redes de atenção à saude 2011

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AS REDES DE ATENÇÃO À SAÚDE Eugênio Vilaça Mendes

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Health & Medicine


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  • AS REDES DE ATENO SADE

    Eugnio Vilaa Mendes

  • Braslia-DF

    2011

    AS REDES DE ATENO SADE

    Eugnio Vilaa Mendes

    2 edio

    Organizao Pan-Americana da Sade

    Organizao Mundial da Sade

    Conselho Nacional de Secretrios de Sade

  • Ficha Catalogrfica

    Mendes, Eugnio Vilaa

    As redes de ateno sade. / Eugnio Vilaa Mendes. Braslia: Organizao Pan-Americana da Sade, 2011. 549 p.: il.

    ISBN: 978-85-7967-075-6

    1. Gesto em sade 2. Ateno sade 3. Redes de Ateno Sade 4. Sistema nico de Sade I. Organizao Pan-Americana da Sade. II. Ttulo.

    NLM: W 84

    Unidade Tcnica de Gesto do Conhecimento e Comunicao da OPAS/OMS Representao do Brasil

    2011 Organizao Pan-Americana da Sade Representao BrasilTodos os direitos reservados. permitida a reproduo parcial ou total dessa obra, desde que citada a fonte e que no seja para venda ou qualquer fim comercial.

    Tiragem: 2. edio 2011 2000 exemplares

    Elaborao, distribuio e informaes:ORGANIZAO PAN-AMERICANA DA SADE REPRESENTAO BRASILGerncia de Sistemas de Sade / Unidade Tcnica de Servios de SadeSetor de Embaixadas Norte, Lote 19CEP: 70800-400 Braslia/DF Brasilhttp://www.paho.org/bra/apsredes

    Elaborao:Eugnio Vilaa Mendes

    Capa e Projeto Grfico:All Type Assessoria editorial Ltda.

    Impresso no Brasil / Printed in Brazil

    NOTA: O projeto grfico e a editorao desta publicao foram financiados pelo Termo de Cooperao n 43 firmado entre a

    Secretaria de Ateno Sade do Ministrio da Sade e a Organizao Pan-Americana da Sade. A impresso deste livro foi financiada pelo Termo de Cooperao n 60 firmado entre o Ministrio da Sade e a Organi-

    zao Pan-Americana da Sade com intervenincia do Conselho Nacional de Secretrios Estaduais de Sade (Conass).

  • 3SuMRiO

    LISTA DE FIGURAS, QUADROS, GRFICOS, TABELAS E BOXES. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5

    APRESENTAO DA PRIMEIRA EDIO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

    APRESENTAO DA SEGUNDA EDIO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13

    LISTA DE ACRNIMOS E SIGLAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15

    INTRODUO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17

    CAPTULO 1 AS SITUAES DAS CONDIES DE SADE E OS SISTEMAS DE ATENO SADE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25

    AS CONDIES DE SADE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25AS SITUAES DAS CONDIES DE SADE NO MUNDO E NO BRASIL . . . . . . . . . . . . . 28A SITUAO DAS CONDIES DE SADE E OS SISTEMAS DE ATENO SADE . . . . 45OS SISTEMAS DE ATENO SADE: OS SISTEMAS FRAGMENTADOS E AS REDES DE ATENO SADE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50

    CAPTULO 2 AS REDES DE ATENO SADE: REVISO BIBLIOGRFICA, FUNDAMENTOS, CONCEITO E ELEMENTOS CONSTITUTIVOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61

    REVISO BIBLIOGRFICA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61OS FUNDAMENTOS DAS REDES DE ATENO SADE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71O CONCEITO DE REDES DE ATENO SADE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 78OS ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DAS REDES DE ATENO SADE . . . . . . . . . . . . . . 85

    CAPTULO 3 OS MODELOS DE ATENO SADE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 209OS MODELOS DE ATENO S CONDIES AGUDAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 210OS MODELOS DE ATENO S CONDIES CRNICAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 218

    CAPTULO 4 AS MUDANAS NA ATENO SADE E A GESTO DA CLNICA . . . 293UMA NOVA CLNICA: AS MUDANAS NA ATENO SADE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 293A GESTO DA CLNICA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 348

  • CAPTULO 5 UMA EXPERINCIA BEM-SUCEDIDA DE REDE DE ATENO SADE NO SUS: O PROGRAMA ME CURITIBANA (PMC). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 439

    O PROGRAMA ME CURITIBANA NA PERSPECTIVA DAS REDES DE ATENO SADE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 440OS PROCESSOS DO PMC . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 455OS RESULTADOS DO PMC . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 467CONCLUSO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 470

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 473

  • LISTA DE FIGURAS, QUADROS, GRFICOS, TABELAS E BOXES

    FiguRASFigura 1: A lgica de desenho dos componentes das redes de ateno sade nos

    territrios sanitrios75

    Figura 2: A mudana dos sistemas piramidais e hierrquicos para as redes de ateno sade

    84

    Figura 3: A estrutura operacional das redes de ateno sade 86Figura 4: Os atributos e as funes da ateno primria sade nas redes de ateno

    sade97

    Figura 5: O modelo institucional do SUS 164Figura 6: Os dficits da ateno sade 184Figura 7: O ciclo da contratao em sade 190Figura 8: As diferenas entre as redes de ateno s condies agudas e crnicas 214Figura 9: O modelo de ateno crnica (CCM) (*) 221Figura 10: O modelo dos cuidados inovadores para condies crnicas 232Figura 11: O modelo da pirmide de risco da kaiser permanente 238Figura 12: Modelo de Ateno s Condies Crnicas (MACC) 246Figura 13: O modelo de determinao social de Dahlgren e Whitehead 248Figura 14: A ateno sade segundo o modelo de ateno crnica (CCM) 294Figura 15: Tempo do cuidado profissional na vida de um portador de condio crnica 338Figura 16: As tecnologias de gesto da clnica 369Figura 17: A gesto da condio de sade 387Figura 18: O ciclo da auditoria clnica 414Figura 19: O modelo de melhoria 423

    QuADROSQuadro 1: As diferenas entre as condies agudas e crnicas 28Quadro 2: As caractersticas diferenciais dos sistemas fragmentados e das redes de

    ateno sade56

    Quadro 3: O sentido das mudanas na implementao da reforma da ateno primria sade

    95

    Quadro 4: As diferenas entre os centros de especialidades mdicas e os pontos de ateno secundria de uma rede

    103

    Quadro 5: Diferenas entre os pronturios clnicos com e sem informatizao 141Quadro 6: Sistema Manchester de classificao de risco 212Quadro 7: Os estgios de mudana e os modos de motivar as mudanas 265Quadro 8: Principais caractersticas diferenciadoras da pessoa-paciente e da pessoa-

    agente na ateno s condies crnicas297

    Quadro 9: Distribuio da funo e suas tarefas pela equipe de sade 316Quadro 10: Base territorial, nveis de ateno e pontos de ateno sade do Programa

    Me Curitibana441

  • gRFicOSGrfico 1: Pirmides etrias da populao brasileira, anos 2005 e 2030. 32Grfico 2: Populao total, segundo grandes grupos etrios, Brasil, 1940 a 2050 33Grfico 3: Proporo de pessoas que referiram ser portadoras de doena crnica por

    idade. Brasil, 1998 e 200334

    Grfico 4: Evoluo da mortalidade proporcional, segundo causas, Brasil, 1930 a 2003. 35Grfico 5: Taxas de mortalidade ajustadas por idade por cem mil habitantes por doen-

    as crnicas, em pessoas de 30 anos ou mais, em pases selecionados, 200540

    Grfico 6: Taxas de mortalidade padronizadas por idades por cem mil habitantes por doenas cardiovasculares em homens de 30 anos ou mais, em pases sele-cionados, 1950/2002

    41

    Grfico 7: Perdas de renda em porcentuais do PIB por doenas cardiovasculares e diabetes, em pases selecionados, 2005/2015.

    43

    Grfico 8: A lgica da ateno s condies agudas 48Grfico 9: Os anos potenciais de vida perdidos (APVP) em relao qualidade da aten-

    o primria sade em 18 pases da OECD, perodo 1970 a 200091

    Grfico 10: Eficincia total, de escala e interna dos hospitais do SUS em Minas Gerais, 2006

    109

    TAbElASTabela 1: Mortalidade proporcional por categoria de causas de bitos, com redis-

    tribuio das causas externas, Brasil, 2002 a 200436

    Tabela 2: Mortalidade proporcional por doenas crnicas com redistribuio das causas mal definidas, por regio, Brasil, 2004

    36

    Tabela 3: As principais causas de internaes no SUS em valores porcentuais, Brasil, 2005.

    37

    Tabela 4: Carga de doenas em anos de vida perdidos ajustados por incapacidade (AVAIs), Brasil, 1998

    38

    Tabela 5: As dez principais causas de anos de vida perdidos ajustados por incapaci-dade (AVAIs), Brasil, 1998.

    38

    Tabela 6: Porcentual de adultos com fatores de risco em capitais dos estados brasilei-ros e Distrito Federal, VIGITEL, 2007

    39

    Tabela 7: Anos de vida perdidos ajustados por incapacidade (AVAIs), taxas por mil habitantes, Brasil e Grupo Amrica A

    42

    Tabela 8: Estimativa de gastos hospitalares e ambulatoriais do SUS com doenas crnicas, 2002

    42

    Tabela 9: Dez principais fatores de risco para mortalidade atribuvel nos pases do Grupo B da Amrica Latina e Caribe

    268

    Tabela 10: Evoluo da participao relativa (%) de grupos de alimentos no total de calorias determinado pela aquisio alimentar domiciliar

    276

    Tabela 11: Porcentual de gestantes inscritas no PMC antes do 4 ms de gestao, perodo de 2001 a 2008

    458

    Tabela 12: Consultas pr-natais ofertadas a gestantes de baixo risco pelo PMC, perodo de 2003 a 2008

    459

  • bOxESBoxe 1: O controle da hipertenso arterial sistmica no SUS 53Boxe 2: O Programa de Fortalecimento e Melhoria da Qualidade dos Hospitais do

    SUS em Minas Gerais, PRO-HOSP111

    Boxe 3: A matriz de pontos de ateno sade da Rede Viva Vida 114Boxe 4: O sistema de patologia clnica em Curitiba 119Boxe 5: Checklist sobre o uso das informaes nas organizaes 132Boxe 6: O Sistema Estadual de Transporte em Sade de Minas Gerais (SETS) 154Boxe 7: A carteira de servios sanitrios da Espanha 183Boxe 8: A acreditao de RASs pela Joint Commision on Accreditation of Healthcare

    Organizations199

    Boxe 9: As redes de ateno s urgncias e s emergncias em Minas Gerais 216Boxe 10: O modelo de ateno crnica (CCM) no Health Disparities Collaboratives 225Boxe 11: O sistema integrado de sade da Kaiser Permanente (KP) 240Boxe 12: O Projeto Travessia 261Boxe 13: Monitoramento dos comportamento e estilos de vida nos Estado Unidos 269Boxe 14: Direitos e deveres mais encontrados nas Cartas das Pessoas Usurias dos

