeia de contratos existe a celebração de um outro instrumento de produção programada entre a indústria, os atacadistas e varejistas de leite nos EUA. Além disso, dentro de um sistema idêntico de contratos, entre a cooperativa e os produtores, existe uma cooperativa integrada verticalmente especializada em engarrafamento e produção de leite.Os contratos têm seus preços fixados através de uma fórmula de preços, que se referencia aos mercados de leite. Os preços de queijo e manteiga são fixados na Bolsa Nacional de Queijos e a manteiga na Bolsa Mercantil de Chicago. O sistema de fixação de preços é por leilão. Entretanto, lá nas bolsas é transacionada uma parcela muito pequena da produção. Mas é ali que se formam os preços de uma forma transparente e em termos nacionais (Lopes, 2002:4)”.
33
Diversos fatores levaram essa cadeia produtiva voltar-se para o mercado
interno. Nesse sentido, pode-se destacar a dimensão do país, os elevados custos
na produção de leite, acompanhado do elevado dispêndio fiscal em decorrência
dos subsídios e a própria composição da demanda, predominantemente em
produtos frescos, desestimula a entrada de importações de produtos substitutos.
Apesar disso, há políticas de promoção das exportações, capitaneadas pelo
Conselho Exportador do Leite dos EUA (USDEC, 2002).
1.4 Aspectos da cadeia produtiva na Oceania
O bloco da Oceania é responsável por 4% da produção mundial de leite
(FAOSTAT, 2007). Essa região produtiva encontra-se localizada em latitude
semelhante ao Brasil, possuindo dessa forma as mesmas condições
climatológicas, uma das poucas características semelhantes às condições da
cadeia produtiva brasileira. Apesar da pequena representatividade política do
bloco, a região destaca-se no comércio internacional de produtos lácteos, pois
Austrália e Nova Zelândia são responsáveis por 50% das exportações mundiais
(Spies, 2006).
Diferentemente da grande maioria dos países, as exportações da região
não se referem a um excedente sobre as necessidades nacionais de consumo.
Atualmente, a produção láctea está orientada para o mercado externo, sobretudo
no que se refere à produção de queijos e manteiga. Na Austrália, as exportações
de produtos lácteos absorvem 50% do total do leite produzido, enquanto na Nova
Zelândia esse percentual supera os 90%. A proximidade geográfica com a
China,22 uma das mais importantes zonas de expansão no consumo de lácteos no
mundo, contribui para essa trajetória de expansão produtiva apoiada nas
exportações.
22 Segundo Rabobank International (2007), os chineses irão responder por 60% da demanda mundial de laticínios no ano de 2015. Note-se que essa estimativa parece exagerada, pois difere significativamente das previsões da FAO utilizadas no Gráfico 05.
34
Buscando aumentar o poder de barganha de seus produtores, os países
da região atuam como um bloco econômico, evitando assim uma concorrência
mais direta, na esfera do comércio internacional, entre produtores de Nova
Zelândia e a Austrália. A cadeia produtiva láctea é economicamente representativa
nos dois países e existem interesses comuns, que favorecem a realização de
políticas conjuntas (por exemplo, atuam como um bloco no comércio exterior,
ofertando produtos distintos, possibilitando ganhos de sinergia ao atuarem de
forma conjunta. Dentro dessa lógica foram criadas uma série de políticas públicas
e, nos dois países, existe um tratamento diferenciado dos lácteos em relação aos
demais produtos.
Ao contrário da grande maioria dos países, a importância do leite para a
economia da Nova Zelândia é muito grande, e a cadeia produtiva láctea recebe do
governo um tratamento especial. Na Austrália, a preocupação com o setor é
semelhante, sendo o Estado responsável direto pela política de inovação. Nesse
país, 75% do leite produzido é processado por cooperativas, 42% das
propriedades que produzem leite são artificialmente irrigadas e em 61% das
propriedades a produção baseia-se no trabalho familiar (FAEP, 2006).
Esse destaque na produção láctea pode ser explicado por uma série de
razões, especialmente os baixos custos da produção primária na região23 (Quadro
01), a ausência de sazonalidade na produção (que estimula os investimentos
privados) e o elevado grau de avanço tecnológico em que se encontra a indústria
processadora, todos fatores que ampliam a competitividade dos produtos da
região.
A supressão da sazonalidade, que permite que a produção transcorra
numa constante “safra”, foi decorrência de uma reestruturação no sistema de
produção primária (Broekhuijse, 1988). A presença da sazonalidade atua como um
fator que desincentiva o investimento e os esforços no sentido de reduzir a
23 O custo reduzido do leite neozelandês está relacionado com a utilização intensiva de pasto rotacionado (Martins & Araújo, 2002).
35
sazonalidade são relevantes para o desempenho do setor. A reestruturação da
produção primária na Nova Zelândia envolveu a aplicação da agricultura de
precisão na produção do pasto, principal alimento do gado leiteiro (FAEP, 2006).24
Isso resultou numa constância da produção, tornando possível um melhor
planejamento e funcionando como um incentivo para os investimentos e a
qualificação do parque industrial.
Nos arranjos produtivos da cadeia láctea, em ambos os países, os
recursos públicos são principalmente destinados para pesquisa e promoção de
exportações, e não para o pagamento de subsídios. Quando esses ocorrem, os
recursos são provenientes de um fundo formado a partir da contribuição dos
produtores e da indústria. Na Austrália, os produtores de leite e a indústria
processadora criaram a Australian Dairy Corporation (ADC), organismo
responsável pela promoção, seja interna ou externa, do leite e seus derivados
(Martins & Araújo, 2002). No caso da Nova Zelândia, destaca-se o suporte das
políticas públicas ao setor na forma agressiva de sua política de exportação, que
tratou de adaptar seus produtos aos diferentes mercados locais, garantindo sua
presença em praticamente todos os blocos econômicos, a partir dos anos 1990.
Na Nova Zelândia, a indústria está organizada predominantemente sob
comando de empresas formadas por cooperativas de produtores, que atuam
conforme os parâmetros das “novas cooperativas”, de caráter marcadamente
empresarial.25 Quatro cooperativas dividem o território, sendo que as duas
maiores foram responsáveis por 96% do processamento do leite. Essas
cooperativas, apoiadas pelo Estado, criaram a New Zealand Dairy Board, única
empresa exportadora de lácteos do país (Martins & Araújo, 2002). Essa
organização buscava suprir as deficiências de comercialização das companhias
locais e configurou um modelo específico de regulação. Segundo Martins e Araújo,
24 A chamada agricultura de precisão consiste na utilização de tecnologias avançadas para a determinação das características do solo com vista a atender as necessidades específicas de cada porção de terra, possibilitando assim um incremento da produtividade (Tschiedel & Ferreira, 2002). 25 Esse destaque já provêm de longa data, como colocado por Hobsbawn (1988), no começo do século XX as cooperativas já detinham o controle da indústria de lácteos na Nova Zelândia.
36
“Esse é um interessante modelo de regulação. Diante da importância dos lácteos para a economia nacional como mecanismo de inserção na economia global, o Estado concedeu ao setor privado a possibilidade de auto-gestão. Não há, portanto, conflitos entre os grupos de pressão a serem dirimidos, o que facilita essa outorga pelo Estado.” (2002:8).
Também na Austrália as cooperativas predominam no processamento, na
sua totalidade são responsáveis por 75% do processamento de leite, sendo que
as três maiores – Murray Goulburnn, Bonlac – Fonterra e Dairy Farmers são
responsáveis por 60% da produção. O restante é processado por grandes
empresas estrangeiras, empresas nacionais e pequenos produtores atuando em
nichos específicos (Spies, 2006).
37
2. Indústria láctea mundial: uma análise dos principais atores
Quando a empresa passa a atuar numa dimensão global, ela busca a
apropriação de vantagens associadas às suas diversas bases de implantação.
Movimentos recentes de expansão das grandes empresas processadoras,
sediadas sobretudo na Europa, demonstram que o Brasil pode ser um integrante
representativo dentro desse novo cenário competitivo.
Ao longo do capítulo analisa-se a trajetória das oito principais empresas,
buscando-se um maior conhecimento dos principais players mundiais. São
analisadas as estratégias que levam à constituição dessa cadeia produtiva global:
o elemento dinâmico é a grande empresa e, através da “destruição criadora”, a
cadeia produtiva vai se transformando. As empresas foram escolhidas a partir de
levantamento do Rabobank International com base no valor das vendas relativas a
produtos lácteos e derivados (ano de fiscal de 2006) e que correspondem a
empresas com faturamento na área de lácteos e derivados superior a 5.000 euros
(Tabela 04).26
26 A indústria considerada engloba, conforme IBGE (2004), os segmentos denominados: Preparação do leite, que compreende as atividades de filtração, esterilização, pasteurização, homogeneização e resfriamento de leite, incluindo o envasamento de leite, associado ao beneficiamento e exclui a produção de leite cru e o envasamento de leite por conta de terceiros; e a Fabricação de produtos do laticínio, que compreende: a produção de creme de leite, manteiga, coalhada, iogurtes, etc; a produção de bebidas achocolatadas; a produção de leite em pó, dietético, concentrado, maltado, aromatizado, gelificado, etc; a produção de queijos, inclusive inacabados e a produção de farinhas e sobremesas lácteas. Esta classe compreende também a produção de doce de leite e a obtenção de subprodutos do leite: caseína, lactose, soro e outros.
38
Tabela 04 – Principais empresas de lácteos no mundo, ranqueamento segundo o valor das vendas (somente lácteos) no ano de 2006
(em bilhões de €)
Fonte: Rabobank Internacional (2007) in www.danish.dairyboard.com
2.1 Nestlé
A gênese da maior empresa de produtos lácteos no mundo, também líder
do setor de alimentos, foi uma fórmula inventada pelo químico farmacêutico Henri
Nestlé para auxiliar na cura de um bebê desnutrido, no ano de 1866 (Araújo Jr.,
2006).27 A inovação foi designada farinha láctea. Depois de abrir escritórios para
comercialização dos produtos em Londres, América do Sul e Austrália no ano de
1868, a empresa acaba por ser vendida em 1874 para a sociedade formada por
27 Nos seus primórdios, os produtos lácteos industrializados eram sinônimos de indicação médica e sua venda ocorria nas farmácias. O inventor, que durante algum tempo também foi empresário, era um estudioso na busca de soluções para o problema da desnutrição infantil.
Rank Empresas Sede Vendas
1 Nestlé Suíça 14,8 2 Lactalis França 8,
3 3 Danone França 7,9 4 Dean Foods EUA 7,4 5 Arla
Foods Suécia/Dinamarca 6,
9 6 Fonterra Nova Zelândia 6,7 7 Dairy Farmers of America EUA 6,3 8 Kraft Foods EUA 5,1 9 Unilever Reino Unido 4,4 10 Friesland Foods Holanda 4,4 11 Campin
a Holanda 3,
6 12 Parmalat
Itália 3,4 13 Bongrai
n França 3,
3 14 Meiji Daires Japão 3,3 15 Saputo Canadá 3,1 16 Morinaga Milk Industry Japão 3,0 17 Schreiber Food EUA 2,5 18 Land O´Lakes EUA 2,3 19 Müller Alemanha 2,1 20 Dairy Crest Reino Unido 2,0
39
Pierre Samuel Roussy, Jules Monnerat e Gustave Marquis e outros sócios
menores. No ano de 1898 a empresa adquire a primeira planta fora da Suíça, uma
planta de leite condensado na Noruega, e em 1900 instala-se também nos
Estados Unidos. Espalhou-se pelos quatro cantos do mundo após inúmeros
processos de fusões e da implementação de alianças realizadas ainda no começo
do século XX. Em 1904, estabeleceu acordo com a Companhia Geral de
Chocolate Suíça, para adicionar o chocolate a suas linhas produtivas. Em 1905,
cessa a concorrência com a Anglo Swiss Condensed Milk (Companhia Anglo-
Suiça de Leite Condensado)28, ao ocorrer a fusão das duas companhias; a partir
desse momento a Societé Nestlé passou a ser designada apenas como Nestlé.
Nessa época passou a deter empresas operando nos EUA, Inglaterra, Alemanha,
Espanha e Austrália. Assim, pode-se perceber que, desde seus primórdios, a
atuação da empresa ocorre de forma internacionalizada.
Após um começo exitoso, a empresa sofreu impactos em face da Primeira
Guerra Mundial, quando foi obrigada a vender todo o estoque de matéria-prima
para as tropas oficiais. Se inicialmente a guerra ocasionou um problema, pois a
aquisição da matéria-prima estava obstaculizada, também abriu novas
oportunidades de mercado, avalizadas por contratos de governo. Com a
destruição da Europa e conseqüentemente de suas plantas industriais, a forma
encontrada para honrar seus contratos foi a aquisição de plantas já existentes em
outros continentes, como nos EUA. Dentro dessa lógica, ocorreu também a
aquisição da planta brasileira em Araras, São Paulo, no ano de 1921. O final da
guerra encontrou a Nestlé com mais de 40 plantas.
Ao longo de sua trajetória, o crescimento se fez constantemente presente.
Com o advento da maior liberalização do comércio internacional, esse crescimento
se intensificou. Após 1985, a Nestlé adquiriu diversas empresas, além de
participações societárias em outros empreendimentos, o que caracteriza este
período como sendo de intenso processo de aquisições, que possibilitaram o
crescimento da empresa (Quadro 02). A realização de parcerias também foi uma 28 Primeira fábrica de leite condensado do mundo, fundada em 1867.
40
das características do período mais recente, e, no tocante aos produtos lácteos,
as principais ações foram dessa natureza. No período mais recente (1990-2006), a
empresa não adquiriu nenhuma empresa específica de processamento de leite,
mas sim empresas que se utilizam de lácteos como insumos de seus produtos
principais.
Na verdade, no segmento de lácteos, a prática predominante foi a
realização de parcerias com empresas cuja expertise principal é na área láctea.
Nesse sentido, destacam-se as parcerias com a Fonterra para atuação nas
Américas e com a Lactalis para atuação no mercado europeu. Em 1999, com a
Pillsbury Company, constituiu uma nova empresa para atuar no setor de sorvetes
e sobremesas congeladas nos EUA. Posteriormente, no ano de 2003, a Nestlé
Suécia, conjuntamente com a Ingman Glass constituiu uma nova empresa, a
Svenska Glasskiosken, responsável pela venda e distribuição de produtos à base
de gelados da Suécia. A Nestlé também adquiriu empresas que lhe propiciaram
entrar em outros segmentos produtivos, por exemplo, as ocorridas nos ano de
1998 e 2002 (ver Quadro 04), com as quais passou a atuar na alimentação para
animais.
41
Quadro 02 – Operações de fusões e aquisições realizadas pela Nestlé, no período 1985-2006
Marca/Empresa Ano da operação
Segmento de atuação Origem do capital
CoffeMate e Friskies 1985 alimentação animal Holanda Carnation 1985 creme de leite Holanda Hills Brothers Coffe 1985 café EUA Libb´s Juicy Juice 1985 sucos EUA L.J. Minor Corporacion Inc. 1986 alimentos preparados EUA Perugia 1988 chocolates Itália Sunmark 1990 açúcar EUA Baby Ruth, Butterfinger e Pearson/ Nabisco
1990 guloseimas EUA
Drumstick Company I.K. Parker 1991 cone de sorvete EUA Perrier 1992 água mineral França Deer Park Utopa 1993 água mineral EUA Vera San Bernardo 1993 água mineral Itália Tnuva 1996 sorvetes Israel Sanpellegrino 1998 água mineral Itália Buitoni 1988 cozinha italiana Itália Spillers/Dalgety 1998 alimentação animal Reino Unido Rowntree Mackintosh 1998 chocolates Inglaterra Klim e Cremora/ Borden 1998 produtos lácteos EUA
Pillsbury 1999 alimentos congelados, gelados e enlatados
EUA
PowerBar 2000 barras nutritivas EUA Chef America 2002 alimentos congelados EUA Garoto 2002 chocolate Brasil Hem Is 2002 sorvete Finlândia Ralston Purina 2002 ração animal EUA Schöller 2002 sorvete Alemanha Dreyer´s Grand Ice Cream 2003 sorvete EUA Delta Ice Cream 2005 sorvete Grécia Erikli 2006 água mineral Turquia Uncle Tobys 2006 cereais Austrália Jenny Craig 2006 produtos dietéticos EUA Mövenpick e Dreyer´s 2006 sorvetes Suíça
Novartis Medical AG 2007 alimentação hospitalar instrumentos médicos
Suíça
Gerber 2007 alimentação infantil artigos para bebês
EUA
Fonte dos dados: Relatórios da empresa, vários anos.
Os seus principais produtos em termos de vendas são as bebidas,
seguidas dos produtos lácteos (Gráfico 06). Os segmentos em que a empresa
atua são os mais diversos, desde água até o ramo farmacêutico, em que atua com
as marcas Alcon e Galderma. Em função da grande diversificação de produtos, os
lácteos representam apenas 20% das vendas do grupo. Enquanto categoria
42
específica de produtos, o segmento lácteo vem perdendo em participação dentro
do grupo. Entretanto, a matéria-prima leite está na base de uma série de outras
categorias de produtos, sendo da maior relevância para a empresa. Dessa forma,
ainda que os produtos lácteos sejam apenas uma fração dos seus produtos, a
empresa é uma das principais captadoras de leite em praticamente todos os
mercados onde atua.
Gráfico 06 – Distribuição das vendas mundiais da Nestlé, por grupo de produtos, em 2006
nutrição6%
chocolate e biscoitos
10%
comida para animais12%
diversos8%
pratos prontos18%
lácteos20%
bebidas26%
Fonte dos dados brutos: Nestlé (2007).
A diminuição da participação setor lácteo no faturamento gerado pelo
amplo leque de produtos da empresa pode ser contatado pelo dado recente, do
ano de 2001, quando as vendas de lácteos correspondiam a 27% das vendas
totais. Gradativamente a empresa vem expandindo seus campos de atuação e,
ainda que a representatividade do setor tenha diminuído em participação, a
Nestlé, dentro do setor lácteo, continua a ser líder mundial.
A sua marca principal é a Nestlé, mas possui outras diferentes em
produtos específicos. As principais marcas utilizadas nos produtos de origem
láctea são Nestlé, Nido, Nespray, Ninho, Carnation, Milkmaid, La Lechera, Moça,
Klim, Glória, Svelty, Molico, Nestlé Omega Plus, Bear Brand, Cofee-Mate; e nos
43
refrigerados, Nestlé, LC1, Chamyto, La Laitière, Sveltesse, Yoco, Svelty Molico
(Anexo A9). Algumas são de abrangência mundial e outras de abrangência
regionalizada, mais ainda que essas persistam, a identidade visual das marcas é
única, remetendo sempre para uma marca mundial. As marcas principais são
responsáveis por aproximadamente 70% das vendas.
Gráfico 07 – Distribuição das vendas mundiais da Nestlé, por região produtora, em 2006
outros10%
águas10%
Ásia, Oceania e África17%
Américas34%
Europa29%
Fonte dos dados brutos: Nestlé (2007).
Como já foi dito anteriormente, na história mais recente da Nestlé,
destacam-se diversas parcerias implementadas, que objetivaram a diminuição de
custos e o aumento da market share. Isso se verificou tanto na área de lácteos,
por meio de parceria estabelecida com a Fonterra, que deu origem à Dairy
Partners of America (DPA, para atuação nas Américas), quanto na área de
cereais, com na parceria estabelecida em 1990 com a General Mills, que deu
origem a Cereal Partners Worldwilde S.A. (CPW) (Friendly, 2005). Em 2001
estabeleceu uma aliança com a Coca-Cola, que deu origem à Beverage Partners
Worldwide (BPW). Realizou também uma joint-venture com a L’Óreál, empresa
na qual possui participação acionária, para o desenvolvimento de um suplemento
nutricional com finalidade estética (denominado de Inneov).
44
Em vista de sua importância para a cadeia láctea no Brasil, cabe detalhar
a operação referida, a constituição da empresa Dairy Partners of America (DPA).
Esta formou-se com 50% do capital pertencente à Nestlé e 50% pertencente à
New Zealand`s Fonterra Cooperative Group Ltda. Essa joint-venture foi realizada
em 2002 buscando aumentar a competitividade na produção de leite. Assim, a
Nestlé se associa com a Fonterra, tendo em vista as competências específicas
desenvolvidas pela empresa neozelandesa, para obter um melhor desempenho
nas atividades relacionadas com a coleta do leite fresco e a produção do leite em
pó no continente americano. No tocante à produção de leite em pó, a DPA tem
como cliente preferencial a Nestlé, o excedente é vendido a Fonterra, sendo que
os produtos da DPA têm prioridade, em relação aos produtos gerados na matriz
da Fonterra, nas vendas dessa empresa para o continente americano. A DPA
também se responsabiliza pela administração das operações que envolvem os
refrigerados lácteos e os produtos UHT, atuando na coleta do leite fresco, na
produção dos produtos, no marketing, envolvendo vendas e distribuição dos
produtos. Inicialmente a estrutura da DPA se constituiu de nove plantas, uma na
Venezuela (Fonterra), uma na Argentina (Nestlé) e sete no Brasil (Nestlé).
Outra parceria relevante da Nestlé no setor de lácteos foi a constituição,
no ano de 2006, da aliança com a Lactalis, na área de produtos frescos e
refrigerados, denominada de Lactalis Nestlé Produtos Frescos. Essa joint-venture
passou a ser responsável pela produção e comercialização dos produtos lácteos
frescos (iogurtes e sobremesas lácteas), realizando operações transferidas pela
Nestlé. A nova empresa tem 40% de seu controle acionário exercido pela Nestlé e
60% pela Lactalis. Essa joint-venture envolveu 13 unidades industriais, sendo
nove na França, três na Espanha e uma no Reino Unido. Em termos de recursos
financeiros, a aliança constituiu uma empresa com patrimônio de 1,5 bilhão de
euros. Essa parceria busca enfrentar o maior produtor de lácteos frescos mundial,
a empresa Danone, tratada a seguir. As marcas contempladas nessa parceria
foram B`A, Nestlé, La Laitiére, Yoko Bridel e Sveltesse (na França e Bélgica);
Ekabé em Luxemburgo; Sky e Munch Bunch no Reino Unido; Longa Vida e Yoggi
em Portugal; La Lechera na Espanha; Fruttolo e Mio na Itália e Hiz na Suíça.
45
Essas marcas continuam sendo propriedades das empresas originárias e
possuem gestão autônoma para os produtos envolvidos na aliança.
Uma característica comum a essas duas parcerias é que, em decorrência
delas, a Nestlé deixa de atuar diretamente na produção em segmentos nos quais
não era especialmente forte.
Para o desenvolvimento de produtos e processos, a Nestlé investe em
atividades de pesquisa e desenvolvimento a partir de seu Centro de Pesquisa,
situado na Suíça, que emprega em torno de 650 pessoas, sendo 300 cientistas.
No ano de 2004, esse centro registrou 20 patentes e publicou em 268 periódicos
científicos. Todos esses gastos objetivam a conquista de inovações (de produtos e
processos), que podem sustentar lucros de caráter monopolista. No período 2000-
2004, mais de 700 produtos foram renovados ou introduzidos, sempre tendo como
foco a questão do “bem viver”. Além de oito departamentos científicos, os
pesquisadores trabalham em parceria com as principais universidades e centros
de pesquisa mundiais, integrando virtualmente suas pesquisas numa rede mais
ampla.
Ainda que as atividades de P&D estejam centralizadas no Centro de
Pesquisa na Suíça, as plantas regionalizadas têm autonomia para adaptação dos
produtos aos paladares onde se encontram situadas. Essas adaptações são
realizadas a partir de centros de pesquisa regionalizados, implicando que a cultura
da inovação esteja relativamente disseminada por toda a empresa.
Em toda sua trajetória de expansão, contata-se um processo de
diversificação da empresa e de diferenciação de produto. Freqüentemente, esses
processos tiveram como mote a busca de um melhor modo de vida, de maior bem-
estar e boa saúde em todas as fases de vida, enquanto objetivos que podem ser
alcançados através de uma certa nutrição. Em decorrência dessa opção, nas
últimas décadas a empresa tem desenvolvido uma série de produtos para as
distintas fases da vida. Segundo a perspectiva da própria empresa, ela considera
seu consumidor potencial como pessoas com renda anual igual ou superior a
46
1.500 dólares, estimando que, até 2010, cerca de 1 bilhão de pessoas no mundo
passariam a ter ganhos suficientes para se qualificar como consumidores da
Nestlé.
O que se pode notar é que, ao longo dessa trajetória de crescimento, a
empresa sempre esteve comprometida com a inovação, direcionando seus
esforços de forma a produzir mercadorias com maior valor agregado e que
possam ser relacionadas com uma vida mais saudável. Além da construção de
marcas reconhecidas e de redes de distribuição, a inovação tem sido um fator
decisivo a possibilitar a liderança da Nestlé no setor.
Em sua busca pelo crescimento, essa empresa tem como objetivo
declarado ser a mais global das empresas de alimentos. Para isso trabalha numa
incessante padronização de seus produtos, com o objetivo de que o consumidor
reconheça os produtos Nestlé em qualquer lugar do mundo, revelando a
importância conferida à marca.
