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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE CEARENSE CURSO DE GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL JOSENILDA PIRES VIEIRA REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL: UMA QUESTÃO EM DEBATE FORTALEZA 2014

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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ

FACULDADE CEARENSE

CURSO DE GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL

JOSENILDA PIRES VIEIRA

REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL: UMA QUESTÃO EM DEBATE

FORTALEZA

2014

1

JOSENILDA PIRES VIEIRA

REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL: UMA QUESTÃO EM DEBATE

Monografia apresentada à aprovação da Coordenação do Curso de Serviço Social do Centro Superior do Ceará, como requisito parcial para obtenção do grau de Gradua-ção.

Orientadora: Profª Ms. Francisca das Cha-gas Soares Reis

FORTALEZA

2014

2

JOSENILDA PIRES VIEIRA

REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL: UMA QUESTÃO EM DEBATE

Monografia como pré-requisito para obtenção

do título de Bacharelado em Serviço Social, ou-

torgado pela Faculdade Cearense – FAC, ten-

do sido aprovada pela banca examinadora

composta pelos professores.

Nota:__________

Data de aprovação: 31 de janeiro de 2014.

Banca Examinadora:

________________________________________

Professora Ms Francisca das Chagas Soares Reis

(Orientadora)

___________________________________________

Professor Ms José Clayton Vasconcelos Monte - FAC

____________________________________________

Professora Ms. Rúbia Cristina Martins Gonçalves - FAC

3

Dedico este trabalho à minha família, principal-

mente à minha mãe, por tudo que fez e faz por mim e ao

meu irmão Jussier, pelo apoio constante. Sem vocês não

poderia alcançar essa vitória.

4

AGRADECIMENTOS

A Deus, meu Senhor e Salvador, pela saúde e coragem para ultrapassar

os desafios.

À minha abençoada mãe por me fazer acreditar que era possível sonhar.

Sua dedicação e zelo foi que me deram, em muitos momentos, esperança e força

para prosseguir.

Ao meu irmão e “pai” Jussier por ter custeado meus estudos e, assim,

permitido que eu realizasse meu sonho. O seu caráter e, principalmente, o fato de

cumprir promessas, serão sempre um exemplo a ser seguido.

À minha irmã Jussileide por ter, com seus conselhos e orações, segurado

minha impaciência e me incentivado a não desistir.

Ao meu irmão Jocelito por acreditar que eu chegaria até o fim dessa ca-

minhada.

À minha cunhada Celene e aos meus sobrinhos Iuri, Iane, Igor, Vitória,

Vanessa, Jocélio e à pequena Sarah que me ensinaram a nunca desistir do que re-

almente vale a pena e a entender que a família é o bem mais precioso que temos.

À minha querida amiga Maria Amélia que com seu incentivo me fez acre-

ditar que tudo daria certo.

Aos meus amigos(as) Joelma, Afonso, Danila, Ribeiro, Sandra Karine, Te-

reza Cristina, Andrea, Patrícia e Renara que fizeram parte da minha jornada estu-

dantil e que com compreensão, carinho, colaboração e paciência me deram o supor-

te necessário para enfrentar as dificuldades acadêmicas e seguir em frente.

À minha orientadora Professora Francisca Reis, que aceitou o meu convi-

te e com sua contribuição, compreensão, apoio e orientação segura mostrou-me ru-

mos e ajudou-me a chegar a este resultado.

A todos os meus professores pelo ensino, dedicação, apoio e relevante

contribuição à minha formação acadêmica; especialmente ao professor Clayton e à

professora Rúbia por terem aceito o convite para partilharem comigo mais uma eta-

pa, em um momento que eu começava a pensar que não daria certo.

5

À coordenadora atual, professora Eliane, por ter propiciado a condição

necessária à essa vitória e, à coordenadora anterior, professora Flaubênia por ter

me incentivado a enfrentar as dificuldades durante o Curso.

Ao professor Marco Antônio por sua presteza e auxílio, meus sinceros

agradecimentos.

Aos meus pastores Daniel Araújo e Marcos Lima pelo incentivo, força e

orações. O apoio sempre presente me fez superar barreiras e aprender a verdadei-

ra palavra de Deus.

A todos os funcionários da FaC pelas contribuições e por sempre me aju-

darem prontamente.

À Nayane por ter me apresentado o CESF proporcionando, assim, condi-

ções para a realização da pesquisa.

Aos sujeitos da pesquisa pela colaboração, sem eles este trabalho não

seria possível.

A todos que de alguma forma contribuíram para este trabalho, meu since-

ro e profundo agradecimento.

6

“A maioridade penal não deve ser tratada apenas ao som dos sentimentos, da revolta e da vingança. Não se trata

de um assunto simples. Reduzir a idade é, também, diminuir possibilidades.”

(Felipe Viégas Tameirão e Eduardo Lucas Andrade)

7

RESUMO

A idade para ser considerado responsável por seus atos perante a lei é 18 anos. A

crescente onda de violência e o envolvimento de crianças e de adolescentes em si-

tuações de delito tem motivado o debate sobre a redução da maioridade penal como

forma de diminuir a violência. Esta pesquisa tem como objetivo abordar a questão da

redução da maioridade sob a perspectiva de um grupo de profissionais de um Cen-

tro Socioeducativo. Com esse fim, foi aplicado um questionário para 20 profissionais

e, em seguida, analisada a fala dos respondentes a partir dos núcleos de significa-

ção. No estudo, constata-se que a maioria dos entrevistados acredita que a redução

da maioridade penal diminuiria a violência; sendo, assim, favorável a essa medida

por acreditar que o adolescente, a partir dos 12 anos, tem consciência dos seus atos

e, portanto, pode ser punido como adulto. Outro aspecto possível de ser observado

foi a descrença com as leis e as atuais medidas socioeducativas. Verificou-se, tam-

bém, que é recorrente nos dois grupos, o dos que são favoráveis e o dos que não

são favoráveis à redução, a necessidade de políticas públicas mais eficazes no

combate à violência e que garantam a qualidade das medidas socioeducativas pre-

vistas em lei.

Palavras-Chave: maioridade penal – medidas socioeducativas – Estatuto da Criança

e do Adolescente.

8

ABSTRACT

The age to be considered responsible for your own actions before the law is 18 years. The rising tide of violence and the involvement of children and adolescents in situations of crime have motivated a debate about lowering the age of criminal as a way to reduce violence. This research addresses the issue of reducing criminal re-sponsibility from the perspective of a group of professionals of a Socio-Educational Center. . To this end, a questionnaire was administered to 20 professional and then analyzed the speech of the respondents from the core of meaning. In the study , it was found that most respondents believe that reducing the age of criminal reduce vi-olence , and is therefore in favor of this measure because it believes that the teenag-er, 12 years, is aware of his actions and therefore , can be punished as an adult. We also verified that recurs in both groups, the one pro reducing and the other against it, the need for more effective public policy in combating violence that can ensure the quality of educational measures provided by law.

Keywords: legal age, educational measures, the Child and Adolescent statute

9

LISTA DE FIGURAS E TABELAS

Figura 1- Mapa mundi da maioridade penal ...................................................... 23 Tabela 1 - Indicadores de desempenho do lócus da pesquisa ........................ 34 Tabela 2 - Faixa etária dos entrevistados ......................................................... 35 Tabela 3 - Funções exercidas pelos entrevistados ........................................... 35

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

BDM Biblioteca Digital de Monografias

CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

CASA Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente

CNJ Conselho Nacional de Justiça

DCA Delegacia da criança e do adolescente

FEBEM Fundação Estadual para o Bem Estar do Menor

Ibope Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística

IDH Índice de Desenvolvimento Humano

ECA Estatuto da Criança e do Adolescente

INESC Instituto de Ensino Superior Cenecista

MSE Medidas Socioeducativas

ONU Organização das Nações Unidas

PEC Proposta de Emenda à Constituição

Sinase Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo

STDS Secretaria do trabalho e desenvolvimento Social

Unicef Fundo Nacional das nações Unidas para a Infância

UNB Universidade de Brasília

11

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................... 12

Metodologia ........................................................................................ 15

1 CATEGORIAS DE ANÁLISE

1.1. Violência ....................................................................................... 17

1.2. inimputabilidade e maioridade penal .......................................... 18

1.3 Legislação brasileira X legislação de outros países ....................... 21

1.4 Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) ................................ 24

1.5. Sinase ........................................................................................... 26

1.6. As medidas socioeducativas ....................................................... 28

1.6.1. Advertência ....................................................................... 29

1.6.2. Reparação de danos ......................................................... 29

1.6.3. Prestação de serviços à comunidade ............................... 30

1.6.4. Liberdade assistida ........................................................... 30

1.6.5. Semiliberdade ................................................................... 31

1.6.6. Internação ......................................................................... 32

2 ANÁLISE DOS DADOS ..................................................................... 34

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................ 47

REFERÊNCIAS ................................................................................... 49

APÊNDICES ........................................................................................ 51

12

INTRODUÇÃO

A violência presente nos grandes centros urbanos brasileiros é tema alar-

deado pelas manchetes televisivas e pelos jornais, além de ser alvo de inúmeros

debates. O crescimento da violência tem assustado a sociedade que, impotente di-

ante do fato, passa a cobrar do Estado medidas mais severas no combate à crimina-

lidade.

De acordo com os dados reunidos no Cadastro Nacional de Adolescentes

em Conflito com a Lei, até junho de 2011, foram registradas ocorrências de 91.321

adolescentes. Desses, 29.506 estavam em cumprimento de medidas socioeducati-

vas. Segundo o levantamento da Delegacia da Criança e do Adolescente (DCA)1,

em 2012, no Ceará, crianças e adolescentes foram responsabilizadas por 1.156 rou-

bos à pessoa; 540 crimes de tráfico de drogas; 534 portes ilegais de arma; 163 ho-

micídios; 22 sequestros-relâmpago; 199 roubos de veículos; nove latrocínios e 63

estupros de vulnerável. A presença recorrente de crianças e adolescentes envolvi-

das em delitos e atos infracionais, reacende uma discussão que envolve a mídia e a

sociedade brasileira: a redução da maioridade penal.

No Senado e na Câmara Federal, tramitam oito Propostas de Emendas à

Constituição (PECs) visando à alteração da maioridade penal, além de Projetos de

Lei propondo alterações no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) com o obje-

tivo de tornarem mais rígidas as penas aplicadas aos adolescentes em conflito com

a Lei. As decisões devem ser tomadas após estudo cauteloso e racional, mas, como

o problema atinge a todos os cidadãos, a sociedade brasileira tem pressionado os

legisladores em busca de uma solução que corresponda às expectativas da popula-

ção. Dessa forma, várias são as manifestações sobre o tema. Enquanto a Igreja, os

órgãos de defesa dos direitos humanos e os profissionais da área do Serviço Social

apresentam argumentos contrários à redução; juristas, legisladores, educadores e

outros segmentos da sociedade civil, dividem opiniões: uns declaram-se contra a

redução da maioridade penal e outros a favor.