    Sistemas de Ateno Sade301

    Boxe 15: Uma sesso de atendimento em grupo 332Boxe 16: O Programa Paciente Experto do Instituto Catalo de Sade, na Espanha 335Boxe 17: Curso para o autocuidado da artrite 341Boxe 18: Um exemplo de plano de autocuidado apoiado 345Boxe 19: Vivendo uma vida saudvel com condies crnicas: um manual de desen-

    volvimento do autocuidado apoiado347

    Boxe 20: As linhas-guia da Secretaria de Estado da Sade do Esprito Santo 375Boxe 21: O instrumento AGREE de avaliao das diretrizes clnicas 380Boxe 22: O Programa de Educao Permanente dos Mdicos de Famlia da Secretaria

    de Estado de Sade de Minas Gerais (PEP)396

    Tabela 13: Nmero de consultas puerperal e de puericultura para os recm-nascidos ofertadas pelo PMC, perodo 2001 a 2008

    460

    Tabela 14: Nmero absoluto e percentual de gravidez em mulheres de 10 a 19 anos, Curitiba, perodo de 1999 a 2008

    463

    Tabela 15: Razo de incidncia de gestantes matriculadas no PMC, perodo de 2000 a 2008

    464

    Tabela 16: Porcentual de partos cesreos em relao aos partos totais realizados pelo SUS em Curitiba, perodo de 1999 a 2007

    466

    Tabela 17: Cobertura vacinal de crianas menores de 1 ano de idade, por tipo de vacina. Curitiba, perodo 2002 a 2008

    467

    Tabela 18: Coeficiente de mortalidade infantil em menores de 1 ano por mil nascidos vivos, Curitiba, anos selecionados

    468

    Tabela 19: Razo de mortalidade materna por cem mil nascidos vivos em Curitiba, perodos de 1994 a 2009

    469

  • Boxe 23: A gesto da condio de sade na Secretaria Municipal de Sade de Cu-ritiba

    404

    Boxe 24: A seleo de pessoas idosas para a gesto de caso no Centro de Sade Castlefields, em Rucorn, Reino Unido

    407

    Boxe 25: A gesto de caso em UNIMEDs em Minas Gerais 411Boxe 26: Um exemplo de utilizao de um ciclo de PDCA no Centro de Sade Rocky

    Road425

  • Para meu pai, Joaquim Mendes Jnior, cujo fascinante tra-balho como diretor do Centro de Puericultura Odete Valadares, em Par de Minas, alimenta, de forma permanente, a minha vida profissional.

    Para Carlyle Guerra de Macedo, Jos Maria Paganini e Ro-berto Capote Mir, pelo apoio e pelos ensinamentos recebidos durante meu trabalho na Organizao Pan-Americana da Sa-de. Sem esses mestres, esse livro talvez no existisse.

  • AS REDES NA pOTicA DE JOO cAbRAl DE MElO NETO:

    TEcENDO A MANh

    Um galo sozinho no tece uma manh: ele precisar sempre de outros galos. De um que apanhe esse grito que ele e o lance a outro; de um outro galo que apanhe o grito de um galo antes e o lance a outro; e de outros galos que com muitos outros galos se cruzem os fios de sol de seus gritos de galo, para que a manh, desde uma teia tnue, se v tecendo, entre todos os galos.

    E se encorpando em tela, entre todos, se erguendo tenda, onde entrem todos, se entretendendo para todos, no toldo (a manh) que plana livre de armao. A manh, toldo de um tecido to areo que, tecido, se eleva por si: luz balo.

  • 11

    ApRESENTAO DA pRiMEiRA EDiO

    Marcus PestanaEx-Secretrio de Estado de Sade de Minas Gerais, Economista e Deputado Federal

    Toda grande transformao social parte necessariamente de um corpo de ideias que desafia as bases que sustentam uma determinada realidade que obstaculiza avanos e d sinais de esgotamento. Toda mudana profunda da realidade implica a construo de consensos e convergncias que conquistem coraes e mentes, mobilizando as foras polticas e sociais necessrias sustentao do processo de transformao. A prtica, sem uma boa teoria, cega. A teoria, desvinculada da ao transformadora, estril. A boa teoria quando se transforma em fora social ganha a capacidade de revolucionar a vida. A prtica militante, munida de uma boa teoria, ganha profundidade e dimenso estratgica.

    A luta pela construo de um sistema pblico de sade no Brasil de acesso universal, com cobertura integral e qualidade, faz parte dos sonhos e conquistas de uma gerao que acalentou os valores da equidade e da democracia. O SUS a expresso, no campo da sade, da aspirao de um pas justo e do compromisso com a cidadania.

    Essa profunda transformao introduzida no sistema pblico de sade tem sua histria e seus atores. Todo grande conjunto de ideias transformadoras, antes de se converter em patrimnio coletivo e de diluir as digitais que impregnaram seu nasci-mento, surge a partir da reflexo crtica de uns poucos intelectuais orgnicos que organizam o pensamento, aprofundam o diagnstico e o conhecimento sobre limites e potencialidades presentes na realidade, erguem estratgias, propem desafios, lanam as bases do processo transformador.

    Na reforma sanitria brasileira no foi diferente. O amplo movimento social, poltico e comunitrio que acompanha a histria do SUS, foi permanentemente alimentado pelo trabalho militante e qualificado de um conjunto de intelectuais sanitaristas. Um dos pilares inequvocos do sucesso relativo do SUS at aqui a solidez de seu marco terico e conceitual.

    Nesse cenrio, alguns grandes formuladores e intelectuais se destacam. Eugnio Vilaa Mendes um deles. Eugnio concentra uma rara combinao de qualidades.

  • Rigor e qualidade intelectual, inquietao existencial, esprito pblico, experincia acumulada, criatividade, integridade pessoal, aguado senso crtico, compromisso social, esprito militante, capacidade de trabalho so algumas das caractersticas que fazem dele um dos mais importantes pensadores da sade pblica brasileira e um de seus autores mais lidos.

    Toda a trajetria que percorre, da OMS a dezenas de municpios brasileiros, do Banco Mundial ao Cear e Minas Gerais, da OPAS permanente interlocuo com o Ministrio da Sade, marcada pelo compromisso permanente de transformar as polticas pblicas de sade em ferramentas de melhoria da qualidade de vida das pessoas, sobretudo aquelas mais pobres.

    Com seu extremo rigor analtico e sua vigorosa capacidade crtica, no con-temporiza diante de abstraes sem base em evidncias, retricas inconsistentes, simplismos tericos, ufanismos tolos ou atalhos equivocados. Chama permanente-mente a ateno para que no durmamos sobre os louros de nossas provisrias e incompletas vitrias no SUS e prossigamos no trabalho de transformao permanente que a ruptura de paradigma introduzida em 1988 nos impe.

    Em As Redes de Ateno Sade, mais uma vez, Eugnio Vilaa Mendes presta inestimvel colaborao no sentido de encararmos com coragem a nossa utopia inacabada. Prope uma vasta e profunda reflexo sobre a necessidade de superarmos a fragmentao do sistema, de nos organizarmos corretamente diante da presena hegemnica das condies crnicas, de definitivamente priorizarmos a qualificao da ateno primria sade como base e centro organizador das redes de ateno integral sade.

    Com mais esse livro, Eugnio renova seu compromisso com uma sade pblica de qualidade e reafirma o seu papel central como intelectual sanitarista militante. No certamente teoria estril. Em cada pgina as palavras e letras parecem saltar do papel para interpelar a realidade e seus atores no sentido da transformao social permanente e necessria.

    Que todos ns, como os galos de Joo Cabral de Melo Neto, multipliquemos as sementes aqui lanadas por Eugnio Vilaa Mendes, tecendo as novas manhs de nosso sistema pblico de sade.

  • 13

    ApRESENTAO DA SEguNDA EDiO

    Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina (cora coralina)

    O Brasil um dos grandes pases que surgem como lderes mundiais neste novo sculo. No obstante o progresso econmico e a reduo da pobreza, hoje observa-dos por todos, podemos dizer tambm, com orgulho, que tal conquista traz em sua bagagem a defesa de um sistema de sade universal, integral, pblico e gratuito. Num contexto mundial, em que a mercantilizao da sade foi difundida como preceito de ajuste econmico, o Brasil manteve-se fiel ao que tambm preconiza a Organizao Pan-Americana da Sade, defendendo o Estado como responsvel pela garantia do acesso universal sade para seus cidados.

    O Sistema nico de Sade uma concepo vitoriosa, cuja implantao nas duas dcadas passadas exigiu srio compromisso dos gestores, trabalhadores e usurios do SUS. O progresso notvel at aqui alcanado, todavia, permanece a nos lembrar do que ainda temos por fazer. Um desses grandes desafios so as redes integrais de ateno em sade com base na Ateno Primria (APS). Ao mesmo tempo, preci-samos qualificar a ateno primria para o exerccio do atributo de coordenao do cuidado e tambm organizar pontos de ateno especializada integrados, interco-municantes, capazes de assegurar que a linha de cuidado integral seja plenamente articulada com a APS e fornea aos usurios do SUS uma resposta adequada. Tudo isso planejado a partir de um correto diagnstico de necessidades em sade que considere a diversidade e extenso do territrio brasileiro.

    A segunda edio desta obra consegue abordar com brilhantismo as questes anteriormente citadas. Seu contedo coeso, baseado na melhor evidncia dispo-nvel nessa rea de conhecimento, e traz inestimvel contribuio ao novo processo de regionalizao solidria que ora se inicia. O SUS, como sistema dinmico, precisa incorporar novos processos organizativos que permitam sua modelagem s transies epidemiolgicas, demogrficas, econmicas e sociais que permeiam a populao brasileira.

    Finalmente, ressaltamos a capacidade e intelecto do autor desta obra, Eugnio Vilaa Mendes, uma das maiores referncias cientficas atuais no Brasil para o tema de redes e APS. Sentimo-nos honrados em verificar o valor da contribuio desse

  • Organizao Pan-Americana da Sade / Organizao Mundial da Sade

    14

    egresso da OPAS, no somente para a construo do SUS, mas tambm para o or-denamento de diversos outros sistemas de sade da regio das Amricas.

    A OPAS/OMS Representao Brasil sente-se honrada em apresentar esta obra e convida todos a desfrutar do conhecimento e informaes aqui contidos.