Em 2006, a empresa estava presente em 69 países, com 481 plantas
produtoras e 265.000 empregados, possuindo subsidiárias em mais de 100
países. Na Europa, possui atuação em 21 países, entre os quais se destacam a
França, com 40 unidades produtivas, a Alemanha com 24, a Itália com 23, o Reino
Unido com 22, a Espanha com 18 e a Suíça com 10 plantas industriais..
Gradativamente, a empresa passou a organizar a produção e a distribuição de
forma a minimizar os seus custos de transação. Nesse sentido foram montados
cinco centros mundiais de compra para a realização das compras das diferentes
unidades de forma consorciada. Durante esse processo de renovação e
adequação, que implicou a eliminação de algumas linhas não estratégicas29, a
empresa passou por uma reestruturação física, concentrar espacialmente sua
29 No ano de 1998 foram eliminados a mozzarella na Itália, os iogurtes com aditivos de sabor e o queijo no Chile, pois foram considerados produtos não estratégicos (Nestlé, 1999b).
47
produção num menor número de plantas, com resultado de maior racionalização
na produção.30
Dentro de uma estratégia maior, de alcance global (sistema GLOBE); e
fundamentada no fortalecimento das marcas e na inovação, todas as áreas da
empresa têm passado por um processo de renovação dos produtos tradicionais,
através da incorporação de componentes nutricionais. No caso do leite, os
destaques são para a diferenciação de produtos, evitando o tratamento do leite
como uma simples commodity. O foco da inovação encontra-se não apenas nos
produtos – conteúdo e embalagem – mas também nos processos, passando
também a empresa a diversificar em linhas tradicionais de produção, com a marca
relativa ao leite condensado.
2.2 Lactalis
A Lactalis é um grupo empresarial especializado em lácteos, com sede na
França, que possuía, em 2006, 29.000 empregados nas suas 112 plantas
industriais, sendo 69 dessas localizadas no país-sede.31 (Anexo A10). Destaca-se
atualmente por exercer a liderança na produção de queijos especiais (queijos
finos).
A origem do grupo data de 1933, ano de fundação de uma pequena
fabriqueta de queijos por André Besnier na cidade francesa de Laval (em uma
região típica de produção leiteira), denominada “Sociéte Laitière de Laval A.
Besnier et cie”. No ano de 1961, esse empreendimento passou a ser designado
de “Sociéte Laitière Besnier” e, em 1999, transformou-se no Lactalis Group, atual
designação da empresa.
30 Na produção de leite infantil, por exemplo, diminuiu o seu número de plantas, passando de 13 plantas produtoras para 10 nas Américas. No caso da América Latina, a produção ficará concentrada na planta paulista de Ibiá. 31 Dados obtidos em www.lactalis.fr
48
Ao longo de sua trajetória, essa empresa foi se expandindo alicerçada
sobretudo numa política de aquisições. Nos anos 1970, possuía apenas sete
plantas produtivas – Laval, Mayenne, Vitré, Rouez, Barbery, Conde e Athis – todas
elas queijarias. No ano de 1980, ainda exclusivamente em território francês,
contava com 27 plantas produtivas. Nos anos 1980, iniciou sua expansão em
território externo à França, com a aquisição da empresa americana Belmont em
1981. O período 1985-2006 foi marcado por uma série de fusões e aquisições,
relacionadas no Quadro 03.
Quadro 03 – Operações de fusões e aquisições realizadas pela Lactalis, no período 1985-2006
Empresa envolvida Ano da operação Segmento de atuação Origem do capital Aquisições
Bacha n.d Polônia Claudel Roustang Cia (subsidiária da Nestlé)
1985
n.d
Solaisud Mountauban (proprietária da marca Lactel)
1988 n.d França
Californian Atlantis Dairy 1989 queijos EUA Ekabe 1989 queijos Luxemburgo Grupo Bridel 1990 n.d Grupo Valmont (Valmont,, Chèvretines, Rondelé)
1991 n.d Polônia
Girod 1991 queijos Marcillat 1996 queijos França Polser 1996 n.d Polônia Cooperativa Nikolaïev 1996 n.d Ucrânia Locatelli 1997 queijos Itália D. Brough (aquisição em parceria com a cooperativa belga Walhorn Mölkerei)
1999 n.d n.d
Concord Marketing 1999 queijos EUA Simplot Dairy 1999 queijos EUA Grupo Bell 2002 n.d n.d Invernizzi (subsidiária da Kraft) 2003 queijos Itália Foodmaster Internacional 2004 Grupo El Prado Cervera 2004 leite e produtos lácteos Espanha Central Lechera Vallisoletana (Alliança Agroalimentar 3A)
2004 leite e produtos lácteos Espanha
McLelland 2005 queijos Escócia Rondele 2004 especialidades EUA Kurov 2004 queijos Polônia Cademartori (proprietária da marca Presidente)
2005 lácteos n.d
Célia 2006 n.d n.d Galbani 2006 queijo Itália
Fontes: sites diversos (relacionados na bibliografia).
49
O resultado dessa política ativa de aquisições nos anos 1990 foi a
totalização de 112 unidades processadoras em 2006 e a propriedade sobre uma
série de marcas destacadas na área de lácteos.32 Atualmente, as principais
marcas transacionadas são Président, Bridel e Lactel. É uma empresa que atua
predominantemente na área láctea e sua principal fonte de receita são os queijos
(Anexo A11).
Além do crescimento alicerçado numa política de incorporação de
unidades pré-existentes, sua expansão também ocorre através do
estabelecimento de parcerias com diferentes empresas, visando incorporar novas
marcas, já reconhecidas, ao seu já extenso portfólio. No ano de 2005, incorporou
ao seu portfólio de marcas a Président, com distribuição em mais de 128 países e
com uma gama diversificada na área de derivados lácteos, com destaque para a
manteiga.
No final desse período, a Lactalis realizou uma joint-venture com a Nestlé,
já referida, com o objetivo de criar a segunda maior companhia de produtos
lácteos frescos do mundo. Essa aliança entrou em operação no ano de 2007 e foi
detalhada no item anterior. Diferentemente da empresa líder no setor de lácteos, a
Lactalis é uma empresa cuja expertise está nos produtos lácteos. A filosofia da
empresa é diferente daquela da líder no setor, que se constitui em uma empresa
de alimentos. No caso da Lactalis, sua atuação é focada em lácteos e mais
especificamente em lácteos frescos, destacando-se sobretudo nos produtos com
maior agregação de valor.
32 No ano de 2006 as seguintes marcas integravam o seu portfólio: André Collet, B'A, Beulet, Boule d'Or, Bridel, Bridélice, Bridelight, Chaussée aux moines, Chèvretine, Dukat Mlijecna Industrija, Finetta, Foodmaster International, Fourme de Montbrison, Fromagerie du Pont de Pierre, Galbani, Kunin, La Laitière, Lactel, Ladhuie, Lanquetot, Le Châtelain, Le Roitelet, Lepetit, Les Petits Amis, Locatelli, Louis Rigal, Marcillat, Maria Grimal, Mascarpone, McLelland, Moutain Farms, Nicolait, Péché Mignon, Pizzaiola, Pochat, Polser, Président, Raguin, Rondelé, Rouy, Saint Morgon, Salakis, Santa Lucia, Société, Sorrento, Sveltesse, Vallée, Valmont e Yoco (Anexo A4).
50
2.3 Danone
A estrutura atual do grupo francês Danone é resultante da fusão de dois
grupos franceses, no ano de 1973: o grupo Gervais Danone e o grupo BSN,
produtor de vidros e embalagens. O embrião do Gervais Danone foi a primeira
unidade industrial voltada para a produção de iogurtes, criada em Barcelona, na
Espanha, por Issac Carrasco, no ano de 1919.33 A planta francesa para produção
de iogurtes data de 1932. O grupo BSN, fundado em 1966, originalmente
dedicava-se ao fabrico de utensílios de vidro e, a partir de 1968, também passou a
atuar no ramo de processamento de alimentos. A denominação Danone foi
adotada para designar a atual empresa somente a partir de 1994. Atualmente, as
competências centrais do grupo, que realiza produção em 150 países e emprega
mais de 88.000 funcionários, são os produtos lácteos e as águas minerais
(Danone, 2007).
No ano de 2006, a empresa foi responsável por 15,1% do mercado
mundial de lácteos frescos, participação que a coloca na liderança deste
segmento do setor lácteo. No mesmo ano, também se destacou no setor de água-
mineral, no qual foi a vice-líder mundial em vendas (Danone, 2007). Até o ano de
2006, também era líder na produção de biscoitos. Contudo, devido a uma
estratégia de centrar esforços nos segmentos que vêm apresentando um
crescimento maior e com maiores possibilidades de expansão, a Danone tem
vendido plantas e empresas envolvidas nas operações que não são escolhidas.
Em 1982, a empresa já havia se retirado da atividade de produção de vidros e
embalagens e, em 2007, foi a vez de se retirar da atividade de produção de
biscoitos.
O setor lácteo vem aumentando sua importância nas atividades da
empresa, devido a investimentos para a geração de ativos intangíveis, através de
atividades de P&D realizadas em seus centros de pesquisa. No ano de 2006, o
33 O nome Danone derivou da união do apelido de Daniel, filho de Issac, com a palavra “um” em inglês, DAN+ONE.
51
setor havia sido responsável por 56,4% do total das vendas do grupo (Gráfico 08).
Em 2007, após nova reorganização, em decorrência da venda da parte relativa a
biscoitos (para a Kraft Foods) e da completa incorporação da Royal Numico,34 os
produtos lácteos passaram a ser responsáveis por 51% das vendas totais, os
produtos relativos à nutrição infantil, por 22%, e as bebidas, por 27%
Gráfico 08 – Distribuição da vendas mundiais da Danone, por grupo de produto, em 2006
produtos lácteos frescos
56%
biscoitos16%
bebidas28%
Fonte: Danone (2007)
Nos segmentos em que atua, a empresa trabalha com apenas duas
marcas principais, de utilização mundial: Danone, para os produtos lácteos e
águas minerais; Evian, usada apenas nas bebidas (Anexo A12). A marca principal
é a Danone, responsável por 40% das vendas do grupo em 2006, (Danone, 2007).
Os rendimentos da empresa encontram-se amplamente baseados na
Europa (Gráfico 09). Buscando ampliar sua inserção em todo o mundo, a Danone
acabou por estabelecer alianças em diversos países. Em sintonia com as
transformações em curso, a Danone entrou no mercado chinês em 1996, quando
34 Royal Numico é responsável pela produção, comercialização e venda de alimentos para bebês e nutrição clínica. Em setembro de 2007 foi publicada uma nota prévia sobre o processo de concentração (União Européia, 2007).
52
estabeleceu parceria com a empresa chinesa, fabricante de bebidas, Wahaha.
Essa forma foi utilizada para entrar nesse mercado devido à legislação chinesa,
que possibilita a entrada de empresas estrangeiras apenas através do
estabelecimento de joint-venture.
Gráfico 09 – Distribuição das vendas mundiais de lácteos da Danone, por região, em 2006
Europa68%
América do Norte14%
resto do mundo4%
América Latina14%
Fonte: Danone (2007)
A Danone é a principal acionista da empresa japonesa Yakult Honsha. Em
2003 passou a deter 19,6% do capital da empresa, que se destaca pela produção
de bebidas com lactobacilos. No ano de 2000, a Danone havia declarado a
intenção de fusão com a empresa japonesa, o que depois acabou não se
concretizando (Invertia, 2003).
A estratégia principal da Danone está apoiada na inovação tecnológica e
conseqüentemente no lançamento de novos produtos. No caso da Danone, a
opção é por produtos com propriedades funcionais, que procurar atestar
cientificamente, e cuja venda pode se apoiar nos resultados de pesquisas
científicas. Atualmente a empresa prioriza seu desenvolvimento e sua atuação em
produtos cujas marcas procura associar aos benefícios à saúde, ainda que
53
enfatize que sua produção é de alimentos e não medicamentos. O foco atual das
pesquisas está relacionado com a busca de propriedades funcionais e
nutracêuticas nos alimentos. E esse mote é explorado ad infinitum pelo marketing.
Esse diferencial só é possível com esforços sistemáticos de pesquisa e
desenvolvimento de processos e produtos, o que se materializa na rotina adotada
pela empresa de destinar 1,2% de suas receitas em P&D (US$ 240 milhões em
2006). O lançamento dos produtos da linha Corpus, Activia e Actimel (reforça o
sistema imunológico), assim como o Essencis (capacidade de nutrir a pele) foram
resultados de significativos investimentos em P&D.
A utilização de conhecimentos científicos possibilitou a Danone a
conquista da liderança no negócio de alimentos funcionais. Em 2006, a marca
Activia foi responsável por quase 2 bilhões de dólares em vendas mundiais (Valor,
2007). A política de desenvolvimento de produto encontra-se dispersa em vários
países, através de alianças com pesquisadores e universidades locais.
2.4 Dean Foods Company
Empresa sediada em Dallas, Texas, a Dean Foods é líder nacional no
processamento e distribuição de leite fresco e outros produtos lácteos, sendo
também uma das principais empresas norte-americanas no setor de alimentos e
bebidas.35
No ano de 2007, a Dean Foods esteve presente em todo o território norte-
americano, com 129 plantas indústrias localizadas em 39 dos 50 estados
americanos e em outros três países. Concentra sua atuação no território norte-
americano, sendo que menos de 1% das suas vendas são realizadas fora do
mercado nacional. Essa concentração no território norte-americano é resultante de
uma política deliberada de expansão da empresa predominantemente no seu
35 É também líder em comidas especiais industrializadas. Além da produção de alimentos, a empresa atua na área de embalagens , detendo 43% do controle acionário da principal empresa de containers de plástico rígido dos EUA, a Consolidates Container.
54
território de origem (Dean Foods, 2007).36 A empresa possui um sistema de
entrega direta nas lojas, com mais de 6.000 rotas e atendendo a mais de 150 mil
compradores (postos de venda), numa rede de distribuição de costa à costa nos
EUA. Essa forma de atuação está relacionada com às especificidade dos produtos
transacionados. A Dean Foods foi responsável pela oferta de 33% do leite fluído
dos EUA e pela geração de 26.000 empregos diretos no ano de 2006. Atualmente
essa empresa é cinco vezes maior que principal concorrente na área de lácteos
(Dean Foods, 2007).
A presença da empresa como a primeira no ranking de leite e derivados
nos EUA tornou-se possível em decorrência da política de crescimento adotada
nos anos 1990, sendo o fato mais relevante a fusão com a Suiza Foods, em 2001.
A fusão entre a Dean Foods e a Suiza Foods – monitorada constantemente pelo
governo para evitar a formação de um cartel – ocorreu num período de
aproximadamente oito meses, quando a nova empresa teve de se desfazer de
onze plantas industriais, sem o quê a operação de fusão não se concretizaria.
Após a fusão, a empresa tornou-se responsável por um valor de vendas de US$
10 bilhões anuais, que pertencem aos seus membros cooperados (Dean Foods,
2007).
O foco de atuação da Dean Foods sempre esteve nos produtos lácteos,
porém tem percorrido uma trajetória de crescimento com diversificação, buscando
avançar na agregação de valor. No ano de 2002, adquiriu participação importante
na empresa líder do segmento de bebida refrigerada de leite de soja, a White
Wave. Também nesse ano, lançou, através da filial Morningstar Food, um leite
livre de lactose. Entretanto, os produtos lácteos permanecem como os principais
responsáveis pelo faturamento da empresa, correspondendo a 87% das vendas
totais no ano de 2006.
36 A expansão recente da empresa pode ser notada pelo dado do ano de 2005, quando a empresa possuía 97 plantas industriais localizadas em 34 estados norte-americanos (Dean Food, 2006).
55
Na busca pela diferenciação, essa empresa tem centrado esforços na
produção de leite orgânico.37 Investe em melhorias de qualidade dos produtos e
está voltada também para os produtos orgânicos, ampliando assim o valor
adicionado, que é distribuído aos produtores primários na forma de maiores
ganhos na geração da matéria-prima. Como a maioria das empresas alimentícias,
a Dean Foods também atende ao apelo por uma vida saudável, através do
enriquecimento nutricional dos produtos.
Como pode ser observado no Quadro 04, o foco do crescimento da
empresa esteve na expansão horizontal. As operações de fusões e aquisições
realizadas por esse grupo econômico sempre contemplaram a compra de
empresas com marcas regionais importantes, de destaque no mercado norte-
americano. Ao longo de seu processo de expansão, a Dean Foods foi
gradativamente adicionando importantes marcas regionais e hoje conta com mais
de 50 marcas regionais.38 Essa foi a estratégia utilizada na busca da liderança nos
EUA. Mais do que a compra dos ativos tangíveis, as aquisições realizaram-se em
função das marcas, os ativos intangíveis. Ainda que independentemente sejam
marcas fortes, não existe uma unidade entre as marcas pertencentes à empresa
(Anexo A16). Além da produção com marcas próprias, a Dean Foods também
produz para outras marcas.
37 Sem a presença de hormônios. 38 As principais marcas próprias da empresa são Adohr Farms, Alta Dena, Barbe's, Bell/Gandy's, Berkeley Farms, Brown's Dairy, Broughton, Country Charm, Country Fresh, Creamland, Dairy Gold, Dairy Ease, Dean's, Fieldcrest, Flav-O-Rich, Gandy's, Garelick Farms, Lehigh Valley Farms, London's, Maplehurst, Mayfield, Meadow Gold, McArthur, Meadowbrook, Milk Chug, Model Dairy, Oak Farms, Poudre Valley, Price's, Purity, Reiter, Robinson, Schenkel's All Star Dairy, Schepps, Shenandoah's Pride, Louis Trauth Dairy, T.G.Lee, Tuscan, Verifine, Wengert's and West Lynn Creamery.
56
Quadro 04 – Operações de fusões e aquisições realizadas pela Dean Food, no período 2002-2007
Empresa Ano da operação Segmento de atuação Capital originário
White Wave 2002 leite de soja EUA
Ross Swiss Dairies 2004 distribuição de leite EUA
Milk Products of Alabama 2004 lácteos EUA
Gilbert Dairy 2006 lácteos EUA
Friendship Dairies Inc. 2007 lácteos EUA
Fonte: Dean Food, site institucional
Sua atuação fora dos Estados Unidos é pequena. Entrou na Europa a
partir da Península Ibérica, ainda que depois tenha se desfeito dessa planta. No
Reino Unido, tem se destacado na produção de produtos orgânicos, sendo a
marca Rachel´s Organic a principal marca de leite orgânico e a terceira na área de
iogurtes orgânicos. Não possui produção na América Latina e os produtos lácteos
entram no Brasil através de importações. Devido ao objetivo estratégico de
concentrar suas operações na América do Norte, a empresa vendeu, em 2006, as
empresas Leche Celta em Portugal e na Espanha (Dean Foods, 2006). Essa
concentração das atividades nos Estados Unidos, associada às referidas
especificidades dos produtos transacionadas, implicam a utilização de transporte
diferenciado, do tipo refrigerado.39
No período subsequente à fusão com a Suiza Foods, a empresa
promoveu uma reorganização no centro de operações, extinguindo aquelas
operações coincidentes. Isto levou a uma redução de aproximadamente 200
postos de trabalho em três localidades distintas ao longo de 12 meses.
Em 2002, a Dean Foods ampliou sua parceria com a Land O’Lakes, ao
realizar acordo de licenciamento da marca para uma série de derivados lácteos,
39 Essa necessidade levou a que a empresa adquirisse, no ano de 2004, por exemplo, uma distribuidora na Califórnia (Quadro 04).
57
mais especificamente de leites fluídos.40 Em 2006, a empresa registrou o quarto
ano consecutivo de crescimento de sua participação de mercado nos EUA .
2.5 Arla Foods
Cooperativa especializada na área de lácteos e derivados, sediada na
Dinamarca, a Arla Foods é resultante da fusão das empresas MD Foods, da
Dinamarca, e da Arla, da Suécia, concretizada no ano de 2000, culminando um
processo de cooperação entre as duas empresas que teve início em 1995. Como
orientação geral, a construção de alianças faz parte do ambiente institucional na
qual a empresa atua, afinal suas origens estão no movimento cooperativo.
A Arla Foods possuía no seu quadro de captação, em 2006,
aproximadamente 10.000 produtores de leite (Arla, 2007). A empresa tem
destaque entre as principais empresas lácteas em diversos países europeus e
lidera no Reino Unido. Ao longo dos anos, a empresa buscou seu crescimento
baseando-se na ampliação das cotas na captação de leite. Num ambiente
controlado, onde o crescimento possível está relacionado com ganhos de escala,
as fusões e aquisições se fazem necessárias em face da rede de fornecedores
que integram cada empresa e as relações estabelecidas entre a empresa
processadora e os fornecedores da matéria-prima passam a ter importância
capital.
No ano de 2006, a área de lácteos foi responsável por 95,7% do
faturamento da empresa, sendo o principal grupo o de produtos frescos lácteos
(Gráfico 10). Seus produtos são consumidos em boa parte do território mundial.
Entretanto, como esses produtos se apresentam com marcas diferentes em
territórios diferentes, não se estabelece uma identidade entre as distintas marcas.
40 Excetuando-se os queijos e a manteiga. Land O’Lakes é uma marca tradicional, cujo início data de 1924, devendo a sua popularidade à Minnesota Cooperative Creameries Association. Em 1945, quando do fim da II Guerra Mundial, essa empresa era a maior produtora de leite em pó dos EUA. Nos anos 1950, entrou no negócio do leite fluído. Também nesses anos associou sua marca a um modo de vida moderno. No ano de 2000, foi criada a joint-venture com a Dean Foods, denominada Land O’Lakes Farmland Feed (Land O’Lakes, 2004).
58
Com isso, a unidade produtiva por trás das marcas e a consequentemente
diminuição da concorrência passam despercebidas perante o mercado
consumidor europeu.
Gráfico 10 – Distribuição da vendas mundiais da Arla, por grupo de produto, em 2006
outros produtos7%
produtos em pó12%
manteiga/pastas 12%
queijo25%
produtos frescos44%
Fonte: Arla Foods (2007)
A atuação da Arla Foods ocorre predominantemente em território europeu
(Gráfico 11). Em 2006, apenas 13% do seu faturamento proveio de plantas
localizadas fora da Europa. Entretanto, a empresa vem expandindo
gradativamente as suas fronteiras de atuação, aumentando sua inserção nos
territórios norte-americano e chinês.
59
Gráfico 11 – Distribuição das vendas mundiais de lácteos da Arla Foods, por região, em 2006
EUA 5%
União Européia - outros 17%
Suécia 21%
Dinamarca 18%
Reino Unido 30%
resto do mundo8%
Fonte: Arla Food (2007)
A estratégia de crescimento da empresa esteve baseada em operações
de fusões e aquisições, na diversificação e na realização de alianças, buscando
maior agregação de valor aos seus produto. A escolha desse conjunto de
estratégias está relacionada com um provável declínio dos subsídios para
exportação na Comunidade Européia. A presença dessa ameaça reforça a
importância de aquisições de plantas em outros países. Essas diversas operações
(Quadro 05) permitiram à Arla Foods tornar-se a quinta empresa em faturamento
no ramo lácteo no ano de 2006, enquanto no ano de 1990 ocupava apenas a 15ª
posição.
60
Quadro 05 – Operações realizadas pela Arla Food no período 1985-2006
Empresa envolvida Ano da operação
Segmento de atuação Origem do capital
Aquisições
Tholstrup Cheese´s Dairy n.d. queijos finos EUA
National Cheese 2005 queijos Canadá
Ingman Foods 2006 lácteos Finlândia
White Clover Dairy 2006 lácteos EUA
Fusão
Express Dairies 2003 lácteos Inglaterra
Joint-Ventures
China Mengniu Dairy Company 2006 lácteos China
Fonte: Arla Foods, site institucional.
Algumas das operações descritas no Quadro 05 originaram-se de alianças
anteriores, como por exemplo no caso da empresa White Clover Dairy, que era a
parceira responsável pela produção da marca Arla para o mercado americano,
sendo posteriormente incorporada ao grupo principal. O fechamento de plantas
produtivas e a extinção de marcas também se verificaram no período recente,
havendo redução gradativa do número de marcas trabalhadas.
A Arla Foods também centra seus esforços na produção de derivados do
leite com maior valor agregado, como no caso dos queijos e das proteínas obtidas
a partir do leite. Buscando adicionar valor aos seus produtos, a empresa
atualmente participa de um projeto mais amplo, um fundo de investimentos para
geração de alta tecnologia em nível setorial, visando desenvolvimento de
ingredientes e proteínas do leite, assim como solução para alguns problemas de
natureza ambiental, como o consumo de água e de energia na fase de produção.
Assim, como resultante das operações financiadas por esse fundo de pesquisa,
foram lançados aproximadamente 200 produtos no ano de 2006.
61
2.6 Cooperativa Fonterra
Sexta empresa em vendas no segmento lácteo no ano de 2006, a
Fonterra está situada na Nova Zelândia e constitui-se na maior cooperativa láctea
da Oceania e é a segunda maior cooperativa láctea do mundo. Essa nova
cooperativa é resultado de uma série de fusões e transformações, num movimento
de concentração das então principais cooperativas (Stuart, 2002). Suas origens
provém da New Zealand Dairy Group (NZDG) e da Kiwi Cooperative Daires – duas
grandes cooperativas – e de duas menores, a Tatua Cooperative Dairy Company
Limited e Westland Co-operative Dairy Company Limited, quando em 2001 os
cooperados decidiram, por voto, em formar a Fonterra Group Cooperative.