1 Jornal Diário do Nordeste de 21 de janeiro de 2013.

13

Em 2011, pesquisa feita pelo Ibope, denominada “Retratos da Sociedade

Brasileira: Segurança Pública” revelou que 75% dos entrevistados eram a favor da redu-

ção da maioridade penal; 11% eram parcialmente a favor; os que eram contrários, total e

parcialmente, somavam 9%. Um percentual de 83% dos entrevistados acreditava que a

maioridade penal a partir de 18 anos incentiva a participação dos menores em crimes,

enquanto 9% discordavam da afirmação. No que diz respeito à instrução dos entrevista-

dos que são a favor da redução da maioridade penal, em todos os estratos os índices fi-

caram entre 73% e 76% que são totalmente a favor.

As pesquisas e notícia veiculadas na mídia demonstram preocupação

com a crescente onda de violência; esse fato aliado à inserção de jovens no mundo

do crime tornou-se alvo de vários estudos científicos tendo como foco a maioridade

penal (NETO, 2012; PEREIRA, 2012; ABREU, 2011; JUSTINIANO, 2011; NETO,

2011; SOUZA, 2010; SILVEIRA, 2009; ALACRINO, 2008) e o debate sobre a redu-

ção da idade penal como alternativa no combate à violência.

O interesse pelo tema levou-nos a uma pesquisa com o objetivo de identi-

ficar a produção acadêmica sobre a temática. Na busca à Biblioteca Digital de Mo-

nografias (BDM) da Universidade de Brasília (UnB), especificamente no acervo do

Curso de Serviço Social, usando as palavras-chave “redução e maioridade penal” fo-

ram encontradas 18 (dezoito) monografias com a palavra-chave, mas apenas uma

tinha como foco específico a questão da redução da maioridade penal. Na Biblioteca

Digital de Monografias das Faculdades INESC, encontramos uma monografia sobre

o tema, defendida no Curso de Direito.

No Portal da CAPES, no período de 2006 a 2011, foram encontrados qua-

tro trabalhos relevantes, nas Revistas Psicologia, Ciência e Profissão; Psicologia &

Sociedade; Revista de Filosofia do Direito, do Estado e da Sociedade (FIDS) e Re-

vista Opinião Pública. Na Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD), no pe-

ríodo de 2006 a 2013, uma tese de doutorado e sete dissertações abordam o tema

em questão.

Selecionamos quatro dissertações mais recentes com foco no tema a títu-

lo de apoio e fonte para pesquisa (NETO, 2012; MOREIRA, 2011; CUNHA, 2009;

MORAIS, 2008).

As questões que versam sobre criança, adolescente, atos infracionais e

imputabilidade penal, além de gerar debates e opiniões controversas, fazem parte

do universo profissional do Assistente Social, daí o nosso interesse em pesquisar a

14

questão da redução da maioridade penal e conhecer as opiniões acerca do assunto.

É importante que o Assistente Social tenha uma visão clara das questões sociais

pertinentes à sua profissão e mantenha-se atualizado quanto aos debates que abor-

dem temáticas inerentes ao seu cotidiano e à sua prática profissional. Para Iama-

moto (1998), o desafio do Assistente Social:

"[...] redescobrir alternativas e possibilidades para o trabalho profissional no cenário atual; traçar horizontes para a formulação de propostas que façam frente à questão social e que sejam solidárias com o modo de vida daqueles que a vivenciam, não só como vítimas, mas como sujeitos que lutam pela preservação e conquista de sua vida, da sua humanidade. Essa discussão é parte dos rumos perseguidos pelo trabalho profissional contemporâneo." (p.75)

Discutir a questão da maioridade penal e sua relação com o índice de vio-

lência é uma questão social que implica em observar os diversos argumentos para

que o Assistente Social possa formular propostas relevantes e contribuir de forma

racional e objetiva com a realidade social.

Essa constatação levou-nos ao desejo de aprofundar o estudo da temáti-

ca tendo como questão norteadora: a redução da maioridade penal é medida re-

comendável para a diminuição da violência?

Devido ao vasto material teórico sobre o tema, interessou-nos conhecer a

opinião de quem trabalha com os adolescentes autores de atos infracionais. Assim,

a pergunta central desdobrou-se em outras que definiram os objetivos da pesquisa:

O que dizem esses profissionais? Como se posicionam quanto à

questão da maioridade? São favoráveis ou não à redução da maioridade pe-

nal?

A pesquisa tem como objetivo geral investigar a opinião de funcionários

de um Centro Socioeducativo, da cidade de Fortaleza, acerca da maioridade penal.

Mais especificamente, identificar a idade considerada limite para a imputabilidade,

na opinião dos entrevistados; bem como analisar a opinião de cada entrevistado

acerca da relação entre a redução da maioridade penal e a redução da violência. Ao

analisar as opiniões objetiva-se, também, evidenciar os argumentos utilizados pelos

entrevistados para justificar a opinião favorável ou desfavorável à redução da maio-

15

ridade penal. E, por fim, identificar os aspectos a serem levados em conta quando

da decisão de instituir limites para a maioridade penal.

Metodologia

A pesquisa partiu de uma investigação bibliográfica sobre o tema tendo

como suporte os trabalhos acadêmicos mapeados. O trabalho enquadra-se em uma

abordagem qualitativa pelos dados descritivos, pela utilização do método indutivo na

análise de dados e pela preocupação em apresentar a perspectiva dos entrevistados

(BOGDAN E BIKLEN,1994, p. 47-51).

Exploratória em sua fase inicial, que objetiva a revisão bibliográfica sobre

o assunto, a presente pesquisa torna-se descritiva em seu desenvolvimento quanto

aos objetivos propostos. É por meio da pesquisa descritiva que se observa, registra,

analisa e interpreta fatos sem a interferência do pesquisador (PRESTES, 2003).

Como instrumento de pesquisa foi utilizado um questionário estruturado

com uma questão fechada e duas questões abertas com foco nos objetivos propos-

tos pelo estudo. A primeira envolve a idade limite para que alguém responda, na jus-

tiça, por seus atos; as outras questões abordam o tema redução da maioridade pe-

nal.

O locus da pesquisa é um Centro Educacional de internação provisória

para adolescentes, de 12 a 18 anos, autores de atos infracionais, da cidade de For-

taleza. O centro conta com uma equipe composta por profissionais das áreas de

psicologia, serviço social, pedagogia, advocacia, enfermagem, odontologia, medici-

na, além de uma equipe de educadores sociais, instrutores, agentes administrativos,

serviços gerais, num total de 52 profissionais. O presente estudo foi realizado com

uma amostra de 20 (vinte) profissionais dentre os que estavam no dia da aplicação

do questionário e que não apresentaram resistência à pesquisa. O contato com o

grupo de profissionais aconteceu em dezembro após algumas medidas burocráticas

que dificultaram o acesso e limitaram o tempo para uma pesquisa que contemplasse

uma entrevista mais detalhada com os sujeitos. Dessa forma, o instrumento utilizado

foi um questionário contemplando os objetivos traçados.

Após a coleta dos dados, as informações extraídas foram organizadas,

classificadas e, finalmente, analisados, utilizando os núcleos de significação propos-

tos por Aguiar e Ozella (2006).

16

Após a definição do tema a ser abordado, iniciamos a revisão de literatu-

ra, com o objetivo de mapear a produção acadêmica sobre o tema a ser pesquisado.

Além da introdução, definição da questão de pesquisa, objetivos e meto-

dologia a ser seguida, a estudo será desenvolvido em dois capítulos:

O capítulo 1 traz aspectos básicos das principais categorias discutidas no

decorrer do trabalho: violência, imputabilidade e maioridade penal, legislação e me-

didas socioeducativas.

O capítulo 2 apresenta a análise da opinião dos entrevistados sobre o te-

ma em questão.

Em seguida apresentaremos as considerações finais tendo como referên-

cia os objetivos da pesquisa.

17

1. CATEGORIAS DE ANÁLISE

A seguir discorreremos sobre as categorias predefinidas para a análise

dos dados.

1. 1. Violência

“Calma violência, violência calma E a pureza da minha alma

E a minha inocência Calma violência, violência calma.”

Fagner

A violência é comumente entendida como uma ação agressiva, impetuosa

que pode causar danos a outrem. Mas a ideia restrita de violência como uma atitude

que pode machucar ou ferir fisicamente alguém, há muito deixou de existir. Atual-

mente ela pode manifestar-se de forma clara, contundente, por meio de uma agres-

são física ou velada e camuflada como a violência psicológica. O que é possível de

se determinar é que a violência é o uso da agressividade excessiva, de forma inten-

cional, manifesta por meio de tortura, agressão verbal, preconceito, assassinato, ex-

clusão ou vandalismo contra o patrimônio público ou privado. Ou uma violação aos

direitos básicos do ser humano: privacidade, proteção, segurança, moradia digna,

educação, salário digno, dentre outros.

Diariamente a mídia divulga casos de violência doméstica, violência no

trânsito ou no futebol. Assassinatos, assaltos à mão armada, abusos sexuais, maus

tratos ou o bullying escolar, são manchetes de jornal escrito ou televisivo. Com o ad-

vento da internet e o crescimento das redes sociais, a violência difundida pela web

alcançou grandes proporções devido à rapidez com que um comentário ofensivo e

preconceituoso é divulgado e compartilhado.

Apesar da variedade de manifestações da violência, para esse trabalho

nos interessa a violência expressa pelos atos infracionais; tendo em vista que um

dos argumentos de quem é a favor da redução da maioridade penal é o de que a

essa medida causaria uma redução na violência urbana. Para o representante do

18

Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), Mário Volpi2 “os adolescentes,

no Brasil, são responsáveis por 3,8% dos homicídios. Já nos Estados Unidos, onde

existe pena de morte para adolescentes, eles são responsáveis por 11% dos homi-

cídios cometidos”. Essa constatação é fruto de pesquisa realizada pela Unicef e

derruba o argumento que relaciona a redução da maioridade penal à redução da vi-

olência. Em 2012, no Paraná3, dos 3.323 crimes contra vida, em apenas 1, 7% (57)

foi identificada a participação de menores de 18 anos.

Outro ponto a considerar é a violência contra a criança e o adolescente

muitas vezes cometida pela própria família ou legalizada pelo poder institucionaliza-

do.

Assim, como a humanização é um eterno vir a ser e uma aprendizagem

constante, é possível pensar que uma das medidas para dizer “calma, violência” se-

riam políticas públicas que garantissem os direitos básicos da criança e do adoles-

cente de forma mais efetiva e duradoura.