    Diego VictoriaRepresentante da OPAS/OMS no Brasil

  • 15

    liSTA DE AcRNiMOS E SiglAS

    Acic: Assessment of Chronic Illness CareAciSpES: Consrcio Intermunicipal de Sade P da SerraAcS: Agente Comunitrio de SadeAgREE: Appraisal of Guideline Research and EvaluationAih: Autorizaes de Internao HospitalarANViSA: Agncia Nacional de Vigilncia SanitriaApAc: Autorizao de Procedimentos de Alta ComplexidadeApS: Ateno Primria SadeApVp: Anos Potenciais de Vida PerdidosAVAi: Anos de vida perdidos ajustados por incapacidadebpA: Boletim de Produo AmbulatorialbSc: Balanced Score CardccM: Modelo de Ateno Crnica (Chronic care model)cES: Centro de Educao em Sadecib: Comisso Intergestores Bipartitecicc: O modelo dos Cuidados Inovadores para Condies CrnicascMuM: Centro Mdico de Urgncia MunicipalcONASEMS: Conselho Nacional de Secretarias Municipais de SadecONASS: Conselho Nacional de Secretrios de SadecNES: Cadastro Nacional de Estabelecimentos de SadecQS: Carto Qualidade SUSDATASuS: Departamento de Informtica do SUSDEA: Anlise Envoltria de DadosDN: Declarao de Nascidos VivosDO: Declarao de bitosDRg: Diagnostic-Related Groups ou Grupos Relacionados por DiagnsticohMO: Organizaes de Manuteno da SadeiDQ: Programa de Desenvolvimento de Qualidade dos ServiosiNAMpS: Instituto Nacional de Assistncia Mdica da Previdncia SocialKp: Kaiser PermanenteMbE: Medicina Baseada em EvidnciaMAcc: Modelo de Ateno s Condies CrnicasNhS: Servio Nacional de Sade do Reino UnidoNOAS: Norma Operacional da Assistncia 0NOb: Norma Operacional BsicaOcDE: Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico

  • Organizao Pan-Americana da Sade / Organizao Mundial da Sade

    16

    ONA: Agncia Nacional de AcreditaopAcE: The Program of All-Inclusive Care for the ElderlypAcic: The Patient Assessment of Chronic Illness CarepAM: Posto de Atendimento MdicopDi: Plano Diretor de InvestimentospDR: Plano Diretor de RegionalizaopEp: Programa de Educao Permanente de Mdicos de Famliapib: Produto Interno BrutopMc: Programa Me CuritibanapMDi: Plano Mineiro de Desenvolvimento IntegradopNAD: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicliosppi: Programao Pactuada e IntegradapRO-hOSp: Programa de Fortalecimento e Melhoria da Qualidade dos Hospitais do SUS em Minas GeraispSF: Programa de Sade da FamliaRAS: Rede de Ateno SadeREDE u&E: Rede de ateno s urgncias e s emergnciasRENAME: Relao Nacional de MedicamentosRipSA: Rede Interagencial de Informaes para a SadeSAMu: Servio de Atendimento Mvel de UrgnciaSESMg: Secretaria de Estado de Sade de Minas GeraisSESp: Servios Especiais de Sade PblicaSETS: Sistema Estadual de Transporte em SadeSiAb: Sistema de Informao de Ateno BsicaSiA SuS: Sistema de Informaes Ambulatoriais do SUSSih SuS: Sistema de Informaes Hospitalares do SUSSiM: Sistema de Informaes de MortalidadeSiNAN: Sistema de Informaes de Agravos de NotificaoSiOpS: Sistema de Informaes sobre Oramentos Pblicos em SadeSuS: Sistema nico de SadeuApS: Unidade de Ateno Primria SadeuTi: Unidade de Terapia Intensiva

  • 17

    iNTRODuO

    As reformas do setor sade empreendidas nos anos 90, como expresso temtica das reformas econmicas liberais com origem no Consenso de Washington, fracas-saram. A razo do insucesso est em que essas reformas se fixaram em ideias-fora como privatizao, separao de funes, novos arranjos organizativos e introdu-o de mecanismos de competio que no foram capazes de gerar valor para os cidados comuns que utilizam os sistemas de ateno sade. Em razo disso, h quem fale de uma terceira gerao de reformas sanitrias que se centrar na busca da equidade, na integrao dos sistemas de ateno sade, na valorizao da APS, na introduo da avaliao tecnolgica em sade e da medicina baseada em evidncia e no empoderamento dos cidados (HAM, 1997).

    As reformas sanitrias continuam necessrias, mas uma nova agenda dever impor-se e ter como principais objetivos gerar valor para as pessoas usurias dos sistemas de ateno sade e diminuir as iniquidades. Para isso, as mudanas devero fazer-se por meio de alguns grandes movimentos: da deciso baseada em opinio para a deciso baseada em evidncia; dos sistemas fragmentados, voltados para a ateno s condies e aos eventos agudos, para as redes de ateno sade, vol-tadas para ateno s condies agudas e crnicas; da gesto dos meios, recursos humanos, materiais e financeiros, para a gesto dos fins, a gesto da clnica; de uma viso estreita de intervenes sobre condies de sade estabelecidas, atravs de aes curativas e reabilitadoras, para uma concepo integral de sistemas de ateno sade que atue harmonicamente sobre os determinantes sociais da sade e sobre as condies de sade estabelecidas; e do financiamento baseado no volume de recursos para o financiamento baseado na gerao de valor para as pessoas.

    Esse livro procura examinar alguns desses movimentos, verificar como tm se dado internacionalmente e como poderiam ser implantados no SUS. Portanto, o foco do trabalho est no sistema pblico de ateno sade brasileiro.

    O SUS uma proposta generosa de uma poltica pblica que se construiu e se institucionalizou a partir de um amplo debate na sociedade brasileira, estimulado pelo movimento sanitrio e acolhido na Constituio Federal de 1988. um experi-mento social que est dando certo e seus avanos so inquestionveis, mas enfrenta enormes desafios e tem de super-los.

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    Contudo, nos ltimos anos, a sua agenda tem sido constrangida e empobrecida por uma fixao desproporcional na questo do volume de financiamento. certo que o SUS opera com um significativo subfinanciamento e que necessita de mais recursos financeiros, porm como se constata crescentemente, em pases desen-volvidos e em desenvolvimento, o simples incremento dos recursos financeiros, isoladamente, no contribui para a resoluo da crise contempornea dos sistemas de ateno sade. Recursos adicionais para fazer mais do mesmo significa jogar dinheiro fora. Como afirma o professor indiano Ramalingaswani: necessrio mais dinheiro para a sade, mas preciso, sobretudo, mais sade para cada unidade de dinheiro investida (FRENK, 2006).

    O imprescindvel incremento dos recursos pblicos para a sade no Brasil, para produzir impacto sanitrio, tem de vir junto com reformas profundas no SUS.

    Os sistemas de ateno sade so respostas sociais deliberadas s necessidades de sade dos cidados e, como tal, devem operar em total coerncia com a situa-o de sade das pessoas usurias. Ocorre que a situao de sade brasileira vem mudando e, hoje, marca-se por uma transio demogrfica acelerada e expressa-se por uma situao de tripla carga de doenas: uma agenda no superada de doenas infecciosas e carenciais, uma carga importante de causas externas e uma presena hegemnica forte de condies crnicas. Essa situao de sade no poder ser respondida, adequadamente, por um sistema de ateno sade totalmente frag-mentado, reativo, episdico e voltado, prioritariamente, para o enfrentamento das condies agudas e das agudizaes das condies crnicas. Isso no deu certo em outros pases, isso no est dando certo aqui. Por isso, h que se restabelecer a co-erncia entre a situao de sade e o SUS, o que envolver a implantao das redes de ateno sade (RASs), uma nova forma de organizar o sistema de ateno sade em sistemas integrados que permitam responder, com efetividade, eficincia, segurana, qualidade e equidade, s condies de sade da populao brasileira.

    A implantao das RASs convoca mudanas radicais no modelo de ateno sade praticado no SUS e aponta para a necessidade da implantao de novos modelos de ateno s condies agudas e crnicas, alguns experenciados com sucesso, em outros pases e que devem e podem ser adaptados realidade de nosso sistema pblico.

    O necessrio incremento dos recursos financeiros para o SUS deve vir junto com mudanas que permitam alinhar os incentivos econmicos com os objetivos sanitrios. Aqui e alhures, o sistema de pagamento, fortemente centrado no pa-gamento por procedimentos, sinaliza para os prestadores de servios que ofertem mais servios e servios mais caros para maximizar seus ganhos. Esse sistema de

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    incentivos perverso porque estimula os prestadores a oferecerem, no o cuidado necessrio, mas o mximo de cuidado possvel, ao tempo em que os desincentivam a ofertarem intervenes voltadas para a promoo e a manuteno da sade. Ou seja, fortalece um sistema de doena em detrimento de um sistema de sade. Esse desalinhamento entre os objetivos do sistema de ateno sade e os seus mecanis-mos de financiamentro explica o fato de que uma grande parte dos procedimentos de sade ofertados sejam desnecessrios do ponto de vista sanitrio (nos Estados Unidos esse valor varia entre 30% a 50%). Por isso, o sistema de pagamento por procedimentos tem sido considerado o querosene que se joga para apagar o incndio dos custos da sade (CHRISTENSEN et al, 2009). Uma necessria regulamentao da Emenda 29 que insuficiente para garantir uma ateno pblica universal e de qualidade sem o alinhamento dos incentivos econmicos por meio da superao do sistema de pagamento por procedimentos e sem a alterao dos modelos de ateno sade praticados no SUS, far com que esses recursos adicionais sejam apropriados, rapidamente, por prestadores de servios mais bem posicionados na arena poltica da sade sem que gerem, necessariamente, valor para os cidados.

    Esse livro pretende, modestamente, contribuir para a ampliao do debate sobre o SUS, colocando essas questes centrais que se articulam em torno de uma proposta moderna de implantao das RASs. Para isso, ele se estrutura em cinco captulos.

    O Captulo 1 parte da considerao dos sistemas de ateno sade como res-postas sociais, deliberadamente institudas, para responder s necessidades de sade das populaes. Por isso, foca-se, inicialmente, na anlise das situaes de sade no mundo e no Brasil, partindo de um referencial terico que foge da concepo convencional de doenas transmissveis e de doenas e agravos no transmissveis, para um novo enfoque que tipifica as condies de sade, mais que doenas,em condies agudas e crnicas. A razo dessa nova tipologia est em que ela mais apropriada para a organizao dos sistemas de ateno sade. Constata-se, nesse captulo, que as situaes de sade, aqui e alhures, so caracterizadas pela presena hegemnica de condies crnicas. Nos pases em desenvolvimento, as condies crnicas convivem com causas externas e com doenas infecciosas, compondo um mosaico epidemiolgico que tem sido denominado de dupla ou tripla carga de do-enas. Isso se d num ambiente de transio demogrfica acelerada, o que aponta para um incremento prospectivo das condies crnicas. O descompasso entre uma situao de sade de domnio relativo das condies crnicas com sistemas de ateno sade estruturados, prioritariamente, para responder s condies agudas e aos momentos de agudizao das condies crnicas de forma fragmentada, episdica e reativa, diagnosticado como o principal problema contemporneo dos sistemas de ateno sade, em todo o mundo e, tambm, no Brasil. Alm disso, esses sistemas de ateno sade voltados para as condies e os eventos agudos (des)organizam-

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    -se sob a forma de sistemas fragmentados em que no h articulaes orgnicas e sistmicas entre os nveis de ateno primria, secundria e teciria sade, nem com os sistemas de apoio e os sistemas logsticos. Esses sistemas fragmentados so reativos, no so capazes de ofertar uma ateno contnua, longitudinal e integral e funcionam com ineficincia, inefetividade e baixa qualidade. Eles devem ser subs-titudos pelas RASs, sistemas integrados, que se propem a prestar uma ateno sade no lugar certo, no tempo certo, com qualidade certa, com o custo certo e com responsabilizao sanitria e econmica por uma populao adscrita. Esse captulo fixa-se na anlise dos problemas de sade que solicitam a resposta social das RASs e procura delinear, em contraposio aos sistemas fragmentados, a estrutura interna desses sistemas integrados.