No período 2006/07, a empresa processou 14 milhões de toneladas de
leite. A ela estão vinculados aproximadamente 11.000 produtores rurais e foi
responsável pela geração de 16.400 empregos diretos no ano de 2007 (Fonterra,
2007). Seu faturamento, em 2006, da ordem de 6,7 bilhões de dólares , equivaleu
a 6,6% da PIB neozelandês, constituindo-se na maior exportadora mundial de
laticínios. As exportações a partir da Nova Zelândia realizam-se através da New
Zealand Dairy Board (NZDB).
A Fonterra caracteriza-se por ser uma cooperativa de “novo tipo”. Ainda
que tenha os mesmos princípios das cooperativas tradicionais, a forma de
obtenção dos objetivos difere.41 Nesse novo padrão, a valorização ocorre através
das ações detidas pela cooperativa.
Em função de seu próprio tamanho e do local onde está sediada, o
processo de crescimento dessa empresa passava necessariamente por uma
expansão externa. Desde sua recente formação, essa empresa cooperativa tem
se expandido de modo a entrar nos mercados da Índia, da Austrália, da Europa e,
41 Ainda que seja uma cooperativa, a Fonterra caracteriza-se por uma atuação diferenciada, porque os produtores têm participação determinada por sua produção, diferentemente do que ocorre em uma cooperativa tradicional. Desta forma, são remunerados através do preço do leite e mais ganhos de capital. Além disso, o peso do voto do cooperado é proporcional à sua produção, cabendo-lhe um voto por tonelada de leite anual. Essa configuração rompe com a lógica cooperativa de igualdade entre os produtores.
62
mais recentemente, nas Américas. No Brasil sua atuação ocorre através da DPA,
em aliança já referida com a Nestlé, para atuação nas Américas. Em alguns
países a estratégia escolhida para a expansão foi a aquisição de empresas, como
no caso do México – aquisição da Eugênia e da La Mesa, produtoras de queijo.
Na grande maioria dos países, sua atuação ocorre através do estabelecimento de
alianças estratégicas, como na Índia, segundo mercado mais populoso do mundo,
onde sua entrada deu-se através do estabelecimento de uma joint-venture com a
Britannia Industries. Nos Estados Unidos, atua junto com a Dairy Farmers of
América (DFA), na Inglaterra, com a Arla Foods. Na Austrália, está aliada com a
Bonlac Foods. No ano de 2002, a Fonterra juntamente com a Bonlac e outros
acionistas minoritários, criaram a Australasian Food Holdings, responsável por
30% do comércio internacional de lácteos.
Em vista disso, a Fonterra tem uma atuação bem distribuída
mundialmente, como pode ser observado na distribuição regional do seu
faturamento em 2006 (da ordem de 5.583 $NZ milhões), tendo no continente
asiático a principal origem (Gráfico 12). Como se indicou, a atuação regionalizada
ocorre sempre em parceira com os principais agentes locais, o que permite a
valorização do capital da empresa em todo o mundo, através de alianças que
constituem uma rede global de produção.
Através das parcerias, a empresa está associada a importantes marcas
mundiais em escala regional. Nessa inserção de mercado mundialmente
distribuída, a Fonterra atua com múltiplas marcas, algumas mais regionalizadas,
como Mainland, Meadow Fresh, Galaxy Ferndale, Nature´s Energy, Cool Change,
Sunspray, Naturalea, Tararua, Kiwi, Huttons, Brooks, Hop Tat and Hungry, Tip Top
Ice Cream, outras mais internacionalizadas, como Anchor, Fernleaf, Anlene,
Anmum, Chesdale, Peters & Brownes, Bega e Soprole. (Anexo A22).
63
Gráfico 12 – Distribuição do faturamento do grupo Fonterra, por região, no ano de 2006
Oceania21%
Asia 35%
Américas24%
Resto do mundo20%
Fonte: Fonterra (2007).
De um modo geral, a Fonterra promove ações que visam o crescimento da
empresa no mercado asiático e possibilitam um melhor retorno para os acionistas
cooperados. Em 2003, adquiriu 43% da empresa líder da produção de leite em pó
na China, denominada SanLu. Em função das instituições chinesas, a nova
empresa compra leite na própria China, a fim de honrar os compromissos
contratuais assumidos.
As parcerias também são estabelecidas visando avanços tecnológicos
para posterior realização de inovações. Neste sentido, a Fonterra formou parcerias
com a U.S. Dairy Management Inc. para estudar os benefícios do soro de leite
para a saúde humana, bem como com a DFA, nos Estados Unidos (denominada
Dairy Concepts LP) para a produção de proteína concentrada do leite.
A Fonterra é especializada na área de lácteos e a maior parcela no valor
das vendas mundiais (71% em 2006) provêm dos ingredientes alimentícios para a
indústria alimentícia. O destaque nesse segmento é resultado de alianças para
atividades de P&D, como foi o caso da criação da empresa Fonterra Excipients
64
GmbH & CoKG juntamente com a Campina B.V.42 Essa nova empresa adquiriu a
atividade das empresas-mãe, de produção de excipientes farmacêuticos e de
lactose de qualidade alimentar e farmacêutica, para fabrico de produtos de
química fina.
2.7 Dairy Farmers of America (DFA)
A segunda maior empresa processadora da cadeia norte-americana surgiu
em 1998, a partir da fusão das então maiores cooperativas lácteas norte-
americanas: a Associated Milk Producers Inc (AMPI), a Mid-America Dairymen Inc
(Mid-Am), a Milk Marketing Inc (MMI) e a Western Dairymen Cooperative, Inc
(WDCI). Esse processo de concentração resultou na maior cooperativa láctea
norte-americana . Em 2006, estavam vinculados a ela mais de 23.800 produtores,
fazendo-se presente em 48 estados norte-americanos (Anexo A23). O processo
como um todo, iniciou-se em 1996 e, posteriormente, mais três cooperativas
integraram-se à DFA, a Associação das Cooperativas Independentes de
Produtores de Leite (ICMPA), a Associação dos Produtores de Leite do Vale da
Virgínia e a Cooperativa Láctea da Califórnia (Cal-Gold).
A fusão foi a alternativa encontrada pelos dirigentes das principais
cooperativas, com vistas à permanência dos produtores e à defesa de seus
interesses econômicos num ambiente cada vez mais competitivo e dominado por
poucas grandes empresas multinacionais, na área de alimentos. Do ponto de vista
dos produtores de leite cooperativados, fez-se necessário adotar estratégias
semelhantes às das grandes empresas, sem as quais corriam o risco de serem
incorporados, sem manutenção de sua identidade e seus objetivos, nesse
processo. O comprometimento da indústria com as bases produtoras regionais
42 A Campina tem sua expertise na extração de ingredientes lácteos para a indústria alimentar. Tem tradição na pesquisa e desenvolvimento de produtos através da unidade de pesquisa localizada na Holanda. Além da produção de produtos alimentícios também se dedica a produtos na área de saúde, seja com produtos farmacêuticos, seja com a produção de proteínas fragmentadas.
65
poderia ser colocado em xeque. Assim, as empresas pertencentes aos produtores
buscaram a ampliação, por meio da centralização, como forma de sobrevivência.
A DFA atua sobretudo nos Estados Unidos e exporta produtos de maior
valor agregado, geralmente concentrados protéicos de soro de leite e seus
derivados (Anexo A11). Constitui-se em uma líder mundial na produção de queijos
comuns.
Desde o seu surgimento até o ano de 2002, a DFA havia realizado 17
alianças estratégicas, detendo 33 plantas de processamento. A cooperativa capta
parte significativa da produção norte-americana de leite; no ano de 2004, por
exemplo, captou 30% dessa produção norte-americana (Hendrickson, 2005). Ela
foi aumentando sua participação e no ano de 2007 foi responsável pela captação
de 34% do leite norte-americano.
As marcas utilizadas pela cooperativa são Borden e Elsie – marcas
presentes no imaginário coletivo americano – que foram obtidas através de
licenciamento no ano de 1997. Dentre as suas estratégias, destaca-se a prática de
parcerias. Dentro ainda dessa lógica, estabeleceu uma parceria com a Land
O’Lakes para utilização da marca, já renomada e de origem cooperativa, em
produtos como manteigas e queijos. A escolha dessa marca deveu-se ao fato de
que a mesma já estava presente em todo o território norte-americano.
No tocante à estratégia de inovação, a DFA também criou com a Land
O’Lakes, em 2001, a joint-venture Melrose Dairy Proteins SLLCC, para extrair e
produzir comercialmente certas frações do leite. Também com vistas à inovação,
possui um Centro Técnico em Springfield, Missouri, localizado estrategicamente
no centro dos Estados Unidos. Neste centro são realizadas as atividades de
pesquisa e desenvolvimento, contando com a presença de uma usina-piloto em
escala reduzida, que permite aos cientistas a realização efetiva de todos os
processos de uma usina.
66
Buscando ampliar a sua atuação dentro do território norte-americano, a
DFA estabeleceu uma aliança com a New Zealand Dairy Board, para importar
queijos neozelandeses, sob a forma de joint-venture denominada Milk Products
Holding (North America). O objetivo desta é atuar na importação de queijos
neozelandeses (tipos parmesão e romano) para a subsidiária de Wisconsin,
substituindo outras fontes de importação para seu abastecimento. A justificativa
apresentada para a realização da aliança foi a busca de conhecimentos sobre a
Nova Zelândia e sobre como desenvolver mercados de exportação.43 Por meio
dessa parceira, a DFA diversificou seus produtos e ampliou o valor agregado.
Contudo, seu faturamento continua largamente apoiado nas vendas de leite fluido
(Gráfico 13).
Gráfico 13 – Distribuição da vendas mundiais da DFA, por grupo de produto, em 2006
outros9%queijos
12%
leite fluído79%
Fonte dos dados brutos: DFA (2007).
43 “Essa joint-venture irá permitir nos familiarizarmos com a Nova Zelândia e aprender com eles como desenvolver mercados de exportação, que é um dos nossos objetivos também”. Palavras empregadas por Gary Hanman, presidente da DFA.
67
2.8 Kraft Foods
A terceira maior empresa do setor lácteo no bloco da América do Norte
teve seu início nesse mesmo setor, com a Kraft Cheese, e hoje constitui-se no
braço produtor de alimentos do grupo Altria. Fundada em 1903, por James Kraft,
como um atacado para a venda de queijos, gradativamente, através da expansão
e incorporação de outras empresas, foi se transformando em uma empresa de
alimentos. O seu crescimento ocorreu baseado na diversificação e na
diferenciação dos produtos. Durante muitos anos, foi a mais importante empresa
indústrial láctea nos EUA, perdendo a liderança no ano de 2000, quando as
cooperativas passaram por um processo de concentração, que culminou com a
formação da DFA.
No ano de 1988, a empresa de alimentos foi vendida para a empresa
fumageira, Philip Morris, que assumiu 87% de seu controle acionário. No ano de
2003, a holding, acrescida por essa aquisição, passou a se designar Altria Groups,
integrado por Kraft Foods, Philip Morris International, Philip Morris EUA e Philip
Morris Companies. Embora integrando a holding Altria, a administração da
empresa de alimentos ocorre de forma autônoma, por meio de duas
denominações empresariais: Kraft Foods Incorporation, que responde pela
produção norte-americana e canadense, e Kraft Foods Internacional, que atua nas
demais áreas abrangidas. As plantas produtivas encontram-se situadas
predominantemente na América do Norte . A empresa de alimentos tem nos
produtos lácteos o terceiro grupo em importância nas suas vendas mundiais
(Gráfico 14).
68
Gráfico 14 – Distribuição da vendas mundiais da Kraft, por grupo de produto, em 2006
alimentos prontos15%
snacks 29%
diversos15%
bebidas21%
queijos e lácteos 19%
Fonte dos dados brutos: Kraft (2007).
O faturamento da empresa em 2006, por grupo de produtos, encontram
bem distribuído, cabendo cerca de um quinto apenas aos produtos lácteos
(Gráfico 14). A cada grupo de produtos da empresa encontra-se associado um rol
de marcas (Anexo Ax), com menor diversidade do que a maioria das outras
empresas norte-americanas no setor de lácteos. A principal marca na área de
lácteos é a Philadelphia.
69
Gráfico 15 – Distribuição das vendas mundiais da Kraft, por segmento de negócio, em 2006
Fonte dos dados brutos: Kraft (2007).
Como empresa de origem americana e sediada nos EUA, a Kraft tem 79%
das suas vendas mundiais na América do Norte (Gráfico 15) e, da mesma forma
que as demais empresas norte-americanas no setor lácteo, tem aí seu principal
mercado. Entretanto, diferentemente de seus principais concorrentes, desde os
seus anos iniciais teve uma atuação mundializada, buscando uma expansão além-
mar. No final dos anos 1920, já possuía plantas de processamento de queijo na
Inglaterra. No século XXI, encontra-se presente em mais de 150 países. Nos anos
1990, a Kraft realizou com o grupo francês Sodial uma parceria para a produção
de refrigerados lácteos “Yoplat” na Itália, seguindo uma tendência mundial de
realização de parcerias. Com essa ação, galgou o posto de terceiro maior
faturamento no mercado italiano de produtos lácteos (Tonzali, 1997).
Ao longo de sua trajetória, a inovação de produto sempre esteve presente.
Já em 1916 patenteou um queijo processado com maior durabilidade e deu início
a uma trajetória de inovações no setor. A empresa, ao longo de seu processo de
União Européia
12%
Países em desenvolvimento9%
Alimentos de
conveniência - NA19,4%
queijos e comidas prontas -
AN21%
América do Norte - petiscos e cereais18%
América do Norte - bebidas
4%
mercearia - AN 19,5%
70
crescimento, foi se encaminhando para a produção de lácteos com maior valor
agregado, intensivos em tecnologia. Suas competências na área do leite dizem
respeito sobretudo à criação de sabores e aromas, à separação dos componentes
do leite e à modificação das proteínas. Através destas expertises foi concebida
uma série de produtos diferenciados, possibilitando que a empresa auferisse
lucros de monopólio. Assim como as principais empresas de outros blocos, a Kraft
centra-se no desenvolvimento de novos produtos alimentares, introduzidos
inovações originadas nos centros de pesquisa da empresa, localizados nos EUA
(produtos lácteos) e na Europa.
Sua atuação em território brasileiro ainda ocorre de forma periférica.
Entretanto, existem fortes indícios de que esse quadro irá se alterar nos próximos
anos, em decorrência de uma joint-venture estabelecida com a Sadia em 2008,
com o objetivo de produzir e comercializar os produtos com marca Philadelphia,
assim como os produtos lácteos atualmente comercializados pela Sadia – no
caso, queijos e patês de queijos. A forma assumida pela empresa foi de sociedade
anônima de capital fechado.
2.9. Algumas considerações preliminares
Uma abordagem panorâmica da cadeia produtiva láctea, centrada no elo
industrial, permite constatar que o setor lácteo passou por um processo de
reestruturação patrimonial, a exemplo do ocorrido em muitos outros setores
industriais. Essa reestruturação foi resultante das operações de fusões e
aquisições, que foram intensas no período recente, como pôde ser observado
levando-se em conta a trajetória das oito principais empresas mundiais do setor. A
tendência de concentração e centralização de capitais, inerente ao movimento
geral do capital, ganhou intensidade na cadeia láctea em decorrência de
determinadas particularidades do setor. Dentre essas, podemos destacar as
transformações de cooperativas em sociedades anônimas ou mega-cooperativas,
nos EUA e Oceania, as fusões e aquisições motivadas pelo bloqueio à expansão
71
da produção de leite na Europa, bem como a falência de uma importante empresa
do setor, a Parmalat, no começo do século XXI. Os movimentos de centralização
foram realizados na busca de racionalização e reestruturação produtivas, com
vistas à maior competitividade, resultando em um aumento da internacionalização,
com intensificação das trocas e estreitamento das relações externas na cadeia
produtiva. O capital busca sua valorização nos lugares mais diferentes possíveis
e, com a ampliação da concorrência, a concentração dos capitais faz-se
necessária.
Essa é uma tendência natural do capitalismo que pode ser revertida ou
atenuada em decorrência de políticas, sejam institucionais ou públicas. Um
exemplo de transformação dessa tendência é a evolução ocorrido no setor lácteo
na Oceania, onde, sem o apoio governamental, a atividade não teria o mesmo
grau de desenvolvimento tecnológico nem poderia fazer frente às grandes
empresas produtoras da Europa ou dos EUA nos seus e em outros mercados.
A produção de leite, que se encontra na base da atividade industrial,
apresenta uma concentração geográfica determinada pela densidade demográfica
e pelo grau de desenvolvimento dos diferentes paises. Em cada bloco regional, a
captação do leite apresenta também uma concentração empresarial. A atividade
industrial também está organizada como oligopólios nos diversos blocos regionais,
mas a concentração geográfica é distinta da apresentada pela produção primária.
Nota-se que não existe uma correspondência entre os países que são os maiores
produtores de leite in natura e com os paises maiores produtores de produtos
lácteos nas suas mais diversas formas. Também as posições ocupadas pelas
grandes empresas dos distintos blocos regionais no comércio internacional não se
relacionam com a importância relativa dos países e blocos na produção primária.
Uma das diferenças destacadas entre as empresas nos diferentes blocos é a
utilização de agricultura de precisão por parte dos países com maior destaque no
comércio internacional.
As grandes empresas, de modo geral, adotam estratégias baseadas em
inovações, seja nos produtos e processos produtivos, seja na busca de novos
72
mercados consumidores e novas formas de organização da produção. Nenhuma
dessas empresas mantém ou amplia seu poder econômico apoiando-se na
exploração exclusiva de vantagens inerentes aos recursos naturais de que podem
dispor. Nos países desenvolvidos, existe um redirecionamento produtivo das
empresas para aqueles produtos com maior valor agregado, pois, no que se refere
à produção de comoditties as grandes empresas dos EUA e da Europa têm
desvantagem frente aos produtos da Oceania e do Mercosul. Todas as grandes
empresas estão articuladas dentro de uma campanha mais ampla, que destaca a
busca de saúde através dos alimentos. As empresas líderes encontram-se na
ponta desse projeto, mas esse desenvolvimento tecnológico não é exclusivo das
grandes.
As características ainda fragmentárias do mercado mundial de lácteos têm
favorecido um grande número de alianças estratégicas e parcerias envolvendo as
grandes empresas e outros atores regionais. O estabelecimento de parcerias foi
uma das formas estratégicas de atuação mais adotadas pelas empresas,
propiciando acessos cruzados a mercados e tecnologias antes não disponíveis.
Parte das transformações verificadas na atividade industrial da cadeia
láctea está diretamente relacionada com modificações, estimuladas ou
espontâneas, nas preferências dos consumidores. A maior exigência dos
consumidores se materializa no aumento da demanda por produtos mais
elaborados, no incremento significativo na demanda por queijos, na busca de mais
possibilidades de escolha, mais comodidade, melhores qualidade e preço.
As empresas que se destacam também apresentam grandes
investimentos em marketing, além de grandes investimentos em pesquisa e
desenvolvimento de produtos e processos. Apesar das características em comum,
cada uma dessas grandes empresas tem nichos específicos de mercado, e, ao
longo do tempo vem mostrando maior ênfase em torno do respectivo foco,
geralmente envolvendo atividades, produtos e mercados nos quais adquiriu
competência específica e diferencial.
73
O comércio internacional de produtos lácteos envolve uma gama
heterogênea de países, com diferentes capacidades e perspectivas. Mesmo na
Oceania, um bloco regional importante na conformação da cadeia produtiva láctea
e com papel destacado no comércio internacional, a principal produção é de
ingredientes lácteos, fornecendo dessa forma insumos para outras empresas
processadoras, melhor situadas na hierarquia da cadeia produtiva.
O bloco norte-americano ainda participa pouco do comércio mundial, mas
seu volume e valor de produção é considerável, em função de seu mercado
interno. Nesse mercado, as cooperativas têm papel importante na cadeia
produtiva e aquelas que se destacam entre as maiores processadoras são
aquelas que passaram por um processo de reestruturação, as cooperativas de
“novo tipo”. Nesse tipo de organização, verifica-se a aglutinação dos produtores,
que fazem valer seus interesses no controle da indústria processadora. Esta
apresenta algumas outras peculiaridades, entre as quais o fato de que a maioria
das ações das empresas são realizadas visando o mercado interno, conferindo
assim um viés local à produção. Em vista disso, as grandes empresas
processadoras são todas originárias dos Estados Unidos, com capital
predominantemente norte-americano. É certo que essas empresas passam pelo
mesmo processo de concentração que é vivenciado pelas demais grandes
empresas lácteas, sediadas principalmente na Europa. Mas mantêm como
especificidade principal serem compostas por capital norte-americano e
produzirem principalmente para o mercado interno. A entrada e atuação de
empresas multinacionais neste mercado tem uma história recente.
Um fator que influenciou as estratégias mais recentes foi a sucessão de
encaminhamentos que foram e serão realizados acerca dos subsídios à produção
de leite, produto agropecuário que, como já foi indicado, recebe a maior parcela de
subsídios. Ainda que diversos movimentos supranacionais tenham buscado a
extinção dos subsídios, o que se observa nas negociações, ano após ano, é a
manutenção dos mesmos com promessas de gradativa queda, mas que acabam
nunca se efetivando. Nos países que se utilizaram de subsídios para estimular a
74
produção, observam-se quadros semelhantes em termos de oferta de leite, pois
geralmente, num segundo momento, foram necessárias outras políticas públicas
para a contenção das despesas com subsídios.
Na Europa, os ganhos das empresas que puderam contar com uma
expansão da oferta de leite dependeram diretamente da ampliação de cotas
produtivas, formalizadas ou não. Nesse contexto, ganha maior importância a
produção primária, em função do seu relativo engessamento e porque trabalha
com ciclos biológicos lentos, relativos à (re)produção animal, que não podem ser
fortemente alterados. Em face desse quadro, a tendência é que a produção
européia de leite fluído diminua sua participação mundial, cedendo espaço para
uma maior produção naqueles países onde o protecionismo não vigora.
A cadeia produtiva láctea pode ser considerada uma cadeia em escala
global, visto que os agentes produtivos coordenam as atividades de suas
empresas de forma integrada entre as suas diversas localizações (Sturgeon,
2001). Essa caracterização se faz possível em razão de diversos elementos
inerentes a uma cadeia produtiva global e que se observam nos distintos blocos.
Um primeiro elemento é o caráter de subordinação das relações econômicas,
pelas quais há uma evolução desigual do poder de compra relativo das
mercadorias envolvidas na produção e comércio de lácteos, pois os países
desenvolvidos exportam produtos de alto valor agregado, com custos minorados
por subsídios, enquanto os outros se encarregam da produção com menor valor
agregado e intensiva em recursos naturais. Um segundo elemento é que as
grandes empresas exercem o comando sobre a evolução do setor e suas ações
são responsáveis por acentuar a concentração econômica no centro, ao
privilegiar, de um modo geral, o desenvolvimento tecnológico nos países-sedes.
Por fim, observa-se no desenho inicial da cadeia produtiva global, ainda sem a
inclusão do cenário brasileiro, que existe uma determinada hierarquia de
atividades e funções, estabelecida a partir das relações desencadeadas pelas
grandes empresas processadoras, que realizam as atividades de P&D e somente
assim conseguem articular de fato uma rede com “redivisão da produção e das
75
funções corporativas”.44 As funções são seletivamente centralizadas, comandadas
pelas grandes empresas industriais.
44 A conceituação vale-se das características observadas por Furtado (2003) para a definição das cadeias produtivas globalizadas
77
3. Setor lácteo brasileiro: transformações e permanências na nova ordem
econômica mundial
Nos anos 1990 verificou-se uma intensa transformação nas formas
adotadas de produção dos agentes envolvidos na cadeia produtiva brasileira,
alterando significativamente o seu dinamismo, gerando uma nova configuração
setorial, ainda que os principais derivados do leite sejam os mesmos consumidos
nos anos 1980. Essa alteração está inserida num movimento mais amplo, em um
modelo de acumulação em escala mundial, considerado nos primeiros capítulos
desse trabalho. As estratégias de expansão dos principais atores mundiais foram
apresentadas no capítulo 2, sendo que no capítulo 1 haviam sido apresentadas as
principais cadeias produtivas regionais, cada qual com as suas especificidades.
O entendimento dessa configuração, de caráter mais global, é necessário
para a análise dos impactos que essas transformações trouxeram para os agentes
envolvidos, assim como a identificação das especificidades que podem permitir
aos agentes nacionais a obtenção de algum destaque no setor. Num ambiente
que tende à concentração, a adoção de padrões de conduta diferenciados pode
significar permanência e/ou crescimento, com inserção possível na lógica global
de produção, ainda que a produção esteja direcionada para o mercado interno.
Essa conduta diferenciada pode ser reflexo de ações de coordenação da cadeia
como um todo, de agentes públicos ou de ações empresariais, sejam estas de
orientação tecnológica e/ou organizacional. Ao trabalhar-se com a ótica da cadeia
produtiva tem-se como pressuposto de que cooperação entre os setores pode
levar a uma inserção mundial positiva da cadeia como um todo.