2. 2. Imputabilidade e maioridade penal

A imputabilidade penal é o “conjunto das condições pessoais, envolvendo

inteligência e vontade, que permite ao agente ter entendimento do caráter ilícito do

fato, comportando-se de acordo com esse entendimento.” (NUCCI, 2009, p.295)

A imputabilidade está diretamente ligada ao discernimento do indivíduo, à

capacidade de diferençar o certo do errado.

No Brasil, aos 18 anos, o indivíduo passa a ter maioridade penal; portan-

to, perante a lei, é considerado imputável. É a idade na qual se considera que o indi-

víduo pode ser plenamente responsabilizado por atos infracionais e assim, poder ser

punido com a restrição da liberdade com mais rigor do que a criança e o adolescen-

te.

O menor de 18 anos, é considerado inimputável. Essa inimputabilidade é

garantida em três diplomas legais: a Constituição Federal, o Código Penal Brasileiro

e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Observemos:

2 Fonte: http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/DIREITOS-HUMANOS/443178-UNICEF-

DEFENDE-POLITICAS-PUBLICAS-DE-PROTECAO-PARA-ADOLESCENTES-BRASILEIROS.html 3 Fonte: Secretaria de Segurança Pública do Paraná.

19

1) Artigo 228 da Constituição Federal Brasileira:

“São plenamente inimputáveis os menores de 18 anos, sujeitos às normas da legislação especial.”

2) Artigo 27 do Código Penal Brasileiro :

“Os menores de dezoito anos são plenamente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial.”

3) Artigo 104 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA):

“São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às me-didas previstas nesta Lei. Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, deve ser considerada a idade do adolescente à data do fato.”

Como pode ser observado os legisladores consideram o adolescente um

ser em formação, portanto com uma identidade em construção; o que faz com que

ainda não tenha capacidade de internalizar todas as regras da sociedade, sendo as-

sim, que ser submetido a medidas educativas nas quais predominem a orientação

necessária à ressocialização e às mudanças comportamentais; principalmente no

que diz respeito às normas e às regras sociais.

Essa perspectiva é confirmada pelos teóricos que estudam o desenvolvi-

mento moral da criança e do adolescente. Para esses estudiosos, o desenvolvimen-

to psicossocial é construído ao longo do ciclo vital; por meio da aprendizagem e das

interações sociais a criança e o adolescente vão internalizando regras e normas im-

portantes para o convívio social.

Kohlberg, psicólogo estadunidense, influenciado pelas ideias de Piaget,

apresentou um modelo de desenvolvimento moral em que para chegar à moralidade

autônoma passa por seis estágios que podem ser agrupados em três níveis: pré-

convencional, convencional e pós-convencional. No primeiro, o indivíduo ainda Não

assimilou a ideia de certo e errado; no segundo, há a aquisição progressiva das no-

ções de certo e errado; no terceiro, a partir dos 12 anos, há uma orientação para o

ético e para os princípios coletivos.

Para Kohlberg (1976, apud FIERRO, 1995, p. 304), não existe uma cor-

respondência entre a idade cronológica e o desenvolvimento moral. O que o autor

20

defende é que existe, sim, uma relação entre o desenvolvimento cognitivo e o de-

senvolvimento do juízo moral; em comum com Piaget (1970, apud FIERRO, 1995, p.

304), o autor acredita que para alcançar os níveis superiores de desenvolvimento

moral é necessária a aquisição plena das operações formais. Além disso, é neces-

sária, também, a experiência de interações sociais permeadas pela ética, pela coo-

peração, pela solidariedade e pelas ações pró-sociais.

Dessa forma, fica difícil defender a imputabilidade antes dos 18 anos utili-

zando o argumento que o adolescente a partir dos 12 ou 14 anos já tem consciência

do certo e do errado. O desenvolvimento do juízo moral transcende à simples cate-

gorização do ato, para Fierro (1995, p. 305),

“A moralidade não se identifica – ou se reduz – à consciência; e, por isso, seu desenvolvimento não é todo o desenvolvimento moral, que também in-clui atitudes, disposição para a ação e comportamentos práticos reais.[...] A consciência moral adquire substância e conteúdo na interiorização de valo-res e atitudes morais e, ainda mais, na efetividade prática para a qual essas atitudes orientam e predispõem. O desenvolvimento moral na adolescência, por conseguinte, consta tanto dos elementos de raciocínio e de consciência, quanto dos de atitudes e valores.”

Outro dado importante trazido por Kohlberg (1976, apud FIERRO, 1995,

p. 304), advém de sua investigação realizada em cinco sociedades diferentes:

“[...] a aquisição das operações formais e e experiência adolescente, não assegura a passagem para as fases morais superiores. Em consonância com a relação entre desenvolvimento cognitivo e moral, o final da idade adolescente poderia coincidir com a plenitude do raciocínio ou racionalida-de moral, mas, de fato, não costuma acontecer assim. Antes, isso só ocorre em raros casos.”

Em sua pesquisa, Kohlberg observou que “aos dezesseis anos, muito

poucos indivíduos tinham atingido o último nível do desenvolvimento moral ou mes-

mo o penúltimo; muitos permaneciam em níveis pré-convencionais e a maioria esta-

va nos convencionais”.

Como as atitudes e comportamentos transgressores estão diretamente

associados à moralidade e ao desenvolvimento do juízo moral, percebe-se que a

Lei, em consonância com a psicologia, evita a relação rígida de desenvolvimento

moral à faixa etária; tendo em vista que o processo de aquisição de autonomia pes-

21

soal está vinculado a fatores muito mais complexos que a faixa etária, como: rela-

ções parentais, contexto sociocultural, desenvolvimento cognitivo, dentre outros.

Assim, se temos que a construção do juízo moral de um indivíduo depen-

de tanto de fatores biológicos e psicológicos e como de elementos socioculturais,

podemos deduzir que diferentes contextos sociais, culturais, psicológicas e biológi-

cas irão propiciar diferentes comportamentos, diferentes atitudes, diferentes morali-

dades.

Em contraponto, a sociedade ou pelo menos os que se sentem agredidos,

não levam em conta esses fatores e confundem inimputabilidade com impunidade.

Como as sanções previstas para a criança e o adolescente em conflito com a lei di-

ferem das previstas para o adulto, principalmente no que diz respeito à reclusão,

constrói-se o imaginário coletivo que o ECA não pune; e, que as medidas socioedu-

cativas é um meio de deixar impune o crime.

Esse sentimento é explicado por Foucault (1999):

" Efetivamente a infração lança o indivíduo contra todo o corpo social; a so-

ciedade tem o direito de se levantar em peso contra ele, para puní-lo. Luta

desigual: de um lado todas as forças, todo o poder, todos os direitos. E tem

mesmo que ser assim, pois aí está representada a defesa de cada um.

Constitui-se, assim, um formidável direito de punir, pois o infrator torna-se o

inimigo comum."

O adolescente, inimputável, ao cometer infrações e, assim, prejudicar o

outro, torna-se o inimigo. E, a sociedade reveste-se do poder de exigir a punição do

inimigo. Punição representada pela redução da maioridade penal, que passa a ser, a

garantia legal de uma punição exemplar.

1.3. Legislação brasileira X legislação de outros países

No ano de 2005, foi publicado pelo Fundo nacional das Nações Unidas

para a Infância (Unicef), o mapa mundi da maioridade penal (ver fig.1). É importante

ressaltar que há uma diferença entre maioridade penal adulta e maioridade penal ju-

venil. Alguns países que apresentam uma maioridade penal reduzida não necessari-

amente punem a criança e o adolescente menor de 18 anos como adulto. A idade

22

reduzida indica a idade com que a criança ou o adolescente pode ser responsabili-

zado e estarem sujeitos à medidas socioeducativas.

De acordo com Unicef, dos 53 países pesquisados, 42 deles (79%) ado-

tam a maioridade penal aos 18 anos ou mais, seguindo as recomendações interna-

cionais que sugerem a existência de um sistema de justiça especializado para julgar,

processar e responsabilizar autores de delitos abaixo dos 18 anos.

Em 2012, a pesquisa realizada a cada quatro anos, Crime Trends (Tendên-

cias do Crime), pela Organização das nações Unidas (ONU), observou que os países

que consideram idades abaixo de 18 anos como maioridade penal, à exceção da Ingla-

terra e dos Estados Unidos, são os que apresentam Índice de Desenvolvimento Humano

(IDH) baixo e não asseguram os direitos básicos de cidadania às suas crianças e ado-

lescentes.

De acordo com o mapa, nos Estados Unidos, a maioridade penal varia de

seis a dezoito anos, conforme a legislação de cada estado. Lá, os adolescentes de

doze anos podem ser submetidos aos mesmos procedimentos dos adultos, inclusive

prisão perpétua e pena de morte.

Na Europa, em países como a Escócia, a maioridade cai para oito anos,

porém, até os vinte e um anos de idade podem ser aplicadas as regras da justiça ju-

venil. Aplica-se um modelo de garantias e de medidas principalmente educativas. Na

França, a idade para maioridade penal é reduzida para os treze anos. Na Inglaterra,

apesar da maioridade penal iniciar aos dez anos, a privação da liberdade só se dá a

partir dos quinze anos. Dos dezoito aos vinte e um há uma atenuação das leis apli-

cadas.

Em países como a Noruega, Dinamarca, Suécia e Finlândia em que a

maioridade penal é fixada em 15 anos, têm um sistema judicial específico para os

jovens entre 15 e 18 anos, voltado para ações sociais. A reclusão é o último recurso.

A justiça juvenil dos países europeu baseia-se nos seguintes princípios: 1)

as medidas de privação da liberdade devem ser aplicadas em último caso e durante

o mínimo de tempo possível; 2) Todos os direitos e garantias reconhecidos aos adul-

tos devem também ser atribuídos aos jovens; 3) prevenção em detrimento da re-

pressão.

Na China, adolescentes entre quatorze e dezoito anos estão sujeitos a um

sistema judicial juvenil e suas penas podem chegar à prisão perpétua, no caso de

crimes muito violentos. No Japão, embora a Lei Juvenil Japonesa possua uma defi-

23

nição mais ampla que a maioria dos países e há maioridade penal juvenil (14 anos)

e a maioridade penal adulta, fixada em 21 anos.

A América do Sul, é a região mundial onde a maioridade penal acontece

mais tarde. Países como o Chile e a Argentina, aos dezesseis anos e Colômbia, Pe-

ru e Brasil, aos dezoito anos.

Países como a Alemanha e a Espanha, elevaram recentemente a maiori-

dade penal para dezoito anos. O importante é compreender que cada país tem sua

legislação própria; de acordo com suas influências culturais, religiosas, geográficas

ou sociais.