    O Captulo 2 detalha a proposta das RASs. Faz uma reviso bibliogrfica sobre as redes em diferentes reas geogrficas: Europa, Estados Unidos, Canad, Amrica Latina e Brasil. Busca extrair as evidncias sobre os resultados econmicos e sanitrios da implantao das RASs e discute sua viabilidade em pases em desenvolvimento e no Brasil. Considera os fundamentos da construo social das RASs: economia de es-cala, disponibilidade de recursos, qualidade e acesso; integrao horizontal e vertical; processo de substituio; territrios sanitrios; e nveis de ateno sade. A partir da definio das RASs, ancorada nas concepes de redes sociais e de sistemas integrados de ateno sade, estabelece os elementos constitutivos desses sistemas: a popula-o, a estrutura operacional e os modelos de ateno sade. O primeiro elemento, a populao, visto como elemento essencial e a razo de ser das RASs e, por essa razo, discute-se a ateno sade baseada na populao. O segundo elemento a estrutura operacional que se compe de cinco componentes: a ateno primria sade: o centro de comunicao das redes, os pontos de ateno secundria e terciria sade, com destaque para os novos papis a serem desempenhados pelos ambula-trios secundrios e pelos hospitais, na perspectiva das redes; os sistemas de apoio: o sistema de apoio diagnstico e teraputico, o sistema de assistncia farmacutica e os sistemas de informao em sade; os sistemas logsticos: o carto de identificao das pessoas usurias, o pronturio clnico, os sistemas de acesso regulado ateno sade; o sistema de transporte em sade; e o sistema de governana das redes, discutido em termos de sua institucionalidade, de seus sistemas gerenciais e de seu sistema de financiamento. Esse captulo comea a delinear a soluo para o grande problema do SUS que sua forma de prestar ateno sade de forma fragmentada, episdica, reativa e focada nas condies e eventos agudos.

    O Captulo 3 desenvolve o terceiro elemento constitutivo das RASs que so os modelos de ateno sade. Trata dos modelos de ateno s condies agudas e s condies crnicas. Por sua complexidade, aprofunda a discusso sobre os mode-los de ateno s condies crnicas, a partir de um modelo seminal, o modelo de

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    ateno crnica, desenvolvido nos Estados Unidos, que apresenta evidncias robustas de resultados econmicos e sanitrios favorveis quando aplicado em pases desen-volvidos e em desenvolvimento. Prope, com base no modelo de ateno crnica, um modelo de ateno s condies crnicas para ser utilizado no SUS, articulado com o modelo de determinao social da sade de Dahlgren e Whitehead, e que engloba cinco nveis de intervenes: o primeiro nvel, as intervenes de promoo sobre os determinantes distais e intermedirios da sade, em relao com a populao total adscrita rede; o segundo nvel, as intervenes de preveno das condies de sade sobre os determinantes proximais de comportamento e estilos de vida, relativos a subpopulaes em situao de riscos ligados aos comportamentos e aos estilos de vida; e os terceiro, quarto e quinto nveis, as intervenes de gesto da clnica sobre subpopulaes com condies de sade estabelecidas, estratificadas por riscos. Esse captulo detalha os nveis 1 e 2 do modelo de ateno s condies crnicas ligados promoo da sade e preveno das condies de sade.

    O Captulo 4 considera as respostas s condies crnicas nos nveis 3, 4 e 5 do modelo de ateno s condies crnicas. Para isso, adentra o espao da clnica e prope mudanas profundas na ateno sade que instauram uma nova clnica compatvel com o manejo das condies crnicas. Alm de propor uma nova clnica, detalha uma nova forma de gesto dos sistemas de ateno sade, a gesto da clnica. A gesto da clnica representa um movimento de mudana da gesto con-vencional de meios (recursos humanos, materiais e financeiros) para a microgesto dos fins, a gesto da intimidade do encontro clnico. Considera os fundamentos dos sistemas de ateno sade que convocam, de forma definitiva, a gesto da clnica. Mostra as suas origens na ateno gerenciada norte-americana e na governana clnica do Reino Unido. Define o que gesto da clnica e aponta suas tecnologias principais. As diretrizes clnicas constituem a tecnologia-me da qual derivam quatro outras ferramentas de gesto da clnica: a gesto da condio de sade, a gesto de caso, a auditoria clnica e as listas de espera. Essas cinco tecnologias so desen-volvidas em termos de conceito, importncia, indicaes, processo de implantao e evidncias sobre suas aplicaes. Nesse captulo fixam-se nveis 3, 4 e 5 do modelo de ateno s condies crnicas que implica a utilizao da gesto da condio de sade nos nveis 3 e 4 e da gesto de caso no nvel 5. Aborda-se, no captulo, uma metodologia de implantao do modelo de ateno s condies crnicas por meio de intervenes de aprendizagem colaborativa entre diferentes projetos. Os participantes de um projeto colaborativo de implantao do modelo de ateno s condies crnicas operam com um modelo de melhoria semelhana dos progra-mas de qualidade. apresentado um sistema de avaliao das RASs que permite monitorar e avaliar a situao dessas redes desde um sistema fragmentado at uma rede integrada.

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    O Captulo 5 contm um relato detalhado do caso do Programa Me Curitibana que significa, provavelmente, a mais bem-sucedida e sustentvel experincia de RAS construda no SUS. Uma das razes para esse sucesso deve-se sua concepo, desde o incio, como uma rede integrada de ateno materno-infantil.

    O livro est construdo na perspectiva de visitar as experincias e as evidncias de outros pases e de confront-las com a realidade do SUS. Para isso, utilizam-se casos relevantes, internacionais e nacionais, que se mostram em vrios boxes.

    Esse um livro-processo. Ele reflete o amadurecimento do autor e de suas ideias ao longo da ltima dcada. De um autor-ator que tem tido a feliz possibilidade de conhecer as experincias internacionais, especialmente por ter trabalhado 11 anos na Organizao Pan-Americana da Sade, e de observar, por dentro, as realidades do SUS, j que, como consultor em sade pblica, pode estar presente em quase todas Secretarias Estaduais de Sade e em mais de duas centenas de municpios brasileiros, do extremo norte ao extremo sul do pas.

    No trabalho de consultor, participei, como co-ator, de experincias prticas de cons-truo de inovaes no SUS. No fui somente um observador externo. Vi, intimamente, instituies de sade, pblicas e privadas, ambulatrios e hospitais, de diferentes tama-nhos e complexidades, nos diferentes brasis. Dialoguei em cursos, seminrios, oficinas e palestras com milhares de profissionais de sade, polticos, gestores, acadmicos, lideranas comunitrias e homens e mulheres comuns usurios do SUS. Acompanhei a discusso e a implantao de experimentos de RASs em diferentes partes do Pas.

    Na realidade, este livro se iniciou com o descobrimento das propostas que se fa-ziam, na segunda metade dos anos 90, em pases desenvolvidos, principalmente nos Estados Unidos e Canad, sobre os sistemas integrados de sade. Esses elementos conceituais e operacionais foram traduzidos numa proposta, muito incipiente, de mudana da gesto da ateno sade no SUS (MENDES, 1998).

    Essas reflexes tericas serviram de base para a concepo do projeto de sistema integrado de ateno sade na Microrregio do Alto Rio Grande, em Minas Gerais, que envolveu oito municpios daquela regio e que foi desenvolvido, a partir de 1998, pela Escola de Sade Pblica de Minas Gerais, com apoio tcnico e financeiro da Fundao W. K. Kellogg. As ideias ali plantadas constituram um dos insumos para a experincia pioneira de implementao do Sistema Microrregional de Sade da Microrregio de Baturit, conduzido pela Secretaria Estadual de Sade do Cear, em 1999, e que, certamente, influiu, de forma significativa, nas propostas posteriores de regionalizao do SUS. No plano municipal, as concepes dos sistemas integrados de sade foram testadas no Projeto Integrar, na Regio de So Pedro, em Vitria, Esprito Santo, em

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    2001, pela Secretaria Municipal de Sade daquela cidade. No ano seguinte, em 2002, a Secretaria Municipal de Sade de Curitiba implantou o Sistema Integrado de Servios de Sade naquele municpio, um experimento que encontrou um bom ambiente poltico e institucional para o desenvolvimento de RASs e que, numa avaliao externa do Banco Mundial, apresentou bons resultados para a populao daquele municpio. Por fim, nos ltimos anos, a Secretaria de Estado de Sade de Minas Gerais tem sido um laboratrio importante de implantao, em conjunto com os municpios do estado, das RASs.

    Todo esses movimentos que incluram elaboraes tericas e experimentaes concretas no SUS, em diferente partes do Pas, confluram para dar origem e con-solidar esse livro sobre as RASs.

    Essa a segunda edio do livro publicado pela Escola de Sade Pblica de Minas Gerais, em 2009, instituio a que sou muito agradecido pelo sucesso da primeira edio.

    Essa segunda edio surge graas ao interesse e ao estmulo de dois grandes amigos, Renato Tasca, Coordenador da Unidade Tcnica de Servios de Sade da Organizao Pan-Americana da Sade, Representao do Brasil, e Ricardo Scotti, Coordenador de Desenvolvimento Institucional do Conselho Nacional de Secretrios de Sade.

    Renato um italiano-brasileiro (ou brasileiro-italiano?), companheiro de muitas lutas pelo SUS, em diferentes partes do Pas. Mais uma vez estamos juntos, agora com as RASs, e sou muito grato, a ele, por me ter dado a oportunidade de editar esse livro pela OPAS/Brasil, instituio em que tive o privilgio de trabalhar e com a qual tenho um dbito enorme pelas possibilidades que me ofereceu de crescer como profissional da sade e de conhecer experincias de sistemas de ateno sade de vrios pases e dos muitos brasis. Essa segunda edio uma forma de agradecer OPAS por tanta generosidade comigo.

    Scotti um militante da sade pblica que se transformou numa das mais importantes lideranas nacionais em gesto estadual do SUS. Convivemos juntos desde que iniciou sua brilhante carreira de sanitarista, na dcada 70, na Secretaria de Estado de Sade de Minas Gerais, tendo partilhado, com ele, momentos importantes da construo e da consolidao do SUS, em nosso estado e no Brasil. Sou grato a esse prezado amigo pela oportunidade de ter essa segunda edio patrocinada, tambm, pelo CONASS.

    Agradeo Dra. Eliane Regina da Veiga Chomatas, Secretria Municipal de Sade de Curitiba, pela permisso para utilizar o estudo de caso do Programa Me Curiti-bana neste livro e, sobretudo, pelos ensinamentos que, ao longo dos anos, venho recebendo das autoridades e dos servidores daquela instituio e que me ajudaram muito a construir este trabalho.

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    cApTulO 1 AS SiTuAES DAS cONDiES DE SADE E OS SiSTEMAS DE ATENO SADE

    AS CONDIES DE SADE

    As condies de sade podem ser definidas como as circunstncias na sade das pessoas que se apresentam de forma mais ou menos persistente e que exigem respostas sociais reativas ou proativas, eventuais ou contnuas e fragmentadas ou integradas dos sistemas de ateno sade.

    A categoria condio de sade fundamental na ateno sade porque, con-forme assinalam Porter e Teisberg (2007), s se agrega valor para as pessoas nos sistemas de ateno sade quando se enfrenta uma condio de sade por meio de um ciclo completo de atendimento a ela.