No presente capítulo são apresentadas as características que a cadeia
produtiva assume no Brasil. O ponto de referência para essa análise é o fim de um
período de regulação intensa de mercado. A análise aborda os elos integrantes
dessa cadeia e as especificidades dos mesmos, considerando com destaque o
setor responsável pelo processamento da matéria-prima. Desta forma, uma
análise mais detalhada das principais empresas que compõem a indústria láctea
78
será realizada no próximo capítulo. Na quarta seção trata-se da inserção brasileira
no comércio internacional, buscando-se os elementos que possibilitem a
construção de políticas setoriais, sempre tendo presente que a competitividade
pode, e deve, ser construída.45
Assim, este capítulo tem como objetivo principal caracterizar, de forma
panorâmica, a cadeia produtiva do leite no Brasil. No capítulo subseqüente, são
analisados os desempenhos individuais, visto que esse trabalho tem como
pressuposto que a indústria é a responsável pela coordenação desse sistema
produtivo. Para atingir tal objetivo buscam-se as permanências e transformações
no período que se segue à liberalização dos preços do leite e outras mudanças
institucionais, possibilitando a construção de um panorama dessa cadeia.
Para tanto, o ponto de partida dessa construção é o desenho comumente
utilizado para a apresentação da cadeia produtiva láctea. Nessa representação, os
integrantes são os fornecedores de insumos, máquinas e equipamentos, a
pecuária leiteira, o processamento e a distribuição (Anexo A13). Na pecuária
leiteira são englobados tanto os produtores especializados – cuja principal
atividade agropecuária é a produção de leite – como os produtores não
especializados, também designados de extratores ou extrativistas. O
processamento, atividade da indústria de laticínios, é realizado por empresas
multinacionais, grupos nacionais, cooperativas (centrais e singulares) e pequenos
laticínios. Também fazem parte dessa cadeia os comerciantes importadores. Na
distribuição, encontram-se as padarias e pequenos varejos, os supermercados e
hipermercados, que são o elo de ligação do produto com o consumidor final.
Ainda que os elos permaneçam os mesmos, na seção final desse capítulo são
propostas adequações nesse desenho.
Essa cadeia se destaca por sua importância, seja econômica, seja social,
dentre os demais segmentos do agronegócio no Brasil.46 É o segmento derivado
45 A noção de competitividade empregada no presente trabalho tem origem em Coutinho & Ferraz (1994) e nos demais trabalhos derivados do Estudo da Competitividade da Indústria Brasileira. 46 Em face da complexidade de setores abrangidos e da forma como são gerados os dados no Brasil, as informações relativas à cadeia produtiva possuem uma certa defasagem temporal. Os
79
da agropecuária que resulta em maior multiplicador de empregos e de renda. As
atividades relacionadas com essa cadeia encontram-se presentes em todo o
território brasileiro, visto que a produção primária brasileira de leite está
disseminada de norte a sul, de leste a oeste, e conseqüentemente o
processamento também. Como já foi indicado, pelas próprias condições da
matéria-prima leite, o primeiro processamento necessita ocorrer em região
próxima da produção.
3.1 Panorama produtivo primário da cadeia láctea brasileira
A produção primária de leite gerou, no ano de 2006, o equivalente a 12,33
bilhões de reais, constituindo-se no sexto maior valor bruto da produção
agropecuária desse ano e representando 10,7% do produto total agropecuário.
(IBGE, 2007). Essa produção encontra-se disseminada em todo o território
nacional, sendo os principais estados produtores Minas Gerais, Goiás, Paraná,
Rio Grande do Sul e São Paulo.
Na divisão regional, a principal região produtora é a Sudeste, seguida da
região Sul. Observando-se a produção pelo prisma da distribuição geográfica, não
se verificaram alterações significativas das posições ocupadas pelas regiões
brasileiras ao longo do período observado. Ainda que na década de 1990 tenham
sido feitas previsões de que o Centro-Oeste tornar-se-ia a principal bacia
produtora de leite do Brasil, essa posição continua a ser ocupada pelo Sudeste
(Gráfico 16).
dados mais recentes sobre a importância da cadeia láctea datam de 2005, sendo relativos ao ano de 2004. Neste ano, segundo PENSA (2005) o setor como um todo movimentou 66,30 bilhões de dólares (Anexo A27).
80
Gráfico 16 - Distribuição regional da produção de leite no Brasil no ano de 2006
Centro-Oeste15%
Norte7%
Nordeste13%
Sudeste37%
Sul28%
Fonte dos dados brutos: IBGE; Embrapa Gado Leiteiro
A pecuária nacional, depois de conviver durante muitos anos com baixos
índices de produtividade, decorrentes do atraso tecnológico em que se
encontrava, passou a investir em melhoramento genético. Assim, o rebanho
ganhou em especialização, aumentando conseqüentemente sua produtividade e
sua produção (Gráficos 17 e 18). Embora esse incremento de produtividade tenha
ocorrido, o rebanho brasileiro apresenta uma produtividade abaixo da média dos
principais países produtores (Tabela 03).
Como já tratado anteriormente, comparativamente com outros países
produtores, os custos de produção brasileiros são inferiores aos demais países
relevantes no comércio internacional (Quadro 01).
81
Gráfico 17 - Produtividade de leite do rebanho bovino no Brasil,
no período 1980-2007 (litros/vaca/ano)
Fonte dos dados brutos: IBGE (2006)
Entre 1980 e 2007 a produtividade aumentou 2% ao ano, passando de
uma produtividade de 2,0 litros/vaca/dia para 3,4 litros/vaca/dia. Esses ganhos de
produtividade, verificados sobretudo a partir de 1996, foram decorrentes dos
ganhos de especialização, visto que o rebanho produtivo sofreu redução neste
período. Na verdade, essa especialização decorreu da diminuição do número de
cabeças, num ano em que o preço do boi esteve bastante elevado em relação à
média do período. O descarte, de animais com perfil misto, resultou em ganhos
consideráveis de produtividade.
Destaca-se, entretanto, que os índices de produtividade embora tenham
crescido nos últimos anos, estão muito distantes dos obtidos por outros grandes
produtores mundiais.47 Outro ponto a ser ressaltado, e que contribui para
indicadores ainda baixos de produtividade são as disparidades regionais,
47 Um comparativo com índices de produtividade de outros países está presente no capítulo 1.
82
enquanto a produtividade apresentada na região sul é de 5,5 litros/vaca/dia, a da
região norte é de 1,5 litros/vaca/dia (Embrapa, 2008).
Gráfico 18 - Evolução da produção de leite e rebanho ordenhado no Brasil -
1980/2007 (milhões litros e mil cabeças)
Fonte dos dados brutos: EMBRAPA (2008)
As disparidades regionais são derivadas, sobretudo das características do
rebanho, que gradativamente vem se especializando. Essa mudança no perfil do
rebanho em parte está relacionada com a mudança na normatização, e é muito
mais conseqüência do que causa das transformações descritas anteriormente.
Antes da instituição da Normativa 51 do Ministério da Agricultura, algumas
empresas exigiam e bonificavam os produtores que entregavam matéria-prima
com características diferenciadas. A essas exigências, inicialmente realizadas por
parte das agroindústrias, somou-se uma nova legislação, regulando as condições
de fornecimento da matéria-prima por parte do produtor primário, a Instrução
Normativa n° 51, de 18 de setembro de 2002, que instituiu a obrigatoriedade da
coleta a granel. Essa legislação passa a vigorar nas regiões Sul, Sudeste e
Centro-Oeste a partir de 01.07.2005 e nas regiões Norte e Nordeste a partir de
83
01.07.2008, determinando que o único meio de transporte possível para o leite é
na forma a granel, em carro-tanque isotérmico. Cessa assim o transporte realizado
em tarros. O objetivo principal consistia em “...promover a redução geral de
custos de obtenção e, principalmente, a conservação de sua qualidade até a
recepção em estabelecimento submetido a inspeção sanitária oficial".
As principais implicações da legislação, implementada a partir de 2002,
são para o pequeno produtor, não especializado, que gradativamente perdeu o
seu espaço, pois os custos que precisam incorrer para a realização da coleta a
granel muitas vezes não são suportados pelas receitas provenientes da atividade
da pecuária leiteira. Desta forma, ainda que gradativamente, o produtor não
especializado dá lugar ao produtor especializado. A contrapartida da Normativa 51
é a ampliação do setor informal.48 O produtor da matéria-prima foi conduzido a
realizar investimentos que visavam aumento de produtividade e/ou de produção
em face das demandas das empresas, que passaram a exigir qualidade e
quantidade, sob pena de excluir o produtor da cadeia produtiva.
Destaca-se também que, após a flexibilização do mercado, verificou-se a
existência de uma crise generalizada no preço do leite, que resultou na instalação
de Comissões Parlamentares de Inquérito sobre o Leite (CPIs do Leite) nos
estados de Minas Gerais, Goiás, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e
Mato Grosso do Sul. Os principais pontos denunciados nos relatórios finais foram:
discriminação de fornecedores e conseqüentemente geração de entraves por
parte dos fornecedor de bens e serviços; monopólio e imposição de preços 48 É considerado leite informal aquele leite fluído que não recebe os tratamentos fito-sanitários requeridos por normatização federal. Nesse segmento encontra-se o leite consumido diretamente nas propriedades e também aquele vendido diretamente aos consumidores. Também são considerados parte desse mercado, os derivados, sobretudo o queijo, que não passam por serviços de inspeção. Desta forma, não é mera coincidência o aumento da informalidade do setor, mas sim reflexo das exigências impostas ao produtor rural. Estimativas apontam que no final da década de 1990 o leite informal correspondia a 46,9% da produção total de leite no Brasil, registrando-se neste período um crescimento da ordem de 159% na informalidade. (Rios, 2000). Outra estimativa, realizada por Milkbizz, acerca do tamanho do setor informal para o ano de 1998 davam conta de que caso se verificasse a eliminação do leite informal e do importado “haveria” uma injeção de mais de R$ 9 bilhões anuais, o que representa uma economia de R$ 1,1 bilhão na balança comercial brasileira, além do aumento de R$ 2,0 bilhões ou mais de arrecadação de impostos.
84
abusivos pela TetraPak na comercialização de embalagens de leite longa vida;
abuso de poder pelos supermercados; e formação de cartel pelas indústrias
(Rosenberg, 2004).49
Ainda que pareça contraditório, em termos de rentabilidade, pela ótica do
produtor rural, a lucratividade da atividade é a maior, quando comparada com a
obtida por outros produtos tradicionais como a soja, o milho, a cana-de-açúcar e a
recria e engorda de gado (R$ 1.500,54 hec/ano). Segundo PENSA (2005) a
pecuária leiteira supera a lucratividade da cana-de-açúcar em 3,9 vezes. Além
disso é uma das poucas atividades que propicia ao produtor uma renda mensal,
funcionando como uma espécie de salário. Outro fator de destaque é que utiliza a
mão-de-obra feminina, sobretudo nas propriedades da agricultura familiar.50 Num
mundo rural em transformação, a atividade da pecuária leiteira tem importância
crescente na sustentação econômica de inúmeras propriedades.
O vinculo estabelecido entre o produtor e a agroindústria processadora é
denominado de integração espontânea (Guimarães, 1989). Nesta fase não existe
um comprometimento formal do produtor em entregar o leite para a agroindústria,
ainda que informalmente essa responsabilidade exista.
3.2. Indústria processadora brasileira: um destaque para as mudanças
patrimoniais e a mudança de paradigma produtivo
A presença da indústria de laticínios no território brasileiro confunde-se
com o próprio desenvolvimento da atividade leiteira no país. Essa atividade
inicialmente era desenvolvida no âmbito da propriedade rural, porém, já no ano de
49 O diagnóstico de algumas CPIs apontou para a necessidade de maior presença do Estado, como restaurador do equilíbrio do mercado. 50 Na agricultura familiar onde a exclusão dos jovens, em decorrência do aumento etário das populações, é uma constante, a pecuária leiteira é uma alternativa de inclusão, sobretudo para as mulheres. Um maior detalhamento dessas questões pode ser obtido em Carvalho (2007).
85
1921, a trajetória dessa indústria passa a ser dinamizada pela Nestlé, que desde
então marca presença no território brasileiro.
Durante o século XX a indústria de laticínios se caracterizou pela presença
simultânea de cooperativas, sobretudo na produção de leite fluído, empresas
nacionais e empresas internacionais, conformação até hoje presente no arranjo
setorial. No ano de 2006 a indústria de laticínios englobava 2.396 empresas,
sendo responsável por 117.820 empregos, que representaram 8,3% dos
empregos gerados da indústria alimentícia e 1,8% dos empregos gerados na
indústria de transformação (IBGE, 2007). No ano de 2005 a indústria de laticínios
ocupou a quarta posição dentre a indústria de alimentação, sendo que no biênio
1998-99 havia ocupado a primeira posição (Conejero et al, 2006).
Após um período de diversas permanências, duas transformações
caracterizam o final do século XX para o sistema lácteo: o paradigma produtivo
dominante se alterou e verificaram-se inúmeras alterações patrimoniais. Fruto
dessas mudanças, verifica-se também a transformação do leite fluido em
commodity, decorrência da disseminação do novo paradigma produtivo. A nova
tecnologia utilizada no processo de esterilização do leite possibilitou um aumento
na vida útil do produto, passando das 48 horas anteriores para o prazo de quatro
meses.51 Além do aumento da vida útil, essa tecnologia apresenta custos de
transportes menores, pois não há necessidade de refrigeração e os custos de
distribuição também são menores em relação ao tipo C, que necessita de entrega
51 O leite resultante do novo processo produtivo é mais comumente denominado de leite longa vida, de longa duração ou esterilizado. “O leite longa vida, envasado em embalagem asséptica descartável (caixinha), é um leite ultrapasteurizado e, nesse sentido, constitui um avanço na história do leite fluído brasileiro. O leite pasteurizado (todos os tipos) é resultado do processamento térmico do leite pelo processo chamado HTST (High Temperature Short Time), alta temperatura em tempo curto. Isso significa submeter o leite cru usualmente a temperaturas de 72° a 75° C por um período de 15 a 20 segundos. O mesmo conceito foi aplicado no desenvolvimento do leite longa vida. Ao HTST, acrescentou-se um U, passando o processo a se chamar UHTST (Ultra High Temperature Short Time), ultra alta temperatura em tempo curto, sendo que UHT é uma simplificação da sigla. Assim, o leite ultrapasteurizado, ou longa vida, é o resultado do processamento térmico do leite pelo processo UHT. Isso significa submeter o leite pasteurizado usualmente a temperaturas de 135° a 150° por um período de 2 a 4 segundos. Como a legislação brasileira não contemplava o leite ultrapasteurizado, por ser anterior ao desenvolvimento dessa nova tecnologia, por comodidade, o legislador resolveu erroneamente chamar o leite longa vida de leite esterilizado - e não de ultrapasteurizado” (Meireles, 1996: 224).
86
diária e em pequenas quantidades. Pela ótica do consumidor, o leite esterilizado
tem sido preferido devido às questões de estocagem e perecibilidade.
Antes da disseminação da produção do leite UHT, por si só, a
perecibilidade limitava a abrangência das plantas industriais e possibilitava a
existência de pequenos laticínios de caráter regional. Ficava, desta forma,
estabelecida como que uma divisão de mercados, onde a grande empresa atuava
nos produtos mais elaborados e a pequena empresa se responsabilizava pela
produção do leite fluído com distribuição local e/ou regional. Com a adoção da
tecnologia de ultrapasteurização verificou-se então a passagem de um mercado
de abrangência local para um mercado nacional, ampliando-se os espaços da
concorrência e a diversidade de marcas disponíveis para o consumidor. Altera-se
assim o âmbito da concorrência do leite fluído, transformando-se esse espaço de
cativo do produtor local para espaço disputado sobretudo entre empresas grandes
de caráter nacional ou multinacional.
A introdução da tecnologia UHT significou mais do que a mudança de
hábitos de consumo, provocou uma transformação na coordenação da cadeia
produtiva láctea e em certa medida foi responsável pela reestruturação produtiva
ocorrida no setor. No Brasil essa tecnologia, propriedade da empresa TetraPak, foi
introduzida pela empresa Parmalat.52 Posteriormente, diversas empresas
passaram a produzir leite ultrapasteurizado. Em 2008, 31 empresas integram a
Associação Brasileira de Leite Longa Vida (ABLV). A adoção dessa nova
tecnologia acaba também por afetar a dimensão mínima da empresa, em face da
tecnologia necessária, a produção de leite esterilizado precisa se dar num patamar
mínimo para que seja viável.
52 A descoberta data de 1943, quando foi criada a embalagem, mas apenas em 1969 é que o maquinário para a produção de leite ultrapasteurizado começou a ser produzido em escala comercial, um ano após a primeira dessas máquinas começar a operar em escala industrial. A empresa detentora da tecnologia UHT também participou do movimento de centralização de capitais e em 1991 adquiriu a empresa Alfa-Laval, fornecedora de equipamentos para a produção leiteira desde a ordenha da vaca até a empresa processadora. No ano de 1993 a empresa passou a designar-se Tetra Laval, englobando as seguintes empresas: Tetra Pak, Tetra Laval Food, Alfa Laval e Alfa Laval Agri, todas essas essas controladas pela Tetra Laval Holding Finance.
87
No contexto das mudanças mais amplas num período mais recente, e que
repercutiram diretamente sobre a indústria de laticínios, temos a abertura do
mercado nacional, que propiciou um fluxo intenso de capitais externos nos anos
1990, capitais estes que aumentaram os fluxos dos investimentos diretos externos
(IDE) realizados na economia brasileira. No caso da indústria de laticínios, esses
recursos foram os responsáveis diretos pela intensificação da onda de fusões e
aquisições que se verificou no setor. Estes eram provenientes, sobretudo, dos
países centrais, com especial destaque para o capital de procedência européia. O
aumento do fluxo de investimentos externos diretos foi resultante do excesso de
liquidez internacional, característico dos anos 1990, e encontrou terreno fértil em
decorrência da mudança da lei brasileira de capitais externos, que promoveu a
desregulamentação. A indústria de alimentos foi um dos segmentos que mais
recebeu esse tipo de recurso. Esse processo levou à constituição de grandes
firmas industriais, assim como condicionou a nova forma de atuação dos agentes
integrantes do complexo agroindustrial de laticínios, desencadeando novas formas
de coordenação da cadeia produtiva.
No tocante a estrutura de mercado, a indústria láctea se caracteriza por
ser um oligopólio do tipo misto. Misto pois mescla segmentos do tipo homogêneo,
tal como o de leite pasteurizado e UHT, com segmentos onde os produtos
apresentam especificidades, tal como iogurtes, mantendo entretanto a
característica da substituição entre si.
A concentração da estrutura de mercado pode ser analisada pelo CR4.
Ainda que existam mais de 2.300 empresas processadoras de leite no território
brasileiro, as quatro maiores empresas captam quase 30% do total de leite
inspecionado. As oito maiores empresas em captação são responsáveis por 35%
do leite captado em território nacional (Gráfico 19).
88
Gráfico 19 - Curva de concentração para as dez maiores empresas em captação de leite no Brasil - 2007
0,00
0,05
0,10
0,15
0,20
0,25
0,30
0,35
0,40
0,45
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
Fonte dos dados brutos: Embrapa Gado de Leite (2008).
Essa indústria, no desenho clássico, é composta por empresas
multinacionais, por grupos nacionais, por cooperativas e também por pequenos
laticínios. As empresas multinacionais são os grandes grupos privados
controlados por capital de origem externa, com abrangência nacional, geralmente
possuindo uma marca consolidada. Sua produção não se dá apenas na área de
lácteos, mas sim em alimentos de uma forma mais ampla. Os grupos nacionais
caracterizam-se por uma atuação mais regionalizada, com especialização em
alguns produtos lácteos. Dentre as cooperativas, temos as cooperativas singulares
ou de primeiro grau, voltadas principalmente para o consumo local em mercados
regionais, e as cooperativas centrais ou de segundo grau, que são constituídas
por um grupo de cooperativas singulares. Por fim, temos os pequenos laticínios,
de alcance regional, atuando muitas vezes de forma clandestina, sem inspeção
sanitária (Jank et al., 1999).
A inserção das cooperativas na cadeia produtiva láctea passou por
importantes mudanças na década de 1990, no começo desta, nove cooperativas
89
centrais – sediadas nos estados de Mato Grosso, Goiás, Bahia, Paraná, Rio
Grande do Sul, Rio de Janeiro, Santa Catarina, São Paulo e Minas Gerais -
tinham uma participação importante na produção de lácteos no Brasil. Nos anos
1980, as cooperativas lácteas eram responsáveis pela produção de 80% do leite
fluído brasileiro (Rubez, 1999). Entretanto, as modificações ocorridas ao longo da
década resultaram num quadro nada favorável para esse tipo de organização. O
resultado no final dos anos 1990 foi o fechamento das cooperativas do Mato
Grosso, Goiás e Bahia, assim como a redução significativa da Cooperativa Central
do Rio de Janeiro que passou a captar apenas 13% do que captava no início dos
anos 1990. As cooperativas do Rio Grande do Sul e do Paraná foram vendidas. A
Itambé, de Minas Gerais transformou-se em S.A., assim como a Paulista, que
além disso vendeu parte de seus ativos para a Danone (Lobato & Soares, 1999a;
Lobato & Soares, 1999b). Atualmente o papel desempenhado pelas cooperativas
é diminuto, quando comparado a importância que as mesmas desempenharam
em outros momentos. Essa diminuição da representatividade das cooperativas
decorre sobretudo por problemas de liquidez enfrentados e que resultaram em
venda de patrimônio, sendo que em várias transições o principal ativo
transacionado foi a marca construída pela cooperativa.
Uma outra forma de analisarmos a produção de leite e derivados é através
do destino do leite inspecionado brasileiro, conforme produto final apresentado no
gráfico 20, sendo que 52% da produção formal se destina para a produção de
distintos leites fluidos.
90
Gráfico 20 – Destino do leite inspecionado no Brasil segundo produto final – 2002
Leite em Pó16%
Leite Cru10%
Leite Pasteurizado
7%
Outros15%
Leite Longa Vida19%
Queijos33%
Fonte dos dados brutos: Embrapa Gado de Leite (2008).
A presente indústria foi o palco de inúmeras modificações patrimoniais a
partir dos anos 1980, com mais intensidade nos anos 1990. Essas transformações
correspondem à consecução, no setor, do modo de acumulação da economia, sob
dominância financeira, com destacada importância do movimento verificado nas
grandes corporações. A especificidade setorial foi ocorrência precursora,
antecipando o movimento que ocorreu no restante da indústria. As repercussões
foram de grande monta, sendo as principais tratadas ao longo desse trabalho.
Essa análise, ainda que de forma abreviada, evidencia a redução no número de
empresas atuantes, em decorrência principalmente das operações de fusões e
aquisições verificadas.
No período compreendido entre 1985 e 2003 ocorreram 48 operações de
fusões e aquisições envolvendo empresas processadoras de leite. Essa
movimentação é entendida como parte integrante e decisiva das estratégias de
crescimento das empresas, condicionantes dos demais movimentos dessa
indústria (Gráfico 21).
91
Essas operações assumiram formas distintas, sendo classificadas como
horizontais, verticais, concêntricas ou como conglomerado puro (Sato, 1997;
Faveret Filho, 1999).53 Para efeitos de classificação, consideramos fusões
horizontais aquelas fusões ocorridas dentro da mesma indústria ou segmento.
Inicialmente é esse tipo de fusão que predomina na indústria de laticínios na
década de 80. Essas operações perfizeram 85% do total das operações setoriais.
A realização desse tipo de operação resulta em economias de escala e também
economias de escopo, derivadas em parte de uma maior racionalização da
produção. Realizando esse tipo de operação, a empresa eleva o seu market-share
e também passa a atuar em regiões anteriormente não contempladas. Fusões
verticais constituem-se naquelas em que as empresas adquiridas ou fundidas
estão situadas à jusante, ou à montante da cadeia produtiva. Operações desse
tipo não se verificaram. Quando a aquisição ou fusão ocorre entre empresas com
produtos diferenciados, mas que fazem uso dos mesmos canais de distribuição,
denomina-se esse tipo como fusão concêntrica ou circular. Na indústria em tela
representaram 15% das operações. Essas operações por sua vez buscam a
diminuição dos custos de distribuição, a diversificação do risco, a aquisição de
novos conhecimentos, a ampliação de linhas de produtos e a entrada em novos
mercados. Ainda que os produtos ou serviços não sejam similares, apresentam
um certo tipo de sinergia.
53 A categorização das operações foi realizada tendo como referência a atividade central da adquirente, geralmente a atividade primeva da empresa.
92
Gráfico 21 – Operações de fusões e aquisições envolvendo empresas industriais pertencentes à cadeia produtiva láctea no Brasil por ano e por tipo de operação – período 1986/200854
Fonte dos dados: Anexo A15
Todas essas operações de fusões e aquisições modificaram o panorama
da indústria de laticínios brasileira. Inicialmente essas operações caracterizaram-
se sobretudo por serem de aquisições por parte de empresas multinacionais,
predominantemente fusões do tipo horizontal conforme Gráfico 21. Liderando o
ranking em número de operações esteve a italiana Parmalat. A seguir, neste
ranqueamento, situa-se a Nestlé.