Figura 1 – Mapa múndi da maioridade penal

Fonte: Unicef - 2005 (Disponível em: http://marioleitedebarrosfilho.blogspot.com.br/2013/03/mapa-mundi-da-maioridade-penal.html)

É possível perceber, então, que o argumento de que a legislação brasileira é

muito complacente e permissiva e não acompanha a universalização não tem funda-

mento. A maioria dos países tem uma legislação própria para a criança e o adolescente

que contempla medidas de ressocialização, acompanhamento e sistema especial para

julgamento dos menores de 18 anos autores de atos infracionais.

24

1.4. Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), criado em 13 de julho de

1990 e instituído como Lei Federal Nº 8.069, de 13 de julho de 1990, teve seu esbo-

ço inicial na Assembleia Constituinte. Um grupo de trabalho comprometido com o

tema da criança e do adolescente originou o artigo 227, que baseado no conteúdo

da Doutrina de Proteção Integral da Organização das Nações Unidas, trouxe os

avanços da legislação internacional para a população infanto-juvenil brasileira:

“Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saú-de, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, ex-ploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010) § 1º O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da cri-ança, do adolescente e do jovem, admitida a participação de entidades não governamentais, mediante políticas específicas e obedecendo aos seguin-tes preceitos: (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010) I - aplicação de percentual dos recursos públicos destinados à saúde na as-sistência materno-infantil; II - criação de programas de prevenção e atendimento especializado para os portadores de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de inte-gração social do adolescente portador de deficiência, mediante o treinamen-to para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e ser-viços coletivos, com a eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetôni-cos. II - criação de programas de prevenção e atendimento especializado para as pessoas portadoras de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente e do jovem portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de obstáculos ar-quitetônicos e de todas as formas de discriminação. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010) § 2º - A lei disporá sobre normas de construção dos logradouros e dos edifí-cios de uso público e de fabricação de veículos de transporte coletivo, a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência. § 3º - O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos: I - idade mínima de quatorze anos para admissão ao trabalho, observado o disposto no art. 7º, XXXIII; II - garantia de direitos previdenciários e trabalhistas; III - garantia de acesso do trabalhador adolescente à escola; III - garantia de acesso do trabalhador adolescente e jovem à escola; (Re-dação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010) IV - garantia de pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracio-nal, igualdade na relação processual e defesa técnica por profissional habili-tado, segundo dispuser a legislação tutelar específica; V - obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa da liberdade;

25

VI - estímulo do Poder Público, através de assistência jurídica, incentivos fiscais e subsídios, nos termos da lei, ao acolhimento, sob a forma de guar-da, de criança ou adolescente órfão ou abandonado; VII - programas de prevenção e atendimento especializado à criança e ao adolescente dependente de entorpecentes e drogas afins. VII - programas de prevenção e atendimento especializado à criança, ao adolescente e ao jovem dependente de entorpecentes e drogas afins. (Re-dação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010) § 4º - A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente. § 5º - A adoção será assistida pelo Poder Público, na forma da lei, que es-tabelecerá casos e condições de sua efetivação por parte de estrangeiros. § 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. § 7º - No atendimento dos direitos da criança e do adolescente levar-se- á em consideração o disposto no art. 204. § 8º A lei estabelecerá: (Incluído Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010) I - o estatuto da juventude, destinado a regular os direitos dos jovens; (Inclu-ído Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010) II - o plano nacional de juventude, de duração decenal, visando à articula-ção das várias esferas do poder público para a execução de políticas públi-cas. (Incluído Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010)”

O artigo garantia, assim, às crianças e aos adolescentes os direitos fun-

damentais para assegurar o desenvolvimento pessoal e social, a integridade física,

psicológica e moral; além da proteção, por meio de dispositivos legais, contra negli-

gência, maus tratos, exploração e violência.

A Comissão de Redação do ECA foi composta por representantes dos

movimentos da sociedade civil (como por exemplo, do Movimento Nacional dos Me-

ninos e Meninas de Rua e da Pastoral da Criança), dos juristas e dos técnicos de

órgãos governamentais; portanto, pessoas e profissionais preocupados com as con-

dições e os direitos das crianças e adolescentes. Dessa forma, o ECA veio para ga-

rante por intermédio de seus artigos, os direitos e deveres da criança e do adoles-

cente, além de determinar a responsabilidade do Estado, da família ou da comuni-

dade para com o desenvolvimento e proteção integral das crianças e dos adolescen-

tes.

O ECA prevê a inimputabilidade judicial de crianças (até 12 anos) e ado-

lescentes (de 12 a 18 anos) e determina que a criança e o adolescente devem ser

submetidos a medidas protetivas e socioeducativas respectivamente. É, portanto,

um instrumento de cidadania que tem como objetivo resgatar o adolescente da margi-

26

nalidade, com base na garantia do desenvolvimento integral do ser, promovendo a res-

socialização do adolescente autor de atos infracionais.

Dispõe também sobre a proteção integral das crianças e dos adolescen-

tes "a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral espiritual e social,

em condições de liberdade e de dignidade" (Art. 3º). Garantindo, ainda, que todas as

crianças e os adolescentes tenham os cuidados necessários a um desenvolvimento

saudável, seja qual for sua etnia ou sua classe social.

É importante ressaltar que o ECA defende que o adolescente é um ser

em desenvolvimento e, como tal, não deve ser submetido a medidas punitivas; e

sim, medidas socioeducativas que propiciem sua reintegração à sociedade. O ado-

lescente envolvido em situações de delito sujeitar-se-á às normas especiais estabe-

lecidas, cuja aplicação compete ao Juiz da vara da Infância e da Juventude.

1.4. Sinase

A Lei nº 12.594, de 18 de janeiro de 2012, que institui o Sistema Nacional

de Atendimento Socioeducativo (Sinase) e regulamenta a execução das medidas

destinadas a adolescente que pratique ato infracional. O Sinase regulamenta o

atendimento e acompanhamento do adolescente desde o processo de apuração do

ato infracional até a aplicação das medidas socioeducativas.

O SINASE é um conjunto ordenado de princípios, regras, e critérios jurídico, político, pedagógico, financeiro e administrativo, que envolve o processo de apuração de ato infracional até a execução de medida socioeducativa. Esse sistema nacional inclui os sistemas estaduais, distrital e municípios bem com em todas as políticas, planos e programas específicos de atenção a esse público (SINASE, 2006, p.22).

Uma das mais importantes inovações do Sinase é a obrigatoriedade da

elaboração e implementação dos Planos de Atendimento Socioeducativo e, princi-

palmente a ação conjunta dos governos municipais, distritais e estaduais coordena-

da pela união. São definidos os papéis e as responsabilidades de cada esfera go-

vernamental, ficando os municípios responsáveis pelas medidas socioeducativas em

meio aberto e os estados pelas privativas de liberdade.

27

Art. 2

o O Sinase será coordenado pela União e integrado pelos sistemas

estaduais, distrital e municipais responsáveis pela implementação dos seus respectivos programas de atendimento a adolescente ao qual seja aplicada medida socioeducativa, com liberdade de organização e funcionamento, respeitados os termos desta Lei.

E, principalmente, prevê ações que contemplam a intervenções junto às

famílias dos adolescentes autores de atos infracionais e prevê ações que articulem

educação, saúde, cultura e profissionalização.

Art. 8o Os Planos de Atendimento Socioeducativo deverão, obrigatoriamen-

te, prever ações articuladas nas áreas de educação, saúde, assistência so-cial, cultura, capacitação para o trabalho e esporte, para os adolescentes atendidos, em conformidade com os princípios elencados na Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente).

A proposta pedagógica, recomendada pelo Sinase, orienta que todas as

ações educativas sejam pensadas de modo a atender às reais necessidades do adoles-

cente e de sua família, devendo oferecer o atendimento personalizado dos adolescentes

em grupos reduzidos atendendo à faixa etária; propiciar instalações físicas adequadas e

condições para as visitas semanais dos familiares, favorecendo o restabelecimento dos

vínculos familiares; garantir assistência médica, odontológica, psicológica e farmacêuti-

ca, vestuário e alimentação condignos, escolarização, profissionalização, cultura, esporte

e lazer; além de regularizar a documentação pessoal necessária ao exercício da cidada-

nia e incentivar a participação do adolescente na elaboração das práticas socioeducaci-

onais. Dessa forma, o Sinase aponta para a cooperação e construção coletiva.

Sinase no Ceará

No Ceará, é tarefa da Secretaria de Trabalho e Desenvolvimento Social do

Governo do Estado (STDS) coordenar e executar as medidas socioeducativas regula-

mentadas pelo Sinase. As ações socioassistenciais da STDS são organizadas por meio

de serviços, programas, projetos e benefícios que contemplam a vigilância socioas-

sistencial, a defesa social e institucional e a proteção social.

A vigilância socioassistencial abrange a vigilância de riscos e vulnerabili-

dades e a vigilância de padrões e serviços. Mantém as células responsáveis pelas

informações relativas à violação de direitos e às necessidades de proteção da popu-

28

lação e, de outro lado, as características e distribuição da rede de proteção social

instalada para atender à demanda dessas informações.

A defesa social e institucional é responsável por informar à população

acerca dos seus direitos socioassistenciais, por meio de ouvidorias, centros de refe-

rência, centros de apoio sociojurídico, conselhos de direitos, dentre outros.

A proteção social abrange a proteção social básica e proteção social es-

pecial. A proteção social básica compreende um conjunto de ações, projetos e pro-

gramas que viabilizem a inclusão social de famílias vulnerabilizadas pela situação de

pobreza e de exclusão social; de crianças e de adolescentes em situação de risco

pessoal e social.

A proteção social especial é a política que oferta o atendimento específico

às mulheres, às crianças e aos adolescentes com vínculos familiares fragilizados, ou

em situação de abandono ou vítimas de violência, por meio de abrigos. Além dos

Centros de Semiliberdade e de Internação. A característica principal é, em conso-

nância com a política do Sinase, estimular a reconstrução dos vínculos familiares e

promover a ressocialização por meio de medidas socioeducativas.

1.6. As medidas socioeducativas

Ao determinar a prescrição de medidas socioeducativas para o adolescente

menor de 18 anos, em situação de conflito com a lei, a legislação reconhece o papel

fundamental da educação para a ressocialização desses adolescentes envolvidos com

atos infracionais. De acordo com o Sinase, a instituição que recebe o adolescente sujeito

às medidas socioeducativas é obrigada a oferecer condições de escolarização, recrea-

ção, esporte e lazer. Assim, a qualidade das medidas socioeducativas é um direito pre-

visto por lei.

Mas, quando pensamos em medida socioeducativa com o objetivo de reinte-

gração social, estamos nos referindo à atividades a à ações pautadas pelos princípios

pedagógicos que busquem o desenvolvimento integral do adolescente e o exercício da

cidadania, norteados por uma postura ética e responsável. Torna-se necessário, então, a

promoção de ambiente humanizado, com atendimento personalizado, onde se possa

priorizar o caráter pedagógico da medida, previsto pelo Sinase.