    Tradicionalmente trabalha-se em sade com uma diviso entre doenas transmis-sveis e doenas crnicas no transmissveis. Essa tipologia largamente utilizada, em especial pela epidemiologia. verdade que essa tipologia tem sido muito til nos estudos epidemiolgicos, mas, por outro lado, ela no se presta para referenciar a organizao dos sistemas de ateno sade. A razo simples: do ponto de vista da resposta social aos problemas de sade o objeto dos sistemas de ateno sade certas doenas transmissveis, pelo longo perodo de seu curso natural, esto mais prximas da lgica de enfrentamento das doenas crnicas que das doenas transmissveis de curso rpido. Por isso, tem sido considerada uma nova categoriza-o, com base no conceito de condio de sade, desenvolvida, inicialmente, por tericos ligados aos modelos de ateno s condies crnicas (VON KORFF et al, 1997; HOLMAN E LORIG, 2000), e depois acolhida pela Organizao Mundial da Sade (2003): as condies agudas e as condies crnicas.

    Essa tipologia est orientada, principalmente, por algumas variveis-chave con-tidas no conceito de condio de sade: primeira, o tempo de durao da condio de sade, se breve ou longo; segunda, a forma de enfrentamento pelo sistema de ateno sade, se episdica, reativa e feita sobre a queixa principal, ou se contnua, proativa e realizada por meio de cuidados, mais ou menos permanentes, contidos num plano de cuidado elaborado conjuntamente pela equipe de sade e pelas pes-soas usurias; e por fim, o modo como se estrutura o sistema de ateno sade, se fragmentado ou integrado.

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    As condies agudas, em geral, apresentam um curso curto, inferior a trs meses de durao, e tendem a se autolimitar; ao contrrio, as condies crnicas tm um perodo de durao mais ou menos longo e nos casos de algumas doenas crnicas, tendem a apresentar-se de forma definitiva e permanente (VON KORFF et al., 1997; SINGH, 2008).

    As condies agudas, em geral, so manifestaes de doenas transmissveis de curso curto, como dengue e gripe, ou de doenas infecciosas, tambm de curso curto, como apendicite ou amigdalites, ou de causas externas, como os traumas. As doenas infecciosas de curso longo so consideradas condies crnicas.

    Os ciclos de evoluo das condies agudas e crnicas so muito diferentes.

    As condies agudas, em geral, iniciam-se repentinamente; apresentam uma causa simples e facilmente diagnosticada; so de curta durao; e respondem bem a tratamentos especficos, como os tratamentos medicamentosos ou as cirurgias. Existe, tanto para os mdicos quanto para as pessoas usurias, uma incerteza relativamente pequena. O ciclo tpico de uma condio aguda sentir-se mal por algum tempo, ser tratado e ficar melhor. A ateno s condies agudas depende dos conhecimentos e experincias profissionais, fundamentalmente dos mdicos, para diagnosticar e prescrever o tratamento correto. Tome-se, como exemplo de condio aguda, uma apendicite. Ela comea rapidamente, com queixas de nusea e dor no abdomen. O diagnstico, feito no exame mdico, leva a uma cirurgia para remoo do apndice. Segue-se um perodo de convalescena e, depois, a pessoa volta vida normal com a sade restabelecida. As condies crnicas, especialmente as doenas crnicas, so diferentes. Elas se iniciam e evoluem lentamente. Usualmente, apresentam mltiplas causas que variam no tempo, incluindo hereditariedade, estilos de vida, exposio a fatores ambientais e a fatores fisiolgicos. Em geral, faltam padres regulares ou previsveis para as condies crnicas. Ao contrrio das condies agudas que, em geral, pode-se esperar uma recuperao adequada, as condies crnicas levam a mais sintomas e perda de capacidade funcional. Cada sintoma pode levar a outros, num ciclo vicioso dos sintomas: condio crnica leva a tenso muscular que leva a dor que leva a estresse e ansiedade que leva a problemas emocionais que leva a depresso que leva a fadiga que leva a condio crnica (LORIG et al., 2006).

    Muitas condies agudas podem evoluir para condies crnicas. o caso de certos traumas que deixam sequelas de longa durao, determinando algum tipo de incapacidade que exigir cuidados, mais ou menos permanentes, do sistema de ateno sade. De outra forma, as condies crnicas podem apresentar perodos de agudizao e, nesses momentos tpicos de transformao em eventos agudos,

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    devem ser enfrentadas pelo sistema de ateno sade, na mesma lgica episdica e reativa das condies agudas.

    As condies crnicas vo, portanto, muito alm das doenas crnicas (diabetes, doena cardiovascular, cncer, doena respiratria crnica etc.), ao envolverem as doenas infecciosas persistentes (hansenase, tuberculose, HIV/aids, hepatites virais etc.), as condies ligadas maternidade e ao perodo perinatal (acompanhamento das gestantes e ateno ao parto, s purperas e aos recm-natos); as condies ligadas manuteno da sade por ciclos de vida (puericultura, hebicultura e mo-nitoramento da capacidade funcional dos idosos); os distrbios mentais de longo prazo; as deficincias fsicas e estruturais contnuas (amputaes, cegueiras, defici-ncias motoras persistentes etc.); as doenas metablicas; e a grande maioria das doenas bucais.

    Por fim, se, de um lado, as condies agudas manifestam-se inequivocamente por eventos agudos, percebidos subjetiva e/ou objetivamente, as condies crnicas podem apresentar, em determinados perodos, eventos agudos, decorrentes de sua agudizao, muitas vezes, causados pelo mal manejo dessas condies crnicas pelos sistemas de ateno sade. Portanto, os eventos agudos so diferentes de condies agudas e comum que ocorram, tambm, nas condies crnicas. As condies agudas manifestam-se, em geral, por eventos agudos; as condies crnicas podem se manifestar, em momentos discretos e de forma exuberante, sob a forma de eventos agudos.

    O quadro a seguir procura sintetizar as caractersticas que diferenciam as condies agudas e crnicas e a forma como so respondidas pelos sistemas de ateno sade.

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    Quadro 1: As diferenas entre as condies agudas e crnicas

    VARIVEL CONDIO AGUDA CONDIO CRNICA

    Incio Rpido Gradual

    Causa Usualmente nica Usualmente mltiplas

    Durao Curta Indefinida

    Diagnstico e prognstico Comumente acurados Usualmente incertos

    Testes diagnsticos Frequentemente decisivos Frequentemente de valor limitado

    Resultado Em geral, cura Em geral, cuidado sem cura

    Papel dos profissionais Selecionar e prescrever otratamento

    Educar e fazer parceria com as pessoas usurias

    Natureza das intervenes Centrada no cuidado profissional

    Centrada no cuidado multiprofissional e no autocuidado

    Conhecimento e ao clnica Concentrados no profissional mdico

    Compartilhados pelos profissionais e pessoas usurias

    Papel da pessoa usuria Seguir as prescries Co-responsabilizar-se por sua sade em parceria com a equipe de sade

    Sistema de ateno sade Resposta reativa e episdica Resposta proativa e contnua

    Fontes: Von Korff (1997); Holman e Lorig (2000); Organizao Mundial da Sade (2003); Lorig et al. (2006)

    AS SITUAES DAS CONDIES DE SADE NO MUNDO E NO BRASIL

    As situaes das condies de sade revelam uma importncia relativa crescente das condies crnicas no quadro epidemiolgico.

    Os principais fatores determinantes do aumento das condies crnicas so as mudanas demogrficas, as mudanas nos padres de consumo e nos estilos de vida, a urbanizao acelerada e as estratgias mercadolgicas.

    Em todo o mundo, as taxas de fecundidade diminuem, as populaes envelhecem e as expectativas de vida aumentam. Isso leva ao incremento das condies crnicas pelo aumento dos riscos de exposio aos problemas crnicos. O que muda em relao aos pases a velocidade com que esse processo desenvolvido. H que se ressaltar que h uma correlao direta entre os processos de transio demogrfi-

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    ca e epidemiolgica (CHAIMOVICZ, 1997). A princpio, o declnio da mortalidade concentra-se seletivamente entre as doenas infecciosas e beneficia os grupos mais jovens que passam a conviver com fatores de risco associados s doenas crnicas e, medida que cresce a populao idosa, incrementando a expectativa de vida, as doenas crnicas tornam-se mais prevalentes.

    A modificao dos padres de consumo repercute nos comportamentos e nos estilos de vida. Padres de consumo e de comportamentos no saudveis vo se impondo e incrementando as condies crnicas. Dentre eles, destacam-se o taba-gismo, o consumo excessivo de bebidas alcolicas, o sexo inseguro, a inatividade fsica, o excesso de peso, a alimentao inadequada e o estresse social.

    Entre 1950 e 1985, a populao urbana dos pases desenvolvidos duplicou e dos pases em desenvolvimento quadruplicou. Esse fenmeno da urbanizao, de um lado, acelerou a transio demogrfica, mas, de outro, pressionou os servios de sade, especialmente por parte das populaes pobres que vivem nas periferias dos grandes centros urbanos. Por isso, menciona-se que as condies crnicas so doenas da urbanizao.

    Paralelamente ao processo de urbanizao, desenvolveram-se estratgias merca-dolgicas eficazes de produtos nocivos sade, especialmente aqueles provenientes das indstrias de cigarro, lcool e alimentos industrializados. As estratgias merca-dolgicas assentam-se nas privaes sociais e combinam privao social e exposio precoce aos produtos prejudiciais sade.

    Como resultado da ao concomitante desses fatores determinantes, as condies crnicas aumentam em ritmo acelerado.

    As doenas crnicas e os distrbios mentais representam 59% do total de bitos no mundo. Presume-se que esse percentual atingir 60% at o ano 2020 e as maiores incidncias sero de doenas cardacas, acidente vascular cerebral e cncer. At o ano 2020, as condies crnicas sero responsveis por 78% da carga global de doenas nos pases em desenvolvimento (ORGANIZAO MUNDIAL DA SADE, 2003).

    Em 2005, dos 58 milhes de bitos por todas as causas ocorridos no mundo, estima-se que 35 milhes (60,3%) ocorreram por doenas crnicas (25 milhes por doenas cardiovasculares e cncer), o dobro de mortes causadas por doenas infecciosas, incluindo HIV/aids, tuberculose e malria; desses, 80% aconteceram em pases de renda baixa ou mdia. Nos prximos dez anos, 388 milhes de pessoas morrero, no mundo, por doenas crnicas (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2005). Em 1995, havia 135 milhes de portadores de diabetes no mundo, 3/4 dos quais

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    localizados nos pases em desenvolvimento. As projees indicam que haver 300 milhes de portadores de diabetes no ano de 2025 (KING et al., 1998). Em relao aos distrbios mentais h, atualmente, mais de 400 milhes de pessoas portadoras dessas condies no mundo (ORGANIZAO MUNDIAL DA SADE, 2003).

    Nos Estados Unidos, a situao epidemiolgica fortemente marcada pelas con-dies crnicas: 133 milhes de americanos apresentam, pelo menos, uma doena crnica; as doenas crnicas so responsveis por 70% das mortes e representam um tero da carga da doena antes dos 65 anos de idade; os gastos com a ateno s doenas crnicas representam mais de 75% de um total de 2 trilhes de dlares anuais despendidos em sade; as doenas crnicas so responsveis por 1/3 dos anos potenciais de vida perdidos na populao de menos de 65 anos de idade; os custos diretos e indiretos do diabetes somam 174 bilhes de dlares anuais, os de artrites 128 bilhes de dlares anuais, os de doenas cardiovasculares 448 bilhes de dlares anuais e os custos diretos de cncer so de 89 bilhes de dlares anuais (HEALTH DISPARITIES COLLABORATIVES, 2004; INSTITUTE OF MEDICINE, 2008).