Dentro desse ambiente de intensa reestruturação patrimonial, a empresa
que mais se destacou em número as aquisições na indústria láctea, foi a
Parmalat, sendo considerada a empresa mais ativa em fusões e aquisições
(Iglesias, 2002). Durante o período de 15 anos, adquiriu ativos pertencentes à 24
empresas instaladas em território brasileiro, sendo 20 afetas ao ramo laticinista
(Quadro 06). Também apresentou destaque nas estratégias de marketing
(Carvalho, 2002).
54 Um maior detalhamento das operações de fusões e aquisições encontra-se no Anexo A15. A classificação dos tipos de operação foi feita tendo em vista a atividade principal da empresa adquirente e a atividade principal da empresa adquirida, pelo menos uma das competências era de produtos lácteos.
93
Quadro 06 - Fusões e aquisições realizadas pela Parmalat no período 1989-2002
Ano da operação
Empresa adquirida (marcas adquiridas)
1989 Fiorlat
1990 Via Láctea, Laticínios Teixeira, Alimba, Lavisa
1991 AFHA, Laticínios Santa Helena, Supremo
1992 Laticínios Gogó, Planalto, Laticínios Mococa
1993 Lacesa (2 momentos de aquisição), SPAM (aquisição parcial), General Biscuits (Lu Petybon e Dunchen), Sodilac
1994 Cilpe Ltda, Laticínio Silvânia, Laticínios Ouro Preto, Bolls
1996 Laticínios Bethânia
1998 Etti, Batavo, Neugebauer
2001 Kraft Foods (Glória, Avaré, Cerqueirense, Chocoleite, Frutup, Glubby, Goly Goly, Inlegro, Manteiga Mantesoft, Pingo Avaré, Plena Forma e Toda Festa)
Fonte: sites diversos (ver bibliografia)
Sobre as operações de fusões e aquisições, de um modo geral, podemos
dizer que quando a empresa efetua fusões do tipo horizontal, passa a atuar sobre
redes de captação de leite das empresas adquiridas. As relações estabelecidas,
não passíveis de mensuração, constituem-se em um outro importante ativo obtido,
pois assegura o fornecimento sistemático de matéria-prima, indispensável para o
crescimento da empresa. Somente assim, uma empresa que não tenha uma rede
de fornecimento própria consegue se estabelecer e crescer. Em algumas vezes,
esse é o principal ativo adquirido, juntamente com a marca.
As fusões do tipo concêntricas, por sua vez, possibilitaram a migração
para novos mercados, visando a diversificação das atividades empresariais.
Dessa forma, a entrada mais intensa da Parmalat no território brasileiro é
resultado de uma política agressiva de expansão, inicialmente através da
expansão horizontal e num segundo momento via diversificação produtiva.
94
Ainda acerca das operações de investimento externo direto, no final dos
anos 1990 verificou-se também a entrada das empresas denominadas de
multinacionais de caráter regional (Belik, 1999). 55 A entrada dessas empresas
deu-se predominantemente nos anos 1990, sendo que as empresas que mais se
destacaram foram: SanCor Cooperativas Unidas Ltda, Mastellones Hermanos S.A.
(La Sereníssima), Cooperativa Asociación Unión Tamberos (Milkaut) e
Cooperativa Nacional de Productores de Leche (Conaprole). Entretanto, a forma
de ingresso dessas empresas no mercado brasileiro não se deu de maneira
convencional, através da aquisição de plantas ou investimentos. As
multinacionais regionais desenvolveram atividades relativas principalmente à
comercialização (Nogueira, 1998).
Num primeiro momento as empresas expandiram as suas produções
através das fusões e aquisições (puxar o quadro pra cá), num segundo momento,
os investimentos foram os principais responsáveis pela expansão das empresas
predominante no começo do século XXI (Quadro 07).
55 Um maior detalhamento das operações de fusões e aquisições encontra-se no anexo A15.
95
Quadro 07 – Investimentos anunciados no Brasil a partir de 2005 para o segmento lácteo
Empresa Investimento anunciado
Localização Capacidade produtiva (litros/dia)
Montante investido (em R$ milhões)
Nestlé Leite em pó Palmeiras das Missões (RS)
70
Cooperativa Sul-Riograndense de Laticínios
Leite em pó, leite desnatado, leite condensado
Pelotas (RS) 600.000 20
Embaré (etapa 01) Leite em pó e manteiga
Sarandi (RS) 1.000.000 237
Embaré (etapa 02) Leite em pó e manteiga
Sarandi (RS) 1.000.000 80
Elegê Leite em pó Ijuí (RS) (captação precisa crescer 60%)
15
Yolat Laticínios Carazinho(RS) n.d. n.d.
Italac Leite em pó, leite longa vida, creme de leite e achocolatados
Passo Fundo (RS) 300.000 (fase 1)
20
Laticínios Jussara Leite em pó, leite condensado e leite UHT
Minas Gerais 500.000 50
Random Queijo tipo italiano Vacaria (RS) n.d. n.d.
Aurora Leite em pó Pinhalzinho (SC) n.d. n.d.
Perdigão Leite em pó Três de Maio (RS) 600.000 65
Cosuel Leite em pó Arroio do Meio (RS) 460.000 53
Fonte: sites diversos
Os investimentos anunciados a partir de 2005 dizem respeito sobretudo a
plantas produtoras de leite em pó, inicialmente destinado a operações intra-firma,
visto que o leite é um componente importante na pauta de insumos da indústria
alimentícia. Algumas plantas estão sendo construídas objetivando o mercado
externo, que tem se expandido nos últimos tempos em face de uma série de
questões já elencadas anteriormente.
96
Ao longo do século XX, a indústria de laticínios caracterizou-se pelo
convívio relativamente estável entre três grupos de empresas: um pequeno
número de empresas com predomínio do capital externo e dedicando-se ao
fabrico de produtos com elevado valor agregado; outro de empresas com capital
nacional, de origem predominantemente familiar, dedicadas a fabricação de
produtos com baixo valor agregado e de mais elevada perecibilidade, com
abrangência local e/ou regional; e por fim um grupo de cooperativas que podem
ser divididas em centrais de cooperativas e cooperativas individuais.
De um modo geral, a década de 90 caracteriza-se por abertura do mercado
nacional, valorização do câmbio, crescimento de produção e de produtividade do
rebanho leiteiro, mudanças no padrão de consumo da população, transformação
do leite fluido em commodity e, por fim, constituição de grandes firmas industriais,
concentração de mercado e concentração na captação do leite.
Embora que exista um grande número de atores nessa cadeia produtiva,
os responsáveis pela dinâmica são as empresas processadoras de grande porte
(Tabela 05). O ranqueamento das empresas, no que se refere ao volume captado
da matéria-prima básica, foi feito a partir da informação sobre volume de leite
captado pelas mesmas.56
Tabela 06 – Recepção de leite por parte das maiores empresas de laticínios instaladas no Brasil – 1996 – 2007 (milhões de litros)
Empresas 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007
Nestlé 1.432 1.475 1.429 1.402 1.475 1.529 1.589 1.500 1.509 1.708 1.702 1.800Elegê 560 607 603 660 760 782 711 672 718 842 898 1.324Itambé 710 761 787 830 813 883 781 750 830 1.005 1.039 1.090Parmalat 795 1.170 1.133 1.112 1.245 1.233 1.177 873 617 592 612 725
Fonte dos dados brutos: CNA/Decon/Leite Brasil/Embrapa Gado de Leite
56 No anexo A16 está apresentado o ranqueamento das dez maiores empresas em captação no ano de 2007.
97
3.3 Mudanças na perspectiva do comércio varejista e do mercado
consumidor
Pela ótica do consumo, a principal alteração foi a disseminação do
consumo de leite ultrapasteurizado que trouxe modificações relevantes para a
forma de realização do comércio de lácteos. No setor varejista, a exemplo do
ocorrido nos setores industriais, também ocorreu um movimento de concentração.
Essa mudança associada com a diminuição do número de compradores dos
produtos lácteos no pequeno comércio varejista, relacionado ao aumento das
vendas realizadas via supermercados – responsáveis por 55% da comercialização
de lácteos aumenta o poder do varejo sobre a indústria processadora. O segmento
lácteo representou 15,9% do faturamento total dos supermercados no ano de
2004 (PENSA, 2005).
Devido ao acirramento da concorrência, as margens apresentadas pelo
setor varejista são cada vez menores, pressionando as empresas processadoras,
que por sua vez irão pressionar os produtores de matéria-prima. Existe uma
pressão crescente por parte dos grandes supermercados e hipermercados para o
oferecimento de “enxovais” quando da abertura de novas lojas,57 para a
participação da empresa processadora no fornecimento de bens a serem
sorteados, dentroe outros, resultante do aumento do poder do segmento varejista.
Pelo lado da demanda, observou-se uma mudança no padrão de consumo
da população, decorrente em parte das mudanças demográficas e das mudanças
comportamentais verificadas nos últimos anos. A população mundial vem
passando por um processo de envelhecimento que acaba por se refletir no
consumo de alimentos, o que foi abordado no capítulo 1.
O processo de urbanização é geralmente acompanhado de um incremento
na renda disponível e acesso a uma grande variedade de alimentos. Aumenta o
consumo de produtos com maior valor agregado, categoria em que os derivados
lácteos se inserem. A urbanização também se caracteriza por uma provisão mais
ampla de eletricidade, representando um aumento potencial do consumo da linha 57 O “enxoval” consiste na doação de produtos por parte da indústria para uma nova loja varejista.
98
fria ou refrigerada. Isso é importante para o leite em função da alta perecibilidade
deste e dos seus derivados. Nesta situação os gastos domésticos são transferidos
de produtos enlatados e leite seco – que não requerem refrigeração – para uma
grande variedade de produtos que se pode encontrar hoje em dia nos
supermercados.
A redução do tamanho médio das famílias e aumento dos solteiros acabou
por gerar uma maior demanda por porções menores, assim como aumenta a
demanda por alimentos preparados, o envelhecimento da população resulta em
uma maior preocupação com produtos enriquecidos, sobretudo com cálcio. A
crescente participação das mulheres no mercado de trabalho e também o
aumento do tempo dispendido fora de casa também contribuem para mudanças
na cesta de consumo da população. (Siffert Filho & Faveret Filho, 1998).
Paralelamente, verificam-se mudanças nos hábitos de consumo, quando
há uma migração do consumo do leite pasteurizado para o leite esterilizado.
Compras passam a ser realizadas predominantemente em supermercados.
Gráfico 22 – Mercado total de leite fluído – leite longa vida X outros leites fluídos Brasil 1991/2005
99
Fonte dos dados brutos: ABLV
Além da passagem de um mercado regional para um mercado nacional, o
processo de ultrapasteurização do leite representou uma transformação na
trajetória tecnológica dominante na indústria láctea e, conseqüentemente, uma
transformação no hábito de consumo do leite fluído. Gradativamente, o consumo
de leite UHT suplantou o consumo de leite pasteurizado, como pode ser
observado no Gráfico 22. De acordo com PENSA (2005) o consumo de leite fluído
no Brasil é predominantemente de leite ultrapasteurizado (71,8% do total).
Os alimentos perecíveis cederam espaço àqueles com maior vida útil e os
produtos alimentares mais elaborados aumentaram a sua participação na cesta de
consumo da população.
Não é aleatório que os fundos de investimentos estejam comprando
empresas importantes da indústria brasileira láctea, o cenário que se desenha
aponta para uma importância crescente da indústria brasileira na cadeia produtiva
global. Mas isso só será possível se a tendência de concentração se mantiver,
pois as exigências competitivas tornam a concentração necessária. A
concentração pode vir da cooperação. Empreendimentos de pequenos e médio
porte só se tornam viáveis caso atuem em nichos de mercados diferenciados.
A regulação estatal também esteve presente na normatização dos
produtos, seja enquanto matéria-prima, seja enquanto produto final.58
Das mudanças setoriais, uma das mais significativas, que afetou
diretamente essa indústria, e consequentemente a oferta, foi a suspensão do
58 Usualmente, vincula-se as definições dos tipos de leite à quantidade de gordura existente. Entretanto, a distinção entre eles decorre da forma de coleta e processamento. O leite tipo C, com participação de 91,9% no mercado de leite fluido, pode ser transportado em temperatura ambiente até a usina de beneficiamento, sendo que o nível máximo de coliformes é de 10/ml e com contagem máxima global de bactérias permitida de 150.000/ml. O leite tipo B tem esses valores máximos como sendo 2/ml e 40.000/ml, respectivamente. De forma amostral, é submetido a análises microbiológicas e físico-químicas. Quanto ao transporte até a indústria deve ser realizado em caminhão refrigerado. Já o leite do tipo A tem seu processo de pasteurização e envase na propriedade rural, ordenha automática e não de forma manual, não é admitido a presença de coliformes e o máximo admitido para a contagem global de bactérias é de 500/ml (Jank et al., 1999).
100
controle e tabelamento dos preços de leite e seus derivados. O fim dessa prática,
que vigorou por 46 anos – de 1945 a 1991 -, operou como um incentivo à entrada
de novas empresas, que passaram a atuar com maiores graus de liberdade. O
tabelamento era um desestímulo à criação de novos produtos, com maior valor
agregado, visto que os preços máximos passíveis de serem praticados já haviam
sido determinados pelo governo. Com o fim do tabelamento de preços, pela ótica
da produção de matéria-prima, fez-se presente a possibilidade das empresas
adotarem pagamentos diferenciados, de acordo com as características do produto.
Essa liberalização dos preços deve ser vista como integrante de um processo
mais amplo de desregulamentação dos mercados. Após o fim do tabelamento,
verifica-se uma maior segmentação de mercado, ainda em curso. Pelo âmbito do
produtor, o fim da prática de tabelamento resultou em queda nos preços
recebidos, pois enquanto essa prática perdurou, o produtor recebia parte
significativa do preço final do varejo (até 60%). Com o fim do tabelamento, em
1986, a remuneração do produtor limita-se no máximo a 25% do preço final do
varejo (Selectus, 2002).
O governo, além de diminuir a interferência no setor pelo fim do
tabelamento do leite pasteurizado, também o fez com o arrefecimento dos
programas sociais do leite. Através dos programas sociais, o governo demandava,
no final dos anos 1990, aproximadamente 30% do total do leite do tipo C
produzido no Brasil (Alves & Fernandes Filho, 1998; Medeiros & Martins, 2000).
Outra modificação relacionada com a mudança no comportamento do
setor governo diz respeito às importações, que até 1986 eram realizadas por
organismos estatais, pois o governo atuava como um agente regulador do setor.
As importações passam a ser realizadas pela iniciativa privada, na maioria das
vezes por braços operacionais da agroindústria produtora ou diretamente pelo
setor varejista. A transferência da atividade de importação do governo para a
iniciativa privada fez com que o objetivo principal da operação passasse a ser a
busca de diferenciais de preços e/ou complementação das linhas de produção
brasileiras. Anteriormente o controle das importações estava relacionado à
101
manutenção do custo de vida e as operações davam-se principalmente no período
de entressafra, na busca de estoques reguladores de preços.
3.4 Balança comercial láctea brasileira
No tocante ao comércio internacional, o Brasil mudou a sua inserção
produtiva, de importador líquido transformou-se em exportador líquido (Gráfico
23). Até os anos 1990 a balança comercial láctea era deficitária, passando então
a condição de superavitária. Ainda que essa reversão da inserção brasileira
tenha ocorrido, é necessário uma análise mais detalhada da mesma, quanto ao
tipo de produtos exportados e importados.
Gráfico 23 – Saldo da balança comercial brasileira de lácteos de 2000-2007 em milhões de US$
-400
-350
-300
-250
-200
-150
-100
-50
0
50
100
150
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007
Fonte: Cepea (2008a)
No gráfico 24 fica evidenciado que as exportações brasileiras são de
produtos com baixa agregação de valor. No ano de 2007 o leite em pó constitui-
se no principal produto da pauta de exportados. Sua agregação de valor é
pequena, pois o processo produtivo consiste sobretudo em retirar a água do
leite, na secagem do leite para facilitar o seu transporte e aumentar a vida útil do
102
produto. Uma pauta de exportações intensiva em tecnologia deveria contemplar
ingredientes lácteos e queijos finos. Entretanto, no caso brasileiro, os itens com
maior valor agregado são os produtos que predominam na pauta de importação.
Gráfico 24 – Composição da pauta de lácteos exportados pelo Brasil, em 2007
leite fluido e cremes5%
manteiga3%
iogurtes1%
queijos9%
leite condensado
15%
leite em pó 67%
Fonte: CEPEA (2008a)
Essa mudança na balança comercial láctea brasileira também está
relacionada com o desigualdade entre os preços praticados no mercado interno
e no mercado externo. Essa diferença se acentuou nos últimos anos tornando
mais rentável a venda no mercado externo (Gráfico 25). Desta forma, é mais
rentável para os produtores nacionais exportarem, do que venderem o leite em
pó para o mercado interno.
103
Gráfico 25 – Relação entre os preços do leite em pó (atacado SP x exportado)
Fonte: CEPEA (2008)
3.5 Outras considerações preliminares
O desenho clássico da cadeia láctea apresentado tem-se alterado nos
últimos tempos. Cada vez mais ocorre a exclusão dos produtores não
especializados, tendência que se acentuou com a Normativa do Ministério da
Agricultura n° 51, que impõe uma série de condições para que os produtos
cheguem ao mercado, desde o começo da cadeia produtiva. Em face da
necessidade de investimentos indispensáveis para a manutenção do fornecimento
de leite, inicialmente ocorre esta exclusão. Assim, como integrante da cadeia
produtiva láctea colocamos somente o produtor especializado.59
Outra distinção diz respeito a divisão entre as empresas, desaparecendo
a relativa à origem do capital. Na verdade, o que interessa é a dimensão desse
capital, sua abrangência. Nesse quesito a diferenciação diz respeito ao porte, as
empresas se diferenciam entre grandes empresas de abrangência nacional e
59 A informalidade existe, assim como também divergências nos dados. Estamos considerando uma tendência, com a abertura e com o grau de exigências aumentado.
104
pequenas empresas mais regionalizadas e/ou especializadas. O papel das
cooperativas diminui, pois muitas passaram a fornecer para empresas privadas.
Mas o atributo principal que diferencia os dois grupos de empresa é a prática da
atividade de pesquisa e desenvolvimento, e conseqüentemente, da inovação. As
empresas a montante do produtor primário também têm relevância destacada.
Deter ou não tecnologia faz toda a diferença. Tradicionalmente as grandes
empresas desenvolvem as tecnologias em centros de pesquisa centralizados no
país de origem da empresa. Nas grandes empresas com capital originário e
reproduzido no país, a geração da tecnologia deu-se externamente, sendo
utilizada com base em contratos de compra. A prática de parcerias não ocorreu,
mas sem dúvida é uma possibilidade, sobretudo através da articulação com a
pesquisa universitária que carece de fontes de financiamento.
Essa destacada importância das grandes empresas é conseqüência, mas
também causa, da intensa reestruturação patrimonial que permeou a indústria
processadora integrante desse complexo após a abertura comercial brasileira.
Assim como em outros setores, a escala passa a ser importante. A modificação
patrimonial observada na agroindústria não foi um fato isolado, mas sim reflexo de
uma série de operações de reestruturação sofridas pela indústria de um modo
geral.60 Dentro desse contexto de reestruturação e também das transformações
mais amplas que afetaram o modo de produção capitalista como um todo, os
agentes envolvidos na cadeia produtiva láctea brasileira tiveram os seus papéis
alterados. Num período inicial as empresas nacionais perderam espaço em favor
das empresas multinacionais, em um momento posterior o capital nacional voltou
a ocupar um espaço.
60 Um maior detalhamento dessas operações pode ser encontrado em Laplane, Coutinho & Hiratuka (2003).
105
4. Indústria láctea brasileira: uma análise dos principais atores
Uma análise mais detalhada das trajetórias individuais das principais
empresas processadoras de leite e derivados consiste no objetivo deste capítulo.
As grandes empresas são as responsáveis pela coordenação do referida cadeia
produtiva. Entender a lógica dominante é necessário para a correta tomada de
decisões. Para tanto, neste capítulo são apresentadas, de forma analítica, as
histórias contemporâneas das empresas mais significativas no território brasileiro,
focadas nas suas estratégias de expansão, visto ser esse o objetivo principal das
empresas num mercado globalizado em crescimento. A empresa que não cresce,
num mercado em expansão, diminui sua real dimensão econômica e tende a
perecer.
As empresas analisadas foram escolhidas em face da representatividade
no tocante à captação de leite e também em função da agregação de valor por
parte das mesmas. Buscou-se assim uma análise sobre os fatores
desencadeadores e/ou intensificadores do processo de transformação que afetou
a indústria láctea brasileira e as estratégias adotadas no tocante à expansão. Na
seção final do capítulo são apresentadas algumas conclusões preliminares, que
são resgatadas oportunamente na conclusão deste trabalho, com vistas a
subsidiar políticas setoriais.
As grandes empresas assumem o papel central na articulação da cadeia
produtiva láctea, conforme foi observado no capítulo segundo. São as maiores
empresas em captação e conseqüentemente possuem um grande poder de
mercado, integrando uma estrutura de mercado do tipo oligopólio misto. As
empresas detentoras de tecnologias diferenciadas de produção também
participam dessa coordenação. Por essa razão, além das empresas com captação
acima de 8% do leite inspecionado no Brasil, analisa-se também a trajetória da
Danone, importante player presente em território brasileiro.
Quando da constituição inicial da cadeia produtiva láctea no Brasil, a
coordenação já era desempenhada pela grande empresa estrangeira, no caso, a
106
Nestlé. Atualmente, essa coordenação é desempenhada pela grande empresa, de
atuação internacionalizada, independente da origem do capital.
O aumento da participação das multinacionais, num primeiro momento,
refletiu em parte as transformações mais gerais ocorridas na economia capitalista
e que alteraram a lógica das estratégias implementadas. Até os anos 1970, as
estratégias dominantes das multinacionais eram de aprovisionamento, de mercado
e de produção racionalizada. Este tipo de estratégia cedeu espaço, no último
quartel do século XX, para as estratégias tecno-financeiras, que passaram a
dominar o cenário mundial em decorrência do processo de mundialização do
capital (Chesnais, 1996). Assim, a lógica financeira passou a subordinar a lógica
produtiva e as grandes empresas, apesar de atuarem a partir de bases nacionais,
buscaram a valorização de seus ativos em diversas partes do mundo. As
estratégias de internacionalização da matriz condicionam as empresas
subsidiárias, diminuindo os graus de liberdade destas na implementação de
estratégias locais diferenciadas.
Destaca-se também que as empresas de origem européia, com base
láctea, têm seu crescimento limitado na Europa, em decorrência do
estabelecimento da PAC, instituidora do sistema de cotas de produção por
países.61 Assim, modificações na política agrícola européia afetaram, ainda que de
forma indireta, a produção brasileira. Vários fatores apontam para o Brasil como
uma região atrativa para as empresas lácteas, tais como o custo de produção do
leite brasileiro, que é um dos menores do mundo. Associada à existência de
custos mais reduzidos que a média mundial, está a ausência da utilização de
subsídios. A partir dessas considerações, observa-se que o território brasileiro
reúne condições bem propícias para a instalação de empresas, seja com foco no
mercado interno ou no mercado externo. Outro fator importante é a possibilidade
de expansão, seja do rebanho ou em termos de expansão territorial. Voltada
principalmente para o mercado interno, o consumo de produtos lácteos tem se
61 Um maior detalhamento sobre a PAC foi objeto do capítulo 1, quando da apresentação da cadeia produtiva láctea na Europa.
107
expandido nos últimos anos em face de ganhos de renda real verificados.
Mundialmente, como já foi indicado, a demanda encontra-se aquecida.
Com as fusões as empresas podem expandir-se para áreas novas, e além
disso, através da recombinação e reutilização de recursos, faz-se possível que as
capacitações originais da empresa "rendam" mais, ampliando as possibilidades de
diversificação.
A seguir, após uma caracterização inicial de cada empresa, reconstitui-se
alguns dos passos das trajetórias das empresas, no sentido de sua expansão,
através das principais estratégias utilizadas.
4.1 Dairy Partner Américas (DPA) & Nestlé
A primeira empresa em captação de leite no Brasil é a Dairy Partners of
Americas (DPA), que tem 50% do capital pertencente à Nestlé e os outros 50%
pertencentes à New Zealand´s Fonterra Co-operative Group Ltda. A DPA resultou,
portanto, da parceria realizada entre esses dois importantes players da cadeia
láctea produtiva mundial. Essa parceria, implementada no ano de 2002, foi
realizada no âmbito das Américas, fortalecendo a inserção da DPA no mercado
americano como um todo. Através dessa joint-venture se articularam os dois
blocos com menores custos de produção mundiais, a Nova Zelândia e o Brasil,
juntamente com a maior empresa com faturamento mundial na área de lácteos e
derivados.
O foco de atuação desta empresa é a matéria-prima, sendo sua função
coletar o leite fresco, produzir o leite em pó e administrar todas as operações
envolvendo os refrigerados e os produtos UHT, entre os quais arrola-se produção,
marketing, vendas e distribuição.