As medidas socioeducacionais são previstas no art.112, do ECA:

29

“Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas: I - advertência; II - obrigação de reparar o dano; III - prestação de serviços à comunidade; IV - liberdade assistida; V - inserção em regime de semi-liberdade; VI - internação em estabelecimento educacional; VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI. § 1º A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração. § 2º Em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida a prestação de trabalho forçado. § 3º Os adolescentes portadores de doença ou deficiência mental receberão tratamento individual e especializado, em local adequado às suas condi-ções.”

1.6.1. Advertência

Segundo o Art. 115, “a advertência consistirá em admoestação verbal, que

será reduzida a termo e assinada.” Trata-se da primeira medida judicial a ser aplicada

ao adolescente autor de ato infracional. O fato de resultar em um termo, a ser assinado

pelo responsável, constando a orientação para os riscos de envolvimento em situações

de delito e as exigências a serem cumpridas pelo adolescente, torna-o um documento

que transcende ao simples aconselhamento.

No caso da advertência, não há procedimento contraditório ou o direito à am-

pla defesa, a não ser em casos de reincidência.

1.6.2. Reparação de Danos

No caso de prejuízos materiais o Art. 116 prevê que:

“Art. 116. Em se tratando de ato infracional com reflexos patrimoniais, a au-toridade poderá determinar, se for o caso, que o adolescente restitua a coi-sa, promova o ressarcimento do dano, ou, por outra forma, compense o pre-juízo da vítima.

Parágrafo único. Havendo manifesta impossibilidade, a medida poderá ser substituída por outra adequada.” (ECA)

O pai ou responsável legal pelo adolescente deve responder pelo dano. O

parágrafo único garante o direito à reparação mesmo em casos nos quais a família não

tenha condições financeiras para compensar os prejuízos causados. É importante res-

30

saltar que essa medida procura desenvolver, no adolescente, o senso de responsabili-

dade e respeito pelo alheio.

1.6.3. Prestação de Serviços à Comunidade

Essa medida, prevista no Art. 117, consiste no desenvolvimento de tarefas de

interesse social que evitam a privação da liberdade, ao mesmo tempo em que estimula o

adolescente a ações colaborativas e reconhecidamente úteis à sociedade. Propiciando,

assim, a integração familiar e comunitária do adolescente.

“Art. 117. A prestação de serviços comunitários consiste na realização de tarefas gratuitas de interesse geral, por período não excedente a seis me-ses, junto a entidades assistenciais, hospitais, escolas e outros estabeleci-mentos congêneres, bem como em programas comunitários ou governa-mentais.

Parágrafo único. As tarefas serão atribuídas conforme as aptidões do ado-lescente, devendo ser cumpridas durante jornada máxima de oito horas se-manais, aos sábados, domingos e feriados ou em dias úteis, de modo a não prejudicar a frequência à escola ou à jornada normal de trabalho.” (E.C.A)

A instituição que receber o adolescente é responsável por enviar mensalmen-

te um relatório sobre as atividades realizadas pelo adolescente.

1.6.4 Liberdade Assistida

A liberdade assistida propicia ao adolescente responder pelas infrações em

liberdade, porém, devidamente acompanhado e orientado por alguém indicado por auto-

ridade responsável pelo processo.

“Art. 118. A liberdade assistida será adotada sempre que se afigurar a me-dida mais adequada para o fim de acompanhar, auxiliar e orientar o adoles-cente.

§ 1º A autoridade designará pessoa capacitada para acompanhar o caso, a qual poderá ser recomendada por entidade ou programa de atendimento.

§ 2º A liberdade assistida será fixada pelo prazo mínimo de seis meses, po-dendo a qualquer tempo ser prorrogada, revogada ou substituída por outra medida, ouvido o orientador, o Ministério Público e o defensor.” (ECA)

31

É importante ressaltar que “acompanhar, auxiliar e orientar”, indica uma as-

sistência mais completa, com estrutura que propicie ao adolescente novos rumos, novas

atitudes; essa medida tem de contemplar atendimento psicológico, preparação para o

trabalho, apoio à família, para que venha a presentar resultados positivos.

1.6.5. Semiliberdade

O regime de semiliberdade, previsto no Art. 120, apresenta um misto de re-

clusão (recolhimento noturno) e convivência social (estudo e trabalho durante o dia) em

meio aberto.

“Art. 120. O regime de semiliberdade pode ser determinado desde o início, ou como forma de transição para o meio aberto, possibilitada a realização de atividades externas, independentemente de autorização judicial. § 1º São obrigatórias a escolarização e a profissionalização, devendo, sem-pre que possível, ser utilizados os recursos existentes na comunidade.” (ECA)

§ 2º A medida não comporta prazo determinado aplicando-se, no que cou-ber, as disposições relativas à internação.” (ECA)

É importante atentar que a obrigatoriedade da escolarização e da preparação

para o trabalho exige um melhor acompanhamento do adolescente e estrutura especiali-

zada para estes objetivos.

Segundo a Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social (STDS)4, o

Ceará possui cinco Centros de Semiliberdade para adolescentes de 12 a 18 anos. O

Centro de Semiliberdade Mártir Francisca com área de abrangência na capital aten-

de apenas adolescentes do sexo masculino, de 12 a 21 anos. Os outros quatros

Centros atendem adolescentes de ambos os sexos, de 12 a 18 anos, recebendo,

excepcionalmente, jovens de 21 anos; encontram-se no interior do estado, nas cida-

des de Crateús, Iguatu, Limoeiro do Norte e Sobral, atendendo aos municípios pró-

ximos à cada cidade.

4 Fonte: http://www.stds.ce.gov.br/index.php/protecao-social-especial

32

1.6.6 – Internação

Aplicada em casos mais graves, a internação é a medida mais rigorosa e de-

ve ser aplicada quando as outras medidas não surtiram o efeito esperado. Além disso,

deve atender a alguns critérios como: possibilidade de atividades externas, reavaliação

sistemática e tempo limite para internação.

“Art. 121. A internação constitui medida privativa da liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.

§ 1º Será permitida a realização de atividades externas, a critério da equipe técnica da entidade, salvo expressa determinação judicial em contrário.

§ 2º A medida não comporta prazo determinado, devendo sua manutenção ser reavaliada, mediante decisão fundamentada, no máximo a cada seis meses.

§ 3º Em nenhuma hipótese o período máximo de internação excederá a três anos.

§ 4º Atingido o limite estabelecido no parágrafo anterior, o adolescente de-verá ser liberado, colocado em regime de semiliberdade ou de liberdade as-sistida.

§ 5º A liberação será compulsória aos vinte e um anos de idade.

§ 6º Em qualquer hipótese a desinternação será precedida de autorização judicial, ouvido o Ministério Público.

§ 7o A determinação judicial mencionada no § 1

o poderá ser revista a qual-

quer tempo pela autoridade judiciária.” (ECA)

É importante, também, considerar os direitos individuais, o respeito pela pes-

soa do adolescente, lugares apropriados que atendam aos princípios básicos da digni-

dade humana e às necessidades básicas de um adolescente: educação, formação pro-

fissional, esporte, lazer.

“ Art. 122. A medida de internação só poderá ser aplicada quando:

I - tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa;

II - por reiteração no cometimento de outras infrações graves;

III - por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta.

§ 1o O prazo de internação na hipótese do inciso III deste artigo não poderá

ser superior a 3 (três) meses, devendo ser decretada judicialmente após o devido processo legal.

33

§ 2º. Em nenhuma hipótese será aplicada a internação, havendo outra me-dida adequada.” (ECA)

“Art. 123. A internação deverá ser cumprida em entidade exclusiva para adolescentes, em local distinto daquele destinado ao abrigo, obedecida rigo-rosa separação por critérios de idade, compleição física e gravidade da in-fração.

Parágrafo único. Durante o período de internação, inclusive provisória, se-rão obrigatórias atividades pedagógicas.”

De acordo com a STDS, o Ceará conta com oito Centros de Internamen-

to, todos em Fortaleza. Centro Socioeducativo Passaré, em Fortaleza, para interna-

ção (primeira medida) de adolescentes do sexo masculino, de 12 a 18 anos, autores

de ato infracional de natureza grave, em suas necessidades básicas, com vistas a

sua reinserção ao convívio sócio-familiar a qual se encontra submetido. Centros

Educacionais São Francisco e São Miguel, em Fortaleza, para internação provisória

de adolescentes do sexo masculino, de 12 a 18 anos, que aguardam decisão do Jui-

zado da Infância e da Juventude. Centro Educacional Cardeal Aloísio Lorscheider

para adolescentes do sexo masculino de 12 a 18 anos; Centro Educacional Patativa

do Assaré, para adolescentes do sexo masculino de 16 e 17 anos, os dois Centros

atendem, em regime de internato, adolescentes e jovens sentenciados, autores de

ato infracional grave, em suas necessidades básicas, com vistas a sua reinserção ao

convívio sociofamiliar, após o cumprimento da medida socioeducativa a qual se en-

contra submetido. O Centro Educacional Dom Bosco para atender integralmente, em

regime de internação, adolescentes infratores de 12 a 21 anos, do sexo masculino,

envolvidos com a prática de ato infracional de natureza grave, encaminhados por or-

dem judicial e sentenciados por descumprimento da medida, com permanência má-

xima de 90 dias. E, o Centro Educacional Aldaci Barbosa Mota, para atender, em

regime de internação provisória, privação de liberdade e semiliberdade, adolescen-

tes do sexo feminino, de 12 a 21 anos autoras de ato infracional, em suas necessi-

dades básicas, com vistas a sua reinserção ao convívio sociofamiliar, após o cum-

primento da medida socioeducativa a qual se encontra submetida.

34

2. ANÁLISE DOS DADOS

A pesquisa foi realizada em um Centro Educacional de adolescentes au-

tores de atos infracionais, com área de abrangência em Fortaleza. O referido Centro,

inaugurado em 1977, é responsável por atender, em regime de internação provisó-

ria, adolescentes do sexo masculino, de 12 a 18 anos, em conflito com a Lei, en-

quanto aguardam a conclusão do processo de apuração do ato infracional pelo Jui-

zado da Infância e da Juventude. Na época da aplicação do questionário a institui-

ção contava com 125 adolescentes internos e 14 em audiência enquanto a sua ca-

pacidade é para 60 jovens. Constata-se, então, uma dificuldade que atinge a maio-

ria dos Centros de medidas socioeducativas do país, o problema de superlotação.