    No Reino Unido, seis em cada dez adultos apresentam uma doena crnica que exige cuidados de longa durao e que no pode ser curada. Essas pessoas, fre-quentemente, apresentam mais de uma doena crnica, o que torna a ateno mais complexa. Alm disso, 80% dos atendimentos na ateno primria sade so por doenas crnicas e 2/3 das internaes nos hospitais do Reino Unido so causadas por essas doenas (SINGH e HAM, 2006).

    Nos Estados Unidos, cada dia, so diagnosticadas 4.100 pessoas com diabetes e, em consequncia dessa doena, so feitas 230 amputaes, 120 pessoas apresentam falncia renal e 55 pessoas ficam cegas; situao semelhante pode ser observada na Europa (BENGOA, 2008). Nesse pas, estima-se que, em 2015, 73% dos homens e 68% das mulheres tero sobrepeso; que as mortes por doenas crnicas crescero 15%; que as mortes por diabetes aumentaro 44% (SPASOFF, 2011).

    As doenas crnicas determinam impactos fortes: apresentam grandes efeitos adversos na qualidade de vida dos indivduos, causam mortes prematuras e geram grandes efeitos econmicos negativos para as famlias, as comunidades e os pases.

    O custo econmico das condies crnicas enorme. Isso se d porque: as pessoas portadoras das doenas reduzem suas atividades de trabalho e perdem emprego; os prestadores de servios gastam cada vez mais com os custos crescentes dessas doenas; os gestores de sade sentem-se desconfortveis com os pobres resultados em relao ao manejo dessas condies; e a sociedade em geral apresenta enorme perda de produtividade e de qualidade de vida impostas por essas condies.

  • AS REDES DE ATENO SADE

    31

    H muitos estudos que dimensionam o custo econmico das condies crnicas em diferentes pases. Coeficientes de prevalncia de HIV/aids de 10 a 15%, que so bastante comuns atualmente, podem se traduzir numa reduo na taxa de crescimento do PIB per capita de at 1% ao ano; a tuberculose produz encargos econmicos equivalentes a US$ 12 bilhes por ano; os custos do tratamento da asma em Cingapura constituem 1,3% dos custos totais da sade nesse pas; a per-da de produtividade por doenas cardacas nos Estados Unidos est estimada em US$ 6,45 bilhes por ano; o custo do diabetes de, aproximadamente, US$ 2,2 bilhes por ano, na ndia; o custo anual estimado de HIV/aids chega a 1% do PIB na ndia; as despesas mdicas com hipertenso nos Estados Unidos foram, em 1998, de US$ 108,8 bilhes, o que representou 12,6% do gasto sanitrio do pas (OR-GANIZAO MUNDIAL DA SADE, 2003). No perodo de 2005 a 2015, as perdas econmicas da China, decorrentes de mortes prematuras causadas por doenas cardiovasculares e diabetes sero de, aproximadamente, 558 bilhes de dlares; na Rssia, devem atingir 300 bilhes de dlares (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2005).

    As relaes entre condies crnicas e pobreza esto bem estabelecidas e com-pem um crculo vicioso. De um lado, a pobreza favorece o aparecimento das doenas crnicas; de outro, as condies crnicas aprofundam a pobreza.

    Essa ameaa das doenas crnicas est aumentando. As mortes causadas por doenas transmissveis, por condies maternas e perinatais e por deficincias nutri-cionais, combinadas, devem diminuir 3% nos prximos 10 anos. Estima-se que, no mesmo perodo, os bitos devidos s doenas crnicas devem aumentar em 17%. Isso significa que da estimativa de 64 milhes de bitos, no mundo, em 2015, 41 milhes (64,0%) sero por alguma doena crnica (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2005).

    Por tudo isso, um importante epidemiologista afirma que as doenas crnicas constituem um problema considervel que tender a ser maior no futuro e que constituem a epidemia real (SPASOFF, 2011).

    A situao das condies de sade no Brasil no muito diferente, ainda que singular, conforme se pode analisar atravs das mudanas das situaes demogrfica e epidemiolgica.

    No Brasil, a transio demogrfica muito acelerada. Como se observa no Grfico 1, o efeito combinado de reduo dos nveis de fecundidade e de mortalidade resulta numa transformao da pirmide etria da populao. O formato triangular, com base alargada, do incio dos anos 2000, ir ceder lugar, em 2030, a uma pirmide com parte superior mais larga, tpica de sociedades envelhecidas.

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    Grfico 1: Pirmides etrias da populao brasileira, anos 2005 e 2030.

    Homens

    Populao2.000.000 2.000.0001.500.000 1.500.0001.000.000 1.000.000500.000 500.0000

    Mulheres

    BRASIL: Pirmide etria absolutaBrasil - 2005

    75

    70

    65

    60

    55

    50

    45

    40

    35

    30

    25

    20

    15

    10

    0

    Homens

    Populao2.000.000 2.000.0001.500.000 1.500.0001.000.000 1.000.000500.000 500.0000

    Mulheres

    BRASIL: Pirmide etria absolutaBrasil - 2030

    75

    70

    65

    60

    55

    50

    45

    40

    35

    30

    25

    20

    15

    10

    0

    Fonte: IBGE (2004)

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    33

    Tal como demonstra o Grfico 2, a populao brasileira, apesar de baixas taxas de fecundidade, vai continuar crescendo nas prximas dcadas, como resultado dos padres de fecundidade anteriores. Mas, como no Grfico 1, manifesta-se um enve-lhecimento da populao em decorrncia da queda da fecundidade e do aumento da expectativa de vida. O percentual de jovens de 0 a 14 anos que era de 42% em 1960 passou para 30% em 2000 e dever cair para 18% em 2050. Diversamente, o percentual de pessoas idosas maiores de 65 anos que era de 2,7% em 1960 passou para 5,4% em 2000 e dever alcanar 19% em 2050, superando o nmero de jovens.

    Grfico 2: Populao total, segundo grandes grupos etrios, Brasil, 1940 a 2050

    1940 1950 1960 1970 1980 1990 2000 2010 2020 2030 2040 2050I I I I I I I I I I I I

    0-14 15-64 65+ TotalGrupos Etrios

    Anos

    300.000.000

    250.000.000

    200.000.000

    150.000.000

    100.000.000

    50.000.000

    0

    Popu

    la

    o

    Fonte: Brito (2007)

    Uma populao em processo rpido de envelhecimento significa um crescente incremento relativo das condies crnicas e, especialmente, das doenas crnicas, porque elas afetam mais os segmentos de maior idade, conforme se v no Grfico 3.

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    Grfico 3: Proporo de pessoas que referiram ser portadoras de doena crnica por idade. Brasil, 1998 e 2003

    100

    90

    80

    70

    60

    50

    40

    30

    20

    10

    0Total 0 a 4

    anos

    1998IBGE DIS/CICT/FIOcruz

    31,629,9

    9,1 9,, 9,0 9,413,3

    11,2

    29,724,6

    52,5

    46,6

    69,364,5

    80,577,6

    2003

    5 a 13anos

    14 a 19anos

    20 a 39anos

    40 a 49anos

    50 a 64anos

    65 anosou mais

    Fonte: Travassos et al. (2005)

    Os dados do Grfico 3, provenientes da Pesquisa Nacional de Amostra por Do-miclios (PNAD/2003) mostram que, em 2003, 77,6% dos brasileiros de 65 ou mais anos de idade relataram ser portadores de doenas crnicas, sendo que um tero deles, de mais de uma doena crnica. Os resultados da PNAD 2008, mostraram que 71,9% das pessoas de 65 anos ou mais declararam ter, pelo menos, um dos 12 tipos de doenas crnicas selecionadas. Do total de pessoas, 31,3% reportaram doenas crnicas, o que significa 59,5 milhes de brasileiros. 5,9% da populao declarou ter trs ou mais doenas crnicas (IBGE, 2010).

    Pode-se presumir, portanto, que, no futuro, a transio demogrfica muito rpida poder determinar uma elevao progressiva da morbimortalidade por condies crnicas no Brasil, tanto em termos absolutos, como relativos.

    A situao epidemiolgica brasileira pode ser analisada por vrias vertentes: a mortalidade, a morbidade, os fatores de risco e a carga das doenas.

    A transio epidemiolgica singular do pas, observada pelo lado da mortalidade, como se v no Grfico 4, indica que, em 1930, as doenas infecciosas respondiam por 46% das mortes e que esse valor decresceu para um valor prximo a 5% em 2000; ao mesmo tempo, as doenas cardiovasculares que representavam em torno de 12% das mortes em 1930, responderam, em 2000, por quase 30% de todos os bitos.

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    Grfico 4: Evoluo da mortalidade proporcional, segundo causas, Brasil, 1930 a 2003.

    1930 1940 1950 1960 1970 1980 1985 1990 1995I I I I I I I I I

    CVD Infecces Cncer Acidentes

    Anos

    50

    45

    40

    35

    30

    25

    20

    15

    10

    5

    0

    Mor

    talid

    ade

    por 1

    00.0

    00 h

    abita

    ntes

    * At 1970 dados s de capitaisFonte: Barbosa Silva et alii

    Fonte: Silva et al. (2006)

    A Tabela 1 evidencia que a mortalidade proporcional, em 2004, foi determinada em 13,1% pelas doenas infecciosas e maternas, perinatais e nutricionais; em 12,6% por causas externas; e em 74,3% por doenas no transmissveis. Isso significa que se somando as causas maternas e perinatais (3,2%) e as doenas no transmissveis, 77,5% das mortes foram por condies crnicas.

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    Tabela 1: Mortalidade proporcional por categoria de causas de bitos, com redistribuio das causas externas, Brasil, 2002 a 2004

    CAUSAS 2002 2003 2004 TOTAL

    Infecciosas, maternas, perinatais e nutricionais

    129.795(13,2%)

    131.774(13,2%)

    132.000(12,9%)

    393.569(13,1%)

    No transmissveis 725.628(73,9%)

    743.902(74,2%)

    764.603(74,7%)

    2.234.133(74,3%)

    Externas 126.241(12,9%)

    126.657(12,6%)

    127.470(12,4%)

    380.368(12,6%)

    TOTAL 981.664(100%)

    1.002.333(100%)

    1.024.073(100%)

    3.008.070(100%)

    Fonte: Ministrio da Sade (2008e)

    A Tabela 2 mostra que a mortalidade proporcional por doenas crnicas, quando se redistribui as mortes mal definidas, alta em todas as regies do pas, mesmo naquelas mais pobres.

    Tabela 2: Mortalidade proporcional por doenas crnicas com redistribuio das causas mal definidas, por regio, Brasil, 2004

    REGIES %

    Norte 65,3

    Nordeste 74,4

    Centro-Oeste 69,5

    Sudeste 75,6

    Sul 78,5

    Fonte: elaborao do autor

    Do ponto de vista da morbidade, tomada na sua vertente da morbidade hospi-talar, v-se na Tabela 3 que, das 13 principais causas de internao no SUS, no ano de 2005, nove foram por condies crnicas, considerando-se as causas maternas e perinatais como condies crnicas.