A DPA foi constituída a partir da Nestlé e Fonterra para suprir as
necessidades de leite em pó da primeira, sendo esta a sua cliente preferencial. A
comercialização do produto leite em pó no mercado brasileiro, para o consumidor
final continua a cargo da Nestlé. Quando ocorrer excedente de leite em pó, após
108
as aquisições realizadas pela Nestlé, este poderá ser vendido à Fonterra. A DPA
atua apenas no mercado institucional, não tendo venda direta dos seus produtos
para o consumidor. A marca utilizada para a produção é a Nestlé.
Inicialmente, quando da constituição da joint-venture, ficou acordado que
as exportações da Fonterra para o continente americano seriam prioritariamente
realizadas por intermédio da DPA. Também passou a ser incumbência da DPA a
realização das operações intra-firma no âmbito da América Latina. Operações
antes realizadas externamente à empresa, agora passam a ser realizadas no
âmbito da firma enquanto unidade global de acumulação.
Com a formação dessa nova empresa, a Nestlé se retira do
processamento inicial da cadeia e transfere o relacionamento com os produtores
rurais para uma empresa possuidora de uma série de vantagens neste segmento,
desenvolvidas com os seus cooperados na Nova Zelândia. Transfere também as
atividades relativas à secagem do leite em pó, e deixa a cargo da parceira a
produção dos produtos com maior perecibilidade, os lácteos frescos. Nos produtos
com maior valor agregado e maior durabilidade, tais como fórmulas infantis, leites
condensados e evaporados, creme de leite em lata, queijos e manteigas, a Nestlé
mantém a sua produção. Assim, para efeitos de concentração setorial, as práticas
são analisadas conjuntamente, visto que a captação se dá por parte da DPA,
assim como parte do processamento dessa matéria-prima. Além disso as duas
empresas agem de forma coordenada e têm objetivos comuns.62
A estrutura inicial da DPA na América Latina formou-se a partir das
plantas pertencentes à Nestlé – sete plantas no Brasil e uma planta na Argentina –
e à Fonterra, uma na Venezuela. Dentro dessa estrutura inicial, seis plantas
destinavam-se ao fabrico de leite em pó e duas ao fabrico de produtos
refrigerados. Assim, atividades a cargo da DPA passam a ser realizadas nas
fábricas de leite em pó (Ituiutaba, MG e Itabuna, BA), de leite pré-condensado
(Goiânia, Rialma e Jataí, em Goiás) e nas de refrigerados (Araras / SP e Barra
62 Com base nos estudos de Penrose, adota-se aqui a idéia de que a coordenação é que dará os limites da empresa (Penrose, 2006).
109
Mansa / RJ). As unidades industriais relacionadas com outros produtos lácteos, já
citados anteriormente, continuaram a integrar os ativos da Nestlé Brasil S.A.
Essa aliança estratégica resultou em ganhos advindos das competências
dos parceiros.63 A Fonterra tem sua competência central no leite em pó e seus
associados são os detentores das maiores produtividades no campo, além de
trabalharem sem sazonalidade na produção. Por isso possui o custo de produção
mais baixo do mundo64. Após a realização da parceria a empresa realizou
investimentos no Rio Grande do Sul para aumentar sua produção de leite em pó.
A constituição dessa parceria significa a implementação de uma prática já
utilizada em outras áreas pela Nestlé, que é a de buscar grandes parceiros com
competências nas suas áreas de atuação, como por exemplo as parcerias
realizadas com a General Mills - na área de cereais - e com a Coca-Cola na área
de bebidas. Representa, também, a realização de uma prática representativa
dessa nova fase do capitalismo, a realização das alianças (Dunning, 1997a;
Dunning 1997b; Haguedorn & Schakenraad, 1999). Essas parcerias ocorrem em
âmbito global e a prática de realização de acordos de cooperação, assim como a
constituição das redes são intrínsecas à fase de regulação monopolística
(Chesnais, 1996).
Todas essas operações são parte da estratégia de crescimento
empreendida pela Nestlé, empresa que se caracteriza sobretudo por ser uma
empresa produtora de alimentos - atua nas área de lácteos e derivados; sorvetes;
bebidas; chocolates e confeitos; comidas preparadas; condimentos e produtos
farmacêuticos.65 Possuía, no momento anterior a parceria, instaladas em território
63 No capítulo 2 as competências individuais foram analisadas.
64 Nas palavras de seus diretores,
"[a] aliança entre a Nestlé e a Fonterra tem por objetivo alcançar benefícios consideráveis especialmente nas áreas de vendas combinadas. A projeção de faturamento no país é de R$1 bilhão no primeiro ano de atividade. A joint-venture também buscará maior eficiência, a partir da melhor utilização das infra-estruturas; melhor aproveitamento de recursos e dos pontos de distribuição e da força de produção; sinergia de compras e de investimentos em pesquisa e desenvolvimento de produtos. (Fonte)" 65 No Brasil, o grupo suiço Nestlé tem as seguintes participações: Nestlé Brasil Ltda (SP), Indústrias Alimenticias Itacolomy S/A (Montes Claros – MG), Companhia Produtora de Alimentos Itabuna (BA), Tostines Industrial e Comercial Ltda. (SP), Perrier Vittel de Brasil Ltda. (RJ), Alcon
110
brasileiro, 25 unidades produtivas, sendo 10 dedicadas aos processamento do
leite, distribuídas estas da seguinte maneira: Porto Ferreira, Araçatuba,
Araraquara e Araras (SP); Itabuna (BA); Ituiutaba, Ibiá e Montes Claros (MG);
Barra Mansa e Rio de Janeiro (RJ). Ainda na área de lácteos a empresa possui
uma unidade em Goiânia, responsável pela captação e distribuição do leite entre
as unidades processadoras e também três unidades menores que executavam
etapas intermediárias de processamento do leite – a pré-condensação - situadas
em Jataí (GO), Rialma (GO) e Teófilo Otoni (MG) (Castro, 2002).
Cabe ressaltar as operações realizadas após a constituição da DPA. A
primeira alteração patrimonial foi a venda, em 2005, da unidade industrial de Porto
Ferreira, produtora de soro de leite, para a Cargil. A unidade envolvida na
transação produzia produtos com alto valor agregado, com essa operação, a DPA
extingue a produção de soro de leite no Brasil. A empresa também realizou
investimentos em plantas produtoras de leite em pó, iniciando a produção de leite
em pó no Rio Grande do Sul, no município de Palmeiras das Missões no ano de
2008, conforme citado anteriormente.
Ainda que a empresa seja de alimentos, a área de lácteos e derivados é
uma das mais significativas: dos 476 produtos oriundos de suas linhas de
produção, 65 são produtos lácteos. Além disso, 38% dos produtos levam na sua
composição leite ou derivados. Assim, o leite constitui-se na principal matéria-
prima utilizada pela Nestlé, respondendo por 60% do total de insumos utilizados
em seus processos produtivos (Blecher, 1999).
A produção da Nestlé em território brasileiro foi precedida por
importações, a partir do ano de 1876, da farinha Láctea - utilizada por
recomendação médica. Por meio dessa inserção e do gradativo aumento de
vendas, a empresa, num momento de mercados retraídos na Europa, no ano de
1921, opta por realizar investimentos no Brasil, com a da compra de uma planta
produtora de leite condensado no município de Araras (SP), produto integrante da
Laboratorios do Brasil S.A. (SP) e Dairy Partners of America (DPA). Um maior aprofundamento sobre a trajetória da empresa foi desenvolvido no segundo capítulo, quando da análise dos principais players mundiais.
111
pauta das importações do mercado brasileiro no começo do século XX. Esse
momento de expansão fora da Europa foi parte de um movimento mais amplo de
enfrentamento das dificuldades decorrentes das mudanças do primeiro pós-
guerra, visto que o crescimento inicial da empresa esteve baseado em produtos
utilizados sobretudo em períodos de guerra - leite evaporado, leite condensado
(Fredericq, 1982; Castro, 2002).
Gradativamente, a empresa estabeleceu outras unidades industriais e
construiu uma forte identidade nacional, dominando no mercado brasileiro.
Durante a quase totalidade do século XX a empresa apresentou um
comportamento tradicional, conservador. Apenas com a abertura dos mercados e
a conseqüente entrada de novos concorrentes a partir de meados dos 1980 –
novas marcas, novos fabricantes e importações, que passaram a ser realizadas
pelas empresas e não mais pelo governo – é que a Nestlé modificou sua forma de
agir. Assim, pode-se caracterizar as estratégias empreendidas pela empresa como
do tipo reativas.
Durante o período em que o mercado brasileiro estava regulado a Nestlé
liderava de forma absoluta. Possuía diferencial de preços em relação às outras
marcas concorrentes, atuando como empresa líder em diversos segmentos.66
Com a abertura dos mercados essa liderança passou a ser cobiçada, e
ameaçada, na área de lácteos pela Parmalat e na área de iogurtes e biscoitos pela
Danone. Não obstante que inúmeras ameaças tenham ocorrido, a Nestlé se
manteve no topo.
Pode-se depreender que a estratégia de crescimento da Nestlé, através
das fusões & aquisições, empreendida a partir de meados dos anos 1990, parece
sobretudo condicionada pela estratégia agressiva da então Parmalat, e ocorreu
com menor intensidade que as operações de seus concorrentes. Isso pode ser
inferido em face da defasagem de tempo em que as operações se realizam,
quando comparadas com as mudanças patrimoniais verificadas nas outras
empresas do setor e de forma comparada com as fusões e aquisições
66 Empresa líder consiste na empresa que coordena os preços (Rocha, 2002)
112
empreendidas pelas rivais. Diferentemente da Parmalat, a Nestlé entra nesse
mercado secundário de empresas num momento posterior ao boom das fusões e
aquisições; num período de 19 anos adquire 9 empresas e suas respectivas
unidades industriais, como visto no Quadro 08. Num momento anterior, em 1983,
havia adquirido a ITASA, empresa sediada em Minas Gerais, produtora de leite
em pó.
Quadro 08 - Operações de fusões e aquisições realizadas pelo grupo Nestlé no Brasil durante período 1989/2008
Ano Empresa adquirida Área de atuação
1989 Ailiram (SP) biscoitos
1991 CCPL (MG) lácteos
1992 Kid`s balas e confeitos
1992 Perrier Vitel (MG) água mineral
1993 Tostines (SP) biscoitos
1993 SPAM (ES, BA, MG, GO) lácteos
2000 Emege Produtos Alimentícios S.A. massas
2001 Ralston Purina Company alimentação animal
2002 Garoto (ES)* chocolate
Fonte: Anexo A15
Obs* No ano de 2004 a operação foi contestada, sendo que o veredicto do CADE
era de que a Nestlé deveria vender a empresa, esta porém apresentou uma
proposta buscando reduzir sua participação no mercado de chocolates através da
venda de noves marcas – cinco da Nestlé e quatro da Garoto – que
representavam naquele momento 10% do mercado, entretanto até a presente data
não obteve decisão, o processo ainda se encontra em tramitação nos tribunais
(Basile & Madureira, 2007).
As aquisições realizadas não se relacionaram diretamente com produtos
lácteos e o foco do presente trabalho. Entretanto, as plantas industriais adquiridas
estavam relacionadas sobretudo com as competências centrais da empresa,
113
constituindo-se em fusões horizontais. Diferentemente da Parmalat, a Nestlé não
objetivou a diversificação concêntrica em suas fusões e aquisições, até porque já
possuía uma gama de produtos consideráveis na época em que esse processo se
intensificou. De certa forma, a diversificação sempre foi uma característica da
empresa, sendo a marca um dos seus principais ativos. Desde sua fundação
sempre trabalhou em nichos de mercados distintos de seus concorrentes, atuando
sobretudo em produtos com maior agregação de valor.67
Esse período se caracterizou não só por aquisições mas também por
venda de algumas operações não centrais (Quadro 09). Em alguns casos realizou
desverticalização de suas estruturas com posterior terceirização de operações
antes próprias.
Quadro 09 - Vendas de operações realizadas pelo grupo Nestlé no Brasil no período 1989/2006
Ano Unidade vendida Compradora
2001 Kid´s68 Arcor Brasil
2000 Reimassas (Uberlândia) Emegê
2003 Processamento de cacau (Ba) PetraFoods
2005 Soro em pó Cargil
Fonte: Anexo A15
Outra estratégia de crescimento empreendida foi a realização de
investimentos em plantas já existentes, aumentando a sua capacidade produtiva e
modernizando o seu parque produtivo. Assim, o crescimento horizontal se deu
prioritariamente através da realização de investimentos, constituindo-se na
principal estratégia de crescimento utilizada. Dentro dessa lógica, em 1986 foi
inaugurada a planta industrial de Araras e em 1990 a de Teófilo Ottoni (MG). Em
1994 iniciaram-se as atividades das unidades industriais de Goiânia e de Rialma
(GO). Em 1997 foi inaugurada a planta de Camaquã (RS) e de sorvetes em
67 Uma série de pareceres do CADE permitem que se chegue a essas conclusões. 68 O alvo da operação foram as instalações e não as marcas - 7 Belo, Kid´s Leite, balas de amendoim Kid´s e Poosh -, que continuaram propriedades da Nestlé -.
114
Jacarepaguá (GO). Em 2001 realiza investimentos em Araras, para reforçar a
produção de leite em pó. Em 2006 iniciou-se investimento em Palmeiras das
Missões, RS numa planta de transformação de leite em pó, que começará a
operar em 2008.
Na área de lácteos as principais modificações referem-se às relações
estabelecidas com os produtores rurais. Buscando uma maior agilidade na
realização das operações e, também, redução de seus custos de transação a
empresa passou a comprar sua matéria-prima principal através de terceiros. Essa
prática se deu anteriormente à constituição da DPA. Um exemplo dessa prática
foi a relação estabelecida com a cooperativa Centroleite - sediada em Goiás - que
intermediava operações de compra e venda entre seus associados. Esse tipo de
prática teve como objetivo a redução dos custos de transação - ao invés de
estabelecer contratos individualizados a empresa estabelece grandes contratos e
as negociações de preço também se dão de forma aglomerada. Ainda que a
parcela comprada dessa forma fosse pequena, essa prática significou uma
modificação na forma de atuação da empresa, centrando novamente os esforços
na atividade principal. O foco nas atividades centrais e o estabelecimento de
parcerias é uma tendência internacional. É dentro dessa lógica que a DPA se
constitui. A atividade de captação é a expertise principal da empresa
neozelandesa, sendo um dos motivos principais para a realização da aliança, que
permite a utilização das vantagens comparativas por parte da empresa e também
pela obtenção de benefícios recíprocos pelo uso combinado de ativos
complementares (Dunning, 1997a e 1997b).
Programas de apoio ao produtor rural também se constituem em
estratégias importantes da firma.69 Uma medida adotada foi que a empresa
passou a financiar a soja para a silagem, através da Dairy Partner Americas
(DPA). Através desses programas o agricultor obtém financiamento avalizado pela 69 Prestados inicialmente através do Serviço Nestlé ao Produtor, que passou a receber a designação de Serviço DPA ao Produtor. A empresa revela antecipadamente ao produtor o preço do leite, geralmente essa informação é disponibilizada ao produtor passados 30 dias da entrega da matéria-prima. Assim a empresa fornece um diferencial aos seus produtores.
115
empresa. Gradativamente a relação com os produtores vai se adensando, rumo à
uma integração dirigida. Esses programas visam, em última instância, uma melhor
qualidade dos produtos finais. Outra meta é o aumento da produtividade. Formas
essas, ainda que indiretas, de diminuir os custos de transação da atividade láctea.
Com a mudança na legislação acerca da captação e coleta de leite
(Normativa 51 do Ministério da Agricultura) e do aumento dos investimentos que
precisam ser realizados pelos produtores rurais, a escala de produção passa a ser
um elemento ainda mais importante. Só os produtores com maior volume de
produção e com condições de realizarem investimentos, mantêm-se nesse
mercado cada vez mais excludente. São necessários recursos para a aquisição de
resfriadores e congêneres, por isso a compra só se justifica quando a produção é
elevada. A Nestlé, atuando como avalista junto a órgãos oficiais de financiamento,
propiciou aos seus produtores acesso aos recursos necessários para a
permanência na atividade.
De todas as empresas que atuam nessa área, a Nestlé é a única com
volume de captação superior a 10% da produção inspecionada do leite. No
período 1999/2002 coletou, em média, 12,33% do leite inspecionado brasileiro. No
Brasil, em números absolutos, desde 1999, tem apresentado uma tendência
ascendente, realidade diferenciada quando comparada com as outras empresas
captadoras.
A prosperidade obtida durante o longo período em que o mercado esteve
regulado e fechado foi contestada somente nos anos 1990 por empresas
menores, porém mais ágeis. Essa mudança de ambiente levou a perdas relativas
de participação da empresa em diversos segmentos, posteriormente a empresa
adotou uma série de mudanças buscando a manutenção do primeiro lugar no
ranking nacional. A aliança com a neozelandesa Fonterra é integrante das
estratégias implementadas para a manutenção de sua posição.
Com a entrada das novas marcas no mercado e também com a mudança
empreendida nos hábitos de compra do consumidor brasileiro, a Nestlé, buscando
a manutenção e também a ampliação de suas margens de participação, mudou a
116
sua forma de atuação, sobretudo com redução de suas margens de lucro.
Tradicionalmente, a empresa operava com preços superiores até 20% da média
do mercado (Parecer SAE). Gradativamente a empresa vem atuando junto a
camadas com menor renda, por intermédio de um trabalho diferenciado, com
abordagem porta-a-porta.
Buscando a manutenção e ampliação de seu market-share, o lançamento
de novos produtos também foi uma das estratégias de produto adotada. Dentro
dessa lógica, chegou a lançar 95 novos produtos no ano de 1999 (Nestlé, 2003).
Seu mix produtivo atual ultrapassa a marca de 500 produtos diferenciados,
utilizando a mesma marca, já consolidada e disseminada no Brasil, para uma
gama maior de produtos.70 Esse lançamento de produtos é uma diretriz geral da
empresa, sendo gerados a partir do centro de pesquisa.
Por fim, destaca-se que, embora a empresa tenha uma forte identificação
com o Brasil, sua estratégia no país encontra-se subordinada à estratégia mundial
do grupo. A inserção da filial brasileira está determinada desde a matriz. Nota-se
que dentro da recentragem produtiva impulsionada pela matriz, a região das
Américas tem destacada participação no tocante aos lácteos.
4.2 Perdigão
Apenas recentemente, no ano de 2006, a empresa Perdigão, dentro de
uma estratégia de expansão, passou a atuar no setor lácteo. O início das
atividades da Perdigão deu-se no município de Videira, em Santa Catarina, no
ano de 1934, e a entrada no mercado lácteo ocorreu através da aquisição de
ações da Batávia S.A.,71 empresa que então ocupava o posto de 13ª em
captação no Brasil, com marca consolidada junto ao mercado consumidor. Após
70 Como exemplo pode-se citar o produto Nescau, originalmente um achocolatado em pó que posteriormente foi lançado como achocolatado em pó light, na forma longa vida, como biscoito, como cereal matinal e como chocolate - em barra, drágeas e bombom. 71 A marca Batavo já integrava o portfólio de marca da Perdigão, desde 2000, quando da aquisição das plantas relativas a produção de carnes.
117
essa operação, também incorporou a Eleva, terceira em volume de leite captado
no Brasil, com destaque na produção de leite UHT.72 Essas aquisições a
colocaram como a segunda empresa em termos de captação de leite no Brasil a
partir do ano de 2007 (Quadro 10).
Quadro 10 - Fusões e aquisições realizadas pela Perdigão no período 2005-2008
Ano da
operação
Empresa adquirida Principais produtos Localização
2005 Mary Louise carnes Nova Mutum (MT)
2005 Incubatório Paraíso aves in natura Jataí (GO)
2005 Galé Agroindustrial – Grupo Vitor Priori
aves in natura Jataí (GO)
2006 Garanhuns bebidas lácteas e iogurtes
Garanhuns (PE)
2006 Fornos biscoitos Jundiaí(SP)
2006 Batavo lácteos Carambeí(PR)
2007 Plusfood nuggets, empanados, frango cozido e grelhado, hambúrgueres
Holanda, Romênia, Reino Unido
2007 Sinos dos Alpes embutidos Bom Retiro do Sul (RS)
2007 Unifrigo carnes Vale do Guaporé (MT)
2007 Eleva lácteos e carnes Teutônia (RS)
2008 Cotochés lácteos (MG)
Fonte: Elaborado pela autora a partir de pareceres da Secretaria de Acompanhamento Econômico, diversos.
72 Por sua vez, a Eleva, antiga denominação da Avipal provinha de um processo de expansão. Assim, como a Perdigão originalmente não produzia lácteos. A entrada nesse segmento ocorreu em 2004, quando da incorporação da Elegê Alimentos S.A.
118
Parte das empresas adquiridas proveio da reformulação da Parmalat,
outra parcela foi de empresas familiares que tiveram dificuldades no momento da
sucessão patrimonial. Independente da origem da empresa, todas detêm marcas
consolidadas junto ao mercado consumidor.
Além das aquisições no ramo de lácteos, aumentou sua capacidade
produtiva de carnes. Uma aquisição que merece ser destacada, dentre as de outra
natureza, foi a compra da Plusfood. Esta aquisição tornou a Perdigão a primeira
empresa brasileira do setor de alimentos a ter plantas produtivas na Europa.
Através dessa aquisição a empresa está apta a produzir no continente europeu,
podendo optar por diferentes formas de produzir suas especialidades, evitando
assim possíveis restrições quanto a importações.
Essa internacionalização da produção já encontrava-se em curso. O
primeiro movimento nesse sentido foi a joint-venture estabelecida com a Sadia, no
ano de constituição da BRF Trading S.A. que resultou na abertura de um
escritório de vendas visando o mercado externo. Com a dissolução da parceria, a
Perdigão assumiu esse escritório, que se transferiu do Brasil para a Holanda, no
ano de 2002, sob a denominação de Brazilian Fine Foods (BFF). Além de cuidar
das vendas para o mercado externo, esse escritório também passou a ser
responsável pela adequação dos produtos para o mercado exterior.
A diversificação em direção ao segmento lácteo relaciona-se com as
crises advindas do setor de carnes e com os bons rendimentos e perspectivas
apresentadas pelo setor lácteo. Assim, a estratégia de expansão da Perdigão foi a
transformação de uma empresa setorial para uma multisetorial, no caso passando
de uma empresa de carnes para uma empresa de alimentos. Essa mudança de
estratégia e a decisão de crescer estão relacionadas com a passagem do controle
acionário da empresa para um grupo de fundos de pensão, a empresa só se
transforma quando sob a égide direta do capital financeiro, da entrada de uma
lógica diferenciada de acumulação.
Ainda enquanto empresa familiar a Perdigão passou por um processo
falimentar originado em problemas de crédito, parque fabril sucateado, falta de
119
qualidade dos produtos, nível baixo de market share, entre outros, processo esse
que resultou na transformação societária (Uller, 2002). O processo de
transformação da empresa familiar em sociedade anônima iniciou-se em 1995,
com uma reestruturação societária e organizacional que origina, no ano de 1997 à
Perdigão S.A.. Dentro dessas modificações a única empresa operacional passou a
ser Perdigão Agroindustrial S.A., operando em quatro unidades de negócios:
Perdigão, Lácteos, Bovinos e Internacional. A empresa passou a ser controlada
por fundos de pensão. Também dentro dessa estratégia de expansão a Perdigão
foi a primeira empresa brasileira de alimentos a ter ações listadas na Bolsa de
Nova York no ano de 2000. Integrou de forma pioneira o Novo Mercado da Bolsa
de Valores de São Paulo (Bovespa) no ano de 2006, constituindo-se na primeira
empresa brasileira no setor de alimentos a integrá-lo. A expansão se viabilizou
financeiramente a partir do lançamentos de ações, que capitalizaram a empresa e
possibilitaram as aquisições. Realizou uma oferta de ações no montante de R$
800 milhões no ano de 2000. Atualmente seu controle acionário é pulverizado e
difuso, conforme Gráfico 25.
Gráfico 25 - Composição acionária da Perdigão em 2007 (%)
120
Fonte: Relatório Perdigão (2008)
Independente da origem da empresa, uma constante nesse processo de
expansão foi a aquisição de marcas consolidadas, essas operações incorporaram
ao portfólio da Perdigão, as marcas Batavo, Elegê, Avipal73.
Gráfico 26 - Distribuição das vendas da Perdigão, por grupo de produto, em 2007
outros8%
lácteos10%
carnes34%
carnes processad
as48%
Fonte: Relatório Perdigão (2008)
Obs* - Para uma análise temporal entre as empresas, dados relativos à 2006 encontram-se no Anexo A29.
73 A origem da marca Batavo data de 1925, quando um grupo de imigrantes holandeses criou a Sociedade Cooperativa Holandeza de Laticínios que depois transformou-se na Cooperativa Agropecuária Batavo Ltda. Em 1954, juntando seu quadro com a Sociedade Cooperativa Castrolanda dá-se a constituição da CCLPL. O Grupo Batavo surge em 1961, quando a Cooperativa Agropecuária Arapoti funde-se com a CCLPL. Até os anos 1970 a cooperativa atuava apenas na produção de leite e derivados, e foi nessa década que passou a atuar nas áreas de avicultura e suinocultura, transformando-se num dos maiores grupos agroindustriais do país.