(Ver indicadores de desempenho do lócus da pesquisa – Tabela 1). Vale ressaltar

que foi permitido a aplicação do questionário, mas não nos foi dado acesso a ne-

nhum dos adolescentes do Centro.

Tabela 1 - Indicadores de Desempenho do lócus da pesquisa

Descrição

Dez/2013 Jan-Dez/2013

Adolescentes atendidos 206 1.183

Adolescentes engajados em atividades de arte e cultura 122 1.120

Adolescentes desligados por transferência 21 313

Adolescentes desligados por retorno à família 63 815

Total 412 3.431

Fonte: Página institucional da STDS

A coleta de dados deu-se a partir da aplicação de questionário a 20 sujei-

tos pertencentes à equipe técnica da instituição, selecionados dentre o total de 52

profissionais. Os dados foram analisados a partir dos Núcleos de Significação, pro-

cedimento que tem como objetivo “apreender os sentidos que constituem o conteúdo

do discurso dos sujeitos informantes” (AGUIAR; OZELLA, 2006). Para constituir os

núcleos de significação, os dados, colhidos por meio do questionário (detalhes na

metodologia, p. 15), são organizados e analisados seguindo três etapas: (1) selecio-

nar os pré-indicadores (palavras, expressões, caracterizadas pela repetição, reitera-

ção, ambivalências ou contradições), (2) indicadores (agregar os pré-indicadores pe-

la similaridade, pela complementaridade ou pela contraposição) e (3) construir e

35

analisar os núcleos de significação, que formam a síntese dos conteúdos expressos

pelos sujeitos da pesquisa.

A faixa etária dos entrevistados variou de 20 a 70 anos (Tabela 2).

Tabela 2 – Faixa etária dos entrevistados

SEXO

FAIXA ETÁRIA

20 - 30 31 - 40 41 - 50 51 - 60 61 - 70

Masculino 01 05 04 01 00

Feminino 01 02 05 00 01

Total 02 07 09 01 01

(Fonte: Elaboração própria - 2013)

Dentre os que aceitaram participar da pesquisa foi possível contar com

uma variedade no tocante às funções exercidas (Tabela 3).

Tabela 3 – Funções dos entrevistados

EQUIPE TÉCNICA

FUNÇÕES QUANTIDADE

Assistente Social 02

Psicólogo 01

Pedagogo 02

Advogado 01

Coordenador 01

Agente Administrativo 03

Inst Educacional/Educador Social 08

Aux de Enfermagem 01

Serviços Gerais 01

Total 20

(Fonte: Elaboração própria - 2013)

36

1. O que pensam os profissionais do Centro Educacional acerca da rela-

ção entre redução da maioridade penal e a diminuição da violência

Ao serem questionados sobre se acreditavam que a redução da maiori-

dade penal seria uma medida recomendável para diminuição da violência, oito sujei-

tos responderam que NÃO e doze responderam que SIM.

Dessa forma, analisamos as respostas sobre a relação entre redução da

maioridade penal e a diminuição da violência, separadamente: (1) Grupo dos que

responderam SIM; (2) Grupo dos que responderam NÃO.

I. Grupo 1 - favorável à redução da maioridade penal

Dentre os que são favoráveis não foi possível observar uma argumenta-

ção mais consistente ou que suscitasse reflexões mais profundas. Percebe-se ape-

nas a defesa que com a redução da maioridade penal a violência diminuiria. E, o fato

da maioria acreditar que o jovem de 14 a 16 anos tem a consciência do que quer e,

portanto, tem plena consciência da ilicitude de suas ações. Como é possível obser-

var:

S9 – “Porque vai diminuir a violência no Brasil e no mundo todo.”

S10 – “Hoje em dia, um jovem de 14 a 16 sabe o que quer e tudo o que a Lei permite.”

S15 – “Porque a partir do momento que a criança passa a querer sair de ca-sa sozinha ou com amigos e se sentir independente, ela deixa de ser crian-ça. E nessa hora ela deve também passar a ser responsável pelos seus atos.”

S17 – “Porque só assim pode existir a diminuição da violência no mundo.”

Um dos sujeitos acredita que os menores de 16 anos ainda convivem com

os pais que, por sua vez, têm controle e responsabilidade sobre eles. Para S20, este

fato garantiria a redução da violência:

S20 – “Porque uma criança que ainda está sob o domínio dos pais, fica mais fácil de controlar suas atitudes, como por exemplo: sair de casa para luga-res que fogem ao domínio do pai, namorar, ir à praia, etc.”

37

A opinião pode ser pertinente se pensarmos apenas em menores que fa-

çam parte de famílias com papéis sociais bem definidos. O que não é o caso da

maioria dos adolescentes em conflito com a lei. O que se verifica, na verdade, é uma

predominância de adolescentes que vêm de uma família sem papéis sociais defini-

dos, em situação de rua ou em estrutura familiar marcada pela violência, pelo abuso

ou pela criminalidade.

Em estudo lançado pelo presidente do Conselho Nacional de Justiça

(CNJ)5, em abril de 2012, foi constatado que que 14% dos jovens infratores possuem

pelo menos um filho, apesar da pouca idade, e apenas 38% deles foram criados por

mãe e pai. A pesquisa denominada Panorama Nacional – A execução das Medidas

Socioeducativas de Internação foi realizada com base nos dados do programa Justi-

ça ao Jovem e buscou traçar o perfil dos jovens infratores que cumprem medidas

socioeducativas no Brasil, além de analisar o atendimento prestado pelas 320 uni-

dades de internação existentes em território nacional. Foram entrevistados 1.898

adolescentes em cumprimento de medida de privação de liberdade em todas as re-

giões do país.

Assim, é difícil justificar a redução da maioridade penal com o controle de

atitudes pela convivência familiar, em adolescentes com fraca supervisão parental,

ausência de laços afetivos e de regulação familiar.

Para S12, a redução da maioridade penal justifica-se pela carência de polí-

ticas públicas que assegurem a educação e a assistência dos adolescentes em con-

flito com a lei.

S12 – “Momentaneamente a diminuição da maioridade poderia ser reduzida para 16 anos ou até menos, face ao adolescente estar completamente de-sassistido por políticas públicas eficazes na educação.”

Observamos, então, uma postura pessimista e pode-se dizer conformada:

tanto faz a idade, no momento, eles não vão ter a assistência adequada. Além disso,

é possível inferir, também, certa descrença nas atuais medidas socioeducativas.

5 Fonte:

http://www.cnj.jus.br/images/pesquisasjudiciarias/Publicacoes/panorama_nacional_doj_web.pdf

38

Já S14, além de considerar que os adolescentes menores de 18 anos têm

consciência de suas ações, demonstra, ainda, a crença de que, com a redução, este

adolescente não seria usado pelos maiores em atos infracionais:

S14 – “Acho que eles têm consciência do que fazem. Acho que não diminui, mas evita que eles cometam mais atos e também não serão usados pelos maiores.”

Porém, mesmo sendo considerada ação delituosa a inclusão de menor na

prática de atos infracionais (Art. 244-B, ECA), o adulto imputável continua inserindo

e mantendo o menor na criminalidade como forma de livrar-se de medidas punitivas

maiores. Assim, será que apenas a redução da maioridade penal seria suficiente pa-

ra impedir a introdução do menor nas práticas delituosas? Eis uma questão que,

acreditamos, deve nortear as discussões acerca da redução da maioridade penal.

Outro aspecto levado em conta pelos que são favoráveis à redução é a

crença de que medidas punitivas mais severas cabíveis aos considerados imputá-

veis possam inibir a participação dos adolescentes em atos ilícitos:

S10 – “Assim ele (o adolescente) vai saber que se fizer coisas erradas vai pagar por aquilo por muito tempo.”

S11 – “Às vezes os adolescentes infratores esperam alcançar a maioridade para tomar a decisão de ser um cidadão.”

Pressupõe-se, então, que a lei que protege a criança e o adolescente, de

certa forma, os leva a confiar em “uma impunidade” que não os afasta do crime. O

fato de saber que pode ser julgado como adulto e vir a ter punições mais severas

funcionaria como elemento para reflexão e mudança de atitudes. O que não pode

deixar de ser levado em conta é que o sistema prisional está cada vez mais deca-

dente, como acreditar que prisões superlotadas podem ajudar na reintegração de al-

guém?

S18 – “Acredito, porque assim eles não cometem coisas erradas como: rou-bos, latrocínios, estupro, assaltos. Com certeza eles iriam pensar duas ve-zes antes de cometer um crime. Eles não iam passar só 45 dias, iam passar anos.”

39

Há ainda opiniões que expressam sentimentos mais rígidos acerca da

questão:

S13 – “Uma medida drástica tem que ser tomada, a começar por uma nova Constituição sem Leis pétreas6. Diminuir a maioridade penal seria um palia-tivo para frear a onda de violência no Brasil, pois é muito grande a reinci-dência dessa corja7 de covarde de menores que se apoiam nesse Estatu-to e nesses grupos de Direitos Humanos financiados pelo crime organi-zado.” (grifo nosso)

S19 – “Porque desde que foi criada essa Lei, o índice de criminalidade de adolescentes não tem mais explicação. Resumindo, hoje, nós cidadãos, somos os bandidos; ficamos presos em nossa própria casa e os bandidos, o cidadãos, pintando e bordando.”

É possível perceber, mais uma vez, a associação da Lei com o aumento

da criminalidade juvenil. Fica clara a crença de que a Lei e a atual maioridade penal

propiciam a permanência do adolescente em situações de delitos e infrações. É

possível observar nas opiniões acima, a crença de que a criação da Lei aumentou o

índice de criminalidade; que os menores, pessoas desprezíveis, cometem infrações

por se sentirem amparados pela Lei; e, principalmente, que os defensores dos direi-

tos da criança e do adolescente, estão, na realidade, a serviço do crime organizado.

Assim, pode-se inferir a descrença na modificabilidade do indivíduo e, mais uma vez,

a descrença nas atuais medidas socioeducativas.

Um aspecto preocupante emerge dessa fala: é a fala de um profissional

que tem como principal função auxiliar na ressocialização do adolescente. Para a

teoria sócio-histórica os conceitos são construídos por meio das interações sociais

que têm início na infância do indivíduo (VIGOTSKY, 2007); e, a fala do sujeito é in-

dissociável de suas crenças, experiências e ações (BRUNER, 1997). Silva e Tunes

(1999) em estudo realizado a partir dos pressupostos da psicologia sócio-histórica,

afirmam que: “É possível estudar o pensamento das pessoas através de seus rela-

tos verbais, e, nas condições reais de vida, esse pensamento não se separa, dico-

tomicamente, de suas ações” (p.235).