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    37

    Tabela 3: As principais causas de internaes no SUS em valores porcentuais, Brasil, 2005.

    CAUSA DE INTERNAO %

    Parto Normal 13,5

    Pneumonia 6,9

    Parto Cesreo 4,9

    Enteroinfeco 3,1

    Insuficincia cardaca 2,9

    Curetagem ps-aborto 2,1

    Doena pulmonar obstrutiva crnica 1,5

    Acidente vascular-cerebral 1,5

    Crise asmtica 1,5

    Hernorrafia inguinal 1,3

    Crise hipertensiva 1,3

    Pielonefrite 1,2

    Diabetes 1,0

    Fonte: SIH SUS (2005), elaborao do autor

    Uma outra forma de analisar a situao epidemiolgica pela carga de doenas.

    A anlise da carga de doena no Brasil, exposta na Tabela 4, mostra que o soma-trio das doenas crnicas e das condies maternas e perinatais que constituem condies crnicas representam 75% da carga global de doenas no pas, medidas em anos de vida perdidos ajustados por incapacidade (AVAIs). Enquanto isso, as condies agudas, expressas nas doenas infecciosas, parasitrias e desnutrio e causas externas, representam 25% da carga de doena. Mas deve-se observar, ainda, que uma parte significativa das doenas infecciosas, aquelas de longo curso, devem ser consideradas como condies crnicas, o que aumenta, alm de dois teros, a presena relativa das condies crnicas na carga de doenas.

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    Tabela 4: Carga de doenas em anos de vida perdidos ajustados por incapacidade (AVAIs), Brasil, 1998

    GRUPOS DE DOENASTAXA POR MILHABITANTES

    %

    Infecciosas, parasitrias e desnutrio 34 14,7

    Causas externas 19 10,2

    Condies maternas e perinatais 21 8,8

    Doenas crnicas 124 66,3

    Total 232 100,0

    Fonte: Schramm et al. (2004)

    A anlise da Tabela 5 evidencia que das dez principais causas de AVAIs no pas, apenas trs, violncia, infeces de vias areas superiores e acidentes de trnsito, no so condies crnicas. E que as seis principais causas de AVAIs so, todas, condies crnicas.

    Tabela 5: As dez principais causas de anos de vida perdidos ajustados por incapacidade (AVAIs), Brasil, 1998.

    CONDIO DE SADE %

    Diabetes mellitus 5,1

    Doena isqumica do corao 5,0

    Doenas crebro-vascular 4,6

    Transtorno depressivo recorrente 3,8

    Asfixia e traumatismo ao nascer 3,8

    Doena pulmonar obstrutiva crnica 3,4

    Violncia 3,3

    Infeces de vias areas inferiores 2,9

    Acidentes de trnsito 2,7

    Doenas degenerativas do sistema nervoso central 2,6

    Fonte: Schramm et al. (2004)

    A prevalncia dos fatores de risco no Brasil aponta no sentido de uma produo social de condies crnicas, j que eles respondem pela grande maioria das mortes por doenas crnicas e por frao significativa da carga de doenas devida a essas

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    39

    condies de sade. Observa-se na Tabela 6, resultado de pesquisa do Ministrio da Sade, que os fatores de risco esto significativamente presentes na populao das capitais brasileiras e do Distrito Federal.

    Tabela 6: Porcentual de adultos com fatores de risco em capitais dos estados brasileiros e Distrito Federal, VIGITEL, 2007

    FATOR DE RISCO% (VALOR MNIMO E

    VALOR MXIMO)

    Tabagismo 11,5 21,7

    Excesso de peso 33,4 49,7

    Consumo regular de frutas e hortalias 16,8 40,0

    Atividade fsica no lazer 11,3 20,5

    Consumo abusivo de lcool 13,4 23,1

    Hipertenso arterial 13,8 26,9

    Fonte: Ministrio da Sade (2009)

    Observa-se, no Brasil, um processo de transio nutricional que resultou de mudanas substanciais na alimentao, com a crescente oferta de alimentos indus-trializados, facilidade de acesso a alimentos caloricamente densos e mais baratos e reduo generalizada da atividade fsica. Essa transio nutricional favorece o incremento das condies crnicas.

    A situao epidemiolgica brasileira esconde uma epidemia oculta: a epidemia das doenas crnicas, o que pode ser constatado pelo exame do Grfico 5.

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    Grfico 5: Taxas de mortalidade ajustadas por idade por cem mil habitantes por doenas crnicas, em pessoas de 30 anos ou mais, em pases selecionados, 2005

    Brasil Canad China ndia Nigria Paquisto Rssia Reino Unido Tanznia

    1200

    1000

    800

    600

    400

    200

    0

    Fonte: World Health Organization (2005)

    A taxa de mortalidade padronizada por idade por doenas crnicas no Brasil, em pessoas de 30 anos ou mais, de 600 mortes por cem mil habitantes, o que representa o dobro da taxa do Canad e 1,5 vezes a taxa do Reino Unido (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2005). Como consequncia, estima-se que morram, a cada dia, no Brasil, quase 500 pessoas em decorrncia de infartos agudos do miocrdio e acidentes vasculares-cerebrais.

    Tomando-se as doenas cardiovasculares, conforme se v no Grfico 6, as ta-xas de mortalidade padronizadas por idade por cem mil habitantes, por doenas cardiovasculares, em pessoas com mais de 30 anos, caem sustentadamente nos pases desenvolvidos, enquanto, no Brasil, apresentam tendncia de queda em anos recentes, ainda que em patamares muito altos em termos de comparaes interna-cionais. Com relao ao diabetes h um aumento da mortalidade por esta doena (MINISTRIO DA SADE, 2005).

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    41

    Grfico 6: Taxas de mortalidade padronizadas por idades por cem mil habitantes por doenas cardiovasculares em homens de 30 anos ou mais, em pases selecionados, 1950/2002

    1000

    900

    800

    700

    600

    500

    400

    300

    200

    EUA

    Rssia

    Brasil

    AustrliaReino Unido

    Canad

    1950 1960 1970 1980 1990 2000 2010I I I I I I I

    Fonte: World Health Organization (2005)

    Boa parte das mortes por doenas crnicas poderia ser evitada. A estimativa de que poderiam ser evitadas, no mundo, em 2015, com medidas de preveno de doenas crnicas, 36 milhes de mortes (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2005).

    A Tabela 7 compara os anos de vida perdidos ajustados por incapacidade (AVAIs) do Brasil com os pases do Grupo Amrica A que inclui os pases americanos que apresentam taxas muito baixas de mortalidade infantil e de adultos (Canad, Cuba e Estados Unidos).

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    Tabela 7: Anos de vida perdidos ajustados por incapacidade (AVAIs), taxas por mil habitantes, Brasil e Grupo Amrica A

    DOENAS CRNICAS AVAIs BRASIL AVAIs AMRICA A

    Cnceres 154 100

    Diabetes 12 3

    Doenas neuro-psiquitricas 43 42

    Doenas cardiovasculares 31 14

    Doenas respiratrias crnicas 19 8

    Outras doenas crnicas 34 20

    Fonte: Banco Mundial (2005)

    A anlise dos dados da Tabela 7 mostra que existe uma carga potencialmente evitvel de doenas crnicas muito significativa, especialmente relacionada com as doenas cardiovasculares, com o diabetes, com as doenas respiratrias crnicas e com alguns tipos de cncer. H que se observar ainda que, mesmo nesses pases de melhores nveis de sade, os do grupo Amrica A, h, ainda, uma margem grande de carga evitvel das doenas crnicas.

    A forte prevalncia de condies crnicas no Brasil tem repercusses econmicas significativas para o pas.

    A Tabela 8 indica que os gastos do SUS com as doenas crnicas foram respons-veis, em 2002, por 69,1% dos gastos hospitalares e ambulatoriais de nosso sistema pblico de ateno sade.

    Tabela 8: Estimativa de gastos hospitalares e ambulatoriais do SUS com doenas crnicas, 2002

    TIPO DE GASTO VALOR EM R$ %

    Gasto ambulatorial 3.824.175.399 35,0

    Gasto hospitalar 3.738.515.448 34,2

    Gasto total com doenas crnicas 7.562.690.848 69,2

    Gasto total hospitalar e ambulatorial 10.938.741.553 100,0

    Fonte: Ministrio da Sade (2005)

    As consequncias econmicas de um enfrentamento inadequado das condies crnicas no Brasil que, no perodo de 2005 a 2015, as perdas financeiras decor-

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    43

    rentes de mortes prematuras causadas por doenas cardiovasculares e diabetes so estimadas em, aproximadamente, 50 bilhes de dlares. A perda estimada em 2005 foi 2,7 bilhes de dlares e poder atingir, em 2015, 9,3 bilhes de dlares (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2005). Isso significar, como se v no Grfico 7, que essas perdas podero atingir 0,5% do PIB nacional em 2015.

    Grfico 7: Perdas de renda em porcentuais do PIB por doenas cardiovasculares e diabetes, em pases selecionados, 2005/2015.

    6

    5

    4

    3

    2

    1

    0

    2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015I I I I I I I I I I I

    Brasil

    ndia

    Rssia

    Canad

    Nigria

    Reino Unido

    China

    Paquisto

    Tanznia

    % re

    du

    o de

    GDP

    Fonte: World Health Organization (2005)

    Concluindo, pode-se afirmar que, a partir das informaes analisadas, o mundo e o Brasil apresentam um processo de envelhecimento de sua populao e uma situao de transio das condies de sade, caracterizada pela queda relativa das condies agudas e pelo aumento das condies crnicas. Ou seja, manifesta-se, universalmente, o fenmeno da transio epidemiolgica.

    Entende-se por transio epidemiolgica as mudanas ocorridas, temporalmen-te, na frequncia, na magnitude e na distribuio das condies de sade e que se expressam nos padres de morte, morbidade e invalidez que caracterizam uma populao especfica e que, em geral, acontecem, concomitantemente, com outras transformaes demogrficas, sociais e econmicas (SANTOS-PRECIADO et al., 2003; SCHRAMM et al., 2004).

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    H, contudo, padres diferenciados de transio epidemiolgica, especialmente, verificveis nos pases desenvolvidos e em desenvolvimento. Nos pases desenvolvi-dos a transio fez-se, classicamente, por etapas sequenciais, segundo o modelo de Omram (1971). Contudo, essa transio, nos pases em desenvolvimento em geral, e no Brasil, em particular, apresenta caractersticas especficas em relao aos pases desenvolvidos, ao se superporem uma agenda tradicional e uma nova agenda da sade pblica.

    Por isso, em vez de falar transio epidemiolgica nos pases em desenvolvimento, melhor dizer de acumulao epidemiolgica ou modelo prolongado e polarizado (FRENK et al., 1991) ou de dupla carga de doenas ou de duplo risco, caracterizada pela persistncia de doenas infecciosas e desnutrio e pela escalada rpida das doenas crnicas (ORGANIZAO MUNDIAL DA SADE, 2003).