121
Remanescentes do movimento cooperativo, capitaneada pelos fundos de
pensão, essa segunda empresa no setor lácteo é fruto da fusão remota de duas
renomadas cooperativas. Sua entrada no ramo de lácteos ocorreu através da
compra de participação da empresa Batavia S.A.. Incorporou assim ao seu
patrimônio a marca Batavo, tradicional quando se fala em iogurtes no Brasil.
Sempre ofertou produtos diferenciados e esteve associada a produtos de
qualidade. Associar ao seu portfólio de marcas uma já conhecida e respeitada
tornava a entrada em um novo setor mais facilitada. A marca já tinha criado a sua
reputação, nos mercados de iogurte representava. O mesmo ocorreu
posteriormente quando adquiriu a Eleva.
4.3 Itambé
Terceira empresa em captação de leite no Brasil, a Itambé – designação
pela qual é conhecida a Central de Produtores Rurais de Minas Gerais (CCPR) e
que se constitui na marca principal da empresa -, vem perdendo participação
relativa na última década dentre as principais processadoras lácteas brasileiras,
ainda que tenha realizado uma série de alterações com vistas a incrementar a
competitividade da empresa.74 De origem cooperativa, transformou-se em
sociedade anônima no ano de 1999. No momento da transformação patrimonial,
operava através de 32 cooperativas regionais, 72 postos de recepção e 20.155
produtores cooperados nos estados de Minas Gerais, Goiás e Distrito Federal
(Figueira, 1999). Esses produtores abasteciam 9 unidades produtivas (Gonçalves,
2000).
A transformação em sociedade anônima fez parte de uma estratégia de
expansão que contemplava investimentos no parque tecnológico. A atualização
seria possível com a entrada de recursos através de um novo parceiro. Dentro do
74 A cooperativa foi fundada em 1948 e a partir de 1956 passou a adotar a atual designação. As instalações industriais utilizadas eram arrendadas do Governo de Minas Gerais, originalmente constituíam a Usina.
122
movimento cooperativista, foi uma das pioneiras no Brasil na alteração de
constituição jurídica da empresa.
A Central de Produtores Rurais de Minas Gerais (CCPR) alterou sua
constituição jurídica, na busca de uma maior competitividade. A transformação em
uma sociedade anônima controlada no ano de 1999 possibilitaria viabilizar a
emissão de ações. Essa medida foi tomada de forma a atrair recursos, através de
novos sócios - e não mais os cooperados - para a realização de investimentos que
possibilitariam a sua permanência no mercado, frente à intensificação da presença
das multinacionais, principalmente Nestlé e Parmalat, nos anos 1990. A partir
dessa mudança se tornava possível a abertura do capital da empresa, podendo
dessa forma atrair parceiros estrangeiros.
Esse não foi o primeiro movimento em busca de maior competitividade.
Essa abertura de capital ocorreu apesar das medidas anteriormente adotadas, que
visavam a modernização tecnológica. Ainda que se tenha passado quase uma
década o parceiro estratégico não se apresentou. A avaliação para a não
efetivação da estratégia foi da tomada de decisão de manter o controle da
empresa com a CCPR passando a mesma a ser uma sociedade anônima de
capital fechado.75 Outros capitais só se integrariam caso pudessem dar as
diretrizes de funcionamento, ou pudessem participar de forma pulverizada. Dessa
forma, sócios minoritários de grande monta não se apresentaram. O atraso
tecnológico não é uma questão explicativa para a não apresentação de parceiros,
visto que a cooperativa era a melhor posicionada no ranqueamento nacional e
contava, dentro de uma política de expansão anterior, com diversificação de suas
linhas de produção e fabricação de produtos com maior valor agregado.
75 Esse tipo de transformação tornou-se possível pois, a partir dos anos 1980, as cooperativas passam a ter autonomia funcional e administrativa, até então inexistente, visto que as mesmas ficavam sob a tutela do Estado. O pressuposto cooperativo básico, de que todos são iguais, tendo assim os mesmos direitos e, portanto, todos os produtores devendo receber o mesmo preço pelo produto entregue, é substituído pela diferenciação de produtor, de acordo com a produtividade apresentada. Essas mudanças institucionais conduzem à mudança da coordenação.
123
Com a transformação das cooperativas em S.A. também se modifica a
coordenação entre a empresa e os produtores de leite, antes cooperados, e que,
enquanto cooperados eram também sócios da cooperativa com compromisso de
exclusividade no fornecimento da matéria-prima. Caso o cooperado não vendesse
toda a sua produção para a cooperativa, corria o risco de exclusão da cooperativa.
Essa, por sua vez, também tinha o compromisso de comprar o leite do cooperado.
Entretanto, a busca de novos parceiros estratégicos exigiu uma reorganização
anterior buscando uma maior lucratividade do negócio. Em decorrência desse
processo muitos pequenos produtores, ou menos eficientes, perderam sua
vinculação com a empresa
Seus produtos são distribuídos em todo o território nacional, tendo
participação destacada nas regiões Sudeste e Centro-Oeste. Minas Gerais e
Goiás (Lobato & Soares, 1999a). No Norte e no Nordeste se destaca sobretudo no
mercado de leite em pó.
No ano de 2007, a Itambé operava com seis plantas processadoras de
lácteos, situadas em Belo Horizonte, Guanhães, Goiânia, Sete Lagoas, Pará de
Minas e Contagem, e com centros de distribuição situados em Minas Gerais,
Distrito Federal, Ceará, Goiás, Pernambuco, São Paulo, Bahia e Rio de Janeiro.
Outra parte dos investimentos desse período foi direcionada para a
aquisição de equipamentos que permitissem uma maior flexibilização do seu
parque industrial, capacitando assim a empresa para uma mudança rápida de
foco, atrelando sua atuação à reação do mercado (Figueira, 1999).
Quando da intensificação da concorrência, durante os anos 1990,
acelerou o processo de granelização, já em curso, ainda antes da obrigatoriedade
por parte da Normativa 51. A ação se deu através de investimentos que
permitiram a instalação de mecanismos de resfriamento nas fazendas. A captação
de leite a granel diminui custos de transporte para a empresa e diminui a
incidência de bactérias no leite (Lobato & Soares, 1999a). A empresa passou
também a implementar programas de incentivo para o aumento de produtividade
por parte dos cooperados, assim como de volume entregue. Isso porque uma
124
melhor qualidade da matéria-prima e maiores quantidades entregues por
propriedade, corresponde a menores custos para a unidade processadora. Esses
investimentos foram seletivos, direcionados para um grupo de produtores que
trabalhava com produtividade acima da média. Posteriormente a empresa
realizou ampliações nas suas unidades produtivas visando expandir algumas
linhas de produtos.
No tocante à captação, também mudou a forma de se relacionar com os
produtores, passando a realizar operações de aquisição de leite intermediadas por
cooperativas de compra. Assim, a exemplo de outras empresas, passou a adquirir
leite através da Centroleite.
Sua diversificação produtiva deu-se dentro de uma linha mais tradicional
de produtos – não houve desenvolvimento de novos produtos e nem
diferenciação de produto. Assim, a empresa não possui um diferencial produtivo
perante os demais produtores brasileiros. Não existe nenhuma exclusividade
láctea sob a marca Itambé.
Outra forma de crescimento empreendido foi a expansão em mercados
externos, através da parceria denominada de Serlac Trading, formada em 2002
juntamente com a Cooperativa Central Agro-industrial do Paraná Ltda
(CONFEPAR), a Indústria de Laticínios Palmeira dos Ïndios S.A. (Ilpisa) e a
Embaré S.A. Esta parceria tem por finalidade viabilizar, e facilitar, a exportação de
produtos lácteos brasileiros. No mercado externo passam a utilizar-se da marca
Brazilian Dairy Board. Posteriormente, a Cooperativa Central de São Paulo (CCL)
também se associa a Serlac. A busca de mercados internacionais possibilita
novas alternativas de comercialização, fugindo dessa forma do poder cada vez
maior dos grandes players do mercado varejista.76
76 Durante o ano de 2002 a Itambé teve dificuldade de relacionamento com Pão de Açúcar e Carrefour, abandonando temporiamente o relacionamento com esses agentes.
125
4.4 Parmalat
A atual empresa detentora dos direitos sobre a marca Parmalat no Brasil
pouco tem em comum com a empresa Parmalat Brasil S.A. Indústria de Alimentos,
que se constituiu em território brasileiro a partir de uma joint-venture da empresa
italiana Parmalat com a empresa Laticínios Mococa, em 1974, e que se separou
da matriz italiana no ano de 2005, dentro de um processo de recuperação da
empresa em território brasileiro. Toda essa crise afetou significativamente a
Parmalat Brasil, em decorrência sobretudo da representatividade desta dentro do
grupo econômico internacional.
No ano de 2003 a empresa encontrou em concordata após uma série de
escândalos financeiros, característicos do modo de produção capitalista
predominantemente financeiro.77
Após a reestruturação ocorrida no Brasil a marca se manteve, mas os
capitais envolvidos mudaram. Essa nova Parmalat foi adquirida, em maio de 2006,
pelo fundo de investimentos Latin America Equity Partners (LAEP)78. Hoje, a sua
relação com o controladora italiana está circunscrita a um contrato de
licenciamento para a utilização das marcas no Brasil (Parmalat e Santal) por um
período de 15 anos, marca a partir da qual a empresa se constitui e intercâmbio
de tecnologia industrial.79 Além disso é também proprietária das marcas Alimba,
Duchen, Glória, Kidlat e Especiallat – com linhas de produção ativas, e das
marcas Lacesa (Anexo A30).80 Seu relacionamento restringe a pagamento de
royaltes, tendo a administração sendo totalmente desvinculada da matriz italiana.
77 Um maior detalhamento sobre essa trajetória dessa empresa encontra-se em Carvalho (2005). 78 Fundo constituído por grupo de brasileiros em 1994. 79 Ainda que tenha passado por uma série de revezes, a marca sempre apresentou market shares consideráveis, num mercado com uma diversidade de pequenas marcas. 80 Essas marcas foram adquiridas durante o intenso processo de incorporações que passou a Parmalat nos anos 1980 e 1990. Algumas marcas são de abrangência mais regionalizada, tais como a Alimba, com representatividade na região nordeste. Algumas também regionalizadas, como no caso da Lacesa, encontram-se fora de linha de produção, ainda que permaneçam como ativos da empresa. Constituíam-se em marcas de antigos laticínios regionais.
126
Na verdade, a empresa foi adquirida por um consórcio entre o grupo LAEP
e a Perdigão, numa proposta conjunta, e a Perdigão estava interessada em uma
empresa específica, a Batávia. Foi com a venda da Batávia para a Perdigão que o
Laep pôde capitalizar a empresa. Também usou parte desse recurso para saldar
as dívidas da Parmalat com os bancos, podendo assim ofertar liquidez imediata,
que tornou a proposta apresentada em vencedora.
Predominantemente láctea, visto que se constitui a partir do braço lácteo
da antiga Parmalat, a “nova” Parmalat vem buscando a diversificação dos
negócios. No seu início, 90% das receitas se relacionavam com os leites fluídos,
no ano de 2008 estes leites respondem por 50% das receitas. Na verdade a
“nova” Parmalat se constituiu para aproveitar as oportunidades que se originaram
no segmento lácteo, segundo informações dos próprios administradores.
Atualmente apresenta a seguinte conformação (Quadro 11).
Quadro 11 – Unidades produtoras da Parmalat em 2007 e seus respectivos produtos
Unidade Fabril Produtos
Carazinho (RS) Leite Lácteos
Jundiaí (SP) Sucos Chás
Jundiaí - Fornos (SP) Biscoitos
Itaperuna (RJ) Lácteos Leite UHT Leite condensado
Santa Helena de Goiás(GO) Lácteos
Garanhuns (PE) Lácteos
Ouro Preto d`Oeste (RO) Leite UHT Manteiga Lácteos
Fonte: www.parmalat .com.br
Os leites especiais sempre foram uma das especialidades da antiga
Parmalat. Inovação e variedade foram as suas características principais. Inovou
ao introduzir no mercado brasileiro o leite longa vida, no ano de 1977. Manteve
127
essa característica de pioneira, através do lançamento de uma série de
especialidades, fruto de investimento sistemático em pesquisa e desenvolvimento
de produto a partir da então matriz italiana. Sua série de leites enriquecidos foi
iniciada com o lançamento do Integral com Ferros e Vitaminas, no ano de 1995 e
a partir de então lançou as seguintes variedades: leite integral com baixo teor de
lactose; leite light enriquecido com vitaminas A e E; leite semidesnatado
enriquecido com cálcio e vitaminas (C e E); (Parmalat Plus); Dietalat; Natura
Premium. Em 1999 começou a atuar no segmento de leites funcionais: Ômega 3,
Crescimento, Zymil. Foram essas mesmas variedades que garantiram 90% da
receita da nova Parmalat a partir de sua reestruturação.
A cessão temporária da marca Parmalat em iogurtes integrou a venda da
Batávia. Os capitais brasileiros estão se beneficiando da marca construída pela
empresa italiana. O que acontecerá após a cessão desse licenciamento é uma
incógnita. Durante o período de cessão a acumulação de capitais poderá render
para que posteriormente outras marcas sejam passíveis de utilização.
A nova Parmalat beneficiou-se de um forte relacionamento com os
produtores fortalecido através do então programa de relacionamentos da Parmalat
com os produtores.
Herdeira de uma bacia leiteira então assistida pelo Departamento de
Assistência ao Produtor Rural (DAPP), que realizava acompanhamento com os
produtores rurais através de um programa estruturado de apoio, independente da
relação de compra estabelecida.81 Essa ação acabava por caracterizar uma forma
diferenciada de relação com o fornecedor de sua matéria-prima principal, dando
menor possibilidade do produtor agir de forma oportunista.82
81 "A empresa escolhida para o estudo de caso destacou-se pelo enfoque intensivo no acompanhamento de seus fornecedores, sendo a única empresa a contar com uma equipe específica voltada para o desenvolvimento dos produtores de leite, independente das negociações de compra da matéria prima. Outras ações, tais como a variedade de prestação de serviços oferecidos ao fornecedor, também não são encontradas nas demais empresas do setor (Novo & Toledo, 2001:6). 82 O oportunismo é a regra nas relações entre fornecedores e laticínios (Nassar et al, 2002). Essa característica faz com que o produtor busque alternativas para obter uma maior lucratividade, fugindo aos termos previamente acordados. Assim, segundo Williamson (1985), como não é
128
A incorporação do DAPP pela nova empresa trouxe consigo benefícios
diretos como uma maior produtividade do plantel leiteiro, gerando assim ganhos
de escala em decorrência da maior produção de leite por estabelecimento.
Diretamente relacionados com o aumento de escala verificam-se os ganhos
logísticos: transporte de maiores volumes por quilômetro rodado; menor preço
pago pela matéria-prima e gerenciamento dos custos dos fornecedores, um dos
grandes entraves quando se trabalha com o setor primário. Outros benefícios
também eram creditados à prática de granelização do leite, como um menor custo
de beneficiamento, visto que o leite captado já era resfriado. Essa prática também
induzia a um aumento da qualidade intrínseca da matéria-prima.
Nesse mesmo sentido de melhoria da matéria-prima, o grupo continua
atuando, agora através da Integralat, empresa pertencente ao mesmo grupo de
investidores e que passa a realizar um trabalho de integração vertical comandada
pela empresa processadora, a exemplo do que já acontece com as empresas
produtoras de carne avícola e suinícola. Assim, em junho de 2007 a Laep
constituiu a Integralat, empresa com foco na produção primária, introdutora da
prática do sistema de integração, tão característico do mercado de carnes avícola
e suinícola. Tem como meta aumentar a produtividade a partir de melhoramento
genético.
Como podemos observar no quadro 11, no ano de 2005 a empresa conta
com apenas 7 unidades processadoras, sendo que exclusiva dos produtos lácteos
apenas 5 unidades. Em 2005, esse número se reduziu para 5 empresas e para
4.400 fornecedores. Sua representatividade não se alterou profundamente, mas
os impactos causados por sua atuação agressiva disseminaram por diversos
setores, principalmente alterou a face do sistema agroindustrial leiteiro no Brasil,
atuou como uma espécie de agente revolucionário dentro da cadeia brasileira
levando a uma mudança de paradigma produtivo. Após todas essas mudanças, a
empresa já anunciou a realização de investimentos em Pernambuco objetivando
produção de leite em pó. possível identificar ex-ante os indivíduos merecedores de confiança, são feitos esforços e criadas salvaguardas para que não se verifiquem comportamentos oportunistas ex-post.
129
4.5 Danone
A Danone, depois de ocupar o posto de quinta maior empresa em
captação de leite no Brasil, passou para a décima quarta posição (Fonte: Tabela
05). Essa mudança na captação está relacionada com a estratégia mundial da
empresa de recentragem produtiva (um detalhamento da performance mundial da
empresa pode ser obtido no capítulo 2).
A atuação da Danone no Brasil data de 1970, quando do estabelecimento
de uma joint-venture com a Laticínios Poços de Caldas.83 É a partir dessa
empresa que passa a ser produzido iogurte com polpa de frutas no Brasil.
Posteriormente a Danone adquiriu a empresa brasileira (Mathias, 2001).84
Inicialmente, a Danone dedicou-se à produção de produtos lácteos –
sobretudo na linha de refrigerados. Nos anos 1980 passou a atuar no segmento
de massas e nos 1990 entrou também no segmento de biscoitos. As aquisições
realizadas pela empresa se relacionaram sobretudo com essas duas últimas
competências. Aquisições na área de laticínios só foram realizadas nos anos
2000, num período subseqüente ao auge do movimento de fusões e aquisições
(Quadro 12).
83 A Laticínios Poços de Caldas iniciou suas atividades no ano de 1942 com a designação de Sociedade Laticínios Caldas Ltda. Posteriormente se transformou numa sociedade anônima, possibilitando a formação da joint-venture com a Danone. Informações sobre a história da empresa encontram-se disponíveis em www.danone.com.br 84 Desde o início sua marca foi quase que sinônimo de iogurte no Brasil e foi através dessa parceria que o iogurte com polpa de fruta passou a ser produzido em território brasileiro. Essa relação permanece no imaginário do consumidor, na pesquisa Marcas de Confiança 2008 Danone 36% das citações sobre iogurte.
130
Quadro 12 – Operações realizadas pela Danone no período 1989-2002
Ano da operação
Empresa adquirida Produtos
1981 Terra Branca massas frescas
1997 Companhia Campineira de Alimentos (SP) biscoitos
2000 Aymoré (MG) biscoitos
2000 Leite Paulista (SP) refrigerados lácteos
Fonte: Quadro 01
Aumento de renda real, estabilização, entre outras mudanças ocorridas no
Brasil no começo do século XXI, fizeram com que a empresa adotasse uma
estratégia de expansão diferenciada da matriz, englobando a produção de
produtos direcionados às classes C e D, ao adquirir em 2000, parte dos negócios
da Leite Paulista, inclusive a propriedade sobre a utilização da marca para o
segmento iogurtes – Paulista, Pauli e Fruty. Depois de um tempo atuando dentro
dessa lógica, no ano de 2008, licenciou a marca para a Parmalat, retornando às
suas origens. Esse movimento da Danone no Brasil esteve relacionado
diretamente com o Plano Real e o incremento de renda real ocorrido que resultou
num aumento de 19% na quantidade consumida de iogurtes face a uma queda
nos preços da ordem de 14% (Achielsen,1998 apud Martins, 2001).
Essas estratégias se relacionam com a elevada elasticidade-renda que os
produtos lácteos frescos apresentam.85 Num momento de crescimento da
economia brasileira, a empresa apostou na expansão de consumo das camadas
mais populares através da aquisição de marca já consolidada, e mais popular no
mercado, a Paulista. Os iogurtes produzidos pela então Cooperativa Central dps
Produtores de Leite (CCLP) sempre tiveram preços inferiores aos praticados pela
Danone, direcionados a segmentos diferenciados de mercado. Assim, mesmo que
85 “Nossa intenção, agora, mais do que aumentar a fatia de mercado sobre os concorrentes, é ampliar o consumo.” Para comprovar a afirmação, Bruxelles cita dados dando conta de que, enquanto os brasileiros consomem 3 quilos de produtos lácteos frescos – iogurtes, petit suisses, sobremesas e requeijões cremosos-, na Argentina o consumo já é de 6 quilos per capita. Na França, sede da Danone, esse consumo chega a 32 quilos, segundo Bruxelles, que se dá por satisfeito com um crescimento próximo ao do país vizinho ao Brasil.
131
as duas empresas fossem produtoras de iogurtes, parte significativa de suas
linhas de produção eram complementares, e não excludentes como poderia se
pensar a priori.
Ainda que atuasse em diferentes áreas, seu principal produto sempre foi a
área de produtos lácteos frescos. No ano de 2007, cessa as atividades de
produção de biscoitos, sujeito a diretriz mundial da empresa.
Abandona a produção de massas alimentícias em 1996 e a de biscoitos
no ano de 2000, ainda que tenha se tornado a maior empresa de biscoitos da
América do Sul (Quadro 13).
Quadro 13 – Vendas de ativos realizadas pela Danone no período 1989-2002
Ano da operação
Empresa adquirida Produtos
1981 Terra Branca Massas frescas
1997 Companhia Campineira de Alimentos (SP) Biscoitos
2000 Aymoré (MG) Biscoitos
2000 Leite Paulista (SP) refrigerados lácteos
Fonte: Quadro 01
Dentro de sua estratégia de expansão, a Danone diversifica seus
produtos a partir das marcas já trabalhadas pela empresa.86 Entretanto, seu
esforço principal está produção de alimentos funcionais. Toda a recentragem da
matriz ocorreu nesse sentido.
A realocação produtiva da empresa no Brasil está relacionada diretamente
com os benefícios decorrentes da “guerra fiscal”. Assim, a empresa tem
concentrado sua produção no estado de Minas Gerais em face dos programas de
estímulo oferecidos pelo Estado que estimulam a competitividade da produção
leiteira em território mineiro.
86 No ano de 2002 passa a produzir achocolatado com a marca Danete e no ano de 2003 começa a produção de leite fermentado com a marca Danoninho.
132
Associada à expansão de mercado, a empresa programou a realização de
gastos em propaganda e marketing, objetivando uma melhor colocação de seus
produtos e aumento de seu market share. As ações adotadas constituíram-se em
renovação de suas linhas produtivas, sobretudo àquelas de iogurtes e do
requeijão.
4.6 Considerações preliminares
As grandes empresas de capital estrangeiro atuam predominantemente
em produtos não comoditizados. À medida que esses se tornam padronizados, os
abandonam em favor de novas áreas e/ou produtos. Percebe-se nessas empresas
a prática constante da inovação, resultante de atividades de pesquisa e
desenvolvimento de produtos e processos realizados no exterior. As atividades
dessa natureza no Brasil são do tipo adaptativas, não sendo responsáveis diretas
pela inovação.
Um outro ponto que merece destaque diz respeito à forma de
financiamento adotada por essas empresas, sobretudo as originárias em território
brasileiro. A pulverização das ações se revelou a forma mais adequada de
financiamento, vide um comparativo entre a Perdigão e a Itambé.
Independentemente da origem do capital, as empresas que se destacam
são grandes empresas que atuam tanto no mercado interno quanto no mercado
externo.
A grande maioria dessas empresas se caracterizam por serem empresas
produtoras de alimentos e não somente produtoras de leite e derivados - forma
predominante apresentada pelas empresas de capital nacional. Essa diferença em
relação à forma apresentada pelo capital nacional acaba por trazer ganhos para o
capital externo, pois, como a empresa atua em diversos produtos, faz-se possível
um compartilhamento de recursos comuns e/ou complementares, assim como
diminuem as possíveis flutuações no fluxo de caixa e diluiem-se os custos fixos, e
conseqüentemente dilui os riscos.
133
Num primeiro momento, as fusões e aquisições foram protagonizadas
pelas empresas de capital estrangeiro. Após a falência da Parmalat e a
reorganização da cadeia no Brasil, as empresas nacionais, dentro de seu
processo de expansão, passaram a capitanear essas ações. Esse predomínio do
capital externo nas operações de fusões e aquisições pode ser explicado em parte
por uma saúde financeira melhor dessas empresas e em parte por maiores
facilidades de acesso à recursos financeiros.
Todas as empresas analisadas têm abrangência nacional, seja em
captação da matéria-prima, seja na colocação de sua produção. Para diversas,
essa abrangência nacional foi obtida ao longo de seu processo de expansão . As
ações adotadas pela empresa, geralmente integram uma estratégia global de
valorização do capital do grupo ao qual pertencem. Essas ações acabam por
condicionar as demais empresas e transformar o cenário no qual se encontram
inseridas.
135
Conclusão
Analisar o sistema lácteo mundial é olhar para uma série de cadeias
produtivas regionais, orientadas principalmente para o mercado interno, ou
buscando crescimento externo, em caso de impossibilidade daquele tipo de
expansão, seja por limitação do mercado interno , seja por restrição da produção
primária. O espaço de valorização do capital passa a ser o mundo todo. E na
busca dessa valorização, a produção mundial de leite, a matéria-prima básica está
em movimento. O crescimento produtivo ocorre nos países em desenvolvimento, e
em alguns casos só este é possível.