Portanto, fica difícil acreditar que uma pessoa que pensa e expressa (S13)

uma opinião rígida, depreciativa e, até agressiva, acerca de quem ele deveria cuidar

6 Dispositivos que não podem ter alteração, nem mesmo por meio de emenda, tendentes a abolir

as normas constitucionais relativas às matérias por elas definidas. 7 Utilizado para designar conjunto de pessoas desprezíveis, escória, malfeitores. (FERREIRA, Aurélio

B. de Holanda. Dicionário Escolar da Língua Portuguesa).

40

e reencaminhar, possa ter um comportamento de acolhimento e compreensão ou

que suas ações sejam pautadas pelo respeito ou pela defesa dos direitos humanos.

II. Grupo 2 - desfavorável à redução da maioridade penal

No grupo cujos sujeitos têm opinião desfavorável à redução da maiorida-

de penal, podemos observar alguns aspectos que se assemelham ao grupo dos que

são favoráveis. A diferença é que esses sujeitos não associam a redução dessa

maioridade ao aumento do índice de violência. Para eles o problema é mais comple-

xo e passa pela eficácia das medidas socioeducativas, pelo trabalho a ser realizado

com os menores e com um maior compromisso por parte do Estado no sentido de

políticas públicas que garantam mais assistência e acompanhamento a esses meno-

res que se encontram em situação de conflito com a lei.

S4 – “O que falta são políticas públicas, trabalho com a família, cursos pro-fissionalizantes, espiritualidade.”

S6 – “A violência não está atrelada à questão da idade; mas sim, às várias situações de negligência por parte do Estado no que tange aos direitos dos adolescentes e das crianças.”

S8 – “Na minha opinião reduzir a maioridade penal não significa resolver o

problema do envolvimento de nossos jovens envolvidos em situações que a lei condena. Isto apenas faz com que os adolescentes comecem cada vez mais cedo a praticar atos infracionais. Exemplo: o adolescente de 16 anos que é utilizado como “avião” por traficantes, vai começar a entrar nessa vida aos 14, 12 anos... e assim por diante. O que deve haver é uma reforma do ECA e uma implantação dos preceitos do SINASE8 no sistema socioeduca-tivo.”

S8 alerta para um problema não percebido por um dos sujeitos do grupo

1, a possível diminuição da faixa etária dos menores que são envolvidos em situa-

ções de delito, principalmente o tráfico de drogas que, reconhecidamente, faz uso de

menores em suas ações.

8 Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo - conjunto ordenado de princípios, regras e

critérios, de caráter jurídico, político, pedagógico, financeiro e administrativo, que envolvem o processo de apuração de ato infracional e de execução de medida socioeducativa, incluindo-se nele, por adesão, o sistema nos níveis estaduais, distrital e municipais, bem como todos os planos, políticas e programas específicos de atenção ao adolescente em conflito com a lei.

41

Outros consideram que mais importante do que a redução da maioridade

penal seria mudanças na Lei no que diz respeito ao tempo de internação e, princi-

palmente com a aplicação de medidas preventivas.

S1 – “Maior tempo de internação”.

S5 – “Não acredito que seja com a redução penal e sim com mudanças das leis. Com mais rigor e mais acompanhamento depois da pena, e, com cer-teza, a prevenção.”

Um dos sujeitos trouxe à tona uma questão importante para o debate. A

capacidade de se colocar no lugar do outro e evitarmos observar apenas um lado da

questão:

S2 – “Não tenho muitos dados, mas num sistema de tantas injustiças, os danos aos adolescentes e jovens seriam maiores. Se ao invés de nos colo-carmos como os agredidos, nos colocarmos na família do agressor, será que circunstancialmente, minha (nossa) opinião não modificaria?”

A questão levantada é pertinente porque é comum nas tomadas de deci-

são ou ao expressar opiniões o indivíduo observar apenas a sua perspectiva; o mo-

vimento de observar algo a partir da ótica do outro, muitas vezes nos leva a outras

decisões.

Na fala de S3 observamos outro aspecto levantado quando da análise das

opiniões do Grupo 1, a falta de estrutura familiar. A ausência de limites ou ascen-

dência familiar na vida de muitos dos adolescentes que se encontram em conflito

com a lei. A experiência de S3 nos fala de pais que se consideram impotentes para

ajudar ou solucionar os problemas dos filhos.

A pesquisa realizada pelo Conselho Nacional de Justiça apontou que me-

tade dos jovens, no Nordeste, não vai à escola diariamente; o mais baixo índice de

escolaridade está na região Nordeste se comparada à região Sul; a maioria dos jo-

vens internados foram criados só por mãe e, principalmente, quantos aos delitos, os

mais praticados são os contra o patrimônio e tráfico de drogas. Para esses menores,

a redução da maioridade não traria nenhuma mudança em seu comportamento.

S3 – “Mesmo se diminuir para 14 vai continuar os crimes, pois o menor tem a justiça ao seu favor, porque os pais geralmente não têm o poder sobre o

42

filho, muitos deles vêm com os problemas dos filhos para tentar resolver com promotores e advogados.”

Na fala de S7, observa-se a relação já observada na análise das opiniões

do Grupo 1. Ser a favor da maioridade penal é não confiar no trabalho a ser realiza-

do nos Centros Socioeducativos. E, principalmente, traz implícita a ideia de que a

redução da maioridade penal é uma forma de resolver o problema de forma mais fá-

cil. A opção pela reclusão ao invés do investimento em medidas socioeducativas

mais eficazes representa uma medida paliativa que não solucionaria o problema re-

al: o índice da violência e caminhada do adolescente rumo à marginalização.

S7 – “Reduzir a maioridade penal não significa diminuir o índice de violência, mas na verdade é esconder atrás dos “muros”, o grande problema. Na ver-dade, o aumento de adolescentes envolvidos na criminalidade não é superi-or ao de adultos. Portanto, reduzir a maioridade é retirar os adolescentes de Centros Socioeducativos. É não confiar no trabalho socioeducativo e nas propostas que essas medidas podem objetivar. E sim, superlotar ainda mais os presídios e deixa-los esquecidos, por algum tempo, fora da sociedade. Trancafiar e analisar os fatos de maneira meramente punitiva não irá soluci-onar as expressões da questão social na qual esses sujeitos estão inseri-dos.”

2. Aspectos a serem levados em conta quando da decisão de instituir limites

para a maioridade penal

No que toca à análise da questão dois do questionário, os sujeitos foram

reunidos em um só grupo e os dados foram agrupados em núcleos comuns formado

pelas similaridades entre os aspectos indicados.

2.1. Educação, família e medidas preventivas

Na análise desse núcleo, observamos como elemento central a educação.

E, fica subtendido em cada fala que não se trata da educação formal, escolar; mas,

sim, da educação familiar, dos valores e dos limites a serem vivenciados no círculo

familiar e, principalmente, na interação entre pais e filhos. Temos então que a parti-

cipação e envolvimento da família é fator fundamental em qualquer trabalho a ser

realizado no sentido de resgatar o adolescente de situações de risco. O terceiro

elemento a compor este núcleo é a prevenção.

43

Ao ressaltar que medidas preventivas são mais importantes que as re-

pressivas, os sujeitos estão reforçando a ideia de que antes da decisão sobre o limi-

te de idade aceitável para a maioridade penal, é importante se ater às condições fa-

miliares dos adolescentes e estabelecer formas de propiciar melhores relações fami-

liares e medidas que possam vir a prevenir futuros atos infracionais. Como o que

nos mostram as pesquisas é que a maioria dos adolescentes infratores vem de famí-

lias de baixa renda, sem vinculação parental, com casos de abuso e violência e/ou

em situação de rua, não podemos esquecer que todo esse trabalho deve ter como

elemento norteador, a educação; não só do adolescente como também de todos que

fazem parte de seu universo familiar.

S2 – “Direitos básicos viabilizados, empregabilidade, educação e não só al-fabetização, seriedade no atendimento às famílias, acompanhamento sis-temático.”

S5 – “Educação em primeiro lugar, além da prevenção e do acompanha-mento de adolescentes e famílias.”

S8 – “Deve ser levada em consideração a realidade em que esses adoles-centes vivem hoje. É muito mais importante uma política preventiva do que uma repressiva.”

S15 – “Existem vários aspectos, mas o principal é a educação. A educação de hoje não é como antigamente. Os pais de hoje tem medo de serem tra-tados como antiquados e tentam acompanhar a modernidade, sem saber que estão estragando os filhos dando a eles uma liberdade de mãos beija-das, quando deveria ser conquistada com demonstração de respeito e res-ponsabilidade. O governo deveria não só fazer um programa de educação integrada na escola, mais também um programa de inclusão dos pais nas escolas, um acompanhamento mais próximo de seus filhos na escola. Par-tindo daí, o resto viria com naturalidade. Porque apesar de haver outros as-pectos, a educação é a base de tudo.”

Sobre a importância da família no trabalho a ser realizado nas instituições

responsáveis pelas medidas socioeducativas, a pesquisa Panorama Nacional – A

execução das Medidas Socioeducativas de Internação, traz em seu relatório:

“A proximidade dos familiares com o adolescente em cumprimento de MSE de internação é vista como fundamental em todas as etapas da aplicação da pedagogia institucional. [...] Aqueles jovens que, devido ao ato infracio-nal, tiveram os vínculos familiares comprometidos necessitam, por direito, que os estabelecimentos se empenhem para promover o restabelecimento e preservação das relações familiares.

A visita dos familiares nos estabelecimento não pode ter caráter restritivo, devendo a instituição, inclusive, destinar um espaço para o encontro e pro-piciar as condições adequadas para promover o convívio familiar. A partici-pação familiar no processo socioeducativo deve fazer parte da rotina institu-

44

cional, com horários e dias definidos. De acordo com o SINASE, as visitas dos familiares devem constar nos registros sistemáticos das abordagens e acompanhamentos aos adolescentes. Com esses registros, a equipe multi-disciplinar do adolescente terá instrumentos para verificar a frequência fami-liar no período de cumprimento da MSE.

A equipe multidisciplinar, em especial o assistente social, deve trabalhar a abordagem familiar com vistas a promover a aproximação dos familiares com a equipe responsável pelo adolescente. Ao realizar as visitas domicilia-res, o assistente social toma conhecimento sobre as condições socioeco-nômicas das famílias. Após essa constatação, o estabelecimento tem con-dições de colher informações das famílias que necessitam de recursos fi-nanceiros e materiais para realizarem as visitas aos adolescentes.” (p.135)

Verifica-se, então que a participação da família é fundamental para a efi-

cácia das medidas socioeducativas e que esta participação é prevista pelas normas

que as regulamentam. Mas, o mais importante é a responsabilidade, por parte da

equipe, em especial do assistente social de trabalhar no sentido de promover, propi-

ciar e, principalmente orientar o restabelecimento de vínculos familiares comprome-

tidos.