    Essa situao epidemiolgica singular dos pases em desenvolvimento que se manifesta claramente no Brasil define-se por alguns atributos fundamentais: a superposio de etapas, com a persistncia concomitante das doenas infecciosas e carenciais e das doenas crnicas; as contratransies, movimentos de ressurgimento de doenas que se acreditavam superadas, as doenas reemergentes como a den-gue e febre amarela; a transio prolongada, a falta de resoluo da transio num sentido definitivo; a polarizao epidemiolgica, representada pela agudizao das desigualdades sociais em matria de sade; e o surgimento das novas doenas ou enfermidades emergentes (MENDES, 1999; ORGANIZAO MUNDIAL DA SADE, 2003).

    Essa complexa situao epidemiolgica tem sido definida, recentemente, como tripla carga de doenas, porque envolve, ao mesmo tempo: primeiro, uma agenda no concluda de infeces, desnutrio e problemas de sade reprodutiva; segundo, o desafio das doenas crnicas e de seus fatores de riscos, como tabagismo, sobrepeso, inatividade fsica, uso excessivo de lcool e outras drogas e alimentao inadequada; e terceiro, o forte crescimento da violncia e das causas externas (FRENK, 2006).

    A emergncia de uma situao de condies de sade, caracterizada pela tripla carga de doenas, com forte predomnio relativo de condies crnicas, convoca mudanas profundas nos sistemas de ateno sade.

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    A SITUAO DAS CONDIES DE SADE E OS SISTEMAS DE ATENO SADE

    Os sistemas de ateno sade so definidos pela Organizao Mundial da Sade como o conjunto de atividades cujo propsito primrio promover, restaurar e manter a sade de uma populao para se atingirem os seguintes objetivos: o alcance de um nvel timo de sade, distribudo de forma equitativa; a garantia de uma proteo adequada dos riscos para todos o cidados; o acolhimento humanizado dos cidados; a proviso de servios seguros e efetivos; e a prestao de servios eficientes (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2000; MENDES, 2002b).

    Os sistemas de ateno sade constituem respostas sociais, deliberadamente organizadas, para responder s necessidades, demandas e preferncias das socie-dades. Nesse sentido, eles devem ser articulados pelas necessidades de sade da populao que se expressam, em boa parte, em situaes demogrficas e epide-miolgicas singulares.

    H, portanto, uma relao muita estreita entre a transio das condies de sade e a transio dos sistemas de ateno sade, vez que, ambas, constituem a transio da sade (SCHRAMM et al., 2004).

    A transio das condies de sade, juntamente com outros fatores como o de-senvolvimento cientfico, tecnolgico e econmico, determina a transio da ateno sade (FRENK et al., 1991). Por essa razo, em qualquer tempo e em qualquer sociedade, deve haver uma coerncia entre a situao das condies de sade e o sistema de ateno sade. Quando essa coerncia se rompe, como ocorre, nesse momento, em escala global, instala-se uma crise nos sistemas de ateno sade.

    A crise contempornea dos sistemas de ateno sade reflete, portanto, o desencontro entre uma situao epidemiolgica dominada pelas condies crni-cas nos pases desenvolvidos de forma mais contundente e nos pases em desen-volvimento pela situao de dupla ou tripla carga das doenas e um sistema de ateno sade voltado predominantemente para responder s condies agudas e aos eventos agudos, decorrentes de agudizaes de condies crnicas, de forma reativa, episdica e fragmentada. Essa crise tem sido caracterizada pelos propositores do modelo de ateno a crnicos, como resultado da ditadura das condies agudas (COLEMAN e WAGNER, 2008). Isso no est dando certo nos pases desenvolvidos, isso no dar certo nos pases em desenvolvimento.

    Essa crise medular dos sistemas de ateno sade explica-se por fatores hist-ricos, culturais e tcnicos.

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    Ham faz uma anlise histrica dos sistemas de ateno sade, mostrando que at a primeira metade do sculo XX, eles se voltaram para as doenas infecciosas e, na segunda metade daquele sculo, para as condies agudas. E afirma que nesse incio de sculo XXI, os sistemas de ateno sade devem ser reformados profundamente para dar conta da ateno s condies crnicas. As razes esto resumidas numa citao que faz: O paradigma predominante da doena aguda um anacronismo. Ele foi formatado pela noo do sculo XIX da doena como uma ruptura de um estado normal determinada por um agente externo ou por um trauma. Sob esse modelo a ateno condio aguda o que enfrenta diretamente a ameaa. Mas a epidemiologia moderna mostra que os problemas de sade pre-valecentes hoje, definidos em termos de impactos sanitrios e econmicos, giram em torno das condies crnicas (HAM, 2007a).

    Na mesma linha, a Organizao Mundial da Sade afirma que, historicamente, os problemas agudos, como certas doenas infecciosas e os traumas, constituem a principal preocupao dos sistemas de ateno sade. Os avanos da cincia biomdica e da sade pblica, verificados especialmente no sculo passado, permi-tiram reduzir o impacto de inmeras doenas infecciosas. Por outro lado, houve um aumento relativo das doenas crnicas. E adverte: Pelo fato de os atuais sistemas de sade terem sido desenvolvidos para tratar dos problemas agudos e das neces-sidades prementes dos pacientes, eles foram desenhados para funcionar em situa-es de presso. Por exemplo, a realizao de exames, o diagnstico, a atenuao dos sintomas e a expectativa de cura so caractersticas do tratamento dispensado atualmente. Alm disso, essas funes se ajustam s necessidades de pacientes que apresentam problemas de sade agudos ou episdicos. No entanto, observa-se uma grande disparidade quando se adota o modelo de tratamento agudo para pacientes com problemas crnicos. O tratamento para as condies crnicas, por sua natureza, diferente do tratamento dispensado a problemas agudos. Nesse sentido, os sistemas de sade predominantes em todo o mundo esto falhando, pois no esto conse-guindo acompanhar a tendncia de declnio dos problemas agudos e de ascenso das condies crnicas. Quando os problemas de sade so crnicos, o modelo de tratamento agudo no funciona. De fato, os sistemas de sade no evoluram, de forma perceptvel, mais alm do enfoque usado para tratar e diagnosticar doenas agudas. O paradigma do tratamento agudo dominante e, no momento, prepon-dera em meio aos tomadores de deciso, trabalhadores da sade, administradores e pacientes. Para lidar com a ascenso das condies crnicas, imprescindvel que os sistemas de sade transponham esse modelo predominante. O tratamento agudo ser sempre necessrio, pois at mesmo as condies crnicas apresentam episdios agudos; contudo, os sistema de sade devem adotar o conceito de tratamento de problemas de sade de longo prazo (ORGANIZAO MUNDIAL DA SADE, 2003).

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    A razo cultural para a crise contempornea dos sistemas de ateno sade est nas concepes vigentes sobre as condies crnicas e sobre as formas de enfrent-las, o que implicam o seu negligenciamento. A Organizao Mundial da Sade sintetiza em dez enganos generalizados, as ideias equivocadas ou os mitos de que as doenas crnicas so uma ameaa distante ou menos importante que as condies agudas (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2005). Mito 1 As doenas crnicas afetam principalmente os pases de alta renda.

    Isso no verdade porque quatro de cada cinco mortes por doenas crnicas acontecem em pases de baixa e mdia renda.

    Mito 2 Os pases de baixa e mdia renda deveriam controlar as doenas in-fecciosas antes das doenas crnicas. Isso no verdade porque esses pases apresentam uma dupla ou tripla carga das doenas e esto no centro de antigos e novos desafios de sade pblica.

    Mito 3 As doenas crnicas afetam principalmente as pessoas ricas. Isso no verdade porque, em geral, as pessoas mais pobres, mais provavelmente que as ricas, iro desenvolver doenas crnicas e mais possvel que morram em consequncia disso.

    Mito 4 As doenas crnicas afetam as pessoas de idade. Isso no verdade porque quase metade das mortes causadas por doenas crnicas ocorre pre-maturamente, em pessoas com menos de 70 anos de idade, e um quarto das mortes so em pessoas de menos de 60 anos de idade.

    Mito 5 As doenas crnicas afetam primordialmente os indivduos do sexo masculino. Isso no verdade porque as doenas crnicas, inclusive as doenas cardiovasculares, afetam mulheres e homens de maneira quase igual.

    Mito 6 As doenas crnicas so resultados de estilos de vida no saudveis. Isso no verdade porque leva a uma vitimizao das pessoas portadoras de doenas crnicas e a responsabilizao individual s pode ter efeito total onde as pessoas tm acesso igual a uma vida saudvel e recebem apoio para tomar decises saudveis.

    Mito 7 As doenas crnicas no podem ser prevenidas. Isso no verdade por-que as principais causas das doenas crnicas so conhecidas e, se esses fatores de risco fossem eliminados, pelo menos 80% de todas as doenas cardacas e do diabetes de tipo 2 poderiam ser evitados e 40% dos cnceres poderiam ser prevenidos. A Tabela 7 atesta esse mito.

    Mito 8 A preveno e o controle das doenas crnicas so caros demais. Isso no verdade porque h uma gama de intervenes sobre as doenas crnicas que so economicamente viveis e propiciam um timo retorno para os investi-mentos, mesmo nas regies mais pobres.

    Mito 9 Meu av fumou e viveu acima do peso at os 90 anos de idade. Isso no verdade porque em qualquer populao haver certo nmero de pessoas que no demonstra os padres tpicos observados na grande maioria, o que no

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    significa que tabagismo e excesso de peso deixem de ser fatores de risco impor-tantes nas doenas crnicas.

    Mito 10 Todo mundo tem de morrer de alguma coisa. Certamente todos tero de morrer um dia, mas a morte no precisa ser lenta, nem prematura, nem com sofrimento prolongado. A morte inevitvel, mas o sofrimento desnecessrio, no.

    Por fim, a razo tcnica para a crise dos sistemas de ateno sade consiste no enfrentamento das condies crnicas na mesma lgica das condies agudas, ou seja, por meio de tecnologias destinadas a responder aos momentos de agudi-zao das condies crnicas normalmente autopercebidos pelas pessoas por meio da ateno demanda espontnea, principalmente em unidades de pronto atendimento ambulatorial ou hospitalar. E desconhecendo a necessidade imperiosa de uma ateno contnua nos momentos silenciosos das condies crnicas quando elas, insidiosa e silenciosamente, evoluem. o que se v no Grfico 8.

    Grfico 8: A lgica da ateno s condies agudas

    APS

    TempoAPS: Ateno Primria SadeUPA: Unidade de Pronto-atendimento AmbulatorialUH: Unidade Hospitalar

    UPA

    UH

    X

    Y

    B

    Fonte: Adaptado, pelo autor, de Edwards et al. (1998)

    Esse grfico mostra o curso hipottico da severidade de uma doena, em uma pessoa portadora de uma condio crnica. A regio inferior, da base do grfico at a linha A, representa, num determinado tempo, o grau de severidade da condio

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    crnica que pode ser gerido rotineiramente pelas equipes de ateno primria sade; o espao entre a linha A e B representa, em determinado tempo, o grau de severidade da condio crnica que pode ser respondido por uma unidade de pronto--atendimento ambulatorial; e, finalmente, o espao superior linha B representa, em determinado tempo, o grau de severidade da condio crnica que necessita de atendimento numa unidade hospitalar. Suponha-se que se represente a ateno a um portador de diabetes do tipo 2. Pela lgica da ateno s condies agudas, essa pessoa quando se sente mal ou quando agudiza sua doena, busca o si