Essas cadeias produtivas regionais, que experimentam um ambiente
concorrencial mais intenso, concentram-se, inclusive porque as novas tecnologias
produtivas exigem escala produtiva. Investimento em pesquisa e desenvolvimento
sistemáticos envolvem recursos significativos.
Nesse novo padrão de acumulação verificam-se maiores assimetrias nas
condições de acesso e também no custo do crédito, com condições mais seletivas
e punitivas para as empresas de pequeno e médio porte. Decorre disso a
dificuldade das pequenas e médias empresas em acumularem. Esse ambiente
seletivo é mais um fator propício para a concentração de capitais que se verifica
no período. Dentro desse contexto, a realização de fusões e aquisições foi uma
constante presente ao longo do período.
Já passados mais de vinte anos do processo de liberalização comercial
após uma análise de diversos fatores que influenciaram o comportamento do
segmento lácteo, verifica-se que a lógica da concorrência está mais globalizada no
setor. Essa globalização decorre das estratégias de expansão das empresas
líderes, que tem buscado novos locais de produção e aprovisionamento de
matérias-primas. Entretanto, em face das características apresentadas pela
matéria-prima leite as condições de produção ainda estão bastante relacionadas
com as características regionais. Assim, ainda que apontemos para a formação de
136
uma cadeia produtiva, em face de estar envolvida uma matéria–prima
agropecuária, nunca se dará da mesma forma em que uma indústria cujos
insumos são provenientes do setor industrial.
A reestruturação setorial em direção a uma articulação mais global iniciou-
se com a instituição do sistema de cotas de produção na Comunidade Européia no
ano de 1984 e prosseguiu com a Rodada Uruguai, em 1994, que desencadearam
por parte das empresas européias a adoção de uma postura mais agressiva no
tocante a fusões e aquisições com vista à expansão. Esse movimento, por sua
vez, provocou uma reação nas estratégias das empresas norte-americanas, que
passaram a agir de forma semelhante, ainda que orientadas para o seu mercado
interno. Assim, em decorrência das estratégias adotadas pelas empresas
européias, a forma de crescimento predominante da empresa láctea no final do
século XX foi a incorporação de ativos já existentes. Na Europa esta era a
principal alternativa possível de ser implementada, pois outras possibilidades, em
decorrência das circunstâncias, não estavam dadas, ou necessitavam de um
longo período até ser viabilizado.
A expansão da produção na Europa está obstaculizada em face das
restrições produtivas decorrentes do sistema de cotas, embora isso não seja um
impedimento absoluto. Porém, além disso, os subsídios geram um gasto adicional
para o Estado.
Uma análise das empresas que se destacam na indústria láctea mundial
revela que essas empreenderam diferenciação de produtos através de aspectos
qualitativos, só possível com pesquisa e desenvolvimento. Essa é uma constante
nas principais empresas produtoras. Um outro elemento importante de ser
analisado, relacionado com a criação de ativos intangíveis, diz respeito à utilização
do marketing para a diferenciação do produto. As marcas são bens intangíveis,
capazes de agregar maior valor e gerar mais lucros, tornando a preocupação com
o portfólio de marcas relevante. Através da marca é possível criar diferenciação
em produtos homogêneos.
137
Investimento em pesquisa e inovação possibilitam uma inserção
diferenciada e o aumento do valor agregado. Ainda que as empresas atuem de
forma internacionalizada e busquem valorização dos seus capitais em diversos
locais, a sua base nacional prevalece, e muitas vezes a empresa reflete os pontos
fracos e fortes dessa base nacional. A liderança desse processo resulta em
patentes, royalties e também a atração de empregos no topo da pirâmide salarial
da empresa. A posse das plataformas que geram conhecimento científico conduz
formas diferentes de inserção.
No período analisado também se acentuaram as alianças, culminando em
novas empresas constituídas por partes afins das líderes ou por partes dessas
empresas com destacada competência.
Se em um primeiro momento, esse processo foi impulsionado pela PAC,
pela prática de subsídios nos Estados Unidos, assim como pelo desenvolvimento
das cooperativas na Oceania, agora, existe um novo fator condicionante, que é a
incorporação de um contingente elevado de consumidores potenciais, ao mesmo
tempo em que as possibilidades de expansão da produção da matéria-prima estão
restritas. Isso significa que do ponto de vista das estratégias das empresas, estar
posicionado onde é possível atender a essa demanda é fundamental para
aproveitar esse potencial de rentabilidade. As estratégias passam a ser mais
globais, a partir do momento em que as dimensões e as possibilidades de
aproveitar o mercado mundial só está disponível para empresas que atingiram um
certo patamar de escala empresarial.
Esse processo repercute no Brasil, quando da abertura comercial, as
condições em que se encontrava o setor no Brasil levaram a um processo intenso
de desnacionalização das empresas, de uma concentração de capitais e também
de transformação do papel das cooperativas. A indústria nacional era frágil
tecnologicamente, originada em grande parte das cooperativas, e o tabelamento
dos produtos não incentivava investimentos em pesquisa e desenvolvimento por
parte das empresas brasileiras.
138
Diferentemente do ocorrido nas principais cadeias produtivas macro-
regionais, vemos no Brasil uma diminuição do papel das cooperativas. Enquanto
que nos blocos onde a possibilidade de crescimento estava dada – América do
Norte e Oceania -, as cooperativas foram os principais atores na condução do
processo de concentração, no Brasil esse processo foi capitaneado pela grande
empresa privada, seja de capital nacional ou externo. Aqui as cooperativas que se
mantiveram venderam seu controle em troca de aporte de capitais. Salienta-se
que independente do formato adotado pela cooperativa, essa forma de
organização preserva uma base mais local, ainda que em alguns casos busque
crescimento externo.
Dentro desse processo de reestruturação produtiva, distintas questões
apontam para o Brasil como um destacado produtor de lácteos, pois o país ainda
apresenta baixos índices médios de produtividade e baixos custos de produção.
Tem possibilidade de intensificar a sua produção, perspectiva ausente na grande
maioria dos países produtores atuais, seja por falta de área territorial, por
problemas ambientais ou por terem uma produção elevada baseada na utilização
de subsídios, possuindo um custo social implícito. Alguns dos principais players
mundiais encontram-se em território brasileiro, sendo que, com atuação direta,
encontra-se a Nestlé, a Danone, a Fonterra e a Kraft Foods. Essas empresas
multinacionais após dominarem o processo de fusões e aquisições, estão
realizando investimentos, desta vez orientados para o mercado externo. Parte
dessa transformação pode ser explicada pela ausência de desenvolvimento
tecnológico por parte das empresas de capital nacional, seja de natureza privada
ou cooperativadas. De um modo geral, as empresas nacionais foram seguidoras
das inovações geradas a partir das matrizes das grandes empresas. Ainda que
atualmente o capital nacional tenha uma participação mais relevante, a geração de
tecnologia não ocorre por aqui.
Com a construção da DPA, nota-se que essa operação, ao invés de
diversificar opta pela concentração e especialização, seguindo a tendência de
focar nas atividades centrais verificada internacionalmente.
139
Com o advento da mundialização do capital as estratégias empresariais
ganharam novas diretrizes. Os movimentos de longo prazo passaram a ser
determinados a partir das matrizes. Constitui-se, ainda que parcialmente, uma
cadeia produtiva global. No Brasil, as multinacionais européias têm o comando da
cadeia, inserindo dessa forma o Brasil na cadeia produtiva mundial. Com isso se
verifica um aprofundamento da dependência tecnológica ao desenvolvimento da
empresa multinacional, que age em torno de uma estratégia de valorização
mundial de seu capital.
Isso repercutiu nos investimentos realizados. Num primeiro momento,
esses investimentos foram realizados pelas empresas multinacionais com vistas
ao mercado interno. A empresa italiana Parmalat liderou esse processo no final do
século XX, provocando uma intensa reestruturação setorial quando entrou em
processo de liquidação, caso contrário o movimento concentrador seria maior do
que o atualmente apresentado. Nesse segundo momento, os capitais nacionais,
até em função do aumento de demanda por lácteos no mundo e da constatação
de que durante um determinado período a oferta mundial será inferior à demanda,
foram atraídos para o setor, reunidos sob a forma de fundos de investimento. Os
investimentos recentes no Brasil são orientados para o mercado externo e
preponderam as plantas destinadas a secagem de leite em pó.
Estrategicamente, a maior empresa do setor, a Nestlé, tem o Brasil como
plataforma produtiva para as Américas. A base produtiva láctea da então maior
empresa de alimentos do mundo, e que busca essa forma de atuação globalizada,
expressa pelo sistema de estão adotado (sistema GLOBE), está posicionada na
América Latina, através de uma joint-venture que envolveu assim a maior
produtora de alimentos do mundo com a empresa que desenvolveu o menor custo
de produção mundial de leite associado a elevada produtividade e ausência de
sazonalidade. A partir do território brasileiro uma grande empresa se capacita para
ampliar sua participação no mercado mundial. , De forma estratégica, a empresa
com maior faturamento no segmento de lácteos tem o Brasil como plataforma para
a produção das Américas. As atividades desenvolvidas no Brasil dizem respeito a
etapas em que a agregação de valor ainda é pequena, destacando-se a
140
transformação do leite fluído em leite em pó – processo de secagem – e a
concentração do produto obtida pelo processo de leite condensado. Essas são as
principais categorias de produtos exportados.
O Brasil constitui-se em um elo dentro da cadeia produtiva global, ponto
relevante em decorrência da formação dos blocos regionais e na perspectiva de
proliferação de áreas regionais de livre comércio.
Ainda que todo esse movimento esteja em curso, as tendências indicadas
pelos principais geradores de informações apontam para a manutenção das
proporções ora vigentes na produção mundial.
Frente a todas essas colocações a presente tese indaga sobre as
conseqüências e os possíveis resultados para a cadeia produtiva brasileira.
Na relação do produtor primário com a empresa processadora pode
passar da integração espontânea para integração dirigida. Uma inserção mais
virtuosa necessita de ações realizadas ao longo da cadeia produtiva. Um elo a ser
trabalhado é o da produção primária, com potenciais de aumento de
produtividade, sendo que programas desse tipo já vem sendo adotados pelas
empresas, tais como a DPA e a Parmalat, classificadas como integração
espontânea. No ano de 2008 inicia-se, através da Integralat, a adoção de práticas
semelhantes ao sistema integrado entre agricultor e indústria avícola e suinícola,
classificada como integração dirigida. A genética principal é entregue pela
indústria ao produtor rural. Dessa forma o melhoramento genético pretendido e
necessário se fará possível. Muitas potencialidades podem ser exploradas, elas
não são excludentes entre si. Práticas desse tipo propiciaram que o Brasil se
destacasse no mercado internacional desses produtos.
Não se pode perder de vista que a lógica prevalecente é a da grande
empresa e pode-se pretender que esta multinacional tenha origem no Brasil. Só
trabalhando numa escala global faz-se possível o acesso a determinadas
tecnologias, assim como se fazem possíveis investimentos em pesquisa
tecnológica, que possibilitam a prática da inovação. Outra questão que precisa ser
levada em consideração é a criação de competências intangíveis por parte das
141
empresas de capital originalmente nacionais, visto que são esses ativos
intangíveis, sobretudo os relacionados com pesquisa e desenvolvimento e criação
de marcas que possibilitam a diferenciação de produtos homogêneos. Ressalta-se
que, ainda que os capitais nacionais tenham assumido o comando de algumas
empresas, essas mantêm sua dependência em relação à marca e tecnologia. Por
exemplo, a Laep Investiments continua a utilizar-se da marca e das tecnologias
geradas pela empresa italiana.
Em face do exposto, blocos com inserção positiva decorrem sobretudo da
utilização de políticas setoriais. Estas são capitaneadas pelo Estado ou por
organismos representativos dos produtores. No Brasil, a coordenação da cadeia
produtiva está a cargo da indústria processadora.
Seguindo o exemplo do ocorrido em outros segmentos agropecuários, a
relação dos produtores tende a se transformar, passando de um etapa em que se
verifica uma integração espontânea entre produtor e indústria, para uma etapa de
integração dirigida.
Espaços se abrem para a realização de parcerias envolvendo os
geradores de ciência e tecnologia e o capital produtivo. Pesquisas mundiais
apontam para a possibilidade de geração de produtos com diversos componentes
obtidos a partir do leite, sendo que uma série considerável destes com elevado
valor agregado. Atualmente esse produtos com maior valor agregado ainda são
importados. Só a dimensão do mercado interno brasileiro já dá esse destaque.
Inovação como atividade rotineira e/ou como resultado de parcerias
público-privado e universidade-empresa. Independente do mercado a que se
destine, a agregação de tecnologia é importante, pois é responsável por um preço
unitário médio elevado em relação a produção de commodities. Através da
cooperação também é possível o acesso a inovação. Caso não se abra um novo
paradigma, acirra-se a concorrência dentro do modo de produzir vigente, o
esgotamento do ciclo do produto ocorre em velocidades cada vez maiores,
verifica-se uma redução das margens de lucro. Só a inovação é capaz de retardar
142
essa realidade. Se associada com a redução dos custos, sejam de produção ou
de transação, implicam melhores retornos financeiros para a atividade.
A questão do financiamento é primordial para uma inserção virtuosa da
produção brasileira. Parte das transformações introduzidas foram financiadas com
capitais oriundos ou avalizados pela indústria produtora de bens de capital. Parte
foram recursos através de bancos de desenvolvimentos. As empresas
multinacionais constituídas externamente, sob a forma de sociedades anônimas,
tem um acesso mais facilitado aos recursos. Diferentemente das empresas de
capital nacional, as empresas pertencentes a grandes grupos econômicos se
beneficiam de instituições nos países de origem.
Mais cedo ou mais tarde, essa cadeia global irá intensificar os fluxos de
comércio, tendendo a uma reorganização das atividades. Por todas as razões
apresentadas, tais como a possibilidade de aumento de produtividade do rebanho
leiteiro, o Brasil tem condições de assumir um papel de destaque, caso supere
uma série de entraves e parta para a produção com maior valor agregado, que
incorpora necessariamente produtos intensivos em ciência e tecnologia. Um
desafio que se coloca é a produção de alimentos com maior valor agregado e a
extração de componentes do leite a serem utilizados como ingredientes na
indústria alimentícia. Para que a inserção ocorra dessa maneira são necessários
investimentos em pesquisa que resultem em capacidade produtiva. Movimento de
algumas grandes empresas, em território brasileiro, indicam que o Brasil pode vir a
cumprir papel semelhante ao desempenhado pela Oceania, com elevada
representatividade dentro da cadeia produtiva global. O papel desempenhado pelo
Brasil dependerá das atitudes adotadas pelos empresários, investimentos
realizados em tecnologias e conhecimento implicarão em maior lucratividade. Para
que essa inserção virtuosa se concretize, é imperiosa a necessidade de
desenvolver grandes empresas nacionais, pois as mesmas precisam de escala
produtiva e/ou alto valor agregado para que a prática da atividade inovativa possa
ser desenvolvida regularmente.
143
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151
ANEXOS
Anexo A1 - Evolução da produção de leite mundial em 1.000 toneladas(1990-
2005)
0
100000
200000
300000
400000
500000
600000
700000
1990
1992
1994
1996
1998
2000
2002
2004
Fonte: FAOSTAT(2007)
Anexo A2 – Mudança no consumo mundial per capta de leite e produtos lácteos
(kg/hab/ano)
77 78
92100
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
1979-81 1997-99 2030 2050
Fonte dos dados brutos: FAO apud Contini et al(2006)
152
Anexo A3 - Mudanças nos padrões de consumo de alimentos conforme evolução
da renda
Fonte: Rabobank Ásia 2005 apud Nassar(2007)
153
Anexo A4 – Tendências no consumo de alimentos mundial
Fonte: FAO(2006) apud Nassar(2007)
Anexo A5 – Produção de leite de vaca em 2005
154
Anexo A6 – Produção de leite em pó nos maiores países produtores europeus em
1.000 toneladas, no período 1995-2005.
0
50.000
100.000
150.000
200.000
250.000
300.000
1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005
França Alemanha Dinamarca
Fonte: EUROSTAT(2007)
155
ANEXO A7 – Marcas utilizadas nos produtos de origem láctea da Nestlé
Fonte: Coley(2005)
156
ANEXO A8– Marcas propriedade da Lactalis
Fonte: www.lactalis.com
157
ANEXO A9 – Marcas utilizadas pela Danone
Fonte: Danone(2007)
158
Anexo A10 – Marcas utilizadas pela Dean Foods nos produtos lácteos
Fonte: Dean Foods (2007)
159
ANEXO A11 - Marcas utilizadas pela Fonterra
ANEXO A12 -
160
ANEXO A13 – Desenho clássico da cadeia produtiva láctea
Fonte: elaborado pela autora a partir de Jank & Galan (1999)
161
ANEXO A14 - Cadeia Produtiva do Leite – Quantificação Brasil
162
Fonte: PENSA, 2005
163
ANEXO A15 - Operações de fusões e aquisições envolvendo a indústria de laticínios brasileira no período 1985-2008
Ano da operação Grupo
adquirente
Empresa adquirida Localização Competência central
– Produto(s)
principal(is)
Principais marcas
transacionadas
unidades
produtivas
envolvidas
Tipo de operação
em relação à
competência
central da
adquirente
Aquisições
1986 Gessy Lever Anderson Clayton São Paulo queijos Luna + Dana n.d. concêntrica
1987 Bongrain Laticínios Skandia Minas Gerais queijos finos Skandia 1 horizontal
1988 Bongrain Laticínios Campo Lindo Minas Gerais queijos finos Campo Lindo 1 horizontal
1989 Bongrain Aiuruoca Minas Gerais queijos horizontal
1989 Nestlé Ailiram Marília - SP biscoitos Ailiram n.d horizontal
1989 Parmalat Fiorlat São Paulo manteiga e queijos horizontal
1990 Parmalat Alimba Bahia leite fluído Alimba 1 planta horizontal
1990 Parmalat Laticínios Teixeira São Paulo leite fluído - pasteurizado
3 plantas horizontal
1990 Parmalat Lavisa Bahia leite fluído, queijo, manteiga e iogurte
horizontal
1990 Parmalat Via Láctea São Paulo leite fluído Via Láctea 1 planta horizontal
164
1990 Vigor Laticínios Flor de Nata São Paulo leite pasteurizado Flor de Nata horizontal
1991 Gessy Lever Laticínios Rex Minas Gerais queijos tradicionais Rex n.d. horizontal
1991 Nestlé CCPL Teófilo Ottoni
(MG)
horizontal
1991 Parmalat AFHA Rio de Janeiro
leite pasteurizado + queijo, manteiga
AFHA 1 planta horizontal
1991 Parmalat Laticínios Santa Helena
Minas Gerais leite pasteurizado + queijo
horizontal
1991 Parmalat Supremo Minas Gerais leite pasteurizado + queijo
horizontal
1992 Cia Goiana de
Laticínios
Laticínios Gogó Goiás horizontal
1992 Parmalat Laticínios Gogó Goiás leite, queijo 1 planta horizontal
1992 Parmalat Laticínios Mococa Goiás leite em pó Rede de captação de leite
horizontal
1992 Parmalat Planalto Rio de Janeiro
horizontal
1993 Nestlé Confiança São Paulo biscoitos Tostines 1 fábrica horizontal
1993 Nestlé Sociedade Produtora
de Alimentos
Manhuaçu (SPAM)
Nova
Venécia
(ES),
Medeiros
Neto (BA),
leite em pó horizontal
165
Nanuque
(MG), Rialma
(GO)
1993 Parmalat Lacesa Porto Alegre, Carazinho, Lajeado (RS), Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Rio de Janeiro
leite, queijos, requeijão, doce de leite (laticiínios em geral)
Lacesa e Yoplat 3 plantas horizontal
1993 Parmalat SPAM (parte) Rio de Janeiro
Leite + manteiga Manteiga Nino + Leite Toda Vida
3 fábricas horizontal
1993 Parmalat General Biscuits do Brasil
São Paulo massas + biscoitos Lu Petybon e Dunchen
concêntrica
1994 Parmalat Companhia Industrial de Leite de Pernambuco Ltda (Cilpe)
Pernambuco leite em pó + manteiga
- 2 plantas horizontal
1994 Parmalat Laticínio Silvânia Goiás leite horizontal
1994 Parmalat Laticínios Ouro Preto Rondônia leite pasteurizado + queijo
1 planta horizontal
1994 Parmalat Bolls Bahia suco de frutas
(laranja concentrado)
Bolls 1 planta concêntrica
1995 Avipal CCGL Rio Grande
do Sul
laticínios Elegê concêntrica
166
1995 Fleischmann-Royal
Avaré
São Paulo concêntrica
1995 Milkaut Ivoti Rio Grande
do Sul e
Santa
Catarina
leite Ivoti 1 fábrica horizontal
1996 Fleischmann-Royal
Gumz Irmãos S.A.
Jaraguá do Sul (SC)
leite UHT e pasteurizado, creme de leite e iogurte
Fazenda Santana, Chocoleite e Iogurte Mercy
Participação acionária
horizontal
1996 Mastellone (La
Sereníssima) Naturalat São Paulo leite Leitesol 93% das ações horizontal
1996 Parmalat Laticínios Bethânia Ceará leite, manteiga,
queijo e iogurte
Betânia 8 plantas horizontal
1997 Bongrain Gessy Lever Minduri (MG)
Carrancas (MG)
queijos Luna e Rex 2 plantas horizontal
1997 Danone Companhia Campineira de Alimentos
Campinas
(SP)
biscoitos Triunfo concêntrica
1998 Parmalat Batavo Paraná laticínios, carne de aves e suinos
Batavo horizontal
1998 Parmalat Etti São Paulo derivados de tomate e conservas alimentícias
Etti 2 plantas concêntrica
167
1998
Kerry
Nestlé Três Corações (MG)
leite em pó
1998 Parmalat Neugebauer Rio Grande do Sul
chocolates + guloseimas
Neugebauer concêntrica
1999 Dairy Brás Imbaúba Laticínios Mato Grosso do Sul – São Bernardo do Campo
horizontal
1999 Molfino Queijo Minas Recife queijo Queijo Minas horizontal
1999 Royal Numico Mococa São Paulo leite em pó – leite condensado e farináceos
Mococa 2 horizontal
1999 Vigor Refino de Óleos Brasil (ROB)
São Caetano do Sul (PR)
óleos + margarinas ROB 2 concêntrica
1999
Kerry
Siber SP PR ingredientes para sorvetes
2
2000 Danone Aymoré Minas Gerais biscoitos Aymoré concêntrica
2000 Danone Leite Paulista São Paulo refrigerados lácteos Paulista horizontal
2000 New Zealand
Dairy Board Vigor Leco 51% das ações horizontal
2001 Laticínios
Morrinhos
Nestlé Uruaçu leite em pó ativo não
transacionado
1 horizontal
168
2001 Parmalat Fleischmann & Royal (ativos lácteos)
Cerqueira César (SP)
Itaperuna (RJ)
Jaraguá do Sul (SC)
ativos lácteos Glória, Avaré, Cerqueirense, Chocoleite, Frutup, Mantesoft, Pingo Avaré, Plena Forma, Toda Festa, Glubby, Goly Goly, Integro, Manteg
horizontal
2002 Companhia
Brasileira de
Laticínios -
CBL
Parmalat Morada Nova
(CE)
horizontal
2002 Kremon Parmalat Cerqueira c
César (SP)
Avaré 1 concêntrica
2002 Leitbom Nestlé Uruaçu (GO) leite em pó _ 1 Horizontal
2003 Kremon Royal Numico Mococa (SP) leite condensado Mococa 1 horizontal
2004 Avipal Eleva concêntrica
2007 Bom Gosto Da Matta Minas Gerais leite longa vida
queijos
DaMatta 3 horizontal
2007 Eleva CCL Itumbiara(GO
)
1 horizontal
169
2007 Bom Gosto Nutrilat Fazenda
Vilanova
(RS)
leite longa vida
leite em pó
horizontal
2007
(controle
compartilhado da
gestão)
Bertin Vigor concêntrica
2007 Perdigão Avipal/Eleva horizontal
2008 Bom Gosto Laticínios Santa Rita Muriaé (MG) sucos prontos Tillli concêntrica
2008 GP
Investimentos
Laticínios Morrinhos Goiânia (GO) Leitbom 7 concêntrica
2008 Parmalat Danone Poços de Caldas
e licenciamento
Paulista
1
(arrendamento)
horizontal
2008 Bom Gosto Coorlac Erechim (RS) Coorlac horizontal
2008 Ind. Alimentos
Nilza
Montelac leite em pó concêntrica
2008 Perdigão Cotochés Rio Casca
Sabará
Miradouro
Leite longa vida
Leite em pó
Requeijão
Cotochés 2 horizontal
170
Muriaé
Aiuruoca
Queijo
Leite condensado
Creme de leite
Queijos
Achocolatados
Manteiga
Iogurte
Petit-suisse
Bebidas lácteas
Fonte: elaborado pela autora a partir de informações de imprensa especializada.
171
ANEXO A16 - Distribuição das vendas da Perdigão, por grupo de produto, em
2006
carnes41%
lácteos6%
outros7%
carnes processad
as46%
Anexo A17 – Marcas exploradas pela LAEP no Brasil.
Fonte: www.parmalat.com.br