2.2. Mais rigorosidade nas Leis

Nesse núcleo fica subtendido o que alguns entrevistados pensam das

Leis que garantem a maioridade penal a partir dos 18 anos e que regulamentam as

medidas a serem tomadas com os adolescentes em conflito com a lei: leis brandas,

que não punem exemplarmente e que protegem e beneficiam os adolescentes infra-

tores.

S3 – “As leis deveriam ser mais fortes, pois o adolescente tem os quarenta e cinco dias e vai liberado; depois volta com os mesmos 45 dias. Na segunda vez deveria ter uma pena maior.”

S9 – “O aspecto a ser levado em conta é que a punição na maioria das ve-zes é de apenas 45 dias ou então a liberdade assistida. Na verdade, não tem Lei. O ECA e o Estado defendem muito esses menores.”

S11 – “Que existam Leis e sejam cumpridas e haja rigor no cumprimento das mesmas.”

S14 – “Rigor maior da Lei. Na minha opinião a Lei é muito branda, é como se não existisse punição.”

O que se observa é um anseio por parte dos entrevistados de Leis mais

rigorosas que aumentem o tempo de reclusão e levem em conta a reincidência do

ato infracional; aumentando a punição à medida que o adolescente incide em novo

delito. Não é de estranhar que a maioria dos que apontaram maior rigorosidade nas

45

Leis como aspecto mais importante, faça parte do grupo favorável à redução da

maioridade penal. É a forma encontrada de garantir a rigorosidade na punição.

2.3. Maturidade precoce

Dois entrevistados defendem que o aspecto a ser levado em conta na

discussão da redução da maioridade penal é a maturidade precoce do adolescente.

Uma criança ou adolescente que cedo se vê envolvido com situações delituosas,

que passa por conflitos familiares e convive em um meio onde vivencia situações de

violência, amadureceria mais cedo que o adolescente convencional. Este amadure-

cimento seria motivo para antecipar a idade limite para a maioridade penal.

S10 – “A maioridade precoce dos adolescentes.”

S13 – “A maturidade precoce, a fomentação ao crime gerada pela indústria da insegurança (com seus carros blindados e câmeras e portões automáti-cos e cercas elétricas; inoperantes perante as leis obsoletas). O alto percen-tual de reincidência na FEBEM9 com suas secretarias corruptas e que ado-ram rebeliões, que queimam colchões que vão ser superfaturados. Se algo não for feito com urgência pelo POVO, o Brasil vai se tornar um presídio a céu aberto.”

Observa-se no discurso de S13 a crença de que o adolescente em conflito

com a lei amadurece mais cedo, portanto é capaz de ter consciência dos seus atos e

de ser punido por eles; e, é claro, o descrédito pelas instituições e a transferência de

responsabilidade para a sociedade em geral. Ou seja, apresenta um futuro pessimis-

ta para o país caso não haja uma mobilização popular que exija a redução da maio-

ridade penal.

2.4. Políticas Públicas

Como é possível perceber, um aspecto presente na fala dos sujeitos da

pesquisa é a necessidade de políticas públicas que garantam medidas socioeducati-

vas eficazes.

9 Fundação Estadual para o Bem Estar do Menor, atual Fundação Centro de Atendimento

Socioeducativo ao Adolescente (CASA).

46

S4 – “O que falta são políticas públicas, trabalho com a família, cursos pro-fissionalizantes, espiritualidade.”

S6 – “A implementação e efetuação de políticas públicas que atendam às famílias em suas comunidades ofertando saúde, educação, habitação, em-pregabilidade, etc. Ações que visem à solução da violência nos espaços domésticos.”

S7 - O significado e a execução das políticas públicas. O contexto social e psicológico que o sujeito está inserido. A gravidade do ato infracional e o trabalho que será executado com este sujeito para que não reincida no co-metimento da prática delituosa e ressignificação das normas sociais estabe-lecidas.

S12 – Quando o adolescente tiver uma assistência educacional de qualidade seus valores atuais serão outros tais como cidadania, família, respeito às instituições em geral, valores que desconhecem agora.

S20 – Os adolescentes, hoje, não têm limites para praticar atos delituosos. A falta de escolas, uma política voltada para educação, que nossos governan-tes não veem como prioridade. Uma ocupação rentável com horário estabe-lecido pelas autoridades para população mais carente, evitando com isso, o engajamento dos nossos jovens no tráfico das drogas e a criminalidade em geral. Tirar menores envolvidos em delitos, da sua área de sobrevivência, bem como ver as condições de ganhos dos pais, para, se no caso, coloca-los em programas de empregos do governo.

A mais recente tentativa de suprir essa lacuna, passa a ser o Sinase que

estabelece as diretrizes para o acompanhamento do adolescente, buscando atender

melhor suas necessidades e incentivando a participação da família no processo.

47

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Realizar esta pesquisa propiciou-nos aprofundar as leituras sobre a maio-

ridade penal e permitir a reflexão acerca do tema e da opinião de algumas pessoas

sobre o assunto.

Após o estudo ficou claro o fato que a realidade atual não será modificada

apenas pela redução da maioridade penal. É ingênuo considerá-la o remédio para

todos os males. Reduzir a idade e, assim, mandar o adolescente aos presídios pode

ser ainda mais danoso. Afinal, sabemos que o nosso sistema prisional não vem con-

tribuindo para a ressocialização do detento.

Sabemos, também, que o sujeito se constitui a partir das interações com

o entorno. O que é possível esperar de um adolescente com uma história de vida

marcada pela violência e que é encaminhado a uma casa de detenção como um

adulto criminoso?

Concordamos com alguns dos entrevistados que apontaram para a ne-

cessidade de políticas públicas mais eficazes e que garantam a prática eficiente das

medidas socioeducacionais e, com aqueles que indicaram a educação como um dos

elementos mais importante. Portanto, é relevante nos questionarmos sobre o que é

realmente necessário: um trabalho mais eficiente com foco nos problemas sociais do

que meramente reduzir a idade penal?

Importante relembrar a fala de S7 quando declara que a tentativa da redu-

ção da maioridade penal é, na verdade, uma tentativa de mascarar os verdadeiros

problemas sociais.

Outro aspecto importante após a leitura e análise da fala dos entrevista-

dos foi perceber a descrença nos mecanismos da Lei e na mudança de comporta-

mento dos adolescentes, por parte daqueles que conduzem as medidas educacio-

nais. A maioria dos educadores sociais entrevistados é a favor da redução da maio-

ridade penal. Consideram que o adolescente é capaz de discernir o certo do errado

e, portanto são passíveis de punições mais rigorosas. Percebe-se também que con-

sideram as leis frágeis e confundem inimputabilidade com impunidade. Isso nos leva

a refletir que tipo de trabalho educativo vem sendo realizado por pessoas que não

acreditam no que fazem e consideram os adolescentes como marginais.

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Por outro lado, observamos outros profissionais que confiam nas medidas

socioeducativas e no trabalho que realizam. A questão é: será eficaz um trabalho em

equipe em que as pessoas pensam e acreditam de forma tão diferente?

Ficam as questões como estímulo para novos trabalhos.

49

REFERÊNCIAS

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ALVES, Cândida et al. Adolescência e maioridade penal: reflexões a partir da

psicologia e do direito. Revista psicologia e política. vol.9 no.17 São Paulo jun. 2009. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S1519-549X2009000100005&script=sci_arttext. Acesso em: 16 de novembro de 2013.

BIKLEN, Sari; BOGDAN, Robert. Investigação qualitativa em educação: uma in-trodução à teoria e aos métodos. Portugal: Porto Editora Ltda., 1994 BRASIL. Presidência da República. LEI Nº 12.594, DE 18 DE JANEIRO DE 2012 – Institui o Sinase. Brasília, DF: Casa Civil, 2012. _______.Secretaria Especial de Direitos Humanos. Sistema Nacional de atendi-mento Socioeducativo – SINASE. Brasília, DF: CONANDA, 2006. _______. Senado Federal. Estatuto da Criança e do Adolescente. Brasília, DF: Senado, 1990. _______.Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. _______. Ministério da Justiça. Código penal - Decreto-lei 2848/40 | Decreto-lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940. BRUNER, Jerome. Atos de significação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997. CUNHA, Vagner Silva da. Redução da maioridade sob a ótica de uma sociedade excludente. Dissertação. Universidade Católica de Pelotas, 2009. Conselho Nacional de Justiça. Panorama Nacional: a execução das medidas so-cioeducativas de interação. Brasília/DF, 2012. FIERRO, Alfredo. Relações sociais na adolescência. In: COLL, Cesar; PALACIOS, Jesús; MARCHESI, Álvaro. Desenvolvimento psicológico e educação. Porto Ale-gre: Artes Médicas, 1995. v.1.

50

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PEREIRA, Camila Cipola. A redução da maioridade penal. Monografia. Faculdade de Direito de Presidente Prudente/SP, 2012. SILVA, E.G.; TUNES, E. Abolindo mocinhos e bandidos: o professor, o ensinar e o aprender. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1999. SIMÕES, Carlos. Curso de Direito do Serviço Social. 2ª ed. rev. e atual. São Pau-lo: Cortez. (Biblioteca Básica do serviço Social, v.3) SOUZA, Mauricio Mainente de. Redução da maioridade penal como forma de adequação da lei à sociedade. Faculdade de Direito de Presidente Prudente/SP, 2010.

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VIGOTSKY, Lev S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos pro-cessos psicológicos superiores. 7. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

51

APÊNDICE

A. QUESTIONÁRIO

Este questionário se constitui em instrumento de minha pesquisa de con-clusão do Curso de Serviço Social, na Faculdade Cearense, desenvolvida sob orien-tação da Profª. Ms. Francisca Soares Reis sobre a redução da maioridade penal. Desde já, agradeço a sua participação, reiterando o caráter confidencial de suas in-formações. Nome a ser utilizado na pesquisa ___________________________________

Profissão ____________________________ Idade ______ Sexo ( ) M ( ) F

A maioridade penal fixada em 18 anos é definida pelo artigo 228 da Constituição. É a idade

em que, diante da lei, um jovem passa a responder inteiramente por seus atos, como cida-

dão adulto. É a idade-limite para que alguém responda na Justiça de acordo com o Código

Penal. A criança e o adolescente são julgados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente

(ECA).

1) Em sua opinião, qual a idade limite para que alguém responda, na justiça, por seus

atos?

( ) 18, conforme a lei atual.

( ) 16

( ) 14

( ) 12

( ) não tenho opinião formada sobre o assunto

2) Você acredita que a redução da maioridade penal é uma medida recomendável para a

diminuição da violência?

( ) sim ( ) não ( ) não tenho opinião formada sobre o assunto

Justifique sua resposta:

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3) Em sua opinião, quais aspectos devem ser levados em conta quando da decisão de insti-

tuir limites para a maioridade penal?

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Grata pela colaboração.